jurgen moltmann, o deus crucificado.doc

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MOLTMANN, Jürgen. O Deus crucificado. A Cruz de Cristo como base e crítica da teologia cristã (Der gekreuzgite Gott: Das Kreuz Christ als Grund und Kritik christlicher Theologie); tradução: Juliano Borges de Melo. Santo André.SP: Academia Cristã, 2001. O pathos de Deus e sympatheia do homem (p. 343-349). Uma expressão chocante da theologia crucis, que é sugerida na teologia rabínica da humilhação do próprio Deus, pode ser encontrada em Night (Noite), um livro escrito por E. Wiesel, um sobrevivente de Auschwitz: “A SS enforcou dois homens judeus e um jovem perante todo o campo. O homem morreu rapidamente, mas a agonia da morte do jovem durou por meia hora. ‘Onde está Deus” Onde ele está?’, alguém perguntou atrás de mim. Enquanto o jovem ainda estava pendurado em seu tormento pelo laço, depois de um longo tempo, ouvi o homem exclamar novamente, ‘Onde está Deus agora?’. E ouvi uma voz dentro de mim responder: ‘Onde ele está? Está aqui. Está pendurado lá na forca...” (Elie Wiesel. Night, 1969, p. 75s). Qualquer outra resposta seria blasfêmia. Não pode haver nenhuma outra resposta cristã para a questão desse tormento. Falar aqui sobre um Deus que não pode sofrer faria de Deus um demônio. Falar sobre um Deus absoluto faria de Deus um nada aniquilador. Falar sobre um Deus indiferente condenaria o homem à indiferença. Porém, a reflexão teológica deve concluir a partir de tais experiências do sofrimento de Deus no sofrimento, que não pode ser relatado em termos humanos. A conversa rabínicia sobre a humilhação do próprio Deus, conduz para uma distinção entre Deus e o Espírito de Deus que habita em nós. o judaísmo do período rabínico desenvolveu a noção de tal personalidade dupla de Deus, a fim de ser capaz de expressar a experiência do sofrimento de Deus com Israel e, no sofrimento, ser capaz de proteger a “religião da simpatia”, o acesso a Deus contra a maldição de Deus (Jó 2,9), o endurecimento do coração e a entrega da esperança. Mas, o problema teológico intrínseco surge quando se pergunta qual é a causa do sofrimento de Deus, que sofre com a aprisionada, perseguida e assassinada Israel. Ele simplesmente sofre pela injustiça e pela maldade humana? A Shekinah, que vagueia com Israel pela poeira das ruas e é pendurada nas forcas em Auschwitz, sofre no Deus que tem os confins da terra em suas mãos? Neste caso, não somente o sofrimento afetaria o pathos de Deus externamente, de modo que se possa dizer que o próprio Deus sofre na história humana da injustiça e da força, mas o sofrimento seria a história em meio ao próprio Deus. Não estamos preocupados com o estabelecimento de

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MOLTMANN, Jrgen. O Deus crucificado. A Cruz de Cristo como base e crtica da teologia crist (Der gekreuzgite Gott: Das Kreuz Christ als Grund und Kritik christlicher Theologie); traduo: Juliano Borges de Melo. Santo Andr.SP: Academia Crist, 2001.O pathos de Deus e sympatheia do homem (p. 343-349).

Uma expresso chocante da theologia crucis, que sugerida na teologia rabnica da humilhao do prprio Deus, pode ser encontrada em Night (Noite), um livro escrito por E. Wiesel, um sobrevivente de Auschwitz:

A SS enforcou dois homens judeus e um jovem perante todo o campo. O homem morreu rapidamente, mas a agonia da morte do jovem durou por meia hora. Onde est Deus Onde ele est?, algum perguntou atrs de mim. Enquanto o jovem ainda estava pendurado em seu tormento pelo lao, depois de um longo tempo, ouvi o homem exclamar novamente, Onde est Deus agora?. E ouvi uma voz dentro de mim responder: Onde ele est? Est aqui. Est pendurado l na forca... (Elie Wiesel. Night, 1969, p. 75s).Qualquer outra resposta seria blasfmia. No pode haver nenhuma outra resposta crist para a questo desse tormento. Falar aqui sobre um Deus que no pode sofrer faria de Deus um demnio. Falar sobre um Deus absoluto faria de Deus um nada aniquilador. Falar sobre um Deus indiferente condenaria o homem indiferena.Porm, a reflexo teolgica deve concluir a partir de tais experincias do sofrimento de Deus no sofrimento, que no pode ser relatado em termos humanos. A conversa rabnicia sobre a humilhao do prprio Deus, conduz para uma distino entre Deus e o Esprito de Deus que habita em ns. o judasmo do perodo rabnico desenvolveu a noo de tal personalidade dupla de Deus, a fim de ser capaz de expressar a experincia do sofrimento de Deus com Israel e, no sofrimento, ser capaz de proteger a religio da simpatia, o acesso a Deus contra a maldio de Deus (J 2,9), o endurecimento do corao e a entrega da esperana. Mas, o problema teolgico intrnseco surge quando se pergunta qual a causa do sofrimento de Deus, que sofre com a aprisionada, perseguida e assassinada Israel. Ele simplesmente sofre pela injustia e pela maldade humana? A Shekinah, que vagueia com Israel pela poeira das ruas e pendurada nas forcas em Auschwitz, sofre no Deus que tem os confins da terra em suas mos? Neste caso, no somente o sofrimento afetaria o pathos de Deus externamente, de modo que se possa dizer que o prprio Deus sofre na histria humana da injustia e da fora, mas o sofrimento seria a histria em meio ao prprio Deus. No estamos preocupados com o estabelecimento de paradoxos, mas em perguntar se as experincias da paixo e do sofrimento de Deus levam a um mistrio interior do prprio Deus, no qual Ele mesmo nos afronta.