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JESUS, LUZ DO MUNDO Fernando Pinheiro Ecce Homo, de Antonio Ciseri The picture: Ecce Homo (Behold the Man) – Pilate presenting Jesus to the crowd by Antonio Ciseri. Author: Antonio Ciseri (October 25, 1821 – March 8, 1891) A cena é narrada no conto Cláudia Prócula, da obra Jesus, luz do mundo, de Fernando Pinheiro. Rio de Janeiro – RJ 2011

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JESUS, LUZ DO MUNDO

Fernando Pinheiro

Ecce Homo, de Antonio Ciseri

The picture: Ecce Homo (Behold the Man) – Pilate presenting Jesus to the crowd by Antonio Ciseri.

Author: Antonio Ciseri (October 25, 1821 – March 8, 1891) A cena é narrada no conto Cláudia Prócula, da obra

Jesus, luz do mundo, de Fernando Pinheiro. Rio de Janeiro – RJ – 2011

FERNANDO PINHEIRO – 2

“Lembro-me agora da construção imponente onde Pilatos lavou as suas mãos e me presenteou com a vida verdadeira...”

VOZ DO RAIO RUBI – 15 de agosto de 2010

Link http: // rosane – avozdoraiorubi.blogspot.com/

Para Sempre Eu Vou Te Amar! Mensagem de Jesus Cristo

Canalizadora: Rosane Amantéa

2ª capa: Fernando Pinheiro (foto da Galeria de Presidentes

da Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil)

3 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Observação O Certificado de Registro ou Averbação, concedido ao escritor Fernando Pinheiro, pelo Escritório de Direitos Autorais – Fundação Biblioteca Nacional – Ministério da Cultura, protege a literalidade do trabalho apresentado, e não as ideias nele contidas.

/

Em preâmbulo à Apresentação de nosso trabalho, temos a honra de anunciar, como já é do conhecimento de centenas de milhões de pessoas, que Jesus é o grande libertador das algemas escravocratas. Enquanto o grande libertador estimula–nos para que resplandeçamos a nossa luz, as sombras, que promovem o jugo à cadeia de ciclos de sofrimento, ainda varrem todo o planeta, em estertores agônicos e os mundos não unificados dentro de um período de tempo que se esgota, nos planos da evolução. Isto porque as evidências comprovam a colheita da semeadura que distingue o trigo e a eliminação do joio que tem os dias contados para joeirar em outras lavras, longe do planeta. Esta certeza alenta–nos o ânimo porque a Terra, dentro da separação do joio e do trigo, está ascendendo a um plano maior de consciência, em que se configura o advento da 5ª dimensão, ou a Jerusalém dos céus. A essência do significado da volta de Jesus é a presença dEle em nosso coração.

FERNANDO PINHEIRO – 4

CPI - Brasil. Catalogação–na–fonte Pinheiro, Fernando JESUS, LUZ DO MUNDO / Fernando Pinheiro ISBN 1. Paráfrase criativa inspirada na Bíblia. Recontado da

obra original de Amélia Rodrigues (Espírito), psicografada por Divaldo Pereira Franco e de O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela e Vida de Jesus, de Plínio Salgado

2. A Noite da Aparição (textos) – in Nosso Senhor das Águas, de Max Carphentier

3. Evangelhos 4. A vida de Jesus 5. Contos evangélicos 6. Comentários dos Contos 7. Poesia e Prosa poética 8. Brochura 276 pp.

5 - JESUS, LUZ DO MUNDO

FERNANDO HENRIQUES PINHEIRO, contista, cronista,

ensaísta (áreas de História, Música Clássica, Filosofia, Comportamento Humano), fez seus estudos no Seminário Arquidiocesano de São Luís do Maranhão (hoje, Centro Teológico do Maranhão), presidente da Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil (mandatos: 1995 a 1998, 1998 a 2001, 2004 a 2007 e 2007 a 2010)

Honrarias e condecorações:

● Prêmio Nacional de Livros Publicados – Concedido pela AICLAF – Academia Internacional

de Ciências, Letras, Artes e Filosofia do Rio de Janeiro

● Diploma Moção de Congratulações – Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro

(sessão solene de 20 de maio de 1998)

– Câmara Municipal do Rio de Janeiro (sessões solenes de 16 de setembro de 1998 e 13 de agosto de 2001)

Bibliografia do autor Livros publicados e inéditos

A SARÇA ARDENTE (crônicas) – 180 pp. (1988)

JESUS, LUZ DO MUNDO (contos) – 276 pp. (2011)

HISTÓRIA DO BANCO DO BRASIL (1950/2009) 1.223 pp. (2011)

BANCO DO BRASIL - LISBOA SERRA, poeta, tribuno e presidente – 234 pp. (2011)

BANCO DO BRASIL – CONSULTORIA JURÍDICA – ensaios históricos – autores diversos (co-autoria) – 378 pp. (2011)

FERNANDO PINHEIRO – 6

FLAMA E VOZ (palestras e discursos) – 194 pp. (2011)

MÚSICA PARA CANTO E PIANO (ensaios) – 200 pp. (2011)

OS VENTOS DO AMANHECER (ensaios) – 232 pp. (2011)

PERFUME DAS PARTITURAS (ensaios) – 180 pp. (2011)

Palestras (em seminários) A presença dos funcionários do Banco do Brasil na música

clássica – in

Angola –

4° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social – pp. 177 a 200) (2000)

in

Caio de Mello Franco, diplomata e poeta –

1° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social – pp. 91 a 97 (1995)

in

Karlos Rischbieter, presidente do BB (9/2/1977 a 16/3/1979) –

5° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social – pp. 15 a 31 (2004)

in

Odilon Braga: flama e voz –

6° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social – CCBB – Rio de Janeiro pp. 9 a 20 (2005)

in

Por onde andou Villa-Lobos? –

5° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social – pp. 126 a 164 (2004)

in

3° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social – pp. 187 a 202) (1999)

Prefácio Um olhar sobre o ontem e o hoje, de Zorrillo de Almeida Sobrinho

– Produtora M de Publicações e Propaganda – 344 pp. – Campo Grande - MS (2000)

7 - JESUS, LUZ DO MUNDO

SUMÁRIO P.

SANTUÁRIO DE BELEZA – Yeda Dantas Bacellar 9

À LUZ DO LUAR 15

1. ANUNCIANDO A ENCARNAÇÃO DO VERBO 25

2. CARAVANAS DO DESERTO 31

3. OS DOUTORES DO TEMPLO 36

4. NATANAEL 44

5. SIMÃO BAR JONAS 48

6. O BANQUETE DE LEVI 54

7. NICODEMOS 60

8. O PILOTO DE BIGAS 64

9. SALOMÉ 68

10. AS BODAS DE CANÁ 75

11. A CURA DO CEGO DE NASCENÇA 86

12. BARTIMEU 90

13. A CURA DE UM LEPROSO 94

14. A CURA DOS DEZ LEPROSOS 99

15. PAULUS, O CENTURIÃO 103

16. A MULHER PARALÍTICA 107

17. A TEMPESTADE NO MAR 111

18. ANOITECER EM GERASA 117

19. GENESARÉ 124

FERNANDO PINHEIRO - 8 20. VERÔNICA 129

21. MANHÃ EM NAZARÉ 135

22. MADALENA 142

23. MARTA 151

24. ZAQUEU 157

25. A SAMARITANA 164

26. BEN MORDECKAI 171

27. MANHÃ EM JERUSALÉM 176

28. TABOR 183

29. LÁZARO 191

30. A MOEDA DE CÉSAR 204

31. NOS CAMINHOS DE JERICÓ 209

32. O DISCURSO PROFÉTICO 212

33. GETSÊMANI 217

34. CAIFÁS 222

35. DESOLAÇÃO 226

36. CLÁUDIA PRÓCULA 233

37. SIMÃO, O CIRENEU 242

38. O OLHAR DE BEN–HUR 247

39. MARIA DE NAZARÉ 252

40. A PRESENÇA DIÁFANA 255

41. A NOITE DA APARIÇÃO (Max Carphentier) 260

Amor–Sabedoria 272

BIBLIOGRAFIA 275

ÍNDICE REMISSIVO 277

9 – JESUS, LUZ DO MUNDO

SANTUÁRIO DE BELEZA Yeda Dantas Bacellar

Designer e artista plástica

Adentro este santuário de beleza na qualidade de convidada, para expressar a admiração e o encantamento que me envolvem, ao acompanhar o autor nesta viagem de enlevo literário, que ele empreende na companhia soberba de Fagundes Varela, Plínio Salgado, Divaldo Pereira Franco e Amélia Rodrigues, através dos páramos sagrados da vida mística de Jesus Cristo. Entendo esse relato literário como a expressão da revelação feita a Fernando Pinheiro por essa Luz da Sabedoria Divina, tal qual aquela que se revelou a Maria Madalena e Paulo de Tarso.

FERNANDO PINHEIRO – 10

Quando a inspiração artística se apossa de uma pessoa, ela também sobe até o cume do monte Tabor, onde o próprio autor descobre a primeira revelação das intercomunicações intergalácticas. E desse Tabor, descortinado pelo êxtase artístico, você desce à planície como Moisés descera, antes, do Monte Horeb, e Jesus Cristo o fez do monte Tabor, naquele momento, para compartilhar o êxtase místico com os companheiros da caminhada existencial. Mas, as paisagens energéticas dos espaços siderais só se descerram para os que tentam e possuem o dom de ouvir os astros siderais, como já confessou Olavo Bilac. A emoção constitutiva da contemplação estética é aparentada da meditação dos místicos, como Fernando Pinheiro o insinua na sua demonstração de apreço pelas vidas de Teresinha de Lisieux e de Teresa d’Ávila, a doutora da contemplação mística do Eterno e do Uno na História do Cristianismo. Mas tanto o êxtase estético como o êxtase místico religioso são impulsionados pela crença na Unidade fértil, geradora da Multiplicidade, que Fernando Pinheiro foi encontrar no filósofo Spinoza e que este descobriu, como uma intuição primordial, que lhe permitiu descortinar a explicação recôndita da existência. É a mesma intuição original do Judaísmo e do Cristianismo que se encontra na versão primeira da origem do Universo no livro do Gênesis: Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou, macho e fêmea ele o criou. Curioso que também os Upanishads, livro sagrado dos hindus, descrevem que o Absoluto, origem de todas as coisas, também resulta do Amor do macho e da

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fêmea: ele era, na realidade, tão grande como um homem e uma mulher abraçados! Revelação extraordinária: quando o Homem e a Mulher se unem, num abraço de Amor, se igualam ao Absoluto! E o famoso livro I Ching da cultura chinesa coincide nessa intuição da realidade, como uma Unidade produzida pelo Amor de Yang e Yin, os opostos macho e fêmea, princípio e fim, dia e noite, luz e trevas, grande e pequeno. Nada surpreendente, portanto, que essa viagem estética de Fernando Pinheiro passe por Maria Madalena, a mulher cujo Amor produziu uma Fé tão grande, tão poderosa que redimensionou o Cristianismo, estimulando os discípulos a pregar o Evangelho. O Amor de Maria Madalena não podia acreditar na morte de seu Amado. A tocha da Fé, da intuição feminina, das energias interpessoais, diria Fernando Pinheiro, gestada no cadinho de um Amor imenso, gritava-lhe interiormente: Ele vive! E Maria Madalena viu Jesus ressuscitado. E Maria Madalena correu a proclamar para os discípulos atemorizados, como agora Fernando Pinheiro fala para o mundo, o meu Amor ressuscitou. O Amor inspirado em Jesus. O Amor não morre. Ele está vivo. Ele é a Luz do Mundo. A Luz do Mundo não se extinguiu. Esse mesmo encontro pessoal teve Paulo de Tarso, na estrada de Damasco, com o Jesus Cristo das esferas espirituais superiores, de que fala Fernando Pinheiro. E o Amor pelo Uno brotou aos borbotões do coração de Paulo e lhe outorgou aquela Fé que mudou o mundo, cristianizou o mundo. Tessalonicenses, Jesus Cristo venceu a Morte. O Amor ressuscitou. Sois imortais, tais quais os deuses Dionísio e Orfeu, ressuscitareis. O Amor venceu tudo. Venceu até a morte. O Amor não morre. A Luz do Mundo não se extinguiu, diz Fernando Pinheiro.

FERNANDO PINHEIRO – 12

Há cerca de cinco mil anos, as vibrações espirituais cósmicas brotam em catadupas daquela fonte inexaurível do primeiro capítulo do Gênesis. A tocha de Moisés se inflamou no fogo de Amor por Iavé. Resplandeceu, então, por milênios a Luz de Israel, a luz que ilumina os caminhos de um povo, uma nação, acesa na intuição daquela Lei do versículo 17 do capítulo 2: Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não deves comer, porque no dia em que o fizeres serás condenado a morrer. A Lei é a Aliança de Amor entre Deus e Israel. O cumprimento da Lei é a manifestação do Amor a Deus, e Deus se enche de Amor por quem a cumpre e o cumula de bens: vida longa, sucesso, riqueza, fertilidade, vasta descendência e higidez. O descumprimento da Lei é a manifestação do desamor a Deus, e Deus também se desagrada de quem a infringe e o cobre de maldições: vida breve, insucesso, pobreza, infertilidade e doença. E Moisés empunhou a tocha do Amor de Deus por Israel e, por quarenta anos, liderou a marcha do povo eleito para as terras prometidas de Canaã. A Lei Mosaica foi e é a Luz de Israel, a luz de um povo, de uma nação, acesa na tocha de Amor por Iavé. Há dois mil anos, novas vibrações espirituais cósmicas e mais poderosas, captadas por espíritos inflamados no Amor pelo Absoluto e pelo Uno, de que fala Fernando Pinheiro, como Maria Madalena e Paulo de Tarso, entraram em sintonia com o grande avatar da era moderna, Jesus Cristo, que intuiu a nova revelação, iluminação muito mais ampla, para a Humanidade toda e para o Universo inteiro.

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E tal era a energia do Amor de Paulo de Tarso, que ele se dirige à Igreja de Jerusalém, a igreja da família de Jesus Cristo, e ousa declarar: eu tenho um Amor tão grande pelo Absoluto que ele me infundiu uma luz mais forte que a de vocês, ele colocou em minhas mãos a tocha da Luz do Mundo. O Amor que me une a Jesus Cristo é tão grande, que ele me confiou a missão de revelá-lo a todo o mundo. E ele ama a Humanidade toda, toda a sua obra, não apenas um povo, uma nação: ele é a Luz do Mundo. E, por isso, Jesus Cristo foi condenado à morte, porque afirmou que é o Amor ao Absoluto, a Deus, que salva, que vivifica, que nos torna imortais, que ressuscita, que nos faz deuses. O Amor faz o homem justo. Não é a Lei que faz o homem justo. A Lei condena o Homem, isto sim. O homem, dinamizado pelas energias espirituais superiores, é bom, é justo, não necessita de Lei. Ele se harmoniza com o Absoluto. Foi essa a grande revelação que encheu Paulo de Tarso de força tal, que o impulsionou a empunhar a tocha da Luz do Mundo e a difundir o cristianismo pelo mundo conhecido de sua época. O Amor do Absoluto tudo envolve, a Humanidade toda e o Cosmos todo, Jesus, a Luz do Mundo, dirá Fernando Pinheiro. O Amor do Absoluto não se restringe apenas a um povo, mas a toda a Humanidade, a sua obra toda. O Amor salva, disse Jesus Cristo, o Amor do Homem pelo Absoluto e o Amor do Absoluto pelo Homem. O Homem possuído pelo Amor é justo, é bom, é perfeito, é feliz, é imortal, é Deus. “Vós sois deuses” está escrito no texto sagrado.

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Aí está a revelação captada pelo grande avatar, Jesus Cristo, o Absoluto é Amor e, por isso, criou o Homem à sua imagem, macho e fêmea ele os criou (Gênesis 1, 27). Só o Amor existe, só o Amor é eterno, só o Amor constrói: faça–se, aquela palavra mágica do início do Gênesis, é o próprio Absoluto assumindo a multiplicidade de formas que compõem o Cosmos, e se renovam a cada instante, é a fertilidade do Amor. Essas também as vibrações espirituais cósmicas do Absoluto, captadas pelos Upanishads do hinduísmo na espetacular imagem do abraço apertado entre o macho e a fêmea, e pelo I Ching dos chineses, no equilíbrio do Yang e do Yin, que tudo envolve na harmoniosa conjunção do macho e da fêmea, na sinfonia do Amor. Amar é o fundamental. Ama e viverás. Ama e serás eterno. Ama e terás o conhecimento. Jesus, o Amor do Mundo, ou, como revela Fernando Pinheiro, Jesus, Luz do Mundo. Com intenso júbilo, vejo crescer o seleto grupo de autores que, no Brasil, escreveram em versos ou em prosa poética ou mesmo em forma romanceada a respeito da vida de Jesus: Fagundes Varela, Bittencourt Sampaio, Plínio Salgado, Bastos Tigre, Huberto Rohden, Divaldo Pereira Franco (Amélia Rodrigues – Espírito), Francisco Cândido Xavier, Max Carphentier, Tasso da Silveira e, a partir dos idos de 2011, Fernando Pinheiro.

15 – JESUS, LUZ DO MUNDO

À LUZ DO LUAR

Graças a Deus conseguimos escrever, como se fosse um sonho à luz do luar, contos que lembram os feitos de Jesus como mensagens urgentes para o homem ser permanentemente feliz. Colhendo as informações, citando as passagens bíblicas e os quatro evangelistas que as escreveram, recompomos a trajetória terrena de Jesus, sem alterar o texto original. Jesus, luz do mundo se expande na matéria recontada da obra de Amélia Rodrigues (Espírito), psicografada por Divaldo Pereira Franco e de Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela e Vida de Jesus, de Plínio Salgado.

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Apresentamo-nos como um simples divulgador da Boa Nova e destacamos as palavras de Amélia Rodrigues (Espírito)¸ na psicografia de Divaldo Pereira Franco:

“À semelhança dos dias em que Jesus viveu entre nós, os tempos atuais ensejam a restauração viva e atuante da Mensagem cristã, pois que, convertida em laboratório de experiências aflitivas, a Terra continua sendo campo rico de oportunidades para a vivência evangélica.” (1)

Jesus, luz do mundo é a luz que se projeta em seus feitos que buscamos descrever e fazer a citação de autores que, igualmente, sentem essa luz para despertar a criatura humana ao caminho que conduz ao paraíso de que nos falaram Ele próprio e todos aqueles que vieram ao mundo somente para servir. O estado emocional do homem, nos idos de 2011, marco inicial em que o planeta está passando da 3ª para a 5ª dimensão vibracional, simultaneamente, na separação do joio e do trigo, é o mesmo do filho pródigo: triste e abatido começa a entender que os criados de sua família tinham condições de vida melhores do que a sua. A alegria de voltar ao lar é mais importante do que todas as ilusões reunidas.

(1) AMÉLIA RODRIGUES (Espírito) – in Primícias do Reino (Prólogo),

pp. 18 e 19 – 7ª edição, psicografado por Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – 9/2000 – Salvador – BA.

17 - JESUS, LUZ DO MUNDO

No conceito transitório de liberdade, o filho pródigo retirou-se da casa paterna onde ele vivia e seguiu, por estranhos caminhos, sem ter a certeza do amanhã. Jesus falou por parábolas àquela gente simples do campo, a fim de que, por símbolos e imagens da paisagem campestre, pudesse de imediato compreendê-lo. Em acenos de mãos, em palavras deixou exemplos de rara beleza que nem mesmo o verbo sibilino dos profetas conseguiu superá-lo. A cada pessoa dosava a palavra, a fim de não violar a natureza íntima de cada um. Conhecedor profundo dos enigmas, nunca causou impacto nas consciências que buscavam a reabilitação diante das leis divinas. Amou a todos, como forma de despertá-los para a felicidade reservada a todos os seres humanos. O pensamento de Jesus, reproduzindo a síntese da vida humana e dos anjos, tem um sentido universal e pode ser percebido em Saturno, Mercúrio, Vênus e nas estrelas:

“Precisamos afirmar ao mundo que o homem é o príncipe do paraíso, sem ter a necessidade de usar roupagens sombrias bem diferentes da luz que vibra em seu ser mais profundo, aguardando apenas um impulso para resplandecer.” (2)

(2) FERNANDO PINHEIRO – in Prefácio e 4ª capa do livro Um olhar

sobre o ontem e o hoje, de Zorrillo de Almeida Sobrinho – Produtora M. de Publicações e Propaganda – Campo Grande – MS – 2000.

FERNANDO PINHEIRO - 18

A palavra de Jesus, que buscamos retratar numa linguagem atual, nos tempos da comunicação instantânea e da consolidação das sociedades de massa, é um convite para entender os valores reais da vida, e, com este conhecimento, libertamo-nos das algemas escravocratas e, caminhando livres, podemos antever um porvir radioso onde a felicidade será permanente. Preliminarmente, o nosso muito obrigado é destinado a Jesus pela inspiração do seu nome que buscamos, poeticamente, em prosa descrever dentro das possibilidades que nos permitem desfrutar os deleites das fontes límpidas. Depois são extensivos à Yeda Dantas Bacellar que redigiu o Prefácio Santuário de Beleza, bem como ao eminente orador Divaldo Pereira Franco que escreveu a obra ditada por Amélia Rodrigues, fonte inexaurível de sublime inspiração. Agradecimentos extensivos a Nilson de Souza Pereira, presidente do Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador – BA, cessionário das obras psicografadas por Divaldo Pereira Franco. Agradecemos também ao Reverendo Pastor Guilhermino Cunha, Presidente do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil (1994/2002), que leu, nos idos de 1993, vários capítulos, quando ainda não estava completa a obra, e emitiu, para gáudio nosso, a seguinte opinião:

“Ao todo são 20 contos evangélicos. O autor inspira-se no texto sagrado e vai contando, de forma bastante agradável, várias passagens do Novo Testamento. É pura poesia em forma de prosa; a sensibilidade está

19 - JESUS, LUZ DO MUNDO

em cada parágrafo e remete o leitor a uma consulta ao texto original, a Bíblia.

Jesus, luz do mundo é uma criativa paráfrase; assim a leitura vai mais além do que o mero prazer literário e sugere vida, transformação, enlevo espiritual.

Percebe-se, nitidamente, o carinho e a dedicação do autor para com o Mestre Jesus. Partindo da parábola, do versículo, do ensinamento ele transmuta o conto em aula e quem sai lucrando é o leitor, mediante o belo trabalho da arte de contar histórias que Fernando Pinheiro nos proporciona.” (3)

Os agradecimentos prosseguem ainda aos elogios que recebemos de Solange Rech (1946/2008), poeta catarinense, que redigiu, ainda investido nas funções de gerente–executivo do Banco do Brasil – UEN Rural e Agroindustrial – Brasília – DF, as seguintes linhas:

“Embaraçosa para uns, estimulante para muitos, a figura de Jesus de Nazaré vai se descortinando para os leitores de Jesus, luz do mundo como alguém que vai montando um mosaico. A cada história lida, a cada tema comentado mais se delineiam os contornos do Divino Mestre e daqueles com quem conviveu.

(3) Rev. GUILHERMINO CUNHA, presidente do Supremo Concílio da

Igreja Presbiteriana do Brasil (1994/2002) – Carta de autorização concedida, em 19/10/2006, ao escritor Fernando Pinheiro, na qual afirma: “seu gesto é o de um escritor, ético nas suas atitudes e preciso nas suas palavras.”

FERNANDO PINHEIRO - 20

Fernando Pinheiro mostra-nos que, ao contrário do que possa parecer, Jesus é a essência da simplicidade. Nisso faz coro a Tasso da Silveira, poeta espiritualista paranaense, em seu Cântico do Cristo do Corcovado.

Para os que creem, Jesus, luz do mundo é quase uma reza. Para os que não creem, é uma advertência: a de que a prática do bem deve ser buscada por todos, independentemente de suas crenças e doutrinas.”

Assim como Teresa de Lisieux, a Santa Teresinha do Menino Jesus, poetisa e doutora da Igreja, lamentava não saber hebraico nem grego para poder pregar as Escrituras Sagradas, no original, sentimo-nos também na mesma situação. Teresa d´Ávila é santa e doutora da Igreja.

Em qualquer circunstância, reconhecemos que Deus, em Sua infinita bondade, assiste à nossa realidade espiritual, acompanhando-nos os passos. A dimensão não se restringe apenas ao que lemos, vemos, ouvimos ou escrevemos, pois o coração está à frente levando o amor que sentimos, com a proteção de Jesus, o herói imbatível do sistema solar. Sentimos a necessidade de citar as últimas palavras da cerimônia da missa cantada, em aramaico, por Gabriel Dahhu, padre da Igreja Sirian Ortodoxa, exibidas no Programa Fantástico da Rede Globo, de 27/3/2005. O final da oração Pai Nosso de Jesus, traduzido em legenda em português, é o seguinte: “De ti nasce toda vontade reinante, o poder e a força viva que se renova a cada dia e a tudo embeleza.”

21 - JESUS, LUZ DO MUNDO

A fim de compreendermos melhor o mundo e o tempo em que viveu Jesus e a expansão de sua Doutrina, é necessário destacar a palavra de observadores que retrataram a realidade histórica. Nesse sentido, ressaltamos que a melhor referência está expressa em cada antelóquio dos livros ditados por Amélia Rodrigues, na psicografia de Divaldo Pereira Franco: Luz do Mundo, Há Flores no Caminho, Quando voltar a Primavera, Primícias do Reino, Trigo de Deus, Dias Venturosos e . . . Até o fim dos tempos.

Dentre eles, vale destacar Notícias Históricas, inseridas em Trigo de Deus, obra de autoria de Amélia Rodrigues, na psicografia de Divaldo Pereira Franco:

“Não obstante profundamente arraigado na História o pensamento cristão, ainda existem aqueles que teimam em negar a existência de Jesus, informando que Ele pertence à galeria dos mitos, bem como a Sua doutrina é resultado de lendas e elaborações imaginosas muito ao gosto da tradição oriental...

A linguagem dos fatos não lhes basta, e a palavra insuspeita de inúmeros historiadores não lhes constitui prova.

Descomprometido, Flávio Josefo se refere à existência do Mestre e aos acontecimentos que Lhe cercaram a vida, inserindo-O nos fastos do Império Romano, sem qualquer riqueza de comentários.

FERNANDO PINHEIRO - 22

A incomum adesão de milhares de pessoas em poucos anos após a Sua morte, as notáveis Cartas de Paulo e as narrações das Testemunhas daqueles dias, que vieram a formar os Evangelhos, igualmente, para eles, não passam de suspeitosos documentos elaborados com o fim de torná-lO real, arrancando-O do campo conceptual para o terrestre.

Desencadeadas as perseguições contra os Seus seguidores, sejam na Palestina, logo após Sua morte, ou em Roma, a partir de Nero, ou em todo o Império, quase imediatamente, historiadores criteriosos, que se opunham à Doutrina, testemunharam a Sua realidade. Entre eles, Tácito, nos Anais, 15:44, referindo-se ao incêndio de Roma e à acusação assacada por Nero e seus famanazes contra os cristãos, para livrarem-se da suspeita geral que lhes atribuía a responsabilidade do crime, diz:

...Embora os conhecidos esforços humanos de todos, os da liberalidade do imperador e dos sacrifícios oferecidos aos deuses, nada era suficiente para liberar a crença, que se generalizava, de que o incêndio fôra ordenado. Desse modo, para acabar com esse rumor, Nero conseguiu encontrar os responsáveis nos cristãos, gentalha odiada por todos, face às suas abominações, e os castigou com incomum crueldade. Cristo, de quem tomou o nome, foi executado por Pôncio Pilatos durante o reinado de Tibério. Detida por um instante, esta superstição daninha apareceu de novo, não somente na Judéia, onde se encontrava o mal enraizado, mas igualmente em Roma, esse lugar onde se narra, etc ...

23 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Apesar do parcialismo do historiador sobre a crença

cristã, a sua referência em torno da morte de Jesus, nos dias de Pôncio Pilatos, durante o reinado de Tibério, testemunha a existência real do Crucificado.” (4)

Em nossos dias, argumentando a capacidade do Império Romano “de acolher, de absorver e enriquecer-se com as contribuições de todos os povos que dominou.”, (5) o diplomata italiano Giuseppe Magno, cônsul-geral da República da Itália, elucidou:

“Somente perante os cristãos, que reivindicavam a primazia do reino de Deus, o Estado romano tentou reagir instaurando uma política de repressão: o credo dos cristãos, entre outras coisas, minava as bases do sistema econômico, reivindicando para os escravos a mesma dignidade e os mesmos direitos dos homens livres.” (6)

Voltando ao ponto central das referências históricas acerca do tempo em que viveu Jesus, Amélia Rodrigues (Espírito), através da psicografia de Divaldo Pereira Franco nos dá uma lição de História ou de (4) AMÉLIA RODRIGUES – in Pelos Caminhos de Jesus, psicografado

por Divaldo Pereira Franco – pp. 13, 14 – Idem, idem.

(5 e 6) GIUSEPPE MAGNO, cônsul–geral da Itália no Rio de Janeiro, nos idos de 1998. Posteriormente, nos idos de 2007/2011, em andamento, Giuseppe Magno é o embaixador da Itália em Honduras – in Itália, luz mediterrânea, palestra proferida, em 11/12/1998, ao ensejo da realização do 2° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social, promovido pela Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil, sob a presidência do escritor Fernando Pinheiro.

FERNANDO PINHEIRO - 24 Direito Internacional. A informação do diplomata italiano corresponde à mesma realidade histórica ditada por Amélia Rodrigues:

“Tolerados pela “Lex romana”, como praticamente todos os que cultuavam seus deuses e religiões trazidos para o Império na razão em que o mesmo estendia os seus territórios, e de certo modo confundidos com o Judaísmo, que gozava do privilégio de “religião nacional”, os seguidores de Jesus foram colhidos pela armadilha da impiedade quando o imperador declarou que não era “lícito ser cristão”, iniciando as rudes e dilaceradoras perseguições a partir daquele tormentoso ano de 64.” (7)

A perseguição aos cristãos se alongaria por dois séculos, precisamente até o ano de 313, na gestão do imperador Constantino que aprovou as normas estabelecidas no Edito de Milão. Se na teoria da origem das espécies, Darwin estabeleceu que o Universo foi criado de matéria inorgânica e no conceito de Einstein “tudo é energia”, podemos dizer que o Sol, a Lua e as estrelas, Jesus e todos nós possuímos luz. Mas o título honorífico “luz do mundo” é, singularmente, atribuído a Jesus, a quem temos a imensa honra de ser um dos últimos contistas e ensaístas de Sua vida e obra. (7) AMÉLIA RODRIGUES – in Pelos caminhos de Jesus, p. 206 –

3ª edição – 1998, psicografado por Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – Salvador – BA – Idem, idem.

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ANUNCIANDO A ENCARNAÇÃO DO VERBO

Elogiado por Adelmar Tavares, advogado do Banco do Brasil (1925/1930), em discurso de posse na Academia Brasileira de Letras, Fagundes Varela é o nobre cantor de Anchieta ou O Evangelho nas Selvas que nos abre a narrativa evangélica: “E como a virgem pálida mirasse, Continuou assim: – Sobre o seu seio Há descido do Altíssimo a virtude, Terás um filho poderoso e forte, E que – Filho de Deus – será chamado.

Eis a serva de Deus – faça–se nela Sua santa vontade, – diz a virgem.

FERNANDO PINHEIRO - 26

E o celeste enviado abrindo as asas Volta, entre nuvens de brilhantes cores, À sidérea mansão. – Salvo era o mundo: Tinha se feito a luz que alumiava A matéria fecunda, ia fazer–se A viva luz que alumiar devéra As almas imortais em seu caminho; Ia chegar ao mundo o Prometido, Aquele que esperava que viesse, Que trouxesse um consolo aos que chorassem, Que desse ao pobre um lar, ao triste um gozo, Ao romeiro um bordão, ao nauta um leme, Ao cego a luz, ao moribundo a vida, Aos povos a verdade! – Era já tempo.

(...) Da clara estirpe de David, o grande, A glória de Israel, o rei–profeta, O ungido do Senhor, o herói, o sábio, O mais nobre cantor que há visto o mundo, Era a eleita de Deus, dos céus princesa, Dos homens esperança, – era Maria, Filha de Ana e de Joaquim, esposa Do operário José. A nódoa infausta Do vício original não maculava A esplêndida candura de seu rosto, Norma sublime, divinal modelo Da perfeição dos anjos. A inocência, A bondade infinita, radiavam Iguais a duas fúlgidas estrelas, Em seu laurel da excelsa virgindade. Seus gestos graciosos, os seus passos Mais leves e sutis, eram medidos Por suave harmonia. Um – que – de etéreo,

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De indefinido e vago, derramavam Por toda a parte seus olhares. – Almas Tinham as rosas dos sarçais selvagens, Se as tocavam seus dedos.” (8)

Almas das rosas – assim o poeta Fagundes Varela nos faz pensar. Assim como a concha do fundo do mar esconde a pérola que será exposta no momento oportuno, o coração do homem possui segredos que serão revelados em idêntica situação. O tempo corre em espaços matemáticos. Na precisão de um segundo, a flor se abre um pouco mais, o relâmpago desencadeia as chuvas, o pulo das aves sacode polens de flores. E qual hora do homem realizar seus sonhos, se ainda não sabe prever em um segundo antes a manifestação do relâmpago nem ver a flor se abrindo em tão pouco tempo e ainda está muito longe de determinar o gesto que antecede o voo dos pássaros? A natureza se expandindo nele mostra a hora da sede, do sono, do acordar sem que ele tenha necessidade de recorrer a outros meios. As aves e os animais, no instinto da conservação, têm esses meios que dão equilíbrio em suas vidas, mergulhadas inconscientemente nas forças do Universo. (8) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –

poema – Canto I – Cap. XVI, XVII – pp. 18, 19 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

FERNANDO PINHEIRO - 28 A alma dos pássaros ou a energia dos pássaros desperta no homem o voo de suas melhores energias. A alma dos rios a vontade de correr, a alma dos ventos o sonho de desfilar na imaginação dos amores que encontra no caminho, a alma das rosas dos sarçais selvagens, a inspiração poética de Fagundes Varella que a faz ver no toque sutil das mãos de Maria de Nazaré. Há movimentação constante de forças criando o destino de futuras flores, ainda inseminadas nos pólens de árvores que os pássaros sacodem; há energias mentais, que se cristalizaram nos sorrisos e na ternura, construindo o sonho dos amores numa vida em comum. Nas circunstâncias que o envolvem, o homem pensa buscar soluções, definir esquemas que produzem resultados positivos, mas não sabe as implicações que o futuro lhe responderá nesses gestos. Quem pode prever a resposta de um olhar, se ainda não tem consciência da intensidade em que foi emitido nem sabe em que ponto será acolhido pela apreciação alheia? Há um referencial de vida em cada ser humano. Daí o cuidado de não expormos aquilo que deve ser guardado para não chocar a visão de quem não possui o mesmo referencial. O segredo da vida ou o mistério dos véus que se estenderam nos templos e lugares sagrados de todos os povos serviam apenas para nos livrar do infortúnio. A citação do Canto IX – p. 283, de Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela, é oportuna: “Há sofrimentos como os segredos da famosa esfinge, cumpre deixá–los no mistério envoltos!”

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O silêncio sempre esteve ligado à sabedoria e, dentro das implicações que desconhecemos, há um refazimento das energias desperdiçadas em campos emocionais diferentes do nosso estágio evolutivo. É por isso que vemos a importância de resultados negativos naqueles empreendimentos que pensamos ser o melhor, mas o tempo revelará a fragilidade dos sonhos criados na imaginação. O importante é deixar-se conduzir pelas energias que criam os verdadeiros sonhos, sabendo que a missão de cada um tem ligações profundas em fontes que jorram sabedoria a alcance de todos. Quando o homem se mantiver tranquilo na adversidade, verá que há sinais lhe indicando outros caminhos onde pode seguir sentindo a alma dos rios correndo, a alma das rosas, perfumando, a alma dos ventos – Sílfide – se misturando a todos os seres da Criação.

Acreditamos que com a vibração luminosa do amor estendida por toda a superfície terrena, as camadas densas e escuras que a envolvem, falamos de psicofera, serão extintas, assim como faz a vela acesa clareando o que antes era escuridão. O amor fará o maior milagre que jamais aconteceu no planeta, transformá–lo em paraíso, na consciência dos anjos que a revelam em suas mensagens de luz, desde os tempos bíblicos.

FERNANDO PINHEIRO - 30 Dores, tristeza, saudades, lutas e sofrimento serão recordações do homem que deixou a influência do animal nele aparecer. O advento de uma era de paz está a caminho, em distâncias que podem ser encurtadas pela população da Terra. Nesse sentido, as catástrofes andam a galope em direção de zonas de risco que tendem a se globalizar. A Era de Aquarius se abriu neste século, ainda não sentida em todos os níveis da espiritualidade. No planeta em renovação, haverá uma civilização sem temores do futuro e dócil à inspiração superior.

Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela (Canto I, pp. 19 e 20), conclui a anunciação do Verbo encarnado: “Neta de um rei, mulher de um jornaleiro, Pobre, singela, humilde, mas senhora De toda a humanidade: desprezada Dos escravos dos Césares nefandos, Mais forte, gloriosa, triunfante Ao lado de seu Filho e de quem sofre; Eis a mulher que soergueu os homens Do fundo abismo onde os lançara o erro! Eis a predestinada, a quem o Eterno Enviara seu lúcido ministro Anunciando a encarnação do Verbo.”

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CARAVANAS DO DESERTO

“Tendo Jesus nascido em Belém de Judéia, no

tempo do rei Herodes, vieram uns magos do Oriente a Jerusalém. Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? Vimos a sua estrela no Oriente, e viemos adorá–lo.” (9)

Os caminhantes que vieram do Oriente traziam mapas enrolados em papiros para sentir com as mãos as previsões que sentiam na alma acerca do nascimento do mais glorioso filho de Judá, região de homens consagrados a Deus, onde surgiram muitos profetas.

(9) MATEUS, 2:1 e 2

FERNANDO PINHEIRO - 32 As vestimentas dos magos tinham sinais de ostentação e de riqueza, carregavam perfumes e essências raras que eram derramadas no corpo, ao redor de lareiras improvisadas, perfumando o ambiente voltado exclusivamente a meditações acerca do destino dos homens. Os caminhantes orientais conheciam os astros e suas influências no mundo material, as leis que definem o aparelhamento de cada ser humano diante da vida, consultando sempre os astros e a numerologia, artes divinatórias ainda presentes nos dias atuais. A estrela de Belém, que alumiou a manjedoura do menino que veio salvar a humanidade permanece como símbolo de orientação a outras caravanas que seguem sem rumo. Basta um olhar para o alto e o panorama será radiante como a aurora que surge a cada alvorecer. Com a inspiração da mensagem de Jesus: “E todo aquele que receber, em meu nome, uma criança como esta, recebe a mim”, ampliamos o assunto do tema, com o ensaio Imagens do Deserto, da obra Os Ventos do Amanhecer, de Fernando Pinheiro: Flores atiradas ao deserto por caravanas que passam apressadas. Suas cargas estão pesadas de coisas supérfluas. São necessárias ao consumo transitório, mas não têm proveito no destino da viagem. Raul Seixas, na música O trem das 7, percebeu isso.

O tempo vai fenecendo as flores desprendidas de suas raízes. Chegará um momento em que essas flores virarão adubos fertilizando as searas, mesmo que se encontrem em terrenos desérticos.

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No campo humano, há aridez dos sentimentos quando desprezam anjos solitários em tenra idade, a vagar pelas ruas, vendendo limões, balas de açúcar, limpando pára-brisas de outras caravanas, nos sinais de trânsito, ou ingressando, por vítimas do erro adulto, no mundo do crime. Segundo informação divulgada numa entrevista levada ao ar, em 14/9/2002, pela Rádio Catedral FM, são mortos, anualmente, 3.000 menores no tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro. O JB (23/5/2009), 1ª página, publica retrato colorido de menor abandonado apanhando seus pertences em bueiro (Créditos: Guilherme Gonçalves). Não obstante as vicissitudes da vida, o olhar da criança é sempre doce, sem medo das circunstâncias. A feiura vem da comparação tendenciosa do adulto que a aprecia do seu ponto-de-vista. Além das aparências, as necessidades existenciais ressurgem com força dominadora. O destino das flores tem percursos imprevistos pelo homem. Ele se livra delas, pensando em seu trajeto pessoal, sem saber das consequências.

O homem, desconhecendo a realidade imortal que o envolve, ainda se debate nos grilhões da morte, onde coloca tristeza e desolação. Mas é preciso que ele se inspire em Francisco de Assis (1182/1226), o mais santo dos italianos e o mais italiano dos santos, que poeticamente nos falou do irmão-sol, da irmã-lua e da proteção dos animais, sem perder a referência principal do homem no contexto do universo.

FERNANDO PINHEIRO - 34 Prestigiado pela presença de Edgardo Amorim Rego, gerente da Carteira de Operações de Câmbio (Camio/Gecam) do Banco do Brasil (12/4/1972 a abril/1984), e do embaixador Afonso Arinos de Melo Franco Filho, proferimos a palestra de abertura do 5° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social, na qual homenageamos o poeta e embaixador Caio de Mello Franco, citando a poesia destinada a São Francisco de Assis:

“És o gênio do Amor, na natureza! Teu irmão Sol te aquece e te ilumina ... Se é noite, Soror Lua, cristalina, Desfaz-se em ouro, toda em ouro acesa ...” (11)

Nós sabemos que as necessidades das criaturas são imensas. Há andorinhas piedosas em louvor do Criador nos claustros dos conventos, pardais solitários que buscam galhos secos para construir novos ninhos, abelhas se ligando ao trabalho de classe, borboletas voejam em saltos que sobressaem a cor, o brilho, a destreza dos movimentos. Se a fauna é rica em suas espécies, a flora tem flores e arbustos em tapetes mágicos que encantam todos os olhares. Se uma flor cai, sozinha, mostrando o tecido de veludo que a compõe, não podemos ver a beleza morrendo. A beleza é eterna, tem uma transparência que fica registrada no campo astral, assim como o exemplo daqueles que vieram ao mundo para servir. (11) CAIO DE MELLO FRANCO – in

– Typographia do Annuário do Brasil – Rio de Janeiro – 1924. Vida que passa... (poemas) – p. 197

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A tristeza do homem em ver as flores perdendo o viço e a graça é em decorrência de sua visão voltada ao curto espaço-limite onde está circunscrito. Quando ele não destruir a fauna e a flora e vir nos anjos solitários das ruas de cidades companheiros em difícil teste, compreenderá que a vida está em tudo. Testes difíceis todos passam, até mesmo aqueles que contribuíram na evolução planetária sentiram a aridez do deserto – Spinoza, indigente, Galileu, escarnecido, Beethoven, surdo, Braille, tuberculoso, Pavlov, cego, Gabriela Mistral, cancerosa, e os mártires que marcaram a História. A revelação dos profetas e poetas que viam a vida resplandecer, em estados mais sutis, é decantada em linguagem comovente por aqueles que saíram vitoriosos de suas provas de libertação íntima. Tem gente ainda perguntando por que Raul Seixas é citado nas Caravanas do Deserto? É simples responder: ele quis se referir, na canção Trem das Sete que “não tem passagem nem bagagem na viagem”, pois não levaremos nada daqui, títulos, riqueza, pobreza, apenas a vibração que carregamos que nos indicará o caminho que está na sintonia em que vivemos e continuamos a viver sempre de estágio em estágio, na escala evolutiva, a chamada escada de Jacó.

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OS DOUTORES DO TEMPLO Picture: Teaching in the Temple by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)

Após a festa da Páscoa, Maria, a mais bela judia, procurava o seu filho amado em Jerusalém. A preocupação humana era, aos poucos, abafada pela confiança em Deus. No terceiro dia de busca, a alegria inefável tomou conta da Rosa Mística ao ver o seu filho entre os doutores. Aqueles senhores do templo, que conheciam o Cântico dos Cânticos, de Salomão, as leis e os profetas, estavam admirados com a sabedoria de Jesus. Ele ainda criança, apenas doze anos de idade, e já os ensinava como Mestre.

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O momento é um dos mais expressivos da narrativa evangélica porque os doutores, ao contemplar a beleza primaveril encarnada num menino, estavam mais inclinados a receber a luz que ilumina os caminhos do homem. Numa doce admiração, eles se lembraram de Davi, quando era também criança, apascentando as ovelhas e cantando salmos que o imortalizaram. No plano mental, o homem aprecia a beleza comparando-a com experiências vividas ou refletidas em sua alma. É um estágio entre o saber humano e a sabedoria que deslinda os enigmas do caminhar. Um segundo antes, Jesus foi comparado a Davi e, um segundo depois, ultrapassou as fronteiras da comparação humana, num êxtase que atinge a transcendência dos fatos conhecidos. No reencontro de Maria com o filho amado, as ressonâncias do Cântico dos Cânticos, de Salomão, gravadas no inconsciente coletivo de que nos falou Carl Jung (12) parecem estar gravadas no ar: “vistes aquele a quem ama a minha alma?” (13)

(12) A descoberta do inconsciente coletivo, de Carl Gustav Jung,

psicólogo suíço (1875/1961), data do século XX, mas já existia desde que o mundo é mundo, assim como o átomo, etc. Considerando que o Cântico dos Cânticos, de Salomão, é anterior aos tempos de Jesus, é natural que pairava na psicosfera terrestre (campo astral) os registros mnemônicos ou vibrações psíquicas do autor bíblico. Para os indianos eram os registros akáshicos e para os cristãos o Livro da Vida.

(13) SALOMÃO – in Cântico dos Cânticos.

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A resposta do Mestre amado, num tom interrogativo, conforme menciona Lucas, o escritor da mansuetude de Jesus, no dizer do poeta italiano Dante Alighieri, é sem comparação: “por que é que me procuráveis? Não sabeis que me convém tratar dos negócios de meu Pai?” (14)

No plano invisível, onde reina o inconsciente coletivo, as ressonâncias do Cântico dos Cânticos, de Salomão, ganham a atmosfera azulada que os doutores da lei conheciam: “Desci ao jardim das nogueiras, para ver os novos frutos do vale, para ver se floresciam as vides e brotavam as romeiras”. (15)

No plano evangélico, o autor sacro ressalta a responsabilidade de Jesus, ainda criança, diante da obra do Pai Celestial. E concluiu: “E crescia Jesus em sabedoria, em estatura e em graça para com Deus e os homens.” (16)

Neste episódio bíblico, vamos ver a personalidade de Jesus descrita nos versos de Fagundes Varela, ao escrever a narrativa poética Anchieta ou O Evangelho nas Selvas:

(14) LUCAS, 2:49 (15) SALOMÃO – in Cântico dos Cânticos (16) LUCAS, 2:52

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“Correm semanas, meses, correm anos, E o menino formoso e delicado, A quem seus nobres pais deram no exílio O nome de Jesus, torna-se forte, Avisado e gentil. A etérea calma, A candura dos anjos, resplandecem Em seu rosto adorável; a prudência, A graça, a discrição, em belas máximas Dimanam de seus lábios. A doçura Da palavra eloquente, os gestos meigos, A expressão inefável dos olhares, Cativam corações, que ardentes buscam, Além d´aqueles dotes felicíssimos, Um – que – de estranho e grande, que pressentem E os enche de alvoroço!... – Asas, quem sabe, Ligeiras, invisíveis, se recurvam Sobre aquelas espáduas! Misterioso, Vedado aos olhos dos mortais, descansa, Talvez, o diadema do Infinito Sobre aquela cabeça imaculada!... Dois lustros tinha apenas e dois anos, Quando em Jerusalém seus pais zelosos, Finda a festa da Páscoa, o procuravam, Que a seu lado o não viam, – assombrados, Foram acha-lo em meio de doutores, Dos livros de Moisés volvendo as folhas, Reduzindo ao silêncio os mais sagazes E velhos sacerdotes. Tão profunda, Tão vasta sapiência então mostrava!... Dos serões estivais, das quentes sestas, Dos folguedos do povo, ingênuo e simples, Era Jesus o mimo, o encanto, a vida;

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As jovens mães paravam junto à porta Do pobre carpinteiro, e contemplavam, Suspirosas, a cândida criança:

– Feliz aquela cujos seios puros Te aleitaram – diziam; outras vezes, Traziam seus filhinhos inocentes Para ouvirem o lindo companheiro, Folgar com ele pelos verdes prados, Crendo, oh!, divina fé! que a inteligência, A graça, a mansidão, a ingenuidade Do afortunado, loiro Nazareno, Passassem a seus tímidos amigos. Longe, porém, de se entregar incauto Aos loucos brincos dos primeiros anos, Ou simular austeridade imprópria Da ridente estação das esperanças, Ele enchia de amor e de alegria Tudo quanto o cercava! Seus olhares Fariam desabrochar na sombra os lírios, Cantar os maviosos passarinhos, Que, do basto arvoredo, vinham mansos Pousar sobre seus ombros! As torrentes, As virações ligeiras, e os rumores Dos silvados espessos, a seu gesto, Das harpas e saltérios imitavam As harmonias ternas e saudosas.” (17)

(17) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –

poema – Canto II – Capítulo IX – pp. 56, 57, 58 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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Ano 12. Em Roma, transcorria a gestão de Tibério César à frente dos destinos da Casa Senhorial de César. Em Jerusalém, inicia-se a missão de Jesus. Dignidade e elevação. As escadarias do templo foi o primeiro lugar onde falou em público e seus primeiros ouvintes foram os doutores da lei. Depois todas as classes de pessoas foram beneficiadas pelas suas bençãos, suas luzes que jorravam, em profusão, em sabedoria plena. Desde aquela época até os nossos dias, sua luz permanece irradiando sempre. Aliás, desde o início do mundo, como se posiciona o texto inaugural da Bíblia Sagrada: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus ”. (18)

A nossa pequenez desaparece e renasce um sentido de grandeza quando compreendemos e aceitamos as palavras de Jesus; voltamos ao pensamento inserido na temática Tudo Vibra, de nossa lavra. As pessoas que vemos, falamos, ouvimos e sentimos suas emoções, estão envolvidas em oportunidades valiosas que temos para dar testemunhos daquilo que somos. Em todas elas vemos a manifestação divina, embora haja, à primeira vista, desencantos na aproximação. Mas, ao analisar a situação, notamos que essas pessoas vieram num momento em que precisamos demonstrar aquilo que permanece estável no nosso íntimo. O equilíbrio tem a característica da igualdade. Onde houver uma fonte jorrando, haverá sempre um receptáculo colhendo as dádivas preciosas. (18) JOÃO, 1:1

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Ninguém caminha sozinho. Nos passos dos que avançam em direção aos recantos onde reina a paz, há marcas indeléveis que beneficiam aqueles que andam na retaguarda. O sorriso de quem se doa em benefício daqueles que estão em situação de desconforto emocional movimenta energias que os ajudam a buscar essas mesmas energias que estão armazenadas dentro deles.

É por isso que devemos ter muito carinho e ternura, quando pessoas incompreensíveis e inconformadas com a vida se aproximam de nós. A inconformação domina essas pessoas porque o mundo moderno, voltado à transitoriedade de todos os valores, não contribui de forma generalizada para valorização da vida humana, principalmente daquelas que precisam de ajuda para se recomporem interiormente. Podemos ter a certeza de que se a vida nos beneficia com os amores que nos encantam a alma, de igual modo, a lei de igualdade, posicionando todos os seres ao ponto de origem, permite, pela troca de vibrações que se completam, a aproximação de irmãos precisando sentir o nosso estímulo. Os ventos, as chuvas, os climas, a irradiação solar, as camadas de ozônio estabelecem, no espaço, o ecossistema, embora seja danificado pela poluição, em períodos de ciclos que se renovam, até a saturação dos meios de vida atuais que terão, em futuro próximo, novas transformações no meio–ambiente.

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Tudo vibra e emite energia. O que nos parece incompleto em um instante, em outro a complementação surge. Até mesmo na explosão de corpos celestes em extinção, a vida ressurge vitoriosa. Todo o Universo é energia inteligente, sobressaindo desde os primeiros sintomas de observação, nos reinos da Criação (mineral, vegetal, animal) até chegar à inteligência e à intuição do homem que começa a entender o que antes era tido como mistérios da vida. Tudo nos cerca em motivos variados, sempre a demonstrar que as circunstâncias, favorecendo-nos o momento, vêm nos situar nos lugares onde encontramos pessoas precisando de sorrisos e outras que nos oferecem, nos instantes em que estamos tristes e desanimados. Quando nos sentimos interligados com as energias do Universo que movem a Ursa Maior e demais constelações da Via-Láctea, os sistemas planetários e galáxias espalhadas pelo infinito, podemos ter, de uma vez por todas, a certeza de que não haverá força alguma que possa nos prejudicar. Se há um clima desfavorável ao nosso bem-estar, devemos estar atentos para o serviço de recomposição, primeiramente verificando se estamos em harmonia conosco para espalhar àqueles que nos chegam pelos impulsos das vibrações que emitimos.

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4

NATANAEL

O encontro amigável de Filipe com Natanael ocorreu num momento em que começava a se formar o grupo dos 12 apóstolos messiânicos. O clima era de expectativa e de contentamento. Na conversa entre ambos foi revelada a notícia aguardada por todos os cidadãos israelitas:

“Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os profetas: Jesus de Nazaré, filho de José. Perguntou Natanael: Pode vir alguma coisa boa de Nazaré? Respondeu Filipe: Vem e vê.” (19)

(19) JOÃO, 1:45, 46

45 - JESUS, LUZ DO MUNDO

A dúvida de que se revestiu a pergunta de Natanael, imediatamente desfeita por Filipe, num claro chamamento ao ministério divino, desperta-nos o interesse de saber maiores informações a respeito da cidade de Nazaré. Com a autorização do autor, transcrevemos da obra Trigo de Deus, de Amélia Rodrigues, psicografado por Divaldo Pereira Franco, título que presta homenagem a um dos mártires do Cristianismo, vítima da perseguição do imperador Trajano:

“Depois dEle, quando o incêndio do amor tomou conta das vidas e os mártires se levantaram para glorificá-Lo, colocando sobre os ombros as cruzes dos testemunhos, Inácio de Antioquia, Seu discípulo, denunciado e condenado, antes de seguir a Roma para o holocausto, declarou:

“Sou trigo de Deus e desejo ser triturado e os dentes das feras devem moer-me, para que possa ser oferecido como limpo pão de Cristo.”

(...)

Ao tempo de Jesus, Nazaré era uma aldeia perdida nas encostas dos montes de calcário, na região da Baixa Galiléia. Parecia uma pérola, que esplendia entre pedras brutas, cercada de flores miúdas quase que permanentes.

Fundada, fazia mais de dois mil anos, antes de Jesus, não tinha qualquer importância, porque nenhuma estrada significativa a atravessava, exceto quando se seguia a rota algo escarpada na direção do Egito, caminho certamente percorrido por Maria, José e o Filho, quando da fuga para liberar-se do ódio de Herodes.

FERNANDO PINHEIRO - 46 Nazaré se tornaria conhecida depois dEle.

Não é o lugar que torna notável o homem, mas este que, extraordinário, dignifica o lugar de sua origem elevando-o ao estágio de grandeza, de notoriedade.

Nazaré situa-se em uma bacia, a quase quatrocentos metros, acima do nível do mar Mediterrâneo.

O seu é um clima privilegiado e o vale de Jezrael é sempre fértil e verde, havendo merecido do historiador Flávio Josefo comentários entusiásticos e comovedores.

Ao oeste, podem-se ver o monte Carmelo e o mar; a leste está o vale do Jordão; ao sul, a planície de Esdrelon, região onde está Meguido e na qual o rei Josias sofreu sua terrível derrota; ali também lutaram os Macabeus, sonhando com a liberdade. Mais ao sul, encontra-se o monte de Gelboé e, a nordeste, o lago de Tiberíades.

Saul fora derrotado pelos filisteus muito perto dali, nas cercanias de Gelboé, ficando assinalado o seu fracasso face à desobediência à profecia de Samuel, o último dos Juízes, que lhe vieram falar através da mediunidade exuberante da pitonisa de Endor...

Não sendo uma aldeia importante, esteve sujeita a Jafa, a Séforis, a Quislot, e ficou quase esquecida.

A população da Galiléia era constituída por sírios, que vieram do Norte, gentios, romanos de meado do século I, a.C., gregos que fugiram das conquistas de Alexandre Magno, e pelo povo da região, que falavam o dialeto arameu, uma linguagem pobre que se arrimava às imagens vivas da Natureza, sem dispor de um vocabulário próprio para vestir as idéias.

47 - JESUS, LUZ DO MUNDO

, Não seja, portanto, de estranhar que o Mestre

usasse a mesma palavra para definir, às vezes, coisas e acontecimentos diferentes.

Por outro lado, era comum que um mesmo vocabulário adquirisse um significado mais genérico, o que, certamente, criou dificuldades para o entendimento das anotações escriturísticas.” (20)

A narrativa de João, ainda no 1° capítulo do texto sagrado, revela-nos outro encontro de comovente beleza:

“Quando Jesus viu Natanael aproximar-se, disse a seu respeito: Aqui está um verdadeiro israelista, em quem não há nada falso. Perguntou-lhe Natanael: De onde me conheces? Respondeu Jesus: Antes que Filipe te chamasse, ti vi quando estavas debaixo da figueira. Então Natanael declarou: Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel! Disse Jesus: Porque disse que te vi debaixo da figueira, crês? Coisas maiores do que esta verás. Então acrescentou: Na verdade, na verdade vos digo que vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem.” (21)

(20) AMÉLIA RODRIGUES – in Trigo de Deus, psicografado por

Divaldo Pereira Franco, pp. 11, 53, 54 – 3ª edição – 1999 – Livraria Espírita Alvorada Editora – Salvador – BA – Idem, idem).

(21) JOÃO, 1:47 a 49

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5

SIMÃO BAR JONAS

Na Galileia corria a fama das doutrinas santas e luminosas divulgadas por Jesus, o amigo dos sofredores deste mundo. O poeta Fagundes Varela, na inspiração sublime de transmitir passagens evangélicas, narra a última pesca de Simão Bar Jonas, o pescador convocado para o novo labor: “Nas horas melancólicas da tarde, Quando se esconde o sol entre as montanhas E a luz crepuscular povoa o vale De tristeza, de amores, de saudades, Um dia vagueando pensativo À verde margem de sereno lago, Vê sobre a areia dois batéis vazios, E a pouco espaço sobre escuras rochas, Tisnados e grosseiros pescadores Lavando as finas redes. Ao mais velho, Da Galileia habitador antigo,

49 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Dirige–se Jesus: – Simão, que fazes? Puxa ao lago o teu barco e lança as redes, Quero te ver pescar. – Mestre, responde Tristemente Simão, a noite inteira Eu ontem trabalhei, e hoje, debalde, Nem um peixinho achei; porém, tu mandas, Cumpre–me obedecer. Ajunta as redes, Chama os sócios e desce, o lenho impele, Toma o Senhor consigo e faz–se ao largo.

XIII

Sobre as águas serenas, lança, estende O tecido sutil de finas malhas; Depois, aos poucos, lentamente o tira, Dos amigos robustos ajudado. Mas o peso excessivo as linhas quebra, Quebra as delgadas cordas; outros barcos Do barco de Simão se acercam logo. Assombrosa fortuna. À tona d´água Reluzem, pulam, turbilhões de peixes Os mais estranhos no tamanho e forma, Os mais apreciados no mercado; Uns agitando as barbas filiformes, Encrespando as escamas de mil cores, Fazendo resvalar nas turvas ondas O dorso boleado, úmido e pingue; Outros dobrando o prolongado corpo Batendo as águas, como a lisa folha

De larga e forte espada damascena, Lançando à roda inúmeros respingos; Abrindo outros as asas matizadas De azuis lavores, de cetíneas manchas,

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Procurando transpor o mobil circo, De instante a instante mais estreito ainda. Depois se ajuntam, se misturam, rolam, Ondas vivas represas por encanto Nos limites de mágico desenho Feito por mão de fada caprichosa. Os barcos atulhados mal flutuam, Deixando apenas as delgadas bordas Fora das águas boliçosas, prestes A passarem sobre elas; entretanto, À direita, à esquerda, à proa, à popa Os cardumes aquáticos pululam.

XIV – Retira–te de mim!... Simão exclama, Retira–te de mim, Senhor, te digo! Homem culpado sou, escuras nódoas Minha vida enegrecem! – Não te assustes, Respondeu–lhe Jesus, meigo e risonho, Foste até hoje pescador de peixes, Mas de homens pescador serás agora. – Simão curva a cabeça e fecha os olhos. Chegando à praia as redes abandona, Deixa o barco na areia, e acompanhado De Thiago e de João, fiéis amigos, Em seguimento do Senhor caminham. (18)

(18) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –

poema – Canto III – Cap, XII, XIII e XIV – pp. 56, 57, 58 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

51 - JESUS, LUZ DO MUNDO

O colégio apostólico estava em formação. Nesse sentido, buscamos o pensamento em direção do tema grupos sociais onde todos nós, de alguma forma, fazemos parte. Na caminhada em direção do destino que o homem busca, ele faz muitos estágios nos lugares onde deve permanecer por algum tempo. Em alguns passa horas, dias ou meses; em outros se demora por alguns anos ou a vida inteira, numa profissão ou atividade que justifique a sustentação de sua vida física ou a afirmação de seus talentos que devem ser distribuídos sem recompensa. Nesses estágios há o encontro de companheiros que se interligam para compor determinada classe social com o objetivo de cumprir determinações que engrandecem a participação de cada um. Dia após dia, em número que cresce até a complementação das tarefas atribuídas, ocorre a identificação do papel de todos os participantes no grupo social. Nele são formadas as grandes amizades que o tempo não dispersará. As modificações, no panorama social, são imposições imperiosas dos fatos buscados como forma de afirmação de viver. Todos buscam o progresso, variando sempre os meios como estão sendo processados. Os lugares das pessoas estão sempre se modificando, quer no conceito e atribuições a cada função, quer no deslocamento de posições que irão modificar a estrutura social.

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O tempo, fluindo como as águas das fontes, estende a duração necessária, marcando a posição em que o fato ocorreu nas atividades humanas. Esse recurso, que temos em mãos, auxilia-nos na realização de nossas tarefas. Quantos fatos se nos apresentam, exigindo-nos o posicionamento para que determinada circunstância crie característica própria, com marcas do nosso proceder! Nesse jogo de decisão, que envolve pessoas e ocorrências, o nosso ideal está subordinado às circunstâncias que nos fazem despertar para a realidade do fato que está acontecendo. Quando percebemos a hora de agir, a vontade cresce e se expande nas pessoas que nos cercam. Como é importante mantermos aqueles amores que não têm laços físicos, entregando-os à vida que nos rodeia em circunstâncias geradoras da alteração de lugares. O tempo e o espaço se interligam naqueles momentos imperecíveis. Depois, não haverá saudade nem apego ao que ficou guardado dentro de nós. Os dias chegam trazendo e levando todas as situações de que participamos, mesmo que seja apenas em pensamento. Neles ainda há amores precisando ouvir a nossa voz. Se o tempo for ligeiro, com o voo das águias, certamente outras aves que voam mais baixo enternecerão o olhar de quem demorou tanto a sentir que somos iguais.

53 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Nas ligações de interesse social, os grupos se reúnem motivados pelos objetivos que perseguem, estoicamente, embora haja obstáculos no desempenho da função de cada participante. Motivos de mal-estar ou qualquer indisposição orgânica ou emocional de algum integrante podem modificar o andamento da reunião desses grupos. Basta que haja, apenas, um decréscimo na vontade de continuar mantendo vivo o fulgor do ideal, o panorama perde a claridade que apresentava antes. Os grupos sociais são instáveis, em decorrência da instabilidade de seus componentes. Mas, à proporção que cada um incorpore o ideal em comum, a unidade surge como força inextinguível. O mais perfeito exemplo de grupo social, vivido neste planeta, atingindo essa unidade foi, sem dúvida, o colégio apostólico que reuniu 12 discípulos, convocado pelo Mestre Jesus.

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O BANQUETE DE LEVI

Em Cafarnaum, no banquete de Levi, a alegria se manifesta esfuziante e bela. Jesus estava presente. Como se vestia o sublime convidado? O poeta Raimundo Correia falou-nos da túnica inconsútil (38) e Amélia Rodrigues, quando descreve o momento em que Jesus falou a seus discípulos (“Segui-me, eu vos farei pescadores de homens” (39), ditou a Divaldo Pereira Franco: “A túnica descia-lhe até os pés, tecida na roca, em tom carregado de mármore...”). (40)

(38) RAIMUNDO CORREIA – in Poesias, p. 229 – DICIONÁRIO novo

AURÉLIO – O Dicionário da Língua Portuguesa, p. 1096 – Editora Nova Fronteira – 1999.

(39) MATEUS, 4:19

(40) AMÉLIA RODRIGUES (Espírito) – in Trigo de Deus, p. 20, 3ª edição, psicografado por Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – 1999 – Salvador – BA.

55 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Passados os dias em que saíra de Nazaré, estivera no deserto, Jesus caminha na orla de Tiberíades, numa manhã primaveril, onde ondas são levemente eriçadas e sumidas no voo que o vento desfaz. Em frente à alfândega, Jesus fez uma parada e dirige o olhar em direção de Levi, o cobrador de impostos, que ao mesmo tempo identifica aquele olhar, recrudescendo nele a vocação para servir à humanidade, como escritor da Boa Nova. Num átimo, ouviu-o dizer: “segue-me”. Ao entardecer, Levi, expandindo-se em alegria, oferece a Jesus e seus discípulos um banquete que tem a presença de publicanos e pecadores. A mesa estava repleta: vinhos de várias procedências nas cores de ametista, ouro velho e de rubi; frutas saborosas e peixes defumados adquiridos de mercadores em trânsito. O banquete de Levi é narrado pelo próprio evangelista, mais conhecido com o nome de Mateus:

“Enquanto Jesus estava jantando na casa de Mateus, chegaram muitos cobradores de impostos e pecadores e sentaram-se à mesa com Jesus e seus discípulos. Os fariseus, vendo isto, perguntaram aos seus discípulos: Por que come o vosso mestre com os cobradores de impostos e pecadores? Jesus, porém, ouvindo isto, disse: Não necessitam de médicos os são, mas, sim, os doentes. Ide, porém, e aprendei o que significa: Misericórdia quero, e não sacrifícios. Pois eu não vim chamar os justos, e, sim, os pecadores ao arrependimento.” (41)

(41) MATEUS, 9:9 a 13

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Os cobradores de impostos, ou publicanos, não tinham aceitação geral dos seus conterrâneos, pois eram encarregados de recolher o imposto devido a César.

No entanto, nada disso impedia que Jesus escolhesse um discípulo daquela classe social. A missão de reunir os apóstolos estava sendo cumprida.

Mateus estava feliz numa felicidade que se estenderia no decorrer dos evos, na obra evangélica que nos chega nos dias de hoje, como se fosse fruta madura, pronta para ser saboreada. A imagem é material mas o significado é espiritual.

A inspiração do poeta Fagundes Varela, na obra

Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, é manifestada no poder descritivo, transmitido em versos, da narrativa evangélica:

“Deixando os fariseus e escribas mudos, Mudos os assistentes, boquiabertos, Afasta-se Jesus; na larga praça, Bem junto do telônio, ou grande mesa, Onde estavam então os cobradores Dos dinheiros reais e dos tributos, Vê, ao passar, sentado um publicano; Detém-se, encara-o, fita-lhe no rosto Um desses fundos, divinais olhares Que aos seios d´alma rápidos penetram, E laceram os véus da consciência.

– Levante-te, Levi, filho de Alfeu, Que chamarei Mateus, e vem comigo.

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Mateus não titubeia e não vacila, Ergue-se, deixa tudo, ao chão arroja O próprio manto que trazia aos ombros, Guia o senhor à casa onde reside. Faz aprestar esplêndido banquete, Chama os pobres à mesa, e alegres folgam Por todo aquele dia. Os vis escribas, Os invejosos fariseus lhe dizem: – Que! censurais os vícios e defeitos Do vulgacho grosseiro, vós, o Mestre, E comeis no festim do publicano, Sentado entre rasteiros pecadores! O Senhor lhes responde: – Ouvi, malévolos! Os que estão são, sabeis? não necessitam Dos socorros do médico, aos enfermos São eles destinados. Neste mundo Não venho aos justos ensinar, mas, vêde, Chamar à penitência os pecadores! E outras santas verdades repetindo Os reduz ao silêncio, envergonhados.” (42)

Ao aceitar a missão de seguir Jesus, Mateus demonstrou, com exemplo edificante, como ser feliz para sempre. Beneficiados também por esta salutar sugestão de viver inteligentemente, que o enredo evangélico sugere, a transformamos em comentários: (42) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – pp. 91, 92 – Obras Completas de Fagundes Varela – B.L. Garnier, Livreiro Editor – 1889 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

FERNANDO PINHEIRO - 58 A condição essencial para ser feliz é viver inteligentemente. A inteligência acima das emoções e deixar que nossos atos tenham a direção que lhe é própria. A emoção é o despertar daquilo que gostamos. Com justa razão, o reflexo do que pensamos, no campo do desejo, atrai as pessoas que possuem essas mesmas características, estabelecendo um vínculo. E com maior ênfase, as pessoas do mesmo enredo de comportamento tendem a se aproximar, nos liames das responsabilidades, pois nada no Universo fica incompleto. O que começou, em olhares aparentemente ingênuos, exige a complementação. O caminhar de quem vive das emoções é bastante oscilante, vai depender, inclusive, da oscilação das pessoas que seguem impulsionadas pelos mesmos gestos. Não sabem a razão por que gostam de alguém. Às vezes, confundem o acessório com o essencial, nos detalhes que vão desde o cabelo, a roupa, etc., sem penetrar na essência do querer. Quando as emoções não são filtradas pela inteligência, geram um vazio que leva à depressão, pois não houve identificação da finalidade dos encontros. O gostar se restringe a querer, numa posse ilusória. Ninguém pode deter para si o que pertence a Deus, sem ter o risco do sofrimento. Todas as pessoas que passam por nós, delirantes pela febre das noites escuras, têm seus vínculos em amores que precisam eternizar o momento, em cumprimento do efeito ação e reação.

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A rede dos pensamentos que vem do espírito imortal é tão extensa quanto a sua existência, no campo físico e nos estágios de aprendizado nos horizontes que ultrapassam suas fronteiras. Nessa rede estão entrelaçados os interesses maiores de nossa evolução. Quantas vezes sentimos uma simpatia forte por alguém que nos desperta a emoção e queremos logo manter uma ligação afetiva, sem sabermos das circunstâncias em que se encontra essa pessoa. Sem dúvida, sempre ocorrem outros vínculos de responsabilidade que a impedem de ter horas livres para desfrutar desse enlevo embriagador. É tão sublime a emoção que sentimos ao vermos pessoas despertando-nos a sensibilidade. São os encontros de caminhos diversos que se cruzam conosco para dar uma mensagem, mesmo que seja tão breve como o abrir de asas das borboletas. Todos nós temos um roteiro de caminhar, nele estão os amores que nos sensibilizam a alma, mas por uma razão secundária, no passado espiritual, não demos o valor que eles merecem. E, assim, voltam para completar o vazio que passou despercebido. Como são tantos os amores que nos chegam, devemos agir inteligentemente, verificando o papel que ocupamos em seus relacionamentos, deixando-os livres em seus caminhos, amando-os cada vez mais, embora não haja necessidade de nossa presença para provar-lhes o que sentimos.

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NICODEMOS

O cenário e a situação psicológica em que se encontrava Nicodemos, o doutor da Lei que pediu uma entrevista a Jesus, constam do livro Primícias do Reino, de Amélia Rodrigues, psicografado por Divaldo Pereira Franco. A seguir, transcritos: “O plenilúnio vestia Jerusalém de prata. (*)

A torre Antônia, altaneira ao lado do Templo, parecia um vigia assestado sobre a cidade dos profetas, observando os movimentos suspeitos em toda a parte...

(*) João, 3:1 a 15 (abril de 29)

(Nota da Autora Espiritual)

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Fora dos muros circunjacentes, as terras de Acra e Bezeta estuavam de verdor, carreando o vento frio na direção da urbe em repouso.

No Templo deserto, a essa hora da noite, crepitam as chamas da perpétua vigília.

Transeuntes noctívagos conduzem archotes, embora a claridade de Celene espalhada sobre o basalto do piso.

As casas, de portas cerradas, estão mergulhadas em profundo silêncio.

Jesus, em casa de amigos, espera.

Aquela entrevista, Ele a concedeu prazerosamente sem qualquer impedimento. Recebera a solicitação e, como a desejasse, aquiescera generoso.

(...) Quando chegou à casa, conduzido por devotado

discípulo dEle, e O viu, não pôde dominar a emoção que o assustou de chofre.

Experimentou a impressão de conhecê-Lo.

Também Ele parecia identificá-lo cordialmente, como se o conhecesse e esperasse o encontro.

Num átimo de minuto, procurou recordar, no coração, onde O vira, quando O encontrara. Foi inútil.

Na acústica da mente parecia ouvi-Lo dizer: “eu te conheço, Nicodemos bar Nicodemo, desde antes...” (22)

(22) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias do Reino, psicografado por

Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – Salvador – BA – Idem, idem.

FERNANDO PINHEIRO - 62 Com o propósito de semear a beleza na seara em que trabalhamos, e acreditando naquilo que é evidente, surgido na elucidação feita por Jesus a Nicodemos, apresentamos a matéria sob o título de Fenômenos Íntimos: A cada amanhecer, despertamos com ânimo firme para enfrentar as situações que se nos apresentam com a finalidade de que haja participação de nossos gestos. De etapa em etapa, vamos conhecendo o roteiro do caminho. Tudo é simples e claro. Mas, quando o nosso olhar se alonga em direção às necessidades de apoio que sentimos virem de companheiros de jornada, vemos que algo deve ser feito em benefício deles. A princípio, o aspecto enigmático cobre-nos a visão. Mas, à proporção que sentimos sermos úteis àqueles que nos rodeiam, a ideia surge na mente como as águas nascendo nas fontes. O amor que impulsiona os movimentos harmoniosos da natureza envolve o homem estimulando-o para que participe desta festa invisível de mística beleza. Assim como os pássaros mudam de penugem, os répteis a coloração da pele, no homem a mudança de status íntimo tem um significado da maior importância. A crisálida nos dá a borboleta, os fenômenos íntimos, que eclodem do ser espiritual, revelam o homem novo. Na transformação dos seres vivos, há um renascimento. A beleza de sons e cores acompanha-nos no ciclo renovador das quatro estações do ano, fazendo-nos crescer em harmonia.

63 - JESUS, LUZ DO MUNDO

No homem o crescimento interior é o momento mais importante de sua vida, simplesmente porque reconhece a sua identificação no cenário do Cosmos. A sua intuição, de uma comprovação inquestionável, ultrapassa os limites de sua inteligência acostumada a clarear os aspectos meramente frios e calculistas. Nasce um novo homem, é como o nascer do sol. Quantas pessoas, animais, vegetais ficam expostos para receber a claridade e o calor que dele derramam! Quem já sente o nascimento de um novo alento dentro do seu íntimo pode estar certo de que ao redor muitas pessoas e circunstâncias esperam ser beneficiadas pela sua participação. Como a evolução prossegue em ritmo crescente, quando surge um estágio que se desloca, avançando, outro que se interliga é beneficiado pelo avanço. É por essa razão que ninguém está só. Sempre existem participantes de sua caminhada, em qualquer ponto em que se encontra. Aqueles que não o acompanharam quando ele seguiu adiante, outros na frente o aguardam para formarem outro elo de uma nova fase evolutiva. E, ainda, aqueles outros que ficaram sempre indagando qual o caminho, sem vontade de procurá-lo, terão em suas companhias os seus semelhantes que farão a mesma pergunta, até que um dia, por uma razão forte, deixarão a luz penetrar em suas mentes viciadas e entenderão por que havia tanta exortação nas palavras dos seus amigos do passado distante.

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O PILOTO DE BIGAS Picture: Christ and the rich young ruler by Heinrich Hofmann (1824/1911)

O piloto de bigas, o mesmo moço rico de que no relatam as Escrituras Sagradas (23), teve uma entrevista com Jesus. Outro piloto de corridas, chamado Ben-Hur, conforme mostrado pelo cinema que revelou Charlton Heston no papel-título, também conheceu o rabi da Galileia, apenas de longe, ao vê-lo a caminho do Gólgota. Amélia Rodrigues (Espírito), no livro Primícias do Reino, psicografado por Divaldo Pereira Franco, descreve a cena em que ocorreu a participação do piloto de bigas, acidentado na pista de corridas, em Cesareia. (23) MATEUS, 19:16 a 30 MARCOS, 10:17 a 31

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É impressionante a narrativa da autora espiritual (Amélia Rodrigues, na psicografia de Divaldo Pereira) que utiliza imagens de rara beleza poética num cenário em que ocorre a tragédia e destaca sobretudo a ação do moço rico, assoberbado com a agenda de compromissos e, em seguida, a recomposição de seu estado mental, onde ainda recrudesciam imagens inesquecíveis da entrevista com Jesus:

“Enquanto escravos precípites arrastam-no da pista, foge mentalmente à cena brutal que o esmaga, e entre as névoas que lhe sombreiam os olhos parece vê-Lo.” (24)

A roupagem carnal é desfeita mas não é o fim. Quem pode delimitar a ação divina nos fatos que ultrapassam a nossa realidade material? Há recursos inefáveis àqueles que são merecedores da felicidade, em qualquer situação em que se encontram. O estudo reflexivo da atitude do moço rico que se encontrou com Jesus, leva-nos a pensar na liberação interna do ser humano que precisa descobrir o que lhe convém a nível de interiorização de alma. O apego a pessoas, coisas, trabalho, ideais está mais ligado às contingências do momento do que as necessidades reais do nosso ser que vive em dimensões superiores à matéria. (24) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias do Reino – pp. 81 e 82 –

7ª edição, psicografado por Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – 9/2000 – Salvador – BA – Idem, idem.

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Se reconhecêssemos que tudo e todos estão imantados em uma só essência cósmica, este é o argumento de Spinoza, veríamos que nossa preocupação pelos resultados não tem razão alguma de existir.

A dedicação ao trabalho que nos cabe fazer e o amor pelas pessoas de nosso convívio e, ainda, a devoção que temos pelo ideal escolhido são estímulos para que a vida se complete dentro de nós. O importante é distinguir o amor e o apego. Ambos são diferentes, embora, na aparência, estejam no mesmo nível de igualdade. Possuem uma realidade única de extremidades opostas. A diferença é que o apego está voltado às exigências do que sentimos sem a visão interna e o amor é o reconhecimento de que tudo se manifesta com um fim útil, embora não tenhamos a compreensão. O particularismo de observarmos pessoas que amamos ou serviços que prestamos tira-nos a tranquilidade quando a ordem dos acontecimentos se inverte para elaborar circunstâncias novas com outra dimensão maior que não podemos alcançar.

Ninguém ainda permaneceu tranquilo diante dos fatos que alteram as condições de vida, no lar e no trabalho, se manteve-se preso a condicionamentos que estipulam a vida apenas no terreno das aparências materiais.

É necessário que a criatura humana compreenda o mundo íntimo em que está mergulhada para que notícias como desolação por perdas de lugares, saudades de pessoas amadas não tirem a alegria permanente que devem possuir sempre.

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Afinal, quem somos nós para conduzir o destino das pessoas se ainda temos muita dificuldade em compreender o nosso? Mas sabemos que há uma energia que nos envolve em comunhão permanente. Nossos pensamentos participam ativamente neste contexto, sem resquícios de apego. O importante é termos deixado plantado o amor nos corações que se afastaram materialmente de nós e que, em outros lugares ou em outra dimensão, possam se sentir felizes com a certeza de que, em outro nível de consciência onde o amor se expande pelo Cosmos, não há separação. Tudo já foi estabelecido antes de trabalharmos. O campo, as sementes, o tempo e as condições de semear. Os frutos pertencem à obra do Universo que beneficiará a todos que estiverem conosco no momento do plantio. Eles continuam trabalhando em suas tarefas e não temos o direito de retê-los mentalmente junto de nós.

Quando compreendemos o caminhar das pessoas que nos acompanham, uma sensação de conforto e de tranquilidade se estabelece no nosso íntimo, não importa a direção escolhida, pois no Universo a energia que harmoniosamente move os corpos celestes é a mesma que dá forças ao homem para viver, onde estiver.

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SALOMÉ

No planalto de Moab, ergue-se a fortaleza de Maqueronte, onde o festim acontecia sob as chamas vermelhas dos lampadários pregados nas paredes e, ao redor, guardas protegiam o imenso salão repleto de dançarinas, músicos e convidados. Era o aniversário de Herodes Ântipas, tetrarca da Galileia. Entre os participantes, estavam Herodíades e Salomé, mãe e filha; o procônsul Lucius Vitellius, acompanhado de uma comitiva de bajuladores e serviçais, além dos membros da Corte e da família do tetrarca. O luxo estava presente em tudo, nas roupas, nas joias, nos tapetes persas e babilônicos, nos tecidos coloridos oriundos de Damasco, estendidos nos corredores de pedra lavrada. Flores coloridas e perfumadas em cima de mesas de ébano e mogno completavam a decoração.

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O festim de Herodes é descrito no poema bíblico Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela. São 10 cantos, em 8.482 versos decassílabos soltos. Vale ressaltar o Canto IV: “Os primores da Europa, o luxo da Ásia, o fausto desta, a profusão daquela, de Herodes o palácio aformoseiam.

Mil candeeiros, transparentes rochas, argênteos lampadários iluminam as vastas arcarias marchetadas dos mais lindos mosaicos do Oriente, E as colunas de mármore, as pilastras cobertas de lavores, e as paredes ornamentadas de brasões pomposos. Os gratos sons das harpas e doçainas, Das cítaras e flautas, repercutem Fora da larga praça, onde confusa Cochila a multidão maravilhada. Celebra o rei vaidoso e dissoluto Seu dia natalício. As salas todas Estão cheias de amigos e convivas: Ricos hebreus, latinos cavaleiros, Senhores do Ocidente e do Levante. As mais belas romanas da soberba, Mas depravada corte do tirano, As mais airosas filhas da Circássía, E as ninfas mais gentis das ilhas gregas, À lauta mesa reclinadas ouvem Os torpes, desonestos galanteios Dos escravos de César. Petulante, De louro coroado, e verde mirto, Do amor emblema, e símbolo da glória,

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Em macia camilha repimpado, Excita à ebriedade o rei da festa Seus libertinos, cínicos parceiros. Bela, apesar do vício, a fronte esbelta Aos joelhos do amante repousando, Herodias sorri. De espaço a espaço, Gracioso escanção, ágil, travesso, Demônio de malícia em tenra idade, As taças de ouro que a seus pés reluzem, Do excitante falerno enche, dizendo Imodestos gracejos. Nenhum pajem Do mais devasso camarim do império O vencera em audácia e desvergonha! Entretanto, meu Deus! é uma menina, No albor da adolescência, rósea, loira, Olhos azuis brilhantes, lábios de anjo! E esta menina é filha de Herodias!...” (25) Do lado de lá, o profeta, que clama no deserto, estava numa cela com um olhar meditativo pairando no ar. A lembrança do passado era recordada com inefável alegria. As inspirações de sabedoria foram colocadas em prática nas pregações que fez ao anunciar a chegada do Messias, preparando-lhe o caminho. (25) FAGUNDES VARELA, L. N. – Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –

poema – Canto IV – Capítulo XIV – pp. 134, 135 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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O texto sagrado narra: “Houve um homem enviado de Deus, cujo nome era

João. Este veio como testemunha para testificar a respeito da luz, a fim de que todos cressem por meio dele.”

(...) “A luz verdadeira que ilumina a todos os homens

estava vindo ao mundo. Estava no mundo, o mundo foi feito por meio dele mas o mundo não o conheceu. Veio para o que era seu, mas os seus não o receberam. Mas a todos os que o receberam, àqueles que creem no seu nome, deu-lhes o poder de serem filhos de Deus – filhos nascidos não do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” (26)

Ainda ligado aos momentos inesquecíveis, viu aquele homem, descendo à margem do rio, a irradiar a beleza dos sábios e disse: “eis o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo”. (27) Naquela noite de recordações, ouviu sons de cítaras e harpas misturados com vozes humanas. Numa cantilena suave, os ventos nas árvores abafaram o ruído distante e um sono fechou os seus olhos. (26) JOÃO, 1:6 a 13

(27) JOÃO, 1:36

FERNANDO PINHEIRO - 72 Lá na frente, o festim prossegue no clima de excitação. Os comensais se apressam em comer as guloseimas e saborear os vinhos louros, sem medir os excessos. É a hora da lascívia e dos sentidos exacerbados. Música excitante e lânguida é derramada em canto popular por uma escrava. No intervalo da música, as luzes maiores são apagadas, as mulheres retiraram seus véus que encobriam o rosto, criando um clima de conquista aos homens presentes no salão. Ao recomeçar, em movimento lento, depois presto, faz evolução em cadência lasciva e frenética, animando Salomé a entrar em cena. Com um sorriso nos lábios, começou a dançar. A admiração correu nos olhos de todas as pessoas que assistiram à cena inusitada, deixando o rei completamente transtornado. O teto parecia desabar e tudo flutuava na expectativa. A menina–moça, princesa núbil, tirou o véu dos ombros, mexia o corpo inteiro ondulando o ventre desnudo em ritmos que suas pernas sustentavam. Seus ombros inclinavam-se em posições em que oferecia os lábios, os cabelos, os seios firmes. Assim como está escrito nas cartas de Paulo de Tarso a assertiva “estamos cercados por uma nuvem de testemunhas” (28), o poeta Fagundes Varela deixa transparecer esta idéia–verdade na dança de Salomé: (28) PAULO DE TARSO – in Epístolas Hebreus, 12:1.

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“Entretanto, escrava da cadência, mas senhora dos requebrados, lânguidos meneios, sobre as flores dos séricos tapetes, mais ligeira que a leve borboleta, mais bela que os espíritos errantes que à noite brincam nos rosais cheirosos, ela volteia, – a doida bailadeira!” (29)

Ainda no Capítulo XIV, do Canto IV, de Fagundes Varela, a dança de Salomé é descrita em primorosos versos decassílabos soltos: “Na dança figurada, aos ágeis passos Mistura os mais garridos movimentos, Os gestos mais lascivos. Arquejante, Às vezes pára do salão no centro, Suspira e cerra os olhos... vai, quem sabe, Sucumbir de cansaço! Mas engano! Reanima-se, ri, levanta os braços, Flexível como a serpe encurva o corpo, E num rápido giro se aproxima Do fascinado Herodes, sacudindo Sobre seus pés as rosas da grinalda Entre os aplausos mil dos assistentes. (29) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas

– poema – Canto IV – Capítulo XIV – p. 134 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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Depois, qual passarinho caprichoso, Que das nuvens descendo, em tarde estiva, Modera o voo, quando a terra avista, Ela os passos afrouxa, e segue a medo, O mais lento tanger dos instrumentos. Imita a corça, quando alegre salta, Quando corre veloz; é viva abelha Sobre os lírios do vale adejando; Mimoso colibri; quando descansa, Tão leve, que não dobra das alfombras A mais delgada flor! Por largo tempo, Assim deleita a vista dos convivas; Ofegante por fim, extenuada, Faz um último esforço, e mansamente Cai, pétala de rosa, aos pés de Herodes.” (30) Depois da dança, a tragédia conhecida. Mais tarde, no monte Calvário, acompanhada de Maria de Nazaré, Joana de Cusa, Marta e Maria de Magdala, Salomé está no monte Calvário assistindo ao martírio de Jesus. A partir daí, dedicou-se a rememorar os feitos do Mestre amado, envolvida na atmosfera das blandícias que o Reino de esplendor, à semelhança do Sol, estende as criaturas nascidas em sua órbita sideral. Um ambiente oriental é criado na música Os 7 Véus, de Richard Strauss. O 1° primeiro movimento é de uma beleza impressionante. A interpretação da cantora lírica Maria Ewing supera todas as críticas. (30) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto IV – Capítulo XIV – pp. 134, 135 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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AS BODAS DE CANÁ Picture: Marriage at Cana by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)

“Nessas horas de calma e de amargura, De aflição e prazer, de riso e de lágrimas, Chusmas alegres de louçãs pastoras, Camponesas gentis, zagais esbeltos, Em trajes festivais, brincam e dançam, Cantam e jogam, do arvoredo à sombra, Ou sobre as alcatifas de verdura, Que a frente adornam de formosa granja: É dia de noivado. Pressurosas Acodem dos subúrbios e arredores Dos maiorais mais ricos as famílias, E as famílias dos pobres jornaleiros, Aos folguedos das bodas; vem entre elas A filha de Joaquim e o santo esposo; Chegam também Jesus e seus amigos.” (31) (31) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas

– poema – Canto III – Capítulo VII – p. 86 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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Diante das circunstâncias evidentes, quando ele chegou à pérgula da vivenda campestre, o movimento musical tocado por flautas e pífaros era um allegro moderato alla zíngara. Os noivos, reunidos no atrium, recebiam as felicitações dos amigos e familiares. Passados alguns minutos, voltam ao salão de festas, onde havia maior concentração de pessoas. Os convidados celebravam a festa do casamento com júbilos no coração e apanhavam, com as mãos, frutas, doces, peixes assados estendidos nas bandejas e copos de vinhos de várias procedências. Sorrisos de meninas-moças e olhares de rapazes se misturavam reacendendo esperanças em uniões futuras. O sonho de construir um lar vinha como a brisa que refresca e alenta. Um convidado retardatário chegou com sorriso nos lábios e ofertou à sua namorada a última rosa do inverno. Um beijo de agradecimento que ela lhe deu no rosto espalhou no ambiente um pouco mais de ternura. Maria estava contente com a chegada do filho, naquele lugar em que tudo era festa. Foram dois meses de separação, desde que ela saíra de Nazaré a convite da família dos noivos. As comemorações decorriam normalmente. Conversas animadas de amigos e galanteios entre os jovens namorados criavam um clima de futuros encontros. Ao notar que estava faltando vinho, Maria se dirige ao seu filho pensando que isto poderia ser de mau sinal para os noivos que estavam começando uma vida em comum.

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Jesus estava acima de todas as preocupações humanas e, fitando amorosamente Maria, disse, num tom carinhoso: “mulher, que tenho eu contigo? Ainda não chegou a minha hora.” (32)

Maria, conhecendo o amor e a sabedoria do seu filho, falou tranquila aos serventes: “fazei tudo o que ele vos disser.” (33)

O evangelista João, comentando a transformação da água em vinho, torna explícito que “estavam ali seis talhas de pedra que os judeus usavam para as purificações, e cada uma levava uma ou duas metretas”. (34)

Considerando que cada métrête (medida grega) corresponde a 40 litros, e o fato de haver 6 talhas de pedra (6 x 40), poderíamos avaliar que estavam à disposição dos convivas no mínimo 240 ou no máximo 480 litros de vinho. Adega excelente. O sorriso de confiança de Maria estava em sintonia com os gestos meditativos de Jesus que, um instante depois, falou aos serventes: “enchei de água essas talhas. E encheram-nas até em cima”. (35) Quando os vasilhames chegaram, ele num toque de mãos converte a água em vinho, apenas notado pelos serventes e pelos convidados que estavam bem próximos (o chefe do cerimonial não sabia da procedência do vinho). (32) JOÃO: 2:4 (33) JOÃO, 2:5 (34) JOÃO, 2:6 (35) JOÃO: 2:7

FERNANDO PINHEIRO - 78 Ao se aproximar do grupo de pessoas que assiste ao fenômeno de magia sublimada, o chefe do cerimonial provou a água feito vinho e chamou o noivo e lhe falou: “Todos põem primeiro o vinho bom e, quando já beberem fartamente, então o inferior; mas tu guardaste até agora o bom vinho.” (36)

Caná da Galileia foi o primeiro lugar onde Jesus começou a demonstrar seus sinais de grandeza, percebidos por Maria, Natanael, Filipe e outros discípulos.

A narrativa poética de Fagundes Varela, o cantor da natureza, acerca das bodas de Caná vem revestida de aura romântica e bucólica. Vale assinalar:

VIII

“Os tangeres de simples instrumentos, Doces, melodiosos, e a roda Dos tamborins sonoros, algum tempo Medem da mocidade as ágeis danças, E dissipam as mágoas da velhice; Os bons vinhos depois, os bons guisados, A fartura da mesa do banquete, As condições confundem as idades. (36) JOÃO, 2:10

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Os pais dos desposados, diligentes Andam de lado a lado, as taças enchem, Os criados incitam, e solícitos Trazem novos manjares, novos pratos Que aos convivas afáveis apresentam. Tecem das noivas as cândidas amigas, E os amigos do noivo o epitalâmio Usado nessas eras. Entretanto,

Da noite as horas infiéis e tredas, Que lentas esvoaçam sobre a fronte Do solitário pensador, que cercam A dura barra do infeliz cativo De pavorosas sombras, e prolongam Do lívido, aterrado agonizante Os martírios cruéis, correm velozes Onde brilha o prazer, soam os risos, Onde o júbilo agita as asas de ouro! O dia se aproxima. A grande mesa Terceira vez coberta de iguarias, Gostosos acepipes, doces frutos, Não mais alegra os olhos, – a tristeza Debuxa-se no rosto dos convivas. Está findo o festim?... Estão vazias As ânforas e taças! Vinho, vinho! Dai-nos mais vinhos! Um dos amigos grita.

– Pois acabou-se o vinho? diz surpresa A rainha da festa, – que desgosto! Nem uma gota ao menos acharemos: Os odres estão secos. Mais penoso Mostra-se o enfado nos semblantes todos. Então Maria volta-se a seu Filho, Que ao lado estava pensativo e mudo,

FERNANDO PINHEIRO - 80

Sobre um velho taburno recostado. – Vês? – murmura com gesto suplicante.

IX

Ora, no fundo da espaçosa sala Sobre tosco alicerce ou rijo assento, De forte alvenaria, colocadas

Seis grandes talhas de granito estavam Destinadas, segundo a lei antiga, As santas abluções; Jesus ouvindo O materno pedido se levanta. Acerca-se da mesa do banquete:

– Enchei aquelas talhas d´água pura! – – D´água? ... todos exclamam? – Sim, responde A esposa de José, ele não zomba, Fazei o que vos diz, tereis o vinho –

Num volver d´olhos, servos e senhores, Incrédulos, mas lhanos e corteses, Atendendo aos caprichos da amizade, Que inocente capricho o caso julgam, Enchem, a transbordar, as grandes talhas. – Tomai agora os cântaros e jarras, Ordena o Senhor, – tomai os frascos, E as ânforas também: – estão repletas De vinho aquelas talhas. – Curiosos À roda de Jesus todos se apinham. Primeiro, enchem os servos grandes vasos, Depois, os canjirões, depois os copos Que a seus amos entregam... Maravilha! Em vez d´água das fontes, clara e fresca, Tão grata aos caminheiros do deserto, Aos cabreiros das serras, rubro vinho Escuma e ferve nas vasilhas fundas,

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Acordando o prazer e o regozijo Entre os cansados, mudos bebedores. Uma grita estrondosa e prolongada Saúda o autor do portentoso feito. Jesus, porém, esquiva-se aos aplausos, E como d´antes, vai sentar-se calmo

Sobre o velho taburno que deixara.” (37)

São tantas as pessoas que vemos nos lugares mais diversos, sempre passando impressões que nos sensibilizam. Quantos olhares vieram em silêncio interpretando mensagens que nos fazem pensar? São amores ocultos que ainda não se revelam abertamente, abafados pelas circunstâncias do momento, que exigem o deslocamento a lugares onde não podemos ir, devido ao preenchimento de lacunas sentimentais por pessoas que desconhecemos. Os compromissos do coração têm exigências delineadas por normas de conduta que não permitem o encontro desses amores fora das horas onde se reúnem para desempenhar papéis no cenário social. Quanta vontade de permanecerem juntos naqueles recintos públicos que o tempo marca, numa despedida silenciosa, no final da jornada de trabalho, dia após dia! (37) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto III – Capítulo VIII – pp. 86, 87, 88, 89 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

FERNANDO PINHEIRO - 82 Numa atmosfera azulada nasce o encanto da vida que abranda os acidentes do caminho. O amor se expande em profusão como as espumas das cachoeiras e dos rios que desembocam no mar. São sagrados todos os laços que sustentam a convivência dos amores, tanto no lar como no trabalho; cada qual em espaços adequados, mas não longe do tempo que os envolve sem amarras. Se fôssemos buscar as raízes dos sentimentos dos amores, o momento atual, onde todos os interesses estão concentrados, se perderia na contagem do tempo. Ligados à perenidade do amor, podemos dizer que chegamos antes de qualquer fato novo. Não importa a preocupação do passado, do presente e do futuro, basta o momento que se eterniza. Se há amores-perfeitos, miosótis azuis, margaridas amarelas, rosas cor-de-rosa, há também os lírios vestidos de lama à espera da chuva que revelará a brancura que possuem. Na visão emocional, nos deslumbramos com o olhar doce, o gesto de ternura, o andar que passa deixando traços invisíveis que nos marcam com letras de fogo. A poesia, o sonho, o amor nos acompanham em todos os lugares por onde vamos. Os amores enternecidos nos estimulam a acreditar naquilo que sentimos. Se a nossa vida se resumisse na plenitude dos amores que encontramos, o círculo da felicidade seria tão pequenino. Há lacunas a serem preenchidas no campo dos sentimentos e outros amores, que ainda não foram

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despertados, esperam uma palavra de carinho, um gesto singular que lhes permitem identificar quem somos. Todas as pessoas que estão conosco, não importa conferir o tempo, as situações que fazem parte do nosso viver, os jardins e os pântanos são manifestações da vida, reveladas claramente ou ainda há um tempo de plantar, antes da colheita que abastecerá todas as carências por onde passamos. No clima da certeza do amor, a canção do exílio (palmeiras, sabiá, saudades), ainda tocada em blues que lembram a namorada, os amores e a terra distante do soldado americano, será transformada, algum dia, num canto de louvor aos amores que se encontram em todas as searas.

No círculo que abrange nossas ações, somos impulsionados a ficar perto das pessoas que atraímos com os pensamentos. Necessitados de participar de acontecimentos que nos estimulam a ter uma convivência mais próxima, conhecemos pessoas que vêm preencher lacunas que sentíamos desde quando os nossos sonhos eram pequeninos pensamentos esparsos. Na aproximação o gosto suave do namoro não ultrapassa as fronteiras do nosso mundo íntimo e desconhecemos aquele amor que não soube se expressar. As impressões do passado recrudescem com tintas novas no panorama aberto pelas decisões que rompem romances recém–idealizados.

FERNANDO PINHEIRO - 84 Diante de uma onda que dissipa a realização de sonhos em comum, vemos muitos casais passarem por experiências que irão servir como aprendizado de vida. Isto não quer dizer que há a obrigatoriedade de conviverem juntos o tempo todo. Aliás, na natureza, a espontaneidade e o amor se expandem em manifestações que se expressam em cores, sons e belezas imperecíveis. Responsabilidade e abandono se misturam em medidas que estabilizam o momento oscilante em que os pares se encontram. Ficar perto ou longe vai sofrendo variações que podem estabelecer um ritmo razoável de equilíbrio para quem vai vivendo a vida a sós, depois dos carinhos que pareciam sem fim. Situações de embaraço requerem o emprego da inteligência, com o esquecimento das paixões das primeiras noites que eram motivos para aquecer um clima que diminuiu com a realidade do jogo de forças. A orientação inteligente para aqueles que passam por esses momentos de reflexão é a harmonia a ser buscada dentro de si. E depois reconhecer que o importante é se desligar dos liames que trazem entrave à sua evolução espiritual. A busca da harmonia propicia a apreciação das ligações efetivamente verdadeiras que se estabelecem nos níveis superiores da consciência, onde reina o amor. É de lá que nos chega um referencial maior – a família espiritual – que pode ser ampliada nos lugares por onde passamos.

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Quando o homem se imanta na energia que o envolve e se manifesta em toda a natureza, ele reconhece em cada ser vivo um companheiro de jornada evolutiva, com as características de uma só família. As mudanças do grau evolutivo do planeta atingem a ordem social, notadamente a família, onde o casamento, na maioria das vezes, é apenas uma experiência para se observar como será uma vida feliz que terão juntos aqueles que trazem amor em seus corações. Enquanto o homem se apegar aos embaraços de um amor não correspondido, a ilusão de que poderá conquistá-lo pode diminuir suas forças no avanço que deve fazer. A evolução é o ritmo do tempo. Ninguém pode ficar detido em circunstâncias monótonas. A vida é sempre movimento. Seguir adiante é a nossa meta. Na harmonia que se expande de nosso ser, estabelecemos uma ligação com aqueles que nos amam reconhecendo a família da qual participamos.

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A CURA DO CEGO DE NASCENÇA Picture: Healing the blind man by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)

Inspirada em João, 9:1 a 41, Amélia Rodrigues (Espírito) narra, no livro Trigo de Deus, psicografado por Divaldo Pereira Franco, a situação em que estava envolvido o homem cego de nascença:

“A cena incomparável da restituição da vista, ao cego de nascença, produzira um impacto singular e poderoso nos que o conheciam.” (45)

(45) AMÉLIA RODRIGUES – in Trigo de Deus, p. 28, psicografado por

Divaldo Pereira Franco – 4ª edição – 10/2000 – Livraria Espírita Alvorada Editora – Salvador – BA.

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Acusado o seu benfeitor de ter praticado uma ação benévola, no dia de sábado, o homem cego não se importunou com os comentários malévolos e disse: “se ele é pecador, não sei. Era cego e, agora, vejo”. (46)

Naquela época, e posteriormente por muito tempo, os fariseus e muitos publicanos se evidenciavam mais pela opinião de seus comparsas, não raro inverídica, do que pelo mérito pessoal. E aqueles cidadãos, possuidores dos elevados predicados de humildade, renúncia ao falacioso destaque social, estoicismo no ideal sublime de servir, parcimônia nos gastos pessoais, eram considerados fracos. Sem dúvida, Jesus era a antítese do sonho judeu que esperava um libertador das garras da águia romana. Ele veio na condição de lídimo libertador do espírito das algemas escravocratas do passado, renitente aos erros atávicos que ressurgem quando a vontade firme ao bem ainda vacila e deixa dar vazão as tendências condicionadas ao comportamento repetitivo.

Quando pensamos em buscar a cura de nossos males físicos, devemos antes de tudo, compreender o mecanismo que se estabelece nas vibrações mentais. (46) JOÃO, 9:25

FERNANDO PINHEIRO - 88 Manter em estado permanente a tranquilidade é o hábito que buscamos conservar durante o nosso viver. No entanto, em algumas ocasiões, sentimo-nos acometidos de uma dor de cabeça, dor no peito, com náuseas e ficamos surpreendidos com o que aconteceu conosco. De modo geral, nesses casos, procuramos um médico e uma farmácia para adquirir os remédios que aliviarão a dor física que sentimos. Muitas vezes, esses males são de natureza espiritual ou emocional. Vivemos num mundo cercado de vibrações mentais de pessoas que nos espreitam com múltiplos motivos e, dentre os quais, há os que nasceram da inconformação, do descontentamento e da inveja. Num mundo de renovação nos comportamentos humanos são eliminados lixos mentais – a exemplo da correnteza de enchentes de chuva – muitas escórias descem por água abaixo. Os expurgos mentais da higienação do planeta ocorrem a cada instante. Na essência da vida, não há mal naquilo que causa transtorno na vida das pessoas. Tudo nos chega como lição. Quando vemos cair o telhado da casa do vizinho, fortalecemos o nosso com vigas–mestras. Quando alguém sente um mal-estar, no trabalho ou nos lugares onde permanece algumas horas ou instantes, denota que houve uma predisposição de seus centros de força para atrair as vibrações desarmoniosas daqueles que precisam ser esclarecidos.

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O Universo é um centro de forças magnéticas onde gravitam as correntes que formam o conjunto harmonioso do equilíbrio, direcionando sempre a lacuna para o respectivo preenchimento, dentro da igualdade das forças que se completam. Assim, a vibração do inconformismo, emitida nos planos da vida, vai parar naqueles que podem informar, consolar, espalhar esperanças, mesmo não sendo responsáveis pelos embaraços que surgem. Tudo está mergulhado nas leis do equilíbrio, embora haja lacunas a serem preenchidas somente quando chegar o tempo adequado, como o nascimento das flores, dos frutos, dos pássaros, dos animais e de tudo, enfim. Estamos no mundo para servir. Desenvolvemos a nossa sensibilidade para estarmos em contato com as fontes que irradiam o amor e a sabedoria, buscando primeiramente esses recursos dentro de nós. Aqueles que se sentem acometidos de males físicos, sensíveis à dor alheia, podem estar certos de que estão a serviço da harmonia do ambiente em que vivem, embora isto lhes custe um aprendizado amargo por desconhecer as forças íntimas capazes de neutralizar todo o mal físico ou emocional. Com os centros energéticos, que trazemos no íntimo, fortalecidos pelas nossas atitudes de amor, nos sentimos felizes em servir aqueles que nos chegam, pela corrente invisível do pensamento, encaminhando-os aos lugares onde reina a paz.

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BARTIMEU

Em prosseguimento a narrativa de Amélia Rodrigues na obra Trigo de Deus, psicografado por Divaldo Pereira Franco, eis a situação em que estava envolvido o homem cego de nascença; não era Bartimeu, o cego de Jericó, de que falaremos em seguida:

“A cena incomparável da restituição da vista, ao cego de nascença, produzira um impacto singular e poderoso nos que o conheciam.

Havendo nascido nas sombras da cegueira, o jovem tornara-se mendigo. Exibia sua aflição à misericórdia dos passantes, que o consideravam filho do pecado.

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Preconceituoso, na sua imensa ignorância, o povo, à época, desdenhava os enfermos e considerava-os punidos por Deus. A impiedade, dessa atitude decorrente, caracterizava os eleitos que, dia a dia, mais se distanciavam do objetivo sagrado da vida, que é o amor.

Com a escudela na mão, o infortunado suplicava ajuda, até o momento em que Jesus o resgatou da treva exterior.

Pode-se-lhe imaginar o júbilo, a emoção.

Apresentara-se à família e aos amigos, dando a notícia feliz. Nunca, porém, esperava reação em contrário.

Não conhecia os homens, ignorava o mundo.

Como o evento sucedera-se em um sábado, a hipocrisia farisaica convocou-o a depoimento e inquirição sórdida, assinalada por ameaças, desprezo da sua palavra e dúvida quanto à evidência de que fora portador.

Os pais acovardados ante a truculência predominante nos poderosos, quando interrogados, responderam que o jovem, sim, era seu filho, que nascera cego, porém, como sucedera a cura, não sabiam, somente ele o poderia informar com segurança, pois já era responsável por si mesmo, tinha idade para depor.

Desse modo, ele repetiu com riqueza de detalhes e ingenuidade, como ocorrera o fato libertador.

Instado a afirmar que Jesus era pecador, não teve alternativa em discrepar dos arrogantes, indagando, como poderia alguém que não fosse de Deus realizar o que Ele conseguira.

E, inesperadamente, perguntou-lhes se queriam ser Seus discípulos.

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A resposta e a pergunta lúcida, chocando os seus algozes, fizeram que o expulsassem da sinagoga.” (47)

Dentre tantas outras curas de cego de nascença, realizadas por Jesus, destacamos a de Bartimeu, em Jericó. A respeito, Amélia Rodrigues, inspirada no Evangelho, narra no livro Pelos Caminhos de Jesus, psicografado por Divaldo Pereira Franco:

“Havia, em Jericó, um conhecido mendigo, filho de Timeu, por isso chamado Bartimeu, que era cego. (*)

– “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de nós”.

– Que queres que te faça”, inquiriu Jesus.

– Rabboni, que eu veja!”, respondeu-lhe o cego.

– Vai, a tua fé te salvou.”

“Bartimeu não teve tempo sequer para reflexionar, pois a voz, vibrante e rica de harmonias, penetrando-lhe a acústica da alma, fez que lhe explodisse a claridade nos olhos apagados e ele enxergou.

A luz dourada do Sol, o verde da vida, as cores variadas da festa do dia e do sorriso dos homens, dominaram-no, impondo a sinfonia das lágrimas.

À dor do momento inusitado fez-se a adaptação e a alegria da visão em festa de beleza.

(47) AMÉLIA RODRIGUES – in Trigo de Deus, pp. 28 e 29, psicografado

por Divaldo Pereira Franco – 3ª edição – 1999 – Livraria Espírita Alvorada Editora – Salvador – BA.

(*) MARCOS, 10:48 a 53

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Quando ele quis agradecer, o Mestre se havia afastado.

Nunca Ele recebia o reconhecimento dos beneficiários do Seu Amor.

Bartimeu é o símbolo dos cegos espiritualmente, em todos os tempos.

Jericó é ainda o mundo moderno.

Pede-se-Lhe que cure e recusa-se a saúde que Ele oferece.

Anela-se pela Sua presença, enquanto Ele é repelido pela astúcia e ambição humana.

Buscando a paz que Ele representa, os homens fomentam a guerra em que se consomem.

São os cegos espirituais que têm Jesus e, porque sem fé, não O buscam, ou, quando Ele chega, rejeitam-nO.

Esta é a cegueira maior e pior, porque da alma rebelde, ingrata e insatisfeita.” (48)

(48) AMÉLIA RODRIGUES – in Pelos Caminhos de Jesus, pp. 102, 103 –

1ª edição – 1988 – psicografado por Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – Salvador – BA.

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A CURA DE UM LEPROSO

Experimentava o desprezo de seus compatriotas que lhe segregavam o convívio, alojando–o no Vale dos Imundos. Teve notícias daquele profeta da Galiléia que curou muitos leprosos. (49)

Agora, reencontrando–o de passagem por Jerusalém, disse: “Senhor, se quiseres, bem podes limpar–me!”. Havia, na inflexão da voz, uma súplica. A esperança brotava, em seu ser mais profundo, como se fosse aquele dia a oportunidade única de ficar curado. (49) MARCOS, 1:40 a 44 LUCAS, 7:13 a 19

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Sentindo a dor daquele irmão, o Mestre apiedou–se e, estendendo a mão, tocou–o e disse–lhe: “quero, sê limpo”. No mesmo instante, os tecidos degenerados se recompuseram, voltando à normalidade. A lepra desapareceu. Impressionado com o seu novo estado de saúde e, parado, em êxtase, diante da grandeza radiante do Mestre, o leproso, acanhado, balbuciando, parecia perguntar: “que devo fazer, agora, Senhor?” “Não digas a ninguém”, respondeu Jesus, “mas, vai mostrar–te aos sacerdotes e oferece pela tua purificação o que Moisés determinou, para que lhes servir de testemunho”.

Amélia Rodrigues, no livro Primícias do Reino, psicografado por Divaldo Pereira Franco, relata o texto final deste episódio e o comenta à luz da sabedoria:

“O Estranho Rabi tornara–se diáfano. Uma beleza incomparável dEle se irradiava. Parecia sorrir.

A turba acercou–se, muda de espanto, e constatou–lhe a cura.

Estuante, emoções em desalinho, saiu a correr.

Mente em torvelinho, coração descompassado, voltava à cidade...

Antes, a pedradas fora expulso. Agora, cantando felicidade, retornava.

Pelo caminho, no entanto, sem poder guardar silêncio, contava o prodígio de que fora objeto.

FERNANDO PINHEIRO - 96

A noite caíra sem preâmbulos.

À luz das estrelas longínquas o Mestre reuniu os discípulos, em agradável aconchego.

Chegado a hora do repasto e preparada a fogueira aquecedora, foram distribuídos pão e peixe defumado. Acercando–se do Rabi, Simão indagou curioso:

– Seria necessário que o leproso pagasse o tributo?

– À lei, os respeitos de justiça, respondeu Jesus.

E desejando esclarecer os companheiros não refeitos da grande emoção, prosseguiu:

– Legalmente, ele estava morto. Trazido à vida, por mercê de Nosso Pai, deverá ser reconhecido por aqueles que representam a tradição. O tributo, não entendemos como pagamento ou louvor, puro e simples, mas como expressão de testemunho de reingresso nos estatutos dos homens.

Espicaçado pela curiosidade, André indagou:

– Será justa a recomendação de silêncio? Não se faz necessário que todos identifiquem os sinais da Mensagem de Vida, para que se disponham ao Reino de Deus que está próximo?

O Mestre espraiou os olhos em derredor, como a delimitar os sítios onde se encontrava, e redarguiu:

– Não transcorreu muito tempo, eu vos falei que sois o sal da Terra... Para que serve o sal se perde o sabor? Diluindo–se no repasto, o sal se faz presente sem alarde e todos o podem identificar...

E depois de uma breve pausa como se desejasse caracterizar melhor os dias próximos, esclareceu:

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– O Reino dos Céus não fará notado pelas atrações externas. A Terra sempre foi rica de homens e mulheres prodigiosos, profetas e rabis, curadores e adivinhos. Acima deles todos, no entanto, o Filho do Homem há velado.

E esclarecendo melhor os discípulos incipientes, prosseguiu:

– O leproso de hoje contaminou–se espiritualmente em pretérito próximo. Ontem, soberbo e egoísta, banhou–se nas lágrimas dos oprimidos, abusando do corpo como os ventos bravios das tamareiras solitárias. Retornou aos caminhos de tormento em si mesmo atormentado, para ressarcir penosamente. O legado que hoje recebeu é de responsabilidade antes que de merecimento. O Pai misericordioso não deseja a punição do filho rebelde ou ingrato, mas a sua renovação...

Como se consultasse o leve cicio da noite, arrematou com um acento de tristeza na voz:

– Nem todos, porém, podem isto compreender.

“Neste momento, apalpando as carnes refeitas, exibe o corpo aos curiosos e fala sobre Aquele a Quem desconhece com alegria e leviandade. A cura mais importante não a experimentou: é aquela que não se restringe à forma, e sim ao espírito. Lavada a morféia, ele continua leproso. Acautelai–vos do contágio das misérias que os olhos não veem, mas que entenebrecem a razão e perturbam o coração...”

Simão, desejando mais esclarecimentos, inquiriu com respeito:

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– Rabi, se o doente não se pôde beneficiar com a cura, ter–lhe–ia sido esta de utilidade?

– Simão, – respondeu, bondoso, Jesus – o Reino dos Céus é uma mensagem de amor para todos: desalentados e sofredores, atormentados e enfermos todos receberão o convite de acordo com as suas necessidades. A nós compete espalhar as dádivas de luz e bençãos, sem a preocupação imediata de como serão recebidas ou utilizadas. Cada coração é responsável pelas sementes que recolhe. Fruindo a dádiva de luz, pode escolher onde entesourar as esperanças. O Sol espraia vida em todo lugar, indistintamente e, embora o pântano continue pútrido, o astro rei insiste sobre o seu dorso, onde a peste e a morte se agasalham, semeando esperança...

Levantou-se e, afastando–se do grupo, em silêncio, mergulhou na noite, e desapareceu.

A montanha continuava envolta em sombras, ao fundo.

Enquanto as gemas dos minutos formavam o colar dos séculos, os acontecimentos daquele dia passavam para os dias do amanhã sem–fim...” (50 )

(50) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias do Reino, p. 132, 133, 134 –

4ª edição – psicografado por Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – 1987 – Salvador – BA.

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A CURA DOS DEZ LEPROSOS

Atravessando a fronteira da Samaria e Galiléia, a caminho de Jerusalém, Jesus e seus discípulos conseguiram chegar a uma pequena aldeia cercada por uma escassa vegetação. Ouviram, então, uma voz rouca e desfalecida: “Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós”. O Mestre olhou aqueles seres humanos, mutilados pela lepra, que lhe revelaram a decomposição gradual em que se entregaram. Um sentimento de profunda compaixão saía do seu rosto iluminado, ressaltando–lhe a aura resplandecente que emitiu irradiações da mais pura energia capaz de operar a cura daqueles homens embaraçados nos desencantos.

FERNANDO PINHEIRO - 100 O impulso das vibrações salutares, ao penetrar o campo magnético danificado por outras vibrações diferentes, desperta as forças íntimas do paciente que passa a fazer a sua própria cura. Daí, a compreensão das sábias palavras do Mestre “a tua fé te salvou” que tem uma conotação íntima com o nosso argumento. É por isso que os semeadores das blandícias do paraíso reconhecem a vocação que possuem ao distribuir os talentos que inspiram o bom ânimo aos desalentados, a alegria aos tristes e o estímulo da saúde aos enfermos. Em todos os lugares e em todas as épocas, o homem sempre recebeu auxílio para crescer em sabedoria e amor que eliminam todos os obstáculos da caminhada. Nas roupagens do sofrimento, ele possui um aspecto desolador: o espírito exteriormente enfermo e degradante transmite ao corpo físico a sua fisionomia transitória. Mas, bem no íntimo dessa presença cósmica imortal, há uma fonte inesgotável de energias que podem plasmar as mais belas manifestações que, igualmente, se refletirão no corpo. Por conhecer, com clareza, essa verdade, o Mestre ajudou aqueles irmãos em difíceis provas a recompor a saúde e lhes disse: “ide, e mostrar–vos aos sacerdotes”. Conclui a narrativa de Lucas: “Jesus perguntou: não foram dez os que foram limpos? Onde estão os nove? Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro? Então lhe disse: levanta–te, e vai; a tua fé te salvou.” (51)

(51) LUCAS, 17:11 a 19

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A cura dos dez leprosos faz–nos pensar a respeito do caminhar do homem. Os padecimentos humanos têm a sua origem no desconhecido. Se o homem descobrisse a sua identificação no cenário do Cosmos, saberia o caminho que conduziria ao seu objetivo. A criança diante da borboleta, o índio diante dos animais selvagens identificam a finalidade dos encontros. Nenhum dos dois fica assustado ao se defrontar com as espécies diferentes. A cada instante, o ser humano tem oportunidade de entrar em contato com seus semelhantes. Algumas vezes, ele pode programar os encontros, mas em outras não tem tempo de pensar como agir nas horas do imprevisto. Tudo vai depender do estado emocional em que se encontra. Ocorrências e fatos conturbados acerca das oscilações das atividades humanas nos chegam como se fossem ventos fortes antes da chuva. Muitos são surpreendidos e levados por essa onda invisível que renova os ambientes. Homens imprevidentes mudam de lugar, por força das circunstâncias que vão passando, arrastando aos lugares em que eles se posicionaram mentalmente. Quem tem medo vai para o lugar onde o medo está; quem tem ânimo firme ultrapassa os obstáculos, avançando. Quem busca a beleza a encontra, reforçando a disposição de vê-la brilhar cada vez mais. Quem a buscou pelos caminhos do desvio, mesmo assim a encontrará em formas que lhe despertem que ela existe. Quem já se identificou com o movimento renovador da Criação vê

FERNANDO PINHEIRO - 102 que em tudo há beleza. A evolução se manifestando em seus reinos, sem que nenhum esteja certo ou errado em relação ao que se interliga. A evolução é progressiva. De sintomas de sensibilidade oriundos desde os minerais, vegetais e animais, eclode no ponto máximo da inteligência que deslinda os enigmas do caminhar, facultando ao homem a capacidade de compreender a vida. Mas, até que se afirme nesta postura, experimenta os apelos e tendências de sua natureza animal, que desviam seus objetivos sagrados a roteiros onde a permissividade corre livre, ainda não convertida totalmente ao mundo da razão, hoje ampliada nas vertentes da inspiração. Inconformado se rebela contra situações que lhe promovem o reajuste com o meio em que vive e, intoxicado de pensamentos em desequilíbrio, busca as bebidas, o sexo a qualquer preço, as viagens onde tem pouco a aprender. Enganado pelos risos de quem igualmente busca companhia, não sabe entender o amor em suas nascentes cristalinas e deturpa as amizades que lhe poderiam acalmar seus anseios, recaindo sempre à desilusão e desencantos. Quando põe em prática os dons que o Criador lhe deu para que se aproxime a Ele e goze dos deleites da felicidade interminável, os padecimentos que lhe faziam vítima desaparecem por completo. Há estímulos incessantes ao homem na busca dessa felicidade, sem apego a terceiros que podem lhe trazer saudades, tristeza e desolação. A força, que faz movimentar seu corpo físico e as correntes do seu pensamento, vem do espírito que o reveste na caminhada terrena.

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PAULUS, O CENTURIÃO

O canto III da obra Anchieta ou o Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varella, é pertinente ao assunto. “Já de Cafarnaum ao longe avista As verdes eminências matizadas De florentes arbustos, quando chega Ofegante ancião a seu encontro.

– Creio em vosso poder, Senhor, lhe fala, Por isso corro a vos buscar, ouvi-me: Um bom centurião suspira aflito De moribundo servo à cabeceira; Sabe quanto valeis... se vós quiserdes... E embaraçado cala-se. – Não temas, Responde-lhe o Senhor, – que bom obraste, Mostra-me a hesitação de teu amigo, Irei ver o doente. E segue o velho. Mas, o centurião apenas sabe Que Jesus se aproxima, envia logo Por alguns companheiros, que o rodeiam, Esta humilde mensagem: – Não sou digno, Senhor, de entrares em meu pobre asilo;

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Manda, e meu servo ficará curado. – Oh! na verdade, o Salvador exclama, Ao povo se voltando, longe estava De supor tanta fé por estas terras! Ide, ordena aos atentos mensageiros, São achareis de vosso amigo o servo... Glória ao Filho de Deus! No mesmo instante, No sombrio aposento, onde inda há pouco, Sob as garras da morte convulsava, Ergue-se alegre sobre o morno leito, Lançando ao chão as grossas coberturas, O servo redivivo! Um tal prodígio Liga o centurião à nova crença.” (52)

A radiosa manhã estendia claridade e deixava-se ser soprada pelo vento que trazia o cheiro das algas que se espalhava nas praias. As árvores sacudiam folhas que faziam desenhos nas sombras no chão. Situada entre Magdala e Corazin, a bela Cafarnaum possuía uma fisionomia quase cosmopolita, transitavam gentes de várias procedências. As vias, que davam acesso à cidade, eram a estrada de Damasco, da Ituréia, da Decápole, e da Fenícia. Mercadores traziam especiarias, figos e tâmaras, vinho galileu e queijo de ovelhas. A pesca era bastante cultivada. (52) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas –

poema – Canto III – Capítulo XXII, pp. 102, 103 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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Cafarnaum tinha um doce mistério. Quando Jesus voltava àquela cidade, sentia seus habitantes transparecer a singela dos campos onde os lírios crescem. Naquela manhã, um grupo de judeus respeitáveis, os anciães do povo, vai ao encontro de Jesus e lhe falou nesse sentido:

“Senhor, viemos em nome do centurião, nosso amigo, para vos dizer que o servo dele está enfermo e necessita de socorro urgente. Somos gratos ao centurião pela ajuda que nos deu ao edificar a nossa sinagoga.” (54)

O Mestre, conhecendo os sofrimentos humanos, estendeu àqueles homens, que acreditavam nele, um olhar lúcido e transparente e, num gesto de bondade, aceitou o convite. Um clima de contentamento envolve os anciães do povo e todos eles ficam agradecidos. Sem perder tempo, seguem os passos de Jesus que ia em frente caminhando com firmeza. Lá adiante do caminho vem outro grupo de pessoas que, ao chegar perto deles, diz não ser necessário que vá até lá e transmite as palavras do centurião: “Senhor, não te incomodes, pois não sou digno de que entres em minha casa. Por isso não me julguei digno de ir ter contigo. Dize porém uma palavra, e o meu servo será curado.” Relatando ainda a mensagem do centurião, os mensageiros concluíram nesse sentido: “ele conhece a hierarquia militar e, tendo soldado sob seu comando, diz

(54) LUCAS, 7:1 a 10

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a este: vai e ele vai e a outro: vem e ele vem e ao meu servo: fazei isto e ele o faz”. Ora, Mestre, se tu ordenares aos teus discípulos eles farão a tua vontade.” Recrudescida quase 20 séculos mais tarde, surge uma atmosfera de tranquilidade e de repouso, nos movimentos do Intróito, comovedoramente simples, e do Libera me do Réquiem, de Giuseppe Verdi, apresentado em 17 de agosto de 2002, pela Orquestra Sinfônica e Coro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sob a regência do maestro Romano Gandolfi, tendo como solistas Cláudia Riccitelli, soprano, Regina Elena Mesquita, mezzo-soprano, Juan Gambina, tenor e Maurício Luz, baixo. Narra ainda o evangelista Lucas: “Ouvindo isto, Jesus se maravilhou dele e, voltando-se, disse à multidão que o seguia: Digo-vos que nem ainda em Israel achei tanta fé.” Os dois grupos de mensageiros seguiram rumo à vivenda do centurião para lhe revelarem as palavras de afirmação daquele homem que curava a todos que a ele recorriam. Quando eles estavam se aproximando da vivenda, uma nuvem de poeira veio surgindo lentamente e, no meio, um vozerio ecoou despertando a atenção das comitivas. Ali estavam os amigos e familiares do centurião que lhe deram a notícia de que o servo estava curado. Toda a alegria do mundo, que poderia conter num coração, o soldado romano a sentia. A confiança que ele depositou em Jesus era grande demais e não poderia ficar apenas entre os amigos da Sinagoga.

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A MULHER PARALÍTICA Healing at Bethesda by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)

A narrativa de Lucas, o evangelista, no capítulo 13, refere-se à cura de uma paralítica:

“E ensinava no sábado, numa das sinagogas. Estava ali uma mulher que tinha um espírito de enfermidade, havia já dezoito anos. Ela estava curvada, e não podia de modo algum endireitar-se. Vendo-a Jesus, chamou-a a si, e lhe disse: Mulher, estás livre da tua enfermidade. Então ele pôs as mãos sobre ela, e logo ela se endireitou, e glorificava a Deus.” (55)

(55) LUCAS, 13:10 a 13

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A enfermidade, que vinha do astral inferior, se manifestava no plano material. Ações do passado comprovaram a união entre ambos. Se há infração, há infrator. O presente recrudesce o passado. As vibrações deletérias identificam a ligação em que os comparsas se compraziam. Enfermos estavam ambos: a mulher paralítica e o espírito de enfermidade. A caridade de Jesus manifestou-se tanto no plano material como no espiritual. O Mestre, em tom decisivo, faz o agressor enfermo se retirar da mulher e lhe comunica a libertação. A questão é bem delicada porque envolve duas esferas distintas: a material e a espiritual. Se observarmos as Sagradas Escrituras, veremos que Jesus elucidou o enigma, em várias oportunidades, indicando os rumos para o caminho da libertação.

No mesmo passo, podemos apreciar as observações que surgem no caminhar da humanidade em busca da evolução. Durante a vida terrena, o homem vive dentro do padrão vibratório que se coaduna com os seus interesses. Ele sempre busca aquilo que sente, encontrando-o de forma adequada à sua evolução. Nas oscilações do equilíbrio emocional, há uma apreciação particular em que ele não compreende o infortúnio em forma de bençãos e o aprimoramento sadio em criações futuras de angústia e dor.

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Essas oscilações existem porque o homem ainda não aprendeu a se harmonizar. Sem a consciência de ser o herdeiro natural dos dons do Criador, ele busca evasivas para manter viva a ilusão, iludindo-se e arrastando aqueles que estão ligados a ele por laços mútuos de responsabilidade. A ligação perdura enquanto houver alimentação dos interesses em comum, pois a sintonia é força que une dois pontos distantes. Nesse círculo do aprendizado renovador, há uns que seguem à frente se libertando das algemas escravizantes e ajudam àqueles que permanecem na retaguarda. Mas a grande maioria ainda não conseguiu sair das imantações psíquicas em que está mergulhada, onde se compraz com as emoções que se convertem em instintos grosseiros da animalidade. A evolução desses seres humanos é lenta, pois sempre têm ao seu redor companheiros igualmente ludibriados pela ilusão, capazes de provocarem atritos nos roteiros de vida que levam, como as espécies inferiores que lutam para sobreviver. Há uma combinação invisível de pensamentos entre os interesses em comum de pessoas que se aproximam, plasmando uma circunstância que se evidenciará no momento adequado. Nesse imenso fluxo caminha a humanidade disseminando seus interesses que tanto buscou no campo do desejo. A literatura é vastíssima, desde os mais remotos tempos, até os dias de hoje, onde, com o

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auxílio da informática, as múltiplas atitudes individuais ou sociais são anotadas. Em sua caminhada terrena, a humanidade experimentou toda espécie de desejo. Em todos o reflexo se cumpriu, determinando que suas buscas foram encontradas. No meio delas, frustração e realização se confundem, porque em sua maioria ainda não aprendeu a escolher o que deseja ou, melhor, a não desejar aquilo que lhe é destinado por direito natural. E, assim, segue impulsionada pelas circunstâncias que lhe favorecem o momento, sem saber discernir quais os aspectos mais relevantes de sua evolução. Ampliando este argumento, o homem, diante de sua vida, vê pessoas diferentes, numa cronologia variável, umas alguns minutos, outras alguns dias ou meses, outras ainda com o tempo mais estendido, sem saber exatamente a importância que cada uma deveria ter. Como ele é o realizador do seu destino, busca aquilo que lhe convém, no conceito imediatista ou não, e recebe o reflexo de suas ações nas circunstâncias que lhe são próprias. No Cosmos não há injustiça, tudo se interliga recompondo situações que se engrandecem. No plano cármico, as leis estão subordinadas ao livre-arbítrio, pois aqueles que fazem mau uso desta opção não compreendem ainda a necessidade de conviverem harmoniosamente com tudo que os cerca. No futuro, no regime das leis superiores em que, um dia, a Terra será envolvida, o carma coletivo, que gera sofrimentos, será abolido, como todos os resquícios de escravidão no campo social e político.

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A TEMPESTADE NO MAR

A obra Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varella, narra a tempestade no mar:

“Mas, pouco e pouco, as nuvens nacaradas, Que no céu do Ocidente refulgiam, Conglobam-se rugindo e se transformam Em grossos rolos de funéreo crepe. Frias lufadas de raivoso vento Correm dobrando as árvores dos montes, Erguendo turbilhões de folhas secas Do chão revolto e negro. Aves sinistras Voam, soltando pios lamentosos, Em busca de um abrigo. O escuro lago Encrespa-se, bravejoso, as ondas cerra Joga de um lado e d´outro o pobre lenho, Sem leme, sem governo, a vela rôta,

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Alagado o franzino cavername! E a noite estende lúgubre, medonha, Sobre a face do abismo as amplas asas, Retalhadas de rápidos coriscos!... – Nossos esforços são inúteis! Bradam Tristemente os barqueiros, se agarram Às tábuas vacilantes esperando A sentença da sorte. Porém, calmo Como o que dorme sobre um leito firme, Ressona o Salvador deitado à popa! Levantai-vos, Senhor, que nos perdemos! Gritam seus aterrados companheiros. Abre os olhos Jesus, boceja e senta-se Sobre a molhada esteira; olhar austero Lança aos medrosos, trêmulos amigos. – Onde está a vossa fé? Clama e estendendo Para o nublado céu a destra santa, Serenai! Eu ordeno! exclama. Os ventos Param na vastidão do torvo espaço, Curvam-se as ondas bravas, irritadas E, quais humildes cães à voz severa De severo senhor, o dorso abaixam, E lambem mansamente a escura barca... Os negrumes dissipam-se, e as estrelas Aparecem formosas, rutilantes, Do céu azul nos páramos sublimes!” (56)

(56) FAGUNDES VARELA, Luís Nicolau (1841/1875) – in Anchieta ou O

Evangelho nas Selvas – Obras completas (pp. 107, 108), edição organizada por Visconti Coaracy – B. L. Garnier, Livreiro Editor – Rio de Janeiro – 1886 – Acervo: Biblioteca Nacional.

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O entardecer romântico era visto no poente que formava nuvens cor-de-rosa e avermelhadas e na brisa que soprava um canto quase imperceptível. Os discípulos de Jesus acercaram-se da praia onde as ondas correm, se levantam rolando umas sobre as outras para formarem grandes ondas que vêm volumosas em murmúrio e, mais na frente, se desfazem criando rendas de espuma. A pequena embarcação foi vistoriada por completo. As velas, os remos, o leme e a rede de pescar estavam em perfeito estado de conservação. A comitiva que entrou no barco era composta exclusivamente pelos discípulos de Jesus e tinham a intenção de alcançar a outra banda do mar antes do amanhecer. A noite veio vindo silenciosa. A poucos quilômetros da terra firme, podia-se ver as luzes dos lampadários piscarem em pontos diminutos e ao redor desenhos das montanhas faziam vultos que se misturavam na escuridão. A viagem prossegue lentamente. Um instante depois, Jesus foi visto adormecendo na popa do barco. Os discípulos conversam a respeito dos ditos e feitos do Mestre numa exclamação de profundo respeito e deslumbramento. As curas de cegos, leprosos, paralíticos tinham uma ressonância que atingia as fronteiras de suas almas. Simão, homem do mar, conhece aquelas águas, aqueles ventos que se formam naquela época do ano e percebe a natural mudança que se faz presente no tempo que se carrega de nuvens escuras.

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A apreensão toma conta de todos os viajantes, menos aquele que dormia. O mar é cercado pelas nuvens que derramam tempestade fazendo sacudir a pequena embarcação. Rajadas de água invadem o barco que fica completamente desgovernado. Suor, chuva forte e água do mar se misturam no rosto de cada um deles. Sem poderem se conter, os discípulos correm apressados ao lugar do barco onde Jesus estava dormindo e lhe pedem ajuda em súplica carregada de receio. “Senhor, salvai-nos estamos perecendo” (57), falaram seus discípulos, num coro de vozes improvisado, despertando-o. Um relâmpago risca o espaço e todos veem Jesus envolvido na claridade de prata e ouro que se desfez um segundo depois. Ele se ergue e abre os braços. Numa mentalização sutil, mas profunda, fez ecoar de seus lábios uma voz enérgica para calar, emudecer, aquietar os ventos, o mar, a tempestade. Jesus triunfante e a confiança voltou a reinar no coração dos seus discípulos. A embarcação prossegue estável, firme em águas tranquilas em direção à cidade de Gerasa. No tópico Jesus acalma a tempestade, o evangelista Mateus conclui a narrativa: “Aqueles homens se admiraram, dizendo: quem é este homem, que até os ventos e o mar lhe obedecem?” (58) (57) MATEUS, 8:25 (58) MATEUS, 8:27

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Cada época se distingue por suas características. Seus reflexos atingem a todos como a chuva, o vento, o sol e as noites de luar. As etapas do tempo estabelecem marcas que registram acontecimentos que ficam na memória dos povos e civilizações. As ideias e conceitos que ultrapassam as fronteiras de cada geração e se mantêm atuais trazem argumentos que se fundamentam na harmonia do Universo. Nestes passos, é muito importante observarmos o papel que exercemos perante a vida, sempre flexível naquilo que pensamos e agimos. Construamos o nosso amanhã. As oportunidades de refazimento interior vêm com um tempo contado. A dúvida e a incerteza naquilo que pensamos fazer, um dia, deixa um vazio que, mais tarde, terá de ser preenchido. Quando elaboramos um plano de ação, já existem as condições favoráveis para o início, embora haja dificuldades comuns a tudo que se expande. As situações análogas se unem, pensamento a pensamento, ideia a ideia, numa corrente de interesses afins. Estamos sempre ligados com aqueles que precisam se comunicar conosco. Nesses encontros, temos a oportunidade de verificar, pela apreciação alheia, como está sendo realizada a nossa comunicação de sentimentos. Vivemos num mundo de informações heterogêneas, pois o campo do pensamento é bastante cultivado por diferentes grupos sociais que marcam presença em todas as atividades humanas. Nos albores do novo milênio, é de conhecimento geral o declínio da

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ética atual que dá interpretação desvirtuada da natureza intrínseca do homem. Mesmo assim, acreditamos no despertar da eterna primavera no coração de cada criatura humana, principalmente naquelas que já semeiam a palavra que deslinda os enigmas do caminhar. Nos lugares onde o vento forte anuncia a tempestade, vemos a destruição de árvores que foram tocadas em sua sensibilidade para transmutar a energia de suas vidas. Nos homens e nas instituições que criam, sujeitos à lei da evolução contida na natureza inteira, o mesmo fenômeno acontece. Essa transmutação ocorre sob diversos aspectos que se classificam em crise econômica, perdas de ganhos, desprestígio social e dificuldades para expor ideias renovadoras em campos que foram danificados pela emoção desfigurada. Mesmo que fossem destruídos os rios e os mares, a água surgiria de algum lugar e se a humanidade, que se desgasta, chegasse ao fundo do vale, haveria sempre alguém na montanha a indicar caminhos. No decorrer dos milênios, o homem constroi e destroi o que é transitório e a humanidade faz e desfaz civilizações, buscando sempre a identificação das exigências do tempo. A civilização da dualidade caminha para o fim e a civilização da consciência da Unidade começa a despertar centenas de milhões de criaturas humanas que estão se libertando de algemas escravocratas. É o fim do mito de Prometeu, que falsificou o mundo, e o recrudescimento da mensagem de Jesus que é a verdade, o caminho e a vida.

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ANOITECER EM GERASA

Antes que anoiteça em Gerasa, a nossa narrativa é precedida pelo Canto III, de Fagundes Varela, que se desdobra nos planos mais sutis da consciência humana, onde habitam os seres das paragens bucólicas, tanto na esfera física quanto na espiritual e, os seres conflitantes que vivem, transitoriamente, em atrito com a harmonia do Universo, até que sejam desobsediados pela luz divina. “Põe-se o sol; dos outeiros e dos vales Soltam as avesitas inocentes Maviosos reclamos: – Vinde, vinde, Vinde alegres cantores da floresta, Dizem com seu falar melodioso,

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A noite desce e as virações fagueiras Perfumam nossos ninhos delicados Dos mais gratos odores do deserto; Da estrela do pastor a luz suave O ermo encantará, quando saudosas Pelo clarão d´aurora suspirarmos! – Nas bordas dos regatos cristalinos Abrem-se docemente os grandes lírios E murmuram baixinho: – que mimoso, Que peregrino, lisonjeiro silfo, Passa junto de nós, nos beija e foge? Ai! se voar pudéssemos, felizes Iríamos brincar nas moles sedas Onde repousa o beija–flor agora... Mais longe um pouco, as borboletas negras, Boêmias vagabundas, pairam, giram, Descendo ao frio chão de espaço a espaço, Medrosas cochilando: – estamos perto Do lugar do festim? A loira fada, Cuja varinha nossas danças rege, Terá dado começo ao grande baile? Descansemos aqui, sobre estas flores Estendamos as asas de veludo, Banhemo-nos de orvalho e de ambrosia! Além, de manso lago à superfície, Na corola dos mornos nenúfares, Ajuntam-se ligeiros vaga-lumes, De azulado clarão iluminando As pétalas macias: – como é belo Nosso palácio mágico! – murmuram.

– E qual o cavaleiro armado de aço, Das finas hásteas dos compridos juncos,

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Mira o rijo besouro luzidio O castelo brilhante. – Curiosa, Como a criança que o perigo afronta, Fascinada debruça-se a lagarta Da larga folha onde enroscada vive. Mais longe ainda, nos sarçais oculto, Bardo da solidão, tristonho canta O lamentoso grilo; e, além, travessos, Pulam à flor do lago transparente Os cardumes de pávidos peixinhos, Ansiosos de ver nos céus tranquilos As primeiras estrelas radiarem!... Oh! nessas horas de poesia infinda,

(...) – Apenas descem O Salvador e os seus à lisa praia, Quando um grito estridente e pavoroso, Como rugir de fera em antro escuro, De imigo sangue pressentindo o cheiro, Abala o espaço e chega a seus ouvidos.

– Céus! – Não temais, olhai a nossa dextra; Vêde aqueles densos ciparissos? – Diz o Senhor, – é um cemitério, tristes, Entre a espessura os túmulos alvejam; Não distinguis?... – Senhor! – Olhai de novo. Então da mesta sombra do arvoredo, Sanguentos membros, retorcida boca, Lábios cobertos de espumosa baba, Cheios de lodo e cinzas os cabelos, Um homem seminu surgiu, bramindo;

Lançou-se às plantas, arrancando as folhas, Lançou-se às tumbas, levando as lousas,

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Arrojou–se no chão mordendo as pedras, E nas convulsas mãos esfarelando Torrões calcários, carcomidos ossos! Depois, ergue-se; gotejava o sangue Dos pés, do peito, do inflamado rosto; Volveu à roda as hórridas pupilas Onde o fogo do inferno chamejava, Rangeu com fúria os dentes, e avistando A poucos passos o Senhor: – Oh! vai–te, Jesus, Filho de Deus, não me atormentes – Gritou torcendo os braços macerados. – Qual é o teu nome? – o Salvador pergunta: Responde, que te ordeno! – Uma voz rouca, Feia e destemperada, não dos lábios, Mas das entranhas fez–se ouvir, e disse: – Chamo-me – Legião – tua virtude Reconheço, bem vês, e teu império; Mas não me obrigues a voltar, te rogo, À negra estância das eternas dores! Era uma multidão de infensos gênios Que assim falavam n´uma voz apenas! Ora, a pouca distância, na planície, Suja manada de animais imundos Grunhia revolvendo a verde relva, Vendo-a, Jesus, dirige-se aos demônios:

– Deixai meu pobre servo, ide alojar-vos Daqueles brutos nos nojentos corpos! –

No mesmo instante a cálida tartárea Ganha, silvando, a sórdida manada, Que enfurecida e cega, salta e corre,

Se encaracola, morde-se, esbraveja,

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E galgando um rochedo íngreme, bronco, No mais fundo das águas se despenha.” (59)

Identificado o irmão naquele corpo oprimido por mentes obsessoras da esfera espiritual, o Mestre exortou-as a sair do campo vibratório que pertencia ao outro enfermo. Vítima e algozes se entrelaçavam em conflitos violentos. Passado e presente se interligavam simultaneamente em recrudescência viva e permanente. Chegaram ao ponto, pela ligação coesa, de assumirem a mesma posição: algoz e vítima, reciprocamente. Devedores de si mesmos, em vingança em comum, seria difícil dizer qual deles esqueceria os danos recebidos e se desligaria do nefasto intercâmbio mental. As paixões torpes estavam acirradas em demasia. Era o torpor e o extermínio de uma guerra particular. Os inimigos mais cruéis estavam escondidos das aparências materiais e aproveitavam-se desse meio para derramar sobre o cúmplice do crime em comum as vibrações deletérias. Os agressores invisíveis para o plano físico identificaram a energia benéfica que se desprendia do Mestre Jesus e, ainda, petrificados pelo engano justiceiro, quiseram continuar na perseguição implacável. (59) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto III – Capítulo XXXIV, pp. 112, 113 – Canto IV – Capítulo – pp. 124, 125, 126 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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O Senhor Jesus, em tom decisivo e revelando mansuetude na voz, disse ao primeiro desta legião: “sai dele e não voltes nunca mais”. (60). A ordem, revestida pela sabedoria, foi imediatamente obedecida. A respeito, o evangelista Lucas assim se pronunciou: “Pois Jesus tinha ordenado ao espírito imundo que saísse do homem.” (61)

Nas encostas negras, surradas pela maresia do mar da Galiléia, os últimos raios solares banhavam de cores e nuanças a tarde que começava a desfalecer. Gergesa ou Gerasa foi recolher-se mais cedo. Os irmãos das esferas em litígio, beneficiados pela presença do Senhor dos espíritos, receberam a luz dos céus clareando-os por dentro, na despedida do sol entre a paisagem que escurecia.

O passado de lutas incompletas, estendendo oportunidades de refazimento, ressurge em novas roupagens, testemunhando a imortalidade do ser humano que não pode ser mais tratado apenas em sua forma física. Interesses no campo dos sentimentos unem as criaturas humanas entre si, em comunhão que se estende além das esferas físicas. O presente se refletirá no futuro, assim como o passado se reflete no presente. 60 e 61 – LUCAS, 8:29

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Cobranças sentimentais, queixas dos amores incompreendidos, tristeza e saudades dos dias que o tempo levou, ainda são mantidas entre os interessados, até que a realidade da vida lhes mostre um novo caminho. A obsessão varre os lares do mundo inteiro, despertando mensagens de renovação naqueles que se sentem tristes, desanimados e até mesmo com sintomas de distorção psíquica. Isto faz-nos lembrar a gota d'água que cai da chuva: no espaço fica trêmula ao sabor do vento e, mais tarde, desce aos lençóis d'água para fluir suavemente beneficiando as searas.’ Nas neblinas da madrugada, um novo dia vem surgindo, assim mesmo acontecendo com o paraíso na Terra começando a resplandecer diante de tantas necessidades humanas que estão sendo absorvidas pela presença do amor. Na fase de transição planetária da 3° para a 5ª dimensão, observamos que os sentimentos de simplicidade e humildade estão aumentando, logicamente com a diminuição do desapego a toda forma que ressalta o ego: personalidade, títulos, cargos, riqueza material, preocupação com aqueles que não nos seguiram os passos, a fim de que possamos ascender à vibração que está sendo implantada no planeta, com a irradiação das luzes que emanam da camada de fótons da estrela Alcíone, a grande descoberta do astrônomo Harley, à frente de muitos outros cientistas que o confirmaram. Os tempos novos são chegados...

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GENESARÉ

A citação do Evangelho é de Amélia Rodrigues (Espírito) no livro Trigo de Deus, psicografado por Divaldo Pereira Franco:

“Narra Marcos (62) que, assim que saíram do barco, os de lá reconheceram-nO, acorreram de toda aquela região e começaram a levar enfermos nos catres para o lugar onde sabiam que Ele se encontrava. Nas aldeias, cidades e casas, onde quer que entrava, colocavam os enfermos nas praças e rogavam-Lhe que os deixasse tocar pelo menos a franja da Sua capa. E quando O tocavam, ficavam curados.” (63)

(62) MARCOS, 6:53 a 56 – Nota da Autora espiritual.

(63) AMÉLIA RODRIGUES – in Trigo de Deus, p. 90, 4ª edição, psicografado por Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – 10/2000 – Salvador – BA.

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Nas formosas praias de Genesaré, ele esteve no meio da multidão, despertando-a para as aquisições imorredouras. À sua volta, a famigerada desfiguração humana estampada no semblante de cada um, resultante das atitudes tresloucadas assumidas deliberadamente por imposição de enganosas aparências. A todos que a ele acorriam, havia a restauração da saúde. Os cegos recuperavam a visão material, muitos conseguindo perceber, no íntimo do ser, a luz espalhando o vigor tanto nas células degeneradas como na alma. Naquela tarde, os fluídos, constituídos da mais pura essência que na Terra apareceu, emanados da aura espiritual do Mestre, conseguiram o maior trabalho de cura de que se tem notícia. A multidão saciada da sua necessidade mais urgente: a saúde. Todos buscavam a saúde naquele sol de irradiante beleza, esparzindo energias nos músculos hirtos e com deformidades. Tocando a todos e deixando-se tocar nas fímbrias das suas vestes, que brilham em claridade desconhecida, donde saíam as “virtudes” que curam, como anotaram os evangelistas das Sagradas Escrituras. Sentindo a dor que se espalhava, acercou-se de todos os sofredores que não sabiam como sair do sofrimento, amando e deixando-se amar. Momentos inesquecíveis e lembrados sempre com estímulo a todos nós para que o amor dissipe as consequências do desamor.

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A caravana dos sofredores é imensa, sempre à espera de quem a tire do precipício onde se encontra. À semelhança daquela tarde inesquecível, o Mestre Jesus nos espera, a fim de que possamos receber a luz que alumiará nossos passos, em direção a ele, Luz do Mundo.

Nesse enlevo, pensemos na transmutação que ocorre no planeta. Tudo acontece com precisão. O tempo delineia, em espaços matemáticos, as situações que todos passam. A cada instante, o homem se defronta com a realidade que lhe é própria. A sua vida lhe pertence, boa ou aparentemente ruim. A retórica do acaso é nula; não cria nada senão para aqueles que buscam evasivas para se justificar de suas ilusões. Em cada segundo de vida, o emocional e o racional humanos funcionam estabelecendo circunstâncias futuras. São perfis variáveis de momento a momento, dependendo da natureza intrínseca de cada indivíduo. As emoções estão muito ligadas ao sentimento, a razão à lógica, às necessidades reais que cada um pode estabelecer. Como o homem ainda não sabe completamente o que lhe convém, deixa-se levar por aquilo que sente, sem levar em conta a importância das implicações que podem acarretar em seu viver.

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Nos níveis de compreensão da vida, há resultados que podem conferir situações de bem-estar ou de monotonia ou mesmo de desencantos se as emoções não tiverem a sublimação adequada. Portanto, não é questão de estabelecer um marco entre as emoções e a razão. Todas são importantes na vida do homem. Na sublimação dos ideais superiores da vida tudo converge para a razão, ou mais precisamente à inteligência, embora haja traços de emoção nos comportamentos adotados. O lirismo, a ternura, o romance, que vêm do campo emocional, ganham conotações profundas de beleza espiritual. Viver sem a inteligência, sem o devido preparo, seria adotar um referencial onde carências e frustrações minariam o campo do sentimento. Quando o tempo de brincar passa, o adulto não deseja ser mais criança naquelas circunstâncias. Suas atenções se voltam a oportunidades que constroem o seu amanhã. Assim acontece com as emoções. No início, o emocional ocupa grande parte do seu viver, depois sente necessidade de transcender às sensações físicas e ganha consciência da sublimação do mundo íntimo em que vive. A energia pura de sua essência dissipa os resquícios de carência emotiva e desejos pessoais. Sente-se interligado com um espaço maior do que aquele onde estava. O raio de ação se amplia em dimensões que desconhece, criando um clima favorável ao seu engrandecimento.

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Nesse estágio evolutivo, o lado inteligente tem predominância sobre suas emoções. Quando estas vêm à tona são revestidas da sublimação. O amor faz este milagre da transmutação. Tudo, que lhe chega, tem um respeito muito grande, como nunca sentido antes, as pessoas, os animais, as plantas, os objetos, tudo, enfim. A compreensão de sua vida passa a ser normal. O seu tempo é empregado com sabedoria, não há desperdício em desencontros que não contribuíram neste novo estágio, apenas a lição de renúncia. Sente vontade de exteriorizar o que está em seu íntimo. De consciência pessoal voltada ao egoísmo, ganha uma consciência de classe, de grupo e começa a trabalhar em benefício de todos que sentem tristeza e desolação. O homem, vivendo este trabalho, é útil à sua comunidade, ao planeta que adoece, desde os tempos da distante Genesaré onde a cura de todos os males ocorreram em profusão. Seguem-se os séculos, uns após os outros; não são muitos, apenas 20 entre aqueles dias inesquecíveis de Jesus às margens do mar da Galiléia. Mas a transição vem ocorrendo, em profundas transformações, sempre para o melhor. Em praia de Genesaré faz–nos lembrar ainda uma das aparições de Jesus redivivo (João, 8:1 ss) comentada na obra Jesus Nazareno, de Huberto Rohden (vol. 2, p. 340), filósofo de formação jesuíta: “Um como halo de indefinível mistério, uma como atmosfera tecida de paz serena e discretas saudades envolvem esta cena...”

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VERÔNICA

Na praia formosa de Cafarnaum, o Mestre acabara de chegar da outra margem do lago Tiberíades e uma grande multidão o cercou na ânsia de ouvir suas mensagens. (64)

À frente de um pequeno grupo, estava Jairo, chefe da Sinagoga, que se dirigiu a Jesus pedindo-lhe que fosse à sua casa para curar-lhe a filha. (64) MARCOS, 5:30 e 34

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A multidão aumentava a cada instante, pois o amor enternecido, que doava àquela gente, era grande demais. Todos estavam admirados pela presença magnífica de um ser celestial entre eles, oriundo das mais elevadas esferas de luz e cor que se espalham pelo infinito. Conhecedor profundo da alma humana, amava e deixava-se ser amado, para realçar a reciprocidade do amor, do amor que liga o homem ao Cosmos, numa visível manifestação da presença divina. A mulher da Decápolis, região composta por dez cidades gregas que se erguiam ao longo da Palestina, sabia de seus feitos de grandeza que se manifestavam na cura dos leprosos, enfermos de toda doença e nas lições preciosas que esclarecem a realidade da vida. A oportunidade era valiosa: agora estava diante dele que atraiu a atenção de todas as pessoas presentes naquela praia a fim de distribuir as dádivas preciosas de que era possuidor. Todos os tratamentos para extinguir o fluxo de sangue foram inúteis. Sacerdotes, médicos, exorcistas estiveram diante de seus olhos sem apresentar resultados benéficos. Foram gastas as reservas de dinheiro que ela economizara. Quase exausta na busca de saúde, sentia uma esperança nascer naquele dia. O alvoroço era geral. O Mestre, com passos firmes e fortes, seguia em direção da casa de Jairo para socorrer a filha que estava prostrada na cama. Na caminhada que fez junto à multidão, gestos e exclamações de profunda admiração eram manifestados,

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misturando-se ao canto feliz das crianças – pueri hebreorum – carregado de versos de alegria. Esta cena comovente seria, mais tarde, repetida em Jerusalém, na entrada triunfal de Jesus. A mulher hemorroíssa, vendo que aquele homem poderia curar-lhe o fluxo de sangue, tocou-lhe as fímbrias do manto e sentiu-se curada. O sangue estancara, uma sensação de bem-estar invadiu-lhe o ser, intimamente agradecida, ouviu-o indagar: “Quem tocou nas minhas vestes? Responderam-lhe os discípulos: vês que a multidão te aperta, e dizes: quem me tocou?” Ele olhou ao redor para ver quem foi curado pelas irradiações luminosas que saíam de sua aura divina, descritas nas narrativas evangélicas como as virtudes que curam. Naquele instante, a mulher aproximou-se tremendo e, prostrando-se diante dele, disse toda a verdade: “fui eu, Senhor, que era uma pobre coitada! Sabia que tinhas o dom de curar e apenas tocando em tuas vestes eu seria curada”. “Ele lhe disse: Filha, a tua fé te salvou. Vai em paz, e sê curada deste teu mal”. Quanta emoção sentiu naquele instante! Ele seguiu em frente à casa de Jairo e ela ficou parada ali como estivesse em profundo êxtase, revendo mentalmente aquele olhar doce e sereno que suavizou a sua alma cansada e triste. Aqueles que presenciaram a cena de comovente beleza tocaram-na para despertar do sonho que seus olhos abertos viram.

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A mulher curada retornou ao lar, agora nascida outra vez. O testemunho de que era portadora serviu para despertar o coração daqueles que ainda não conheceram Aquele que é o caminho, a verdade e a vida. Acreditamos que a mulher da Decápolis era a mesma pessoa que enxugou o rosto de Jesus, a caminho do Calvário. Cenas de sangue antes e cenas de sangue depois, isto foi o elemento vital que uniu Verônica a Jesus. No plano espiritual os liames afetivos são eternos. Acreditar está mais ligado ao estado emocional do que ao racional ou inteligente. A fé de que falou Jesus à mulher hemorroíssa tem um valor primordial na realização da cura. É o envolvimento na unidade, na consciência plena da realidade. A manifestação da unidade que sentimos na ligação com as pessoas que estão convivendo conosco é muito importante, pois isola o culto à nossa transitória personalidade, enfocado de modo exclusivo. Os atributos que compõem a nossa personalidade servem-nos apenas à identificação do campo de atividade em que estamos envolvidos. Usá-los em proveito próprio seria desperdiçar tesouros que não nos pertencem. Há muitas lacunas no campo dos sentimentos à espera de nossa participação, a fim de que nada fique incompleto nas relações humanas que nos ajudam a recompor o equilíbrio.

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Pode parecer monótona a hora em que estamos reunidos com pessoas que pensamos não vivenciar das ideias que trazemos conosco. Mas há um mecanismo entrelaçando-nos em circunstâncias que nos dizem respeito. O princípio do todo, do conjunto da participação de cada um, nas experiências que se expressam junto de nós, eleva-nos a níveis superiores onde a consciência se expande. O mecanismo dos encontros surge nas irradiações de nossos pensamentos e nas inclinações mentais em que nos posicionamos. Este é um princípio estabelecido em todas as manifestações de pessoas que se interligam por motivos que sugerem o despertar de um novo estágio evolutivo. Quando sentimos a energia, que nos envolve, circulando no campo mental daqueles que nos rodeiam, vemos que a realidade única é o poder indivisível por qualquer força de circunstâncias transitórias. Nessa aceitação, pelos sentimentos revestidos da inteligência, o nosso íntimo, em todos os campos da manifestação exterior, permanece estável e imperturbável, mesmo que a mais inquietante situação esteja acontecendo no mundo em que vivemos. O serviço às circunstâncias envolvendo os companheiros, que precisam ter a elucidação dos valores reais da vida, é o sentido único de nossa existência. A cada momento, sentimos em nosso íntimo a tranquilidade se manifestando como as águas do oásis, no deserto, quando a tempestade de areia passa. Isto é o resultado da conservação de atitudes coerentes com a inteligência, buscadas na simplicidade de todas as coisas.

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Só pelo fato de mantermos essa atitude de equilíbrio emocional, estamos contribuindo na apreciação de pessoas que vêm conosco participar de momentos aparentemente passageiros. A vibração, que sai de nosso íntimo, interliga-se com a disposição mental daqueles que nos observam tentando absorver as expressões que podem ser úteis à sua forma de viver. Como a simplicidade deslinda qualquer enigma, sentimos que a nossa singela postura de vida vai servir de referencial para que suas atitudes sejam revisadas da forma que lhes for conveniente. O importante é despertar as pessoas para as potencialidades que possuem arquivadas interiormente, deixando-as livres para escolher o padrão de comportamento que tem relação com suas tendências e aptidões. Quando sentimos o nosso serviço à causa da vida sendo apreciado por aqueles que nos acompanham os passos, estamos elevando-nos a outros níveis de consciência, onde a unidade, nós, os companheiros e tudo que nos cerca, é a força que nos estimula a seguir adiante.

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MANHÃ EM NAZARÉ Picture: Teaching in the Temple by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)

Manhã de primavera em Nazaré. (65)

A vegetação, em plena eflorescência, espalhando no ar o aroma das flores frescas. Nesse clima ameno da natureza, em contraste com o dos homens, o Mestre entra na Sinagoga de Nazaré, dia de sábado, reencontrando os amigos e familiares. Após a leitura dos salmos e anotações dos profetas, feita pelo dirigente da liturgia, foi franqueada a palavra. (65) LUCAS, 4:18 a 28 MARCOS, 6:1 a 6 MATEUS, 13: 54 a 57

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Solicitado intimamente por aqueles que confiavam nele, o Mestre, levantando-se, espraiou o olhar à assistência, espalhando irradiações salutares, e dirigiu-se ao lugar de destaque e abriu, nas anotações de Isaías, o texto designado para aquele dia:

“O Espírito do Senhor está sobre mim, pois que me ungiu para anunciar boas novas aos pobres, enviou-me para proclamar a libertação aos cativos, restaurar a vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos, e anunciar o ano da graça do Senhor”.

Ao fechar o livro sagrado dos profetas, entregou-o ao assistente da Sinagoga, fez uma breve pausa e, diante da plateia em expectativa, acrescentou, com firmeza na voz: “Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos, em mim, o anunciado. Eu sou aquele que se esperava.” A profecia foi cumprida. Jesus anunciou-a publicamente. Os sacerdotes do ofício religioso ficaram irritados com a atitude inusitada daquele homem que conseguiu atrair a atenção de todos os presentes. Serenidade, energia, brandura misturam-se nos olhos daquele sábio diante das expressões mais acentuadas do farisaísmo judaico. Comprometido com a verdade, não se recusou a manifestá-la, no momento oportuno. Mesmo sentindo a presença do Mestre, evidenciada por uma nobreza nunca igualada, um magnetismo envolvente, suave como a cítara tangida ao longe e meigo como uma criança, os fariseus inquiriram-no sobre as façanhas realizadas em Cafarnaum. Os anciães do povo entreolhavam-se e indagavam uns aos outros, com profunda surpresa: “não é este o filho de José?” Os amigos se maravilharam, mas os cépticos exigiam fatos comprobatórios. Foi dito na plateia:

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“Faze também aqui na tua terra tudo o que ouvimos ter sido feito em Cafarnaum.” A essa altura, a Sinagoga estava em completa balbúrdia, espalhada pelos detratores da palavra de Jesus. O dirigente do ofício impôs silêncio no auditório.

O ilustre visitante, retomando a palavra, disse: “Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem

recebido na sua própria terra. Em verdade vos digo que muitas viúvas que existiam em Israel nos dias de Elias, quando o céu se cerrou por três anos e seis meses, de sorte que em toda a terra houve grande fome. Mas a nenhuma delas foi enviado Elias, senão a uma viúva de Sarepta de Sidom. E muitos leprosos havia em Israel no tempo do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, senão Naamã, o sírio... Não são os eleitos os únicos...”

“Todos na sinagoga, ouvindo estas coisas, se encheram de ira”, concluiu o evangelista Lucas. Não houve clima favorável para Jesus continuar elucidando os acontecimentos que comprovam a vontade divina. Não teve condições de prosseguir. Sem se deixar afetar pela confusão, o Mestre acompanhou a multidão, ávida por eliminá-lo da comunidade, até a um aclive da montanha, a fim de ser atirado de lá de cima. Recompondo as vestes desfeitas pela ventania forte, ele amainou os temperamentos iracundos dos nazarenos da Sinagoga e, fitando a todos com seu olhar da mais pura expressão de amor, conseguiu passar entre eles, incólume, fazendo o caminho de volta.

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A narrativa evangélica em que se destaca a presença de Jesus numa sinagoga de Nazaré, leva-nos a refletir sobre a realidade única que nos envolve. Quando dizemos que vamos fazer algo ou que gostamos de alguma coisa, pessoa ou situação, sem sabermos que tudo acontece nos ditames de uma lei maior, estamos afirmando o nosso ego. Se Deus quiser é a expressão que deve reger todas as nossas ações. Mesmo porque ainda, sem nos conhecermos intimamente, mudamos de ideia a toda hora, no fluxo das circunstâncias que passam. Se a síntese do pensamento religioso e científico, revelada por Spinoza, judeu holandês, se concentra no conceito de que todo o Universo é constituído de uma só substância que ganha todas as formas e conteúdos, devemos reconhecer a importância do “eu” divino do nosso ser acima das referências pessoais. O homem ainda cultua a personalidade como se tivesse substância transcendente. Puro engano. As desilusões que criou o envolvem com aspectos sombrios. Enquanto isso, ele vagueia no rumo dos negócios e interesses que se interligam com outros companheiros, sobrepondo-os sempre com a sua personalidade para que a vaidade lhe norteie o destino. Todo o sofrimento do homem está no desconhecimento de sua realidade divina, pois se isola, como a célula do câncer no organismo, da manifestação que faz a vida ser única.

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O culto à personalidade é engano que se adapta a situações dissimuladoras para que as aparências tenham predomínio sobre aquilo que deveria ser. Assim, o mundo moderno vive num clima artificial, pessoas dando desculpas para justificar situações que parecem ter um brilho da personalidade. O conceito de grandeza gira sempre em torno de falsas aparências. Os fariseus hipócritas se ajuntam, desde os tempos bíblicos, para compor a casta que ilude e arrasta multidões à decepção e ao amargor. Por que a cultura que entroniza a personalidade humana não reconhece Deus em todas as pessoas, seres de toda natureza e formas de infinitas concepções? Nós sabemos que a vida que vem surgindo nos reinos inferiores da Criação (mineral e vegetal), sonha ser um dia o homem para reconhecer a sua identificação no cenário evolutivo do universo. Mas ele, no estágio entre animal e anjo, duvida de sua capacidade de se engrandecer, pois suas forças são pequeninas demais. Se participar do movimento da vida única que envolve tudo que existe, certamente a sentirá dentro de si, com possibilidades de fazer tudo, tudo mesmo, se Deus quiser. A partir daí, ele reconhecerá Deus no próximo, Deus nos animais, Deus nas estrelas, Deus no arco-íris, Deus no fogo, Deus na água, Deus na terra e Deus no espaço. Para eliminar as mazelas, dores e aborrecimentos, tão comuns na vida humana, devemos abolir o culto à nossa personalidade que pertence mais ao mundo de

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mentira, em que todos recebem influência, e pensar no “eu” divino que não adoece, não fica triste e nem se preocupa com as incertezas criadas pelo homem, nos negócios, na política e na administração em geral. Todos caminham, a exemplo dos animais, em direção de paisagens verdejantes e fontes cristalinas, onde podem matar a fome e a sede de todas as necessidades e conhecimentos que permitem reconhecer em tudo a vontade de Deus. Enquanto o homem viver de ilusão, sem saber distinguir a emoção e a inteligência, a personalidade e o “eu” divino, o instinto e o sentimento, não será feliz. O destino dele, seguindo a parábola conhecida, é voltar à casa paterna que não tem demarcação específica, mas se encontra onde ele estiver, inclusive dentro de si. É por isso que tudo que vive tem religiosidade, ou seja, inclinação a se religar a Deus. Os pássaros e os animais se entregam a essa doce religação, onde não lhes falta nada para sobreviver. A palavra religião vem do verbo religare, de fonte latina, a mesma fonte que fez desabrochar “a última flor do Lácio”, no dizer de Bilac. Mas o homem moderno ainda tem receio e desconfiança sobre o muito que foi falado por líderes que se utilizavam da religiosidade para escravizar-lhe o pensamento, mesmo fora das tradições religiosas. È o mito de Prometeu falsificando tudo. Nascidas nas fontes límpidas do amor, todas as religiões têm por finalidade estimular os homens a reconhecer que estamos amparados por Deus. Seus mensageiros e sacerdotes cumprem missão que lhes engrandece a visão de vida.

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Os aprendizados acerca da realidade divina se fazem por estágios e todos são necessários à evolução, o que pode ser feito em sinagogas, igrejas e templos das mais variadas denominações. É claro que cada um deve se adaptar às conveniências do seu mundo interno que é, em síntese, o mesmo para todos os homens, variando, apenas, nas experiências individuais. Religioso ou não na ortodoxia humana, o homem tem a religiosidade dentro de si. É aquele sonho que lhe clareia a visão do paraíso e, quando está afastado da realidade única, é aquela saudade, quase imperceptível, que o acompanha, revelando-lhe suas origens. Em futuro próximo, as religiões sentirão a necessidade de propalar ao mundo não apenas a proteção divina que já está bastante propalada, mas o sentido profundo das palavras “Vós sois Deuses” proferidas por Jesus. Nesta consciência de que somos Deuses, na acepção do Cristo e não dos homens, há um sentido profundo da Unidade e nenhuma separação existe. Assim, o próprio Jesus é igual a nós, diferenciando–se apenas a vibração existente. Jesus não é apenas o Senhor da Terra, estrela de 1ª grandeza, mas o Senhor das Galáxias, graças ao imenso poder da luz que possui, e nós outros pirilampos voejando pelas noites tropicais. No entanto, se incorporarmos em nosso ser profundo as palavras de Jesus, veremos que a nossa luz cresce à medida de nosso merecimento e da graça divina que nos liberta de todo o sofrimento.

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MADALENA

Primícias do Reino, de Amélia Rodrigues (Espírito), livro psicografado por Divaldo Pereira Franco, revela um traço marcante no comportamento de Madalena:

“De coração generoso, gostava de ajudar e por ser infeliz compreendia a dor dos sofredores e se apiedava da aflição dos desditosos. Suas mãos e dedos adereçados derramavam moedas e ofertavam pães, e se as portas da sua casa se fechavam frequentemente aos servos do prazer, seus servos tinham severas ordens de abri-las à dor e ao sofrimento que buscasse ajuda ou guarida.” (66)

(66) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias do Reino, p. 184 – 4ª edição

– psicografado por Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – 9/2000 – Salvador – BA.

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Anteriormente, no século 19, o poeta Fagundes Varela, ao descrever a cena ambientada na casa do fariseu de que nos fala a Bíblia Sagrada, narra em versos o perfil de Madalena. Antes, porém, vale ressaltar que o texto sagrado não menciona o nome da pecadora. Entre os fariseus, pecadora poderia significar mulher prostituta como também aquela que não observava os costumes farisaicos. “Pura, como na infância, abençoada Pelo Santo entre os santos, Magdalena, Que este era o nome da infeliz perdida, Foge dos seus amantes opulentos, Entrega aos pobres jóias e riquezas, Que Satan deparara, e mais formosa, Descoberta a cabeça, os pés descalços, Acompanha o Senhor por toda a parte.” (67) O fariseu, rico de valores amoedados, vendo que uma oportunidade rara de receber o rabi da Galiléia batera em sua porta, preparou-lhe uma recepção, a fim de se projetar no conceito dos seus patriotas. E, assim, escolheu os músicos, os amigos e parentes para recepcioná-lo. O anfitrião estava interessado na repercussão que teria seu nome como um amigo daquele homem que, se triunfasse na política, conforme supunha, ganharia um lugar de destaque ao seu lado. (67) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas

– poema – Canto III – Capítulo XXXIII – pp. 111, 112 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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Aquele povo da Judeia estava ansioso para ter um líder que viesse libertá-lo das algemas de Roma. E o Mestre, possuidor de um poder enérgico e brando, sobressaía diante daqueles que presenciassem suas atitudes elevadas. Até mesmo na singeleza de suas palavras aos camponeses, havia nele uma dignidade que deslumbrava a todos. Sabendo o que estava ocorrendo na casa de seu antigo parceiro de noites de orgia, a pecadora teve a curiosidade de conhecer aquele visitante que irradiava uma beleza comovente. Mesmo sem ter recebido o convite, conseguiu penetrar no recinto onde estavam reunidos os convidados. Tudo nela estava em desalinho, suas emoções, seus cabelos e suas vestes. Simão, acostumado às formalidades de recepção, acolheu o ilustre visitante na tentativa de surpreendê-lo em público. Mas a ternura da conhecida mulher era mais forte que os gestos externos de pureza daquele fariseu. Os minutos e as horas seguidas, naquele ambiente, foram tomados pelas atitudes da pecadora que se libertou das sombras do passado. Numa atitude piedosa e sentindo algo renovador dentro de si, deixou cair lágrimas que se misturavam à água do vaso de alabastro que ela derramava nos pés dele, enxugou-os com seus cabelos sedosos e os perfumou com essências raras. O fariseu, observando que tudo acontecia sob a vista de todos os presentes, em pensamentos, zombou daquele homem que estava em sua casa e disse só para si mesmo: “se este fosse profeta, saberia quem é a

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mulher que o tocou, pois é uma pecadora”. (68)

Percebendo o que se passava no íntimo do anfitrião, o Mestre amado inicia um pequeno diálogo com Simão. O evangelista Lucas narra:

“Disse Jesus ao fariseu: “Simão, uma coisa tenho a dizer-te. Respondeu ele: Dize-a, Mestre. Certo credor tinha dois devedores. Um lhe devia quinhentos e o outro cinquenta denários. Não tendo eles com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Dize-me, pois, qual deles o amará mais? Respondeu-lhe Simão: Tenho para mim que é aquele a quem mais perdoou. Disse-lhe Jesus: Julgaste bem. Então, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês tu esta mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; esta, porém, regou com lágrimas os meus pés, e os enxugou com os seus cabelos. Não me deste ósculo, mas ela, desde que entrou, não cessou de me beijar os pés. Não me ungiste a cabeça com óleo, mas esta ungiu-me os pés com unguento. Por isso te digo que os seus muitos pecados lhe são perdoados, pois muito amou. Mas aquele a quem pouco é perdoado, pouco ama. Então Jesus disse à mulher: Os teus pecados te são perdoados.” (69)

Uma sensação de espanto e admiração corria nos olhos de Simão. Acostumado a formalidades em que se evidenciam o engano, ele sentia dificuldade em compreender palavras de libertação. Os convidados à (68, 69) LUCAS, 7:39 a 49

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mesa começaram a falar entre si: “Quem é este que até perdoa pecados.” (70)

A pecadora estava convertida. O amor possibilita o encontro da verdadeira felicidade. Feliz, sentiu-se realizada, e saiu como entrara: a correr, a correr...

O Canto III da obra Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela também revela a narrativa poética acerca da pecadora. Vale assinalar: “Toda sua existência, e seu passado Esquecidos, ressurtem!... A cabana De seus honestos pais, os áureos sonhos Da descuidosa e santa meninice, O céu azul, as balsas florescentes Os serões da família, e... sobre tudo, Ai!... a inocência da primeira idade! Crenças divinas que alimentam anjos!... Tudo isto apareceu! de novo... ao longe, À luz de um céu puríssimo, crivado De milhares de estrelas refulgentes!... Depois, volvendo os olhos a si mesma, Examinando as nódoas indeléveis Que de su´alma o espelho embaciavam, Viu do colar as pérolas mudadas Em lágrimas de fogo, e as ametistas, (70) LUCAS, 7:49

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Os graúdos rubis dos braceletes, Em quentes gotas de fervente sangue!... Então sobre as espáduas da perdida Rebentaram de novo as asas de anjo! Em soluços desata, dolorosos,

Lança-se compungida aos pés de Cristo, De lágrimas e bálsamos os cobre, E os envolvendo nas madeixas negras, Os enxuga, prostrada, arrependida.

XXXII

– Oh! não!... murmura o fariseu consigo, Este mancebo zomba de nós outros! Se ele fosse profeta, bem soubera Quanto é rasteira e vil a criatura Que pranteia a seus pés! – Jesus o encara, E diz estas palavras: – Ouve, amigo: Tinha um bom mercador dois devedores; Um quinhentos dinheiros lhe pedira, Outro apenas cinquenta; pobre ambos Nunca puderam lhe pagar tais somas, Ele, porém, as remitiu sem queixas: Qual dos dois lhe devêra ser mais grato?

– Oh! certamente, o fariseu responde, O que maior quantia recebera! –

– Julgaste bem, o Salvador prossegue, Estou sob teu teto, não me déste Para lavar os pés um pouco d´água, E nem déste o ósculo fraterno, E nem minha cabeça perfumaste De bálsamos suaves; entretanto, Ela banhou-me os pés com tristes lágrimas, Ela os cobriu de beijos incessantes,

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E os ungiu de perfumes preciosos!... Por isso agora digo: os seus pecados Remitidos estão, amou, e muito! – E voltando-se à humilde pecadora, Lhe diz: – Mulher, levanta-te, não chores,

Pois a fé te salvou! – Assim falando Ergue-se e sai da sala do banquete.” (71)

A cada encontro que temos com pessoas diferentes é uma oportunidade para nos recompor ou revelar aquilo que já está composto. Esta é uma dádiva preciosa. Quando o homem conhece as suas reais necessidades, ele não se lembra mais dos seus desejos pessoais, pois confia no suprimento de suas lacunas que, um dia, desaparecerão. Quando ingressa no estado de consciência superior, a oscilação das emoções acerca do seu viver não o atinge mais, pois já conseguiu perceber as energias interiores de sua parte transcendental. O despertar dessa iniciação íntima traz descobertas de situações que o engrandecem cada vez mais, afastando-o, por completo, de conceitos de comportamento que lhe traziam tristeza e desolação, depois de momentos aparentemente felizes. (71) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto III – Capítulo XXXI, XXXII – pp. 110, 111 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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A energia, vindo de dentro dele mesmo, se expande harmoniosamente em canais que se estabelecem em suas comunidades de habitação e trabalho, criando um clima adequado para que o convívio salutar se estabeleça. Somente a partir daí, ele é útil a todos que o cercam. Quanta suavidade sente nas oportunidades de semear, compreendendo as condições que se apresentaram no momento próprio, com a certeza de que tudo está fluindo corretamente! Isto vem comprovar que os desígnios superiores da natureza estão acima dos desejos caprichosos do homem que ainda não compreendeu a sua realidade no plano cósmico. Nesta consciência mais ampla, o homem de mentalidade superior compreende que é importante seguir o roteiro de vida que se lhe apresentou quando teve condições de sentir a harmonização de sua parte interna. O roteiro de serviço surge no momento adequado, sem a necessidade de fazer planos, antecipadamente, o que poderia incorrer em temor e preocupação pelos resultados, se fossem feitos com a análise dos fatos exteriores. Quando o homem vive a sua parte mais importante, ele se integra com os movimentos da natureza que estabelecem o tempo e o espaço em seus devidos lugares. Seus movimentos são coordenados pela sabedoria implantada em sua essência etérica que ainda não teve o reconhecimento necessário. A cultura exacerbada pela

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sobrevivência do corpo, nos dias atuais, não lhe estimula o autoconhecimento. No passado histórico, mensageiros que traziam a energia da sabedoria eram sacrificados, pois os líderes transitórios não admitiam que o homem pudesse ter algo superior ao seu corpo físico. Mas, atualmente, já está havendo uma abertura para que este conhecimento seja reconhecido, sem preconceitos. Tudo está se modificando. O aprendizado pelo sofrimento está desgastando muito o homem moderno. Ele colhe a sementeira egóica, pois não teve condições de apreciar a clareza dos fatos que se interligam. O movimento que o homem faz interiormente, descobrindo a realidade da vida única, faz com que exista finalmente tranquilidade para sua existência, com reflexos positivos em seu corpo físico. Se o homem obedecesse às sugestões sábias do seu mundo interno, onde sua mente está mergulhada, veria que tem condições de não deixar que as enfermidades, tristeza e desolação se incorporem em sua vida. Com a aquisição de tão preciosa dádiva, a felicidade será constante, a alegria terá bases profundas, sem receios de desmoronamento, uma inefável leveza o revestirá por completo. E como num fluir de energias, sentindo um bem-estar que o comove suavemente, ele se doa amando seus companheiros de jornada evolutiva, na certeza de que esse amor pertence à harmonia do Cosmos.

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MARTA

O cenário comovente onde residiu Marta e seus irmãos Lázaro e Maria, em Betânia, é descrito por Amélia Rodrigues (Espírito), no livro Primícias do Reino, psicografado por Divaldo Pereira Franco:

“Cercada por imensos campos de cevada, pequenos bosques de olivedos e figueiras que sombreiam a estrada de Jericó serpenteante junto às muralhas, Betânia ficava a uma hora de Jerusalém.” (72)

(72) AMÉLIA RODRIGUES – in Primícias do Reino, pp. 169 – 4ª edição

psicografado por DIVALDO PEREIRA FRANCO – Livraria Espírita Alvorada Editora – 9/2000 – Salvador – BA.

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A caminhada tinha sido longa. A poeira estendia uma camada fina que se espalhava pelos trajes dos viajantes. À entrada da casa avistava-se o caminho em linhas sinuosas e se perdia pela vegetação adentro. As irmãs de Lázaro, alegres pela singular visita, irradiavam júbilo e, em cada volver de olhar, expressavam ternura que sentiam sair dos olhos meigos e brandos de Jesus, que pareciam o oceano visto do alto. Quanta energia na brandura e quanta meiguice para afagar os corações que se assemelham às ondas que se quebram beijando a praia! No clima suave e alentador, as irmãs de Lázaro, Maria e Marta, sentiam-se em festa. Todo o contentamento do mundo, em sua forma mais refinada, podia estar contido naqueles corações. Estavam felizes, na singeleza de suas vidas, e agora viviam os encantos que lhes foram despertados. A magia era amar, amar simplesmente e simplesmente amar. Marta de Betânia, preocupada em preparar a alimentação para os visitantes, permaneceu por muito tempo na cozinha. E, com receio de não acabar sozinha os pratos de comida, foi à procura de Maria. Ao entrar no recinto onde o divino amigo estava conversando com a sua irmã, Marta pediu-lhe ajuda. Os olhos de Maria estavam mergulhados nesse oceano de ternura e brandura que comparamos ao Mestre Jesus. A conquista era total. Agora sua alma pertencia ao reino, ao grande reino onde o amor é eterno, longe, muito longe da posse do que é transitório.

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Se até mesmo na transitoriedade de um prazer, a alma espairece e se entrega totalmente, o que não dizer diante de um deleite eterno? Contemplando as paisagens íntimas que se desprendiam do olhar de Marta e pareciam aqueles caminhos que se perdiam na vegetação afora, Jesus disse: “Marta, Marta, estás ansiosa e preocupada com muitas coisas, mas uma só é necessária. Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada”. (73)

Quanta filosofia de vida contida em poucas palavras! O ensinamento poderia ser comparado com outro, de igual valor, que diz: “buscai o reino de Deus e Sua justiça e todas as outras coisas te serão acrescentadas.” (74)

Realmente, ninguém casa, ninguém faz política, ninguém compra ou vende algo, ninguém faz nada, sem as circunstâncias favoráveis, a sintonia tempo-e-espaço e o reflexo da causa sobre o efeito. Quem faz tudo isto? O homem é apenas o co-criador, dentro de uma Criação existente até mesmo antes dele nascer. Tudo segue em busca de seus ninhos. Os pássaros no crepúsculo; o homem depois de um dia de trabalho, volta ao lar e, dentro do sono, sonha com as regiões alcandoradas e de lá absorve novas forças (73) LUCAS, 10:41 e 42

(74) MATEUS, 6:33

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para o seu viver. As águas dos rios, que correm para o mar, são transformadas em chuva para cair em suas nascentes. O silêncio de Marta diante da resposta, que Maria não sabia como dar, calou fundo e ficou mergulhado em seu ser mais profundo e de lá emergiu, no decorrer de toda a sua vida, em pureza cristalina, para abafar as preocupações anteriores. A verdade, por ser revolucionária, risca, como a flecha, o espaço e atinge o alvo numa precisão única. Mais tarde, a sós com a sua irmã, quis saber tudo o que o Mestre lhe havia falado. Quis saber do detalhe que faz a diferença: sua vida antes, sua vida depois. Já recebera o suficiente, o necessário, mas queria acrescentar algo que os sonhos da alma podiam prever. Era a linguagem eterna, numa interpretação pessoal, que lhe fazia presença como um raio de sol, na alvorada, clareando-lhe suavemente.

O destino do homem está ligado intrinsecamente ao seu proceder anterior que se reflete nas circunstâncias inexoráveis que terá de passar. O passado e o presente se interligam para compor o futuro que já foi traçado por suas ações próprias na cumplicidade de outras pessoas que formam o enredo do comportamento. Quando ele nasce, traz um roteiro delineado por essas circunstâncias, isto em decorrência de atitudes

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assumidas perante o tempo, o companheiro que o recebe para entregar-lhe o destino que ele elegeu por vontade própria. As tarefas que executa, pensando em seu aprimoramento, visam sempre colimar os objetivos de sua missão, previamente escrita pelos seus méritos pessoais, antes mesmo que a oportunidade de realizá-la tivesse a sua participação. Esses méritos já se fazem demonstrar nas aptidões e tendências de natureza puramente congênita.

Assim como a semente contém a presença da árvore em formação, no homem, que semeia a beleza, a realidade da vida única o reveste com forças suficientes a suplantar qualquer obstáculo. Em todas as caminhadas, ele passa pelas fases do crescimento com muitas lutas e lágrimas, sorrindo mais tarde nas vitórias de suas conquistas. Aqueles que pressentem que têm uma missão a cumprir, nos variados departamentos da vida, certamente sentirão que algo acontecerá para que seus caminhos de luta sejam abertos. Há uma ligação invisível aos olhos humanos nos interesses que visam ao bem-estar dos agrupamentos sociais. A adversidade ainda existe em virtude da incompreensão daqueles que têm dificuldades em andar no ritmo dos que semeiam a beleza. Como revelam os fatos históricos, em determinada época em que não houve aclamação popular num gesto construtivo, em outra esse mesmo gesto mereceu aprovação dos que estiveram na posição daqueles que se mostraram antagônicos.

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Mais na frente, surgem, em presença física ou na lembrança imorredoura, aqueles que lutaram para manter vivo o ideal por uma vida feliz. E, assim, os semeadores da beleza são sempre lembrados como condutores da humanidade. Aquilo que realizaram, um dia, mereceu seus esforços, nas lutas constantes, seus carinhos de quem realiza a obra-prima, sem pensar nas horas de lazer que poderiam usufruir. O ideal fala mais alto e a compreensão pelos desígnios superiores alcança o íntimo de seu ser, como a dizer-lhes que o importante é semear aquilo que lhes chega por inspiração. As vibrações das pessoas, beneficiadas por seus trabalhos, aumentarão o campo energético em que suas auras estão mergulhadas, propiciando uma irradiação luminosa que comprovará o valor daquilo que foi plantado num momento feliz. É por esta razão que vemos como é bom semear a inspiração oriunda do plano superior da vida, a fim de que haja um número sempre crescente daqueles que buscam a felicidade como forma de viver. Falar em felicidade de maneira isolada é o mesmo que atribuir a existência de infelicidade junto àqueles que têm dificuldades em caminhar. Mas, como vemos a beleza se irradiando por toda a parte, é necessário compreendermos que são felizes aqueles que lutam para se recompor, mesmo passando pelas provações mais difíceis da vida. Antes de cair ao solo, as chuvas eram nuvens sombrias que escondiam tão grandiosa dádiva.

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ZAQUEU

A notícia se espalhara pela cidade de Jericó: Levi, um cobrador de impostos foi convidado para seguir Jesus. Isto despertou em Zaqueu a esperança de conhecê-lo pessoalmente e, quem sabe, receber uma palavra que esclarecesse a sua vida tumultuada. Mas apenas olhar aquele homem, possivelmente o esperado pelos profetas e doutores da lei, pensou, era tudo que desejava naquele instante. A multidão crescia, cada vez mais, no trajeto pelas ruas e, quando Zaqueu a viu surgir de longe, começou a correr ao seu encontro, sem pensar nas posturas formais que sempre se atribuiu em público, e

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subiu no galho de um sicômoro para ver de mais perto a cena comovente. Cercado pelos amigos e admiradores, o povo em geral, Jesus andava firme, irradiando uma beleza nobre e transparente, ao alcance de todos, despertando-lhes o amor. Príncipe do paraíso, tornava-se igual a todos, fazendo-lhes pensar que a hora de serem felizes para sempre tinha chegado. Amava o amor e era o próprio amor a transparecer em seus gestos e palavras. Na alma de Zaqueu havia uma nítida impressão de tê-lo conhecido desde antes, não sabia quando. A sensação de leveza o embalava a recantos distantes e o trazia de volta que sentia estar sempre perto dele. Assim são os amores que se reconhecem mutuamente. “Zaqueu, falou Jesus, desce depressa. Hoje me convém pousar em tua casa”. (75)

A emoção no cobrador de impostos cresceu tanto quanto a arrecadação nos dias de maior movimento. Era inacreditável, pensou, como ele falara o seu nome no meio do povo. Zaqueu correu depressa à sua residência para dizer, abraçando e beijando à esposa enternecida, o encanto do encontro que lhe sensibilizou a alma. (75) LUCAS, 19:5

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Em poucos minutos, a luz do sol ia deixando no crepúsculo cores e nuanças que as nuvens retinham em desfalecimento. A noite começou a nascer... A discriminação social veio em murmúrio: “E vendo todos isto, murmuravam, dizendo que entrara para ser hóspede de um homem pecador”. (76)

Ao ouvir a palavra que lhe causara traumas, Zaqueu toma a iniciativa e se dirige humildemente a Jesus: “Senhor, eis que eu dou aos pobres metade dos meus bens, e se nalguma coisa tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado!” (77)

Naquele instante a emoção cortou a fala de Zaqueu e, pálido por ter gasto sua última expressão verbal, manifestou em gestos o apelo para que o Mestre entrasse em sua casa. Num sorriso de amor, amor qualificado na mais pura essência da vida, Jesus falou: “hoje veio a salvação a esta casa, porque também este é filho de Abraão. Pois o Filho do Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido”. (78)

A narrativa de Fagundes Varela, no Canto VI, do poema Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, traz um resumo do episódio Zaqueu, ocorrido na cidade de Jericó. Vale ressaltar: (76) LUCAS, 19:7 (77) LUCAS, 19:8 (78) LUCAS, 19:9 e 10

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“Chega Jesus, e o povo se atropela, Ajunta-se e o rodeia. A uns incita A vã curiosidade; a outros guiam A esperança e a fé. Um publicano A quem chamavam Zaqueu, homem de posses, Mas de estatura pequenina e frágil, Não podendo de perto olhar o Cristo, Qual travessa criança aos galhos sobe De um alto sicômoro, e dentre as folhas Espreita cuidadoso... Num relance O Salvador o vê. – Zaqueu, lhe fala, Desce e vem ter comigo, muito importa Que na tua morada hoje eu pernoite. – Apressa-se Zaqueu, desce, e contente Guia o Senhor à casa hospitaleira. Novas murmurações, novas censuras Partem dos fariseus e dos escribas, Vendo Jesus seguir um publicano E albergar-se debaixo de seu teto. Zaqueu diz ao chegar: – Quero, metade Dar, Senhor, de meus bens aos infelizes, E quatro vezes mais darei, se acaso Meu próximo lesei em seus negócios. – Hoje, exclama Jesus, em teu asilo Entrou a salvação! Sobre os lares Do Eterno Padre as bençãos se espalharam! O seio de Abrahão pulsou de júbilo, Pois o Filho do Homem veio ao mundo Buscar o que nas sombras vacilava, E salvar o que havia perecido!

XX

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A luz acorda o mundo. A natureza De seu berço levanta-se formosa E saúda o Senhor. Sobre as montanhas, Nas grimpas do arvoredo, e sobre as ondas, O glorioso príncipe dos astros Feliz esparze as dádivas primeiras.” (79)

A visita de Jesus à casa de Zaqueu teve por finalidade redimensionar valores. A irradiação de nossos pensamentos envolve as pessoas que temos oportunidade de mantermos contato, deixando nelas o sentimento, características do proceder que adotamos. Nos momentos de nossa participação no convívio social, devemos ter muito carinho e cuidado na exposição de ideias e atitudes, pois qualquer decréscimo de amor pode afetar o equilíbrio emocional de quem nos ouve e assiste. Em cada criatura humana existe um mecanismo de energias que modula os aspectos que lhe dizem respeito, sobressaindo-lhe a forma estruturada nas suas atitudes e procedimentos. (79) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto VI – Capítulos XIX e XX – pp. 181, 182 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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O aspecto de beleza, revestido de cores e nuanças, que plasma a aura espiritual dos seres humanos, pode ser constante e inalterável para aqueles que seguem seguros na luminosidade de todas as ações e gestos que inspiram a sabedoria. Mas a grande maioria das pessoas anda buscando, na firmeza do equilíbrio emocional, em escalas ascendentes e descendentes, os valores reais do espírito sujeitos ainda à comparação de outros valores apreciados por aqueles que se apegam ao mundo das formas. Em todos os instantes, devemos exteriorizar as emoções sublimadas que cultivamos no nosso íntimo, a fim de que os companheiros, acompanhando-nos os passos, possam ser beneficiados pelas atitudes que tomamos. O clima de reconforto é a necessidade principal dos grupos humanos que precisam dar maior dimensão às vibrações oriundas das pessoas que trazem consigo o amor e a simplicidade, dissipando o tumulto dos interesses que passam deixando um vazio. Na aproximação com as pessoas do nosso convívio, as vibrações que sentimos vir delas têm uma conotação valiosa despertando-nos às lições que lhes são próprias. Todas as mensagens íntimas dos companheiros servem-nos para estudo e apreciação das necessidades que deverão ser redimensionadas por aspectos capazes de engrandecê-los em relação aos valores da vida. São olhares revelando situação incômoda ou convite à participação de suas alegrias; são gestos que demonstram timidez ou ousadia dos planos que não conseguiram realizar.

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Quantos sorrisos de pessoas que conhecemos estão à flor da pele, esperando a nossa manifestação de sorrir primeiro! Se compreendermos que basta um leve gesto de amor para tocar as pessoas, aumentaremos o círculo de amizade que nos trará bem-estar que se espalha a todos quantos de nós se aproximam. Misturados à multidão, encontramos os amores que desconhecemos, comprometidos com os momentos diferentes dos nossos, mas com grande afinidade de gostos pelo mesmo trabalho que realizamos no campo do sentimento. Ainda existem os tímidos e receosos que não conseguem dirigir-nos a palavra, portadores de desconfiança ou da falta de nossa aproximação junto a eles que lhe possam modificar-lhe a postura. Os novos companheiros que vem integrar o grupo social onde prestamos serviços são assim como árvores recém-nascidas que precisam de cuidados especiais para reflorescer com brilho e vigor. Quando participamos de reuniões no campo astral, durante o sono do corpo físico, vemos, com intensa alegria, o júbilo de companheiros da evolução cósmica vir ao nosso encontro numa elevação de propósitos ainda não sentida pelos melhores preletores que a Terra possui. Façamos uma experiência e veremos o resultado positivo: à noite, antes de dormir, esquecer todo o cuidado que o dia nos proporcionou e ouvir músicas que despertem a beleza e, principalmente, colocar o pensamento em profunda oração.

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A SAMARITANA Picture: Woman at the well by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)

“Vem o cântaro encher, na água da fonte, A mais linda mulher da Samaria...” (80)

Na paisagem bíblica de Caio de Mello Franco, o sol, irradiando luz nas nuvens, fazia o céu escarlarte: “Em sangue o amplo horizonte.” (80) CAIO DE MELLO FRANCO – in Vida que passa... – poemas – p. 75

– Typographia do Annuário do Brasil – 1924 – Acervo: Biblioteca Popular Pedro Nava – Glória – Rio de Janeiro – RJ.

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Nos tempos de Jezabel, Samaria era uma região bastante rica e próspera. Por volta do século VIII a.C., os assírios, sob o comando de Sargão II, invadiram aquela região impondo o idioma arameu ou aramaico, juntamente com uma grande quantidade de crenças e superstições que por lá se espalharam por muito tempo. Seis séculos depois, os macabeus destruíram grande parte das edificações da Samaria que só foi reconstruída por Herodes que servia ao imperador romano. Entretida com pensamentos ligados à rotina do dia-a-dia, estampando no rosto a cor queimada de sol, e os cabelos encobertos por um turbante, a jovem mulher, carregando um cântaro vazio, caminha em direção do poço de Jacó. Ao chegar ali, surpreende-se ao ver um homem assentado ao lado do poço, como se estivesse a esperá-la por muito tempo.

Envolvida por enorme fascínio, ela o contemplou enternecida e, movida pela leveza que percorria o seu coração, desviou o olhar para o fundo do poço e, naquele instante, sentiu o encanto íntimo da água. Compreendendo que o amor desperta os encantos da vida e vendo nela a sensação de quem sente os ventos das tardes ensolaradas, o Mestre envolveu-a num sorriso doce e lhe falou suavemente: “dá-me de beber.” (81)

(81) JOÃO, 4: 1 a 42

FERNANDO PINHEIRO - 166 A vontade de chamar a atenção daquele estrangeiro, que lhe dirigiu a palavra, era imensa, mas a emoção que tomou conta do seu coração era maior, mesmo assim deixou extravasar um pouco de amargura: “como sendo tu judeu, me pedes de beber a mim, que sou mulher samaritana? (Pois os judeus não se dão com os samaritanos”). “Se conhecesses o dom de Deus”, continuou, afável, o Mestre, “e quem é o que te pede: dá-me de beber, tu lhe pedirias, e ele te daria água viva”. A samaritana curvou-se numa atitude de reverência. Após uma pequena pausa, exclamou:

“Senhor, tu não tens como tirá-la, e o poço é fundo. Onde tens a água viva? És tu maior do que o nosso pai Jacó, que nos deu o poço, do qual ele próprio bebeu e, bem assim, os seus filhos e o seu gado?”

Houve uma expectativa inebriante. Com um sorriso afável, ele respondeu à moça:

“Qualquer que beber desta água tornará a ter sede, mas aquele que beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede, porque a água que eu lhe oferecer se fará nele uma fonte que jorra para a vida eterna". De imediato, a jovem samaritana disse: “Senhor, dá-me dessa água para que eu não mais tenha sede, nem precise vir aqui tirá-la.” [JOÃO, 4: 1 a 42]

Pedindo a ela chamar o marido e voltar ali, Jesus fez ampliar o conceito de água viva. Ela lhe respondeu que não o tinha.

“Disse-lhe Jesus: tens razão em dizer que não tens marido, pois já tiveste cinco maridos, e o que agora tens não é teu marido. Isto disseste com verdade.”

167 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Emocionada pela revelação, a moça se expressou: “Senhor, vejo que és profeta. Nossos pais adoraram neste monte, mas vós, os judeus, dizeis que é em Jerusalém o lugar onde se deve adorar.” O Mestre, pressentindo as tendências religiosas que iriam surgir, no decorrer dos séculos, elucidou:

“Mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, pois o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que o adorem em espírito e em verdade.” [JOÃO, 4: 1 a 42]

Palavras tão esclarecedoras, nunca antes ouvidas, encheram-na de contentamento e, num impulso de emoção, falou-lhe: “eu sei que o Messias (chamado Cristo) vem. Quando ele vier, nos explicará tudo”.

O diálogo foi concluído por Jesus: “Eu o sou, eu que falo contigo.” Percebendo a grandeza do ensinamento, a jovem samaritana deixou-se levar por imensa alegria a esparzir entre seus amigos e familiares. Pôs-se a correr e a gritar: “Vinde, vede um homem que me disse tudo o que tenho feito. Porventura, não é este o Cristo?”

A atitude da jovem samaritana fez afluir grupos de pessoas que se reuniram junto ao poço de Jacó. Naquele instante, os discípulos retornaram à presença do Mestre, deixando para trás a cidade, onde foram buscar alimentos. Pediram-lhe que se alimentasse. Com a atenção voltada aos moradores de Sicar, Jesus dirige-se aos discípulos com a intenção de que todos pudessem ouvi-lo:

FERNANDO PINHEIRO - 168

“A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e realizar a sua obra. Não dizeis: ainda há quatro meses até à ceifa? Eu vos digo: erguei os vossos olhos, e vede os campos! Já estão brancos para a ceifa. O ceifeiro recebe desde já o seu galardão, desde já ceifa a colheita para a vida eterna, e assim se regozijam tanto o semeador como o ceifeiro. Pois é verdadeiro o ditado: um é o semeador, e o outro é o ceifeiro. Eu vos enviei a ceifar onde não trabalhastes; outros trabalharam, e vós entrastes no seu trabalho.” [JOÃO, 4: 1 a 42]

Junto ao poço de Jacó, na cidade de Sicar, a jovem samaritana teve um encontro, o mais importante de sua vida. Não eram apenas os ensinamentos que a encantavam, mas a beleza da voz de Jesus. Cada criatura humana tem uma sonoridade específica na voz. O som é ondulado na vibração característica de cada uma. Assim como se encontra o estado emocional das pessoas, a voz escoa os sentimentos que as caracterizam, embora haja momentos de disfarce para encobrir circunstâncias simuladoras. Algumas carregam o peso das aflições diárias e despejam palavras que desarticulam o estado emocional daqueles que são cúmplices de suas ações. Outras sublimam seus ideais e enternecem, com doces carinhos, as palavras – sementes de jardim – que distribuem a todos quantos por elas passam.

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Se a música suave traz vibrações que nos estimulam a desenvolver os centros energéticos do nosso ser, a voz, que carrega os sentimentos de quem a emite, pode levar-nos a situações confortadoras. Há amores que se ligam profundamente na voz. Aquela vibração traz recordação de experiências que voltam para serem completadas. Uma alegria íntima estimula-nos quando ouvimos a voz de quem nos agrada. Como os sons podem ser conduzidos à harmonia, a sonoridade humana, contida na voz, pode levar-nos a estados de sublimação de sentimentos. É claro que os sons estimuladores da sensualidade não podem conduzir a esses níveis superiores, pois têm raízes profundas nos sentidos da matéria. Os amores, em diálogo, gostam de ouvir suas vozes falando de belezas íntimas que somente eles podem identificar na mesma intensidade em que foram criadas. Quantas vezes, ouvimos, pessoalmente ou por telefone, pessoas envolvidas nos momentos de frágil consistência que criamos, sem dar a elas o valor que a oportunidade oferece! Nunca a mesma hora se repete. Alteram-se as circunstâncias em que nos defrontamos com alguém, chegando, às vezes, a se tornar cada vez mais difícil a nossa participação nesses envolvimentos, pelo clima de incerteza em que nos deixamos envolver. Os encontros são marcas do destino e por isso mesmo devem merecer todo o carinho e respeito, pois não entendemos ainda os fatores racionais que estabelecem essa circunstância que vem apenas com o fim de nos ajudar.

FERNANDO PINHEIRO - 170 Se há enigma no meio da observação pessoal, não importa, não podemos imaginá-lo em forma de obstáculo, pois os primeiros encontros são tão ingênuos e não podem ameaçar a nossa tranquilidade. E se, no decorrer das oportunidades, houver sinais de desconforto das vibrações contidas na voz de quem nos responde, devemos amá-la cada vez mais como uma pessoa que está precisando tanto de nosso amor. Não podemos ver rosas em todos os lugares por onde passamos, mas não devemos andar de mãos cheias de sementes sem a vontade de semear. Quem tem amor no coração distribua. Assim como os agentes afins se aglutinam formando um grupo homogêneo, a vibração da voz tem peculiaridade específica que identifica os interlocutores no ponto em comum. Como a finalidade da missão inteligente do homem é disseminar o amor, seja no silêncio quando as circunstâncias exigem, ou na voz articulada dos sons se houver identificação e receptividade de quem a deseja ouvir.

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BEN MORDECKAI Picture: Sermon on the Mount by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)

Anestesiado pelo torpor a que se acostumara desde as primeiras decepções da vida, antes ditosa e feliz, Mathias Ben Mordeckai, entre tantos outros sofredores, estava ali ao pé da montanha, sem saber o que estava sendo dito. A lembrança dos dias felizes em Acra e a amargura dos desencantos que sobrevieram das ações movidas contra ele no Sinédrio, fez Ben Mordeckai sentir-se completamente infeliz. Perdendo os bens materiais e a família, foi acometido por grave doença. Mesmo assim, havia nele uma esperança clareando como uma chama bruxuleante soprada pelo vento [AMÉLIA RODRIGUES/1998].

FERNANDO PINHEIRO - 172 Jesus disse o Sermão da Montanha a uma plateia composta por galileus, judeus e estrangeiros vindos da Decápolis e de outras regiões vizinhas. Suas palavras cheias de sabedoria eram um alento para os desalentados, os tristes e os sofredores. Sábio e simples, amoroso em todos os gestos, no olhar, no sorriso que afagava, no sentir a dor alheia, como se fosse a sua própria dor, sem culpa alguma. Falava do reino a que pertencia, estendendo suas balizas aos lugares onde já se vislumbrava uma messe a crescer. Todos pertenciam ao mesmo rebanho, vendo neles irmãos com possibilidades futuras de restauração de saúde. O vento corria lentamente carregando a vibração amorosa de sua voz. Ben Mordeckai, que estava a pouca distância daquele sábio, não poderia avaliar claramente a grandeza do momento. Não distinguira nenhuma palavra; ouvira um som que se misturava ao vento, confortando-o por dentro. Ao levantar a cabeça em direção àquele que disseminava o amor, naquelas paragens, conseguiu captar a vibração que fluía dos olhos meigos do rabino da Galiléia e compreendeu o enlevo que arrebatava a todos na mais pura magia. No despertar de ânimos, ouviu somente as palavras: “bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados”, (82) retendo aquele olhar amoroso em sua (82) LUCAS, 6:17 a 49

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alma, comparando-o a mais bela jóia que o mundo lhe poderia dar.

Mathias Ben Mordeckai, personagem verídica que presenciou o Sermão da Montanha, foi revelada, em primeira mão, no livro Quando voltar a Primavera, de Amélia Rodrigues (Espírito), psicografado por Divaldo Pereira Franco:

“Ergueu a cabeça a fim de quebrar a magia do instante e cravou os olhos nublados na figura diáfana e majestosa do Rabi...” (83)

A difícil experiência, quase silenciosa, de Ben Mordeckai chega aos nossos dias como mensagem de reflexão acerca das verdades do tempo. Cada criatura humana possui um código pessoal que foi obtido através do seu aprendizado nos inúmeros outros códigos que delineiam normas de conduta. Na revelação dos desencantos divulgados pelos meios de comunicação, não há por parte de muitos ouvintes uma reflexão acerca da gravidade dos fatos que abalam a estrutura emocional de quem por eles passa. (83) AMÉLIA RODRIGUES (Espírito) – in Quando voltar a Primavera,

p. 42 – 5ª edição – psicografado por Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – 1998 – Salvador – BA.

FERNANDO PINHEIRO - 174 Por estarem longe dessas notícias, parece que nada disso pode tocá-los. O que lhes interessa é saber que estão bem vestidos e com dinheiro no bolso para comprar tudo que lhes dá alegria de viver. Não se interessam em saber de sua realidade mais profunda, onde seus sonhos estão adormecidos pela aparência daquilo que pensam ser o melhor. Apenas os deleites do corpo lhes merecem atenção. Nem mesmo o impacto que a vida surpreende os desatentos, em situações iguais as suas, consegue despertá-los para outras dimensões. Assemelham-se a animais, com arreios, puxando carroças, enxergando apenas alguns passos à frente. Os desencantos servem-nos para esclarecer aquilo que precisa ser transformado, no propósito do acerto, com vistas a ampliar nosso entendimento da vida. Mas o que normalmente ainda se vê é o susto, o temor e a preocupação pelas situações que foram desfeitas pelas verdades do tempo. Num clima vicioso ainda se apegam àquilo que foi destruído. Parecem não perceber que o tempo, como os ventos da tempestade, renova todos os ambientes onde a respiração estava mergulhada no ar poluído. Ainda preferem respirar poluição porque as rajadas desses ventos batem fortes. Como é grande a divulgação dos desencantos por toda a parte onde transitamos e mesmo dentro de nossos lares, através do rádio e televisão, devemos desligar-nos da forma negativa como nos chegam e tirar proveito da lição para que tais ocorrências não venham a se concretizar diante de nossos olhos.

175 - JESUS, LUZ DO MUNDO

E, numa placidez meditativa, mentalizar os irmãos que serviram de provas difíceis, colocando todo o nosso amor do coração para que essa onda invisível viaje até eles, confortando-os e eliminando os miasmas mentais que lhes tiram a tranquilidade de viver. A verdade de que tudo se interliga, para recompor situações que espelham a beleza, tem conotações profundas que se espalham pelo tempo e espaço onde todos os nossos pensamentos podem fluir. Amemos os jovens embaraçados no confinamento, as crianças que assustadas nos pedem uma colaboração para viver, as moças que sentem necessidade de namorar e não encontram ninguém, os idosos que sentem saudades e os amores que nos amam. Transmutar os desencantos em alegria inefável, as lágrimas em sorrisos, a preocupação do futuro desconhecido pela certeza do nascer dos novos dias num clima em que plantamos a coragem de servir, sem sermos vistos pela curiosidade alheia, leva-nos a recantos onde somente o pensamento cheio de amor pode chegar.

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MANHÃ EM JERUSALÉM Jesus wrote in the sand by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)

Um clima suave espalhava-se diante de uma pequena multidão reunida ao lado direito do templo. As vibrações amorosas de sua voz dulcificavam o coração de todos ali presentes como se fossem o prelúdio das sinfonias. O amor era pregado na beleza original que se revelava num olhar doce e brando que, num primeiro contato, parecia ser de uma criança e, num instante mais profundo, na atitude dos grandes profetas.

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Apenas em sua placidez meditativa já conseguia reunir, em grupo homogêneo, todos que estavam presentes à sua volta. O amor se espalha como aroma de lavanda campesina, envolvendo tudo ao redor. Mas, numa radiosa manhã em Jerusalém, esse manto diáfano de vibrações foi rasgado pela precipitação de outro grupo de pessoas que se dirigira em direção de Jesus e seus discípulos. A pequena multidão que o ouvira antes, vendo o tumulto que vinha à sua frente, aos poucos foi se dispersando. Uma jovem mulher ia à frente, fugindo à fúria implacável de seus acusadores e carrascos. O grupo, que a empurrava era impiedoso e perverso, não tivera oportunidade de ouvir as palavras que descortinam os panoramas íntimos de comovente beleza. Quem sabe se tivesse chegado ali uma hora antes tudo seria diferente? Os escribas e fariseus apresentaram a Jesus a mulher de vestes esfarrapadas e perguntaram-lhe a sua opinião a respeito da acusação de que ela era vítima. Um silêncio se fez presente. O clima ficou mergulhado na expectativa. Um instante depois, a resposta veio revestida de misericórdia, alicerce onde se estrutura todo Evangelho de Jesus, com ressonância aos dias atuais. O Mestre olhou de relance a mulher ultrajada e, inclinando-se, sensibilizado, escreveu na areia traços de desenhos que lhes despertassem a atenção.

FERNANDO PINHEIRO - 178

(84) ۀژچ۴یۀگکڤژچپئصشرذجثةب

A resposta imediata do Mestre criaria embaraços naqueles que cultuavam a aspereza da lei de Moisés que determinara pena de morte à mulher adúltera. Era, de certa forma, a lei do talião, não obstante César atribuir a Roma o direito sobre a vida de seus súditos. A Palestina, como sabemos, estava naquela época sob o domínio do império romano. Era época de celebração de data importante no calendário judeu. As festas das tendas criavam uma disposição coletiva à tolerância. Eram dias em que se comemoravam a saída do Egito, a passagem pelo deserto onde se abrigavam sob tendas e a chegada triunfal à terra prometida. Justamente nesse clima totalmente favorável, os ensinamentos do amor, testados numa das provas mais difíceis, seriam revelados como mensagens inesquecíveis. Como houve insistência do grupo, a resposta veio clara e cristalina como as águas que se derramam das fontes: “aquele que dentre vós está sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma primeira pedra...” (85)

(84) Letras do idioma árabe, apresentadas para ilustração do texto,

não têm conotação alguma com os traços na areia escritos por Jesus.

(85) JOÃO, 8:7

179 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Relata ainda o evangelista João: “quando ouviram isto, foram-se retirando um a um, a começar pelos mais velhos”, até que ficou só Jesus e a mulher no meio onde estava. Depois da saída de todos, pôde o Mestre fitar os olhos aliviados da mulher considerada adúltera pelos acusadores, e disse em tom mergulhado em melodia de ternura: “mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” “Respondeu ela, ninguém, Senhor. Disse Jesus: Nem eu também te condeno. Vai e não peques mais.” (86)

A respeito da pena de talião, vejamos a opinião do eminente jurista Luís Ivani de Amorim Araújo (1923/2007), professor de Direito Internacional da UNICAN – Universidade Cândido Mendes, a quem, nos idos de 1995, sucedemos no cargo de presidente da Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil:

“O Jus Talionis foi, não há a negar, consequência do descomedimento de vingança privada. No talionar alguém surge equivalência entre o dano e a reação.

5. Os costumes evoluem e o talião é substituído por uma indenização paga à vítima ou aos seus familiares.” (87)

(86) JOÃO, 8: 9 a 11

(87) LUÍS IVANI DE AMORIM ARAÚJO – in Do Julgamento e da Pena nos Sistemas Jurídicos da Antiguidade, p. 5 – BVZ Edições Comércio e Representações – 1993 – Rio de Janeiro – RJ.

FERNANDO PINHEIRO - 180 Outro jurista de renome, Aliomar Baleeiro, no estilo em que sobressai amenidade e leveza, se expressa:

“Os bons Códigos não matam, nem paralisam o Direito, não o esterilizam nem ancilosam. Nascem e crescem em ramos e brotos novos, como as árvores sadias em cada primavera.” (88)

O assunto evangélico versa sobre a mulher adúltera. Com a evolução dos costumes, hoje o adultério não é mais crime. Assistimos ao surgimento de um novo relacionamento de casais – casamento branco – destituído de união estável, onde se caracteriza a falta de realização de um acervo comum, mútua assistência, e afectio maritalis. Para muitos, sexo e amizade, ou amizade colorida. As madrugadas de lua cheia são encantadoras. Orvalhos de prata são derramados numa luz suave. O clima de ternura envolve-nos numa doce magia. Mas, nos primeiros raios do sol, vemos desvanecer a luz suave da lua com os ruídos das pessoas que buscam o trabalho nos lugares onde passam várias horas seguidas. Depois, à noite sentem necessidade de voltar ao lar, onde a vida afetiva as espera para recompor carências e ampliar horizontes já plenamente ocupados pelos sentimentos de amor. (88) ALIOMAR BALEEIRO – in Revista Forense 181/9 – Apud Discurso

proferido pelo ministro Xavier de Albuquerque, em 21/maio/1975, no Supremo Tribunal Federal, publicado sob o título “Aliomar de Andrade Baleeiro”, p. 27, pelo STF – Departamento de Imprensa Nacional – 1975 – Brasília – DF. – Francisco Manoel Xavier de Albuquerque, advogado do Banco do Brasil (1952 a 1972), presidente do Supremo Tribunal Federal (16/2/1981 a 21/2/1983).

181 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Sugestões de encantos enlaçam-nos de mil modos. A mulher é sempre a mensageira da vida. O poder de sedução que ela possui é superior às armas dos guerreiros que conquistaram espaços no campo social e político. Basta um olhar, um sorriso, um jeito no andar e sacudir os cabelos, os meneios de seios para comover quem a aprecia. O convite ao amor, que a mulher inspira, vem suave como a luz das madrugadas de lua cheia. Nos sonhos cor-de-rosa, vê alguém que lhe possa valorizar a sua alma humana e inquieta que precisa se acalmar para perceber a influência do plano mais sutil onde mora a beleza. Assim como a rosa foi criada para espalhar perfume, o corpo feminino leva-nos a emoções onde o coração vai à frente. Seria pequenino demais limitá-lo apenas às sensações dos sentidos. A energia dos sentimentos sublimados ultrapassa fronteiras que limitam os espaços físicos. O amor percorre o mundo em núpcias dançantes, renascendo as flores que se multiplicam em florestas, aumentando a população de nações e mundos desconhecidos. No céu bilhões de olhos iluminados fazem a festa das galáxias em fenômenos indescritíveis. Sem perceberem o movimento que distribui a beleza dos planos mais sutis, os casais que levam a vida em comum longe do amor – casamento branco – vão sentir algum dia, em algum lugar, a vontade de amar. Sabemos que há beleza inefável que vem das esferas resplandecentes como o sol que se reflete na lua derramando orvalhos de prata e na harmonia sincronizada

FERNANDO PINHEIRO - 182 dos anéis de Saturno com dezoito luas conhecidas a iluminar aquele planeta em noites alaranjadas, azuladas, cores de poente e das madrugadas que anunciam uma luz maior. Quando sentimos as sugestões que embelezam a vida, ficamos mergulhados no Universo como a gota de orvalho que cai no oceano sem a necessidade de aparecer porque o importante é o fluxo das energias que a movimenta. Ciclo de mudanças é normal num mundo que se desgasta em experiências devastadoras. A degradação social ganha espaços quando não há atenção para a harmonia que vem da natureza. Com receio de encarar a realidade que o infelicita, o homem busca evasivas e fugas que o iludem em momentos passageiros. A falácia de uma posição social, passageira nos valores que se alteram, não é aceita em nenhum instante. A ilusão lhe traz um prazer mórbido, com reflexos em doenças e sofrimentos. No clima anunciado em cartazes e propaganda que estimulam os usuários a práticas consideradas aceitáveis, todas as camadas sociais sofrem-lhe o assédio. O fumo, o álcool, a droga, o sexo em desalinho, que aviltam a dignidade humana, se movem nesses espaços. Quando os adolescentes despertam para a vida conjugal encontram o meio infestado de vícios e distorções que lhes dificultam a escolha de uma companheira que ainda não se contaminou. Nesse aprendizado difícil, a valorização daquilo que há de vir, tem um sentido amplo de grandeza que somente quem passou por isso sabe o quanto é grandioso.

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28

TABOR Vision: Transfiguration of Christ by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)

Os evangelistas Mateus, Marcos e Lucas descrevem a cena em que Jesus fala com os “mortos”, no monte Tabor. Reproduzimos, a seguir, o texto do evangelista Lucas:

“Cerca de oito dias depois destas palavras, tomou consigo a Pedro, João e Tiago e subiu ao monte a fim de orar. Estando ele orando, transfigurou-se a aparência do seu rosto, e suas vestes ficaram brancas e resplandecentes. Estavam falando com ele dois homens, Moisés e Elias, os quais apareceram em glória, e falavam da sua morte, a qual havia de cumprir-se em Jerusalém. Pedro e os que estavam com ele estavam carregados de sono, mas quando despertaram, viram a sua glória e

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aqueles dois homens que estavam com ele. Quando estes se apartavam dele, disse Pedro a Jesus: Mestre, bom é que estejamos aqui. Façamos três tendas, uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias. Ele não sabia o que estava dizendo.

Enquanto ele dizia isto, veio uma nuvem e os cobriu com a sua sombra e, entrando eles na nuvem, temeram. Saiu da nuvem uma voz que dizia: Este é o meu amado Filho; a ele ouvi. Tendo soado aquela voz, Jesus se achou só. Eles se calaram, e por aqueles dias não contaram a ninguém nada do que tinham visto.” (89)

A obra A Sarça Ardente, de Fernando Pinheiro, que aborda o comportamento humano (notadamente os liames afetivos) e a espiritualidade, traz um comentário a respeito:

“A revelação espiritual é destinada a todos, independente de convicção religiosa, classe social ou condicionamento de situações adversas.

A comunicação espiritual foi autorizada pelo Inigualável Galileu quando subiu o monte Tabor. O fenômeno de rara beleza mereceu a contribuição de Moisés que, na época em que se cobriu da roupagem carnal, proibira o comércio nefasto das informações espirituais.” (90)

(89) LUCAS, 9:28 a 36

(90) FERNANDO PINHEIRO – in A Sarça Ardente, p. 61 – Folha Carioca – 1988 – Rio de Janeiro – RJ – Prêmio Nacional de Livros Publicados concedido pela AICLAF – RJ.

185 - JESUS, LUZ DO MUNDO

“A transfiguração do Mestre amado é apreciada

pelas religiões como o ponto culminante de ascese espiritual de que se tem notícia.

(...) Somente aqueles que já possuíam a mediunidade

santificada pelo amor puderam presenciar o diálogo que Jesus manteve com os chamados mortos, veneráveis pais da raça judia, Moisés e Elias.

Até quando o planeta terá difamadores condenando o exemplo e a aprovação da comunicação dos espíritos revelada pelo conhecedor de todas as causas?

Quem poderá deter o pensamento que sai do espírito, tanto na esfera espiritual, onde se encontra livre, ou preso pelas vibrações reduzidíssimas da matéria carnal?

(...) Quando o homem colocar amor em seu coração,

verá que os fenômenos contidos na Natureza são sábios de uma sabedoria superior à sua e não haverá mais razão para menosprezar o que está à sua volta.” (91)

(91) FERNANDO PINHEIRO – in A Sarça Ardente, p. 61 – Idem, idem.

FERNANDO PINHEIRO - 186 Com as palavras “devemos redescobrir o profundo misticismo contido na simplicidade desta oração, cara à tradição popular”, (92) o Papa João Paulo II, ao completar 24 anos de pontificado, assinou, em 16/10/2002, a carta apostólica Rosarium Virginis Mariæ em que expõe as mudanças no rosário. Dentre os mistérios de luz (eventos), incluídos no documento, figura a transfiguração de Jesus. O fenômeno de beleza espiritual em que se desdobra a cena do Tabor vivida por Jesus, Moisés e Elias, acompanhados de alguns discípulos, põe fim a interdição que proibira o intercâmbio com os chamados “mortos”. O próprio autor da interdição, Moisés, viera, em corpo espiritual, revogá-la. Jesus preside a solenidade em que é sugerido pelos apóstolos fazer três tendas: “uma para ele, uma para Moisés e outra para Elias”. Antes da prece de agradecimento ao Senhor Jesus, ao final da palestra em torno da Depressão, realizada na UERJ, em agosto/2003, onde se concentrou uma multidão de pessoas, o renomado tribuno Divaldo Pereira Franco, na visão kardecista, destacou os benefícios salutares que advém da comunicação com os espíritos de luz, e concluiu: “No monte Tabor ocorreu a primeira sessão espírita”. (93)

(92) Jornal O Globo, Caderno O Mundo – p. 35 – edição de 17 de

outubro de 2002.

(93) DIVALDO PEREIRA FRANCO – in Palestra proferida, em 8/8/2003, na Concha Acústica da UERJ – Rio de Janeiro – RJ.

187 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Com poder evocativo às passagens bíblicas e às belas imagens da natureza, o poeta Fagundes Varela, no Canto IV, do poema Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, narra a cena do Monte Tabor: “A lua desvendada, e mais formosa Do que o nácar marinho, o céu percorre, Como um cisne alvejante em manso lago. Sobre o tapiz da relva, sonolentos, Os companheiros de Jesus descansam; A poucos passos, entre verdes balsas, Ora e medita o Mestre. Longas horas De silêncio e terror sobre eles passam.

– Irmãos, diz um, baixinho, – por ventura, Dorme o Senhor? – Talvez, outro responde. – Vejamos, fala Pedro, os outros chama, Erguem-se e cautelosos se aproximam Do perfumado, verdejante abrigo: Mas, ofuscados param, débil grito Em seus lábios fenece; apavorados, Uns contra os outros cerram-se, tremendo... Que viva luz feriu-lhes as retinas? Que flamejante gládio ergueu-se à frente Dos servos do Senhor? Que ferro em brasa Lhes roçou pelas carnes? Pobres seres! É que o meigo Jesus, o lhano amigo, O modesto e singelo companheiro, Pela primeira vez se revelava Em toda a glória da divina essência!... Oh! não há duvidar! É ele o Cristo! Mas seu corpo, seu rosto, os belos olhos, O sorriso, a expressão, não são terrestres! Da humanidade o sangue não anima Aquelas formas lúcidas, etéreas,

FERNANDO PINHEIRO - 188

Onde a celeste perfeição fulgura, Não à corpórea vista, mas à vista Sublime da razão!... Loucos poetas! De límpido cristal, de neve fúlgida, À luz do sol nascente refletindo As pompas mil do primitivo mundo, Diríeis as brilhantes vestimentas; Diríeis, das mais nítidas estrelas, Nos primores do íris, semeadas, O resplendor da fronte augusta! Fontes de luz, auroras do infinito, Oceanos de graças inefáveis, Seus olhares diríeis!... Vãs palavras! Frias imagens de precário sonho! Afadigoso esforço!... Aves da terra, Águias das brenhas, rasgareis o espaço, E o sol contemplareis na imensidade; Copiareis do prisma as lindas cores; Da aurora boreal a refulgência A vossos quadros passareis; dos astros Dareis a claridade a vossas obras... Mas a grandeza do Senhor... Loucura!... – Aos pés do Senhor, em áurea nuvem, Mais leda que o arrebol da madrugada Os páramos polares clareando, À dextra, humilde e majestoso a um tempo, O nobre vulto de Moisés descansa, Como outrora no cimo da montanha, Sobre as tábuas da lei, ouvindo o Eterno; À sinistra, o colosso dos profetas, O espanto de Israel, grave e severo, Como em seu ígneo carro triunfante,

189 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Repousa o ilustre e venerando Elias!... Uma luz implacável tudo envolve. Qual imenso bulcão, em cujo bojo Ruge e circula a férvida matéria Donde procede o raio, a terra treme, E funda, e surdamente, brama e ronca! – O espírito de Deus abala o espaço.

XXVIII

Os companheiros de Jesus recuam, Voltam os olhos, nada mais enxergam! Possuídos de medo, e refletindo Que a cegueira os tocara, ao chão se arrojam, E nas úmidas mãos o rosto ocultam. Quais infantes que sonham, quais enfermos Cujo cérebro vário a febre escalda, Soltam palavras ermas de sentido, Assim falam na relva debruçados: – Senhor! Senhor! contigo ficaremos! Exclama o velho Pedro, – cumpre agora

Levantarmos três tendas que protejam A vós, a Elias e a Moisés!... Apenas Estas estultas expressões dissera, Que uma voz medonha se desdobra Tudo envolvendo no trevoso seio, E da nuvem terrífica rebenta Um brado atroador: – Este é meu Filho Amado e predileto, hei posto n´Ele Toda a minha infinita complacência!...

– Erguem-se então os trêmulos amigos:

FERNANDO PINHEIRO - 190

Mas Jesus está só, e tudo é findo.” (94) Nos versos de Fagundes Varela, revelando poder evocativo às passagens evangélicas, vale meditar na beleza transcendente que veio da oração de Jesus, no monte Tabor:

“À luz do sol nascente refletindo As pompas mil do primitivo mundo, Diríeis as brilhantes vestimentas; Diríeis, das mais nítidas estrelas, Nos primores do íris, semeadas, O resplendor da fronte augusta! Fontes de luz, auroras do infinito, Oceanos de graças inefáveis, ” (95)

(94 e 95) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto III – Capítulo XXXI, XXXII – pp. 110, 111 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

191 - JESUS, LUZ DO MUNDO

29

LÁZARO Picture: Raising Lazarus by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)

A ansiedade tomara conta daqueles corações. Havia sempre a indagação do motivo por que ele se demorava tanto a atender ao pedido dos amigos. O mensageiro voltou sem ele, apenas confiante na expressão de seu rosto sereno e tranquilo. Dois dias após o comunicado do convite, o Mestre demandou à Betânia, próximo a Jerusalém, onde Lázaro estava inumado. Quando ele chegou, Marta e Maria, as irmãs de Lázaro, aflitas, lamentaram-se, em copioso pranto, da ausência de Jesus, aludindo que se ele lá estivesse o fato não teria ocorrido.

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O Mestre consolou-as dizendo que Lázaro apenas dormia e logo despertaria. A letargia era de longo porte, passados quatro dias sem qualquer sinal de vida aparente. Fez-se uma pausa. Marta, sempre ocupada nos afazeres domésticos, agora recebendo as condolências de parentes das cidades vizinhas, voltou à presença do Mestre. Reunidos todos os familiares, Jesus disse-lhes que se cressem, veriam a glória de Deus. No momento de uma pausa à reflexão da gravidade do acontecimento, o Mestre se dispõe a um gesto de meditação e expressou: “Pai, graças te dou porque me ouviste. Eu sei que sempre me ouves, mas eu disse isso por causa da multidão que me rodeia, para que creiam que tu me enviaste”. (96)

A seguir, volvendo o olhar para Lázaro, na arca mortuária, disse: “levanta-te e anda”. Impulsionado pelo magnetismo salutar, Lázaro desataviou-se das ataduras que cingiam seu corpo, começou a andar, em obediência às palavras recebidas. Diante dos fatos consumados, permaneceram na memória de todos ali presentes as palavras pronunciadas por Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá”. (97) (96 e 97) LUCAS, 11:41 e 42

193 - JESUS, LUZ DO MUNDO

A versão poética de Fagundes Varela, inspirada na Bíblia, narra os acontecimentos em Betânia, onde Lázaro dormia e não sonhava: “Ora, depois dos fatos mencionados No último serão, fatos sublimes Que eternos viverão no pensamento Das gerações remidas no batismo, Perseguido o Senhor pelos tiranos Retira-se a Betânia, aldeia humilde, Onde Marta e Maria aflitas choram Junto do pobre irmão, Lázaro, enfermo, Do mal terrível que tomou seu nome. Sabendo que Jesus próximo estava, Mandam logo avisar-lhe as infelizes: – Teu amigo perece, vem salvá-lo! Amava Cristo o cândido mancebo. Sócio de infância, ingênuo companheiro De seus belos serões da mocidade. Se, Mestre, havia eleito outros discípulos Para a grande missão, nos seios d´alma A lembrança de Lázaro guardava Como um favo de mel, como um perfume, Ou como um talismã que o viandante Guarda zeloso em ásperos desertos.

(...)

Já quatro dias decorridos haviam Que Lázaro cerrara os olhos baços, Quando Jesus chegou. Cheia inda estava A pobre habitação fechada e muda De lembranças do morto: o frio leito Inda guardava as formas de seu corpo,

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Inda tingia as velhas coberturas O sangue dos tumores lacerados. As sandálias no chão, no canto as roupas, O nodoso bordão, e os utensílios Do trabalho usual no mesmo banco, Onde os deixara à noite derradeira, Tudo falava do infeliz mancebo!

V

Como o clarão de solitária estrela Entre os feios bulcões da tempestade Consola os transviados navegantes Na vastidão dos mares ominosos O doce aspecto do divino Mestre Reanimou as decaídas frontes Das lacrimosas, pálidas mulheres. – Ah! se aqui fôras, dizem suspirando, Não fenecera nosso irmão tão cedo, Teu amigo, Senhor! Mas tudo podes, O que a teu Pai pedires será feito! –

– Não vos entristeçais, – respondeu Cristo, Ele há de ressurgir. – No fim dos tempos, No dia horrendo do juízo eterno, Meu Deus, eu bem o sei! – Maria exclama. – Sou a ressurreição, a excelsa glória, Prossegue o Salvador, – fonte da vida,

Quem ouve minha voz, sepulto, embora, Triunfará da morte; o que respira, E sente, e pensa, e crê, durma tranquilo, Jamais perecerá! – Onde puseste O frio corpo desse pobre amigo? –

– Vem, e verás, responde a ingênua Marta. Depois, chamando a irmã silenciosa,

195 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Guia o Senhor ao túmulo de Lázaro, Negro jazigo entre rochedos fundos.

V

Nas nuvens inflamadas do Ocidente Mergulha-se o sol, – quente era a terra, E os píncaros dos montes escabrosos, E as grimpas dos salgueiros e ciprestes, Ao purpúreo clarão do céu do estio Pareciam de sangue borrifados. Um longínquo trovão, rouco, sinistro, Tredo como o bramir das grandes onças Nas amplas furnas de fragosas serras, Soava nas extremas do horizonte. Nem uma leve aragem pelos campos! Nem o piar de um pássaro nas frondes Dos bastos olivais! Nem o balido De uma ovelha medrosa nos outeiros!... Então Marta parou mostrando a gruta Onde jazia o irmão: – Eis o sepulcro, Senhor, de vosso amigo! – Ardente pranto Corria-lhe dos olhos; – Arredada, Maria soluçava entre os arbustos. Bem no fundo da lapa cavernosa, Frio abrigo das aves agoureiras, Avultava entre lúgubres rochedos O túmulo de Lázaro. Na sombra, Como um gênio cativo, murmurava Oculto veio d´água; sobre a lousa Cruzava-se agitando as asas frouxas Um turbilhão de estriges e morcegos, Híbridos filhos dos trevosos antros, De lado a lado esverdeadas penhas,

FERNANDO PINHEIRO - 196

Broncos pedaços de granito escuro Alongava-se, rudes, como os dorsos De feios crocodilos que guardassem Furna de pavorosos malefícios.

VII

Porém, a vasta cúpula celeste Momentos antes abrasada forja, De pesada caligem se cobria; Rijas lufadas dos raivosos ventos Sibilavam das bandas do Mar-Morto, Despindo os arvoredos seculares, Nuvens de areia erguendo pelo espaço. Deteve-se Jesus, volveu os olhos Para a grosseira pedra que encerrava Quem tanto amara neste ingrato mundo; Abaixou, suspirando, a fronte augusta, Inclinou-se e chorou. – Surpreendidos, Viram correr seus fátuos companheiros No belo rosto as lágrimas divinas. Pérolas do sacrário da amizade, Que no reino dos céus, fúlgidas brilham Na coroa imortal do pobre Lázaro!

(...) – Vêde o quanto o prezava o grande Mestre! – O povo murmurou. – Erguei a lousa! Erguei a lousa que seus restos cobre! – Ordena o Senhor aos circunstantes. Numerosos então, – erguei eu mando! – – Senhor!... já quatro dias decorreram Depois que faleceu, fétido cheiro, Cheiro de podridão exala o corpo, Talvez coberto de asquerosos vermes!

197 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Deixa que se consuma! – disse Marta. – Não duvides, mulher, a fé sincera, Abre do céu as portas luminosas! Eia, vós outros, levantai a lousa! – Com soberano gesto ordena o Mestre. Num volver d´olhos, a pesada pedra, Rangendo sobre as bordas do sepulcro, Descia ao chão da gruta funerária, E à luz vermelha de fumoso archote Que Maria acendera, muda, horrenda, Como a garganta de tartáreo monstro, Cheia de sangue e de polutas carnes, Mostrou a tumba escancaradas fauces!... A seu eterno Pai volveu-se Cristo Neste instante solene: – Padre, Padre Por me haveres ouvido eu te dou graças!... – Depois, erguendo a mão sobre o sepulcro, Essa mão invisível que aplacava As convulsões do mar, do céu as iras, Resoluto bradou: – Ergue-te, Lázaro! – Abalaram-se os rígidos penedos Com terrível fragor! O chão lodoso, Talvez movido por secreta chama, Tremendo se fendeu! Correu nos ares Uma listra de fogo, e à luz sulfúrea Que rápida aclarou a funda gruta, Viu a gente mover-se o branco espectro Do desgraçado moço de Betânia, Firmar as mãos nas bordas da jazida, Sacudir o sudário, abrir os olhos, E entrar de novo na mansão dos vivos!... Como negar a esplêndida verdade?

FERNANDO PINHEIRO - 198

Rejeitar o prodígio? O povo humilde Sentir passar o hálito do Eterno Por aqueles rochedos, prosternou-se Aos pés de Deus que os mortos animava, Bendisse a Cristo, a aurora do Evangelho.” (98)

Ao recordar o clima de aflição em que estavam mergulhadas as irmãs Marta e Maria, pensamos que a mudança do estado de vigília para o de sono letárgico preocupa muitas pessoas, até hoje em dia. O estado de coma é realmente preocupante. Nas horas da incerteza, o homem fica aflito, sem saber agir, de imediato. Ele vai aguardando os fatos esclarecedores que lhe clareiam a visão. Essa espera flutua na oscilação do seu equilíbrio, diminuindo sempre nos momentos em que oscila para a fase oculta. É preciso saber confiar nas leis do equilíbrio que nos envolvem como os ventos das montanhas suavizando os vales, como também os ventos que passam pelas flores trazendo o perfume. (98) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto VI – Capítulo III, IV, VII – pp. 188, 191, 194, 195, 196 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

199 – JESUS, LUZ DO MUNDO

Tudo se agita. A vida está presente em tudo. Desde os elementos microssômicos até os infinitos corpos celestes, há o júbilo do existir, sem interrupção alguma. Por que haveria o homem, que já vislumbra a sua realidade imortal, ficar detido diante dos acontecimentos que lhe servem de aprimoramento? A cada dia, vemos fatos alterando as condições de vida do homem. Parece dolorosa a perda de algo, mas terá a certeza de tudo que lhe convém? Isto somente é possível se houver uma ligação com os níveis superiores de consciência que são canais onde a sabedoria se manifesta explicando as causas. O segredo de viver bem é aceitar a vida em tudo aquilo que ela se nos apresenta. Agradável ou desagradável são circunstâncias que têm valor. Uma denota algo completo, a outra algo por completar. O nosso roteiro de vida é o fluxo dos acontecimentos que nos dizem respeito. Que adianta lutar contra a vida que elaboramos com os pensamentos! Quem pode deter o tempo que traz situações inexoráveis que teremos de passar? A revolta, a reclamação, comuns nos dias que vão ficando para trás, denota o desconhecimento daquilo que nos pertence, pois a vida nos responde aos apelos, nas situações exatas do que somos e temos conosco. Não adianta se revoltar contra os ventos que espalham o fogo, as águas das chuvas e dos rios que alagam cidades, povoados e vegetação. Se o homem tivesse o conhecimento da realidade da vida, não teria desencantos, simplesmente a aceitaria sem palavras de inconformação.

FERNANDO PINHEIRO - 200

Quando se critica o efeito, sem conhecer a causa, há uma perda de oportunidade de refazimento interior que seria capaz de mudar a situação aparentemente desagradável. Enquanto isso, o homem vagará, de obstáculo em obstáculo, à procura de sua riqueza maior, a única que lhe dá certeza de que não se afligirá diante dos fatos conturbados. Se o nascimento no plano físico é doloroso, o nascimento para o mundo interno é ainda maior, pois a ilusão das aparências o agarra com todos os tentáculos de um prazer que, mais tarde, reconhecerá fugaz, pois não estará mais em suas mãos, deixando nele traços de desolação. Diante de um clima de revolta e inconformação, deixado por pessoas que passam por nós, não devemos temer mal algum. As situações que criaram, num momento de descrença, são ondas se desmanchando em véus de espuma. Devemos agradecer tudo a Deus e muito cuidado com o que pedimos, pois os apelos puramente transitórios podem ser convertidos em situações que iremos, mais tarde, reclamar, pondo culpas no Governo, no vizinho ou nos amores que nos levam à paixão ou à decepção. Confiemos no nosso trabalho de ligação com os ideais superiores da vida, a fim de que, em pouco tempo, possamos apreciar nas montanhas as lutas dos caminhantes do vale.

201 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Surge a reflexão agora ou nunca. A agitação se expressa nas mudanças. A vontade de ver e sentir novos rumos vem forte como os ventos da tempestade. As coisas do passado se desgastam e se anulam diante das forças que surgem modificando caminhos. É a transmutação dos tempos – reflexos que se vestem de novas roupagens. A vida é sempre única, embora suas manifestações tenham uma variedade infinita de concepções. Risos e dores, ternura e aridez de sentimentos se misturam renovando paisagens íntimas. Quantas vezes, embalada pela emoções, a criatura humana aguarda e anseia aquilo que vem completar seus sonhos? Não lhe será surpresa a chegada da claridade que dissipará o orvalho das madrugadas. Mas o crescimento das formas e conteúdos necessita de um tempo adequado. Por mais sublimes que sejam os sonhos, sem a hora de chegada permanecem em suas nascentes sagradas. Este é o segredo dos sábios que se sacrificavam diante de multidão de pessoas ansiosas por mudanças imediatas, sem observar a perenidade dos ideais. O Monte das Oliveiras foi o cenário mais comovente do silêncio. A agitação humana crepita sem cessar, como se fosse um enxame de abelhas ao redor da flor. Todos querem se alimentar para produzirem o mel. É natural. Diante de tantas necessidades no campo do sentimento, o homem busca aproveitar a hora no meio da agitação coletiva que se espalha em todos os lugares.

FERNANDO PINHEIRO - 202

Não há tempo a perder, o momento é agora ou nunca. Quando surge a oportunidade para completar os planos de grandeza transcendental, ele coloca acima de tudo seus esforços sem medir sacrifícios. É por isso que vemos em muitos lugares as causas nobres defendidas por pessoas que passam influenciadas pela agitação humana. Mas, no íntimo, possuem a placidez dos oceanos em tempo de calmaria. Há uma atmosfera de convite pairando no ar. Quem pode ajudar esta humanidade ameaçada pela destruição de valores? Os ensinamentos das religiões nascidas do amor são importantes. O convite é coletivo. Todos podem entrar na luta de recomposição daquilo que está sendo destruído: os rios, os mares, as matas, a camada solar e o próprio reino humano onde pessoas adquirem aspectos de animais selvagens. E o amor? As galáxias se movem em círculos matemáticos espalhando mundos que se agitam na beleza da forma e do conteúdo desconhecidos pelo homem. Há uma combinação de elementos que formam reinos infinitos que se interligam em escalas evolutivas atestando o crescimento da vida. Mas o homem, cego em sua cultura sem amor, não percebe a necessidade de se harmonizar com os outros reinos da Criação. Mesmo indo e voltando para refazer caminhos, ele necessita acompanhar, neste final de ciclo planetário, que se estende nos albores do século XXI, o ritmo que vem das estrelas, sentido pela mulher hemorroíssa ao

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tocar a túnica inconsútil e pelo próprio Lázaro, adormecido nas amarras mumificadas, depois acordado, a fim de entender a realidade transcendente que a todos envolve. Permaneçamos sempre atentos à mensagem inspiradora do amor revelado por Jesus, a fim de que possamos ter vida, além da vida perecível da matéria, cheia de irradiações luminosas que possam iluminar os passos daqueles que nos pedem ajuda.

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A MOEDA DE CÉSAR

O Canto VI da obra Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varella, elucida a questão monetária: “E ensinando a brandura e a caridade, O Salvador caminha entre verdugos!

– Mestre, consulta um saduceu, conheço Que és sábio, verdadeiro, pio e reto. Que da virtude desbravais as trilhas Sem calcular futuras consequências; Dizei-me: – é justo que pague a César O tributo exigido? – Ora, pensava O fariseu astuto, ei-lo vencido: Se assevera que não, ao rei ofende; Se assevera que sim, o povo irrita! – O Salvador sorriu, vendo a malícia Desta cruel proposta, – refalsada, Traidora como a faca de dois gumes.

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– Hipócrita! – exclamou, por me tentas? Deixa–me ver a moeda do tributo! – Então mostrou-lhe o pérfido um dinheiro Onde a efígie de César ressaltava. Jesus leu a inscrição e erguendo os olhos, Severo perguntou: – Quem representa Esta imagem que vejo? – César, Mestre. – – Pois bem, o que é de César, daí a César, E a Deus o que é de Deus! – Esta resposta Encheu de confusão quando a ouviram; Calou-se o fariseu. – Mas era o dia Do jogo vil da astúcia e da maldade.” (99)

Na praça pública havia um canteiro de rosas onde o perfume envolvia a todos os transeuntes. A pressa no caminhar não permitia que eles o desfrutassem. Sentiam algo renovador no ar e seguiam em busca de outros lugares, preocupados com os problemas materiais. Nas profecias, gravadas nos rolos sagrados do templo, estava escrito que o esperado Messias não discutirá em praça pública (“...Não contenderá, nem clamará.”) (100) Era costume daquela época, como nos tempos da Grécia pré-socrática, na ágora, os contendores falarem alto para ganharem a causa. (99) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto VI – Capítulo III, IV, VII – pp. 188, 191, 194, 195, 196 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

(100) ISAÍAS, 42:2

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Os ventos que sopravam o aroma das rosas se espalhavam pelas ruas, pelas casas e alcançavam sutilmente o palácio de Pilatos que ouvira falar das notícias de um homem que atraía a atenção do povo. Envolvido por íntimas inquietações que transpareciam nos gestos trêmulos e precipitados, na voz rouca e destoante, o representante de César chamou seus agentes secretos e os mandou à presença de Jesus. A ordem era taxativa: obter uma prova na qual o homem de Nazaré não seguia as leis e os costumes. Uma hora depois, no momento em que o Mestre amado estava na praça cercado de amigos e, confirmando a profecia de Isaías, ele sorriu pacificamente e permitiu que os agentes secretos participassem da reunião. Num silêncio que permitiu os mensageiros ficarem à vontade, Jesus ouviu pacientemente, e com bondade, as palavras deles: “Mestre, bem sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus, segundo a verdade. E não dás preferência a ninguém, porque não consideras a aparência dos homens.” (101)

Os olhos dos agentes secretos de Pilatos brilhavam à luz da manhã clara que se vestia de perfume das rosas. Na intimidade sentiam a vibração de paz que nunca tinham sentido antes. Os mercenários de César, embora negociando interesses que se converteriam em dinheiro, possuíam algum mérito, pois quem se aproxima de Jesus já recebe algo mais precioso que o aroma das flores das praças. (101) MATEUS, 22:16

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Então, eles satisfeitos por serem acolhidos, acrescentaram: “dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar tributo a César, ou não?”

O divino Amigo, percebendo o que se passava além das aparências e atraindo-os ao seu reino de amor, disse-lhes: “mostrai-me a moeda do tributo.”

Nas mãos dos fariseus estavam reluzindo um denário, moeda de prata de meia polegada de diâmetro, sobressaindo uma figura humana coroada de louros, circunscrita com a legenda: Tiberius Cæsar. Jesus, perguntou-lhes: “De quem é esta efígie e inscrição? Responderam-lhe: De César.” O Mestre, reinando no clima de confiança que envolvia a todos, falou amorosamente, mas com energia na voz: “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”

Na transitoriedade de todas as coisas, buscamos aquilo que irá permanecer como lição. Tudo passa, os costumes de hoje que irão se modificar nas exigências de novos tempos, situações de instabilidade nas áreas pessoais, coletivas e até mesmo planetárias. No momento em que se fala tanto em dinheiro, numa agitação como nunca antes, o destino de um povo leva-nos a refletir sobre suas necessidades, pois vemos ainda a grande maioria das criaturas humanas ter uma preocupação descabida acerca dos problemas materiais.

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Quando vemos pessoas aflitas e inconformadas diante da realidade que lhes tirou alguns sonhos de consumo, emitimos pensamentos que possam lhes ajudar a encontrar forças para viver. Vêm-nos a idéia que cria fulgurações de beleza imperecível. Onde está o amor, o arco-íris, o perfume da flor, o beijo, a ternura da mulher, o sorriso da criança? Todos nós estamos envolvidos com as oportunidades que nos possibilitam sorrir, distribuir ânimo e esperança àqueles que, no momento, estão muito preocupados com o destino de suas economias e aquisição de bens de consumo. Como tudo se interliga, a experiência deles vem enriquecer a nossa existência, assim como o soluço de uma criança entre os familiares e o suspiro de quem passou pelo perigo junto àqueles que o acompanham. Ninguém está só como também nenhum povo está entregue ao acaso. Há forças mentais de comunidades inteiras vibrando para que o clima de renovação se mantenha sobre aquilo que precisa ser renovado. Aliás, as forças vivas que se espalham na natureza, como as chuvas, os rios, as tempestades e os alvoreceres de luz, seguem subordinadas às condições que as fazem surgir. Assim são os homens, ligados aos interesses de sua evolução, andam por caminhos que mudam de paisagens, ora amenas ora um pouco menos do que foram antes, mas todas importantes. Sem esquecermos do valor do dinheiro que mantém a nossa existência física, cultivemos os recursos que nos dão a estabilidade emocional.

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NOS CAMINHOS DE JERICÓ

Jerusalém estava no roteiro de viagem. A manhã veio festiva em luz e cor. Os participantes das reuniões de estudo tinham pressa em relatar ao Mestre o fato ocorrido. Todos comungavam a mesma ideia. Sentado à beira de uma árvore, nos caminhos que serpenteavam as vizinhanças de Jericó, o Mestre estava olhando as folhas caindo empurradas pelo vento em trajetória que ninguém poderia prever. Essas folhas têm muito a ver com os homens que seguem impulsionados pelas forças do destino que desconhecem.

FERNANDO PINHEIRO - 210 O Mestre acompanhava serenamente todos os gestos da natureza tão imperceptíveis pelos homens. Tudo tinha um valor grandioso: os ventos, as folhas, os homens, as forças que os impulsionam. No instante em que as folhas pararam diante de um pedacinho de arbusto, seus discípulos chegaram ansiosos para contar-lhe a novidade. À frente estava João: “Mestre, vimos um homem que em teu nome expulsava demônios, e nós lhe proibimos, porque não nos segue.” (102)

A vibração de zelo desfigurado, que saiu da mente dos discípulos, dispersava-se ao atingir o campo magnético em que estava envolvido o Mestre. Ainda ligado à lição de incomparável beleza que as folhas o despertavam, não quis alimentar a ideia de revolta dos seus discípulos. A ânsia deles era muito grande. Queriam uma resposta, de imediato. Sentindo o instante exato em que deveria se manifestar, Jesus disse: “Não lhe proibais. Ninguém há que faça milagre em meu nome, e logo a seguir possa falar mal de mim, pois quem não é contra nós, é por nós.” (103)

Houve um momento de silêncio, de efeito profundo. Os discípulos compreenderam que não havia razão para chamar a atenção de um estranho que estava semeando a boa semente em gestos que desconheciam. (102 e 103) MARCOS, 9:38

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A ânsia deles era muito grande. Queriam uma resposta, de imediato. Sentindo o instante exato em que deveria se manifestar, Jesus disse: “Não lhe proibais. Ninguém há que faça milagre em meu nome, e logo a seguir possa falar mal de mim, pois quem não é contra nós, é por nós.” (104)

Houve um momento de silêncio, de efeito profundo. Os discípulos compreenderam que não havia razão para chamar a atenção de um estranho que estava semeando a boa semente em gestos que desconheciam.

É preciso ter muito cuidado com as tarefas que nos são entregues pela vida, pois cada um possui um objetivo próprio sem ter a peculiaridade que trazemos conosco. É por isso que a diversidade dos dons do Senhor do Destino são múltiplos, tão grande quanto a escala evolutiva. A trajetória das criaturas humanas é sempre impulsionada pela vontade divina que estabelece as condições peculiares para que os movimentos em direção do destino, onde seguem, não deixem de parar. Por isso, vemos que tudo é vida, tudo está em movimento, tudo é manifestação de beleza comovente. Todos os gestos que nos chegam são apelos para que a emoção do existir não pare. Se há colaboração voltada no bem em comum, não devemos ficar detidos demoradamente analisando as razões por que está sendo realizada, pois o tempo corre rápido como os ventos soltos à distância. (104) MARCOS, 9:39 e 40

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O DISCURSO PROFÉTICO

Em frente do templo de Salomão, num ardente entardecer de Nisan, (105) estavam reunidos os discípulos ao redor do Mestre. Eles lhe mostraram as edificações imponentes onde a fé e a religiosidade eram representadas em cerimônias sagradas. Um olhar se projetou no futuro, estendendo cenas que se desenrolariam naqueles recintos, e a voz dele foi ouvida por todos: “em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derrubada”. (106)

(105) Mês do calendário judaico.

(106) MATEUS, 24:1 e 2.

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A respeito do cumprimento da profecia de Jesus, Amélia Rodrigues (Espírito) no livro Quando voltar a Primavera, psicografado por Divaldo Pereira Franco, comenta:

“Jerusalém foi destruída por Tito, que a sitiou com um vallum de oito quilômetros de comprimento, coberto de bastiões, e impiedosamente crucificou os sobreviventes, golpeando as mulheres, a quase todos matando de fome, no sítio dos cem dias, rasgando o véu do templo e, derrubando pedra sobre pedra, fez cumprir a profecia...” (107)

A caminho do Getsêmani, o silêncio se faz presente por alguns minutos e, em seguida, Jesus dá início ao comovente discurso profético de que nos falam os escritores da Boa Nova: “Que ninguém vos engane! ... Ficai vigilantes, a fim de que não sejais surpreendidos. O dia e a hora ninguém sabe, só o Pai, nem o Filho....” (108)

(107) AMÉLIA RODRIGUES – in Quando voltar a Primavera, p. 147 –

5ª edição, psicografado por Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – 1998 – Salvador – BA.

(108) MARCOS, 13:1-31 MATEUS, 24:1-51 LUCAS, 21:5-33

FERNANDO PINHEIRO - 214 Geração de vidas humanas que ainda não se libertou do ciclo de sofrimentos e dores, por ainda não entender a mensagem lúcida do Mestre Jesus, está tendo a última oportunidade para acompanhar a parcela da humanidade que aguarda as promessas evangélicas. A crise dos tempos atuais, que invade os lares, templos e organizações humanas, revela a fragilidade dos conceitos que se apoiam nos valores da transitoriedade. As palavras de Jesus eram pronunciadas com ternura e bondade para abafar a reação dos discípulos acerca dos acontecimentos futuros que se desenrolariam com a geração comprometida com as injunções do final dos ciclos do tempo, focalizada em duas alternativas: permanecer a fim de construir um mundo melhor, ou ir embora para nunca mais voltar para este hotel planetário que ganhará mais uma estrela. É dessa forma que hoje compreendemos o que seja a separação do joio e do trigo. É uma linguagem endereçada a alma humana. Com a saída dos responsáveis pela crise que estiveram à frente na disseminação da incerteza e dos desencantos, divulgados pelos meios de comunicação, teremos o primado da primavera dos poetas, da revelação dos compositores e artistas que enaltecem a natureza, a harmonia, o respeito pela vida. A composição harmoniosa das palavras de Jesus ganha uma entonação que lembram um conjunto de notas musicais ♪♫♫ soltas no ar (modulações na voz) – um aroma de perfume que o vento traz, a sensação do paraíso, o sonho de nossa alma revelado à luz do dia.

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O discurso profético prossegue em tom vibrante e comovedor: “quem estiver nos montes não volte à cidade e quem se encontrar nos telhados não desça – não haverá tempo.” A vibração harmoniosa da voz do profeta derrama no coração de cada um dos participantes o esclarecimento: “a grande tribulação se iniciará, levando de roldão as mazelas e misérias humanas... O sol se escurecerá, antes as sombras se levantarão da Terra e a lua se banhará de sangue...” (...) “Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão.”

A profecia está atualizada. A sombra que se levanta da Terra é a poluição ameaçando a camada de ozônio e a lua banhada de sangue é a destruição que está no plano mental dos conquistadores que espalham a guerra no espaço, nos desertos do Levante e do Afeganistão, e nas terras da antiga Mesopotâmia, de tradição bélica. A profecia tem seus ciclos. Numa civilização que busca, por caminhos estranhos, o amor que está a caminho, apenas ressoa em nosso ser o canto da profecia: “não ficará pedra sobre pedra”. E nos escombros, a nova humanidade buscará a consciência lógica de Deus para recompor o seu verdadeiro perfil, o seu verdadeiro caminho. Os regimes de força, que anulam os direitos naturais do homem, serão banidos em todos os sistemas sociais. A paz será conhecida em sua forma original como a pureza das águas das fontes.

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O amor será a essência primordial de que se nutrirá os habitantes da Terra e será doado, em pureza lirial, a todos e a todos os ambientes, em todas as horas, num tempo que não acabará nunca. Nesse tempo, o sexo terá uma dimensão maior. Hoje, à semelhança de crianças que ainda não aprenderam a andar, numa festa de aniversário, come-se apenas a cobertura sem provar do bolo. O sexo está na alma e não apenas no corpo. Esta será a descoberta da nova humanidade que se libertará do jugo milenar que as aparências impõem. Com a vibração luminosa do amor estendida por toda a superfície terrena, as camadas densas e escuras, que a envolvem, formadas pela poluição mental, serão extintas, assim como faz a vela acesa clareando o que antes era escuridão.

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GETSÊMANI Christ in the Gethsemane Garden, oil painting by Heinrich Ferdinand Hofmann (1824/1911) – The original is at the

Riverside Church – New York City

O poeta fluminense Fagundes Valela descreve a noite em Jerusalém:

“Jerusalém dormia. Entre os palácios, As riquezas dos príncipes romanos, As pontifícias galas, e a penúria, A vil degradação da ínfima plebe; Entre os vastos salões, as lautas mesas, Os belos camarins, os fôfos leitos, E os tugúrios fumosos, negros, frios, Os farrapos nojentos, as lareiras Apagadas; vazia ressonava A geração de escravos e mendigos, Em cujas veias circulava ainda O sangue dos austeros patriarcas!

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Jerusalém dormia. A raça impura, Que outrora livre e farta no deserto, Chorava pelo duro cativeiro Das regiões do Egito, e suspirosa Lembrava das ôlhas abundantes, E de amplas despensas e cozinhas Do grande faraó, – a raça estulta, Talvez feliz, em sonhos, se julgasse, Por partilhar os restos e as migalhas Que sobravam da orgia dos tiranos! Jerusalém dormia. A voz pausada E rouca das latinas sentinelas Nas muralhas de escura fortaleza, O pio das corujas agoureiras Nos velhos bastiões, os longes ecos Dos nefandos festins, de quando em quando O silêncio da noite interrompiam. Mas, nas habitações dos sacerdotes, Nos paços dos pontífices vaidosos, Estranho movimento anunciava Importante sucesso. As portas francas, Os pátios e saguões iluminados, Guardas dobradas, confusão de servos, Tudo, enfim, revelava que essa noite Era não de prazeres e folguedos, Mas de urgentes questões, graves negócios. (109)

(109) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto IX – Cap. II – pp. 284, 285, 286 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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A claridade de prata vinha do luar esplêndido e a brisa da noite, balançando as folhas dos ciprestes, trazia um afago no rosto adormecido de cada um dos seus discípulos. Naquele momento, Getsêmani era o centro das atenções dos espíritos que estavam na esfera espiritual, aguardando o desenrolar do martírio daquele que tem ascendência sobre todos que nascem da carne e, também, do espírito. O momento era de meditação e entrosamento com o Poder Maior que distribui todas as dádivas preciosas do Universo. A reflexão do futuro, naquelas horas de beleza espiritual, foi feita por Jesus com a mais perfeita visão dos acontecimentos que afligiriam a humanidade terrena. Narram as Escrituras que nenhum dos discípulos esteve presenciando o instante de solidão aparente do Mestre. Possivelmente, dormindo, viram em sonhos as cenas dramáticas que iriam afligir a humanidade. Os planos de evolução se ligam uns aos outros, como no sonho da escada de Jacó, subindo aos céus. Os abnegados semeadores da luz – que ajudam a humanidade a encontrar o caminho do reino celestial, identificados na Seara Espírita como o Parácleto, o Espírito Santo (designação genérica dos espíritos de luz), prometido por Jesus a Seus discípulos, designado, em outras áreas de elevado labor, como o Espírito Santo (designação da unidade da tríade divina) – estão acima das vibrações tumultuadas das paixões passageiras.

FERNANDO PINHEIRO - 220 Getsêmani é uma referência da realidade espiritual a que se reportaram os místicos cristãos e místicos não cristãos, ressaltando o exemplo daquele que nos ensinou como é importante a meditação acerca dos acontecimentos que nos dizem respeito. Desenvolver esse raciocínio, acompanhando a veracidade dos fatos que geram outros que se ligam entre si, é compreender a vida que nos rodeia. Três vezes ele voltou e três vezes ele os encontrou dormindo: “Dormis? Não pudestes vigiar sequer uma hora”, falou amorosamente. (110)

Getsêmani, naquela noite de lua cheia, era um cenário de quietude. Jesus, mergulhado na consciência cósmica, pressente os acontecimentos infelizes que se desenrolarão a partir do beijo de Judas, o amigo dissidente. Há uma tristeza pairando no ar, não por ele, pois quem ama sempre é feliz e vitorioso, mas por causa daqueles que não o acompanharam até o fim. Não é apenas o dissidente da causa nobre, mas a grande maioria dos homens daquela época e das futuras gerações em dificuldades para sair do mundo das ilusões e entrar no paraíso. (110) MATEUS, 26:36 a 56 LUCAS, 22:39 a 46

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Ele lançou um olhar compassivo à cidade que dormia e viu o Tiropeón, velha esplanada que conduzia à Porta Dourada, por onde entrou triunfante na cidade, ouvindo o coro das crianças; avistou o palácio do Sumo Sacerdote, e do outro lado o de Herodes, perto dos jardins do Gareb; a torre Antônia, o vale do Cedron e, mais além, a subida do Gólgota que se perdia na distância da noite fria. Um instante depois, seu olhar se espalhou pelas estrelas, onde certamente entre elas ele viera e apenas mencionou aos seus discípulos como as moradas do Pai. A madrugada veio vindo cercada de vibrações tumultuadas pelos vendedores de ilusão que ofereceram trinta moedas de prata a Judas em troca de favores junto ao Sumo Sacerdote. Dirigindo-se, pela última vez, aos seus discípulos, disse: “dormi agora e repousai; eis que é chegada a hora. O Filho do homem está sendo traído nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, eis que é chegado aquele que me trai”. Entre as oliveiras, um pequeno grupo, carregando archotes para iluminar o caminho, acercou-se de Jesus e, através de Judas, quis identificá-lo. O Mestre, adiantando-se, numa serena demonstração de coragem, simplicidade e nobreza, falou a todos os presentes: “saístes, como para um salteador, com espadas e varapaus para me prender? Todos os dias me assentava junto de vós, ensinando no templo e não me prendestes”. Concluindo, numa expressão de amor e sabedoria, lhes revelou que “tudo isto aconteceu para que se cumpram as escrituras dos profetas”.

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CAIFÁS

Na pena de ouro, forma emblemática, do poeta Fagundes Varela o ambiente pesado do Palácio do Sumo Sacerdote é descrito em versos: “Mas a inveja roaz, o ódio cego, Verdadeiros demônios, rebramaram Nos corações dos fariseus protervos; Todo o veneno da tartárea estância, Verteu Satan nas veias dos escribas, E no seio dos ímpios sacerdotes.

– Em que pensamos nós? dizem raivosos, Que deixemos em paz o Nazareno Pregar doutrinas, operar milagres, E seduzir a plebe inconciente?

O que é feito de nossa autoridade? Onde está nossa força? Por ventura, Seguindo a multidão que nos despreza, Iremos nós também beijar as plantas Do filho do mesquinho carpinteiro? Então, falou Caifás, hebreu soberbo, Pontífice arrogante, ergue–se e disse:

– Nada entendeis. Obrais como insensatos. Desconheceis as práticas dos sábios.

223 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Não refletis que a salvação do povo De sangrenta lição depende apenas? Que é necessário que pereça um homem? Que a nação abalada não sucumba? Que o tempo pede sangue, e a lei decreta Que neste caso se derrame sangue? – Disse... e no pensamento de seus sócios A morte do Senhor foi resolvida! Tinha profetado um dos algozes! Cumpria que sofresse o grande Mestre! Que esgotasse de um trago a taça negra Dos terrestres martírios! Que gemesse Ao peso imenso da maldade humana! Que beijasse, ferido, as duras pedras Daquele escuro chão, não pelo povo Ingrato de Israel, mas pelo mundo, Pelo porvir das gerações cativas! Pelo triunfo eterno da verdade!” (111)

No decorrer dos séculos, o homem sempre procurou ídolos que lhe servissem como protótipos de sua conduta. Havia nele uma necessidade de confirmar, junto aos seus mestres, as informações que lhe chegavam nas ondas da inspiração. Oriundas de um plano superior à matéria, submetidas a leis que incorporam a harmonia do Universo, não precisariam de averiguação para atestar sua veracidade. (111) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto VI – pp. 197, 198 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

FERNANDO PINHEIRO - 224 Nas esferas do sonho, o homem criou a mitologia, impregnada de deuses e ídolos superiores à sua condição humana. Nas áreas da realidade tangível, fez tronos, tribunas e pódios para personagens que se destacaram no mundo das ciências, artes e competições diversas. Temos que reconhecer a contribuição valiosa que muitos deixaram no progresso mundial. Mas, ao lado do trigo, muito joio cresceu de maneira vertiginosa. Daí, a cultura do medo deixada por ilustres personagens sociais que tinham poder de domínio na educação dos povos. A ética, que se alimenta dos códigos inspirados nas religiões e nas doutrinas do comportamento humano, sente-se abalada ante à realidade dos costumes de uma sociedade que busca novos rumos. O homem se esqueceu de pensar na sua realidade transcendente e transfere aos seus companheiros de luta todo o questionamento do seu viver. No passado, num recrudescimento do sentido religioso, o sacerdote tinha um papel maior, de confessor. Hoje, numa roupagem mais sofisticada, o psicanalista, o astrólogo e outros intérpretes de ciências ortodoxas e esotéricas são procurados, com bastante frequência, como se a resposta estivesse fora do alcance do consulente. É necessário que o homem pare de buscar aquilo que não lhe diz respeito. A moda atual é procurar os mais exóticos meios de se descobrir, através de terceiros. É o mesmo que alguém fosse a uma loja e pedisse um componente mecânico, sem saber para qual tipo de máquina é destinado.

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É claro que a ajuda de pessoa qualificada é sempre valiosa. Mas se o homem soubesse que dentro dele estão todas as respostas daquilo que deseja saber, sem dúvida seus passos teriam outra direção. É tão fácil o autoconhecimento. Basta se concentrar e deixar que sejam dissipados todos os pensamentos de preocupação da vida material. Depois, confiar nas leis do equilíbrio que estabelecem a igualdade das forças homogêneas, mantendo um clima de tranquilidade para aqueles que se encontram tranquilos. Nos estágios de crescimento espiritual, é concebível admitir-se a existência de ídolos que despertem os sonhos e as realizações de desejos infantis. Mas chegará um dia – qual criança que se torna adolescente – seus brinquedos serão abandonados. Todos os ensinamentos que visam o despertar da realidade imortal do homem têm um valor muito grande. Este é o trigo da parábola do amor-não-amado por aqueles que estão sufocados pelo joio de todas as informações que inspiram o medo. Se o homem soubesse, ainda, que a sua semelhança com o Criador é feita pela imortalidade da essência implantada em seu ser mais profundo, veria em tudo a vida resplandecer. Numa comparação análoga, a semente é o homem buscando ídolos, a árvore é o homem que já se identificou, dentro do mérito de seus atos, como filho do Universo. Sem dúvida, Caifás foi um ídolo que passou. No entanto, tem méritos porque teve a oportunidade de estar bem perto de Jesus. Nos segredos do Universo, “o incompleto será completo (Rabindranat Tagore)”, dentro de uma precisão de tempo que não nos cabe saber quando.

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DESOLAÇÃO

O fulgor reluzente da pena de ouro do poeta fluminense, Fagundes Varella, brilha, intensamente, na apreciação da presença de Jesus: “No palácio do sumo sacerdote, No formoso salão de alvas colunas, Onde os graves negócios se decidem Concernentes à lei, plácido e belo Como o sereno, cândido luzeiro Que precede a alvorada, entre os negrumes Precursores fatais da tempestade, Apareceu Jesus; firme e seguro, Radiante de graça e de inocência, Caminhou para o estrado, onde orgulhoso, Á sombra de um dossel de rubra seda, Em dourada cadeira pontifícia, Descansava Caifás. Fundo silêncio

227 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Reinava no sacrílego auditório. Caso intrincado, sério e não previsto Apresentou–se então ao pensamento Do príncipe cruel. Só competia Ao governo de Roma e seus prepostos Dar sentença de morte: a lei expressa Não deixava lugar a falso arbítrio. Que julgar? Que fazer? Forjar um crime, Revesti–lo de horrendas circunstâncias, O imputar ao Senhor! Cem testemunhas,

Malvadas umas, cobiçosas outras, Em auxílio dos ímpios acodiram. Mas, os pios varões, retos juízes, Pontífices ilustres, que buscavam

O justo condenar, – brandos agora, Por demais complacentes, despediam, Depois de convencidos da calúnia, Profanadores vis, monstros perjuros, Que zombavam de Deus e da justiça! Oh! cegueira da inveja! Oh! mal se cura, Entretanto, dois sáfios publicanos, Dois consócios de Judas, o precito, Dirigiram–se ao sumo sacerdote:

– Nós o ouvimos, Senhor, junto do templo Deste modo falar: – Tenho poderes Para arrasar o templo, se o quisesse, E depois em três dias, mais seguro Levantá–lo outra vez! – Nestas palavras, Era a ressurreição que anunciava O Redentor do mundo; era seu corpo O templo que das sombras mortuárias Feliz ressurgiria! – A feia intriga Silvava a sombra da verdade santa!

FERNANDO PINHEIRO - 228

Então disse Caifás: – o que respondes? Tu bem vês que te acusam. – Mas o Cristo Sacudiu a cabeça tristemente, Encarou, suspirando os delatores, E conservou–se mudo. Urgia o tempo. Convinha abreviar o atroz processo, Achar um vão pretexto, um qualquer meio, De consumar o infausto sacrifício. Retira–se Caifás. Desprotegido Ficou Jesus, sozinho exposto à sanha Do vulgacho grosseiro, e às zombarias Dos depravados, ímpios quadrilheiros.

VI O fúlgido clarão da estrela d´Alva

Derrama–se no espaço, a rósea aurora Pouco a pouco adelgaça o céu cinéreo Que flutua nas portas do Oriente; Áureos, fulvos listões, faixas purpúreas, Brancas, argênteas franjas, atravessam As regiões festivas, onde assoma Cada dia mais forte em seus domínios O rei das estações. No grande pátio Da casa de Caifás, sempre tristonho, Meditabundo sempre, Simão Pedro Vela perto do fogo; os ociosos Continuam as práticas estultas, Os soltados estiram-se rosnando Sobre as lájeas do chão; mas, uma escrava Que desce nesse instante ao peristilo, Pára, surpresa, atenta considera O pobre pescador: – Bem o conheço, Diz a vil criatura a seus parceiros,

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É este um dos amigos, e o mais velho Do mestre nazareno: – Oh! tal não digas! Exclama o Galileu amedrontado, Nunca lhe ouvi a voz, nem vi–lhe o rosto! – Porém, Malco ali estava, o servo Malco, A quem Pedro ferira. – Que! tu negas? Pois não eras no Horto? Não te lembras Que me cortaste a orelha? – acode o ímpio.

Estranhas cousas, lhe responde Pedro, Falsas proposições dizes, amigo; Não sei do que falas, nem do Mestre Que os sacerdotes julgam! – Como treme O pescador astuto! Companheiros, Informa um dos criados, muitas vezes Entrei no teu batel, estou bem certo;

Depois não mais o vi; por fim, nos campos, E nas praças o achei unido aos sócios Do filho de José. – Não é verdade! Exclama Simão Pedro! – Então, prodígio! A poucos passos, n´um sombrio canto Dos aposentos térreos do palácio, Bateu o galo fortemente as asas E a voz soltou vibrante e prolongada. Simão estremeceu, – volveu os olhos Para as altas janelas, e entre as grades Viu, ao frouxo clarão da triste aurora, A figura serena e graciosa De seu divino Mestre. A consciência, Abalada e ferida fundamente, Despertou as cansadas faculdades Do singelo discípulo; os remorsos Acerbos e pungentes, a vergonha

FERNANDO PINHEIRO - 230 De uma fraqueza quase que perfídia,

A lembrança da culpa, o horror da pena, Como agudos punhais dilaceraram O coração do mísero: os soluços Embargaram–lhe a voz, e quentes lágrimas, Lágrimas puras de alma arrependida, Orvalharam–lhe o rosto e as barbas brancas.” (112)

Em tudo havia desolação, menos em Jesus. Ao abandonar a audiência que presidia no Palácio do Sumo Sacerdote, Caifás deixou as sombras invadir o ambiente. Falta ao mundo de hoje e daquela época um sentido maior, algo assim como uma mágica beleza. Cada pessoa humana tem uma característica que realça o seu viver. Umas se fazem conhecidas pela bondade, outras pela energia do caráter quando a vida lhes coloca tarefas de orientar grupos sociais. E assim por diante, uma grande variedade de atributos caracteriza todas elas, umas diferentes de outras. Quando descobrimos as tendências fortes de nossa individualidade, que nos marca a passagem nos círculos sociais, vemos nos outros a repercussão que nos é devolvida, na intensidade em que as emitimos. (112) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto IX – Cap. V, pp. 290, 291, 292, 293, 294 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

231 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Sorrisos alegres e expressões de solidariedade são marcas indeléveis que registramos com grande emoção, pois nos estimulam a prosseguir na caminhada que buscamos. Tristezas e decepções alheias são manifestações daqueles que ainda não compreendem a extensão da mensagem de que somos portadores. Mas, nesses casos, entreguemos a Deus o cuidado que eles merecem, convictos de que um dia, assim como o sol nasce todos os dias, sentirão a luz interior a iluminar-lhes numa festa de júbilos. Tudo é alegria na Criação. Os pássaros são os portadores dessa alegria em trinados que repercutem nos lugares por onde passam. A expansão da harmonia, atestando a grandeza de tudo que nos envolve, chega a todos os seres nos mais distantes recantos onde se encontram. E por onde o homem vai, na cidade e no campo, em terra firme e em águas navegáveis ou, ainda, nos espaços a céu aberto, há a presença de algo superior à condição humana que lhe desperta um êxtase de contentamento, demonstrando que a vida é um incessante movimento de alegria. Esse movimento, mágica beleza, que nos cerca, atinge a todos em comunhão perene, embora haja ainda a relutância dos desalentados em aceitá-lo. Mas tudo tem a sua hora. Cada gesto nosso obedece ao mecanismo dos impulsos que nos chegam para completar as circunstâncias que nos são próprias.

FERNANDO PINHEIRO - 232 O passado, o presente e o futuro formam o destino, o tempo que nos cabe por direito natural dentro daquilo que vivemos. Entender o destino em apenas um tempo seria desconectá-lo das fases que se completam. Na compreensão dos desígnios superiores à nossa condição humana, temos, a cada instante, a oportunidade de reconhecer o momento precioso que a própria vida nos oferece. Os amores reconhecem seus laços de ternura e êxtase, os artistas os meios que os atraíram à arte, os operários anônimos a exclusividade do nome que pertence à marca, à fábrica e aos revendedores. Quanto tempo o homem gasta para se identificar com a sua vocação! Há muitos interesses em jogo. Nas áreas em que avista lacunas a serem preenchidas, o chamamento é inadiável, mesmo considerando que tem de se afastar dos campos que vinham sendo trabalhados com esmero. É nestes instantes que se vê a renúncia realçada em lugar de destaque, acima de todos os empreendimentos já realizados. E, como a luz, o homem que busca atingir a plenitude, tem de irradiar seus feitos em todas as direções.

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CLÁUDIA PRÓCULA Picture: Ecce Homo – Christ before Pilate by Antonio Ciseri

O sol vestia de claridade a manhã em Jerusalém. No pretório, Pôncio Pilatos caminhava, de um lado para outro, com as emoções em desalinho. Ouviam-se vozes e murmúrios que pediam a sua presença junto ao povo. (113)

(113) NOTA: A exemplo de Adonias Filho, imortal da Academia

Brasileira de Letras, que recontou obras estrangeiras célebres, o autor reconta o sonho de Cláudia Prócula do capítulo O Sonho de Prócula, constante do original da Vida de Jesus, de Plínio Salgado – 22ª edição – Editora Voz do Oeste – 1985 – São Paulo – SP – Acervo: Biblioteca Nacional.

FERNANDO PINHEIRO - 234 Em seus aposentos, Cláudia acorda com os olhos cheios de pavor. Mal consegue recompor suas vestes e sai à procura de Pilatos para relatar-lhe o que se passa em sua alma. Com a fisionomia assustada, chega à presença de seu esposo que continua caminhando, de um lado para outro, no imenso gabinete. Duas aflições se entrechocam. Olhares de indagação se cruzam ao mesmo tempo, acumulando o clima de tensão. Pilatos tomou uma das mãos da esposa e a observou tão pálida, com a respiração ofegante e completamente nervosa. Ele tentou desviar a atenção dela, fazendo referência sobre os atrativos de Roma, a cidade eterna, e a necessidade imperiosa de permanecer em Jerusalém, por vontade do imperador romano. Cláudia lhe disse que não era isto que a tornara triste. Estava preocupada com o sonho que tivera. Tomando fôlego, fez uma pausa e desabafou narrando o episódio, convertido em crime hediondo, que tinha a participação dos sacerdotes. Com o olhar de espanto, Pilatos continuou ouvindo Cláudia que lhe falava do sonho. Sobressaltada, contou-lhe que vira um grupo de pessoas dirigir-se ao encontro de Jesus, que estava em meditação, no Jardim das Oliveiras, o Getsêmani, e o viu sendo amarrado e conduzido ao palácio do pontífice. Cláudia revela que viu o sangue do inocente galileu ser manchado por seu marido e, num tom de súplica, falou gritando: tu és representante de Roma, “só tu tens direito de vida e de morte sobre os judeus, eu venho te pedir não sejas cúmplice desse crime.”

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Pilatos ouviu, comovido, a esposa falar e, consultando um magistrado que participava da reunião, perguntou-lhe sobre a veracidade de sonhos. A resposta dele foi alusiva ao sonho de Calpúrnia, mulher de Caio Júlio César, que previu a tragédia do assassinato do imperador. Pilatos retomou a palavra para concluir que se César atendesse ao sonho da esposa não teria ido ao Senado. O governador da Judéia, tentando acalmar Cláudia, disse-lhe que iria atendê-la, desde que não houvesse uma conspiração contra César. Quando ele acabara de expressar a sua promessa, um centurião da guarda pretoriana surgiu no pretório para comunicar que os sacerdotes trouxeram um réu para ser julgado no palácio. Cláudia dirigiu o olhar ao seu marido e disse-lhe que o sonho era uma revelação: o acusado, amarrado pelas mãos, que adentrava ao pórtico do palácio, era o mesmo homem com quem sonhara na noite anterior. Naquele instante, o vozerio do povo aumentou em coro em que se podia distinguir a súplica para que Pilatos aparecesse em público. No mesmo instante, o centurião romano disse-lhe que os juízes do Sinédrio, os sacerdotes e os fariseus negam-se a entrar no palácio. Na pintura Ecce Homo, de Antonio Ciseri, Pilatos, vestindo trajes brancos, apresenta Jesus à multidão desvairada. À direita, Cláudia, acompanhada de outra mulher, saiu triste e abatida, no entanto demonstrando ser bem superiora ao marido, envolvido no clima sombrio.

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A versão narrada, em versos, pelo poeta Fagundes Varela é de comovente beleza, realçando a presença da mulher de Pilatos que avisou ao marido sobre o sinistro sonho que tivera na noite anterior à presença de Jesus no Palácio diante de uma multidão furiosa. Vale ressaltar: “Não longe do Pretório, iluminada Pelos flavos clarões do sol nascente, Aparecia a casa de Pilatos, Alva, risonha, erguida entre ciprestes, Coberta de cimalhas caprichosas, Frisos sutis, colunas de alabastro, E arejadas soteias. Tão festiva Dir-se-ia a visão de tão alto castelo Pelos gênios da aurora edificado Nas regiões longínquas do Oriente, Onde termina o mar e o céu começa. Os mansos passarinhos gorjeiavam À sombra dos vergéis, as auras frescas Soerguiam as trêmulas cortinas Do belo camarim, onde entre flores, Mimosa flor também, sobre almofadas Lânguida descansava a linda esposa Do opulento pagão. Seus pensamentos Tristes deviam ser, que os rubros lábios Cerrava convulsando, e dentre os cílios Negros, com a penugem luzidia Das escuras abelhas da floresta, Rebentavam as lágrimas sentidas. Filha airosa da Itália sonhadora! Rôla saudosa das alegres veigas

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Dos campos de Lavínia! Que pesares Ferem-te o coração? Mas, de repente, Um profundo gemido angustioso, Os seios lhe agitou; a nobre dama Levantou-se de um alto, branca e fria Como a estátua de mármore pousada Em brônzeo pedestal junto da porta: Correu para a janela, as tranças soltas, O olhar afogueado. Então, ruidosa Bramia a onda popular na praça, Mil vozes discordantes repetiam:

– Desatai Barrabaz! Deixai-o livre! – Compreende a esposa de Pilatos A sinistra questão. Chamou um pajem, E mandou ao Pretório a toda a pressa, – Vai, dize a teu Senhor, ampara o justo, Que revelou-me um sonho pavoroso A pureza divina de seus atos, Das intenções celestes a inocência, A gloriosa origem de seu gênio! – O servo obedeceu. Nesse momento Uma nuvem trevosa e carregada Cobriu a luz do sol, – rijo nordeste No ledo camarim entrou silvando, Tremeu o pavimento, e as belas flores Que pendiam das jarras primorosas Caíram desfolhadas no tapete...” (114)

(114) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto IX – Cap. VIII – pp. 296, 297, 298 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

FERNANDO PINHEIRO - 238

Ainda quanto à dúvida de Pilatos sobre a existência ou não de sonhos, dúvida que perdura até os dias de hoje para muita gente, ressaltamos os sinais do sonho: Quando o homem vislumbra os sinais dos seus sonhos, no meio de tantas dificuldades, ele segue adiante sem temer o futuro. E aonde for preciso ir, ele vai. Para converter uma ideia subjetiva em objetiva, ele encontra um desafio que ameaça tudo aquilo que tenciona pôr em prática. Depois de ter vencido o primeiro, outros perigos passam a ser para ele uma rotina cíclica a que já se acostumou. No transcurso do seu caminhar, desce, sem decair, para preencher lacunas em cenários que lhe dizem respeito. Igualmente, ele se completa quando se associa ao espaço que lhe é reservado pelas forças da atração que regem o mundo das formas. Como no fluir das águas, a energia dos sonhos, que nasce n'alma, surge com força de expansão. Não se detém ante uma descida e prossegue preenchendo as depressões que encontrar. As cachoeiras são grandes saltos encobrindo abismos. Quando a água desce, na integridade de sua forma e conteúdo, prossegue em níveis mais abaixo beneficiando as searas. Assim é o homem nos seus passos em direção das paisagens amenas. Somente nas áreas onde espalhou benefício, como as águas, pode ver um dia os frutos surgirem.

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A ideia de que devemos ficar isolados diante da agitação humana, com receio de ficarmos confusos, é a mesma que se pode ter de águas represadas num pântano. Mesmo nessas circunstâncias, a vida prossegue criando musgos, liquens, parasitas e micróbios que enriquecem a flora. Como o homem já atingiu uma fase de crescimento que não dá mais para se fixar unicamente nas regiões parasitárias, ele ergue os olhos e vê que a natureza é muito mais. A ideia, que vem dos seus sonhos, entra em atrito com o mundo objetivo onde vive e, mesmo assim, sente que é preciso sonhar, como a água correndo que “sonha” alcançar as searas. Ninguém pode deter a verdade. A verdade está fragmentada em todos os setores da vida humana, não é apenas religiosa. A busca é normal a todos que não a encontram. Nesse fluxo, no caminho da perfeição, total ou restrita, estamos todos nós como águas correndo para o destino dos ciclos que se renovam. Quando percebemos a natureza de que são feitos os nossos sonhos, todas as ameaças, desafios e perigos são ultrapassados porque ficaram em seus lugares e nós continuamos a caminhada. O mundo inteiro está imantado na força da evolução. Aqueles que a percebem, dentro de si, prosseguem confiantes de que tudo que lhes acontece, agradável ou aparentemente desagradável, tem um objetivo estimulando seus passos.

FERNANDO PINHEIRO - 240 No longo trabalho interno que faz para montar a ponte do consciente ao inconsciente, onde o sonho tem o seu reino, alinhando os níveis de sua personalidade (corporal, mental e espiritual), o homem vai descobrindo o que lhe interessa em termos definitivos. Dúvidas e receios que ele criou, estimulado por uma educação voltada ao presente, aos poucos vão criando consistência em obstáculos por que terá de passar. É, em outras palavras, o impulso para decifrar a lendária inscrição da esfinge egípcia que tem profunda identificação com o atavismo que a fera em nós busca devorar. É por isto que o sonho, que nasce das fontes límpidas, deve prevalecer acima das sugestões alheias que se voltam ao reino das emoções. O sonho é a vivência da alma num campo magnético onde não existem amarras do plano físico, exceto aquelas criadas em nossa imaginação ou nos hábitos a que nos acostumamos sem o conhecimento da verdade onírica, suscetíveis a desaparecer. Ainda dentro do Sonho de Cláudia, podemos ver, na narrativa poética de Fagundes Varela, a trama sinistra que culminou com a conhecida Paixão de Cristo: “Que sinistro clarão expele as sombras Das ruas tortuosas, mal calçadas E alumia os grosseiros edifícios Da cidade vetusta? Que luzeiros Agitam-se nas trevas, numerosos, Como as chamas fugazes que tremulam Nos campos de batalha, às horas mortas,

Quando o gélido orvalho se pendura Das tendas dos guerreiros? Que rumores,

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Que vociferações ímpias e feras, Turbam a quietação das ermas praças, Derramando o pavor pelas moradas Do miserando povo? – O que procuram Esses vultos incertos, macilentos, Armados de bastões e de alabardas? Onde vão esses rudes quadrilheiros, Cujas lanças delgadas e lustrosas Relampejam nas trevas? – Bravo e forte, Nos horrores do crime endurecido Deve ser o malfeitor que arrastam Aos tribunais supremos. – Cautelosos, Convém cercar o monstro, que não fuja, Zeladores sublimes da justiça!... Oh! divino Jesus! Manso cordeiro! Gênio da caridade e da doçura! Luminar da inocência!... És tu que passas Qual um facinoroso das montanhas, Acusado de atrozes morticínios! És tu, que triste e pálido caminhas, Como um feroz jaguar das cordilheiras, Que os homens do sertão levam cativo Às aldeias remotas! – Salve, Cristo! Teu reinado começa neste mundo!

IX Emblema da ternura lutuosa, Da beleza entre lágrimas, desmaia No plúmbeo céu a lua decrescente. Jerusalém acorda.” (...) (115)

(115) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto IX – Cap. III – pp. 286, 287 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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SIMÃO, O CIRENEU “... Adiantou-se Da multidão silente um homem forte, De espáduas largas, vigoroso colo, E tisnadas feições; era seu nome Simão, o Cireneu, – calado e sério Ergueu Cristo pelos frouxos braços, Pôs-lhe a cruz sobre os ombros contundidos, E ajudou-o a subir a pétrea senda.” (116)

A tarde era azul, cheia de sol. Mais algumas horas as trevas dominariam inteiramente as paisagens do monte. O centurião romano, montado a cavalo, tinha ordens para executar a sentença até antes do amanhecer do dia seguinte, sábado, consagrado ao repouso e orações. (116) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto IV – Cap. XIV – p. 307 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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A caminho do Gólgota, a multidão acompanha o prisioneiro que era fustigado, de vez em quando, pelo centurião para que não pudesse desfalecer e o cortejo continuasse caminhando no percurso programado. Quando Jesus sente o cansaço e para um pouco para respirar melhor, o soldado, embaraçado entre o dever e a piedade, olha ao redor e vê homens mudos e receosos. Certamente, perguntou a si mesmo: “onde estão aqueles que o aplaudiram na entrada triunfal da cidade, cinco dias antes, e os curados pelas suas mãos, pela sua voz, pelo seu olhar?” O centurião estava atento com as armas nas mãos para usá-las naqueles que se rebelassem contra as ordens de Pilatos e, ao mesmo tempo, sentiu-se emocionado com o gesto simples do prisioneiro. Cercado pelas vibrações pesadas do clima dominante que exigia o suplício ao condenado e asfixiado pelo receio e temor de muitos, ele sabia que algo renovador estava acontecendo em sua vida, mesmo que fosse tão pequenino como o grão de mostarda. Lançando o olhar um pouco mais adiante, reconhece um homem que pode ajudar o prisioneiro e o chama em voz alta. Com as vestes empoeiradas, pois acabara de chegar do campo e, revelando medo, Simão, judeu de família grega radicada em Cirene, ficou parado. O centurião, arrancando-lhe um feixe de lenha que ele carregava, atirou-o para bem longe e ordenou: “obedece a César”.

FERNANDO PINHEIRO - 244 Simão ajuda Jesus a carregar a cruz. O Mestre lhe dirige um olhar de profundo amor que lhe dulcifica interiormente. Quantas paisagens íntimas são descerradas para que a essência etérea se manifeste? Ternura e gratidão eram-lhe reveladas claramente, sem palavras, e o benfeitor inesperado acreditou na inocência daquele homem. Eram apenas poucos minutos, o suficiente, para que a lenda pessoal do jovem cireneu lhe fosse revelada em som infinito. Impulsionado pelas vibrações inefáveis que sentiu naquele olhar, decifrou o enigma milenar da esfinge egípcia: conheceu a si mesmo. O desprendimento solidário, a serviço dos ideais sublimes, faz esquecer nossas limitações e atrai os sentimentos de gratidão de quem recebe, acumulando forças construtivas que removem obstáculos. O amor tem esse dom: transmudar. Ao voltar para casa, Simão contou aos familiares a emoção do dia tumultuado e a alegria de sentir o seu coração mais leve, mais leve. Era o nascer de novo. No jardim florido de sua casa, as rosas eram balançadas pelo vento que as fazia mais encantadoras e, entre elas, um botão surgiu, naquele dia, sem que ninguém tivesse notado. Simão, o cireneu, era um homem do campo. A vida lhe proporcionou um aprendizado voltado ao ambiente em que vivia. É oportuno a reflexão: redimensionando a natureza.

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Quando a criatura humana sente um impulso forte que a desperta para as realizações íntimas, um novo alento lhe acrescenta à alegria de viver. A partir daí, todos os instantes passam a ter uma importância muito grande. Planos a executar são elaborados com precisão, com detalhes que enriquecem o objetivo principal. O ideal, sublimando a vida daquele que conduz a arte, desvanece todo clima de adversidade como a luz a escuridão. A sublimação dos desejos cria espaço ao ideal que se manifesta beneficiando aquele que o fez brotar dentro de si. Muitas vezes, basta uma pequena demonstração de uma qualidade nobre de um companheiro de jornada para que o estímulo à busca de novo ritmo lhe desperte rumos salutares de conduta. A complementação da lacuna passa por várias fases e, dentre elas, há aquelas em que um ponto a mais é o suficiente para preenchê-la. A exemplo da medida que marca os pontos a complementar a lacuna, devemos observar quais as pessoas mais suscetíveis de compreenderem a nossa linguagem de simplicidade que elucida os problemas da vida. Com existem várias escolas do pensamento, devemos respeitar todas as apreciações daqueles que buscam os caminhos para uma eficiente jornada evolutiva. Todos estão certos diante da realidade em que vivem. A sabedoria também se manifesta nas situações incompletas, pois não há mal algum se a semente ainda não tem condições de dar flores e frutos.

FERNANDO PINHEIRO - 246 No ser humano o crescimento da vida se manifesta mais acentuado que nos conhecidos reinos inferiores da Criação. Isto porque o homem, através da inteligência, começa a deslindar os enigmas do seu caminhar. Esta conscientização de um mundo cercado de maravilhas lhe dá uma responsabilidade muito grande porque assume o papel de preservador da natureza. Qualquer devastação dos elementos que o cercam, em processo de interação, traz consequências desastrosas que terá de passar. E não adianta desperdiçar energias reclamando contra o mau tempo, o azar das horas e outras expressões verbais que denotam sentimentos de vaidade e presunção. Na compreensão dos recursos favoráveis à sua evolução, o homem, que já vislumbra que tem um ideal a cumprir, sente-se feliz em ser instrumento da arte e da beleza que a vida lhe oferece. Quando o homem, então, compreende as possibilidades de ajuda àqueles que passam apressados em usufruir de uma ilusão fugidia, sente que eles têm o mesmo direito de participar das blandícias oferecidas pela natureza, sem que pudessem notar. A natureza não é somente as paisagens que estão no ar, na terra, nas águas, mas também aquelas que envolvem o homem no seu campo mental e espiritual. A natureza humana é a única que tem condições de sentir, com maior intensidade, as manifestações da luz e os movimentos que embelezam a vida. A natureza ao redor é o mais eficiente recurso que o homem tem para verificar esta verdade.

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O OLHAR DE BEN-HUR Picture from Ben–Hur (movie): actor Charlton Heston looking at Christ

No cenário de morte a vida resplandecia. O vento da tarde sombria espalhava o perfume dos campos floridos de açucenas, margaridas e boninas. As folhas soltas rolavam como se fossem os sonhos dos triunfadores da espada. O olhar de Ben-Hur era de total admiração e deslumbramento. Nunca sentira antes nada igual, nem mesmo quando pisou o tapete vermelho ao ser recebido por César não vira nele qualquer traço que lhe despertasse a alma adormecida. No entanto, um homem simples e nobre, erguido numa cruz, mostrou-lhe a maior de todas as conquistas.

FERNANDO PINHEIRO - 248

Lentamente dirigiu-se a Ester, a esposa que o acompanhava, e lhe disse num sussurro comovente: “senti que a voz dele tirava a espada de minhas mãos e o ouvi falar: Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que fazem”. (117)

Toda a juventude de Ben-Hur foi movida pela represália. Nos jogos do destino, esteve prisioneiro nos embalos da galera, remando acorrentado numa trirreme romana. Ao resgatar a vida do cônsul Quintus Arrius de um naufrágio, ocorrido durante uma batalha naval, foi acompanhá-lo a Roma para receber de César as honras de triunfador de guerra. Com o prestígio adquirido, o príncipe judeu volta as terras do Levante para competir e derrotar, na arena de Cesaréia, o tribuno Messala, o amigo de infância que se transformou em inimigo implacável. (118)

Agora, no Calvário, ouvindo as palavras de perdão, sente-se mais próximo dos ideais que sonhou e respira fundo para reter algo mais do que o ar, a mente fica mergulhada na plenitude. (117) CHARLTON HESTON (1923/2008) – in Ben–Hur, a cena do

Calvário, dirigido por William Wyler, filme que obteve 11 Oscars da Academia de Hollywood, tendo como protagonista principal Charlton Heston no papel–título que lhe rendeu, em 1959, o Oscar de melhor ator. No Brasil a dublagem da voz do ator Charlton Heston foi realizada por Márcio Seixas que, em entrevista realizada em 21/1/2007, no canal de televisão da rede Net – TV Veiga de Almeida, declarou que o olhar de Ben-Hur a Jesus Cristo foi uma das cenas mais impressionantes que já viu em cinema.

(118) A cena da corrida de bigas, no filme Ben–Hur, é considerada, pela crítica e pelo público, o ponto máximo do cinema.

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Ben-Hur sentiu em Jesus a amizade que o seu amigo de infância não teve condições de demonstrar, na gratidão do cônsul que lhe dera o nome de pai e protetor, mas dentro dos limites humanos, na oportunidade de servir aos ideais nobres que o imperador romano pouco tinha para oferecer. O coração desse jovem príncipe judeu era tão pequenino para receber tanto amor. Até aquilo que chamam de milagre ele conheceu: as energias da saúde que saíam de Jesus se espalhavam, como os ventos dos campos floridos, beneficiando os enfermos. Ele olhou ao redor e viu seus familiares curados da lepra. Seus olhos se iluminaram na luz que vinha da cruz e uma alegria invadiu-lhe o ser. Naquele momento de comunhão com as esferas resplandecentes, onde gravitam as energias que movem as estrelas e tendo em Jesus a ligação maior, o paraíso parecia arder, mas aqueles que estavam sintonizados no amor sentiram o significado profundo da vida. O olhar de Ben-Hur era o reflexo do olhar de Jesus. Agora, estava vendo a intimidade das rosas, dos ventos, do coração do homem, da grandeza de Jesus que veio ao mundo sem ter a necessidade de usar o emblema da águia romana, embora respeitável. Quantas caminhadas foram encurtadas em apenas um passo que deu em direção do homem crucificado! Quantos sofrimentos foram retirados do caminho que Ben-Hur buscaria encontrar, estoicamente, nas oscilações do prestígio e da glória! O jovem príncipe ficou em silêncio por muito tempo, pensando naquele olhar profundo que lhe revelou a sabedoria dos valores, os que passam e

FERNANDO PINHEIRO - 250 os que ficam mergulhados no tempo, reacesos na lembrança dos amores eternos. Alguns soldados romanos não sentiram a atmosfera azulada que fazia ponte entre aqueles que amam verdadeiramente e Aquele que é o próprio amor. Um instante depois, uma túnica foi rasgada e distribuída à sorte. Quem a ganhou, perdeu uma oportunidade de refletir sobre a vida. Um sorriso pareceu abafar o silêncio e risadas soltas pelo ar seguiram o caminho das oscilações. Um desses soldados, que presenciou a cena trágica do Calvário, era Demetrius. Ele tocara as vestes de Jesus. Mais tarde, tornara-se amigo de Pedro, o apóstolo. De volta a Roma, o imperador o nomeia tribuno, lotado na guarda pretoriana, devido ao combate em que saiu vencedor ao derrotar 30 homens armados na arena do Coliseu. No Palácio, torna-se amante de Messalina, a linda cortesã que tirava onda de sacerdotisa de Ìsis para granjear prestígio e poder. O destino fez com que ele tocasse, pela segunda vez, o manto sagrado em destroços. O imperador romano encarregou a ele a missão de trazer para o Palácio a relíquia. Graças a interferência de Pedro, que evitou o iminente derramamento de sangue, Demetrius cumpriu a missão diante de uma circunstância em que a fé sobressaía acima das aparências físicas. Um antigo amor da primeira hora, uma linda jovem, mergulhada no efeito de um forte trauma, ocorrido semanas antes em que ela o viu ser levado pela guarda pretoriana, conseguiu despertar, graças a fé exteriorizada no tempo em que passou coberta pelo manto.

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O imperador Calígula, de posse do manto sagrado, cometeu uma atrocidade ao mandar assassinar um prisioneiro, com o objetivo de testar o poder miraculoso das vestes. Sem a fé, logicamente, o milagre não ocorreu. De volta para casa, Ben-Hur caminhou por um riacho onde deslizavam águas cristalinas. As pedras limpas e lisas eram como homens que podiam mudar de lugar e aquelas outras nas rochas, seria necessária uma explosão para desprender do sono adormecido da consciência e depois caminhar, simplesmente caminhar.

FERNANDO PINHEIRO - 252

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MARIA DE NAZARÉ

Lament for strings orchestra, Opus 41, de Jack Gibbons, música escrita, em junho de 2003, e o coro final da Paixão segundo São João, de J.S. Bach, sugerem–nos a ideia do desenrolar final dos trágicos acontecimentos do Monte Calvário, no qual estavam presentes numerosas mulheres, entre elas, Maria de Nazaré, Joana de Cusa, Madalena, Maria, esposa de Cleófas e apenas um homem fiel, João Evangelista, o apóstolo predileto. Este é o único momento da vida planetária em que as trevas impuseram o domínio sobre o poder de Deus. Na Ressurreição o triunfo do herói da sepultura vazia, Jesus, a luz do mundo, ressurge no decorrer dos evos.

253 - JESUS, LUZ DO MUNDO

Miguelangelo imortalizou, em La Pietá, a arte representada pela presença de Maria acolhendo no colo, com ternura, o filho morto na Cruz, em exposição permanente na Basílica de São Pedro, no Vaticano, uma das maiores atrações turísticas de Roma. Mozart, Schubert, Caccini, Gounod, Mascagni, Verdi, Fauré, Astor Piazzolla prestaram homenagem a Maria de Nazaré, nas conhecidas Ave–Maria. A comédia musical Notre Dame de Paris, baseada no romance de Victor Hugo, apresenta, em cena lírica, 53 números musicais de autoria de Richard Cocciante (também conhecido como Riccardo Cocciante), dentre os quais sobressai a Ave Maria Païe, letra de Luc Plamondon, interpretada na voz de Hélène Ségara, de comovente beleza artística. O texto enfatiza: “Ave Maria, protège–moi de la misère, du mal et des fous qui règnent sur la Terre.” Fagundes Varella evoca o Brasil no entardecer das tardes fagueiras que saúdam a Virgem Maria: “No pórtico sublime do Oriente Surge fagueira a estrela vespertina, E, além, de nossas pobres freguesias Nos altos, alvejantes campanários, Sôa, pausado e lento, o velho bronze Dobrando: – Ave Maria! – O viajante Que vem de terra estranha, e a pátria busca, Se ajoelha na beira do caminho,

– Ave Maria – suspiroso fala. O cabreiro que desce das montanhas, Ao redil conduzindo a grei singela, Pára, levanta para os céus os olhos, E diz: – Ave Maria! – A mãe querida

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Chama zelosa a prole abençoada, Junto à lareira da tranquila choça, E lhes repete a saudação divina. – Ave Maria!... na solidão dos mares Murmura o navegante: – Ave Maria!” (119)

Esse clima bucólico da natureza resplandece ainda na voz da cantora Fafá de Belém que, no momento mais importante da carreira artística, cantou Ave Maria de Vicente Paiva (1908/1964) e Jaime Redondo (1890/1952), numa apresentação que ganhou o mundo, nos idos de 1997, na imagem transmitida, ao vivo pela televisão, da visita ao Brasil do papa João Paulo II:

“Abençoai estas terras morenas, seus rios, seus campos e as noites serenas, abençoai as cascatas e as borboletas que enfeitam as matas.”

A Ave Maria de Erothides de Campos, composta em 1924, inicia–se no clima nostálgico: “Cai a tarde tristonha e serena, em macio e suave langor”, imortalizada na voz de Augusto Calheiros, em 1939, e, posteriormente na de Altemar Dutra, Caetano Veloso, Inezita Barroso e Agnaldo Rayol, entre outros. Se admirável é ver a felicidade das mulheres seguindo Jesus, a admiração é ainda maior quando observamos ser Maria de Nazaré, a primeira cristã do mundo, testemunhando esse amor, do começo ao fim do plano terreno e, continuado nas regiões resplandecentes. O pioneirismo tem esse valor imarcescível. (119) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas

Selvas – poema – Canto IV – Cap. IX – p. 129 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

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A PRESENÇA DIÁFANA Picture: Christ in Emaus by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)

Os dois viajantes estavam a caminho de Emaús conversando a respeito dos últimos acontecimentos ocorridos em Jerusalém. (120)

Em suas reflexões havia esperança e suspeitas de que aquela mulher, que se tornara conhecida pelo nome da cidade de Magdala, estivesse falando a verdade. (120) LUCAS, 24:13 a 34

FERNANDO PINHEIRO - 256 Sem dúvida, Madalena foi a mensageira da ressurreição de Jesus que a honrou na escolha com a finalidade de ressaltar o valor de seus méritos ao abandonar a ilusão que esteve revestida de mil encantos em seu coração de mulher. A conversa prossegue entre dúvidas e interrogações e eis que ouvem uma voz que os indaga: “que palavras são estas que, caminhando, trocais entre vós, e por que estais tristes?” Cleófas falou interrogando-o: “porventura, és tu o único peregrino que não sabe o que se passou, nestes dias, em Jerusalém?” E, então, os dois companheiros começaram a falar a respeito dos acontecimentos trágicos. Comentavam ainda que esperavam que fosse ele quem redimisse Israel. Aliás, muitos homens naquelas regiões pensavam do mesmo modo. Três dias já eram decorridos sem que eles tivessem a prova que lhes confirmasse as notícias espalhadas por Madalena. Revelavam também que algumas mulheres foram de madrugada ao sepulcro e não encontraram o corpo dele. Elas tinham visto uma visão de anjos que disseram que Jesus vive. Num gesto de amigo, aquele que eles estavam mencionando, na conversa, aproxima-se e disse-lhes: “oh! néscios e tardos de coração para crer em tudo o que os profetas disseram! Porventura não convinha que o Cristo padecesse estas coisas e entrasse na sua glória?” Explica-lhes, então, que as profecias acerca de sua vida estavam nas escrituras de Moisés e em todos os profetas. Menciona o evangelista Lucas que “ao chegar

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à aldeia para onde iam, ele fez como quem ia para mais longe. Eles lhe disseram: a tarde desce, o dia já declinou, fica conosco”. O convite foi aceito e, então, ele entrou na casa dos dois viajantes. E aconteceu que, prossegue a narrativa evangélica: “estando Jesus com eles à mesa, parte o pão, abençoa antes e o distribui aos amigos aturdidos. Quando eles se dão conta, o reconhecem e ele desaparece”. Como não o identificaram antes? Seus corações ardiam por revelar, desde o caminho percorrido, que aquele visitante era Jesus. Os dois viajantes ficaram admirados e voltaram a Jerusalém para relatar aos onze discípulos a visão da presença diáfana do Mestre.

A presença diáfana de Jesus, nas cercanias da cidade de Emáus, transmite um clima de renovação. Em todos os instantes, temos oportunidade de expressar nossos sentimentos diante da comunidade em que vivemos. Cada um tem uma mensagem que identifica a sua postura diante da vida. Os cenáculos de cultura e as reuniões de estudo acerca do homem proliferam a cada dia mais. Há movimentos estimulando a conquista de valores da espiritualidade que estão em todas as artes e ofícios, variando sempre a forma de aprender e ensinar.

FERNANDO PINHEIRO - 258 A conduta humana sempre mereceu destaque nos estudos dessas associações beneméritas. Cada uma traz uma modalidade específica de conduzir seus trabalhos que visam o bem-comum. Como temos de percorrer os caminhos que a vida nos oferece, visitamos alguns lugares, deixando a nossa contribuição para aqueles que têm necessidade de obter uma informação correta daquilo que veem por outra ótica. Nessas comparações de trabalho educativo, todos que participam, com ânimo firme, aprendem a se localizar no lugar onde seus merecimentos apontam. É comovente observarmos as ligações de pessoas de trabalhos intelectuais diferentes se unirem com o propósito de buscar uma solução a tantos questionamentos da vida moderna. É necessário que esses grupos de estudos se sobreponham diante daqueles que passam aturdidos e inconformados com seus destinos. A renovação de ideias e atitudes coletivas é necessária nos dias de hoje, onde o clima das aparências enganadoras invade muitos lares, destruindo-os, dispersando os casais, tentando desestimular os filhos que acreditam nos pais envolvidos com a separação. Todos respiram no clima em que vivem. Se há placidez nos lugares ermos, há também tumulto nos ambientes repletos de pessoas que se chocam emocionalmente. No campo social há interesses gritantes de conquista que repercutem nos movimentos de greve e protesto. No mês de maio/2009, no centro da cidade do

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Rio de Janeiro, uma greve inusitada: grupos de mulheres ostentando cartazes: “Eu quero namorar.” Mas, acima de tudo que se agita no plano humano, está o reajuste harmonioso da lei de causa e efeito, revestido dos desencantos sociais. Se há carma para todos os desencantos, por que não haveria carma para a solidão? Se cada um buscasse a compreensão do seu roteiro de vida, certamente o encontraria, sem alarde, para não prejudicar a busca do próximo que com ele convive. Se há um movimento dissipando as vibrações amorosas, por que não haveria outro que agisse em direção contrária, onde o bem deve prevalecer? Disseminemos a semente germinante e deixemos que o tempo árido desvaneça as ervas daninhas que impedem a floração de roseiras no jardim. Jesus Cristo é o nosso modelo de conduta. Com Jesus não tem carma nem solidão. É a vitória do amor.

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A NOITE DA APARIÇÃO Max Carphentier

Membro da Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil

Luz do mundo é Jesus. Corre o tempo e parece que foi ontem nas terras da Galiléia e cercanias a sua passagem mergulhada nos tecidos grosseiros da matéria. Luz por excelência, continua a irradiar o que na própria luz se manifesta: vida, vida abundante em pleno dia dos olhos meus. Por acreditar nessa luz, a luz divina, o escritor Max Carphentier, no momento de integração com essa mesma luz, escreveu, em Manaus, nos idos de 1988, a obra Nosso Senhor das Águas, com o prefácio de Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal arcebispo de São Paulo.

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Assim como a voz de Jesus fez calar o mar revolto numa perfeita sintonia com os movimentos da natureza, em gestos que excedem toda a delimitação humana, sonhamos ao ler a atmosfera evangélica no livro do escritor amazonense. Esse sonho pertence mais as preocupações salutares da estrela guardiã, que vigia a torre de Prócion, do que os nossos em seguir Jesus. No 1° capítulo, o autor narra as luminosas emanações da estrela e, em seguida, o diálogo dessa estrela com Jesus. Acreditamos que essa comunicação possa ter ocorrida na linguagem não verbal, assim como ocorre na linguagem do maestro na orquestra sinfônica, pois as irradiações celestiais possuem luz que, por sua vez, emana coloração, velocidade, peso, densidade, e estendem um cenário clarividente e multiforme onde a sabedoria se manifesta sem a necessidade das palavras. Sem embargo, o autor, mais adiante, elucida: “O silêncio transpassado de lua é o único capaz de dar palavra às águas e às areias estendidas.” Se o pensamento procede da alma, não há necessidade de haver sons articulados pela matéria, pois no campo astral já está manifestado. Essa inquestionável verdade tiveram os reis–magos quando souberam pelas estrelas onde Jesus nasceu. Se existiram estrelas ou irradiações de espíritos luminosos que indicavam o caminho de Belém, por que não haveria de existir estrelas ou irradiações de espíritos luminosos que indicariam, em algum lugar, a presença de Jesus, nos tempos atuais? Para elucidar os fatos, Max Carphentier, possuindo o honroso prefácio do venerável príncipe da Igreja, na obra Nosso Senhor das Águas, descreve:

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“Na estendida noite, Prócion, alfa do Cão Menor, deteve o curso. E inclinou-se em reverência para deixar passar a luz do Filho. E o Filho disse à estrela circunspecta: “Querido grão das sementeiras do meu Pai, estás aqui perdida e, ao mesmo tempo, estás numa bandeira, representando o povo que visitarei ainda hoje à noite. Alegra-te pois com o teu destino: habitas assim a longínqua Terra, no pano constituído alto campo de estrelas, como desenho que abençoa e significa uma gente boa, rebanho amado que cultiva as águas e celebra a comunhão entre as palmeiras. Senhor, respondeu Prócion, há pouco tempo, não mais que quatro rotações minhas, vi tua luz caminhar do oriente para o ocidente, e desejei que meu posto de vigília estivesse incluído dessa vez entre as tuas paradas, e eu pudesse te falar. Agora vejo que, além de parares junto à minha torre, realizas o meu sonho, porque eu realmente sonhava com que fosses ver bem de perto o povo e o chão que confiaste também à minha órbita. O teu sonho tu o sonhas para mim, estrela, eis que o realizas da matéria transcendente que te dei ao peito. O sonho das sementes divinas quer a perfeição dos mundos, e me antecipa. E que preocupações tens sobre esse povo, estrela, a ponto de ansiares minha direta presença? Senhor, sabes que eu e o aproximado Sol e a mansa Lua temos dado o melhor de nossa energia vital, de nossos influxos, para que a natureza não se afaste do ponto sublime a que chegou no Amazonas. Mas influências que escapam ao nosso prodígio têm interferido, de maneira que existem feições de descaminho que nos parecem pedra de tropeço no plano da evolução, ousadas negações de vosso domínio perpetradas pelo arbítrio do homem. Assim, há uma perturbação crescente das águas, desde o sacrifício das cachoeiras ao envenenamento dos lagos, ao desassossego

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dos rios. Há erros antigos e novos na exploração da terra, que empobrecem a terra e escravizam o homem da terra. As espécies distribuídas na selva gemem na selva e pela selva, e a selva é toda um clamor. Aturdido por inúmeros enganos, o homem é triste, uma tristeza que não mais confia na lágrima, nem na oração insiste. Ele tem as mãos vazias de seu próprio trabalho; não porque seja servo da selva, mas porque a selva tem sido serva da usura. Um homem explorado até os ossos. E essa exploração é tão velha, e cobre-se de tantos véus, que muitos a veem já como condição natural e insuperável. Nosso zelo nos faz ver mal, Senhor, ou realmente estamos atravessando a noite necessária? Há verdadeiramente excessos e pecados, minha boa Prócion, e disso estão cheios e penalizados os teus olhos. É dramática a perspectiva de uma estrela em seu olhar o mundo, porque os segredos da evolução, principalmente o primeiro, e o último, não lhe são confiados. Vós, estrelas, embora guardiãs, não tendes vida suficiente para ver o círculo fechar–se sobre si mesmo. Mas vos foi dada a consciência de vigília dos pastores, e assim vossos rogos são considerados quando percebeis aflitos os rebanhos, e já as pesadas nuvens cercam o leste, e a alcatéia desce na fuga dos esquilos. Por isso, vou para o Amazonas. Para realizar pessoalmente a Doutrina, corrigir rumos, e saciar-me. Prócion olhou para a região dos cometas futuros, e indagou: Também tu tens ânsias, Senhor, e as queres saciar, tal como eu olho o berço das luzes peregrinas e as quero ver ainda mais belas antes de extinguir–me? Minha ânsia pela Doutrina é conhecida, estrela, é a principal. No entanto, a nova ânsia de que quero saciar-me é o encontro com um esplendor da natureza que não viram os meus olhos da carne quando fundei a minha Igreja. Como Verbo, criei os fundamentos

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da natureza, e as formas da natureza, passadas e futuras, mas só participei da beleza da minha criação quando assumi a carne, e sofri na carne, porque há uma dimensão da natureza que só a carne conhece, e isso a dignifica, e a faz dividir com o espírito o primado da evolução. Eis aí as primícias do pó: só a ele é dado se encantar com o pó, e conhecer e gozar a estrutura de sua dimensão transitória. Assim, devo investir-me na matéria para conhecer a beleza integral. Sobre a Doutrina, considero que, para o homem amazônico, ela deve ser ministrada agora com todos os fundamentos voltados para a natureza, até que para sempre se entenda que, sem a natureza salva e eficazmente usufruída pelo homem, não pode o espírito esperar da carne a parte que lhe cabe no resgate do homem e do seu sonho. E quando te digo que tenho ânsias de Amazonas, não me refiro apenas ao êxtase passageiro dos meus olhos, que tantas vezes a natureza da Palestina viram, mas quero dizer que estou ainda por realizar–me na relação do homem com a natureza e com o próprio homem, e quero ver-me mais transparecido. Preservação e salvação andam juntas na minha ânsia. Aquilo que chamas de noite necessária são verdadeiramente os portais da aurora. Eles se abrem de par em par, à medida que são abandonados os rumos da perdição. Vou, e não tardarei em exultar pela natureza amazônica, como fazia Jeremias pela formosura de Jerusalém, e como Eu próprio exultei com a natureza da Terra Santa. Nesse instante, Prócion o interrompeu: Sei que foste feliz, Senhor, com a natureza que cercou teus dias de Jordão, e disso ainda agora deste notícia com uma nota de saudade em tua voz. Por isso, eu tinha fé em que teus olhos não se apartariam do Amazonas, onde ainda é mais intensa a natureza. Se o céu da

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Galiléia se abria para ti entre os perfis das colinas piedosas, o céu do Amazonas te recolherá na oração de mãos postas das palmeiras. E se completará ante o teu rosto a face de adoração da natureza. Se os teus olhos descansavam da luz do deserto sobre os trigais infinitos da Samaria; se a videira anciã se transmudava em querubins para o Templo do teu Pai; e se proclamaste que o sangue da videira tem dignidade para interpretar as vozes do teu sangue, no Amazonas, por sua vez, todo o verde que te exprimir o poderio das várzeas te explicará como nascente de onde surgiram as águas; e as castanheiras revelarão para Ti seus cálices fechados como promessas de pão do novo mundo; e o branco sangue da seringueira te confessará que cumpriu a semente de misericórdia do teu sangue. Nisso estás certa, estrela, respondeu Jesus, porque se a natureza da Palestina assistiu os frutos da Paixão, é a natureza do Amazonas que colherá os frutos completos da Ressurreição. Se falas da Ressurreição, Senhor, lembro–me de te perguntar onde estão tuas chagas, que não vejo, nem eu teu peito, nem em tuas mãos, nem em teus pés. Minhas chagas foram desaparecidas durante a Ascensão, estrela, porque o céu não guarda lembrança de infortúnios, nem poderiam subir comigo as nódoas do pecado. Nem Eu descerei com elas para aumentar as chagas da Planície. Minhas chagas reapareceram após nos estigmas do Alverno, que mandei a Francisco como distinção de fé, e na carne de Francisco as minhas chagas foram banidas do Universo, e nunca mais, desde a Ascensão, elas ultrapassaram o limite de símbolo e de memória.

II

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Jesus e Prócion calaram-se no amor. O silêncio entre Deus e as estrelas significa a gestação de novos mundos. E Jesus lembrou-se: Antes de chegar à tua torre, consultei teu anjo, e sei que estás interessada na preparação de novas moradas para o homem. Pois te digo que está adiantado o sistema da constelação de Vega, entre tantos outros, e já selecionados os princípios das formas, novas propriedades da matéria, outra natureza. E quando as eras se completarem haverá necessidade de chegada da Doutrina. Mas antes que a Terra seja saudade, o homem deve conquistar e proteger na natureza a sua própria continuidade. E a natureza do Amazonas, sendo hoje um círculo de vítimas, deverá ser o exemplo da vida equilibrada sobre o planeta, após o resgate dos vícios.

E vendo o Senhor que Prócion continuava parada, e que já era adiantada a hora, falou-lhe: Não te é lícito, estrela, que pares mais de um instante, porque a rotação de uma estrela guardiã influi no sossego dos rios e nas cicatrizes das almas. A estrela sorriu dentro do próprio peito cravejado de auroras. Um sorriso de estrela demorada na felicidade. E na voz do Senhor, que se afastava, Prócion reaprendeu a música da rota.

O adeus da vasta claridade deixou novamente entre as sombras a constelação visitada. E quando, numa curva do céu, Prócion olhou a Terra, a luminosidade do Mestre já envolvia a noite do planeta com a carícia geral dos bólidos serenos. E logo em seguida o astro viu os pés do Filho, límpido de busca, tocarem as areias tenras de uma praia do Rio Negro, haste esquerda do Amazonas.

(...)

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Estamos em quarto–crescente avançado. Falta à lua apenas uma ronda de terceira vigília para que o fervor da chama fria tome conta completa de seu peito. Instante propício para a chegada do Mestre: resta um reduto da treva a ser invadido, no círculo da lua e nos domínios da selva. A memória de todas as luas–cheias do Rio Negro concentra agora sua claridade de escamas nesse crescente aberto às esperanças. Essa é a lua Jaci, a que anualmente descia às matas para escolher entre as virgens as estrelas do seu domínio. Essa é a mesma lua que escalvou o Gólgota, que boiou no Tiberíades, que afaga o sono das vitórias-régias e recolhe na lenda o coração do homem amazônico. Essa a estrela do novo Natal. Ela redescobre e planta na areia fértil os grãos da manjedoura.

Glória a Deus nas alturas e paz na selva aos homens por Ele visitados. De remo e inúbia, mais do que cajado e flauta, arma-se a atmosfera. A estalagem de Belém se recompõe, para um Jesus adulto, numa praia perdida do Rio Negro.

IV

O úmido luar estirado sobre a areia cedeu sob seu passo. Jesus, parando, observou que, abertas sobre as árvores menores, as palmas dos buritizeiros, tornando pródigas as sombras, distribuíam na brisa a voz múltipla dos animais da selva. Nenhuma habitação perto dali, nenhuma luz senão a minúscula suspensão de vaga–lumes novos sobre o rio. O Mestre mergulhou os pés na água e caminhou de frente para a lua na orla fluvial. A face divina voltada para o círculo repleto é um outro luar andando sobre a areia. Bendito sejas, meu Pai, que aproximaste da Terra esse rosto de santa, a compadecida das trevas, a lua que tanto me adormeceu entre os salgueiros de Jericó,

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e que agora me recebe no Amazonas, brilhando mais propícia à paz da selva.

Jesus vai encontrando e vai sentindo, uma a uma, as manifestações da natureza que o rodeia. A circunspeção enluarada do rio chega-lhe aos pés em suspiros de espumas despertadas. O silêncio transpassado de lua é o único capaz de dar palavra às águas e às areias estendidas. É audível o rio em sua linguagem de sombras submersas. De instante a instante, Jesus percebe outros sons da noite: a queda dos cocos maduros do patauá; o farfalhar de uma touceira de paxiúba; a insônia de um cururu compassado, um piar de acauã tremeluzindo as folhas. E o Cristo passeia devagar, e passeando reza: Graças vos dou, meu Pai, por essas belezas reunidas aos pés das fogueiras celestes. A carne de homem que me deste está tensa já, e já encantada, de abundância e de vida. Vim para conhecer a promessa de cardumes desse rio, e o rio me recebe com genuflexão religiosa. Sou feliz pelo peixe e pela liturgia do peixe. Vim para conhecer na selva a mais poderosa conjugação dos teus milagres vegetais, a transformação do teu alento cósmico em vida de carnações inumeráveis, e a selva me recebe com o ruído devotado de frutos e de asas se expandindo. Sou feliz pela selva e pela doação das espécies da selva. Nasço agora de novo para os homens, para o homem daqui, portador de toda a esperança do terceiro milênio. Esta é a minha vinda extraordinária, não prevista nos Livros, nem nos sonhos dos profetas, sem a preparação de João Batista e sem a conceição de Maria. Chego mais completo pela experiência humana da Paixão e da Morte. Eu fui tomado pelo Pai, na hora da cruz, no momento em que minha carne atingia o apogeu do sofrimento, e pouca oportunidade tive de experimentar essa carne após a Ressurreição. Quero

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agora exercitá-la, entre os homens desta terra, após o momento em que, pelo ponto mais alto da dor, ela ficou mais afinada com a dor dos homens; e, pelos mistérios desvendados da Morte e da Ressurreição, ela também conheceu tudo o que de santo o Pai reservou para a carne dos homens. Como conheceu a morte, está mais humana a perfeição do Filho. E Eu mesmo me batizarei de novo, para a investidura na nova missão.

Tendo isso balbuciado, Jesus entrou no rio e, com as mãos em concha, tirou um pouco d´água e derramou sobre a cabeça, e disse: Faço isso em memória da voz que clamava no deserto, e como invocação do Espírito Santo, e como renovação de um mistério da Doutrina. Pai, glorifica o teu Filho. Tu, que o confirmaste na face dos desertos, confirma-o agora ante o sono da selva. Tu, que o recolheste das sombras da morte, ordena-o agora para a sombra da vida.

Nesse instante, abriu-se o céu como a fenda de um raio largo, demorado e orfeônico, e ouviu-se nas margens do Rio Negro como nas margens do Jordão o comprazimento de Deus: “Tu és meu Filho bem-amado, no qual pus toda a minha complacência.” Mando-te para o esclarecimento e para o perdão dos pecados contra a natureza. Demora-te na misericórdia e na beleza.

Tão rápido como se abrira, fechou-se o solo sagrado com amálgama de nuvens, mas a selva demonstrou, pela súbita hosana levantada de suas folhas, que despertara no meio de sua própria salvação. E de novo adormeceu, como a criança que no meio da noite encontra o seio materno e se recolhe em seu novo sonho.

Nada que o Filho recebe do Pai deixa de ser manifestado para a elevação do homem. E o Filho, que é

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o caminho da glória, sempre imediatamente depõe para o homem as benesses de sua confirmação como Salvador. Então, agora, esse Cristo reouvido, que tem o rosto molhado pelo batismo selvagem, e o manto úmido pelo sereno da noite aprofundada, proclama ao luar: És tu, Rio Negro; és tu, Rio Amazonas; és tu, Madeira, Purus; sois vós, águas todas da calha poderosa, o meu novo Jordão! Agora estou verdadeiramente pronto, e estou convosco, homens filhos das águas! No deserto vingou a semente da fé. A selva agora recolherá os seus frutos, porque hoje, ao menos, todos me reconhecerão. E Eu passo da Ressurreição entre as pedras para a Ressurreição entre as folhas, e verei as provisões que a Doutrina deixara aqui e as desenvolverei para a libertação e para a salvação do homem. Alegrar-me-ei em falar de novo e diretamente para o coração do homem, já elevado por dois milênios da minha palavra. Muitos daqui já têm a sabedoria do amor provado na chama antiga. Em verdade, o caminho para o Pai e os homens cresceu de luzes, porque meus pastores não descansaram um minuto na longa travessia.

E como alta era a noite e não havia nenhuma inquietação ao redor, o Mestre procurou a fronteira entre a areia e a mata e deitou com a cabeça na relva, os pés cruzados, as estrelas contando até o sono.

(...)

Quando a aurora sobre as águas sacudiu a rósea cabeleira de astros idos, os pássaros abriram para ela o peito de cristal. Jesus, com um longo suspiro, despertou no mundo verde. Pouco a pouco, as fontes gerais da vida, tocadas pelo ritual da luz que se levanta, derramaram nos ramos e nos ares o novo dia, a renovação loura de tudo. E houve, ante a face do Mestre, como

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tributo à nova claridade que chegara ao vale, um momento de intensa orquestração nas sombras indecisas.

A madrugada à beira dos rios é sempre música. É lento, e especial, cada minuto dessa transição organizada pela luz na noite desmoronada da selva. Há sonos que resistem, órbitas vigilantes que se apegam aos vestígios da noite como quem se agarra às mãos de um ente amado que desaparece. Essa a vocação, por exemplo, da coruja murucututu e do morcego andirá. Mas há os devotos da cor, os ébrios das resinas luminosas, que, ao contrário, antecipam a manhã, como se preparassem de sua própria ânsia as primeiras vestes da aparição da luz. Esse prelúdio, berço anterior e disseminado da aurora, decorre principalmente no peito dos cantores como o rouxinol e nas grinaldas das flores trepadeiras. Nesse confronto entre os adoradores da noite e os acólitos reside a fina passagem, o trânsito veloz da nostalgia pelo rosto exuberante da alvorada. Porque as forças noturnas não se despedem rindo. Nem a selva, que consuma sua beleza à luz do dia, se esquece facilmente das essências que elaborou sob as estrelas. Pacificando esses ânimos contrários, de despedida e reencontro, demora-se a comovida aurora, e sustém o tempo, em sua primeira missão cálida.

Pertence, pois, ao amanhecer a primeira impressão que Jesus tem do mundo amazônico: aqui, a irresistível aurora é duradoura. Por isso que a redenção, gradual e preparada, se alonga a partir do céu. Na Palestina, o Cristo conhecera apenas a manhã súbita, o assalto da luz sobre as estepes, como se o sol não demorasse mais de uma nota de flauta para acender a lã dos rebanhos despertos. Aqui, porém, no devotamento da selva, com os cálices

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repletos de mistério e água, a luz celebra mais.” (121)

Amor–Sabedoria

Apreciando a leitura da obra de Max Carphentier, podemos fazer uma pergunta esclarecedora: se a luz do sol chega à Amazônia, oriunda de milhões de léguas de distância, por que não haveria de chegar àquela região a luz de Jesus? E, se há luz de Jesus, em algum lugar, há também a presença dele nessa luz, o que é a mais coisa. Dentro dos sonhos, já tivemos experiência idêntica que comprova a existência de Jesus. Ao resumir toda a doutrina do Senhor dos espíritos na palavra amor, apresentamos, neste último capítulo, o tema amor elevado ao patamar de sabedoria. Os semeadores da primeira hora trazem o cuidado em suas mãos. A seara, que foi preparada para receber as sementes, tem, assim mesmo, alguma adversidade porque o tempo escasso não permite uma preparação completa. No decorrer das horas, temos necessidade de semear a palavra, no momento exato, sem querermos saber se as conveniências todas estão adequadas. (121) MAX CARPHENTIER – in Nosso Senhor das Águas, pp. 16 a 26 –

Prefácio de D. Paulo Evaristo Arns, Cardeal–Arcebispo de São Paulo – Abas da capa redigidas por Mansour Chalita – 1992 – Manaus – AM.

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O tempo é de emergência. O ambiente social do planeta virou hospital. Se a morte espreita o paciente, não é a hora de sabermos se, além do risco de vida, há unhas a cortar, cabelos a ajeitar, sapatos a engraxar e outros cuidados individuais que estão fora da cogitação médica. No momento em que a dor se generaliza nos ambientes por onde passamos, devemos revelar a nossa postura de vida, a fim de que outros males não venham a se instalar. Mesmo que seja apenas uma palavra, um olhar carregado de vibração amor–sabedoria, o resultado terá efeitos surpreendentes àqueles que passam por testes difíceis. Sem pressa nem preocupação em agir, nossa atenção se volta àqueles que convivem conosco as horas marcadas pelo trabalho em diversos setores onde a expansão se faz necessário. Em qualquer parte onde estamos, a identificação que temos pela vida é aguardada por aqueles que nos acompanham os passos, assim como nós vemos neles a oportunidade de verificar se há um clima adequado à realização dos sonhos que nascem n´alma. Morta a emoção em desalinho, a razão existencial do viver, ou, mais precisamente, a inteligência delineia espaços onde só o amor deve existir, o amor acompanhado da sabedoria. Há, no entanto, companheiros, apressados em semear, que não observam as condições do tempo e assim espalham as sementes em todos os terrenos. Na maioria das vezes, o que foi recentemente semeado é levado pelos ventos.

FERNANDO PINHEIRO - 274 O amor plantado sem a sabedoria se desvia pelos canais que alimentarão a emoção que pode resvalar a níveis inferiores de consciência, onde reina a ilusão que gera a dor e o sofrimento. Há uma necessidade primordial que nos indica o trabalho a fazer junto àqueles que falam de saudades, solidão, medo e inconformação das vicissitudes da vida. Há, dentro de nós, um respeito e compreensão do ponto de vista em que se posicionam. Aquilo que parece desagradável é algo que lhes desperta suas forças internas, as únicas que conseguirão levar-lhes à compreensão de que tanto precisam. Enquanto isto estiver ocorrendo, seguiremos o nosso caminho disseminando, em outras searas, a palavra e o olhar que inspiram o amor ultrapassando os níveis da personalidade humana e atingindo a consciência divina, que todos trazem guardada dentro de si, para compreendermos a ligação que nos une. Em clima de juras, juras de “Patria, socialismo o muerte, lo juro” (122), na “Venezuela caribeña, amazónica, andina y universal” (123), o nosso pensamento está ligado a Jesus, citado, no enlevo de vitória e de projeto social, por Hugo Chávez, ao tomar posse, pela terceira vez, no cargo de presidente, anunciando el poder comunal: “por Cristo, o maior socialista da história, por todas as dores, por todos os amores, por todas as esperanças”. (124)

(122, 123) HUGO CHÁVEZ – Discurso de posse, em 10/1/2007, no cargo

de presidente da Venezuela – Jornal El Nacional – Caracas, Venezuela

(124) Apud Jornal do Brasil – Internacional – p. A–17 11/1/2007

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BIBLIOGRAFIA

A Sarça Ardente, de Fernando Pinheiro – 1ª edição – 1988 – Folha Carioca Editora Ltda. – Rio de Janeiro – RJ – Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.

Anchieta ou o Evangelho nas Selvas, de Fagundes Varela, Luís Nicolau (1841/1875) – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro. – Acervo: Academia Brasileira de Letras.

Obras completas, edição organizada por Visconti Coaracy – B. L. Garnier, Livreiro Editor – Rio de Janeiro – 1886 – Acervo: Biblioteca Nacional.

Ben–Hur (filme dirigido por William Wyler, com Charlton Heston, no papel–título).

Bíblia Sagrada – Cântico dos Cânticos, de Salomão – Isaías – Evangelho (Mateus, Marcos, Lucas, João)

– Epístolas (Hebreus).

Dias Venturosos, de Amélia Rodrigues (Espírito), psicografado por Divaldo Pereira Franco – 2ª edição – 2000 – Livraria Espírita Alvorada Editora – Salvador – BA.

Do Julgamento e da Pena nos Sistemas Jurídicos da Antiguidade, de Luís Ivani de Amorim Araújo – BVZ Edições Comércio e Representações – 1993 – Rio de Janeiro – RJ.

Jornal do Brasil p. A-17 – Caderno Internacional – edição: 11/1/ 2007.

FERNANDO PINHEIRO - 276

Jornal El Nacional – 10/1/2007 – Caracas, Venezuela – Discurso de

posse de Hugo Chávez no cargo de presidente da República da Venezuela.

O Globo Caderno: O Mundo – edição: 17/10/ 2002.

Luz do Mundo, de Amélia Rodrigues – 7ª edição, psicografado por Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – 2000 – Salvador – BA.

Nosso Senhor das Águas, de Max Carphentier – Prefácio de D. Paulo Evaristo Arns, Cardeal–Arcebispo de São Paulo – Abas da capa redigidas por Mansour Chalita – 1992 – Manaus –AM.

Primícias do Reino, de Amélia Rodrigues, psicografado por Divaldo Pereira Franco – 7ª edição – 9/2000 – Livraria Espírita Alvorada – Salvador – BA.

Quando voltar a Primavera, de Amélia Rodrigues, 5ª edição, psicografado por Divaldo Pereira Franco – Livraria Espírita Alvorada Editora – 1998 – Salvador – BA.

Revista Forense 181/9 Apud Discurso proferido, em 21/5/1975, pelo ministro Xavier de Albuquerque, no Supremo Tribunal Federal, publicado com o título “Aliomar de Andrade Baleeiro”, pelo STF – Departamento de Imprensa Nacional – 1975 – Brasília – DF – Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil.

Trigo de Deus, de Amélia Rodrigues, psicografado por Divaldo Pereira Franco – 4ª edição – 10/2000 – Livraria Espírita Alvorada Editora – Salvador – BA.

Vida de Jesus, de Plínio Salgado – 22ª edição – 1985 – Editora Voz do Oeste – São Paulo – SP – Acervo: Biblioteca Nacional.

Vida que passa..., de Caio de Mello Franco – Rio – 1924 – Acervo: Biblioteca Popular Pedro Nava – Glória – Rio de Janeiro – RJ.