jazz, modernity, race.2009.roxo,pedro

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Roxo, Pedro (2009) “Modernidade, Transgressão Sexual e Percepções da Alteridade Racial Negra na Recepção do Jazz em Portugal nas Décadas de 1920 e 1930” in Ar t e e Eros. Lisboa: FBAL / Instituto Francisco de Holanda.

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Roxo, Pedro (2009) “Modernidade, Transgressão Sexual e Percepções daAlteridade Racial Negra na Recepção do Jazz em Portugal nas Décadas de1920 e 1930” in Arte e Eros. Lisboa: FBAL / Instituto Francisco deHolanda.

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  • Roxo, Pedro (2009) Modernidade,Transgresso Sexual e Percepes da Alteridade Racial Negra na Recepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930 in Arte e Eros. Lisboa: FBAL / Instituto Francisco de Holanda.

  • f por PedroRoxo MODERNIDADE, TRANSGRESSOSEXUAL E PERCEPES DA ALTERIDADERACIAL NEGRA NA RECEPO DO JAZZ EMPORTUGAL NAS DCADAS DE 1920 E 1930

    ' 30

    esta comunicao so apresentados alguns dados preliminares relati -vos a uma investigao em curso sobre a recepo do jazz e das danasditas "modernas" em Portugal ' , relacionando esse processo com os

    (Ii. cursos e as ideologias coloniais e raciais dominantes, num perodo parti-ularmente conturbado da histria de Portugal: a transio da primeira para

    :1 egunda repblica com a consolidao da ditadura militar e posteriormente:I afirmao do Estado Novo. Especificamente, sero realadas as contradiesLI i cursivas e ideolgicas espoletadas pelo impacto das emergentes formas de.ntretenimento nas percepes de alteridade racial , na negociao das frontei-ras de gnero e de classe social, e na desestabilizao e contestao das prticasorporais e sexuais - uma vez que as representaes somticas estiveram na

    Iinha da frente das figuraes da modernidade' em Portugal.Apesar de estudos no mbito dos Popular Music Studies, dos Cultural

    tud ies e da Etnomusicologia realarem a importncia do estudo da culturaxpressiva (como a msica e a dana) para compreender dinmicas culturais eociais que escapam s narrativas centradas primordialmente nas anlises po-

    lticas e econmicas, os discursos sobre jazz em Portugal, alm de se afigura-rem predominantemente descritivos e panegricos, con tinuam a enquadrar e aclassificar o conhecimento' no mbito de uma lgica legitimadora ("jazz comomsica de 'arte'") e sequencial de estilos e sub-estilos de jazz (prticas discursi-vas frequentemente apropriadas do jornalismo musical e de estratgias promo-cionais da prpria indstria fonogrfica). O registo panegrico e/ou a reiteraodos discursos dominantes sobre jazz em Portugal tem contribudo para a per-

    I Investiga o preliminar ad iciona l est tambm includa em Roxo e Cas telo-Branco (no prelo).2 Enqua nto co nfigurao histrica e ado pta ndo o arg ume nto de Berm an (1982) no in cio do sculo XX, o conce ito

    de modernidade passa a abranger vrios processos que, apesar de transitarem da revoluo indu stri al, adquiremum a figurao tra nsnaciona l di sseminado s a partir dos EUA, com especia l nfase na industr ial izao; increm en-

    to de novas formas de produtividade e de diviso do trabalh o (p.ex: Ford ismo), desen volvimento tecnolgico edomn io da natureza; a conso lidao do Esta do- Nao co m um sistema bu rocr tico qu e transcend e o ind ivduo;

    o desenvolvim ento da urb anizao e de est ilos de vida a ela assoc iados e co nsequente surg imento de um a socie-dade de consumo e de um a cu ltura popular e de ent reten imento dir eccion adas para o consumo massificado (cf.tambm G idde ns 1990). Adi cion alment e estes fenm eno s so acom pan hados pelo desenvolviment o de uma nova

    co nsc incia crt ica e reflexiva no dom nio das cincias, da pol tica, das artes, da eco no mia, da organizao socia le no qu e respeita relao do Hom em com o transcend ent e (as religies "trad icionais" perdem terreno para acincia ou para formas emerge ntes da experi ncia religiosa) (idem , ibidem). Para um a reflexo sobre a persistncia

    e a natureza mlt ipla da mod ern idade enqua nto proj ecto pol t ico e cultural d isseminado pelo mundo a parti r daEuro pa, cf. Eisensrad t (2007).

    231

  • ta Pedro Roxo

    P ' 1uao de mistifica es, frequentem ente de teor prirnordialista (o l" i 1111 1111ti ivul gador de jazz, o primeiro clube de jazz, o primeiro disco de jazz g l'.l\ .1.111cm territrio nacional, o programa de rdio com maior longevidade, ell .), IIIas qua is se tm ed ificado os discursos que sustm a "h ist ria do jazz cm PIIIIIIga l", ou pelo menos as narrativas tendentes sua hi storizao. Es ta prOp('11 ..IId is ursiva (ou este modelo de prticas de representao) tem-se fundamenr .uh,na eleio mais ou menos selectiva dos assuntos e das referncias qu ' podl IIIser associados a essa "histria", e no estabelecimento de linhagens (de m ,... il II Ide agrupa me ntos musicais, de divulgadores, etc .) a partir de percepes \ 11'111delimitadas daquilo que pode ou no ser considerado jazz". Numa ardil .,ma is atu rada, este tipo de retricas, permite perceber "a histria do jazz II 111111U ma di sputa pela posse (ou apropriao) dessa histria e a legitimidade II' I{'Ia confere'" (D eVeaux citado por H arding 1995: 140), instituindo ou l IIII

    solidando assim "regim es da verdade" (Foucault 1980) - prticas di scursi .1qu e passam a funcionar como "a verdade" em determinado campo do sa\II '1. sob determinadas condicionantes histrico-sociais. Nesta lgica, Hard i II (ibidem) salienta que a disputa por essa histria frequentemente consolid.u l.iat ravs da definio por excluso, relembrando como o jazz foi, ao lon go cI .1sua existncia, apropriado por grupos com agendas diferenciadas e origin: riode todos os quadrantes pol ticos ",

    Na actualidade, a produo discursiva em torno do jazz conhece um C0I1~ 1dervel incremento na mesma proporo em que se multiplicam escolas, cu rSI 1e grupos de estudos universitrios dedicados ao estudo desse domnio musical .A converso do jazz no apenas num capital de consumo com elevada impoit ncia social e sim blica, como tambm num capital cultural de alto va11)1po lt ico e econ m ico", tem contribudo para acentuar e vulgarizar discurso

    J Sobre esta tem t ica, cf D eVeau x (1991 e 1998).' Tra duo livre.

    Nesse sent ido, o entend ime nto d a recepo e prtica do jazz em Port uga l passa necessariam ente por to do 11111

    I rab alho hermenut ico relat ivam ente aos d iscur sos produ zidos pelos d iversos age ntes (d ivulgadores, jomn llst.i ,m sicos, clrigos, pol t icos, consum idores erc.), tan to no passad o co mo na ac tua lida de , com a co nsci ncia de qllt

    na onst ru o di scursiva do jazz em Portugal (como em qu alquer co ns truo di scursiva), o qu e se desvalo riza I I1111 qu e se om ite (de forma prem editad a ou no) torna-se t o relevante como os dados e as perspectivas que .' UIIcu 1:11izad as e mistifi cad as.

    (. ( :111110 po ssvel ver ifica r pela proli ferao de fest iva is e de outras ac tiv ida des relacion ad as co m o jazz, fi11;111dadas pela s polticas cu ltura is e autrqu icas, por inst ituies privad as e por empresas faze ndo uso de pdlil .I"mcccn.it icas.

    ) ,.,-

    Modernidade, Transgresso Sexual e Percepes da Alteridade Racial Negra naRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    c ririmadores que enfatizam o valor da msica enquanto forma de "art e". Nestepr icesso, prticas performativas associadas aos primrdios do jazz ou s prti-.as expressivas africano-americanas centradas particularmente na exibio e nap '[form ao do corpo, como o caso das vrias tipologias de danas de origemafricano-americana, tm sido negligenciadas (quando no mesmo ignoradas),frequen temente remetidas para a categoria do entretenimento ligeiro prprioI uma poca em que o jazz passava por todo um processo de afirmao e de

    autonom izao enquanto gnero musical. Nesse mbito, as danas de or igemafricano-americana a si associadas viriam a ser conotadas (nomeadamente apart ir dos anos 30) com a msica dirigida s pistas de dana, caracterstica dacultu ra popular massificada, dirigida ao consumidor tendencialmente acrtico( dorno cito por Robinson 1994). T rata-se .de um conjunto de esteretipos,multiplicados por toda uma srie de discursos por parte de jornalistas, divulga-dores, promotores e outros "prod utores de sentido", desde pelo menos a segun-da metade do sculo :XX, correndo o risco de se perpetuarem atravs da legi-timao conferida pela patine acadmica, se os discursos cientficos insistiremem reit erar o mesmo tipo de percepes estereotipadas.

    Na verdade, alm de terem constitudo modelos para performar uma ima-ginao da modernidade e assim contriburem para uma reconsiderao dasrelaes raciais, sociais e de gnero , as msicas e as danas africano-america-nas, foram instrumentais na afirmao de novas formas de entreten imento.Parafraseando Crease (2002), no apenas estimularam o desen volvimento eexpanso de variados espaos de diverso centrados na organizao de eventosdanveis (night-clubs, restaurantes, sales de ch, etc.), como tambm poten-ciaram o mercado para os msicos, conduzindo a um considervel aumen tode conjuntos musicais, tanto em quantidade como em dimenso (os grupospa ssaram, na generalidade, a integrar mais elementos). Adicionalmente, asdanas foram ainda centrais na configurao das estruturas e dos arranjos deinmeras composies que tinham de ser pensadas para se adapta rem s idios-sincrasias do s bailes e das danas (variedade musical e rtmica, adaptao amovimentos especficos, momentos pensados para a troca ou movimentos en-tre pares durante a dana etc. - sobre esta temtica, cf. tambm M alone 1998).Por todos estes motivos, como reala Crease (ibidem) , a dana e a msica paradanar, devem constituir parte integrante do s estudos sobre jazz, no ap enas

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  • ea Pedro Roxo Modernidade, Transgresso Sexual e Percepes da Alteridade Racial Negra naRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    orno meros acessrios que servem para contrastar com o "verdad 'iro" i.llI .mas a mo prticas musicais e performativas fundamentais para a confl gll1.1\ ,IIIi11 i ial desse gnero musical.

    Adicionalmente, as danas modernas constituem ainda o prlogo de 11111dos processos mais relevantes para o estudo do corpo no ocidente no Sl't IIIIIXX, que foi a sua "africano-americanizao" (McClarye Walser 199 ), (' qlllpassou pela mediao de outras prticas musicais e coreogrficas de gencah '1',1 .1aFricano-americana, como o jazz, o rock, o soul, o funky, o hip-hop, el e. N.Irncd ida em que o corpo social e culturalmente mediado serve de base 1,.111os discursos humanos, a compreenso da forma como ocorre essa med ia\ .111onstitui uma tarefa crucial para a compreenso de fenmenos sociais e ' 11 1111

    ra i. (idem, ibidem). Essa tarefa afigura-se tambm particularmente releva 1111 'para a anlise da recepo do jazz nos anos 20 e 30 em Portugal, um 1':11.nt o conservador, de matriz colonialista, e com prticas de subalterniza, .111

    da populao negra, mas que , sobretudo a partir da primeira grande guerr,l .fi a exposto s tendncias da globalizao e da americanizao do mundo l' .1ulrura popular industrializada que acompanha esses processos.

    Ideologia colonial e percepes da alteridade racial negra.

    Como reala Matos (2006), aps a conferncia de Berlim (1884-1885), Porrugal iniciou uma prtica colonialista que passou a racionalizar meios naturaisc humanos. Aps as campanhas de pacificao em frica, a necessidade dl'onhecer e classificar o territrio e as suas populaes (num processo de censo

    Iidao do imprio colonial), conduziu a um comprometimento entre cin i:1~ poltica que influenciou parte das representaes da alteridade racial negra.E a partir deste momento que se desenvolver o colonialismo cientfico, com ()surgimento de instituies para o estudo e divulgao do conhecimento sobreas colnias, e o desenvolvimento de disciplinas de investigao (como a Antro-pologia fsica) que tendiam a estabelecer classificaes das espcies humanasom base em critrios racialistas (se bem que em larga medida arbitrrios e.tnoc nt ricos). Atravs da realizao de conferncias e congressos para a divul-

    gao do conhecimento, a ideologia colonial procurou legitimar-se cientifica-

    _. 4

    111 'IHe?, sobretudo com recurso a discursos devedores do evolucionismo social,que colocavam as culturas e as sociedades extra-europeias margem da civi-Iizao devido ausncia de progresso e civilidade, como relquias histricasI . um estgio evolutivo anterior e obsoleto (logo, inferior cultura europeia).E tas perspectivas viriam a ser apropriadas, ajustadas e reiteradas em estratgiasle representao do "outro", consolidadas em eventos de enaltecimento da su-

    premacia "civilizacional" europeia e de legitimao da ideologia imperialista,mo as exposies coloniais, que punham os metropolitanos em contacto com

    a alteridade racial e com culturas at ento pouco conhecidas ou at mesmoincgnitas para os europeus", A ttulo de exemplo, na Exposio IndustrialPort uguesa de 1932 , realizada em Lisboa, foram "import ados" indgenas da

    uin para serem apresentados como quadros vivos aos visitantes da exposio,qual zoo humano. E talvez no seja de estranhar que um dos aspectos maiscontroversos dessa mostra foi exactamente o interesse que as mulheres africa-nas com os seus seios desnudados despertaram entre os visitantes masculinosda exposio e a ateno que o sector feminino prestava a alguns negros, so-bretudo a um dos lderes do grupo (um prncipe Fula), o que espoletou algumescndalo na imprensa da poca (Matos, ibidem). O mesmo viria a repetir-sena I Exposio Colonial, em 1934 , realizada no Porto, para a qual foram tra-

    7 T ratava-se de aprofun dar o co n heci menro dos espaos ultram arin os e das suas populaes autctones. inclu-sivarnenre atravs da criao de cursos sobre tem ticas relacio nadas com as colnias. D iversas institu ies go-verna menta is e no governa me nra is promovia m este esforo de div ulgao que era ain da complementado pela

    realizao de vr ios congressos, sobretudo ao longo dos anos 30 (cf Matos. ibidem). Algumas das insti tu iescr iadas pa ra o estu do e divul gao do conhecimenro sobre as colnias foram : 1857 - Soc iedade de Geografia deLisboa; 1902 - Escola de Med icina Tropical (em 1935 convertida em Institu to de Med icina Tropical); 1912 - Mu-seu Etnogrfico de Ango la e Congo; 1913 - Servio dos Negcios Ind genas e de Reconh ecimenro e ExploraoCient ficos: 1918 - Sociedade Portuguesa de Anrropologia e Etnologia; 1921 - Ncleo Portugus do Insti tu toInternac iona l de Anrropologia; 1924 - Agncia Ge ral das Co lnias (1951 - Agncia Geral do Ultra mar); 1937 -Sociedade Portuguesa de Estudos Eugnicos (Estatutos aprovados em 1934).

    8 Principais Exposies e Feiras Coloniais nas Dcadas de 1920 e de 1930 co m part icipao port uguesa ou reali -zadas no ter rit rio portugus: 1924 - Feira Inrern acion al de Bru xelas; 1925 - Expos io Internacional das ArtesDecorativas e Indu str iais Mo de rnas de Par is; 1925 - Exposio Co lonia l In rer-Al iada de Paris; 1929 - Expos ioIbero -Am ericana de Sevilha; 1930 - Expos io Int ern acion al Co lon ial. Martima e de Arte Flamenga - Anrur-pia; 1931 - Exposio Co lonial Internacional de Pari s; 1932 - Exposio Industr ial de Lisboa ; 1934 - I Exposi-o Colonia l Portuguesa (Por to); 1937 - Exposio de Art e Co lonial de Npoles; 1935 - Feira Int ern acion al deTrpolis; 1937 - Expos io Universal de Par is; 1937 - Exposio H ist rica da O cup ao no Sculo XIX (Lisboa);1938 - Expos io-Feira de Ango la; 1939 - Exposio Uni versal de Nova-Iorque; 1940 - Exposio do MundoPortugu s (Lisboa).

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  • ta., Pedro Roxo Modernidade, Transgresso Sexual e Percepes da Alteridade Racial Negra naRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    zidos au tctones de An gola , Guin e Moambique (cf idem, ibidem: Ml'llclIll00 ). e facto , se a dissemelhana somtica con stitua a principal t"rolll l'il

    .nrrc o branco e negro e tambm uma das principais causas de curiosid.uIde atraco, o contacto fsico (nomeadamente por via sexual) con sti tua li III tllII rincipais temores do homem branco perante a potencial ameaa de CO Il I; 1I 11nao "negra". Essa tenso seria causa de inmeras fantasias e mitos, nomr:L.mente o do negro hiper-sexualizado. Como explica Tagg (1989) para o onu-: IIIanglo -saxnico, protestante, liberal e esclavagista (mas que em vrios asp 'ri I)ada ptvel ao Portugal colonial do perodo esclavagista e posterior), os es T :I II Ialm de trabalharem, tinham a obrigao de se reproduzirem (frequenrcnn-nr.os pares acasalavam por indicao do seu proprietrio), originando assim III.limo-de-obra e maior produtividade sem necessidade de investimentos fIliaIIeiros ad icionais. Por vezes alguns dos cativos eram vendidos quando a 1lI :111

    -de-obra se tornava excessiva. Nos leiles pblicos ficavam expostos expoxlo humilhante do corpo devido aos exames dos potenciais compradores qlll

    pretend iam aperceber-se do potencial de fora (capacidade de trabalho) 'd .1sua capacidade de procriao. Neste contexto desenvolveu-se a noo do n l~ 1 1Iforte, corpulento, bom reprodutor que , juntamente com jovens negras frrcis.se tornaram bens materiais e de troca cobiados. A juntar a isto , as fantasias l 'as transgresses sexuais do proprietrio (que frequentemente tirava partido d:l ~escravas, desenvolvendo sentimentos de culpa relacionados com a moral religiosa que favorecia a monogamia e a pureza da raa) eram projectadas no negro ,favorecendo assim os mecanismos de reproduo de esteretipos e de fanta: ia.'!em relao sua sexualidade", A "sexualidade excessiva" que era associada a()~negros surgia articulada com outros tipos de percepes estereotipadas, conu Idesordem fsica e moral, preguia, inferioridade intelectual e cultural, infan I i

    l) Tagg expe jocosa e exemplarmente este processo: ,. .Th ere ar your doorstep was rhe ' big buck nigger ' who W. I'

    cxpccted to sow oats in one field after rhe orher while you had to be a 'one woman rnan ' and repress po ssih h-

    memories of pleasure spent eirh er wirh your 'one man wornan ' (also broug hr up wir h fears and gui lts abour Sl' )

    Dr wir h one of rhe slave girls (even more sinful). No wonder our forefarhers cred ited black males wirh big~l' l

    ocks as wel l as greater desires an d sexua l potency rha n we rhoughr we were allowe d to have. No wonde r eirhc :

    why we projec red on to black wo me n the atrributes of insat iable nymphom aniacs. Sexua l gui lt amo ng Wh ill"

    and irs projecti on on to Blacks may in fact have been viral links in rhe chai n of oppression making slavery in ti l!'New Wo rld into a goi ng concer n. My ficriou s ances rors rnust have ' known' ali too well where he srood morall y

    in rclation to h is superio rs (a miserable sinner) and - rh roug h his project ion of gu ilt and longin g - in relatio n lo

    xlavcs (prom iscuous animaIs who d id and had to do ali rhe 'naughry', 'nasry' an d 'd irt y' th ings in borh wor k andscx). oo" (ibidem: 294),

    .;6

    Iidade, fora fsica (o qu e legitimava o trabalho forado), superstio, lascvia(s bretudo as suas prticas expressivas) e, em casos limite, antropofagia. E na

    .rdade, o projecto colonial portugus reiterava sobretudo percepes negati-i tas de caracterizao sumria da alteridade de acordo com convenincias eantagens para a perpetuao da soberania nos vrios territrios africanos onde

    a nao exercia a sua influncia. Como salienta Henriques (1999), apesar daliversidade geogrfica e cultural dos espaos africanos colonizados por portu-rueses brancos, a estruturao social local obedeceu uniformemente a ideolo-

    gias de certo modo eugenistas que impunham e perpetuavam a imaginao dauperioridade racial e cultural do homem branco perante os autctones. Estaircunstncia est desde logo patente na hierarquizao tripartida da sociedadeolonial, em que a existncia de colonos, assimilados e indgenas denotava a

    i posio de esteretipos e de rtulos que marcavam simbolicamente a atribui-o ou negao de funes, lugares e estatutos (idem, ibidem). Esta classificaoeria imposta pelo "regime do indigenato", que vigoraria at 1961, tendo sido

    rati ficado por trs diplomas especficos em 1926 , 1929 e 195410 O diplomade 1926 classificava os indgenas como "os indivduos de raa negra ou deladescendentes que, pela sua ilustrao e costumes, se no distingam do comumdaquela raa" (Estatuto de 1926 citado em Silva op.cit.: 320). O critrio tnico--cultural (Silva ibidem) usado nesta definio alm de perpetuar uma noohomogeneizante e essencialista da alteridade racial negra, acusa igualmente apropenso colonial do estado portugus que seria acentuada at revogao doestatuto do indgena, em sequncia das presses exercidas pela ONU e com oespoletar da guerra em Angola.

    Henriques (op.cit.) assinala ainda vrios nveis ideolgicos que, articuladosentre si, denotam a atitude colonial portuguesa na sua percepo e represen-tao da alteridade racial. D este modo, a partir de meados do sculo XIX , accionado o pretexto da legitimidade histrica portuguesa qu e, sob a ideologiados "cinco sculos de colonizao" transitar para a estratgia colonial da di-

    10 Foi ut ilizado Silva (1996) na referncia a estes decretos: 1) "Estatuto Polti co , C ivil e C rimi na l dos Indge nas deAngo la e Moambique" - aprovado por decreto n? 12533 de 23 O ut ubro 192 6 (as suas d isposies to rna ram-se

    extens veis colnia da G uin e aos ter ritrios das com pa nhias pr ivilegiad as de Moambique e Niassa - atravsdo Dec. nO 13698 de 30 M aro 1927); 2) "Estatuto Pol t ico, Civ il e C rim ina l dos Ind genas" - aprovado po r

    decreto n? 16473, de 6 Fevereiro 1929; 3) D L nO39666 de 20 Maio 1954 que integrava o estatuto dos indgenas

    das prov ncias da G uin, Angola e Moambique.

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  • ea, Pedro Roxo Modernidade, Tran gresso Sexual e Percepes da Alteridade Racial Negra naRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    Iadu ra no seu projecto imperialista. Esta tese seria reforada pela inVl'II~ ,III .III.xist ncia de uma continuidade geogrfica entre os diferentes territrios 11111 .1marinos, promovendo a imaginao de uma nao portuguesa qu . se l ' ~ll 'lld ia do Minho a Timor' ! (idem, ibidem). Esta vocao ultramarina seria a i 11.11justificada pela ideologia da misso civilizadora dos portugueses, enCaITl'!',111da tarefa educadora dos povos "no civilizados", operao que pressupunh.i Io nsci ncia da superioridade do homem branco em todos os aspectos. N II

    I ro csso, a adopo da religio catlica e o estatuto de trabalho passa raIII ,Ion stituir caractersticas fundamentais para a transio do "estado selvagem " .1ond io "sem-civilizada'', uma vez que a total igualdade de estatuto soc i.i l I

    ra ial nunca viria a ser possvel, mau grado a alterao de prticas alimcnt ;111. de hbitos de vesturio (p.ex.: a passagem do nu a vestido"), a substit U i~ ,III

    de religies africanas pelo catolicismo, e a alterao de hbitos culturais, 1111mead amente no que diz respeito s prticas expressivas, por exemplo a proil lio colonial de prticas coreogrficas e musicais locais, como o "batuko" l'llIabc-Verde" , ou a reserva por parte da administrao colonial moambic.uu

    .m relao a prticas expressivas que faziam uso de instrumentos de perClI..,so (vulgarizados e sintetizados tambm na expresso "batuques" ou aiml.i"tambores") para acompanhar prticas performativas e/ou prticas religiosaautctones (S-Marques 2007). Ainda na sequncia do raciocnio de Henrique(op.cit.), a inacessibilidade das populaes autctones educao superior ( li Imesmo bsica) acentuava e perpetuava a sua condio de subalternidade em n:lao ao homem branco. Este aspecto concorria para que o aparelho dominadi liolonial pudesse perpetuar a ideologia de uma superioridade natural do colom I

    perante o colonizado (sendo por vezes inclusivamente aceite e reconhecida P( li.sre), acentuando uma hierarquizao somtica que justificaria uma srie deomport amentos que reforavam a dominao e a humilhao do colonizado

    e a construo de fronteiras sociais (p.ex.: proibio do africano olhar umamulher branca de frente) e espaciais (p.ex.: as cidades passam a ter zonas res 'r

    I I Perspectiva co nde nsada no sloga n Esrado-N ovisra "Portugal no um pas peq ueno " (He nriques ibidem: 2 1')),I ) Apesar da tolerncia e interesse por pa rre da po pu lao branca pelo nu do s troncos femin inos - o qu e viria a M ' I

    lim a rcrnririca cons ta nte no artesa na to das popu laes au tc to nes no perodo colon ial, sobrerudo nas escu lt u ra,.u u ro po m r ficas frequ entem ente designada s no lxico co lonia l por manipan os.

    I J Em abc-Verde, esre rerm o design a um gne ro mu sica l e coreogrfico colect ivo, qu e envolve o ca nto, a dan a ('a ex ec u o de instru mentos de pe rcusso por eleme ntos femi ni nos (cf. Rib eiro, no prel o).

    a las a autctones e outras a brancos, de preferncia remetendo o negro paraos spaos mticos do "m ato" ou da "selva").

    A partir das primeiras dcadas do sculo XX, a crescente disseminao a11 vel global de produtos e de prticas de entretenimento de origem africano--americana (cf. Baxendale 1995, Lotz 1997, Shipton 2007, e.o.) vem acentuar, d iversificar os discursos e as percepes em relao alteridade racial negra-m Portugal. Mendes (no prelo) reala que na Europa desse perodo, a recepo

    cio jazz , a par da reavaliao das manifestaes estticas africanas (nomeada-mente por parte de alguns movimentos artsticos), foi determinante, tanto paraa consagrao de uma identidade moderna baseada no cosmopolitismo, comopara a consolidao de percepes sobre a natureza dos "negros" afectadas porI arad igm as de teor prirnitivista'". Ou seja, alm da sofisticao associada smanifestaes expressivas africano-americanas, a modernidade vem acentuara carga "posit iva" associada s manifestaes estticas africanas e das culturasda Ocenia, centrando o interesse na "negritude" e nas manifestaes tribais(cf. Archer-Straw 2000). Trata-se, neste caso de uma idealizao romnticacom procedncias situadas no que Geertz (op. cit.) apelida de primitivismo cul-tural", caracterizado por conferir ao homem no "ocidental" (tropo para "nocivilizado") uma personalidade inocente e pueril em contrate com o homembranco, cuja superioridade tecnolgica e civilizacional o distanciavam do esta-do de pureza primordial". Esta perspectiva viria tambm a ser apropriada nas

    14 Geerrz (2004) ap lica a expresso "a no ny rnous ideology" noo de primitivismo, exactame nte po r este conceirofu ncionar co mo defin io por defeito (ou definio geral) par a mu iras linhas de pen sam ento acerca de soc ieda des

    e povos d itos "pri m itivos". a plural idade de pe rspecrivas associadas a esse co nceito qu e possibilita a vulgarizaodo seu uso ca rregado de co noraes contradirrias (caracreriza das co mo posirivas ou negativas), consoante as li-

    nhas de pensamento qu e lhe serve m de base. Envo lve ass im co rre ntes que percorrem o pensam ento euro pe u des de

    as pocas clss ica, med ieval e mod ern a, culm ina ndo no in cio do sc ulo XX nas ideologias de dar wini smo socia l

    herd ad as do scu lo X IX (com co no raes negat ivas na caracrerizao do "out ro" ) e do "primitiv ismo mod ern o"

    deved or de di sposies rom nt icas em relao s soc ieda des e cu lru ras extra euro pe ias.

    15 Na sequ nc ia da sistematiza o apresenta da por G eor ge Boas e Ar thur Love joy,

    16 Esra perspecriva esr a inda associada crena (poss ivelme nte co m fundam ent ao religiosa) de que u ma civi-

    lizao ma is pu ra, gen u na e narural j rer ia exisrido algu res no passado da ex istnc ia hum ana, pelo qu e nesra

    lgica os povos prim irivos ou selvagens, sobrerudo de lugares lo ngnquos e ex ticos , esta riam assim mais prx i-

    mos do modelo ideal de exisrnc ia. Esre tipo de repr esentaes pod e estar tam b m associado a lin has onto lgicas

    de pen sam ento mais alargadas qu e conce be m o pro cesso hisrr ico da raa human a num rempo finico (teor ias de

    decad entism o) ou num rempo in fin iro (e por vezes ccl ico) (cf. Gee rrz ibidems.

    239

  • ea., Pedro Roxo Modernidade, Transgresso Sexual e Percepoes da Alteridade Racial Negra naRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    . .. ,omoderno ,~.~~!~~......" UNICOS sem ruido .

    '?~~~~~S d e agulha ~~S~~~

    Dinos e6ralonolusGRAFONOLAS

    "VIVATONAL"

    Mf:PORTORIO PORTUGUEZ:

    Estio I' ve nda 01 novo.df. COS de canto (' ado a, canll,. tc.) p or Ad ellna F ern and es. AU..c u Pancad ll, Corln a Fr e ire. AI ..b e r to Co st . , Alberto Re is. Es te ... .v'o Amar ante, e te ,

    retricas visuais e literrias de alguns movimentos artstico, como o Cubismo' 'ou o Dadasrno", nos quais a cultura material africana e a msica popular africano-americana forneciam inspirao criativa e argumentos que potenciavam acelebrao da nova idade moderna, servindo simultaneamente de oposio aoscnones art sticos, culturais e mesmo civilizacionais herdados do sculo XIX(Tomlinson 1992).

    a bateria). Denotando processos semelhantes de associao, os estilos coreo-grficos de genealogia africano-americana (p.ex.: turkey-trot, black-botto,,!, on~estep, charleston, lindy-bop, etc.) eram usualmente agrupados sob a denominao"danas modernas" (categoria que podia ainda integrar estilos de origem noafricano-americana, como o tango argentino ou o maxixe brasileiro, e.o.). Porestas raz es, torna-se clard que os estudos de recepo do jazz sem a necessriaart iculao com a anlise sobre o papel das indstrias fonogrfica e das tecno-logias de reproduo musical (que potenciam a comercializao de fonogram~se o surgimento de novos estilos musicais), correm o risco de perpetuar estereo-tipos e perspectivas limitadas sobre o efectivo impacte social das msicas e dasdanas modernas agrupadas sob o conceito "jazz".

    O anncio da editora Columbia Records, permite levantar algumas refle-xes no que concerne disseminao da indstria de fonogramas em articula-o com a comercializao de tecnologias de reproduo mecnica da msicaem Portugal. A referncia e a imagem central da Grafonola (aqui destaca~acomo um novo modelo capaz de reproduzir a msica de um modo fiel, permI-tindo a iluso exacta da realidade), faz colocar a nfase principal na tecnologia.Este novo aparelho apresentado como uma inovao musical capaz de ler "semrudo de agulha" os novos discos produzidos pela editora atravs do processo da"gravura elctrica" - uma inovao tecnolgica relativamente ao anterior pro-cesso de "gravao acstica" dominante at 1925 (Mumma, Rye e BK 2001). Ailuso completa da realidade (fonograma com maior fidelidade) constitui um

    P. SANTOS & C~A "alo Mozart__112, RUA tVENS. 84 __ Lisboa

    Jazz e a disseminao de novas formas de entretenimento associadasa uma emergente cultura popular de massas.

    Se em Frana o gosto pelas "coisas negras" dava lugar "negrofilia" - a vastaproduo literria dedicada cultura negra nas dcadas de 20 e de 30 (Cliffordcitado por Mendes 2002), o jazz e as formas coreogrficas que lhe estavam asso-ciadas constituam uma das facetas mais visveis da modernidade disseminadaglobalmente a partir dos EUA, ao ponto de passarem a constituir autnticasmetforas sonoras para os processos de "americanizao" do mundo ento emcurso (Ferro 1924; Brown 2005, e.o.). Em Portugal, a anlise da documentaoe dos discursos produzidos na poca (na imprensa, em novelas, etc.) sugere queo termo "jazz" passou a constituir uma definio geral que albergava vriosprodutos musicais de circulao global e de provenincia africano-americana(ou a ela associados pelos discursos da indstria e do jornalismo), frequentemen-te percepcionados e caracterizados tambm como "msica sincopada", "msicamoderna", "msica americana", jazz-bana, ou por nomenclaturas estilsticasespecficas (p.ex.: foxtrot, charleston, etc.). Por vezes, outros produtos musicaisdisseminados internacionalmente (p.ex .: tango) ou resultado de experienciaslocais de apropriao de algumas caractersticas musicais de estilos importa-dos (p.ex.: fadojoxtrot) eram por vezes integrados tambm no mbito geraldo que se denominava por jazz, ou msica de jazz-band (sobretudo quando severificava o uso do ento novo instrumento que simbolizava a modernidade:

    17 No caso do cub ismo , a in fluncia da escultura africana em Pablo Picasso evidente e assum ida no seu programapictr ico . A pintura Les Demoiselles D 'Avignon (1907), co nsti tu i um dos exemplos mais paradi gm t icos destadi spo sio.

    18 Por exemplo a pro pos ta de " Ianguage-ragtime", do dadasra berl inense, Wa lter M eh ring. Par a mais exemplosrespeitantes ao dada srno e a out ros movimentos artst icos da poca, consulta r Rasul a (2004) .

    REPORTORIO AMERICANO E INGLEZ:~ ltIAts It c:rntu novidades por : u yton & Joftnl lone, Tri.Si.len, Sepbeeseees, Denu Dance 8&nd, Teci Lewil . ndlu. " avana Blnd, Pu cival Mad: t)"l Dand, New Prinec"Tort'mlo Band. fierl Reh cn anel bis " a'laM Band, 5'1'01t I. __ .. ~ D.nd, The C iequot Oub Eaqulm8, Trouba dourt..ete,

    .-=':~~:~~::I~::;d~~T=:~ ::r:.'::=:~~

    ~ adi llII llMltI liaIII, luIrmI.lIu.ao completa d a ....lIdad. I

    o..-r " .0"0"10"0 P.,. e....,.,... ap04 .... "' .Yd1flo . o.

    AOENTSS GERAIS

    para Portugal e Ilhas

    Fig. 1- Annci o da Columbia Records ,Dirio de Lisboa , 25 Nov. 1926.

    240 241

  • ta., Pedro Roxo Modernidade, Tr n gresso Sexu I Percepo s da Alteridade Racial Negra nRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    arra tivo apresentado aos consumidores para a aquisio deste novo eqll il'"mcnto, num perodo em que o incentivo ao consumo privado de m si a dn.l .1ava o conforto da audio passiva, individual e repetida dos artistas favol illlomo argumento de peso. Nesse sentido, so indicadas novidades fonagr:lil .1'.

    d " uma assinalvel diversidade musical, de modo a estimular o desejo de aq IIIsi o'", So assim sugeridos vrios artistas do catlogo da editora, publi ':1( 111ou distribudos em Portugal. Alm de nomear alguns artistas locais ligados ,IIIfado e ao folclore, o anncio faz ainda referncia a fonogramas de reperuu iII'musicais de circulao internacional (pera, tango, zarzuela, etc.), vrias I iplllagias de msica instrumental (trios, solos, orquestras) e a artistas de origl'lIlanglo-saxnica (sobretudo norte-americana), alguns deles associados a tipolngias musicais integradas no mbito geral do que se percepcionava em Port 111'..11orno jazz20 , jazz-band, ou categorias associadas como as indicadas mais at r.is.

    O s fonogramas da fig. 2 constituem um exemplo material da apropriaalocal (ou acomodao comercial, consoante as perspectivas), de produtos cult II

    I') Este an ncio co nstitu i um modelo exemplar do processo de tra nsformao da ms ica em bem d e co nsu mo I

    do s mo dos de re i fica o q ue esto associados a esse processo. Adicionalmente , a estratgia publicit ria percel'l VI I

    neste anncio per m ite rea lar a crescente im portncia e inte rfe rnc ia da ind str ia pu bl ici tri a na co nso lida\ .111

    de um a cu lt ura de massas e de uma socieda de de co ns u mo eme rge ntes nas pr im eir as dcad as do sc u lo X X (I I

    Tay lor 20 07, par a o exe mplo a me rica no).

    20 No foi possvel co nfirma r a filiao de todos os grupos mu sicais anu nciados, mas ainda assim rclcvanu

    indicar qu e, apesa r do du o ingls T rix Sisre rs poder inseri r-se na ca tego ria do mu sic-h all ou de um repcru u iII

    de can es qu e co nstituram sucessos de teatro, ag ru pamentos co mo os de Ted Lewis a nd His Havana Balld .

    T rouba do urs (Sa m La ni n's Ipan a T ro ubado u rs, tamb m co n hec ido s ape nas por lhe Ipan a Troubado u rs) e '1111J icq uo t C lub Es kirnos , esto associa dos m sica pop u lar a me rica na dos anos 20 , nomeadam ente aos eSIilm

    d ireccion ados par a os sa les de d an a. de salienta r qu e a gra nde m aio ria destes ag rupa me ntos era m constlru l....por ms icos bra ncos (exce po co nfi rma da par a o du o de music-hall, Lay ron a nd j ohnsron e) e, no caso dos dm'lh e C licq uo t C lub Eskimos e dos T rou badours, int egr ava m inclusiva me nte a American Federation of Musici

    an s, apo ntada co mo um dos sindicatos mai s seg regacionistas na American Federar ion of Labo u r po r os g rul' "\

    musicais seus associados no integra rem m sicos negros (Ba rlow 1995). Provavelm ente no se tr at ar de Ulll tend ncia seg regac ion ista por parte d a C olu mbia Reco rd s, u ma vez qu e esta adq u iriu, em 1926, v rias ed ito ras d.'Racerecords (ed ito ras inde pe nde ntes ame rica nas, especializa das na g ravao e co me rcia lizao de fonog ra mas d i'g rupos culturais mi noritrios, nomeada me nte fonogra mas de ag ru pa me ntos negros), como a ed ito ra Okeh (Iu n

    dada po r O t to H ein em an , cuja compan h ia estabeleceu co laboraes co m a edito ra alem Lindstrrn a pa rti r d i'

    In I - Gronow 2008), d isponibil izando co me rcia lme nte o seu ca t logo . Seg u ndo Lo pes (20 02) um ag ru pa me nltlb ran co como o de Ted Lewis era pa radigm t ico da t ipo log ia de fo rm aes br an cas qu e su rg ira m na sequ nc i.1

    do sucesso da Origi nal Di xieland Jass Band, miti ficad a na hi stria como a responsvel pel a g rava o de um dm

    prim ei ros reg isto s fon ogr ficos de j azz (Livery Stable Blues, Vic tor Ta lk ing M achi ne Com pa ny, No va York , 1917)e onsriru da unicam ent e por m sicos bran cos. O a lega do sucesso co me rcial desse fonog rama ter const it u indo

    11m ma rco pa ra a recepo in icial do jazz ent re au d inc ias bran cas (idem, ibidem: 50) . Pa ra referncias a ou tr osfono gra mas gravados na mesma altura po r ag rupamentos de jazz, ver She ridan (2001) .

    Fig. 2 - Fonogramas editados em Portugal com indicaes de tipologias musicais de influ nciaafricano americana (datao incerta). Fonte: Base de dados de fonogramas histricos. Institutode Etnomusicolog ia - FCSH, Universidade Nova de Lisboa . [Arranjo e composio das imagens :Diogo Barreiras]

    rais, ou da indstria de entretenimento, que circulam globalmente: uma can-o, Dana dos Patos, categorizada como um black-bottom e interpretada poruma Orquestra Tpica Portuguesa (tambm apresentada como uma orquestrade dana) ; e outra cano, S. Joo das Fontainhas, categorizada como um one-step popular. Associados industrializao, velocidade e disseminao deinovaes tecnolgicas (como o carro e o avio), ao desenvolvimento e disse-minao de tecnologias de reproduo musical (gramofone, grafonola, rdio,autopianos), os estilos musicais e coreogrficos africano-americanos so usadosna estratgia comercial das editoras fonogrficas que associavam frequentemen-te referncias de um estilo de dana moderna aos estilos musicais aut ctones "(p.ex.: fado com o foxtrot), gravados e comercializados localmente, de modo a

    21 A ex ist ncia de rep ertr io musical que co mbina tradie s mu sica is portuguesas com estilos de m si a popularafrica no-a me rica na (ex.: fado-s low; fado-foxtrot; co rrid in ho -01Iestcp; march a-s ue step, etc.) e com o utro s est ilosde di ssem in ao inte rnaciona l (ex.: fado-tango) co ns ti tu i mai s um indicad or da c resc ente in flu n ia de um a

    ind str ia mu sical eme rge nte na exp lora o no ape na s d as po te ncia lidades do s mercad os loca is (por exem plo a

    crescente g ravao de fado por parte de ed ito ras est ra nge iras a op erar em Port ugal o u co m co nt raro s de co labo-

    rao com ed itoras portuguesas), mas ta mbm na criao e na pro moo de produtos mu sicais h bridos. I e facro ,

    se a mi scigenao de m sicas sempre foi um a consta nte na prod uo de msica popular (e no s u m pouco por

    todo mu nd o o nde se deram trocas cu ltu ra is e civilizacio na is, a ind str ia mu sical (so bretudo at ravs d a d issemi-

    nao rnassificad a de fonogra mas) veio evidenciar e acele rar uma srie de processos qu e oco rre ra m desd e sem pre.

    N u ma outra linh a de reflexo , po rm , a ap licao do conceito de hibrid ism o a mu ito s desses produtos mu sica is

    necessita r de a lgu ma ponderao, uma vez q ue, pelo menos na lguns casos, a mi scigenao com es t ilo mu icai s

    africa no-americanos passava ape nas pela categorizao apli cada na et iqueta do fonograma , po ssivelmente por

    razes co me rciai s.

    243

  • a Pedro Roxo

    potenciar o desejo de aquisio por parte do consumidor (num perodo ' 111 qllla msica moderna para danar se tornara uma rnodar' ". Esta estratgia pOdCII .1servir igualmente para indicar o estilo rtmico apropriado, ou sugerido, P:II:1 .1interpretao da melodia gravada, sobretudo por parte dos conjuntos musir nlque recorriam aos fonogramas para ampliar o repertrio.

    A indstria musical emergente ter estimulado e tambm sido supo rtud.ipor toda uma indstria de entretenimento desenvolvida em torno do teatro dl'revista e de eventos danantes, nomeadamente os night-clubs - o que por SII .Ivez potenciou a ampliao do mercado dos msicos. Estes espaos de divcrsnonocturna proliferaram em Lisboa a partir dos anos 20 ( semelhana de out r :l ~apitais europeias), mantendo jazz-banas residentes de modo a animar a cliente

    la nocturna com "msica para danar'f". O mercado das jazz-banasseria aind.ialargado a outros espaos de lazer (restaurantes, hotis, casinos, termas) qllcadoptavam as novas formas de entretenimento, sobretudo os bailes de "da nasmod ernas". Apesar do repertrio executado pela grande maioria destes agruparnentos incluir vrias categorias musicais associadas s pistas de dana (vriosestilos de msica sincopada de tradio africano-americana, valsas, tangos, nU'1sica latino-americana, etc.), o termo jazz enquanto referncia que resume o csprito de uma poca (nos media, nas referncias literrias e artsticas), tornou-srtambm, como sugerido anteriormente, a referncia genrica para englobar v-rios dos novos estilos de msica popular difundidas globalmente num mercadornassificado, a partir de uma indstria de entretenimento corporativa, transna-cional, baseada num novo sistema de produo musical associado s tecnologia sde reproduo massificada da msica.

    2 Out ra forma de apropriao da msica e das danas modernas assinalou-se no teatro de revista, uma vez ql1l'

    vririas peas passaram a integra r rotinas de danas mo dernas nos seus argumentos (p .ex .: Sete e Meio, 1929? - r.fig.3), ou usar am a temtica do jazz co mo mo te pa ra a lego rias e crticas aos cos tu mes da poca (p.ex.: Viva oj azz.1931). Des te mo do, o teatro de revista su pr ia-se com novas formas de entreten imento (apropriando prt icas ex-

    pressivas em voga no domnio da cultura popular), num perodo em este gnero de espectculo, enquanto sistema

    de produo, se co nsolidava e afirmava crescentemente no circuito do entretenimento popu lar portugus.

    2:\ Para u ma an lise dos ni gh t-clu bs lisboet as nos a nos 20, cf. Bar ros 1990.

    Modernidade, Transgresso Sexual e Percepoes da Alteridade Racial Negra naRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    Fig. 3 - "Quadro do Charleston", do teatro de revista Sete e Meio (Notcias Ilustrado , 24 Fev. 1929).Fig. 4 - Orquestra Remartinez (verso jazz-band) , fotografada aquando de uma digresso nailha da Madeira , 1927. Msicos: Francisco Remartinez (violino), Santos "Preto" (piano), Portugal(bateria), Cares (contrabaixo), Belo Marques (banjo) , Henrique Neves (?) (saxofone). Esplio deNini Remartinez

    A Orquestra Remartinez constitui provavelmente o exemplo paradigm-tico das "orquestras de jazz" 24, ou de "msica moderna", denominadas fre-quentemente em Portugal por jazz-bana ou jazzes entre os anos 20 e 50 (nal-guns casos at mais tarde). A fig. 4, manifesta a crescente importncia destasformaes no meio musical lisboeta" (e portugus) j em meados dos anos20 . Ao longo dessa dcada, a par da exibio de espectculos com art istas e

    24 Cf. Martins (2006) para uma descrio de outros agrupamentos deste gnero.

    25 A Orquest ra Remartinez era residente no Palcio Mayer (Av. da Liberdade, Lisboa) , mas actuava igua lmente em

    cas inos e ho tis espalhados pelo pas. O lde r do grupo, Francisco Rernarrinez (violino) desempenhava simu lta-neament e a fu no de pr ime iro vio linis ta da Orquestr a Sinf nica de Ped ro Bla nc h (u ma das pri ncip ai s Forma eslisboetas de msica erudita) (Rernarrlnez 2007). Os resta nt es msicos provin ham tanto do circuito da m sica eru-

    dita como do da msica popular. Belo Marques (banjo) e Antnio Melo (p iano) (membro do grupo mas ausente

    nesta fotografia), viriam a desempenhar funes de relevo na emissora radiofnica do estado (Emissora Na cional)

    a pa rt ir dos anos 30, desemp enha ndo u m pa pel activo na co nst ruo de um id ioma mu sical naciona l. ma is tarde

    agrupado na categoria de msica ou cano ligeira (sobre msica ligei ra em Portuga l. cf. astelo-Brunco 200S;

    Castelo-Bra nco, Cidra e Moreira, no prelo). A presena de um pianista ncgro neste agrupamento (enquadrado,

    talvez sintomaticamente, na verso "jazz" do grupo) no deve ser tida como norma na esfera musica l portu-

    guesa da poca. D e facto, tes temunhos acentuam a ra ridade da presena neg ra em Lisboa (Rernar rincz ibidem ;S-Marq ues, op.cit.), inclusiva me nte nos night-clubs onde se dan avam os est ilos dc m sica afric;~ llo -a merica lla

    (S-Marques ibidem). O pian ista em questo, originrio de u ma das ex-colnias portuguesas em frica, exerceu

    actividade nos ci rcuitos musicais lisboetas at vir a falecer, no final dos anos 20 (Rcrnarrincz ibidcm). Acentuando

    a singu laridade da sua alterida de racial, o seu nome (Santos) inclu a a alcunha "Preto", pelo qual era conhecido

    (Sa ntos "Preto"), sublin hando d irect ament e a sua d issernel ha na racia l cm relao ao padro bran co.

    245

  • 26 Algu ns dos artis tas africano-a me rica no ou associado s s prticas de ent reten ime nt o mod ern as que ac tuara m

    em Po rtugal no fina l dos anos 20 e in cio dos anos 30 incl uem: o gru po america no Rob inson s's Syncopa rors;

    M aud de Forcsr, Lou is Do ug las e a sua Revue Negre com o espec tc u lo Black Follies, 9 Sisrers G rill, Revuerre

    Jazz orre-Am erica na (que inclua Lulu Go uld , Lirrle Topsy, Bay Bel, Balf G rayson, lhe Blue Rib bon s j azz-

    Band , e.o.), H arry Flemm ing, l h e Six London G irls, etc.

    ea., Pedro Roxo

    , N T O N I O FERRO

    !\ ID AD E D OJA Z Z-BANO

    Fig. 5 - Capa de A Idade do Jazz -Band, de Antnio Ferro, Lisboa,1924.

    compa nh ias est rangeiras de passagem por Porrugal" .do gradual aumento do consumo de fono gramas, 'd :l ~emergentes emisses de rdio, estes agrupam entos IlH 'diavam tambm a experincia das novas tipologias 11111sicais entre a populao portuguesa. Alm do repert rIde origem africano-americana maioritariamente asse)ciado a estilos de danas, este agrupamento interpretavaum repertrio misto de sucessos musicais disseminadosinternacionalmente atravs da indstria fonogrfica e de'msica impressa, e tambm sucessos locais.

    Pelo atrs exposto, torna-se claro que o conceito"jazz" era bastante inclusivo nos anos 20 , no servindoapenas para designar a msica disseminada atravs dosfonogramas dos primeiros agrupamentos de americanosnegros associados ao que comearia a ser caracterizadopor alguma crtica francesa influente (p.ex.: Hugues Panassi - n.l912-m.l974) como "verdadeiro" jazz (p.ex.:N ew Orleans Rythrn Kings, King Oliver's Jazz Band ,Louis Armstrong's Hot Seven, e.o.). A diversidade desentidos resultava das diferentes experincias de recep -o da cultura popular de massas de origem norte-ame-ricana, sendo estimulada pela combinao do impactodas inovaes tecnolgicas (que promoviam novas for-mas de audio musical, pblica e privada) com os pro -dutos e os discursos disseminados pelos media, a as con -tingncias de ordem local (que incluem as interaces,por vezes complexas, entre circunstncias locais polti-cas, sociais, culturais e a prpria infl uencia do agencia-menta individual de cada consumidor).

    Modernidade, Tr n gresso Sexua l e Percepocs da Alter ldade Raci al N gra nrRecep o do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    Jazz como modernidade: A Idade doJazz Band, de Antnio Ferro

    Com efeito, a publicao de A Idade do jazz-Band em 1924, viria a mar 'aruma parte substancial das percepes e dos discursos sobre jazz em Portu-gal ao longo dos anos 20 e, provavelmente, at meados do sculo. XX , p~i s possvel decifrar aluses indirectas a esta obra tanto em trabalhos jornal sti 'osda poca como em discu rsos dos mais crticos em relao ao jazz (sobretudoind ividualidades da Igreja Catlica) ao longo das dcadas seguintes. Ap esarde no constituir um discurso analtico sobre o jazz, o texto de Antnio Ferro(n.l895-m.l956) evidencia formas de percepcionar a contemporaneidade quefazem uso da msica e das danas modernas como metforas da mudanacivilizacional em curso. As analogias com o jazz e com as danas modernas,denotam modos de percepo e adopo de novas poses, atitudes conceptua ise relaes com o corpo, que estabelecem uma fractura com os cnones vigentesat ento e evidenciam modos de apreenso de novos modelos civilizacionaismarcados pela industrializao e pela massificao. O texto articula tambl~las transformaes da poca, conciliando temticas como a emancipao ferni-nina, a moda, a sociedade de consumo e as inovaes tcnicas, com refernciass vanguardas art sticas e literrias, aos Ballet Russes, ao cinema e, sobretudo,s danas mo dernas e ao jazz. Este conceito musical (j com Ferro percep-cionado e referenciado pelo termo jazz-band) , de resto, empregue no textocomo metfora da vida moderna devido ao paralelismo que o autor encontraentre o improviso, a espontaneidade, a artificialidade, a proeminncia do ritmo(acelerado) do jazz e o ritmo das vivncias mo dernas, numa espcie de triun foda emoo sobre a razo :

    A revolu o est em ma rcha (. .. ) O jazz-bana, fre n tic o , d iab l ico, destram belh adoe arde nre , a gra nde fornalha da hu manidad e (. . .) O jazz-bana o rriunfo d a d isso-nn cia, a lou cura insriruda em juzo universal, essa ca lun iada loucura qu e a ni careno vao possvel do velho mundo... Ser lou co ser livre, ser como a inrelign cia n osabe mas como a alma qu er (lO .) N o jazz-bana, como nu m cran, cabem roda s as ima-gens da vida moderna. C abem as ru as barbri cas das grandes cida des , ru as do ida s .omolhos inconsranres nos placards luminosos e fugid ias, ru as elc rr icas , ru as possessas ~ILauromveis e de ca rros , ruas onde os cine mas maquilhados de ca rrazes t m at it udes klin as de mundan as, convida ndo- nos a enr rar , ru as fero zes, ruas panr eras, ru as Iist r.ulasnas raboleras, nos vesr idos e nos griros (...) C ab e rod a a Arre, a Arre de hoje qUl: (( ' I1m :I ,qu e grira , qu e ri, qu e sabe beijar, qu e sabe vibra r, qu e sabe morder. .. E cabe a PI'I"llI'i:l

    246 "1/

  • .., Pedro Roxo

    Vid a, a vida industrial qu e um j azz -band de roldan as, de guindas tes c motores, ,I vicl .1o mercia l qu e um sud-express, a vida intelectual onde as palavras pen sam por ~1.

    To da a Vid a, toda a Arte, todo o Un iverso, cab em no jazz-bana. (Fe rro 1924: ') I ')

    o discurso de Ferro igualmente relevante para a inventariao de di Icrentes estilos coreogrficos em circulao na poca. A caracterizao qll . desenvolve deixa ainda adivinhar a percepo do autor em relao s ento d '1111minadas "danas modernas" para a imaginao das vivncias da modernidade ,As comparaes com as normas morais e de sociabilidade da poca permitemdecifrar que o impacto das novas prticas expressivas gerou novas formas d(int eraco entre gneros, novas atitudes e poses, ligadas a estilos de vida urbnnos, abrindo caminho para o estabelecimento e profuso de relaes sensua be mundanas:

    A valsa a dan a senti me ntal, rom ntica, a valsa tem o ritmo de uma declarao dI'

    amor. .. Na valsa h ainda uma certa timi dez . O homem leva a mulher nos braos, co rnoum cristal. .. O s corpos andam pr ximos, prximos mas preocupados, os corpos and.uuainda muito alma .. . N o [ox-trot, porem , j no h romantismo, j no h timidez, h.1despreocupao, aleg ria, camaradagem . O fOx-trot a da nsa bomi a, estouvada, a dan :1baloi o , a dan a que no se importa, a dan a qu e no pensa no di a de ama nh... Arno:nascido numa valsa amor qu e casa, amor par a sempre. Amor nascido no fox-rror amorqu e morre no fox-t ror , amor qu e du ra um beijo ... O one-step , porm , a mais perigosadas dan as po rqu e o rapto ... H mulheres qu e fogem num one-step, como num autom vel. Um a mulher num one-step um a mulher em viagem . . . O tango uma dana qut' um jogo de pacinci a, uma dan a inofensiva por ser dem asiado geom trica, uma dan atira-l inhas.. . O maxixe uma alia na de corpos. E finalmente o scbimmy, a dan a livre,a dan a em qu e os braos e as pern as se enc ont ra m como cama radas e se em briaga m ju ntarnente no Champan he dos gestos, no pio do s olhos furiosos , na electr icidade metlicados corpos. O schimmy a dan a bo lchevist a, a dan a qu e socia liza rod as as partes docorpo, qu e as to rna igu ais, qu e lhes d a mesm a im portncia, a mesm a fun o de alegriae aba ndono. .. l>. (Ferro, ibidem: 61-6 2).

    o autor percebe e acentua ainda a proeminncia da Amrica do Norte nomundo do ps-guerra e, sobretudo, a sua influncia na Europa ao ponto de des-tituir os cnones civilizacionais do velho continente a favor de estilos de vidamodernos, na sequncia dos processos desencadeados pela industrializao.jazz assim apresentado como a melhor expresso desse novo processo civili-

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    Modernidade, Transgresso Sexual e Percepoes da Alteridade Racial Negra naRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e '930

    zacional, como se constitusse uma espcie de banda sonora da modernidade eda prpria americanizao:

    O jazz-bana, natural da Amrica , em igrou para a Europa, como j tinha em igrado otango. O qu e a Europa tem, actualme nte, de mais eu rope u, , portanto ame rica no. E,ent retant o, cu rioso: A Amrica, que vib ra toda no ritmo do jazz-bana, qu asi no d pelojazz-bando A Europa envelh eceu , teve um aba ixa mento de voz com as emoes da gue rra.A Europa lembrava um sopra no lri co em decadnci a. Foi a Amrica qu em lhe valeu,qu em lhe injectou, nas veias mu rchas, a vida artificial do jazz-bandoPor sua vez a Europa,ensinou Amric a as virtudes desse rem d io, deu-l he relevo, ape rfeioou-o. A Amric a,minhas senhoras e meus senhores, o momento da Europa. Simplesmente o que naAm rica , vulga r, natural, quotidiano, na Europa arti ficial, esca nda loso, apotetico...Na Am rica, o jaze-bana uma ma rcha . Na Europa um hi no . A Europa desmorali zou,ad m iravelme nte , o jazz-bana ps febr e onde havia sade . O jazz-bana en louqueceu naEuropa, como - valha a liberd ade - o tango tomou ju zo... A Europa assustada pela sire-ne lgubre, no pavor do s avies inimigos, viveu, na treva, durante a guerra . O jazz-bandfoi a sirene da Paz. A Amrica, min has sen horas e me us senhores , neste momento, a luzelctrica do mundo! (...) O jazz-bana o dogma da nossa hora. Ns vivemos em jazz--bando Sofremos em jazz-bandoAm amos em [azz-band (idem, ibidem : 64-66 ).

    Porm a caracterstica sensual, emocional e excessiva das danas e do jazz--band que caracterizam o novo estado civilizacional por Ferro reconhecida-mente atribuda ao primordialismo dos negros e sua arte instintiva. Apesarda alegada apropriao de prticas expressivas africano-americanas por msicosbrancos e por uma indstria discogrfica controlada por brancos, Ferro conhe-cia a ascendncia das expresses artsticas negras em diversas manifestaesartsticas europeias suas contemporneas (nomeadamente no domnio das artesplsticas). Especialmente a escultura africana fornecia motivos de inspiraoe de renovao, por via de uma retrica que ligava a capacidade de sntese da"arte" do continente africano a um estado de pureza primordial do negro e dassuas "culturas" (cf Rasula op.cit.). A aluso a uma essncia negra, que se mani-festa pelo instinto e pela sntese outros dos esteretipos primitivistas usadospor Ferro para positivamente associar "arte" moderna e a "arte" africana, real-ando e acentuando a oposio entre negro/instintolsntese/pureza-primordiale brancalrazoltecnologialcivilidade:

    A influencia da arte negra sobre a arte moderna torna-se indiscu tvel. A arte moderna

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  • t&' Pedro Roxo Modernidade, Transgresso Sexual e Percepocs da Alteridadc Racial N gr I n IRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    ~ a s n rcsc . s negros tiveram sempre o instinto da snrese. O s negros 11 ar.uu 11.1 IIIr:l ncia - para ficarem na verda de . A criana a abreviatu ra da Natureza. As ri:lllI, .I..os doidos, e os negro s so os rasc unhos da Humanidad e, as teses qu e Deus desenvo lveue complicou. No h escu ltura de Rodin qu e tenha a verd ad e de um manip a n o . l lI l l. lcs u ltu ra de Rodin a expresso mxim a. Um manipan o a expresso mi n imu. 1\verdade est no esbo o da obra - no est na obra . Obra aca bada obra morra. (. .. l ( I[azz- bnnd o irmo gme o do manipan o. O jazz-bana parece-se com a nossa ~ P ( II .1corno um manipan o se parece com um negro. O triunfo do jazz- band dep end e. ~ C Ibrerudo, do s executa ntes qu e tm de ser negro s no corpo ou na alma . . . O jazz-baud (' .1Africa do ritmo (...) U m fox-trot, no jazz-band, uma sanza la em del rio. O jazz-IM I/'! a orques tra do s gritos inesp erado s do s silvos, do s assobios.. . O jazz-bana a orqu l'sll .1que melh or d o co nt rac to do Homem e da M ulher. (idem, ibidem: 69-70).

    Adicionalmente, no deixa de ser importante realar que, ao longo de roch I() texto, apesar do autor patentear uma percepo do jazz enquanto forma s,'.xpresso africano-americana no deixa apesar disso de empregar metforas as

    so iadas s culturas especificamente africanas para caracterizar este estilo 11111si ai (p.ex.: manipano, sanzala, frica do ritmo, batuque, etc.). possvel qUl'.sre tipo de deduo poder estar associado a uma percepo do negro e das

    suas prticas expressivas, mediada, em larga medida, atravs da experincia dosportugueses nas colnias africanas, alm das bvias aluses a frica e afri-anidade caractersticas dos discursos primitivistas em circulao na Europa

    das primeiras dcadas do sculo XX. , no entanto, importante assinalar qUl'() argumento que associa a prtica expressiva condio racial ("o trunfo do" jazz-band " depende, sobretudo, dos executantes, que tm de ser negros ..."),passou a integrar a cartilha do mito moderno da msica dos africano-ameri-anos e constituiria um dos argumentos empregues por alguma crtica para

    qualificar e diferenciar o "jazz hot" (jazz com maior nfase na improvisao c11 0 desempenho solista, maioritariamente executado por negros) da maior partela apropriaes brancas desse estilo musical (jazz conotado com interpretaes

    direccionadas para pistas de dana ou para sucessos da rdio, com menor espaopara a improvisao e menor originalidade dos arranjos orquestrais - por vezes

    ) ()

    d . )nategoriza o como sweet mUSlC .

    Jazz, Transgresso e Contestaes sobre o Corpo.

    A perspectiva de Ferro combinava-se com outraspercepes que eram correntes na poca, como o j in-dicado esteretipo da hipersexualizao do negro e acuriosidade que ela despertava no branco - assunto par-ticularmente explorado em trs das vrias novelas dosanos 20 e 30 que aludem ao jazz, s danas modernase aos crculos mundanos dos clubes: Preto e Branco, deReynaldo Ferreira (1923); O Preto do Charleston, de M-rio Domingues (1930); e A Bailarina N egra, de Guedesde Amorim (1931). Independentemente da qualidadeliterria destas fontes (argumento por vezes mobilizadopara a sua desautorizao), trata-se de um conjunto dediscursos ficcionados produzidos por autores masculi-nos da sociedade branca e metropolitana, mas que per-mitem entender ou intuir algumas das representaesdominantes relativamente alteridade racial, nomea-damente perante a crescente disseminao de formasde entretenimento de procedncia africano-americana.Por outro lado, estas e outras novelas da poca (a pardos discursos da imprensa, nomeadamente das revistasilustradas) possibilitam ainda um conhecimento daspercepes relativamente aos processos emergentes deemancipao feminina e de como frequentemente am-bos os assuntos eram cruzados ou mesmo associados.Duas grandes temticas so persistentes e comuns so-bretudo ao contedo narrativo das trs novelas indica-

    27 Este tip o de percepes comea a ser dom inante na Euro pa a pa rti r dos anos20 (e acentuada nos anos 30, sobretu do por aco da crt ica fran cesa. co mo o jcitado Hugu es Pan assi ), aco mpa nha ndo a prpri a evo luo e disseminao da

    indstria mu sical ame ricana, nom eadam ent e qu ando esta co mea a ser acusada

    da apropriao de tr ad ies expressivas negras, ada pta ndo-as a um mercad o

    de cultura popul ar massificada ent o em emergncia (p.ex .: Pau l Wh item an ).

    Fig. 6 - Capas das nove las dosanos 20 e 30. De cima parabaixo e da esquerda para adireita: O Preto do Charleston,de Mrio Dom ingues, 1930: ABailarina Negra , de Guedes deAmorim , 1931; Preto e Branco,de Reynaldo Ferreira; 1923; UmaRapariga Moderna, de AugustoNavarro, 1927(?); As Criminosasdo Chiado , de Joo Ameai e Luizde d'Oliveira, 1925; A Virgem doBristol-Club, de Reynaldo Ferreira[Reprter X], 1930 . [Arranjo ecomposio das imagens: DiogoBarreiras]

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  • ea, Pedro Roxo

    das (mas no s):

    1) Uma de carcter somtico, ou seja, a representao do negro c do ~ ( ' I I'orpo enquanto objecto de curiosidade sexual por parte do branco/a. ' 0 1110 .manifesto em A Bailarina Negra, nalguns crculos urbanos e mundanos del("urn fa) amante negro(a) constitua motivo de ostentao que era exibido ~ ( Iialrnente como trofu extico e raridade sexual, porm Indubitavelmente dn

    .art vel. Por vezes, o "uso", seguido de rejeio do ) amante negro(a) rCIlH'I.in lusivarnenre para uma srie de presses sociais no sentido de condenao .1,1rn isrura racial, frequentemente recorrendo a argumentos de carcter eugen isr.i .orno em O Preto do Charleston:

    T ive o capricho de te expe rimenta r, como outras tm o de comprar cesinhos de: III. IIque depoi s detestam. C ad a vez que me lembro da vergonha de ter sido tua ama nte! EII,apa ixonada por um preto! Eu, qu e tenho despr ezado hom ens bran cos, ricos e bon itos]Parece incrvel (...) H s um ho mem que eu adoro . Mas esse bran co, muito brau . e louro. o aviado r alemo que esteve em Lisboa o ano passado. Esse sim !... (Dom i IIgues, ibidem: 65, 68).

    Por outro lado, na novela Preto e Branco (1923), a personagem ]olu, consti[ui um modelo exemplar de como as contradies raciais eram frequentemente.xploradas com recurso a relacionamentos que envolviam tenses sexuais. Con-

    sequncia da violao de uma indgena por um missionrio em frica, jolu ,re ebe uma educao nos modos da "civilizao do norte" e, fixando-se naEuropa, frequenta a alta sociedade (onde mostra ser inclusivamente versado emdanas modernas). Percebendo que, apesar do esforo de insero, ser sempn:alvo de descriminao e de racismo por parte da sua companheira branca e do

    rcu lo social em que se move (que troa das suas pretenses a "homem civi-Iizado "), decide sujeitar-se a uma operao (na Alemanha - tropo mobilizadopara representar o "centro" da "civilidade"), de modo transformar-se tambm,I . num homem branco. Vinga-se das antigas traies, atravs da posse de mu -Ih .res europeias. Ao tentar voltar o seu tom de pele original, informado queisso j no ser vivel - o que se torna uma metfora para o facto do contacto.o rn a civilizao branca tornar impossvel o retorno ao estado "primitivo" e pu reza original.

    2) E outra das temticas persistentes, consiste na adopo de prticas ex-

    Modernidade, Transgresso Sexual e Percepoes da Alteridade Racial N gn nRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    pressivas africano-americanas (sobretudo as danas) por parte das personagensnegras destas fices, como forma de aquisio de visibilidade social numa so-ciedade dominada por brancos, mesmo apesar das frequentes aluses figuradoa) danarino negro(a) enquanto smbolo de potencial transgresso somtica,racial, sexual ou civilizacional:

    E Tom, o preto do cha rleston, no descan sava um momento, bamboleando, na ca-dncia selvagem do black-bottom ou do shimmy, o seu corpo els t ico, malevel comoum junco, negro no smoking elegante, lem brando um espa nta lho de pardais agitadope la ventan ia. Seu par, a loura Ivone, de pele muito branca e rosada, de pern as e braostorci dos pelo aleijo da dana, segu ia-o leve, area, graciosa, como uma gaivota peque -nina persegu indo um neg ro navio fantas ma. (Domi ngues, op.cit.: 26)

    ..Oderre, numa loucura nervosa, torc endo os braos e as pern as, numa ca ricat u raqu ase obscena, seguia o preto bailarino, qu e todo se contorcia nos esgares lb ricos edestr ambelh ados de um charleston d iablico. (idem, ibidem : 29).

    Todos os negros dos romances indicados so representados como compe-tentes intrpretes das danas am ericanas modernas, o que refora a codificaoracial destas prticas expressivas enquanto "negras" ou de origem negra (semque, contudo, isso implique necessariamente uma perspectiva negativista rela-tivamente alteridade racial) . Mas a aptido nas danas modernas utilizadapelos personagens negros no apenas para adquirir o j indicado prestgio social(devido ao carcter excntrico, extico e at mesmo selvtico que imprimems suas performances), como tambm para, atravs do sucesso pblico e so-cial , consumarem vinganas relativamente a humilhaes "raciais" por partede brancos (sobretudo humilhaes de carcter sentimental e/sexual - cf ABailarina Negra), ou seja, combater relaes assimtricas de poder. D e facto,como pode ser perceptvel no percurso parisiense de ]osephine Baker (n .1906-m.19 75), perante o ascendente do jazz e das danas modernas nas novas formasde entretenimento, os artistas negros passam a fazer uso estratgico dessas pr-ticas expressivas da cultura popular, utilizando-as de modo a conquistar maisvalias raciais e sociais. E isso sucede indo ao encontro das fantasias coloniaisdos europeus/norte-americanos num processo que pode ser conceptualizadocomo denotando uma atitude de "essencialismo estratgico" (Spivak 1987) -isto , devolverem s audincias brancas os esteretipos que eram atribudos aos

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  • ea, Pedro Roxo

    IlC ' ros, assumindo e performando essas representaes estereotipadas . 1ira11.1"ti ividcndos sociais, artsticos e profissionais desse processo. A clebre "b.m.u1.1dan -e"lx integrada no espectculo La Folie duJour (c.1926), levada . '11:1 IIII.aha re t parisiense Folies-Bergre e que celebrizou Josephine Baker na

  • ea, Pedro Roxo

    sa lcs, co mo esquisitas e vene nosas corolas. Lamenr ou todas as mulheres, lOd :t ~ ,I', I Ipar igas expos tas aos mais tremendos perigos e prost itudas por pobreza, por v.ri. l.u l.c at por snobismo. O lar do futuro afigu rava-se-lhe impossvel e incon ceb vel I tllll Imulher educa da na delet ria da vida mundan a. E a prpria ptria lhe inspi ravn 1'111funda mgoa, poi s, desde qu e a mulher se tornava somenre em in strumento dL" Pr.1I1 Ic aba ndonava de n imo leve as suas virt udes , o avilrame nto cobriria como nuuu .I.lama a terr a portuguesa tornando-a de nao em lup anar" (Navarro 1927: 130-1.\ I ).

    orno mostra Caulfield (ibidern) na anlise do exemplo brasileiro pa 1':1 IImesmo perodo, a emancipao feminina e a sexualidade transgressiva da 11111Iher eram frequentemente associadas decadncia moral da nao, pois, 'IH.Irando a funo da mulher apenas no seu papel natural de ser esposa e me (SCIIdo assim responsabilizada por incutir valores morais e familiares na sociedade)a falha nesta tarefa, significaria a degradao social, a perda dos valores d.1famlia e a degenerao da prpria ptria. Esta proposta analtica tambm t iipara o contexto portugus, na medida em que, como lembra Pimentel (200H),se o regime republicano possibilitou que a mulher passasse a competir com c Ihomem no mercado de trabalho, com Salazar, dentro da inveno do Estach INovo, de base corporativa, assente no valor da famlia como coluna dorsal doestado, o estatuto da mulher passa a ser claramente valorizado enquanto esposae me, remetendo-a para o espao controlado e seguro do lar. A importn iae a funo da mulher passam assim a ser de procedncia biolgica (assegura Ia continuidade da espcie e da raa, educao dos filhos, manuteno da casa.sustentculo da famlia). Em termos tericos, a mulher passava a estar subjugada ao ethos da famlia burguesa e conservadora bem expostos na novela OPreto do Charleston: a subjugao autoridade masculina (o pai ou o marido);o respeito pelas hierarquias; a austeridade em casa; a fidelidade religio, or-dem e aos bons costumes; a rectido de carcter; o gosto pela rotina tranquilado lar; e o apego s situaes definitivas (p.32).

    Como deixa perceber a citao acima, frequentemente a temtica centraldos discursos tendentes reconduo do gnero feminino conduta morallominante centrava-se no resgate da mulher da frequncia dos night-clubs -'spaos conotados com o vcio, com a perdio, e com a imoralidade das prti-as modernas, nomeadamente as danas de influncia africano-americana. Na

    sociedade patriarcal (sobretudo entre classes com maior estatuto econmico),

    ' 6

    Modernidade, Transgresso Sexual e Percepoes da Alteridade Rac! I N gr nRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    tratava-se de exercer o controlo rigoroso da sexualidade feminina , uma vezque a virgindade, constituindo uma condio essencial (ou valorizada) para ocasamento, estava investida de valor no apenas simblico como tambm eco-n m ico" (Caulfield, ibidern). Como sugere a anlise das fontes, na Lisboa dosanos 20, os night-clubs constituam arenas performativas que possibilitarama imaginao e a performao de novas subjectividades, de novas verses deidentidade, pessoais e colectivas , com base em modelos e prticas da culturapopular de massas, frequentemente de origem africano-americana e que acom-panhavam no apenas o processo de industrializao e de americanizao emcurso, como tambm a emergncia de uma camada popular com um poucomais de poder de compra e de tempo de lazer. Este conjunto de caractersticasdesencadearam o crescimento de pblicos, muitas vezes vidos de novas for-mas de entretenimento, sobretudo no mbito da diverso nocturna, ansiandopor experimentar "todos os tipos de exotismo, vivenciando-os como viagenssimblicas" (Decoret citado por Bastos 2005: 183). Os clubes foram tambmespaos onde se ensaiaram novas formas de entretenimento e de socializao(frequentemente associadas a prticas transgressivas, como o consumo de lco-ol e de drogas - sobretudo a cocana -, o jogo ilcito, a sensualidade e a volpiacorporal, a liberdade sexual ou mesmo a prostituio), que diluam as fron-teiras sociais, raciais e geracionais - aproximando os corpos tanto em termossimblicos, como em sentido literal. Inclusivamente, estes espaos permitiramainda enquadrar e conferir visibilidade social a performatividades de gneroalternativas, com a glamorizao da figura do homossexual e do travesti - per-sonagens tpicas da fauna dos clubes, legitimados pela necessidade de novidadee sofisticao na performao da modernidade" . Os sons e as danas modernasenquadravam este espao de permeabilidade que Mendes (2002) sugere como"zona de contacto" pela sua condio de lugar propcio para a imaginao de

    31 Co mo indica Caulfield mais uma vez para o exemplo brasileiro: "Antes da abolio da escravatu ra em 1888 ,a honr a era um a caracterstica que os hom ens brancos da s classes senhoriais atribuam apenas a si mesmo s, di s-

    ting uindo- se assim do resto da populao. Um aspecto fun damenta l da honr a mascu lina para a classe brasileiradas plantaes era o controlo patriarcal da sexualidade femi nina . Pelo meno s at ao scu lo XX, a virgi ndade damulher const itua um recurso econmico e polt ico para as classes mais abasrada s.. (ibidem : 161, traduo livre).

    32 Para uma descrio ficcionada do travesti no dancing e crtica homossexual idade , cf. Domingues ibidem: 190e 219, respecti vamente. Para referncia ao hom em afem inado qu e frequ ent a os club es, cf. Ferreira (1930): 138.

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  • ea Pedro Roxo

    di r .rcn as e de semelhanas entre "m im" e o "out ro":". O cosmopoli tismo dlllub cs mobiliza, parafraseando Dwyer e Pinney (2001) , um repertrio :Il l"l

    sivcl e Audo de signos que incluem gestualidades, modos de vestir c de :lJ ',"qu e ecoam com outras prticas de representao. Ao contrrio do dom 1\ iIIdo latim na Europa moderna mais recuada, estas formas no exigem inst ruo especi al, apenas a citacionalidade repetitiva das formas de cultura popul .u(idem, ibidern). Na perspectiva de Giddens (op.cit.), os indivduos passa lll .1pod er imaginar e por vezes actualizar ou experimentar com maior facilidad edi ferentes modelos de vida, atravs das potencialidades do consumo do s mcd LI

    da crescente facilidade de mobilidade geogrfica.A crise do ps-1929, aliada intensificao da represso ao jogo ilegal 1:11'.1

    .o rn que no final da dcada de 1920 poucos clubes nocturnos subsistam na :1piral (Barros, op.cit.). Apesar disso, a emergncia e a expanso dos meios rncc:ni os de reproduo musical (grafonola, rdio) far com que algumas par I a~da populao continuem expostas aos sons "modernos", perpetuando assim oi lo de criao de consumidores e constituindo um factor importante pa ra :1ontnua imaginao e performao da modernidade, tanto em meios urbanosomo tambm, gradualmente, em meios rurais, mau grado a afirmao do

    Estado Novo e a crescente influncia da igreja catlica ao longo dos anos O.I e facto, com o triunfo da vertente conservadora da ditadura militar, sobretu do com a ascendncia de Oliveira Salazar comea gradualmente a assistir-sea uma viragem discursiva no apenas em relao ao estatuto da mulher (comoat rs exposto), como tambm relativamente ao "negro" e s prticas expressivasafricano-americanas. E essa viragem logo anunciada, muito paradoxalmente,po r Antnio Ferro na obra Novo M undo, M undo Novo, editada em finais do sa nos 20 e que condensa as suas impresses da viagem que em preendeu aosI sta dos-U nidos, Trata-se de uma srie de crnicas denotando um teor racialalgo acentuado (nalgumas passagens at mesmo prximo de uma postura eu-

    .U ESla sugesto de caracterizao dos clu bes vem no seg uimento de um a proposta de Mary Louis Pratt (I99 )para caracterizar os lugares dos encont ros coloniais ent re po vos cultu ral e geog rafica me nte d iferenci ado s e cm

    qu c o termo "cont acto" enfatiza co mo os sujeitos so con st iru dos pelas relaes com os outros. No contex to d01>

    clubes, porm , Mend es urili za esse rermo no seguime nto do argume nto de M ichael Ta uss ig em qu e a capacidade

    pa ra m imeti zar (p.ex.: neste caso , as prt icas expressivas africano-a me rica nas) co rrespo ndia capaci da de para Sl'IlIrna r"o outro" (Me ndes , ibidern : 51-52). D a a imp orr ncia do s clu bes na imag inao da alreridade, no ape nas

    , I nvel racia l, como ram bm out ras formas de ident idade pessoal.

    8

    Modernidade, Tran gresso Sexual c Percepocs da Altcridadc R, c , I N gr n IRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    Tenista) relativamente sua expe rincia no H arlem de Nova-Iorque (cf Roxo eastelo-Branco, op .cit.) , Tratar-se-a, por certo, de unia viragem estratg ica por

    parte de Ferro, tendente sua afirmao na esfera poltico-social portuguesa einsinuao a Salazar - que culminaria na sua nomeao, em 1933, para director

    o Secretariado de Propaganda N acional (SN I). No entanto, no deixam deassinalar simbolicamente uma viragem para uma linha mais conservadora etrad icionalista do regime, com o acentuar da prtica colonialista e da subalter-

    nizao das populaes negras.

    A reac o clerical aos "Bailes m odernos" e a ideologia colonialdo Estado Novo.

    Com efeito , a emergncia e a consolidao da vertente autoritria e con-servadora da ditadura militar, atravs da aco de Salazar enquanto ministrodas Finanas e aps ser nomeado chefe do governo (5 Julho de 1932 , tendodesempenhado essa funo at 1968) representou o incio do regime do EstadoNovo que constituiu a mais lon ga ditadura da Europa Ocidental no sculo XX(1933-1974) (Rosas 1996). A mstica imperialista e colonial que caracterizaram,sobretudo, os primeiros anos da ditadura, representou o acentuar dos discursoscoloniais de orientao evolucionista, perpetuando a retrica da superioridaderacial e civili zacional do homem branco. Esta propenso seria manifesta emvrios sectores da soci edade, incluindo a prpria igreja que, beneficiando de umcontexto poltico que lhe passara a ser favorvel34, no perdia a oportunidade decondenar prticas expressivas e modos de sociabilidade associados moderni-dade, nomeadamente o jazz e as danas modernas, avanando como principaljustificao a ameaa de contam inao pela alt eridade racial negra. Esta cir-cunstncia seria tanto mais relevante quanto a orientao catlica e conserva-dora do poder viria a conferir igreja responsabilidades enquanto instrumento

    34 A dir adura do Esrado ovo marca rambm a inau gurao de um a nova fase de relacio na mento entre o Esta do

    e a Igreja. A ocup ao da che fia do governo por Salaza r, que for a um a das princip ais figuras do partido religioso

    Ce nt ro Ca tlico Porrugus e seu ex-de purado em 1921, aliado emergncia e consolidao da vertente au rorlniriae conse rvado ra da dit adura m ilira r atra vs do parr ido da Uni o Nacion al criado em 1930, veio restabel ecer ainfl unc ia da Igreja C at lica na soc ieda de porrugu esa e elimi na r alguns dos co nflitos ent re esta c o Estado , mani -

    festos desde a afirmao do liberalismo no scu lo XIX e perp etu ados nos vrios gove rno ap s a implantao da

    Repblica (5 de Ourubro de 1910 ),

    259

  • ea., Pedro Roxo

    de legitimao e controlo ideolgico, incutindo nas populaes valor .s til- IIIdem moral e social consentneas com a doutrina religiosa e do prprio n:gi II II'Este processo seria facilitado, na metrpole, atravs da obteno de dir eitos 11 ,1educao da juventude" e, nas colnias, atravs do Acordo Mi ssionrio qlll 'conferia s misses catlicas a funo evangelizadora, o ensino "rudirncnuu "dos africanos (incluindo o ensino da lngua portuguesa) e o controlo ideol uicoque o Estado por si s se via impossibilitado de fazer (Alexandre 1996: 75ft).

    A nova conjuntura poltica facilitou a emergncia na metrpole, de estriu uras religiosas , como a Aco Catlica Portuguesa (oficialmente criada em 19:U),que se definia como a unio das organizaes do laicado catlico portugu s,que , em colaborao estreita com o apostolado hierrquico, se prope a di ri Iso, a actuao e a defesa dos princpios catlicos na vida individual, farnili.ue social (estatutos da Aco Catlica Portuguesa de 1934, citados em Rezoln1996: 12). Tratava-se de uma tentativa por parte da Igreja Catlica de mediale mesmo intervir no quotidiano e nos estilos de vida dos indivduos, incluxivamente atravs da prpria gesto das actividades fsicas e corporais dos jovens(e dos crentes de uma forma geral), de modo a manter e disciplinar a atitudemoral e social de acordo com a ortodoxia catlica e os costumes conservadores. neste sentido que poder ser interpretada a publicao da obra Os Bailes ea Aco Catlica, em 1939. Trata-se de uma compilao de vrios artigos dopadre Molho de Faria publicados ao longo de 1938 no boletim arquidiocesanoda Aco Catlica, nos quais o autor desenvolve uma crtica feroz aos bailes l 's danas modernas. A publicao de um volume (que seria reeditado em 1947)expressamente dedicado a estas temticas no deixa de constituir uma indica-o de relevo para a crescente ameaa das prticas expressivas indicadas como"modernas" para os preceitos religiosos e at para a influncia e autoridade daprpria Igreja Catlica na sociedade portuguesa. A retrica desenvolvida peloautor recorre frequentemente ao uso estratgico de tenses aposicionais queenvolvem referncias raa (negro/branco), ao estado civilizacional (civilizado/incivilizado) esttica (arte, belo/ordinrio e ligeiro), ao estatuto cultural (alta/

    35 Na sequ ncia dos esforo s de dou tri nao religiosa e de edu cao das novas geraes a rat ificao da constitui-o , em 1935, passou a prever qu e o ensino pb lico se passasse a orientar pelos princpios da doutrina e mo ralcrists, trad icion ais no Pas, passan do a ser igualment e reconhecido igreja o direito de ensina r em escolas par -ticu lares (C ruz 1996 :435, 183). Como recon hecim ento dos esforos de do utrinao e da crescente inAuncia daigreja, a co ncor data de 1940 reco nheceu o dir eito da igreja sobre a formao da juventude (idem).

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    Modernidade, Tran gresso Sexual c Perccpoc da Allerldadc Rael I N r nnRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    baixa cultura), postura tica (moral/imoral) e.o., de modo a acentua r v riasnarrativas de crise (Brosius 2005). O seguinte excerto constitui um dos varia-dssimos exemplos deste tipo de estratgia discursiva:

    Relevemos ai nda a ac o tri stssim a exercida pela m sica do s bailes (...) A 1l111s\ -adesditosa mostra-nos a msera escrava do prazer, tende reali zao mais co mpleta dosimbolismo cor rupto r da dan a moderna. N ad a h a de bom gosto, de arte, de be lo,qu e o ou vido rectamente ord enado possa apreciar. No baile temos, sim, essa m scara dem sica ordinri a e ligeira, por vezes esse nojento "ba tu que" de preto s, esse "jazz" in fer-nal que em ns tudo mov iment a e enerva, qu e tr esanda a sensuali smo o ma is grosseiro .Par ece-nos incrvel qu e pessoas delicad as e civilizadas tolerem este verdadei ro marr riodo bom gostoll!. (Faria 1939: 42-43)

    De modo a legitimar as posies do patriarcado portugus, so ainda apon -tados exemplos de posturas crticas e reprovaes por parte de episcopadosde outras naes, nomeadamente Frana, Espanha, Canad e Amrica Lati-na, o que poder servir de indicador da disseminao global das prticas co-reogrficas em questo e do receio que levantavam por parte das estruturasreligiosas locais. O autor alerta ainda para vrios factores que aumentam opotencial risco de transgresso por parte dos indivduos que frequentam os"bailes modernos'P", indicando em vrios casos formas de conduta adequadasde modo a evitar a frequncia e a influncia negativa de tais eventos. Esta pare-ce ser, alis, uma prdica retomada de uma edio de 1938 da Aco CatlicaPortuguesa, Regras para a Formao Religiosa e Moral das Dirigentes da AcoCatlica Feminina, em que o seu autor advertia que:

    o Conclio [Plenrio Portugus] declara no some nte perigos as, mas at inteir am ent ems, as dan as, qu e se tm introduzido nestes ltimos tempos (da nas modernas); squais no lcito assist ir, e muito menos ainda tomar parte nel as (. .. ) As dan as mod er-nas so em si ms. Portanto nad a vale recorrer inteno com qu e nelas se parti cip a.fins ou intenes no just ifica m os meios. Lam entvel tambm o vesturio usad o nes-ses espec tculos: pelos decotes e feitio , pode di zer-se que obj ectivam ente imo ral (. . .)C onvm notar qu e a dan a em si no um mal: at o Santo Rei D avid dan ou pcranl l'a Arca. As danas modern as, essas, sim, so ms, imorais , perigo pr ximo do pc ado

    36 Algum as dessas advert ncias inclue m a reprovao do prolo ngam ento desses eventos at mad rugada, por I lI ltenciarem o pecado e o risco de perd a de virt ude, advinda das "familiaridades per igosas" ent re ambos os scxus.

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  • ea Pedro Roxo

    graVl:. do s qu ais rodo s se ho -d e afasta r co mo do fogo. osru rna- e di zer: d iv i rr .uu ',. Imas no pequ em. (Nogara 1938: 39-4 0).

    arcebispo N ogara avanava ainda uma sugesto no sentido de, S( II} .1ai ada e a vigilncia da Igreja, moralizar os costumes em torno do baile III'S .nrido de preservar a "decncia" feminina, garantindo assim a preservao l' ,Iperpetuao da raa, do moral e dos costumes nacionais e religiosos. A pr p: LIpercepo das danas modernas para a hierarquia clerical parece acompan ha I ,Isignificao inclusiva que era predominante nas percepes da grande maiori.ida populao. De facto, tal como seria comum, "danas modernas" e " ) 11"";"-band" constituam conceitos que acolhiam e expressavam a alteridade musi c:,1c coreogrfica caracterizada pelo exotismo (das origens , da sonoridade c d.1prpria performao) e pela associao a novos estilos de vida e prticas de S( Iiabilidade - urbanas, modernas e mundanas, como ficou visto mais atrs. Este.nrendirnenro explica a incluso de danas to dspares como os Ballets Russcs.o tango e as danas de origem africano-americana sob a mesma alada, COIl1( I(, a patente nos excertos abaixo. Retirados novamente de Os Bailes e a Ac.I

    a t lica, constituem um exemplo de realce, uma vez que o autor refora a at i-I ude de condenao das danas, relacionando algumas delas com os contextospolticos, sociais e religiosos da sua origem (como por exemplo o bolchevismolos Ballets-Russes) , expondo assim outras inquietaes da Igreja:

    .. .so repugn antes rodos os modernos bail ados ru ssos (...) D a R ssia tinha de virbolchevism o. Mas aque le que nos pregam com eloquncia os bail ados ru ssos no nemeco nm ico nem po lt ico, mas de pior jaez, mora!. de facto o cami nho ma is seg uro cfcil par a um comunismo polti co a bo lch evizao mo ral. (Fa ria, op.cit.: 81).Um jovem qu e no soubesse redopiar ao som dum jazz-bana em adora o ao D eustango, tinha-se po r ind ign o da socie da de . (idem, ibidem: 83) .A proibio episcopal este nde-se a rodos os bailes qu e existam ou po ssam exist ir, desdequ e incluam aquela m al cia j descrita. Assim o schymmi e o j ava onde h notas gros-seiras e depravad as. Assim o cha rIesron, o fOx-trot, o black-bottom, o boston , o jazz, oturkey-trot, o camel-trot , o check-tocheck, o one-step, o two-step e outras danas ang lo--a rnericanas, onde ainda se faz sentir o raciona lismo e na turalismo da prpria religio.Assim o acrua l micar me e o maxixe, o rebol adio e perigoso compe t idor do tango...Assim a dan a do u rso ou do peru. Assim a my bleu , dan a qu e di zem tanto mais belac fascinante qu anto maior for a nudez do co rpo (...) Assim muitas dan as anda luzas,todas exci ta ntes , on de os mo vim entos espi ra lados, ser penteados , em enovelaes cons-

    Modernidade, Tran gressao Sexual e Percepoes da Alteridade Racial N gr naRecepo do Jazz em Portugal nas Dcadas de 1920 e 1930

    tantes, aco rda m sentime nt os bem pou co di gnos. Assim ou tr as que tm a mesm a tri srs-sima misso a cumpri r, qu e tra nspira m sensua lida de . Em todas h sem pre os mesmosmov ime nt os, as mesm as cad nc ias, pau sas, enlaces, etc. qu e grita m mu ita infel icida depara a etern ida de . At sob a mesm a proibio no du vid amos de ajunta r outras dan asantigas, mas hoje che ias de impudiccias, po rqu e mod ernizad as. Sim , M en in as e e-nh oras cre ntes . Acautelem-se da valsa qu e cor rompida revive ho je o seu ca rc te r de tor-veli nho sensua liza nte. No se deixem levar sem mais nem menos pela mazurca , galope,polkaetc. qu e tantos qu erem descrever inocentes. (idem, ibidem : 86-87).

    Alm da condenao veemente de vrios tipos de danas ento em voga(e das atitudes sociais, e at polticas, que lhes estavam associadas), esta obrapermite ainda reconhecer a articulao entre as percepes dos crticos reli-giosos e as dinmicas sociais (bailes, espectculos) e econmicas (indstriadiscogrfica, indstria do entretenimento) associadas a este tipo de prticasexpressivas. Em vrios momentos do texto, o modo inflamado como so re-alados e criticados alguns dos estilos coreogrficos poder aferir do grau dedisseminao deste estilo de prticas no territrio portugus, justificando aestratgia da ofensiva clerical:

    E ficando ade nt ro das fronteira pt rias, vemos a risonha espe rana de Portugal , o seuescol, indiferente perante o perigo, desejoso do baile, ans iosame nte pro curando os sa-les ou inventa ndo as suas ocasies (...) Parece que j praxe do est ilo a qu e no se sabeou no se qu er fug ir. At as coisas srias da Nao e as suas festas patriticas j as vemosm isturad as e com folguedos, onde to pouco ent ra a ser ieda de e uma d ign a gravidad e.Querem seu eplogo e rem ate cheio de apoteose, num baile, onde tudo se mi stura semd istino de alta patente, onde tudo se movime nta ... (Fa ria, ibidem) .

    O fragmento acima exibe ainda as preocupaes da Igreja no que respeitaao alastrar dos "bailes modernos" s altas esferas poltico-sociais e seus ritu aiscelebrativos. A seriedade da situao ainda acentuada atravs do reaIce doperigo potencial de mistura e de intimidade entre diversos grupos e hierarquiassociais , da resultando ameaas ao status-quo vigente e ord em pol ri o-social.Mas este tipo de raciocnio ser ainda ampliado a receios de invcrso da prpriaordem hierrquica da sociedade, devido am eaa da crescente disseminao deestilos expressivos de origem negra por todos os estratos da so iedade bran ca.Numa passagem onde se diagnostica a situao da poca em relao disse-

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    min ao das "danas modernas" comparando o tango e o foxtrot, possVI Iler-se mais uma srie de clichs que numa leitura atenta denunciam temores 11.1ti ispcrso geogrfica da negritude e de contaminao negra do corpo do hr.u \I II.u ravs da dana e do ritmo:

    Era do ttingo cha mava eu ao reinado de Poin car, mas passado o pesadelo da g l ll I I .1que roda a gente quer esquecer no rudo e no prazer, este apelativo tornou-se UIlI :1 ',1n do que. O tango no passa du m intermdio de meneio a bail ado s epi lpt icos , 1\11"1'1 .veio das alfurjas argent inas, estes do s baruques ame ricanos, qu e anda m agora na IH'II .Ic no perneio. O [ox- t rot pareia- se aos sac es, ao compasso esbanda lhado do jazz- IJIIJIf /.orques tra de negralh ad a, onde o m sico da caixa e da pan cad a se descabea c uiII!.'rerro rosa rnenre. Es re ch in frim de peles vermel has e preras a rechinar nas orelhas Ibad alar nas gmbias, ensandeceu o Pari s inteiro. Abrem-se "da ncings a cad a ca nto. SI'por causa [destes bail ados modernos] Pari s ensa ndece u, o qu e di zer de Portugal, IH'IIImenos experime ntado do qu e a gra