legendre 1999 (poder genealogico de estado)
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-
8/17/2019 Legendre 1999 (Poder Genealogico de Estado)
1/6
SUJEITO
DO
DIREITO,
SUJETTO
DO
DESEIO:
D|RE|TO
E...
aux
droits
de
l'eníant.
Cahiers
du
Centre
de
Recherche
rnterdirciprinaire
de
Vaucresson,
França,
19gB:147
160.
i.Il[Y,_l
L1
démariage,
paris,
Ed.
Odite
Jacob,
1996.
VILLENEUVE,
C.
Choisir
son
divorce.
Belgique,
Marabout,
1994.
*ALD,
A'
Direito
de
tamÍria.
sào
pauro,
Éa.
Revista
dos
Tribunais,
1985.
B
PODER
GENEALOCICO
DO
ESTADO,
Pierre
Legendr&
Tradução: Laurice
Levy
Revisão: Sônia
Altoé
Li e reli esta trilogia
de abertura:
Autoridade,
Responsabilidade
pa-
rental
e
Proteção à criança.
Retomemos a
primeira
constata$o
deste
co-
lóquio
-
núcleo
da
fórmula
de entrada
-
assim
como aparece
no anún-
cio: Passamos
da
noção de
poder
paternal
à de
autoridade
ou
de res-
ponsabilidade
parental.
Tentemos
analisar
esta
observação
profunda e
minuciosamente.
O
que
há
realmente
por
trás
desta
constatação
que
é unânime?
O
que
existe
nesta constatação,
para
além
das
considerações
técnicas,
de
essencial
à
compreensão
daquilo
que
se
descortina
ante
nossos
olhos?
Existe
um sentimento
(mais
ou
menos vago,
mesclado
aos
ideais
e
às
cópias,
sem
nenhuma originalidade, de
nossa
época) de
que
vivemos
-
nós,
isto
é as
sociedades da
Comunidade européia
-
um
marco his-
tórico.
Vivemos
o
fim do
poder
paterno
e o surgimento
de uma
outra
coiso
que
denominamos,
com
alguma
hesitação,de
autoridade
ou então
de
res-
Publicado no
livro: Autorité,
responsablité
parentale
et
protection
de
l'eníant -
Edition Chronique
Sociale, Lyon,
1992.
Psicanalista
e Professor de Ciências
Econômicas,
Ciências
Sociais
e Ciências
Jurídicas.
Universidade
Paris-Sorbonne
(França).
Diretor
do
Laboratório
Europeu
para
o
Estudo da Filiação.
85
I
2
-
8/17/2019 Legendre 1999 (Poder Genealogico de Estado)
2/6
o1
6
SUJEITO
DO
D|RE|TO,
SUJETTO
DO
DESEJO:
D|RE|TO
E...
PODER
CENEALOCICO
DO
ESTADO
mana
supera
esta
relação dual,
para
colocá-la
a
serviço da vida
e da
re-
produção
da vida na espécie?
Esta
questão
estrutural é
universal
e
múltiplas
são
as vias
de acesso
institucionais
para
resolvê-la,
para ultrapassar
a
relação
dual. Numa
lin-
guagem
social e
jurídica,
eu diria:
como
todas
as sociedades,
o
Ocidente
esbarra na
questão
dos
lugares,
na distribuição
de
lugares entre
pais
e
filhos;
esbarr
a
na
questdo
genealógica,
na questão
das
categorias
defiliação
que
são
categorias
de
reprodução
da
vida. Como
qualquer
sociedade,
o
Ociderrte trata
desta
questão por
meio
de
montagens
institucionais
que
ordenam
e ultrapassam
a
rela$o
dual
introduzindo
um terceiro
termo.
Concretamente
isto
quer
dizer
que,
no contexto
hiperindustrializa-
do,
científico
e da
mídia
atuais, o Ocidente
esbarra
em condições
ultra-
modernas
e,
portanto
superdifrceis
,
na mais clóssica
dos
questões
que
é:
como
ordenar o
poder genealógico? lsto é, antes
de mais
nada, como
pensá-lo
e
compreendê-lo
para
organizá-lo na
prática?
Neste
momento,
encontramos
aqui o Estado,
os
Estados.
Esta
reflexão implica,
efetivamente,
esta
passagem
obrigatória:
o
Es-
tado.
Por
quê?
Porque, sob
todos
os
regimes
institucionais
ocidental-
mente
falando,
os
de Common
Law ou os de
tradição
codificadora,
o Es-
tado
é
quem
gorante
os
lugares
estruturais,
isto é
as
categorias
de
repro-
dução;
ele
garante
as
montagens
da
filiação. O
Estado
fornece
leis
e
ju-
risprudências, ele
responde
definitivamente
por
aquilo
que
denominei
de
Justiça
genealógica.
Trabalharei tudo
isto
frente
aos
senhores,
propondo-lhes dois
gran-
des
problemas:
I .
O
que
é o
poder genealógico
e
como
pensd-lo
hoie?
2.
que
conclusões
poderemos
tirar
quanto
às
questões
levantodas
por
este
colóquia?
O
que é
o
Poder Genealógico
e
como
Pensá-lo
Hoie?
O
poder
genealógico
é,
para
uma sociedade,
o
poder de
se
repro-
duzir, ou melhor dizendo,
o
poder
de
se
reproduzir conforme
à
lei
da
espécie.
A tradição
juídica
européia, ao
teorizar
a
questão
da
reprodução,
utiliza
uma
Íórmula advinda
do
Direito
romano: trata-se
de in stituir
o vido
(vitom
instituere).
Hoje,
como
ontem,
a
questão
dos respectivos
lugares
dos
pais
e da criança,
da
relação
entre estes
lugares
só
pode
ser
pensada
nesta
perspectiva:
rnstituir
a
vida em
conformidade
com
a
lei da espécie.
Mas
hoje
não
podemos
mais
pensor
a
lei
da
espécie
como
a
Pensavam
os romanos
e seus sucessores
europeus,
isto é
como se a
mola da
ins-
ponsabilidode
porentor.
Não
estamos
muito
seguros
de
nossas
parawas,
principalmente
porque
estes
dois
conceitos
_
autoridad
r rponrr_
bilidade
-,
longe
de
serem
equivarentes,
são
conceitos
concorrentes
e
tendem
a
se
anular
entre
si.
Como
então
enfrentar
este problema?
As sociedades
do
oeste-europeu
o enfrentam
como podem.
Tenta_
se
uma
conciliação,
ora
caminha-se
num
sentido,
ora
num
outro;
no
sen-
tido
da
autoridade
e
no sentido
da responsabilidade.
E,
como vivemos
na
era científica
e
tecnológica,
na
era
da
objetivação
generarizada
e
da
teorização
orrde qualquer
coisa
serve,
faramos
destas práticas
de
conci-
liação
dos
contrários
como
os
cientistas
e
os
engenheiros
o fazem;
di-
zemos
(abstratamente)
que
existe
uma
interação
entre
as
noções
fun-
damentais.
lnteração.lnteração
entre
a
assistência
obrigatória
aos
menores
e a
negocíação;
interação
entre
os laços
de filiação
e as relações
contratuais,
etc. Mas,
afinal
de
contas,
e
sejam quais
forem
nossas
habiridades
te-
óricas
ou
as
evoluções
institucionais
constatadas,
mais
ou menos
har-
nronizadas
num
país
como
em
outro,
encontramo-nos
inevitavelmente
no
ponto
de
partida,
que
é
também
o
ponto
elementar
e
centralde todo
o
questionamento
que
desenvolveremos
aqui;
os pais
estão
frente
às
cri-
anças, as
crianças
estão
frente
aos pais.
A
humanidade
vive
e se
reproduz
dando
sentido
a este
f,ace
a face
nas
construções
normativas
de uma
es-
trutura de
interdição,
organizada
universarmente,
mas
segundo
moda-
lidades
institucionais
múltiplas
que
nós
denomi,amos,
na
tradição
eu-
nopéia,
de
jurídicas.
o
tema
deste
colóquio
expressa
perfeitamente
este
fato
estruturar,
colocando por
um
lado:
autoridade,
responsabilidade
parental;
e,
por
outro:
a
proteção
à
criança.
Entre
estes
dois
termos,
mais
exatamente
entre estes
dois
grupos
de termos,
existe
o
e, a
conjunção
e.
o
tema
centrar
deste
coróluio
é
esta
conjunÉo
copulativa
(autoridade,
responsabilidade
parentàl
e
a
prote$o
à
criança;
os
pais
ou
o
parental
e
a
criança).
Dito de
outro
modo,
este
colóquio
gira
em
torno de
uma
questão
central,
a mais
dificil
das
questões
que
deve
resolver
histórica,
porítica
e
juridicamente
todos
os
srstemos
institucionqis
do
planeta,
pois
é aí
que
o princípio
da
vida
está
ancorad
oi
como
os
psis
se corocomfrente
oosfirhos?
camo
os
filhos
se
colocam
frente
aos
pois?
rsto
é, como
uma
sociedade
hu-
-
8/17/2019 Legendre 1999 (Poder Genealogico de Estado)
3/6
PODER
CENEALÓCICO
DO
ESTADO
B9
I
1r
SUJEITO
DO
DIREITO, SU.fEITO DO DESEJO:
DIREITO E...
tituição da
vida
não
tivesse
sido
descoberta; isto
é como
se a
relação
en-
tre o institucional,
no
sentido
das
construções
jurídicas,
e a
vida
não ti-
vesse sido
descobefta.
Qual
é então a
relação
entre
o Direito
e a vida?
Qual
é
o
poder
da
instituição
da vida?
Esta
mola
é
expressa,
por
mim, através da
formula:
o
determinismo
simbólico
do
animalfalanüe.
O
poder genealógico
é a
função
que
opera-
cionaliza
este
determinismo.
O
que
é
que
isto
quer
dizer?
lsto
quer
dizer
que
as
funções dos
pais
-
mãe
e
pai
-
são essen-
cialmente,
além do fato de
se constituírem em termos de
serem o
que
são, funções
simbólicas.
Elas só são compreensíveis
-
medindo
minha
palavras
-
se compreendermos
concretamente
que
os
pais,
cada
um
por
si
e cada
um em
seu devido
lugar,
estão em representação
e como
que
em
delegação
de
uma
função
mais
geral, que
ultrapassa
tanto
a
mãe
quanto
o
pai.
Esta
função
geral
é
a
função que
a humanidade
designou sob as for-
mas mais
diversas
(principalmente
religiosa
e,
posteriormente,
na mo-
dernidade,
pela
interpretação
dos
Estados);
é a função
que
consiste em
fundar.
Trata-se defundar
o
sujeito
humano
para que
este possa viver.lsto
quer
dizer
que
o indivíduo, na espécie
humana,
só
pode
viver
-
no
sentido
que
é
denominado
de
viver humanamente
-
se
alguém responder
por
ele, se
um
outro responder
por
ele.
Responder
-
a
responsabilidade
de responder
por
-
pelofundação
do
sujeito
humano
paro que
este
posso
viver,é
a função
genealógica:
é um poderligado
à
palavra
e
à
garantia
da
palavra.
Este
poder
é exercido em dois tempos,
segundo
dois
tenrpos
lógicos.
Para
que possam
entender
melhor isto,
inspirar-me-ei
num
caso
de
jurisprudência,
um
caso
extremo
que
demonstra
a
intricação
destes dois
tempos
lógicos, um
caso onde estão mesclados um
juiz
e uma
plêiade
de
especialistas. O
caso
ocorreu
no
Canadá,
em
1988. Uma criança
de
14
anos
vive com sua mãe
desde
o
seu
nascimento
e
não tem,
segundo
o
texto
do
julgamento,
nenhuma
recordação
do
pai.
O
casamento
dos
pais
foi dissolvido
pelo
divórcio
e
a
guarda
entregue
à mã.e.
Esta
obteve
o
direito, a
partir
de destituição do
pai,
da
autoridade
parental
deste
pai
e a crianp
utiliza o
nome
da
mãe.
A história não
pára
aí.
Esta mãe
muda
de sexo
através de uma
operação cirúrgica; ela, como diz o
juiz,
assume
a aparência
do sexo
masculino ,
e
logo
obtém a mudança de nome. Ten-
do
sido modificado, desta
forma,
o
seu
estado
civil,
esG
mãe
-
ou me-
lhor,
este
novo
pai-
solicita
um
pedido
de
adoSo
de seu
filho'
enquan-
topaidestacriança,afimdelhedarumacertidãodenascimentocon-
forme
a
nova
identidade
de
seu
genitor'
Como
os
pareceres
psicopsi-
quiátricos
e dos
assistentes
sociais
concluíram
pela
legitimidode
desta
di-
ligência,
o
tribunal
legalizou
o
pedido.
Eu
deveria
dizer:
a
caixa
regis-
tãdora
denominada
tribunal.
Percebo,
nos
considerandos
da
decisão,
uma
formula dos
especialista
retomada
pelo
juiz:
Para
esta criança,
a
mãe
esrá
morta.
o
interesse
que
reside
nesta
decisão
extrema
é:
a)
colocar
ante
nos-
sos
olhos
os dois
tempos
lógicos
do
poder
genealógico,
e b)
fazer-nos
compreender
a
natureza
simbólica
deste
poder, do
poder de
fundar'
1.
Os
dois
tempos
lógicos
do
poder
de
fundar
Deixemos
provisoriamente
o conteúdo
da decisão
canadense
para
examinar
o esquema.
Que
esquema
é
este?
Como
em
qualquer
proce-
dimento
judiciário,
estamos
frente
a
protagonistas
e a
um
discurso.
os
piotagonistas,
antes
mesmo
de
enunciar
um
discurso,
estão
ins-
critos numa
encenação
de
lugares.
lnventariemos
estes lugares:
a
ex-
mãe,
novo
pai,
que
pede a adoção
do
filho;
o
juiz
e
os
especialistas;
o
lugar
da
Lei,
o
luiar
dos
textos em
nome
dos
quais todo
este
mecanismo
funciona.DesignoestelugardaLeiporformulaçõesdiversas:lugarde
Em nome
de ,
ou,ainda,
càmo
lugar
da
Referência;
dito
de
outro
modo'
lugar do
Terceirofundador
de
todo
este
sistema,
onde
os
discursos
irão
circular.
Agora,
o
que
acontece,
neste
caso'
com os
discursos
que circulam?
O
que
aiz
a
ex-mãe,
novo
pai,
e o
que
dizem
o
juiz
e
os
especialistas
têm
em
comum
o seguinte:
argumentam
em tomo
da
mesma
questão'
a
questão
de
saber
se,
segundo
a
Lei,
isto
é
sob a
ótica
da
Referência'
doTerceiro
do
sistema,
a ex-mãe,
novo
pai,
estáfundado
para
transfor-
mar
o
süaüus
da
criança' Qualquer
que
seja o
tipo
de
argumento invocado
-
argumento
social
ou
psi,
e
argumento
jurídico
-,
trata-se
para
o
juiz
prrã
o,
especialistas
de
chegar
a uma
decisão;
para
a
ex-mãe'
novo
pai'
trata-se
derconseguir
uma
decisão.
Em
suma,
no
caso
evocado
por
mim,
em
qualquer
procedimento
onde
intervém
um
juiz,
o
que
diz
respeito
à
criança
e
seu
destino
-
o
que
denominamos
de
seu inüeresse
-
não
está
sendo
levado
em
conta
seriamente
enquanto
relação
desta
criança
com
a
Referência'
com
oTer-
ceiro,
com
o em
Nome
de, com
a
Lei'
Temos
aí o
esquema
de todo
o
i
rl
rl
,l
-
8/17/2019 Legendre 1999 (Poder Genealogico de Estado)
4/6
SUjEITO
DO
DIREITO,
SUJETTO
DO
DESEJO:
D|RE|TO
E...
edifÍcio
das Íiliações,
o estruturo
bósica
do
poder
geneal1gi'co
da
qual
es-
clarecerei
o
significado.
Toda
criança
desempenha
seu destino,
sua iden-
tídade,
sua
vida
segundo
esta relação
com
a Referência,
segundo
esta
relação
cuja responsabilidade
é
dos
juizes
e
que
é
leipara
os
pais.
Esta relação
evidencia
dois
níveis
do
poder
de
fundar:
um nível que
ressalta
a função
dosjuízes
e
o nível que
ressalta
a
função
dos
pais.
Res-
ta-nos
entender
a verdadeira
natureza
deste
poder,
sua natureza sim-
bólica.
2. A natureza
simbólica
do poder
de
fundar
vimos,
no
caso
da
jurisprudência
reratado,
um
aricerce
do discurso
em
tomo
da
questão
de
saber
se, sob
a
ótica
da
Referência,
sob
a
ótica
do
Terceiro,
uma
mãe podia
ser
autorizada
a
se
tornar pai
de
seu fillro,
pela
explicitaçào
cle unra
arJoçào.Tocamos
aína quintessência
do
poder
gerrealógico;
o
que
quer
dizer, para
os
dois
níveis
onde
este
poder
se
exe[ce,
afimç'do
defindar,
etn
outros
termos,
a Razão
na
humanidade.
Fundar,
portanto,
quer
dizer
outorizor
a crianço
a viver,
introdu_
zindo-a
nas
categorias
da identidade,
que
são
as
categorias
da
Razão.
A
este respeito fareí
três
obseruações:
a)
Para
que
hojo
uma
identidade
é
preciso
que
hajo
uma
diferenciação.
No
cenário
do
processo
canadense,
vimos que
uma
mãe poderia
se transformar
num pai,
ao
custo
ficcional
da
morte
desta
mãe.
Tudo
ocorreu como
se
o
juiz
fosse
uma
simples
máquina
registradora
de
um
pedido
louco.
Denomino
pedido
louco
o
pedido
que
desconhece
qualquer
limíte
e
que, por
isso
mesmo,
subverte qualquer
montagem
institucional
de lugares.
Se
o
juiz
é
uma
máquina
registradora,
isto quer
dizer
que
não
existe
mais
juiz
algum,
não
existe
nenhuma
função para
representar
o
Ter-
ceiro
e a Lei frente
à
demanda
de
intervenção
daJustiça.
se
a
demanda
sem
limite
é
acolhida, isto
querdizerque
a
ex-mãe,
novo
pai,
se
coloca
enquanto
Lei
suprema
para
seu filho
e
que
conseqüentemente,
para
esta
criança,
não
haverá
relação pensávet
com
o Terceiro:
a criança
será
sacriÍicada
à
mãe.
Portanto,
simbolicamente,
nesta
questão,
a
montagem
institucional
eslá
esvaziada
de
qualquer
conteúdo,
as
funções
estão
anuladas.
Não
é nada
mais
que
uma
casca vazia,
tanto para
o
juiz
quanto
para
a
ex-
mãe,
novo
pai.
Conseqüentemente,
foram
organizadas,
para
a
crian_
PODER
CENEALÓCICO DO
ESTADO
ça,
as condições
de sua
própria
anulação,
as
condições
de
sua
desti-
tu ição
enquanto
sujeito.
A
partir
daí, vamos à
minha segunda observação:
b)
Para
que
hoja uma
identidade, é
preciso que
seja mantida,
poro
a
crianço,
a
via legal das identificações
genealógicas-
Devemos
compreender
muito
bem o
que
segue:
o
que
chamo aqui
de lei da Referência, ou,ainda
deTerceiro,
não
é
nada mais que
opnn-
cípio do Poí na
sociedade. O Pai
não
é
o
patriarca,
é
um
conceito,
an-
tigamente
era
um conceito
puramente
religioso ou mitológico, mas
que
sabemos
hoje,
desde Freud,
que
se trata
de
uma noção lógica,
da
qual
depende
a constru$o
da subjetividade humana.
É este
con-
ceito
que
torna
plausível
e
operacional a
manobra das imagens
às
quais
está
ancorada
a vida do sujeito, de
todo
sujeito.
A manobra
jurídica
das
imagens,
pelo
sistema das
filiações, consiste
em
obstaculizar
os
efeitos
devastadores das
identificações selvagens,
como no caso evocado
por
mim: a mãe desempenhou
suas identiÍi-
cações selvagemente às custas da
criança
e,
em última
instância, com
o aval de umaJustiça sem
bússola.
A manobra
das
imagens consiste em simbolizar
a idéia do Pai
em
am-
bos
os
sexos, isto
é
para todos
os filhos,JfilÍro de um sexo e
do outro
sexo
como dizia
a
fórmula
jurídica
antiga
(filius
utriusque sexus).
c)
Finalmente,
pora
que
se
possa
abrir,
para
o
crionça,
a via da
identidade,
é
preciso que
esto
crionça
esteja
ligada a um sistema
institucional
que
a es-
truture.
lsto é,
que
não
seja
deliqüescente. lsto leva ao imperativo
de
com-
preender
o
que
segue:
os
Estados,
sendo aqueles
que garantem
pela
pró-
pria
lógica
a
filiação,
são os
mestres
das
imagens
e
do
princípio
de
Razão;
eles
fazem funcionar esta
função,
de essência
antropológica, simples-
mente
pelo próprio
fato
de
que
o
sistemajurídico
do Direito
das
pessoas
depende da autoridade do
Estado.
Ideologicamente, o
Estado
pode
ser
destituído ou
refutado desta
função
de
garantir; política
e
juridicamen-
te,
ele
não
o
é,
sob
todos os
regimes
constitucionais.
Quais
são as conclusões
práticas
que
podemos
tirar
destas obser-
vações,
quanto
aos
problemas
levantados
por
este
colóquio?
Estas observações
vão
contribuir
para
a compreensão
de onde se
originam os
impasses, as
dificuldades,
o mal-estar
contemporâneo
fren-
te
à
questão
estrutural
(antropologicamente,
a
questão
do
lnterdito),
frente
à
relação
dual
pais/filhos.
A
lógica
do
Terceiro, a
lógica
da Refe-
91
-
8/17/2019 Legendre 1999 (Poder Genealogico de Estado)
5/6
93
2
SUJEIÍO
DO DIREITO,
SU.fEITO DO DESEJO:
DIREITO E...
rência está embaralhada. Para
retomar
um termo
do
cineasta Wender,
nos tomamos todos mini-Estados;
ou
ainda, segundo
o humor
britânico
sempre
à
altura dos
dramas, atriangulação
do
sujeito
-
a
relação
da cri-
ança com seus
pais
e
a
relação
de
cada
um
deles com
a
função que
exer-
cem
-
se
resolve
na fórmula:
Eu,
mim
e eu mesmo .
Na
prática,
isto
quer
dizer: o
self-service
normativo.
É
o
triunfo
dos
ideais
do
sujeito-Rei,
isto
é
o
sujeito que
é para
si
próprio
e para
seu
filho
o Terceiro absoluto,
a Referência.
Nestas
condições,
não seriam
mais
teoricamente
pensáveis
nem
o
Terceiro,
nem
tampouco
a
Referên-
cia;
não haveria
mais
a
função
parental,
nem
um lugar
para
a
criança,
em-
purrado para
um sÊatus
de miniadulto,
soberano
do escárnio; para
a
cri-
ança não haveria
mais
imagens
identificatórias
que
funcionem
para
o
sentido
da
vida.
Quanto
ao
juiz,
não
seria
nada
mais
que
um simples
quebra-galho ,
uma
máquina
registradora,
seu lugar
no
mecanismo
de
simbolização
das imagens
(as
montagens
do Estado
e do Direito)não
te-
ria mais
onde
se
ancorar.
Ora,
o sistema
normativo,
o sistema
das filiações,
em uma
palavra
a
ordem
genealógica,
é
uma
ordem lógica
que
funciona
de
modo impla-
cável,
pois
o determinismo
simbólico implica
a
predição.
Se
mexermos
cegamente
na
mecânica
do
Terceiro
e
da Referência,
produziremos
e;Êl:
tos
deruptura
em cadeia,
a
ruptura
do
sujeito
para
as novas
gerações.
O
problema
institucional
-
o
problema
de
instituir
a
vida
hoje
-
não é saber
se temos
boas intenções
políticas,
se somos
bons
democratas, mas
sim de
saber se
o Direito
civil, o sistema
normativo
de um
modo
geral (para
o
qual
contribuem
diretamente
as adminis-
trações
públicas
ou
privadas),
é vivível,
subjetivamente
vivível,
para
o
sujeito
das
novas gerações.
Aceitaríamos
nós repensar,
com
rigor,
o
poder
genealógico
enquanto tal, isto
é inicialmente
e antes
de mais
nada
a
função
simbólica dos Estados,
destes
Estados que garantem
a
reprodução dos filhos, filhos de um sexo
e
do
outro?
Aceitaríamos
nós
que
o Estado
seja
juridicamente
aquele
que garante
o
princípio
do
Pai
para
os dois
sexos?
Ou, ao
contrário, vamos nos
contentar
em
gerar
a
dessubjetivação
das
massas
e considerar
como
uma ne-
cessidade
inevitável
o
lote de sacrificados,
dos
hondicapás simbólicos
vindo encarnar a
debandada
(suicídios,
psicoses
provocadas
anteci-
padamente,
aniquilamento
subjetivo sob
todas suas
formas)?
Neste
sentido,
limitar-me-ei
a tirar
duas conclusões
práticas:
PODER CENEALOGICO DO ESTADO
-
Só
pode
haver casuística eficiente
do interesse
da crionça
se
se
reconhe-
cesse
o
jogo
estrutural dos lugares.
Isto
quer
dizer o reconhecimento
da
existência de lugores
outorizo-
dos
-
em
primeiro
lugar
e
antes
de mais
nada a do
juiz
-,
a
partir
das
quais
funciona,
em
relação
à
criança, a
manobra institucional
das ima-
gens
fundadoras
e do
princípio
da
Razão, a
fim
de estruturaresta
criança.
lsto
quer
dizer
reconhecer
na criança sua
qualidade decredor
gene-
alógico,
daquele
a
quem
se deve
a
separação
simbólica da Mãe com
letra
maiúscula,
aquele a
quem
se deve o
Interdito,
isto
é
o
exercício
da
função
de Terceiro, da
função de
Pai,
para que
ela, a
criança,
seja
introduzida,
de
modo
não arbitrário, na simbolização
do
limite.
Mas,
para
que
a criança
possa
simbolizar
o
limite,
é
preciso
ainda
que
os
próprios
pais tenham
tido
limites
em
suas
reivindicações
de amor
(em
termos
psicanalíticos:
de
amor
narcísico)
de seu
filho.
Do mesmo
modo
que
é
preciso que
os
psiquiatras,
psicólogos, psicanalistas,
soció-
logos, assistentes sociais,
especialistas
de
todos os tipos,
aprendam
o
que
comporta
o exercício
da
fun$o
simbólica,
esta função
que
institui
o
Iimite fixando
os
lugares.
-
A
chave de um
pensamento
moderno sobre
a
função
do
Terceiro e o
poder
defundor
é a de
promover
o
reflexão
sobre
a
casuísticaiurídica e
afunção
do
juí2.
Por
que
e como?
Por
duas
razões essenciais.
A
primeira
é
a
seguinte:
a casuística,
a
reflexão sobre os casos, é o
único
método
que permite
evidenciar
ospro
blemas
anteriormente
colocados e
que
resumirei rapidamente; é inútil es-
perar qualquer
eficiência
por parte
dos
que praticam
o Direito e
dos
sis-
temas
administrativos,
particularmente
dos
juízes
em seus
lugares
es-
tratégicos,
se,
além disso,
isto é a nível das
ideologias sociais e das
le-
gislações parlamentares, rompemos
de
antemão as
montagens simbóli-
cas
da
relação da criança com
o terceiro, com
a Referência, estas
mon-
tagens
que
os
juízes
têm
justamente
a
responsabilidade de operacio-
nalizar
quando
surgem os
conflitos.
Como,
por
exemplo:
a
presunção
de
paternidade,
o
nome,
que
são os
grandes
pilares
da simboliza$o.
É
a
casuística, e apenas ela,
quem pode
aqui demonstrar os
impasses.
Eis
por que
é
tão
importante: ela
mostra
muito clara e abertamente
as difi-
culdades.
-
8/17/2019 Legendre 1999 (Poder Genealogico de Estado)
6/6
SUJEITO
DO
D|REITO,
SUTE|TO
DO
DESEIO:
D|RE|TO
E...
I
O
DIREITO
DOS
MENORES
E
SUA
EVOLUÇÃO
FACE
ÀS
nrcRAs
INTERNACIONAIS'
Annina
Lahalle
2
Tradução:
Laurice
Levy
Revisão:
Sônia
Altoé
Publicado
no
livro:
Autorité,
responsabilité
parentale
et
protection
de l,enfant,,-
Edition
Chronique
sociale,
Lyon,
-l992.
Socióloga, pesquisadora
do
CNRS
-
CRIV
Vaucresson (França).
95
o direito dos
menores,
o atendimento
aos
menores
delinqüentes
e
a
proteção
dos
jovens
em
perigo
foram,
durante
muito
tempo,
percebi-
dos
como
problemas
que
se
referiam,
autonomamente,
a
cada
país
ou,
eventualmente
em
vista
de uma
análise
comparativa,
a
grupo
de
países.
A
reflexão
sobre
as formas
de
atendimento
com
os menores
era enca-
minhada
habitualmente,
no
plano
nacional,
pelas
diferentes
categorias
profissionais
e administrações
implicadas
no
assunto.
A
partir
dos
anos
oitenta,
por
outro
lado,
vimos
desenvorver-se
uma
reflexão
mais
ampla,
dentro
do
quadro
das
Nações
unidas
e,
portanto,
numa
dimensão universal,
com
a
adoção,
em
r
9gs,
das
Regras
mínimas
das
Nações
unidas
para
a administração
da
justiça
dos
menóres (conhe-
cidas
pelo
nome
de
Regras
de
Beijing )
e,
em
1990,
com
a,,Convenção
das
Nações
unidas
pelos
Direitos
da
criança .
No
que
diz respeito
à Eu-
ropa,
as
Recomendações
do
conselho
da
Europa
sobre
as
reações
so-
1
2