legendre 1999 (poder genealogico de estado)

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  • 8/17/2019 Legendre 1999 (Poder Genealogico de Estado)

    1/6

    SUJEITO

    DO

    DIREITO,

    SUJETTO

    DO

    DESEIO:

    D|RE|TO

    E...

    aux

    droits

    de

    l'eníant.

    Cahiers

    du

    Centre

    de

    Recherche

    rnterdirciprinaire

    de

    Vaucresson,

    França,

    19gB:147

    160.

    i.Il[Y,_l

    L1

    démariage,

    paris,

    Ed.

    Odite

    Jacob,

    1996.

    VILLENEUVE,

    C.

    Choisir

    son

    divorce.

    Belgique,

    Marabout,

    1994.

    *ALD,

    A'

    Direito

    de

    tamÍria.

    sào

    pauro,

    Éa.

    Revista

    dos

    Tribunais,

    1985.

    B

    PODER

    GENEALOCICO

    DO

    ESTADO,

    Pierre

    Legendr&

    Tradução: Laurice

    Levy

    Revisão: Sônia

    Altoé

    Li e reli esta trilogia

    de abertura:

    Autoridade,

    Responsabilidade

    pa-

    rental

    e

    Proteção à criança.

    Retomemos a

    primeira

    constata$o

    deste

    co-

    lóquio

    -

    núcleo

    da

    fórmula

    de entrada

    -

    assim

    como aparece

    no anún-

    cio: Passamos

    da

    noção de

    poder

    paternal

    à de

    autoridade

    ou

    de res-

    ponsabilidade

    parental.

    Tentemos

    analisar

    esta

    observação

    profunda e

    minuciosamente.

    O

    que

    realmente

    por

    trás

    desta

    constatação

    que

    é unânime?

    O

    que

    existe

    nesta constatação,

    para

    além

    das

    considerações

    técnicas,

    de

    essencial

    à

    compreensão

    daquilo

    que

    se

    descortina

    ante

    nossos

    olhos?

    Existe

    um sentimento

    (mais

    ou

    menos vago,

    mesclado

    aos

    ideais

    e

    às

    cópias,

    sem

    nenhuma originalidade, de

    nossa

    época) de

    que

    vivemos

    -

    nós,

    isto

    é as

    sociedades da

    Comunidade européia

    -

    um

    marco his-

    tórico.

    Vivemos

    o

    fim do

    poder

    paterno

    e o surgimento

    de uma

    outra

    coiso

    que

    denominamos,

    com

    alguma

    hesitação,de

    autoridade

    ou então

    de

    res-

    Publicado no

    livro: Autorité,

    responsablité

    parentale

    et

    protection

    de

    l'eníant -

    Edition Chronique

    Sociale, Lyon,

    1992.

    Psicanalista

    e Professor de Ciências

    Econômicas,

    Ciências

    Sociais

    e Ciências

    Jurídicas.

    Universidade

    Paris-Sorbonne

    (França).

    Diretor

    do

    Laboratório

    Europeu

    para

    o

    Estudo da Filiação.

    85

    I

    2

  • 8/17/2019 Legendre 1999 (Poder Genealogico de Estado)

    2/6

    o1

    6

    SUJEITO

    DO

    D|RE|TO,

    SUJETTO

    DO

    DESEJO:

    D|RE|TO

    E...

    PODER

    CENEALOCICO

    DO

    ESTADO

    mana

    supera

    esta

    relação dual,

    para

    colocá-la

    a

    serviço da vida

    e da

    re-

    produção

    da vida na espécie?

    Esta

    questão

    estrutural é

    universal

    e

    múltiplas

    são

    as vias

    de acesso

    institucionais

    para

    resolvê-la,

    para ultrapassar

    a

    relação

    dual. Numa

    lin-

    guagem

    social e

    jurídica,

    eu diria:

    como

    todas

    as sociedades,

    o

    Ocidente

    esbarra na

    questão

    dos

    lugares,

    na distribuição

    de

    lugares entre

    pais

    e

    filhos;

    esbarr

    a

    na

    questdo

    genealógica,

    na questão

    das

    categorias

    defiliação

    que

    são

    categorias

    de

    reprodução

    da

    vida. Como

    qualquer

    sociedade,

    o

    Ociderrte trata

    desta

    questão por

    meio

    de

    montagens

    institucionais

    que

    ordenam

    e ultrapassam

    a

    rela$o

    dual

    introduzindo

    um terceiro

    termo.

    Concretamente

    isto

    quer

    dizer

    que,

    no contexto

    hiperindustrializa-

    do,

    científico

    e da

    mídia

    atuais, o Ocidente

    esbarra

    em condições

    ultra-

    modernas

    e,

    portanto

    superdifrceis

    ,

    na mais clóssica

    dos

    questões

    que

    é:

    como

    ordenar o

    poder genealógico? lsto é, antes

    de mais

    nada, como

    pensá-lo

    e

    compreendê-lo

    para

    organizá-lo na

    prática?

    Neste

    momento,

    encontramos

    aqui o Estado,

    os

    Estados.

    Esta

    reflexão implica,

    efetivamente,

    esta

    passagem

    obrigatória:

    o

    Es-

    tado.

    Por

    quê?

    Porque, sob

    todos

    os

    regimes

    institucionais

    ocidental-

    mente

    falando,

    os

    de Common

    Law ou os de

    tradição

    codificadora,

    o Es-

    tado

    é

    quem

    gorante

    os

    lugares

    estruturais,

    isto é

    as

    categorias

    de

    repro-

    dução;

    ele

    garante

    as

    montagens

    da

    filiação. O

    Estado

    fornece

    leis

    e

    ju-

    risprudências, ele

    responde

    definitivamente

    por

    aquilo

    que

    denominei

    de

    Justiça

    genealógica.

    Trabalharei tudo

    isto

    frente

    aos

    senhores,

    propondo-lhes dois

    gran-

    des

    problemas:

    I .

    O

    que

    é o

    poder genealógico

    e

    como

    pensd-lo

    hoie?

    2.

    que

    conclusões

    poderemos

    tirar

    quanto

    às

    questões

    levantodas

    por

    este

    colóquia?

    O

    que é

    o

    Poder Genealógico

    e

    como

    Pensá-lo

    Hoie?

    O

    poder

    genealógico

    é,

    para

    uma sociedade,

    o

    poder de

    se

    repro-

    duzir, ou melhor dizendo,

    o

    poder

    de

    se

    reproduzir conforme

    à

    lei

    da

    espécie.

    A tradição

    juídica

    européia, ao

    teorizar

    a

    questão

    da

    reprodução,

    utiliza

    uma

    Íórmula advinda

    do

    Direito

    romano: trata-se

    de in stituir

    o vido

    (vitom

    instituere).

    Hoje,

    como

    ontem,

    a

    questão

    dos respectivos

    lugares

    dos

    pais

    e da criança,

    da

    relação

    entre estes

    lugares

    pode

    ser

    pensada

    nesta

    perspectiva:

    rnstituir

    a

    vida em

    conformidade

    com

    a

    lei da espécie.

    Mas

    hoje

    não

    podemos

    mais

    pensor

    a

    lei

    da

    espécie

    como

    a

    Pensavam

    os romanos

    e seus sucessores

    europeus,

    isto é

    como se a

    mola da

    ins-

    ponsabilidode

    porentor.

    Não

    estamos

    muito

    seguros

    de

    nossas

    parawas,

    principalmente

    porque

    estes

    dois

    conceitos

    _

    autoridad

    r rponrr_

    bilidade

    -,

    longe

    de

    serem

    equivarentes,

    são

    conceitos

    concorrentes

    e

    tendem

    a

    se

    anular

    entre

    si.

    Como

    então

    enfrentar

    este problema?

    As sociedades

    do

    oeste-europeu

    o enfrentam

    como podem.

    Tenta_

    se

    uma

    conciliação,

    ora

    caminha-se

    num

    sentido,

    ora

    num

    outro;

    no

    sen-

    tido

    da

    autoridade

    e

    no sentido

    da responsabilidade.

    E,

    como vivemos

    na

    era científica

    e

    tecnológica,

    na

    era

    da

    objetivação

    generarizada

    e

    da

    teorização

    orrde qualquer

    coisa

    serve,

    faramos

    destas práticas

    de

    conci-

    liação

    dos

    contrários

    como

    os

    cientistas

    e

    os

    engenheiros

    o fazem;

    di-

    zemos

    (abstratamente)

    que

    existe

    uma

    interação

    entre

    as

    noções

    fun-

    damentais.

    lnteração.lnteração

    entre

    a

    assistência

    obrigatória

    aos

    menores

    e a

    negocíação;

    interação

    entre

    os laços

    de filiação

    e as relações

    contratuais,

    etc. Mas,

    afinal

    de

    contas,

    e

    sejam quais

    forem

    nossas

    habiridades

    te-

    óricas

    ou

    as

    evoluções

    institucionais

    constatadas,

    mais

    ou menos

    har-

    nronizadas

    num

    país

    como

    em

    outro,

    encontramo-nos

    inevitavelmente

    no

    ponto

    de

    partida,

    que

    é

    também

    o

    ponto

    elementar

    e

    centralde todo

    o

    questionamento

    que

    desenvolveremos

    aqui;

    os pais

    estão

    frente

    às

    cri-

    anças, as

    crianças

    estão

    frente

    aos pais.

    A

    humanidade

    vive

    e se

    reproduz

    dando

    sentido

    a este

    f,ace

    a face

    nas

    construções

    normativas

    de uma

    es-

    trutura de

    interdição,

    organizada

    universarmente,

    mas

    segundo

    moda-

    lidades

    institucionais

    múltiplas

    que

    nós

    denomi,amos,

    na

    tradição

    eu-

    nopéia,

    de

    jurídicas.

    o

    tema

    deste

    colóquio

    expressa

    perfeitamente

    este

    fato

    estruturar,

    colocando por

    um

    lado:

    autoridade,

    responsabilidade

    parental;

    e,

    por

    outro:

    a

    proteção

    à

    criança.

    Entre

    estes

    dois

    termos,

    mais

    exatamente

    entre estes

    dois

    grupos

    de termos,

    existe

    o

    e, a

    conjunção

    e.

    o

    tema

    centrar

    deste

    coróluio

    é

    esta

    conjunÉo

    copulativa

    (autoridade,

    responsabilidade

    parentàl

    e

    a

    prote$o

    à

    criança;

    os

    pais

    ou

    o

    parental

    e

    a

    criança).

    Dito de

    outro

    modo,

    este

    colóquio

    gira

    em

    torno de

    uma

    questão

    central,

    a mais

    dificil

    das

    questões

    que

    deve

    resolver

    histórica,

    porítica

    e

    juridicamente

    todos

    os

    srstemos

    institucionqis

    do

    planeta,

    pois

    é aí

    que

    o princípio

    da

    vida

    está

    ancorad

    oi

    como

    os

    psis

    se corocomfrente

    oosfirhos?

    camo

    os

    filhos

    se

    colocam

    frente

    aos

    pois?

    rsto

    é, como

    uma

    sociedade

    hu-

  • 8/17/2019 Legendre 1999 (Poder Genealogico de Estado)

    3/6

    PODER

    CENEALÓCICO

    DO

    ESTADO

    B9

    I

    1r

    SUJEITO

    DO

    DIREITO, SU.fEITO DO DESEJO:

    DIREITO E...

    tituição da

    vida

    não

    tivesse

    sido

    descoberta; isto

    é como

    se a

    relação

    en-

    tre o institucional,

    no

    sentido

    das

    construções

    jurídicas,

    e a

    vida

    não ti-

    vesse sido

    descobefta.

    Qual

    é então a

    relação

    entre

    o Direito

    e a vida?

    Qual

    é

    o

    poder

    da

    instituição

    da vida?

    Esta

    mola

    é

    expressa,

    por

    mim, através da

    formula:

    o

    determinismo

    simbólico

    do

    animalfalanüe.

    O

    poder genealógico

    é a

    função

    que

    opera-

    cionaliza

    este

    determinismo.

    O

    que

    é

    que

    isto

    quer

    dizer?

    lsto

    quer

    dizer

    que

    as

    funções dos

    pais

    -

    mãe

    e

    pai

    -

    são essen-

    cialmente,

    além do fato de

    se constituírem em termos de

    serem o

    que

    são, funções

    simbólicas.

    Elas só são compreensíveis

    -

    medindo

    minha

    palavras

    -

    se compreendermos

    concretamente

    que

    os

    pais,

    cada

    um

    por

    si

    e cada

    um em

    seu devido

    lugar,

    estão em representação

    e como

    que

    em

    delegação

    de

    uma

    função

    mais

    geral, que

    ultrapassa

    tanto

    a

    mãe

    quanto

    o

    pai.

    Esta

    função

    geral

    é

    a

    função que

    a humanidade

    designou sob as for-

    mas mais

    diversas

    (principalmente

    religiosa

    e,

    posteriormente,

    na mo-

    dernidade,

    pela

    interpretação

    dos

    Estados);

    é a função

    que

    consiste em

    fundar.

    Trata-se defundar

    o

    sujeito

    humano

    para que

    este possa viver.lsto

    quer

    dizer

    que

    o indivíduo, na espécie

    humana,

    pode

    viver

    -

    no

    sentido

    que

    é

    denominado

    de

    viver humanamente

    -

    se

    alguém responder

    por

    ele, se

    um

    outro responder

    por

    ele.

    Responder

    -

    a

    responsabilidade

    de responder

    por

    -

    pelofundação

    do

    sujeito

    humano

    paro que

    este

    posso

    viver,é

    a função

    genealógica:

    é um poderligado

    à

    palavra

    e

    à

    garantia

    da

    palavra.

    Este

    poder

    é exercido em dois tempos,

    segundo

    dois

    tenrpos

    lógicos.

    Para

    que possam

    entender

    melhor isto,

    inspirar-me-ei

    num

    caso

    de

    jurisprudência,

    um

    caso

    extremo

    que

    demonstra

    a

    intricação

    destes dois

    tempos

    lógicos, um

    caso onde estão mesclados um

    juiz

    e uma

    plêiade

    de

    especialistas. O

    caso

    ocorreu

    no

    Canadá,

    em

    1988. Uma criança

    de

    14

    anos

    vive com sua mãe

    desde

    o

    seu

    nascimento

    e

    não tem,

    segundo

    o

    texto

    do

    julgamento,

    nenhuma

    recordação

    do

    pai.

    O

    casamento

    dos

    pais

    foi dissolvido

    pelo

    divórcio

    e

    a

    guarda

    entregue

    à mã.e.

    Esta

    obteve

    o

    direito, a

    partir

    de destituição do

    pai,

    da

    autoridade

    parental

    deste

    pai

    e a crianp

    utiliza o

    nome

    da

    mãe.

    A história não

    pára

    aí.

    Esta mãe

    muda

    de sexo

    através de uma

    operação cirúrgica; ela, como diz o

    juiz,

    assume

    a aparência

    do sexo

    masculino ,

    e

    logo

    obtém a mudança de nome. Ten-

    do

    sido modificado, desta

    forma,

    o

    seu

    estado

    civil,

    esG

    mãe

    -

    ou me-

    lhor,

    este

    novo

    pai-

    solicita

    um

    pedido

    de

    adoSo

    de seu

    filho'

    enquan-

    topaidestacriança,afimdelhedarumacertidãodenascimentocon-

    forme

    a

    nova

    identidade

    de

    seu

    genitor'

    Como

    os

    pareceres

    psicopsi-

    quiátricos

    e dos

    assistentes

    sociais

    concluíram

    pela

    legitimidode

    desta

    di-

    ligência,

    o

    tribunal

    legalizou

    o

    pedido.

    Eu

    deveria

    dizer:

    a

    caixa

    regis-

    tãdora

    denominada

    tribunal.

    Percebo,

    nos

    considerandos

    da

    decisão,

    uma

    formula dos

    especialista

    retomada

    pelo

    juiz:

    Para

    esta criança,

    a

    mãe

    esrá

    morta.

    o

    interesse

    que

    reside

    nesta

    decisão

    extrema

    é:

    a)

    colocar

    ante

    nos-

    sos

    olhos

    os dois

    tempos

    lógicos

    do

    poder

    genealógico,

    e b)

    fazer-nos

    compreender

    a

    natureza

    simbólica

    deste

    poder, do

    poder de

    fundar'

    1.

    Os

    dois

    tempos

    lógicos

    do

    poder

    de

    fundar

    Deixemos

    provisoriamente

    o conteúdo

    da decisão

    canadense

    para

    examinar

    o esquema.

    Que

    esquema

    é

    este?

    Como

    em

    qualquer

    proce-

    dimento

    judiciário,

    estamos

    frente

    a

    protagonistas

    e a

    um

    discurso.

    os

    piotagonistas,

    antes

    mesmo

    de

    enunciar

    um

    discurso,

    estão

    ins-

    critos numa

    encenação

    de

    lugares.

    lnventariemos

    estes lugares:

    a

    ex-

    mãe,

    novo

    pai,

    que

    pede a adoção

    do

    filho;

    o

    juiz

    e

    os

    especialistas;

    o

    lugar

    da

    Lei,

    o

    luiar

    dos

    textos em

    nome

    dos

    quais todo

    este

    mecanismo

    funciona.DesignoestelugardaLeiporformulaçõesdiversas:lugarde

     Em nome

    de ,

    ou,ainda,

    càmo

    lugar

    da

    Referência;

    dito

    de

    outro

    modo'

    lugar do

    Terceirofundador

    de

    todo

    este

    sistema,

    onde

    os

    discursos

    irão

    circular.

    Agora,

    o

    que

    acontece,

    neste

    caso'

    com os

    discursos

    que circulam?

    O

    que

    aiz

    a

    ex-mãe,

    novo

    pai,

    e o

    que

    dizem

    o

    juiz

    e

    os

    especialistas

    têm

    em

    comum

    o seguinte:

    argumentam

    em tomo

    da

    mesma

    questão'

    a

    questão

    de

    saber

    se,

    segundo

    a

    Lei,

    isto

    é

    sob a

    ótica

    da

    Referência'

    doTerceiro

    do

    sistema,

    a ex-mãe,

    novo

    pai,

    estáfundado

    para

    transfor-

    mar

    o

    süaüus

    da

    criança' Qualquer

    que

    seja o

    tipo

    de

    argumento invocado

    -

    argumento

    social

    ou

    psi,

    e

    argumento

    jurídico

    -,

    trata-se

    para

    o

    juiz

     

    prrã

    o,

    especialistas

    de

    chegar

    a uma

    decisão;

    para

    a

    ex-mãe'

    novo

    pai'

    trata-se

    derconseguir

    uma

    decisão.

    Em

    suma,

    no

    caso

    evocado

    por

    mim,

    em

    qualquer

    procedimento

    onde

    intervém

    um

    juiz,

    o

    que

    diz

    respeito

    à

    criança

    e

    seu

    destino

    -

    o

    que

    denominamos

    de

    seu inüeresse

    -

    não

    está

    sendo

    levado

    em

    conta

    seriamente

    enquanto

    relação

    desta

    criança

    com

    a

    Referência'

    com

    oTer-

    ceiro,

    com

    o em

    Nome

    de, com

    a

    Lei'

    Temos

    aí o

    esquema

    de todo

    o

    i

    rl

    rl

    ,l

  • 8/17/2019 Legendre 1999 (Poder Genealogico de Estado)

    4/6

    SUjEITO

    DO

    DIREITO,

    SUJETTO

    DO

    DESEJO:

    D|RE|TO

    E...

    edifÍcio

    das Íiliações,

    o estruturo

    bósica

    do

    poder

    geneal1gi'co

    da

    qual

    es-

    clarecerei

    o

    significado.

    Toda

    criança

    desempenha

    seu destino,

    sua iden-

    tídade,

    sua

    vida

    segundo

    esta relação

    com

    a Referência,

    segundo

    esta

    relação

    cuja responsabilidade

    é

    dos

    juizes

    e

    que

    é

    leipara

    os

    pais.

    Esta relação

    evidencia

    dois

    níveis

    do

    poder

    de

    fundar:

    um nível que

    ressalta

    a função

    dosjuízes

    e

    o nível que

    ressalta

    a

    função

    dos

    pais.

    Res-

    ta-nos

    entender

    a verdadeira

    natureza

    deste

    poder,

    sua natureza sim-

    bólica.

    2. A natureza

    simbólica

    do poder

    de

    fundar

    vimos,

    no

    caso

    da

    jurisprudência

    reratado,

    um

    aricerce

    do discurso

    em

    tomo

    da

    questão

    de

    saber

    se, sob

    a

    ótica

    da

    Referência,

    sob

    a

    ótica

    do

    Terceiro,

    uma

    mãe podia

    ser

    autorizada

    a

    se

    tornar pai

    de

    seu fillro,

    pela

    explicitaçào

    cle unra

    arJoçào.Tocamos

    aína quintessência

    do

    poder

    gerrealógico;

    o

    que

    quer

    dizer, para

    os

    dois

    níveis

    onde

    este

    poder

    se

    exe[ce,

    afimç'do

    defindar,

    etn

    outros

    termos,

    a Razão

    na

    humanidade.

    Fundar,

    portanto,

    quer

    dizer

    outorizor

    a crianço

    a viver,

    introdu_

    zindo-a

    nas

    categorias

    da identidade,

    que

    são

    as

    categorias

    da

    Razão.

    A

    este respeito fareí

    três

    obseruações:

    a)

    Para

    que

    hojo

    uma

    identidade

    é

    preciso

    que

    hajo

    uma

    diferenciação.

    No

    cenário

    do

    processo

    canadense,

    vimos que

    uma

    mãe poderia

    se transformar

    num pai,

    ao

    custo

    ficcional

    da

    morte

    desta

    mãe.

    Tudo

    ocorreu como

    se

    o

    juiz

    fosse

    uma

    simples

    máquina

    registradora

    de

    um

    pedido

    louco.

    Denomino

    pedido

    louco

    o

    pedido

    que

    desconhece

    qualquer

    limíte

    e

    que, por

    isso

    mesmo,

    subverte qualquer

    montagem

    institucional

    de lugares.

    Se

    o

    juiz

    é

    uma

    máquina

    registradora,

    isto quer

    dizer

    que

    não

    existe

    mais

    juiz

    algum,

    não

    existe

    nenhuma

    função para

    representar

    o

    Ter-

    ceiro

    e a Lei frente

    à

    demanda

    de

    intervenção

    daJustiça.

    se

    a

    demanda

    sem

    limite

    é

    acolhida, isto

    querdizerque

    a

    ex-mãe,

    novo

    pai,

    se

    coloca

    enquanto

    Lei

    suprema

    para

    seu filho

    e

    que

    conseqüentemente,

    para

    esta

    criança,

    não

    haverá

    relação pensávet

    com

    o Terceiro:

    a criança

    será

    sacriÍicada

    à

    mãe.

    Portanto,

    simbolicamente,

    nesta

    questão,

    a

    montagem

    institucional

    eslá

    esvaziada

    de

    qualquer

    conteúdo,

    as

    funções

    estão

    anuladas.

    Não

    é nada

    mais

    que

    uma

    casca vazia,

    tanto para

    o

    juiz

    quanto

    para

    a

    ex-

    mãe,

    novo

    pai.

    Conseqüentemente,

    foram

    organizadas,

    para

    a

    crian_

    PODER

    CENEALÓCICO DO

    ESTADO

    ça,

    as condições

    de sua

    própria

    anulação,

    as

    condições

    de

    sua

    desti-

    tu ição

    enquanto

    sujeito.

    A

    partir

    daí, vamos à

    minha segunda observação:

    b)

    Para

    que

    hoja uma

    identidade, é

    preciso que

    seja mantida,

    poro

    a

    crianço,

    a

    via legal das identificações

    genealógicas-

    Devemos

    compreender

    muito

    bem o

    que

    segue:

    o

    que

    chamo aqui

    de lei da Referência, ou,ainda

    deTerceiro,

    não

    é

    nada mais que

    opnn-

    cípio do Poí na

    sociedade. O Pai

    não

    é

    o

    patriarca,

    é

    um

    conceito,

    an-

    tigamente

    era

    um conceito

    puramente

    religioso ou mitológico, mas

    que

    sabemos

    hoje,

    desde Freud,

    que

    se trata

    de

    uma noção lógica,

    da

    qual

    depende

    a constru$o

    da subjetividade humana.

    É este

    con-

    ceito

    que

    torna

    plausível

    e

    operacional a

    manobra das imagens

    às

    quais

    está

    ancorada

    a vida do sujeito, de

    todo

    sujeito.

    A manobra

    jurídica

    das

    imagens,

    pelo

    sistema das

    filiações, consiste

    em

    obstaculizar

    os

    efeitos

    devastadores das

    identificações selvagens,

    como no caso evocado

    por

    mim: a mãe desempenhou

    suas identiÍi-

    cações selvagemente às custas da

    criança

    e,

    em última

    instância, com

    o aval de umaJustiça sem

    bússola.

    A manobra

    das

    imagens consiste em simbolizar

    a idéia do Pai

    em

    am-

    bos

    os

    sexos, isto

    é

    para todos

    os filhos,JfilÍro de um sexo e

    do outro

    sexo

    como dizia

    a

    fórmula

    jurídica

    antiga

    (filius

    utriusque sexus).

    c)

    Finalmente,

    pora

    que

    se

    possa

    abrir,

    para

    o

    crionça,

    a via da

    identidade,

    é

    preciso que

    esto

    crionça

    esteja

    ligada a um sistema

    institucional

    que

    a es-

    truture.

    lsto é,

    que

    não

    seja

    deliqüescente. lsto leva ao imperativo

    de

    com-

    preender

    o

    que

    segue:

    os

    Estados,

    sendo aqueles

    que garantem

    pela

    pró-

    pria

    lógica

    a

    filiação,

    são os

    mestres

    das

    imagens

    e

    do

    princípio

    de

    Razão;

    eles

    fazem funcionar esta

    função,

    de essência

    antropológica, simples-

    mente

    pelo próprio

    fato

    de

    que

    o

    sistemajurídico

    do Direito

    das

    pessoas

    depende da autoridade do

    Estado.

    Ideologicamente, o

    Estado

    pode

    ser

    destituído ou

    refutado desta

    função

    de

    garantir; política

    e

    juridicamen-

    te,

    ele

    não

    o

    é,

    sob

    todos os

    regimes

    constitucionais.

    Quais

    são as conclusões

    práticas

    que

    podemos

    tirar

    destas obser-

    vações,

    quanto

    aos

    problemas

    levantados

    por

    este

    colóquio?

    Estas observações

    vão

    contribuir

    para

    a compreensão

    de onde se

    originam os

    impasses, as

    dificuldades,

    o mal-estar

    contemporâneo

    fren-

    te

    à

    questão

    estrutural

    (antropologicamente,

    a

    questão

    do

    lnterdito),

    frente

    à

    relação

    dual

    pais/filhos.

    A

    lógica

    do

    Terceiro, a

    lógica

    da Refe-

    91

  • 8/17/2019 Legendre 1999 (Poder Genealogico de Estado)

    5/6

    93

    2

    SUJEIÍO

    DO DIREITO,

    SU.fEITO DO DESEJO:

    DIREITO E...

    rência está embaralhada. Para

    retomar

    um termo

    do

    cineasta Wender,

    nos tomamos todos mini-Estados;

    ou

    ainda, segundo

    o humor

    britânico

    sempre

    à

    altura dos

    dramas, atriangulação

    do

    sujeito

    -

    a

    relação

    da cri-

    ança com seus

    pais

    e

    a

    relação

    de

    cada

    um

    deles com

    a

    função que

    exer-

    cem

    -

    se

    resolve

    na fórmula:

    Eu,

    mim

    e eu mesmo .

    Na

    prática,

    isto

    quer

    dizer: o

    self-service

    normativo.

    É

    o

    triunfo

    dos

    ideais

    do

    sujeito-Rei,

    isto

    é

    o

    sujeito que

    é para

    si

    próprio

    e para

    seu

    filho

    o Terceiro absoluto,

    a Referência.

    Nestas

    condições,

    não seriam

    mais

    teoricamente

    pensáveis

    nem

    o

    Terceiro,

    nem

    tampouco

    a

    Referên-

    cia;

    não haveria

    mais

    a

    função

    parental,

    nem

    um lugar

    para

    a

    criança,

    em-

    purrado para

    um sÊatus

    de miniadulto,

    soberano

    do escárnio; para

    a

    cri-

    ança não haveria

    mais

    imagens

    identificatórias

    que

    funcionem

    para

    o

    sentido

    da

    vida.

    Quanto

    ao

    juiz,

    não

    seria

    nada

    mais

    que

    um simples

     quebra-galho ,

    uma

    máquina

    registradora,

    seu lugar

    no

    mecanismo

    de

    simbolização

    das imagens

    (as

    montagens

    do Estado

    e do Direito)não

    te-

    ria mais

    onde

    se

    ancorar.

    Ora,

    o sistema

    normativo,

    o sistema

    das filiações,

    em uma

    palavra

    a

    ordem

    genealógica,

    é

    uma

    ordem lógica

    que

    funciona

    de

    modo impla-

    cável,

    pois

    o determinismo

    simbólico implica

    a

    predição.

    Se

    mexermos

    cegamente

    na

    mecânica

    do

    Terceiro

    e

    da Referência,

    produziremos

    e;Êl:

    tos

    deruptura

    em cadeia,

    a

    ruptura

    do

    sujeito

    para

    as novas

    gerações.

    O

    problema

    institucional

    -

    o

    problema

    de

    instituir

    a

    vida

    hoje

    -

    não é saber

    se temos

    boas intenções

    políticas,

    se somos

    bons

    democratas, mas

    sim de

    saber se

    o Direito

    civil, o sistema

    normativo

    de um

    modo

    geral (para

    o

    qual

    contribuem

    diretamente

    as adminis-

    trações

    públicas

    ou

    privadas),

    é vivível,

    subjetivamente

    vivível,

    para

    o

    sujeito

    das

    novas gerações.

    Aceitaríamos

    nós repensar,

    com

    rigor,

    o

    poder

    genealógico

    enquanto tal, isto

    é inicialmente

    e antes

    de mais

    nada

    a

    função

    simbólica dos Estados,

    destes

    Estados que garantem

    a

    reprodução dos filhos, filhos de um sexo

    e

    do

    outro?

    Aceitaríamos

    nós

    que

    o Estado

    seja

    juridicamente

    aquele

    que garante

    o

    princípio

    do

    Pai

    para

    os dois

    sexos?

    Ou, ao

    contrário, vamos nos

    contentar

    em

    gerar

    a

    dessubjetivação

    das

    massas

    e considerar

    como

    uma ne-

    cessidade

    inevitável

    o

    lote de sacrificados,

    dos

    hondicapás simbólicos

    vindo encarnar a

    debandada

    (suicídios,

    psicoses

    provocadas

    anteci-

    padamente,

    aniquilamento

    subjetivo sob

    todas suas

    formas)?

    Neste

    sentido,

    limitar-me-ei

    a tirar

    duas conclusões

    práticas:

    PODER CENEALOGICO DO ESTADO

    -

    pode

    haver casuística eficiente

    do interesse

    da crionça

    se

    se

    reconhe-

    cesse

    o

    jogo

    estrutural dos lugares.

    Isto

    quer

    dizer o reconhecimento

    da

    existência de lugores

    outorizo-

    dos

    -

    em

    primeiro

    lugar

    e

    antes

    de mais

    nada a do

    juiz

    -,

    a

    partir

    das

    quais

    funciona,

    em

    relação

    à

    criança, a

    manobra institucional

    das ima-

    gens

    fundadoras

    e do

    princípio

    da

    Razão, a

    fim

    de estruturaresta

    criança.

    lsto

    quer

    dizer

    reconhecer

    na criança sua

    qualidade decredor

    gene-

    alógico,

    daquele

    a

    quem

    se deve

    a

    separação

    simbólica da Mãe com

    letra

    maiúscula,

    aquele a

    quem

    se deve o

    Interdito,

    isto

    é

    o

    exercício

    da

    função

    de Terceiro, da

    função de

    Pai,

    para que

    ela, a

    criança,

    seja

    introduzida,

    de

    modo

    não arbitrário, na simbolização

    do

    limite.

    Mas,

    para

    que

    a criança

    possa

    simbolizar

    o

    limite,

    é

    preciso

    ainda

    que

    os

    próprios

    pais tenham

    tido

    limites

    em

    suas

    reivindicações

    de amor

    (em

    termos

    psicanalíticos:

    de

    amor

    narcísico)

    de seu

    filho.

    Do mesmo

    modo

    que

    é

    preciso que

    os

    psiquiatras,

    psicólogos, psicanalistas,

    soció-

    logos, assistentes sociais,

    especialistas

    de

    todos os tipos,

    aprendam

    o

    que

    comporta

    o exercício

    da

    fun$o

    simbólica,

    esta função

    que

    institui

    o

    Iimite fixando

    os

    lugares.

    -

    A

    chave de um

    pensamento

    moderno sobre

    a

    função

    do

    Terceiro e o

    poder

    defundor

    é a de

    promover

    o

    reflexão

    sobre

    a

    casuísticaiurídica e

    afunção

    do

    juí2.

    Por

    que

    e como?

    Por

    duas

    razões essenciais.

    A

    primeira

    é

    a

    seguinte:

    a casuística,

    a

    reflexão sobre os casos, é o

    único

    método

    que permite

    evidenciar

    ospro

    blemas

    anteriormente

    colocados e

    que

    resumirei rapidamente; é inútil es-

    perar qualquer

    eficiência

    por parte

    dos

    que praticam

    o Direito e

    dos

    sis-

    temas

    administrativos,

    particularmente

    dos

    juízes

    em seus

    lugares

    es-

    tratégicos,

    se,

    além disso,

    isto é a nível das

    ideologias sociais e das

    le-

    gislações parlamentares, rompemos

    de

    antemão as

    montagens simbóli-

    cas

    da

    relação da criança com

    o terceiro, com

    a Referência, estas

    mon-

    tagens

    que

    os

    juízes

    têm

    justamente

    a

    responsabilidade de operacio-

    nalizar

    quando

    surgem os

    conflitos.

    Como,

    por

    exemplo:

    a

    presunção

    de

    paternidade,

    o

    nome,

    que

    são os

    grandes

    pilares

    da simboliza$o.

    É

    a

    casuística, e apenas ela,

    quem pode

    aqui demonstrar os

    impasses.

    Eis

    por que

    é

    tão

    importante: ela

    mostra

    muito clara e abertamente

    as difi-

    culdades.

  • 8/17/2019 Legendre 1999 (Poder Genealogico de Estado)

    6/6

    SUJEITO

    DO

    D|REITO,

    SUTE|TO

    DO

    DESEIO:

    D|RE|TO

    E...

    I

    O

    DIREITO

    DOS

    MENORES

    E

    SUA

    EVOLUÇÃO

    FACE

    ÀS

    nrcRAs

    INTERNACIONAIS'

    Annina

    Lahalle

    2

    Tradução:

    Laurice

    Levy

    Revisão:

    Sônia

    Altoé

    Publicado

    no

    livro:

    Autorité,

    responsabilité

    parentale

    et

    protection

    de l,enfant,,-

    Edition

    Chronique

    sociale,

    Lyon,

    -l992.

    Socióloga, pesquisadora

    do

    CNRS

    -

    CRIV

    Vaucresson (França).

    95

    o direito dos

    menores,

    o atendimento

    aos

    menores

    delinqüentes

    e

    a

    proteção

    dos

    jovens

    em

    perigo

    foram,

    durante

    muito

    tempo,

    percebi-

    dos

    como

    problemas

    que

    se

    referiam,

    autonomamente,

    a

    cada

    país

    ou,

    eventualmente

    em

    vista

    de uma

    análise

    comparativa,

    a

    grupo

    de

    países.

    A

    reflexão

    sobre

    as formas

    de

    atendimento

    com

    os menores

    era enca-

    minhada

    habitualmente,

    no

    plano

    nacional,

    pelas

    diferentes

    categorias

    profissionais

    e administrações

    implicadas

    no

    assunto.

    A

    partir

    dos

    anos

    oitenta,

    por

    outro

    lado,

    vimos

    desenvorver-se

    uma

    reflexão

    mais

    ampla,

    dentro

    do

    quadro

    das

    Nações

    unidas

    e,

    portanto,

    numa

    dimensão universal,

    com

    a

    adoção,

    em

    r

    9gs,

    das

    Regras

    mínimas

    das

    Nações

    unidas

    para

    a administração

    da

    justiça

    dos

    menóres (conhe-

    cidas

    pelo

    nome

    de

    Regras

    de

    Beijing )

    e,

    em

    1990,

    com

    a,,Convenção

    das

    Nações

    unidas

    pelos

    Direitos

    da

    criança .

    No

    que

    diz respeito

    à Eu-

    ropa,

    as

    Recomendações

    do

    conselho

    da

    Europa

    sobre

    as

    reações

    so-

    1

    2