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1 LEI DE POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – PNUMA E A AUTONOMIA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO ENVIRONMENTAL NATIONAL POLICY STATUTE (ENPS) AND THE AUTHONOMY OF THE BRAZILIAN ENVIRONMENTAL LAW João Leonardo Mele * Cristiane Derani ** Fernanda Sola *** Alcione Adame **** RESUMO A legislação brasileira, durante muitos anos, buscou regulamentar a gestão dos recursos naturais com a visão voltada ao interesse econômico e ao desenvolvimento. Em 1981, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente foi editada, alterando profundamente esse quadro. Com o seu caráter eminentemente de proteção e o escopo de trazer grandes diretrizes de gestão, modificou e solidificou o Direito Ambiental brasileiro, como um ramo específico do Direito. Se de um lado as legislações das décadas de 1930 e 1960 tinham o caráter desenvolvimentista decorrente de momentos de mudanças políticas históricas peculiares do Brasil, de outro, a PNMA vem permeada de aspectos relevantes decorrentes da Carta de Estocolmo de 1972, dentre os quais se destaca a dignidade humana, o desenvolvimento econômico e social aliado as questões ambientais. Fica também assegurada a soberania dos povos na gestão de seus recursos,que na PNMA se expressa sob a titulação da Segurança Nacional. A PNMA materializa no Brasil a abordagem surgida no cenário internacional do meio ambiente, como um bem de valor intrínseco que ultrapassa a tutela meramente * Mestrando do Programa de Mestrado da Universidade Católica de Santos, pesquisador do Projeto de Pesquisa “Direito, Recursos Naturais e Conflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, CNPq. ** Professora Livre Docente do Mestrado em Direito da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), Pesquisadora do Projeto de Pesquisa “Direito, Recursos Naturais e Conflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, CNPq. *** Mestranda do Programa de Mestrado da Universidade Católica de Santos, pesquisadora do Projeto de Pesquisa “Direito, Recursos Naturais e Conflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, CNPq. **** Mestranda do Programa de Mestrado da Universidade Católica de Santos.

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LEI DE POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – PNUMA E A

AUTONOMIA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO

ENVIRONMENTAL NATIONAL POLICY STATUTE (ENPS) AND THE

AUTHONOMY OF THE BRAZILIAN ENVIRONMENTAL LAW

João Leonardo Mele*

Cristiane Derani**

Fernanda Sola***

Alcione Adame****

RESUMO

A legislação brasileira, durante muitos anos, buscou regulamentar a gestão dos recursos

naturais com a visão voltada ao interesse econômico e ao desenvolvimento. Em 1981, a

Lei de Política Nacional do Meio Ambiente foi editada, alterando profundamente esse

quadro. Com o seu caráter eminentemente de proteção e o escopo de trazer grandes

diretrizes de gestão, modificou e solidificou o Direito Ambiental brasileiro, como um

ramo específico do Direito.

Se de um lado as legislações das décadas de 1930 e 1960 tinham o caráter

desenvolvimentista decorrente de momentos de mudanças políticas históricas peculiares

do Brasil, de outro, a PNMA vem permeada de aspectos relevantes decorrentes da Carta

de Estocolmo de 1972, dentre os quais se destaca a dignidade humana, o

desenvolvimento econômico e social aliado as questões ambientais. Fica também

assegurada a soberania dos povos na gestão de seus recursos,que na PNMA se expressa

sob a titulação da Segurança Nacional.

A PNMA materializa no Brasil a abordagem surgida no cenário internacional do meio

ambiente, como um bem de valor intrínseco que ultrapassa a tutela meramente

* Mestrando do Programa de Mestrado da Universidade Católica de Santos, pesquisador do Projeto de Pesquisa “Direito, Recursos Naturais e Conflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, CNPq. ** Professora Livre Docente do Mestrado em Direito da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), Pesquisadora do Projeto de Pesquisa “Direito, Recursos Naturais e Conflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, CNPq. *** Mestranda do Programa de Mestrado da Universidade Católica de Santos, pesquisadora do Projeto de Pesquisa “Direito, Recursos Naturais e Conflitos Ambientais: o Tratado de Cooperação Amazônica”, CNPq. **** Mestranda do Programa de Mestrado da Universidade Católica de Santos.

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econômica. Sua estrutura como norma de política, fundamenta a atuação do Poder

Público e da sociedade através do estabelecimento de parâmetros, até então inexistentes.

Ao estabelecer e estruturar o Sistema Nacional do Meio Ambiente, distribuindo

competência aos demais entes federativos do Estado em um período que o texto

constitucional não apresentava tal previsão, não só inovou como envolveu o Poder

Público nas várias esferas e a sociedade na gestão ambiental, que se consolidaria mais

adiante no texto constitucional.

O Conselho Nacional do Meio Ambiente, por sua vez mostrou-se um poderoso

instrumento normativo, que também consolidou e legitimou por no sistema por seu

caráter democrático de gestão, com a formação paritária entre administração pública e

segmentos civis da sociedade.

A Lei com seu avançado caráter protecionistas e com os instrumentos de gestão nela

estabelecidos, inspirou outros diplomas legais, com ênfase a Constituição Federal,

particularmente no que concerne a gestão compartilhada, estudo prévio de impacto

ambiental, licenciamento, criação de espaços territorialmente protegidos,

responsabilização civil, penal e administrativa da pessoa física e jurídica, entre outros.

Também inspirada na PNMA encontrar-se-ão preceitos, na Lei de Crimes Ambientais e

na Lei da Ação Civil Pública. Em que pese esse gigantesco avanço alguns instrumentos

como cadastro de atividades potencialmente poluidoras não se efetivaram na forma

como previsto pelo legislador, porém, a existência da previsão legal se caracteriza como

uma garantia de implementação futura.

Pretende-se demonstrar que o Direito Ambiental brasileiro, a partir da edição da PNMA,

estabelece uma sistematização da abordagem ambiental, bem como, confere uma nova

roupagem as leis que lhe antecederam. Aliando a identificação de fontes e métodos

científicos próprios, se consolida como um ramo autônomo do Direito.

PALAVRAS-CHAVE: LEI DE POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE -

AUTONOMIA DO DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO

ABSTRACT

The Brazilian legislation, through several years, has regulated the natural resources

management regarding economic interests and the development. In 1981 the

Environmental National Policy Statute (ENPS) was laid down and this view was deeply

3

changed. Its protective and broad managemental guidelines have modified and

cemented the Brazilian Environmental Law as a juridical branch.

On one hand, the statutes from the 1930s to the 1960s hold the developmentist features,

which is a consequence of the particular moments of the Brazilian policies historical

transformation. On the other hand, the ENP is permeated by aspects resulting from the

Stockholm Charter of 1972, including the human dignity, the social and economic

development related to environmental issues. It is also granted the sovereignty of

peoples over the management of their resources, expressed in the ENP under the

denomination of National Security.

The ENP embodies in the Brazilian law the approach developed in the international

environmental scenario, as a good that holds a intrinsic value, which falls out of the

reach of the merely economic protection. Its structure as a norm of policy underpins the

action of the state and the society through the establishment of parameters, which does

not exist formerly.

Through the establishment and structuring of the National Environmental System,

distributing competences among the federate states, before the Constitution poses it, not

only renewed but also enrolled the state, included the three federative instances, and the

society in the environmental management. This structure was consolidated later by the

constitutional order.

The Environmental National Council showed itself a powerful normative toll, also

consolidating and legitimating the system due to its democratic style of management,

considering the evenness of the participation of the public administration and

representatives of civil society.

The Statute has brought na advanced protectionist character and managerial devices,

which inspired other normative texts, specially the Federal Constitution, particularly

concerning the shared management, the previous study of environmental impact, the

territorially protected areas, the regulation of torts, and the criminal and administrative

liability of juridical persons.

The rules of the Environmental Crimes Statute and the Public Civil Claims

Statute were inspired by the ENPS as well. In disregard of this gigantic advance, some

tools, like the potentially polluting activities registry, have not been created as the

legislator provided for. Nevertheless, the mere fact of a statutory prevision should be a

guaranty for future implementation.

4

The aim of this article is to demonstrate that the Brazilian Environmental Law,

since the ENPS, establishes a sistematic environmental approach, as well as attributes

new features to the preceding statutes. Bringing together sources and their own

methodological resources, the Environmental Law gained its autonomy.

KEYWORD: ENVIRONMENTAL NATIONAL POLICY STATUTE -

AUTHONOMY OF THE BRASILIAN ENVIRONMENTAL LAW

Introdução

O Direito Ambiental se consolida, cada vez mais, no cenário internacional e

nacional. Isso decorre da necessidade humana de viver em um ambiente sadio e

compatível à sua vida com qualidade, sendo os bens ambientais fundamentais para

atendimento dessa necessidade.

De outro lado, também está solidificado o entendimento de que os bens

ambientais são finitos e que a sua gestão, atendendo às atuais e futuras gerações,

necessita de todos os instrumentos disponíveis, dentre os quais se inclui o Direito.

A legislação brasileira, durante muitos anos, buscou regulamentar a gestão dos

recursos naturais com a visão voltada ao interesse econômico e ao desenvolvimento. Em

1981, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA foi editada, alterando

profundamente esse quadro.

Com o seu caráter eminentemente de proteção e o escopo de trazer grandes

diretrizes de gestão, modificou e solidificou o Direito Ambiental brasileiro, como um

ramo específico do Direito.

O presente trabalho tem por objetivo apresentar as profundas e positivas

mudanças, que a PNMA implementou e continua implementar no arranjo jurídico

ambiental, seus objetivos, instrumentos e princípios normativos que se consolidaram e

inspiraram outras legislações, dentre as quais se destaca a Constituição Federal.

1. Breve histórico da legislação ambiental brasileira e da origem da Lei de

Política Nacional de Meio Ambiente – PNMA

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Desde seu descobrimento, o Brasil teve, em seus recursos naturais, objeto de

atenção, e a partir deles se desenvolveu a economia, com exploração de madeira, ouro,

pedras preciosas, animais silvestres, e outros.

A retirada desses produtos e o estabelecimento das cidades provocaram lesões

ambientais em florestas, corpos d’água, mangues e outras frágeis regiões de costa,

considerando que a ocupação ocorreu no sentido Leste x Oeste a partir do litoral,

fronteiriço ao oceano Atlântico.

Durante séculos, essa estrutura de desenvolvimento foi mantida e muito pouco

se realizou em prol da proteção de recursos ambientais de fauna e flora. As esparsas

legislações tinham seu foco voltado à importância econômica dos bens naturais, como

se verificou nas Ordenações do Reino e na própria legislação imperial, que relacionou

em lei, madeiras nobres, buscando regrar a sua utilização.

O início do Século XX foi marcado pela Primeira Guerra Mundial e o Brasil

também passou por momentos internos de ajustes políticos, que culminaram, em 1932,

com a Revolução Constitucionalista, a partir do Estado de São Paulo.

O movimento foi sufocado rapidamente, porém, dois anos após, efeitos foram

produzidos, sendo promulgada uma nova Constituição. Ainda em 1934, foram editadas

importantes legislações relativas ao meio ambiente natural, quais sejam, o Código de

Caça e Pesca, o Código Florestal, o Código de Águas e a Lei de Proteção dos Animais.

Citadas legislações foram inovadoras e, pela primeira vez, criaram importantes

institutos como:

restrições ao exercício da pesca;

consideração dos animais e vegetais aquáticos como sendo de domínio

público;

proibições para exercício da caça;

responsabilidade civil pelo dano de caça ou pesca;

estabelecimento de responsabilidade penal para atos contra a fauna

silvestre e ictiológica;

criação de espaços territorialmente protegidos por situação geográfica

(florestas protetoras) e por ato do Poder Público (florestas remanescentes);

responsabilidade civil, penal e reparação do dano nos atos praticados

contra a flora;

tutela do Estado sobre os animais; e

ação civil contra o autor de maus tratos a animais, entre outras.

6

Em que pese tais instrumentos, referidas legislações entraram em vigor e seu

caráter foi mais regulatório de utilização dos recursos naturais do que propriamente da

sua proteção, até mesmo porque, nenhuma motivação especial produzia mudança de

comportamento da sociedade brasileira da época, fortemente voltada para o

extrativismo.

Poucos anos depois, com o advento da Segunda Guerra Mundial, uma grande

pressão sobre a vegetação nativa ocorreu, pela necessidade desse tipo de material como

fonte energética.

O pós-guerra continuou provocando demanda de utilização dos recursos naturais

para reconstrução das cidades destruídas e o Brasil não ficou imune a essa febre

desenvolvimentista, que evidentemente penalizou sobremaneira recursos e ambientes.

A década de 1960, por sua vez, teve a edição do novo Código Florestal, do

Código de Pesca e da Lei de Proteção à Fauna, que, seguindo o a mesma linha das

previsões dos Códigos da década de 1930, se caracterizaram como legislações que

enfatizavam regular a exploração de recursos, ficando a proteção voltada por uma

espécie de via indireta, às formas de responsabilização a quem descumprisse preceitos

de utilização.

A que se considerar também que, a partir de 1964, ocorreram grandes mudanças

políticas no Brasil. Essas mudanças se direcionavam a alavancar um desenvolvimento

acelerado e uma ocupação estratégica do território.

Ocorreu, nessa expansão, a penalização de recursos naturais, por aberturas de

estrada, realização de grandes obras de infra-estrutura e outras atividades que foram

implantadas sem a necessária avaliação dos impactos ao meio ambiente, até mesmo

porque não havia nessa época previsão legal para esse tipo de situação.

Nesse período, a Constituição Federal vigente de 1967 previa a exclusividade de

legislar sobre recursos naturais apenas para a União. Encontrava-se essa previsão legal

no artigo 8º (competências da União), inciso XVII (legislar), alínea h (jazidas, minas e

ouros recursos minerais, metalurgia, florestas, caça e pesca). Com a Emenda

Constitucional de 1969, essa previsão foi mantida nos mesmos termos, permanecendo

centralizada a administração dos recursos naturais.

Torna-se oportuno lembrar, ainda, que nesse período, não apenas no Brasil, mas

em todo mundo, a proteção do meio ambiente era tratada de outra forma. Medidas

efetivas eram tímidas, diante da gravidade da questão e dos estudos que já

7

demonstravam a necessidade de uma mudança de comportamentos imediata no modelo

de desenvolvimento, na velocidade e forma de consumo.

Em 1972, a Conferência da ONU, realizada em Estocolmo na Suécia, conhecida

como a Conferência Sobre Meio Ambiente Humano, trouxe o homem para o centro da

questão ambiental e estabeleceu princípios que deram início a grandes mudanças, dentre

as quais, as de criação e alteração de legislações.

Esse fato é relevante para o presente trabalho, pois a Lei de PNMA é

influenciada por esses princípios, que não têm alcance apenas sobre o meio ambiente

natural e artificial, mas também, sobre a soberania dos povos e, em particular, sobre a

dignidade humana.

Não se pode atribuir a origem da Lei de PNMA apenas por decorrência da Carta

de Estocolmo de 1972, já que outros fatores contribuíram com a sua edição, dentre o

quais, a pressão internacional decorrente de agressões ambientais de muita relevância,

não só ao ambiente, mas também às pessoas, a exemplo dos casos da operação do pólo

industrial de Cubatão, onde até o nascimento de crianças sem cérebro foram registrados,

como conseqüência dos níveis de poluição local.

A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente estabeleceu um marco divisor

que, como será visto adiante, modificou o arranjo jurídico brasileiro no que concerne ao

meio ambiente, não só pelas grandes diretrizes que estabeleceu, mas principalmente, por

oferecer as condições para estruturar o Direito Ambiental como um ramo autônomo do

Direito.

2. Lei nº 6.938, de 1981 - Estrutura, Objetivos, Instrumentos e Inovações de

Política Ambiental

Editada em 1981, a Política Nacional de Meio Ambiente balizou a nova situação

brasileira na gestão do meio ambiente. Ao criar uma política para a questão reconheceu

que o assunto, até então, recebia tratamento compartimentado por tipo de recurso

(fauna, flora, etc) e, sem o caráter específico de proteção.

A legislação vigente privilegiava essa compartimentação, e a administração dos

recursos ambientais era levada a efeito por órgãos distintos, a exemplo do Instituto

Brasileiro de Desenvolvimento Florestal - IBDF, responsável pela gestão de florestas e

8

fauna, enquanto a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca - SUDEPE, ficava a

responsável pela gestão da pesca interior e marítima.

Dessa forma, dificilmente era possível avaliar influências e interações do

ambiente de maneira integrada, contrariando a realidade que os sistemas ambientais são

conexos e interdependentes.

Não havia, por exemplo, como proceder a análise dos efeitos sobre a fauna

ictiológica (administração SUDEPE), no caso do desmatamento de uma vegetação

ciliar, ou de um manguezal (administração IBDF).

Ao se disponibilizar uma legislação de gestão do meio ambiente como um todo,

há migração da ótica de administração de recurso, para a ótica de administração de

sistema.

Nesse aspecto, torna-se o oportuno citar a própria definição de meio ambiente

prevista no artigo 3 da PNMA, que assim descreve: “meio ambiente, conjunto de

condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que

permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

A amplitude e, conseqüentemente, o alcance da definição, não deve perder de

vista, que uma das formas de vida referenciada é a vida humana e que ela tem um papel

próprio e fundamental como vetor de utilização e de proteção.

Outro fator de relevância da PNMA é o de que a lei foi concebida com caráter

protecionista e, portanto, buscando alcançar e responsabilizar os autores de delitos

contra o meio ambiente, que até então, usando dos mais variados subterfúgios,

conseguiam se furtar a responder pelos atos praticados.

Em decorrência, as definições de degradação da qualidade ambiental, poluição e

poluidor, constantes do artigo 3º da PNMA circunscreveram, de maneira precisa, as

ações irregulares que podem ocorrer contra o meio ambiente e os agentes por elas

responsáveis. Ao longo do tempo, demonstrou-se o acerto do legislador para

individualizar a responsabilização civil, administrativa e penal do degradador ambiental.

O fechamento do artigo 3º da PNMA veio com a definição de recursos

ambientais e ao relacionar a atmosfera, fauna, flora, solo e o subsolo e outros recursos,

consolidou ao que se direcionava a tutela dos bens, que passavam a ser objeto da

proteção.

A Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, que estabeleceu a Política Nacional de

Meio Ambiente inovou ao prever em seu artigo 2°, que “a Política Nacional do Meio

Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade

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ambiental, visando assegurar no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico,

aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.”

O desenvolvimento socioeconômico, a segurança nacional e a proteção da

dignidade da vida humana, inseridos em uma legislação específica de meio ambiente

merece receber comentários, pois esses aspectos não só demonstravam avanço para

época, mas evoluíram em sua abrangência e significado como pode se verificar.

Não é demais relembrar que em 1981 estava-se sobre a égide Constitucional da

década de 1960 e em um regime político de exceção. Nessa situação a segurança

nacional ganhava um papel muito particular enfatizando a soberania nacional e a

integridade territorial.

A ameaça a ordem, ao estado de direito e ao próprio regime, também se viam

permeados pelo contexto internacional da Guerra Fria, onde as ideologias provocavam

conflitos internos e externos.

Se em um primeiro momento esses fatores podem ter incluído os interesses da

segurança nacional na PNMA, mais adiante essa inclusão demonstrou ser preciosa para

correlacionar a segurança nacional à ótica contemporânea de segurança humana dos

cidadãos, de exercício da soberania mediante políticas públicas de proteção coletiva e

principalmente da necessidade de ofertar condições para o exercício da cidadania.

No que se refere ao desenvolvimento socioeconômico e sua influência na

questão ambiental, é oportuno citar que nos princípios estabelecidos na Carta de

Estocolmo de 1972, um deles já fazia especial referência a essa questão assim descrito:

Princípio 8. O desenvolvimento econômico e social é

indispensável para assegurar ao homem um ambiente de vida e

trabalho favorável e para criar na terra condições necessárias de

melhoria de qualidade de vida.1

Essa questão evoluiu e mais adiante no relatório Brundtland, de 1986 foi

estabelecido o conceito de desenvolvimento sustentável, que associado a anterior

previsão da PNMA a potencializou.

No que concerne a proteção da dignidade da vida humana, historicamente está

ela incluída em preceitos internacionais a exemplo da Declaração Universal dos Direitos

do Homem, de 1948. É, entretanto, na Declaração de Estocolmo, de 1972, que se

expressa a vida digna em princípios ambientais, como pode se verificar:

1 Conferência de Estocolmo. Site consultado: < http://www.mma.gov.br > Acesso em 25/02/06.

10

Princípio 1. O homem tem o direito fundamental à

liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida

adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe

permita levar uma vida digna e gozar de bem estar, tendo a

solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para

as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que

promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a

discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão

e dominação estrangeiras são condenadas e devem ser

eliminadas.2

A vida com dignidade é algo historicamente perseguido, para permitir ao

indivíduo desfrutar da liberdade, da integridade física e psíquica, da sua intimidade e de

suas características próprias como ser humano. O entendimento que o componente meio

ambiente é fator para se alcançar essa dignidade, redundando em uma adequada

qualidade de vida, pode ser considerada como um passo gigantesco na relação humana e

nesta com nesta com seu meio.

A PNMA é influenciada pelos preceitos internacionais e apresenta o grande

mérito, de incluir pela primeira vez em uma legislação de meio ambiente brasileira o

componente dignidade humana.

O Direito Ambiental apresenta princípios doutrinários. A PNMA também

relaciona, em seu artigo 2º, princípios. Entretanto, estes são de caráter normatizador e

dos quais partiram novas posturas e entendimentos, cabendo referência aos seguintes

aspectos:

- consideração do meio ambiente como patrimônio público e de uso coletivo;

- o uso racional do solo, subsolo, água e ar, com planejamento e fiscalização do

uso dos recursos;

- a proteção de ecossistemas, o controle e zoneamento de atividades;

- o estudo e pesquisa de novas tecnologias voltadas à proteção;

- recuperação e proteção de áreas, ou ameaçadas de degradação; e, finalmente,

- educação ambiental

2 Conferência de Estocolmo. Site consultado: < http://www.mma.gov.br > Acesso em 25/02/06.

11

No que concerne aos objetivos da PNMA, elencados no artigo 4º, e muito

assemelhados aos princípios estabelecidos no artigo 2º, já comentados, destaca-se

particularmente o inciso VII, quando prevê a imposição de recuperar o indenizar os

danos ambientais pelo poluidor, bem como a contribuição da utilização dos recursos

ambientais com finalidade econômica. Presentes, dessa forma, os princípios

doutrinários do poluidor pagador e do usuário pagador.

Dois institutos de relevância, criados na Lei nº 6.938/1981, foram o Sistema

Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA e o Conselho Nacional do Meio Ambiente

CONAMA, que, pela suas especificidades, serão objeto de capítulo próprio, no presente

trabalho.

A Lei passou a prever, em seu artigo 9º, os instrumentos da política nacional,

sendo que alguns deles se efetivaram e se consolidaram na legislação ambiental

nacional, enquanto outros, ainda não atingiram de forma plena os objetivos do

legislador.

Entre os instrumentos consolidados relaciona-se:

- estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;

- a avaliação de impactos ambientais;

- o licenciamento; e

- a criação de espaços territorialmente protegidos.

Dos instrumentos que necessitam evoluir, a fim de atender aos objetivos a que se

propõem, pode-se relacionar:

- o Cadastro Técnico Federal, de atividades e defesa ambiental;

- o Cadastro Técnico Federal, de atividades poluidoras;

- instrumentos econômicos, como a concessão florestal, a servidão ambiental e o

seguro ambiental, entre outras.

O Estudo Prévio de Impacto Ambiental - EPIA, previsto no artigo 10 da PNMA,

por sua vez, se transformou, ao longo dos anos, em uma das mais importantes

ferramentas de prevenção e de proteção ambiental.

Em que pese ter, nos últimos vinte e cinco anos, sofrido ajustes, para não ser

utilizado em desacordo com seus objetivos, o estudo de impacto ambiental em nenhum

instante perdeu a sua validade e a sua importância.

A abordagem técnica do EPIA, a produção de informações sobre a atividade a

ser desenvolvida e, mais adiante, a participação popular, deram, no mínimo, a

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possibilidade de mitigação dos impactos e a transparência do processo, que podem ser

consideradas conquistas ambientais e democráticas.

A aplicação de sanções administrativas, previstas no artigo 14 da PNMA, de

grande valor financeiro e indexadas a um referencial econômico (Obrigações

Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, à época), em um período de alta inflação,

foi um duro golpe aos infratores contumazes, que se beneficiavam da desvalorização da

moeda, no que se refere à punição monetária.

Essa sistemática inaugurada na PNMA, se solidificou na responsabilização

administrativa das questões de meio ambiente, sendo seguidas pelos demais entes

federativos, desde então.

A Lei, em uma imediata reação positiva, potencializou as normatizações

anteriores, nos seus aspectos preventivos, repressivos, oferecendo melhores condições

para fiscalizar e proteger o meio ambiente.

Ainda no artigo 14, a responsabilidade objetiva, descrita no parágrafo 1º,

reforçou a indenização e a reparação do dano, independente de culpa. Trouxe o

Ministério Público para dentro da questão ambiental, como legítimo na propositura da

ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

A PNMA, abriu as portas para a nova gestão de meio ambiente no Brasil e sua

modernidade, já para a época, inspirou as legislações ambientais a ela supervinientes,a

exemplo da :

- Lei da Ação Civil Publica de 1985;

- Constituição Federal de 1988, particularmente no capítulo do meio

ambiente;

- Constituições Estaduais de 1989;

- Lei de Crimes Ambientais de 1998;

- Lei de Política Nacional de Educação Ambiental de 1999

- Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação de 2000, entre

outras.

Procurou se demonstrar neste capítulo, o grau de importância da PNMA para o

Direito Ambiental brasileiro, pelos institutos e sistemas dela criados ou derivados,

modificando a estrutura legal de proteção e gestão do meio ambiente e dos recursos

naturais.

13

3. Ecologia, Economia, Direito e PNMA

Nas últimas décadas, a ecologia emergiu das suas raízes nas ciências biológicas

para se tornar uma nova disciplina integrada que liga as ciências naturais e sociais. Ao

estudo de como os organismos interagem entre si e com o seu ambiente, os ecologistas

alargaram a sua escala de estudo e o seu interesse incluindo níveis mais altos de

organização, como o sistema ecológico ou ecossistema, a paisagem, a região e a

biosfera.3

A melhor maneira de delimitar a ecologia moderna talvez seja considerá-la em

termos do conceito dos níveis de organização. A interação com o ambiente físico

(energia e matéria) a cada nível produz sistemas funcionais característicos. Por sistema

quer significar-se ‘componentes com interação e interdependência regulares formando

um todo unificado’4

Inicialmente esclarecemos que adotaremos a acepção de ecologia como um

estudo dos sistemas biológicos de interdependência atuando o sistema econômico como

um intermediário do meio ambiente com ele mesmo. Considerando a atividade

econômica do homem em retirar da biosfera elementos que posteriormente retornarão a

ela sob diversas formas dejetos ou como bens obsoletos. A clássica matriz de insumo

produto, vem sofrendo adaptações para incorporar a geração de poluentes no processo

de transformação e a sua eventual eliminação total ou parcial5.

Nessas condições, o sistema econômico passa a se inserir numa cadeia de

reações e de processos originadas no sistema ecológico, ao qual acaba por retornar,

implicando a impossibilidade do primeiro deles vir a ser visto como um sistema

totalmente aberto, como era tradicionalmente considerado. Um sistema aberto é aquele

onde se torna irrelevante o conhecimento da origem e do destino dos materiais e energia

nele utilizados e dele extraídos.

Numa economia de sistema fechado, o enfoque básico da atividade humana é

totalmente diverso, o PIB (produto interno bruto) passa a ser relativisado com a

restrição de manter o estoque de satisfação em equilíbrio, isso não quer dizer que o PIB

deve deixar de crescer, mas devera ser feito num ritmo consistente com o crescimento

3 ODUM, Eugene Pleasants, Fundamentos de ecologia, tradução António Manuel de Azevedo Gomes. 7. ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. 4 ODUM, op. cit 5 NUSDEO, Fabio. Curso de Economia. São Paulo: RT, 2006. p. 415-430.

14

populacional e com a gradual extensão dos benefícios às camadas dele alijadas. Esta

visão levaria a um controle populacional estrito, seguindo um modelo Malthusiano6.

Diante da previsão do relatório do Clube de Roma e das movimentações dos

anos 60, a ONU- Organização das Nações Unidas realizou, em junho de 1972, a

Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, congregando mais de

110 países, entre eles, o Brasil, da qual resultou a Declaração de Estocolmo, peça

fundamental para o estabelecimento dos princípios do Direito Ambiental.

Os reflexos na legislação interna foram sendo sentidos, culminando em 1981

numa mudança estrutural no conteúdo normativo na abordagem do meio ambiente com

a edição da lei n. 6.938, a qual dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus

fins, mecanismos de formulação e aplicação e dá outras providências.

Pode-se afirmar que a ordem jurídica ambiental, como uma organização básica

dotada de unidade interna formal, tal como viria a ser tratada na Constituição Federal de

1988 (o sistema jurídico estrutura um movimento que já ocorre na sociedade7), já

encontra sua essência organizadora e seu potencial implementador na Lei de Política

Nacional do Meio Ambiente PNMA.

A necessária materialização dos princípios ambientais surgidos no cenário

internacional é ao mesmo tempo origem e produto8 da abordagem ambiental de per si e

não meramente econômica. “A norma incorpora a tarefa de procurar reter no tempo o

que o cotidiano não é ou não foi capaz de perpetuar. Nela estão presentes valores e

idéias que remetem a uma nostalgia coletiva por uma sociedade ideal”9. É nesse mesmo

sentido que a PNMA cristaliza anseios e valores para a concreção da dignidade da vida

humana na medida em que tutela o meio ambiente como um bem de valor intrínseco, o

qual, mesmo ausente das relações de mercado, é reconhecido juridicamente a partir da

instituição normativa, isso pode ser verificado nos artigos 2o, 4o e 5o.

6 “Malthus partiu da observação de Benjamin Franklin de que, nas colônias norte americanas em que os recursos eram abundantes, a população tendia a duplicar de 25 em 25 anos...ele postulou então uma tendência universal da população- excepto quando confrontada com a oferta limitada de alimentos- para crescer exponencialmente, ou através de uma progressão geométrica... argumentou que, dado que a terra é fixa, enquanto os recursos de trabalho aumentam, os alimentos tendem a crescer numa progressão aritmética...concluindo que ‘é como se o globo estivesse a reduzir-se para metade e novamente e novamente para a metade- até finalmente se ter reduzido tanto que a oferta de alimentos se situa abaixo do nível de vida necessário’.” SAMUELSON, Paul A. e NORDHAUS,William D. Economia. 16º edição. Tradução de Elsa Nobre Fontainha. Lisboa: McGraw-Hill, 1999. 7 GRAU, Eros. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1998. 8 “o alvo do sistema jurídico é a ordem social” in DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p.27. 9 DERANI, op cit. P.38.

15

A autonomia do Direito Ambiental se verifica nas suas relações ordenadas por

princípios que lhe são próprios e que, por muitas vezes, não compartilha com outros

ramos da ciência jurídica. Isso quer dizer que o Direito Ambiental baseia-se em fontes

que primordialmente lhe são exclusivas, mesmo que guarde certa interdependência com

outros diplomas. Nesse sentido a PNMA inaugura e nos fornece o suporte

epistemológico para se tratar o Direito Ambiental como um ramo autônomo10.

Como todo ramo normativo que surge, o direito ambiental responde a um

conflito interno da sociedade a partir de uma perspectiva que lhe é própria: qualidade de

vida transgeneracional.

A PNMA, atendendo a esses anseios, estrutura uma norma política na medida

em que reconhece a necessidade da concreção futura de valores que representa o

fundamento último da atuação ética do Estado e da sociedade11, fins a serem obtidos,

parâmetros das ações, programas, enfim, instrumentos e caminhos e prescreve condutas.

A norma política deve prever a competência, isto é, a autorização e o seu

respectivo dever. Esta atribui a esferas de poder ou órgãos governamentais o poder para

realizar atos e alcançar objetivos, sendo sua execução um dever que pode ser cobrado

por aqueles a quem os benefícios da realização da norma se destinam.

Uma norma política dispõe sobre objetivos, finalidades, instrumentos, valores.

Podemos chamá-la de lei-quadro sendo que a partir dela decorrem ações positivas

práticas e normativas prescritivas de condutas (imposições, permissões, proibições,

autorizações).12

A sistematização do seu estudo, bem como a nova abordagem de leis anteriores

sobre a matéria, a submissão dos conflitos à Justiça, bem como a identificação das

fontes e método científico próprio, resultaram na determinação da autonomia completa

do Direito Ambiental13, a partir da PNMA.

10 Importante contrapor a crítica de Michel Vivant de que seria meramente acadêmica a discussão sobre a autonomia de determinado ramo do Direito, uma vez que o Direito, é primordialmente existencialista, pois sua existência precede sua essência, ou seja, os fenômenos fáticos passaram a ser objeto do direito antes do surgimento do Direito como ramo. In http://www.alfa-redi.org/rdi-articulo.shtml?x=1270, consultado em 19/10/2006. 11 cf com DERANI, Cristiane. Política pública e a norma política. Mímeo. 12 cf com DERANI, Cristiane. Política pública e a norma política. Mímeo. 13 O direito ambiental, é reformador, uma vez que regula a relação social como um todo; o agenciamento equilibrado das inter-relações da humanidade e sua forma de manutenção da vida dentro de processos ecológico e economicamente otimizados.

16

4.SISNAMA e CONAMA como Instrumentos de Gestão e Regulamentação

A necessidade de se criar instrumentos de gestão e regulamentação do meio

ambiente teve sua gênese, para muitos, como já vimos, com a conferência de estocolmo

(1972), que inseriu no contexto mundial a questão ambiental e a necessidade de se criar

meios de proteção e preservação do meio ambiente.

A edição da Lei n.° 6.938/81 PNMA trouxe em seu bojo a arquitetura do

Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA (art. 6.º), designando um capítulo

específico para explicar seu funcionamento.

Segundo definição de José Affonso da Silva14, o SISNAMA, é “um conjunto

articulado de órgãos, entidades, regras e práticas da União, dos Estados, do Distrito

Federal, dos Territórios, dos Municípios e de fundações instituídas pelo Poder Público,

responsável pela proteção e melhoria da qualidade ambiental”.

Assim sendo, o SISNAMA, é um sistema mecanicamente interligado, mas

independente com competências específicas e próprias, todavia, sem personalidade

jurídica nem qualquer outra identificação.

Por sistema entende-se um conjunto de órgãos que compõe um todo, e nesse

todo é necessário que se tenha uma articulação entre os diversos órgãos, para que cada

um, dentro de suas especificidades possa integrar-se e fazer com que esse todo, funcione

de maneira harmônica e produtiva.

Ao explicar sistema Derani15 identifica duas características lógicas, sendo ordem

e unidade, e faz uma ligação entre eles até chegar ao todo sistêmico.

O SISNAMA é composto de órgãos e instituições de diversos níveis do Poder

Público encarregados da proteção do meio ambiente. É uma estrutura político

14 SILVA, José Affonso da. Direito Ambiental Constitucional. p. 224. 15 Um sistema possui duas características básicas: ordem e unidade. Entende-se por ordem um

conteúdo racional desenvolvido num processo de conseqüência lógica. A unidade de um sistema é a sua formação coesa, onde seus elementos são suficientes para formatar um todo. É uma ordem e unidade de sentido. Com a identificação de sentido na interior do sistema, pode-se extrair, de maneira mais eficiente, o conteúdo dos elementos que compõem o sistema. O operador do sistema torna-se, assim, capacitado para uma orientação seletiva, intencionada, dos elementos que compõe o todo sistêmico, trabalhando a diversidade de construção do possível. (C.f. Cristiane Derani, Estrutura do Sistema Nacional de Unidade de Conservação, in Direito Ambiental das áreas protegidas. 2001 p. 234).

17

administrativa oficial governamental, ainda que aberta à participação de instituições não

governamentais, através dos canais competentes.

No que se refere à sua organização, o SISNAMA apresenta a seguinte

estrutura16:Órgão Superior; Órgão Consultivo e Deliberativo (CONAMA); Órgão

Central; Órgão Executor (IBAMA); Órgãos Setoriais; Órgãos Seccionais; Órgãos

Locais.

A atuação do SISNAMA efetivar-se-á mediante articulação coordenada dos

órgãos e entidades que o constituem, observado o acesso da opinião pública às

informações relativas às agressões ao meio ambiente e às ações de proteção ambiental,

na forma estabelecida pelo CONAMA, cabendo aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios a regionalização das medidas emanadas do SISNAMA, elaborando normas

e padrões supletivos e complementares (art. 14, do Decreto n.º 99.274/90).

O resultado deste esforço conjugado aponta para bases onde a atuação conjunta

do Estado e do Município na administração do meio ambiente brasileiro, tendo a

preocupações com o todo, tem o condão de uma visão ampla das questões ambientais,

dando assim primazia para a formação da consciência ambiental dos cidadãos e,

sobretudo, na ação dos administradores dos recursos naturais e da qualidade ambiental.

Sendo, assim, torna-se desejável que Estados e Municípios estabeleçam,

respectivamente, Sistemas Estaduais de Meio Ambiente (SISEMAS) e Sistemas

Municipais de Meio Ambiente (SISMUMAS), pois a proximidade com o problema leva

a uma melhor solução, e assim, o SISNAMA tem uma visão geral sobre as questões

ambientais e o trabalho regionalizado desses órgãos daria maior ênfase às questões

locais, tendo assim, mais chances de discutir qual a melhor solução para que sejam

resolvidos a contento.

Esses órgãos desempenhariam suas funções sem ferir a competência um dos

outros, pois a Constituição Federal17 estabelece que a proteção do Meio Ambiente seja

de competência comum ou concorrente da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios, pois todos podem igualmente dentro do âmbito de seu poder administrativo

16 As atribuições e composição de cada órgão está prevista nos incisos I a VI do artigo 6.º da Lei

6.938/81. 17 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII – preservar as florestas, a fauna e a flora;

18

criar mecanismos de defesa e preservação do meio ambiente, pois não há hierarquia,

mas há uma distribuição de espaços e de atuação.

Quanto à competência legislativa, é função da União estabelecer normas gerais e

do Estado18 e Municípios19 normas complementares, sendo que na esfera administrativa

cabe aos três poderes tomarem medidas para a proteção ambiental.

Assim, de maneira conjunta poderiam tomar decisões onde o meio ambiente

fosse preservado e de maneira sustentável mantido, já que é esse o objetivo da Lei da

Política Nacional do Meio Ambiente.

Conforme já ressaltado o SISNAMA é um sistema, e como tal, é composto de

órgãos, dentre os quais dar-se-á enfoque ao Conselho Nacional do Meio Ambiente –

CONAMA.

O CONAMA é um órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA, e foi

instituído pelo artigo 6.°, inciso II da Lei 6.938/8120, – que dispõe sobre a Política

Nacional do Meio Ambiente – com finalidade de assessorar, estudar e propor ao

Conselho de Governo diretrizes e políticas governamentais para o meio ambiente e os

recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões

compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial para a sadia

qualidade de vida.

O artigo 8.º da Lei 6.938/81 estabelece a competência legal do CONAMA, ou

seja, estabelece os sujeitos que irão exercer as funções determinadas na lei. Além das

competências definidas nessa Lei, o Decreto n.º 99.274/90, com nova redação dada pelo

Decreto n.º 3.942/2001, em seu artigo 7.º regulamentou essas competências.

18 Art. 6.º, § 1.º – Lei 6.938/81: Os Estados, na esfera de suas competências e nas áreas de sua jurisdição,

elaborarão normas supletivas e complementares e padrões relacionados com o meio ambiente, observados os que forem estabelecidos pelo CONAMA.

19 Art. 6.º, § 2.º – Lei 6.938/81: Os Municípios, observadas as normas e os padrões federais e estaduais, também poderão elaborar as normas mencionadas no parágrafo anterior.

20 Art. 6.° (...) II – órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), com a

finalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida; (Redação dada pela Lei n.º 8.028, de 1990).

19

Não raras vezes, a questão da competência do CONAMA para legislar sobre

meio ambiente, foi objeto de discussão com as Casas Legislativas, que se manifestaram

no sentido das restrições, no enunciado de normas, que estariam mais adequadas de

serem baixadas por meio de Leis, e não por Resoluções do CONAMA. Como é o caso

da controvertida resolução CONAMA 237/97, que distribui a competência entre as

esferas do Estado Brasileiro para realizar o licenciamento ambiental.

Uma outra divergência que paira sobre o tema relacionado à competência do

CONAMA é quanto à revogação do artigo 8.° da Lei n.º 6.938/81, pelo artigo 25 dos

Atos das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT21.

Diante desse artigo encontramos uma divergência doutrinária, pois alguns

autores entendem que esse dispositivo, revogou o artigo 8.° de Lei 6.938/81 e outros, ao

contrário, afirmam que o artigo 8.° de Lei 6.938/81 foi recepcionado integralmente pela

Constituição.

Maria Luiza Werneck dos Santos, respaldada de outros autores como Luiz

Roberto Barroso e Diogo de Figueiredo Moreira Neto, entende que o artigo 25 da

ADCT revogou a competência atribuída ao CONAMA pelo artigo 8.º ad Lei n.º

6.938/81.

“A competência que a Lei 6.938/81 delegou ao CONAMA não

consubstancia, a toda evidência, uma competência normativa

destinada a inovar na ordem jurídica, seja impondo obrigações,

seja instituindo direitos ou estipulando sanções. Ademais, ainda

que se pudesse entender nesses termos tal competência

normativa, o art 25 da ADCT da Carta Federal, como já

assinalado, a revogou expressamente. Não pode, portanto, o

CONAMA editar norma que implique intervenção na liberdade

ou propriedade do cidadão, porque essa matéria está reservada a

21 O artigo 25 da ADCT estabelece que: “ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação

da Constituição, sujeito este prazo à prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I - ação normativa, II - alocação ou transferência de recurso de qualquer espécie”.

20

lei, em razão do princípio da legalidade, consagrado no art 5° do

Estatuto Fundamental”.22

Já Paulo Affonso Leme Machado, entende de maneira diferente e

explica:

A competência do CONAMA não foi atingida pelo disposto no

art 25 da ADCT (...). È necessário verificar as competências

assinaladas pela Constituição ao Congresso Nacional e as

competências do CONAMA prevista no art. 8.° da Lei 6.938/81,

pois somente foram abrangidos os órgãos do Poder Executivo

que estivessem exercendo funções que a Constituição reservou

para o Congresso Nacional.

As atribuições do Congresso Nacional estão inseridas no Titulo

IV, Cap. I – Do Poder Legislativo, Seção II, arts. 48 e 49.

Constata-se que nenhuma das atribuições do Congresso

Nacional são exercidas pelo CONAMA. Alias, a matéria que

tem clara conotação ambiental – “iniciativas do poder Executivo

referente a atividades nucleares” (art 49, XIV, da CF) – é

atribuição do CNEN – Conselho Nacional de Energia Nuclear.

Portando, (...) entendo que o art 25 da ADCT não revogou as

resoluções do CONAMA.23

Diante do exposto, verifica-se a existência de conflito em se tratando da

constitucionalidade e legalidade das competências atribuídas ao CONAMA muito

embora entende-se que essa competência continua preservada pela Constituição, uma

vez que o artigo 8.º da Lei 6.938/81 foi recepcionado por ela, ainda mais porque

necessário se torna que as atribuições do CONAMA sejam exercidas em sua inteireza,

uma vez que o objeto de preservação é o meio ambiente e a qualidade de vida.

A Lei n.º 8.028/90 revogou o dispositivo do art. 7. da Lei n. 6938/81 que definia

a composição do CONAMA, que passou a ser determinada pelos artigos 4.º e 5.º do

Decreto n.º 99.274/90, com nova redação dada pelo Decreto n.º 3.942/2001.

22 SANTOS, Maria Luiza Werneck dos. Considerações sobre os Limites da Competência Normativa do

Conama. p. 8 . 23 MACHADO. Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. p. 147/148

21

Assim, o Sistema Nacional de Meio Ambiente encontra-se estruturado de

maneira integrada, representando um todo, uma articulação de órgãos responsáveis pela

proteção e melhoria da qualidade ambiental. Contando com a ajuda dos Estados e

Municípios para que essa proteção se torne efetiva e eficiente.

Considerações Finais

O Direito Ambiental brasileiro é claramente dividido, no que concerne a

proteção dos recursos naturais e, uma nova ótica de gestão, nela inclusa a

participação humana os ambientes artificiais, o desenvolvimento socioeconômico, a

segurança nacional e especialmente a dignidade humana.

A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente de 1981 é responsável por essa

positiva modificação e os institutos por ela criados permearam outras legislações de

proteção ambiental. Alguns deles foram elevados ao Texto Constitucional,

solidificando-os e garantindo aos mesmos, perenidade na disposição jurídica

nacional.

O objetivo do presente trabalho foi o de demonstrar a situação anterior a Lei,

com um histórico que permita avaliar a profundidade das mudanças e como os

instrumentos disponíveis até a década de 1980, careciam de adequação para

efetivamente se dar a necessária proteção ao meio ambiente como um sistema

integrado e interligado.

Pretendeu-se trazer uma panorâmica geral da PNMA, de forma a ser possível

ter avaliação de sua abrangência, princípios normativos, instrumentos de política e

gestão, instrumentos econômicos e ecológicos , mecanismos de repartição de

responsabilidade pelos entes federativos, como o SISNAMA e ainda de participação

e regulamentação,a exemplo do CONAMA.

As informações coletadas permitem conduzir ao raciocínio, que a Lei 6938 de

1981,pela forma como se apresenta e pelo que nela está contido foi de fundamental

importância para estruturar o Direito Ambiental brasileiro como um ramo autônomo

do Direito.

22

Não se pode perder de vista as suas interfaces com as demais áreas jurídicas,

mas pode se afirmar com certeza, que a PNMA é um dos mais significativos marcos

na proteção de todas as formas de vida, especialmente a humana.

REFERÊNCIAS

Conferência de Estocolmo. Site consultado: < http://www.mma.gov.br > Acesso

em 25/02/06

DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad,

1997

DERANI, Cristiane. Política pública e a norma política. Mímeo

GRAU, Eros. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 1998

MACHADO. Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro.

NUSDEO, Fabio. Curso de Economia. São Paulo: RT, 2006.

ODUM, Eugene Pleasants, Fundamentos de ecologia, tradução António Manuel de

Azevedo Gomes. 7. ed. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.

SANTOS, Maria Luiza Werneck dos. Considerações sobre os Limites da

Competência Normativa do Conama.

SILVA, José Affonso da. Direito Ambiental Constitucional.

23