leon denis - joana d'arc, medium

Upload: ganamides-2009

Post on 30-May-2018

234 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    1/276

    www.autoresespiritasclassicos.com

    Lon Denis

    Joana dArc, Mdium

    Suas vozes, vises, premonies.

    Seu modo de ver atual expresso em mensagem.

    Traduzido do Francs

    Jeanne d'Arc Mdium

    1910

    Joana dArc

    Na Batalha de Orlans

    Jules Eugne Lenepveu

    http://opt/scribd/conversion/tmp/scratch2427/www.autoresespiritasclassicos.comhttp://opt/scribd/conversion/tmp/scratch2427/www.autoresespiritasclassicos.com
  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    2/276

    Contedo resumido

    Nesta obra Lon Denis narra a vida e a misso de JoanadArc, a grande herona francesa do sculo XV.

    Nascida como humilde camponesa, sem qualquer tipo de

    instruo, mas portadora de extraordinrios dons medinicos,Joana obtinha com freqncia as vises do Alm e a audio devozes, as quais a guiaram e sustentaram na grande misso quedesempenhou, libertando sua ptria do domnio ingls, alm depacific-la e uni-la.

    Os fatos medinicos que cercaram Joana e que o Espiri-tismo explica , como suas vises, premonies, audio devozes, so analisados como fenmenos medinicos que a igno-

    rncia e a mentira tentaram desvirtuar.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    3/276

    Sumrio

    Introduo................................................................................5Primeira Parte

    Vida e mediunidade de Joana d'Arc....................15

    IDomremy..................................................................15

    IIA situao em 1429..................................................19

    IIIInfncia de Joana dArc...........................................22

    IVA mediunidade de Joana dArc; o que eram suasvozes; fenmenos anlogos, antigos e recentes......27

    VVaucouleurs.............................................................62

    VIChinon, Poitiers, Tours............................................65

    VIIOrlees......................................................................73

    VIIIRemos.......................................................................81

    IXCompienha...............................................................88

    XRuo; a priso..........................................................94

    XIRuo; o processo......................................................98

    XIIRuo; o suplcio.....................................................117

    Segunda Parte

    As misses de Joana d'Arc..................................124

    XIII

    Joana dArc e a idia de ptria..............................124XIVJoana dArc e a idia de humanidade 133

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    4/276

    XVJoana dArc e a idia de religio...........................138

    XVI

    Joana dArc e o ideal cltico..................................159XVII

    Joana dArc e o Espiritualismo moderno;as misses de Joana................................................176

    XVIIIRetrato e carter de Joana dArc...........................193

    XIXGnio militar de Joana dArc.................................208

    XX Joana dArc no sculo XX;seus admiradores; seus detratores..........................225

    XXIJoana dArc no estrangeiro....................................242

    Concluses............................................................................257

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    5/276

    Introduo

    Nunca a memria de Joana d'Arc foi objeto de controvrsiasto ardentes, to apaixonadas, como a que, desde alguns anos, sevm levantando em torno dessa grande figura do passado.Enquanto de um lado, exaltando-a sobremaneira, procurammonopoliz-la e encerrar-lhe a personalidade no paraso catlico,de outro, por ora brutal com Thalamas e Henri Brenger, ora

    hbil e erudita, servida por um talento sem par, com AnatoleFrance, esforam-se por lhe amesquinhar o prestgio e reduzir-lhe a misso s propores de um simples fato episdico.

    Onde encontraremos a verdade sobre o papel de Joana d'Arcna histria? A nosso ver, nem nos devaneios msticos doscrentes, nem tampouco nos argumentos terra-a-terra dos crticos positivistas. Nem estes, nem aqueles parecem possuir o fiocondutor, capaz de guiar-nos por entre os fatos que compem a

    trama de to extraordinria existncia. Para penetrar o mistriode Joana d'Arc, afigura-se-nos preciso estudar, praticarlongamente as cincias psquicas, haver sondado as profundezasdo mundo invisvel, oceano de vida que nos envolve, ondeemergimos todos ao nascer e onde mergulharemos pela morte.

    Como poderiam compreender Joana escritores cujopensamento jamais se elevou acima do mbito das contingnciasterrenas, do horizonte estreito do mundo inferior e material, e

    que jamais consideraram as perspectivas do Alm?De h cinqenta anos, um conjunto de fatos, de

    manifestaes, de descobertas, projeta luz nova sobre os amplosaspectos da vida, pressentidos desde todos os tempos, mas sobreos quais s tnhamos at aqui dados vagos e incertos. Graas auma observao atenta, a uma experimentao metdica dosfenmenos psquicos, vasta e poderosa cincia pouco a pouco seconstitui.

    O Universo nos aparece como um reservatrio de forasdesconhecidas de energias incalculveis Um infinito

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    6/276

    vertiginoso se nos abre ao pensamento, infinito de realidades, deformas, de potncias vitais, que nos escapavam aos sentidos,algumas de cujas manifestaes j puderam ser medidas com

    grande preciso, por meio de aparelhos registradores.1A noo do sobrenatural se esboroa; mas a Natureza imensa

    v os limites de seus domnios recuarem sem cessar, e apossibilidade de uma vida orgnica invisvel, mais rica, maisintensa do que a dos humanos, se revela, regida por majestosasleis, vida que, em muitos casos, se mistura com a nossa e ainfluencia para o bem ou para o mal.

    A maior parte dos fenmenos do passado, afirmados emnome da f, negados em nome da razo, podem doravantereceber explicao lgica, cientfica. So dessa ordem os fatosextraordinrios que matizam a existncia da Virgem de Orlees.S o estudo de tais fatos, facilitado pelo conhecimento defenmenos idnticos, observados, classificados, registrados emnossos dias, pode explicar-nos a natureza e a interveno dasforas que nela e em torno dela atuavam, orientando-lhe a vidapara um nobre objetivo.

    *

    Os historiadores do sculo XIX Michelet, Wallon,Quicherat, Henri Martin, Simon, Luce, Joseph Fabre, Vallet deViriville, Lanry d'Arc, foram acordes em exaltar Joana, emconsider-la uma herona de gnio, uma espcie de messiasnacional.

    Somente no sculo XX a nota crtica se fez ouvir e por vezesviolenta. Thalamas, professor substituto da Universidade, noteria chegado a ponto de qualificar de ribalda a herona,conforme acusao que lhe atiram certas folhas catlicas? Elese defende. Em sua obra Jeanne d'Arc; l'histoire et la lgende(Paclot & C. editores) jamais sai dos limites de uma crticahonesta e corts. Seu ponto de vista o dos materialistas: Nocabe a ns diz (pg. 41) que consideramos o gnio umaneurose, reprochar a Joana o ter objetivado em santas as vozes desua prpria conscincia.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    7/276

    Todavia, nas conferncias que fez atravs da Frana, foigeralmente mais incisivo. Em Trones (Tours), a 29 de abril de1905, falando sob os auspcios da Liga do Ensino, recordava a

    opinio do professor Robin, de Cempuis, um de seus mestres,segundo o qual Joana d'Arc nunca existira, no passando de mitoa sua histria. Thalamas, talvez um tanto constrangido,reconhece a realidade da vida de Joana, mas acomete as fontesem que seus panegiristas beberam. Engendra amesquinhar-lhe opapel, sem descer a injuri-la. Nada, ou muito pouco teria elafeito de si mesma. Aos orleaneses, por exemplo, cabe todo omrito de se haverem libertado.

    Henri Brenger e outros escritores abundaram em apreciaesanlogas e o prprio ensino oficial como que se impregnou, atcerto ponto, dessas opinies. Nos manuais das escolas primrias,eliminaram da histria de Joana tudo que trazia cor espiritualista.Neles no mais se alude s suas vozes; sempre a voz de suaconscincia que a guia. Sensvel a diferena.

    Anatole France, em seus dois volumes, obra de arte e deinteligncia, no vai to longe. No tenta deixar de reconhecer-lhe as vises e as vozes. Aluno da Escola de Chartes, no ousanegar a evidncia, ante a documentao que lhe sobeja. Sua obra uma reconstituio fiel da poca. A fisionomia das cidades, das paisagens e dos homens do tempo, ele a pinta com mo demestre, com uma habilidade, urna finura de toque, que lembramRenan. Entretanto, a leitura de seu escrito nos deixa frios edesapontados. As opinies que emite so s vezes falsas, porefeito do esprito de partido, e, coisa mais grave, sente-se,varando-lhe as pginas, uma ironia sutil e penetrante, que j no histria.

    Em verdade, o juiz imparcial deve dar testemunho de queJoana, exaltada pelos catlicos, deprimida pelos livrespensadores, menos por dio do que por esprito de contradio ede oposio aos primeiros. A herona, disputada por uns e outros,se torna assim uma espcie de joguete nas mos dos partidos. Hexcessos nas apreciaes de ambos os lados e a verdade, comoquase sempre, eqidista dos extremos.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    8/276

    O ponto capital da questo a existncia de foras ocultasque os materialistas ignoram, de potncias invisveis, nosobrenaturais e miraculosas, como pretendem, mas pertencentes

    a domnios da natureza, que ainda no exploraram. Da, aimpossibilidade de compreenderem a obra de Joana e os meiospelos quais lhe foi possvel realiz-la.

    No souberam medir a enormidade dos obstculos queavultavam diante da herona. Pobre menina de dezoito anos, filhade humildes camponeses, sem instruo, no sabendo o A-B-C,diz a crnica, ela v contra si a prpria famlia, a opiniopblica, toda a gente!

    Que teria feito sem a inspirao e sem a viso do Alm, que asustentavam?

    Figurai essa camponesa na presena dos nobres do reino, dasgrandes damas e dos prelados.

    Na corte, nos acampamentos, por toda parte, simples vil,vinda do fundo dos campos, ignorante das coisas da guerra, comseu sotaque defeituoso, cumprem-lhe afrontar os preconceitos de

    hierarquia e de nascimento, o orgulho de casta; depois, maistarde, os chascos, as brutalidades dos guerreiros, habituados adesprezar a mulher, no podendo admitir que uma oscomandasse e dirigisse. Juntai a isso a desconfiana dos homensda Igreja, que, nessa poca, viam em tudo que anormal ainterveno do demnio; esses no lhe perdoaro obrar comexcluso deles, mau grado autoridade que se arrogavam, e aestar, para ela, a causa principal de sua perda.

    Imaginai a curiosidade mals de todos e particularmente dossoldados, no meio dos quais, virgem sem mcula, tem que viversuportando constantemente as fadigas, as penosas cavalgadas, opeso esmagador de uma armadura de ferro, dormindo no cho,sob a tenda, pelas longas noites do acampamento, presa dosacabrunhadores cuidados e preocupaes de to rdua tarefa.

    Todavia, durante sua curta carreira, vencer todos osobstculos e, de um povo dividido, fragmentado em mil faces,

    desmoralizado, extenuado pela fome, pela peste e por todas as

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    9/276

    misrias de uma guerra que dura h perto de cem anos, far umanao vitoriosa.

    Eis a o que escritores de talento, mas cegos, flagelados poruma cegueira psquica e moral, que a pior das enfermidadesintelectuais, procuram explicar por meios puramente materiais eterrenos. Pobres explicaes, pobres argcias claudicantes, queno resistem ao exame dos fatos! Pobres almas mopes, almas detrevas, que as luzes do Alm deslumbram e tonteiam! a elasque se aplica esta sentena de um pensador: o que sabem nopassa de um nada e, com o que ignoram, se criaria o Universo!

    Coisa deplorvel: certos crticos da atualidade como queexperimentam a necessidade de rebaixar, de diminuir, denulificar com frenesi tudo que grande, tudo que paira acima desua incapacidade moral. Onde quer que brilhe um luzeiro, ouuma chama se acenda, haveis de v-los acorrer e derramar umdilvio dgua sobre o foco luminoso.

    Ah! como Joana, na ignorncia das coisas humanas, mas coma sua profunda viso psquica, lhes d uma lio magnfica por

    estas palavras que dirigia aos examinadores de Poitiers e que tobem quadram aos cpticos modernos, aos pretensiosos espritossuperiores de nosso tempo:

    Leio num livro em que h mais coisas do que nos vossos!Aprendei a ler nele tambm, senhores contraditores, e a

    conhecer os problemas a que aquelas palavras aludem; emseguida, podereis, com um pouco mais de autoridade, falar deJoana e de sua obra.

    Atravs das grandes cenas da Histria, cumpre vejais passaras almas das naes e dos heris.

    Se as souberdes amar, elas viro a vs e vos inspiraro. esse o arcano do gnio da Histria. isso o que produz osescritores pujantes como Michelet, Henri Martin e outros. Essescompreenderam o gnio das raas e dos tempos e o sopro doAlm lhes perpassa nas pginas. Os outros, Anatole France,Lavisse e seus colaboradores so ridos e frios, mau grado aotalento, porque no sabem nem percebem a comunho eterna quefecunda a alma pela alma comunho que constitui o segredo dos

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    10/276

    artistas de escol, dos pensadores e dos poetas. Sem ela no hobra imperecvel.

    *Fonte abundante de inspirao jorra do mundo invisvel por

    sobre a Humanidade. Liames estreitos subsistem entre os homense os desaparecidos. Misteriosos fios ligam todas as almas e,mesmo neste mundo, as mais sensveis vibram ao ritmo da vidauniversal. Tal o caso da nossa herona.

    Pode a crtica atacar-lhe a memria: inteis sero seusesforos. A existncia da Virgem da Lorena, como as de todos os

    grandes predestinados, est burilada no granito eterno daHistria, nada poderia esmaecer-lhe os traos. daquelas quemostram com a evidncia mxima, por entre a onda tumultuosados eventos, a mo soberana que conduz o mundo.

    Para lhe surpreendermos o sentido, para compreendermos apotestade que a dirige, mister nos elevemos at lei superior,imanente, que preside ao destino das naes. Mais alto do que ascontingncias terrenas, acima da confuso dos feitos oriundos

    das liberdades humanas, preciso se perceba a ao de umavontade infalvel, que domina as resistncias das vontades particulares, dos atos individuais, e sabe rematar a obra queempreende. Em vez de nos perdermos na balbrdia dos fatos,necessrio lhes apreendamos o conjunto e descubramos o laooculto que os prende. Aparece ento a trama, o encadeamentodeles; sua harmonia se desvenda, enquanto que suas contradiesse apagam e fundem num vasto plano. Compreende-se para logo

    que existe uma energia latente, invisvel, que irradia sobre osseres e que, a cada um deixando certa soma de iniciativa, osenvolve e arrasta para um mesmo fim.

    Pelo justo equilbrio da liberdade individual e da autoridadeda lei suprema que se explicam e conciliam as incoernciasaparentes da vida e da Histria, do mesmo passo que o sentidoprofundo e a finalidade de uma e outra se revelam quele quesabe penetrar a natureza ntima das coisas. Fora desta aosoberana no haveria mais do que desordem e caos na variedade

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    11/276

    infinita dos esforos, dos impulsos individuais, numa palavra,em toda a obra humana.

    De Domremy e Remos (Reims) esta ao se evidencia naepopia da Pucela. que at a a vontade dos homens se associa,em larga medida, aos fins visados l do Alto. A partir dasagrao, porm, predominam a ingratido, a maldade, asintrigas dos cortesos e dos eclesisticos, a m vontade do rei.Segundo a expresso de Joana, os homens se recusam a Deus.O egosmo, o desregramento, a rapacidade criaro obstculo ao divina servida por Joana e seus invisveis auxiliares. A obrade libertao se tornar mais incerta, inada de vicissitudes, derecuos e de reveses. Contudo, no deixar de prosseguir, masreclamar, para seu acabamento, maior nmero de anos e maispenosos labores.

    *

    , j o dissemos, unicamente do ponto de vista de umacincia nova, que empreendemos este trabalho. Insistimos emrepeti-lo, a fim de que no haja equvoco sobre nossas intenes.

    Procurando lanar alguma luz sobre a vida de Joana d'Arc, anenhum mvel de interesse obedecemos, a nenhum preconceito poltico ou religioso; colocamo-nos to longe dos anarquistasquanto dos reacionrios, a igual distncia dos fanticos cegos edos incrdulos.

    em nome da verdade e tambm por amor ptria francesaque procuramos destacar a nobre figura da inspirada virgem, dassombras que tantos trabalham por lhe acumular em torno.

    Sob o pretexto de anlise e de livre crtica, h, ponderamos,em nossa poca, uma tendncia profundamente lamentvel adenegrir tudo o que provoca a admirao dos sculos, a alterar, aconspurcar tudo o que se mostra isento de taras e de ndoas.

    Consideramos como um dever, que incumbe a todo homemcapaz de exercer, por meio da pena ou da palavra, algumainfluncia volta de si, manter, defender, realar o que constitui

    a grandeza do nosso pas, todos os nobres exemplos por eleoferecidos ao mundo, todas as belas cenas que lhe enriquecem opassado e cintilam na sua histria

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    12/276

    Ao m, quase crime, tentar empobrecer o patrimniomoral, a tradio histrica de um povo. Com efeito, no issoque lhe d a fora nos momentos difceis? No a que ele vai

    buscar os mais viris sentimentos nas horas do perigo? A tradiode um povo e sua histria so a poesia de sua vida, seu consolonas provaes, sua esperana no futuro. pelas ligaes que elacria entre todos, que nos sentimos verdadeiramente filhos de umamesma me, membros de uma ptria comum.

    Assim, convm lembrar freqentemente as grandes cenas danossa histria nacional e p-la em relevo. Ela se mostra cheia delies brilhantes, ricas de ensinos fecundos e, por este lado, talvez superior s de outras naes. Desde que exploramos osantecedentes de nossa raa, por toda parte, em todos os tempos,vemos erguerem-se vultosas sombras, que nos falam e exortam.Do fundo dos sculos se elevam vozes que nos avivam notveisrecordaes, lembranas tais que, se estivessem presentessempre ao nosso esprito, bastariam para nos inspirar, paraclarear-nos a vida. Mas o vento do cepticismo sopra e o olvido ea indiferena se fazem; as preocupaes da vida material nos

    absorvem e acabamos por perder de vista o que h de maisgrandioso, de mais eloqente nos testemunhos do passado.

    Nenhuma dentre essas lembranas mais tocante, maisgloriosa do que a da donzela, que iluminou a noite da IdadeMdia com a sua apario radiosa, da qual pde Henri Martindizer: Nada de semelhante ainda se produziu na Histria domundo.

    Em nome, pois, do passado, como do futuro de nossa raa,em nome da obra que lhe resta completar, esforcemo-nos por lheconservar ntegra a herana e no hesitemos em retificar asopinies falsas que certos escritores formularam em publicaesrecentes. Trabalhemos por exaurir da alma do povo o venenointelectual que se lhe procura inocular, a fim de guardarmos paraa Frana a beleza e a fora que ainda a faro grande nas horas de perigo, a fim de restituirmos ao gnio nacional todo o seu prestgio, todo o seu esplendor, ofuscados por tantas teoriasmalfazejas e tantos sofismas.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    13/276

    *

    Foroso reconhecer que no mundo catlico, melhor quealgures, tm sabido render a Joana homenagens solenes. Nosmeios crentes, louvam-na e a glorificam, erigem-lhe esttuas e baslicas. De seu lado, os republicanos livres-pensadoresimaginaram, recentemente, criar em sua honra uma festanacional, que seria ao mesmo tempo a do patriotismo. Porm,num campo como noutro, nunca lograram compreender overdadeiro carter da herona, entender o sentido de sua vida.Poucos ho sabido analisar essa admirvel figura que se alaacima dos tempos e domina as mais elevadas concepes daepopia, essa figura que nos parece mais imponente proporoque dela nos afastamos.

    A histria de Joana inesgotvel mina de ensinamentos, cujaextenso total ainda se no mediu e da qual se no tirou aindatodo o partido desejvel para a elevao das inteligncias, para apenetrao das leis superiores da Alma e do Universo.

    H, em sua vida, profundezas capazes de causar vertigem aos

    espritos mal preparados; nela se deparam fatos suscetveis delanar a incerteza, a confuso, no pensamento dos que carecemdos dados necessrios para resolver to majestoso problema. Da,tantas discusses estreis, tantas polmicas inteis. Mas, paraaquele que levantou o vu do mundo invisvel, a vida de Joana seaclara e ilumina. Tudo que essa vida contm se explica, se tornacompreensvel.

    Falo de discusses. Vede, com efeito, entre os que enaltecem

    a herona, quantos pontos de vista diversos, quantas apreciaescontraditrias! Uns buscam, antes de tudo, na sua memria, umailustrao para o partido a que pertencem; outros, mediante umaglorificao tardia, sonham aliviar certa instituio secular dasresponsabilidades que lhe pesam.

    Contam-se ainda os que no querem ver nos sucessos deJoana mais do que a exaltao do sentimento popular epatritico.

    Parece lcito duvidar-se de que, aos elogios que sobem detodos os pontos da Frana grande inspirada, no se mesclem

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    14/276

    muitas intenes egosticas, muitos propsitos interesseiros.Pensa-se em Joana, fora de dvida; ama-se Joana; porm, osque dizem querer-lhe no pensaro ao mesmo tempo em si

    prprios, ou no partido a que se filiaram? No se procurartambm nessa vida augusta o que pode lisonjear os sentimentospessoais, as opinies polticas, as ambies inconfessveis? Bempoucos homens, infelizmente, sabem colocar-se acima de seuspreconceitos, acima dos interesses de classe ou de casta. Bempoucos se esforam por descobrir o segredo daquela existncia e,entre os que o penetraram, nenhum at hoje, salvo casosrestritos, ousou altear a voz e dizer o que sabia, o que via e

    percebia.Quanto a mim, se meus ttulos so modestos para falar em

    Joana d'Arc, pelo menos um h que reivindico ativamente: o deestar liberto de qualquer preocupao de partido, de todo cuidadode agradar ou desagradar. na liberdade plena de meupensamento, com a minha conscincia independente, isento dequalquer ligao, no procurando, no querendo em tudo seno averdade, nesse estado de esprito que entro em to elevado

    assunto e vou buscar a chave do mistrio que envolve toincomparvel destino.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    15/276

    Primeira Parte

    Vida e mediunidade de Joana d'Arc

    I

    Domremy

    Encantador o vale; deslumbrante,Ao vivo cintilar da luz esplendorosa,Desliza e brinca uma torrente: o Mosa.

    Saint-Yves dAlveydre

    Filho da Lorena, nascido, como Joana, no vale do Mosa, tivea acalentar-me a infncia as recordaes que ela deixou no pas.

    Durante a minha mocidade, visitei amide os lugares onde ela

    vivera. Aprazia-me vagar por sob as grandes abbadas dasnossas florestas lorenas, outros tantos destroos da antigafloresta das Glias.

    Como Joana, muitssimas vezes prestei ouvido s harmoniasdos campos e dos bosques. Posso dizer que tambm conheo asvozes misteriosas do espao, as vozes que, na solido, inspiram opensador e lhe revelam as verdades eternas.

    Homem feito, quis seguir-lhe as pegadas atravs da Frana.

    Refiz, quase que etapa a etapa, a dolorosa viagem. Vi o castelode Chinon, onde Carlos VII a recebeu, reduzido hoje a runas.Vi, ao fundo da Touraine, a pequenina igreja de Fierbois, dondefez que retirassem a espada de Carlos Martel; vi as grutas deCourtineau, onde buscou refgio durante uma tempestade; emseguida, Orlees e Reims, Compigne, onde a prenderam. Emnenhum lugar por onde a virgem tenha passado deixei de irmeditar, orar, chorar em silncio.

    Mais tarde, na cidade de Ruo (Rouen), por sobre a qualadeja a sua sombra imensa, terminei a minha peregrinao.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    16/276

    Como os cristos que percorrem passo a passo o caminho queleva ao Calvrio, assim perlustrei a via dolorosa que conduzia agrande mrtir ao suplcio.

    Voltei depois a Domremy. Tornei a contemplar a humildecasinha que a viu nascer; o aposento, arejado por estreitorespiradouro, cujas paredes seu corpo virginal, destinado fogueira, roou; o armrio rstico, onde guardava as roupas, e ostio onde, transportada, em xtase, ouvia as suas vozes;finalmente, a igreja onde tantas vezes orou.

    Da, pelo caminho que trepa a colina, cheguei ao lugarsagrado, onde ela gostava de cismar; vi de novo a vinha de quefoi dono seu pai, a rvore das fadas e a fonte de suavesmurmrios. Cantava o cuco no bosque pardacento;embalsamavam o ar os perfumes do espinheiro; a brisa agitava afolhagem e sussurrava um como lamento, ao fundo da balsa. Ameus ps se desdobravam as campinas risonhas, esmaltadas deflores, irrigadas pelos meandros do Mosa.

    Defronte, ergue-se abrupta a costa de Juliano, recordao da

    era romana e do Csar apstata. Ao longe, outeiros cobertos dematas, grotas profundas se sucedem, at ao horizonte fugidio;penetrante doura e serena paz dominam toda a regio. bemesse o lugar abenoado, propcio s meditaes; o lugar onde asvagas harmonias do cu se misturam com os longnquos ebrandos rumores da terra. Oh! alma sonhadora de Joana! buscoaqui as impresses que te envolviam e as encontro vvidas,empolgantes. Elas me enlaam o esprito e o enchem de

    pungente embriaguez. E tua vida inteira, epopia resplandecente,se desenrola ante o meu pensamento, como grandioso panorama,rematado por uma apoteose de chamas. Um instante viveu essavida e o que meu corao sentiu nenhuma pena humana poderiadescrever!...

    Por trs de mim, como forasteiro monumento, notadiscordante nesta sinfonia das impresses e das lembranas, seostentam a baslica e a escultura teatral onde Joana figura

    ajoelhada aos ps de um So Miguel e de duas imagens desantas, opulentas e douradas. S a esttua da virgem, rica de

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    17/276

    expresso, toca, interessa, prende o olhar. Um nome se lgravado no soco, o de Allar. obra, essa, de um esprita.

    A alguma distncia de Domremy, sobre um morro escarpado,em meio dos bosques, se oculta a modesta capela de Bermont.Joana a vinha todas as semanas; seguia a vereda que, de Greux,se estira por sobre o planalto, se some por baixo das copas doarvoredo e passa perto da fonte de So Thibault. Galgava acolina para se ajoelhar diante da antiga madona, cuja imagem, dosculo VIII, ainda se venera em nossos dias. Caminhei pensativo,recolhido, por essa pitoresca vereda e atravessei os copadosbosques onde os pssaros gorjeiam. Toda a regio est prenhe delembranas clticas; l erigiram nossos pais um altar de pedra.Aquelas fontes sagradas, aquelas austeras sombras da folhagemforam testemunhas das cerimnias do culto drudico. A alma daGlia vive e palpita em tais lugares. Sem dvida essa alma falavaao corao de Joana d'Arc, como fala ainda hoje ao corao dospatriotas e dos crentes esclarecidos.

    Levei meus passos mais longe; quis ver, nos arredores, tudo oque participara da vida de Joana, tudo o que no-la traz memria: Vouthon, onde nascera sua me, e a pequena aldeia deBurey-la-Cte, que ainda guarda a casa onde morava seu tioDurant Laxart, que lhe facilitou o cumprimento da misso,levando-a presena do Senhor de Baudricourt, emVaucouleurs. A humilde habitao se mantm de p, com osescudos de flores de lis, que lhe decoram o limiar, porm,transformada em estbulo. Uma simples corrente lhe segura aporta; abro-a e, a meus olhos, um cabrito, encolhido sombra,faz ouvir sua voz fanhosa e plangente.

    Errei em todos os sentidos por aquelas redondezas,embriagando-me com a contemplao dos stios que serviram dequadro infncia de Joana. Percorri os apertados vales queladeiam o Mosa, cavados por entre matas sombrias. Meditei nasolido, noitinha, hora em que canta o rouxinol, quando asestrelas se acendem na amplido dos cus. Dava ateno a todosos rudos, a todas as vozes misteriosas da Natureza. Sentia-me,em tais stios, longe do homem; um mundo invisvel me rodeava.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    18/276

    A prece, ento, irrompeu das profundezas de meu ser; depois,evoquei o Esprito de Joana e logo percebi o amparo e a dourade sua presena. O ar fremia; tudo volta de mim parecia

    iluminar-se; imperceptveis asas rufiavam na escurido;desconhecida melodia, baixada dos espaos, embalava-me ossentidos e me fazia correr o pranto.

    E o Anjo da Frana ditou-me palavras que, conforme a suaordem, reproduzo aqui piedosamente:

    Mensagem de Joana

    Tua alma se eleva e sente neste instante a proteo que Deuslana sobre ti.Comigo, que a tua coragem aumente, e, patriota sincera,

    ames e desejes ser til a esta Frana to querida, que, do Alto,como Protetora, como Me, contemplo sempre com felicidade.

    No sentes em ti nascerem pensamentos de suaveindulgncia? Junto de Deus aprendi a perdoar, mas esses pensamentos no devem fazer com que em mim nasa a

    fraqueza, e divino dom! encontro em meu corao fora bastante para procurar esclarecer, s vezes, aqueles que, pororgulho, me querem monopolizar a memria.

    E quando, cheia de indulgncia, peo para eles as luzes doCriador, do Pai, sinto que Deus me diz: Protege, inspira, pormjamais faas fuso com os teus algozes. Os padres, recordandoteu devotamento ptria, no devem pedir seno perdo paraaqueles cuja sucesso tomaram.

    Crist piedosa e sincera na Terra, sinto no Espao osmesmos arroubos, o mesmo desejo de orao, mas quero minhamemria livre e desprendida de todo clculo; no dou meucorao, em lembrana, seno aos que em mim no vem maisdo que a humilde e devota filha de Deus, amando a todos os quevivem nessa terra de Frana, aos quais procuro inspirarsentimentos de amor, de retido e de energia.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    19/276

    II

    A situao em 1429

    Jazia a Frana como em tmulo encerrada!Do seu grande esplendor restava quase nada;Chorosa urna o Loire, a serpear no Oeste;E o Dauphin, qual sombra, a Leste.

    Saint-Yves dAlveydre

    Qual a situao da Frana no sculo XV, no momento em queJoana d'Arc vai aparecer na cena da Histria?

    A luta contra a Inglaterra dura h perto de cem anos. Emquatro derrotas sucessivas, a nobreza francesa fora esmagada,quase aniquilada. De Crcy a Poitiers e dos Campos deAzincourt aos de Verneuil, nossa cavalaria juncou de mortos osolo. O que dela resta est dividido em partidos rivais, cujasquerelas intestinas enfraquecem e acabrunham a Frana. O duqued'Orlees assassinado pelos lacaios do duque de Bourgogne,que, pouco mais tarde, morto pelos Armagnacs. Tudo istoocorre s vistas do inimigo, que avana passo a passo e invade as provncias do Norte, sendo que j, de muito tempo, ocupa aGuiena.

    Depois de encarniada resistncia, no curso de um cerco queexcede em horror a tudo quanto imaginao possa engendrar delgubre, Rouen teve que capitular. Paris, cuja populao dizimada pelas epidemias e pela fome, est nas mos dosingleses. O Loire os v nas suas margens. Orlees, cuja ocupaoentregaria ao estrangeiro o corao da Frana, resiste ainda; mas,por quanto tempo o far?

    Vastas superfcies do pas se encontram mudadas emdesertos; as aldeias abandonadas. S se vem saras e cardos

    brotando livremente das runas enegrecidas pelo incndio; portoda parte os sinais das devastaes da guerra, a desolao e amorte Os camponeses desesperados se ocultam em

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    20/276

    subterrneos, outros se refugiam nas ilhas do Lger (Loire), ouprocuram abrigo nas cidades, onde morrem famintos. Muitasvezes, tentando escapar soldadesca, os desgraados emigram

    para os bosques, se agrupam em hordas e logo se tornam tocruis como os bandidos, a cuja sanha fugiram. Os lobos rondamas cercanias das cidades, nelas penetram noite e devoram oscadveres deixados insepultos. Tal a grande lstima em que seencontra a terra de Frana, como Joana dizem suas vozes.

    O pobre Carlos VI, em sua demncia, assinou o tratado deTroyes, que lhe deserda o filho e constitui Henrique de Inglaterraherdeiro de sua coroa. Enquanto, na Baslica de Saint-Denis,junto ao esquife do rei louco, um arauto proclama Henrique deLencastre rei da Frana e da Inglaterra, os restos dos nossosmonarcas, sob as pesadas lpides de seus tmulos, certofremiram de vergonha e de dor. O delfim Carlos, despojado echamado por irriso o rei de Burges (Bourges), se entrega aodesnimo e inrcia. Faltam-lhe engenho e valor. Cuida deganhar a Esccia ou Castela, renunciando ao trono, ao qual pensano ter talvez direito, pois que o assaltam dvidas sobre a

    legitimidade do seu nascimento. E no se ouve seno a queixalamentosa, o grito de agonia de um povo, cujos vencedores seaprestam para enterr-lo num sepulcro.

    A Frana se sente perdida, ferida no corao. Ainda algunsreveses, e mergulhar no grande silncio da morte. Que socorrose poderia, com efeito, esperar? Nenhum poder da Terra capazde realizar esse prodgio: a ressurreio de um povo que seabandona. H, porm, outro poder, invisvel, que vela pelodestino das naes. No momento em que tudo parece abismar-se,ele far surgir do seio das multides a assistncia redentora.

    Certos pressgios parecem anunciar-lhe a vinda. J, entreoutros sinais, uma visionria, Maria d'Avignon, se apresentara aorei; vira em seus xtases, dizia, uma armadura que o cureservava para uma jovem destinada a salvar o reino.2 Por todaparte se falava da antiga profecia de Merlin, anunciando umavirgem libertadora, que sairia de Bois Chesnu.3

    E como um raio de luz, vindo do alto, em meio dessa noite del t d i i J

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    21/276

    Escutai, escutai! Do extremo dos campos e das florestas daLorena ressoou o galope de seu cavalo. Ela acorre; vai reanimareste povo desesperado, reerguer-lhe a coragem abatida, dirigir a

    resistncia, salvar da morte a Frana.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    22/276

    III

    Infncia de Joana dArc

    Ao som plangente do Ave-Maria,Vibra a memria sua e do Cu irradia!

    Saint-Yves dAlveydre

    Ao p das colinas que bordam o Mosa, algumas choupanas se

    grupam em volta de modesta igreja; para cima e para baixo,verdes campinas se estendem, que o riozinho de lmpidas guasrega. Ao longo das vertentes, sucedem-se plantaes e vinhedos,at floresta profunda, que se eleva qual muralha em frente dosouteiros, floresta cheia de murmrios misteriosos e de gorjeiosde pssaros, donde surgem por vezes, de improviso, os lobos,terror dos rebanhos, ou os homens de guerra, saqueando edevastando, mais perigosos que as feras.

    Domremy, aldeia ignorada at ento, mas que, pela crianaa cujo nascimento assistiu em 1412, se vai tornar clebre nomundo inteiro.

    Lembrar a histria dessa criana, dessa donzela, constituiainda o melhor meio de refutar os argumentos de seus detratores. o que, antes de tudo, faremos, apegando-nos de preferncia scircunstncias, aos fatos que ho permanecido na obscuridade,alguns dos quais nos foram revelados por via medinica.

    Numerosas obras, primores da cincia e de erudio, se tmescrito sobre a virgem de Lorena. Longe de mim a pretenso deigual-las. Este livro se distingue de tais obras por um traocaracterstico; ilumina-o, aqui e ali, o pensamento da herona.Graas s mensagens obtidas dela, em condies satisfatrias deautenticidade, mensagens que se encontram sobretudo nasegunda parte do volume, ele se torna como que um eco de sua

    prpria voz e das vozes do Espao. por semelhante ttulo quese recomenda a ateno do leitor.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    23/276

    *

    Joana no descendia de alta linhagem; filha de pobreslavradores, fiava a l junto de sua me, ou guardava o seurebanho nas veigas do Mosa, quando no acompanhava o pai nacharrua.4

    No sabia ler nem escrever;5 ignorava todas as coisas daguerra. Era uma boa e meiga criana, amada por todos,especialmente pelos pobres, pelos desgraados, aos quais nuncadeixava de socorrer e consolar. Contam-se, a esse respeito,anedotas tocantes. Cedia de boamente a cama a qualquer

    peregrino fatigado e passava a noite sobre um feixe de palha, afim de proporcionar descanso a ancies extenuados por longascaminhadas. Cuidava dos enfermos, como por exemplo do pequeno Simon Musnier, seu vizinho, que ardia em febre;instalando-se-lhe cabeceira, velava-lhe o sono.

    Cismadora, gostava, noite, de contemplar o cu rutilante deestrelas, ou, ento, de acompanhar, de dia, as gradaes da luz edas sombras. O sussurrar do vento nas ramagens ou nos arbustos,

    o rumorejo das fontes, todas as harmonias da Natureza aencantavam. Mas, a tudo isso, preferia o toque dos sinos. Era-lhecomo que uma saudao do Cu Terra. E qualquer que fosse oacidente do terreno onde seu rebanho se abrigasse, l lhes elaouvia as notas argentinas, as vibraes calmas e lentas,anunciando o momento do regresso, e mergulhava numa espciede xtase, numa longa prece, em que punha toda a sua alma,vida das coisas divinas. Mau grado pobreza, achava meio de

    dar ao sineiro da aldeia alguma gratificao para queprolongasse, alm dos limites habituais, a cano de seus sinos.6

    Penetrada da intuio de que sua vinda ao mundo tivera umfim elevado, afundava-se, pelo pensamento, nas profundezas doInvisvel, para discernir o caminho por onde deveria enveredar.Ela se buscava a si mesma, diz Henri Martin.7

    Ao passo que, entre seus companheiros de existncia, tantasalmas se mantm fechadas e, por assim dizer, extintas na priso

    carnal, todo o seu ser se abre s altas influncias. Durante osono, seu Esprito, liberto dos laos materiais, se libra no espao

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    24/276

    etreo; percebe-lhe as intensas claridades, retempera-se naspossantes correntes de vida e de amor que a reinam, e, aodespertar, conserva a intuio das coisas entrevistas. Assim,

    pouco a pouco, por meio desses exerccios, suas faculdadespsquicas despertam e crescem. Bem cedo vo entrar em ao.

    No entanto, essas impresses, esses cismares no lhealteravam o amor ao trabalho. Assdua em sua tarefa, nadadesprezava para satisfazer aos pais e a todos aqueles com quemlidava. Viva o trabalho! dir mais tarde, afirmando assim que otrabalho o melhor amigo do homem, seu amparo, seuconselheiro na vida, seu consolador na provao, e que no hverdadeira felicidade sem ele. Viva o trabalho! a divisa quesua famlia adotar e mandar inscrever-lhe no braso, quando orei a houver feito nobre.

    At nas insignificantes mincias da existncia de Joana semanifestam um sentimento muito vivo do dever, um juzoseguro, uma clara viso das coisas, qualidades que a tornamsuperior aos que a cercam. J se reconhece ali uma almaextraordinria, uma dessas almas apaixonadas e profundas, quedescem Terra para desempenhar elevada misso. Misteriosainfluncia a envolve. Vozes lhe falam aos ouvidos e ao corao;seres invisveis a inspiram, dirigem-lhe todos os atos, todos ospassos. E eis que essas vozes comandam. Ordens superiores sefazem ouvir. -lhe preciso renunciar vida tranqila. Pobremenina de dezessete anos, dever afrontar o tumulto dosacampamentos! E em que poca! Numa poca brbara em que,quase sempre, os soldados so bandidos. Deixar tudo: suaaldeia, seus pais, seu rebanho, tudo o que amava, para correr emsocorro da Frana que agoniza. boa gente de Vaucouleurs quese apiada de sua morte, que responder? Foi para isto quenasci!

    *

    A primeira viso se lhe produziu num dia de vero, ao meio-dia. O cu era sem nuvens e o Sol derramava sobre a Terra

    modorrenta todos os encantos de sua luz. Joana orava no jardimcontguo casa de seu pai, perto da igreja. Escutou uma voz que

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    25/276

    lhe dizia: Joana, filha de Deus, s boa e cordata, freqenta aigreja,8 pe tua confiana no Senhor.9 Ficou atnita; mas,levantando o olhar, viu, dentro de ofuscante claridade, uma

    figura anglica, que exprimia ao mesmo tempo a fora e a dourae se mostrava cercada de outras formas radiantes.

    Doutra vez, o Esprito, o arcanjo So Miguel, e as santas queo acompanhavam, falam da situao do pas e lhe revelam amisso. preciso que vs a socorro do delfim, para que, porteu intermdio, ele recobre o seu reino.10 Joana a princpio seescusa: Sou uma pobre rapariga, que no sabe cavalgar, nemguerrear! Filha de Deus, vai, serei teu amparo, responde avoz.

    Pouco a pouco seus colquios com os Espritos se tornavammais freqentes; no eram, porm, de longa durao. Osconselhos do Alto so sempre breves, concisos, luminosos. oque ressalta de suas respostas nos interrogatrios de Rouen.Que doutrina te revelou So Miguel? perguntam-lhe. Sobretodas as coisas, dizia-me: S dcil e Deus te ajudar... 11 Isto simples e sublime ao mesmo tempo e resume toda a lei da vida.Os Espritos elevados no se comprazem nos longos discursos.Ainda hoje, os que podem comunicar-se com os planossuperiores do Alm no recebem mais do que instrues curtas,profundas e marcadas com o cunho de alta sabedoria. E Joanaacrescenta: So Miguel me ensinou a bem proceder e afreqentar a Igreja. Com efeito, para toda alma que aspira aobem, a inteireza nos atos, o reconhecimento e a prece so ascondies primeiras de uma existncia reta e pura.

    Um dia So Miguel lhe diz: Filha de Deus, tu conduzirs odelfim a Reims, a fim de que receba a sua digna sagrao.12

    Santa Catarina e Santa Margarida lhe repetiam sem cessar: Vai,vai, ns te ajudaremos! Estabelecem-se, ento, entre a virgem eseus guias, estreitas relaes. No seio de seus irmos doparaso, vai ela cobrar o nimo necessrio para levar a termosua obra, da qual est inteiramente compenetrada. A Frana aespera, preciso partir!

    Aos primeiros albores de um dia de inverno Joana se levantaj t d d li i b b lh i h

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    26/276

    basto de viagem, vem ajoelhar-se ao p do leito em que aindarepousam seu pai e sua me e, silenciosa, murmura em prantosum adeus. Recorda, nesse momento doloroso, as inquietaes, as

    carcias, os desvelos da me, os cuidados do pai, cuja fronte aidade j curva. Pensa no vcuo que a sua partida abrir, naamargura de todos aqueles com quem at ali partilhara vida,alegrias e dores. Mas, o dever ordena: no faltar sua tarefa.Adeus, pobres pais! adeus, tu que te encheste de tantosdesassossegos por teres visto, em sonho, tua filha na companhiade gentes de guerra! 13 Ela no proceder conforme as tuasapreenses, pois que pura, pura como o lrio sem mcula; seu

    corao s conhece um amor: o de seu pas.Adeus, vou a Vaucouleurs, diz ao passar pela casa do

    lavrador Gerard, cuja famlia era ligada sua. Adeus,Mengette, disse a uma de suas companheiras. Adeus, vs todoscom quem convivi at hoje.

    Houve, entretanto, uma amiga de quem evitou despedir-se: asua querida Hauviette. Os adeuses, por demasiado comoventes, aabalariam talvez e ela precisava de toda a coragem.14

    Joana partiu em direo a Burei, onde habitava um de seustios, para l ganhar Vaucouleurs e a Frana. Aos dezessete anos,partiu sozinha debaixo do cu imenso, por uma estrada semeadade perigos. E Domremy nunca mais tornou a v-la.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    27/276

    IV

    A mediunidade de Joana dArc; o que eram suasvozes; fenmenos anlogos, antigos e recentes

    De p, banhada em pranto, escuta atentamenteAlguma voz do cu, dolente.

    Paul Allard

    Os fenmenos de viso, de audio, de premonio, quepontilham a vida de Joana d'Arc deram lugar s mais diversasinterpretaes. Entre os historiadores, uns no viram neles maisdo que casos de alucinao; outros chegaram a falar de histeriaou neurose. Alguns lhe atriburam carter sobrenatural emiraculoso.

    O fim capital desta obra analisar tais fenmenos,demonstrar que so reais, que obedecem a leis por muito tempoignoradas, mas cuja existncia se revela cada dia de modo maisimponente e mais preciso.

    medida que se dilata o conhecimento do Universo e do ser,a noo do sobrenatural recua e se apaga. Sabe-se hoje que aNatureza una; porm, que na sua imensidade encerra domnios,formas de vida, que durante largo tempo nos escaparam aossentidos. Sendo estes, como so, extremamente limitados, no

    nos deixam perceber seno as faces mais grosseiras eelementares do Universo e da vida. Sua pobreza e insuficinciase manifestaram sobretudo a partir do invento dos poderososinstrumentos de tica, o telescpio e o microscpio, quealargaram em todas as direes o campo de nossas percepesvisuais. Que sabamos dos infinitamente pequenos, antes daconstruo dos aparelhos de aumento? Que sabamos dasinmeras existncias que pululam e se agitam em derredor dens e em ns mesmos?

    Entretanto, isso constitui apenas os baixos da Natureza e, pori di b t t d id P lt d

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    28/276

    escalonam planos sobre os quais se graduam existncias cada vezmais sutis, etreas, inteligentes, com um carter ainda humano;depois, em certas alturas, anglicas, pertencentes sempre, pelo

    exterior, seno pela essncia, aos estados imponderveis damatria, estados que, sob muitos aspectos, a Cincia hojereconhece, como, por exemplo, na radioatividade dos corpos, nosraios de Roentgen, em todo o conjunto das experinciasrealizadas sobre a matria radiante.

    Alm dos que, visveis e tangveis, nos so familiares,sabemos agora que a matria tambm comporta mltiplos evrios estados invisveis e impalpveis, que ela pouco a pouco seapura, se transforma em fora e luz, para tornar-se o tercsmico dos fsicos. Em todos esses estados, sob todos essesaspectos, continua sendo a substncia em que se tecem inmerosorganismos, formas de viver de uma inimaginvel tenuidade.Num largo oceano de matria sutil, intensa vida palpita por sobree em torno de ns. Para l do crculo apertado das nossassensaes, cavam-se abismos, desdobra-se um vasto mundodesconhecido, povoado de foras e de seres que no percebemos,

    porm que, todavia, participam de nossa existncia, de nossasalegrias e sofrimentos, e que, dentro de determinados limites, nos podem influenciar e socorrer. Nesse mundo incomensurvel que uma nova cincia se esfora por penetrar.

    Numa conferncia que fez, h anos, no Instituto GeralPolitcnico, o Doutor Duclaux, diretor do Instituto Pasteur, seexprimia nos seguintes termos: Esse mundo, povoado deinfluncias que experimentamos sem as conhecer, penetrado deum quid divinum que adivinhamos sem lhe percebermos asmincias, mais interessante do que este em que at agora seconfinou o nosso pensamento. Tratemos de abri-lo s nossaspesquisas: h nele, por fazerem-se, infindveis descobertas, queaproveitaro Humanidade.

    Oh! maravilha! ns mesmos pertencemos, por uma parte donosso ser, a mais importante, a esse mundo invisvel que dia adia se desvenda aos observadores atentos. Existe em todo serhumano uma forma fludica, um corpo imperceptvel,indestrutvel imagem fiel do corpo fsico do qual este ltimo

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    29/276

    apenas o revestimento transitrio, o estojo grosseiro, dispondo desentidos prprios, mais poderosos do que os do invlucromaterial, que no passam de enfraquecido prolongamento dos

    primeiros.15 No corpo fludico est a verdadeira sede das nossas

    faculdades, da nossa conscincia, do que os crentes de todas aseras chamaram alma. A alma no uma entidade metafsica,mas, sim, um centro imperecvel de fora e de vida, inseparvelde sua forma sutilssima. Preexistia ao nosso nascimento e amorte no tem efeito sobre ela. Vem a encontrar-se, alm-tmulo, na plenitude das suas aquisies intelectuais e morais.Tem por destino continuar, atravs do tempo e do espao, aevolver para estados sempre melhores, sempre mais iluminados pela luz da justia, da verdade, da beleza eterna. O ser,indefinidamente perfectvel, colhe aumentado, quando no estadopsquico, o fruto dos trabalhos, dos sacrifcios, e das provaesde todas as suas existncias.

    Os que viveram entre ns, e continuam sua evoluo noEspao, no se desinteressam dos nossos sofrimentos e dasnossas lgrimas. Dos pramos superiores da vida universalmanam de contnuo sobre a Terra correntes de fora e deinspirao. Vm da as centelhas inesperadas do gnio, os fortessopros que passam sobre as multides, nos momentos decisivos;da tambm o amparo e o conforto para os que vergam ao pesodo fardo da existncia. Misterioso lao une o visvel ao invisvel.Relaes de diversas ordens se podem estabelecer com o Alm,mediante o auxlio de certas pessoas especialmente dotadas, nasquais os sentidos profundos, que jazem adormecidos em todo serhumano, so capazes de despertar e entrar em ao desde a vidaterrena. A esses auxiliares que damos o nome de mdiuns.16

    *

    No tempo de Joana d'Arc essas coisas no eramcompreensveis. As noes sobre o Universo e sobre averdadeira natureza do ser permaneciam ainda confusas e, em

    muitos pontos, incompletas, ou errneas. Entretanto, marchando,h sculos, de conquista em conquista, mau grado s suas

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    30/276

    hesitaes e incertezas, o esprito humano j hoje comea alevantar o vo. O pensamento do homem se eleva, acabamos dev-lo, acima do mundo fsico, e mergulha nas vastas regies do

    mundo psquico, onde principia a entrever o segredo das coisas,a chave de todos os mistrios, a soluo dos grandes problemasda vida, da morte e do destino.

    No esquecemos ainda os motejos de que estes estudosforam, a princpio, objeto, nem as crticas acerbas que ferem osque, corajosamente, perseveram em semelhantes pesquisas, emmanter relaes com o invisvel. Mas, no chasquearam tambm,at no seio das sociedades sbias, de muitas descobertas que,mais tarde, se impuseram como outras tantas refulgentesverdades? O mesmo se dar com a existncia dos Espritos. Umaps outro, os homens de cincia so obrigados a admiti-la e,freqentemente, por efeito de experincias destinadas ademonstrar o seu nenhum fundamento, Sir W. Crookes, o clebrequmico ingls, que pelos seus compatriotas igualado a Newton, pertence a esse nmero. Citemos tambm RussellWallace e Oliver Lodge; Lombroso, na Itlia; os doutores Paul

    Gibier e Dariex, na Frana; na Rssia, o Conselheiro de EstadoAksakof ; na Alemanha, o baro du Prel e o astrnomo Zllner.17

    Todo homem srio, que se conserva a igual distncia de umacredulidade cega e de uma no menos cega incredulidade, forado a reconhecer que as manifestaes de que aqui se trataocorreram em todos os tempos. Encontr-las-eis em todas aspginas da Histria, nos livros sagrados de todos os povos, assimentre os videntes da ndia, do Egito, da Grcia e de Roma, comoentre os mdiuns de nossos dias. Os profetas da Judia, osapstolos cristos, as druidisas da Glia, os inspirados dasCevenas, na poca dos Camisardos, tiram suas revelaes damesma fonte que a nossa boa lorena.

    A mediunidade sempre existiu, pois que o homem sempre foiesprito e, como esprito, manteve em todas as pocas umabrecha aberta sobre o mundo inacessvel aos nossos sentidosordinrios.

    Constantes, permanentes, tais manifestaes em todos osi d b t d f d i i

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    31/276

    grosseiras, como as das mesas falantes, dos transportes deobjetos sem contacto, das casas assombradas, at as maisdelicadas e sublimes, com o xtase ou as altas inspiraes, tudo

    conforme a elevao das inteligncias que intervm.*

    Entremos agora no estudo dos fenmenos que, em avultadonmero, a vida de Joana d'Arc nos depara. Convm primeiramente notar: graas s suas faculdades psquicasextraordinrias que ela pde conquistar rpido ascendentesobre o exrcito e o povo. Consideravam-na um ser dotado de

    poderes sobrenaturais. O exrcito no passava de um agregadode aventureiros, de vagabundos movidos pela gana da pilhagem.Todos os vcios reinavam naquelas tropas sem disciplina eprontas sempre a debandar. No meio de soldados assim, semcontinncia, sem vergonha, que cumpria a uma jovem dedezoito anos viver. De tais brutos, que no respeitavam sequer onome de Deus,18 tinha ela que fazer crentes, homens dispostos asacrificar tudo por uma nobre e santa causa.

    Joana soube praticar esse milagre. Acolheram-na a princpiocomo intrigante, como uma dessas mulheres que os exrcitoslevam na cauda. Mas, sua linguagem inspirada, seus costumesausteros, sua sobriedade e os prodgios que se operaram logo emtorno dela, a impuseram bem depressa quelas imaginaesgastas. O exrcito e o povo se viam, assim, tentados a encar-lacomo uma espcie de fada, de feiticeira e lhe davam os nomesdessas formas fantsticas a que atribuem o assombramento das

    fontes e dos bosques.O desempenho de sua tarefa no se tornava com isso seno

    mais difcil. Era-lhe preciso fazer-se ao mesmo tempo respeitadae amada como chefe; obrigar, pelo ascendente, aquelesmercenrios a verem na sua pessoa uma imagem da Frana, daptria que ela queria constituir.

    Pelas predies realizadas, pelos acontecimentos verificados,conseguiu inspirar-lhes absoluta confiana. Chegaram quase adiviniz-la. Sua presena era tida como garantia de bom xito,smbolo da interveno celeste. Admirando-a, devotando-se-lhe,

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    32/276

    mais fiis se lhe tornaram do que o rei e os nobres. Aodivisarem-na, sopitavam os pensamentos e sentimentosmalvolos e nos seus coraes se acendiam os da venerao.

    Todos a consideravam um ser sobre-humano, segundo otestemunho de seu intendente, Jean d'Aulon, no processo.19 Oconde Guy de Laval escrevia sua me, em 8 de junho de 1429,depois de t-la visto em Salles-sur-Cher, na companhia do rei: coisa toda divina v-la e ouvi-la.20

    Sem assistncia alguma oculta, como que uma simplesrapariga dos campos houvera podido adquirir tal prestgio,alcanar tais resultados? O que soubera a respeito da guerra nasua meninice: os constantes sobressaltos dos campnios, adestruio das aldeias, os lamentos dos feridos e dosmoribundos, o rubro crepitar dos incndios, tudo isso fora antesde molde a afast-la da profisso das armas. Era, porm, aescolhida do Alto para levantar a Frana de sua queda e incutir anoo de ptria em todas as almas. Para atingir esse escopo,maravilhosas faculdades e socorros poderosos lhe foramoutorgados.

    *

    Examinemos de mais perto a natureza e o alcance dasfaculdades medinicas de Joana.

    H, em primeiro lugar, as vozes misteriosas que ouvia, tantono silncio dos bosques, como no tumulto dos combates, nofundo da masmorra e at diante dos juzes, vozes freqentementeacompanhadas de aparies, conforme ela prpria o diz, no curso

    do processo, em doze interrogatrios diferentes. Depois, h osnumerosos casos de premonio, isto , as profecias realizadas,anncio dos acontecimentos vindouros.

    Antes de tudo: so autnticos esses fatos? Nenhuma dvida possvel. Os textos, os depoimentos a esto, copiosos; as cartas,as crnicas abundam.21

    Existe, sobretudo, o processo de Rouen, cujas peas,

    redigidas pelos inimigos da acusada, do a seu favortestemunhos ainda mais fortes do que os do Processo dereabilitao Neste ltimo os mesmos fatos so atestados sob

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    33/276

    juramento pelos conhecedores de sua vida, depondo perante osinquisidores, ou em presena do tribunal.22

    Acima, porm, dos testemunhos, colocaremos a opinio deum contemporneo, que os resume todos e cuja autoridade grande. Queremos falar de Quicherat, diretor da Escola deChartes. No era um mstico, um iluminado, mas homem grave efrio, eminente crtico de Histria, que se entregou a umapesquisa aprofundada, toda de erudio, a um exame escrupulosoda vida de Joana d'Arc. Eis aqui a sua apreciao: 23 Aproveiteou no Cincia, impossvel deixar de admitir-lhe as vises.

    Acrescentarei: cincia nova aproveitar, pois todos essesfenmenos, considerados outrora miraculosos, se explicam hojepelas leis da mediunidade.

    Joana era ignorante: por nicos livros tivera a Natureza e ofirmamento estrelado.

    A Pedro de Versailles, que a interroga em Poitiers sobre ograu de sua instruo, responde: No sei o ABC. Muitos oafirmam no Processo de reabilitao.24 Entretanto, realizou

    maravilhosa obra, como igual mulher alguma jamaisempreendeu. Para lev-la a bom termo, por em jogo aptides equalidades raras. Iletrada, confundir e convencer os doutoresde Poitiers. Por seu gnio militar e pela habilidade dos seusplanos, adquirir pronta influncia sobre os chefes do exrcito eos soldados. Em Ruo, far frente a sessenta eruditos, casustasdestros em sutilezas jurdicas e teolgicas; frustrar-lhes- asciladas e lhes responder a todas as objees. Mais de uma vez

    os deixar embaraados pelo poder de suas rplicas, rpidascomo relmpagos, penetrantes quais pontas de espadas.Como conciliar to esmagadora superioridade com a falta de

    instruo? Ah! que existe outro manancial de ensinamentos queno a cincia da escola! Pela comunho constante com o mundoinvisvel, desde a idade de treze anos, quando teve a sua primeiraviso, que Joana alcana as luzes indispensveis aodesempenho de sua misso espinhosa. As lies dos nossos guias

    do espao so mais eficazes do que as de um professor, maisabundantes, sobretudo, em revelaes morais. Essas vias de

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    34/276

    instruo, que se chamam as Universidades e as Igrejas, quaseno as praticam; seus representantes pouco lem nesse livro deDeus de que fala Joana, nesse imenso livro do Universo

    invisvel, onde ela haurira sabedoria e luzes! H nos livros deNosso Senhor muito mais do que nos vossos. O Senhor tem umlivro no qual nenhum clrigo jamais leu, por mais perfeito queseja no clericato! afirma em Poitiers.25

    Por estas palavras, faz sentir que os mundos ocultos e divinospossuem fontes de verdades infinitamente mais ricas e profundasdo que as nascentes em que bebem os humanos, fontes que seabrem por vezes aos simples, aos humildes, aos ignorantes,queles que Deus marcou com seu selo, os quais encontram nelaselementos de saber, que excedem quanto o estudo nos podeproporcionar.

    A cincia humana nunca isenta de um certo orgulho. Seusensinos cheiram quase sempre a conveno, a afetao, a pedantismo. Falta-lhe, de contnuo, clareza, simplicidade.Algumas obras de psicologia, por exemplo, so de tal modoobscuras, complexas, eriadas de expresses barrocas, quechegam ao ridculo. divertido apreciar a que esforos deimaginao, a que ginstica intelectual, homens, como oprofessor Th. Flournoy e o Doutor Grasset, se do para edificarteorias to burlescas quanto eruditas. As verdades que promanamdas altas revelaes aparecem, ao contrrio, em traos de luz e,com poucas palavras, pela boca dos humildes, resolvem os maisescabrosos problemas.

    Eu te bendigo, meu Pai exclama o Cristo , por teresrevelado aos pequeninos o que ocultaste aos sbios.26

    Bernardino de Saint-Pierre exprime o mesmo pensamento,dizendo: Para achar a verdade, preciso procur-la com umcorao simples.

    Era com um corao simples que Joana escutava suas vozes,que as interrogava nos casos importantes e que, sempre confiantena sbia direo delas, se constitui, sob o impulso das potncias

    superiores, um instrumento admirvel, rico de preciosasfaculdades psquicas.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    35/276

    No s v e ouve maravilhosamente, como tambm sentepelo tato e pelo olfato as aparies que se apresentam: Toqueiem Santa Catarina, que me apareceu visivelmente, diz.

    Beijaste ou abraaste Santa Catarina ou Santa Margarida?perguntam-lhe. Abracei-as ambas. Recendiam perfumes! bom se saiba que recendiam perfumes.27

    Noutro interrogatrio, exprime-se assim: Vi So Miguel e osanjos, com os olhos do meu corpo, to perfeitamente como vosvejo. E, quando se afastavam de mim, eu chorava e bem quiseraque me levassem consigo.28

    essa a impresso de todos os mdiuns que entrevem osesplendores do Espao e os seres radiosos que l vivem.Experimentam um enlevo que lhes torna mais tristes e duras asrealidades deste mundo. Haver partilhado, por um instante, davida celeste e cair de novo, pesadamente, nas trevas do nossoplaneta: que pungente contraste! Mais ainda o era para Joana,cuja alma seleta, depois de se achar, por alguns momentos, nomeio que lhe era familiar, donde viera, e de receber dele grandeconforto, se via novamente em face dos rudes e penosos deveresque lhe corriam.

    Poucos homens compreendem estas coisas. As vulgaridadesda Terra lhes encobrem as belezas do mundo invisvel que oscerca e no qual penetram como cegos na luz. H, porm, almasdelicadas, seres dotados de sutilssimos sentidos, para as quais oespesso vu da matria se rasga por segundos e atravs dessesrasgos elas lobrigam um recanto do mundo divino, do mundo das

    verdadeiras alegrias, das felicidades reais, onde nosencontraremos todos depois da morte, tanto mais livres eventurosos quanto melhor tivermos vivido pelo pensamento epelo corao, quanto mais houvermos amado e sofrido.

    Todavia, no era unicamente sobre esses fatosextraordinrios, sobre suas vises e vozes, que Joana acentuava aconfiana que punha em seus amigos do Espao. A razo lhedemonstrava tambm quo pura e elevada era a fonte de suas

    inspiraes, porquanto aquelas vozes a guiavam sempre para aprtica de aes teis, no sentido do devotamento e do sacrifcio.A t i i i t i t d i

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    36/276

    estreis, em Joana os fenmenos psquicos concorrem todos paraa realizao de uma grande obra. Da sua f inabalvel: Creioto firmemente responde aos juzes nos ditos e feitos de So

    Miguel que me apareceu, como creio que Nosso Senhor Jesus-Cristo sofreu morte e paixo por ns. E o que me move a cr-loso os bons conselhos, o conforto e os ensinamentos que medeu.29

    Tudo ponderando com seguro critrio, principalmente olado moral das manifestaes que constitui, a seus olhos, umaprova da autenticidade delas. Pelos avisos eficazes, pelo amparoque lhe concediam, pelas ss instrues que lhe prodigalizavam,reconhece que seus guias so enviados do Alto.

    No decurso do processo, como no de sua ao militar, asvozes lhe aconselham o que deve dizer e fazer. Recorre a elas emtodos os casos difceis: Pedi conselho voz acerca do que deviaresponder, dizendo-lhe que, por sua vez, pedisse conselho aNosso Senhor. E a voz me disse: Responde ousadamente; Deuste ajudar.30

    Os juzes a interrogam sobre esse ponto: Como explicas queas santas te respondam? Quando fao apelo a Santa Catarina diz Joana , ela e Santa Margarida apelam para Deus e, depois,por ordem de Deus, me do a resposta.31

    Assim, para os que sabem interrogar o invisvel por meio daconcentrao e da prece, o pensamento divino desce, degrau adegrau, das maiores alturas do espao at s profundezas daHumanidade. Mas, nem todos o discernem como Joana.

    Quando suas vozes emudecem, ela se recusa a respondersobre qualquer questo importante: Por enquanto, nada obtereisde mim; ainda no tenho a permisso de Deus.

    Creio que no vos digo tudo o que sei. Porm, muito maistemo cair em falta dizendo qualquer coisa que desagrade sminhas vozes, do que receio vos responder.32

    Admirvel discrio, que muitos homens bem agiriamimitando, quando as vozes da conscincia e do bom senso nolhes ordenam que falem.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    37/276

    At ao fim de sua vida trgica, Joana mostrar grande amoraos seus guias, inteira confiana na proteo que lhedispensavam. Mesmo quando pareceu que a abandonavam

    depois de lhe terem prometido a salvao, nenhuma queixa,nenhuma blasfmia proferiu. Na priso, confessa-o ela prpria,eles lhe haviam dito: Sers libertada por uma grande vitria 33

    e, em lugar da libertao, era a morte o que lhe vinha. Seusinquiridores, que nenhum meio de a desesperar desprezavam,insistiam nesse abandono aparente e Joana respondia sem seperturbar: Nunca praguejei nem de santo, nem de santa.

    A histria da boa Lorena apresentava casos de clarividncia ede premonio em nmero bastante elevado para lheemprestarem, aos olhos de toda gente, um misterioso poderdivinatrio. s vezes parece ler no futuro; por exemplo, quandodiz ao soldado de Chinon que a injuriara, ao v-la entrar nocastelo: Ah! tu renegas de Deus e, no entanto, ests to perto damorte! Efetivamente, nessa mesma tarde o soldado, por umacidente, morre afogado.34 Fato idntico sucede com relao aoingls Glasdale, no ataque bastilha da Ponte, diante de Orlees.

    Ela o intima a se render ao rei dos cus, acrescentando: Tenhogrande compaixo de tua alma! No mesmo instante, Glasdalecai, armado, no Lger, onde se afoga.35 Mais tarde, em Jargeau, prev o perigo que ameaa o duque d'Alenon, cuja vidaprometera proteger: Gentil duque exclama , retire-se da,seno aquela boca de fogo que l v lhe dar a morte.

    A previso era justa, pois o Senhor du Lude, indo ocupar olugar deixado pelo duque, foi morto pouco depois.36

    Doutras vezes e com muita freqncia, atesta-o a prpriaJoana, suas vozes a previnem. Em Vaucouleurs, sem jamais o tervisto, vai direto ao senhor de Baudricourt: Reconheci-o, graas minha voz. Foi ela que me disse: Est ali ele!.37 Conforme asrevelaes que tivera, Joana lhe prediz a libertao de Orlees, asagrao do rei em Reims e lhe anuncia a derrota dos Francesesna jornada dos Arenques, no instante mesmo em que acabava deverificar-se.38

    Em Chinon, levada presena do rei, no hesitou emd b i l t t t t i d i

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    38/276

    dissimulara: Quando fui introduzida no aposento do rei diz ,logo o reconheci entre os outros, porque a minha voz moindicou.39 Numa entrevista ntima, lembra-lhe ela os termos da

    prece muda que, sozinho no seu oratrio, ele dirigira a Deus.Suas vozes lhe comunicam que a espada de Carlos Martel

    est enterrada na Igreja de Santa Catarina de Fierbois e mostram-lha.40

    ainda a voz que a desperta em Orlees, quando, extenuadade fadiga, se atira no leito, ignorando o ataque bastilha deSaint-Loup: Meu conselho me disse que v contra os ingleses,exclama de repente. E no me dizeis que o sangue da Franaestava sendo derramado. 41

    Porque seus guias lho predisseram, sabe que ser ferida porum dardo no ataque s Tourelles, a 7 de maio de 1429. Umacarta do encarregado de negcios de Brabante, conservada nosarquivos de Bruxelas e datada de 22 de abril do mesmo ano,escrita, por conseqncia, quinze dias antes do fato, relata essapredio e a maneira pela qual havia de realizar-se. Na vspera

    do combate, Joana ainda declara: Amanh sair sangue de meucorpo.42

    Nessa mesma jornada, prediz, contra toda a verossimilhana,que o exrcito vitorioso reentraria em Orlees pela ponte, que seachava ento destruda. E foi o que se deu.

    Libertada a cidade, Joana insiste com o rei para que nodefira a partida para Reims, repetindo: No durarei mais queum ano, Sire; preciso, pois, que me aproveitem bem! 43 Que

    prescincia da curteza de sua carreira!Por suas vozes foi avisada de que Troyes, em breve, se

    renderia, assim como, mais tarde, o foi tambm do seu prpriocativeiro. Na semana da Pscoa, achando-me junto ao fosso deMelun, minhas vozes me disseram que seria presa antes do diade So Joo refere a acusada aos juzes de Rouen e como eulhes pedisse que, quando fosse presa, morresse logo, sem oprolongado tormento da priso, elas me disseram: Recebe tudo

    com resignao. preciso que assim se faa. Mas, no medisseram a hora.44 A propsito, citemos, de passagem, esta bela

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    39/276

    resposta aos seus inquiridores: Se eu soubera a hora, no meteria ido entregar voluntariamente. Entretanto, teria feitosegundo me ordenassem minhas vozes, quaisquer que fossem

    para mim as conseqncias.45Conta-se tambm uma cena tocante passada na igreja de

    Compienha (Compigne). Diz ela, chorando, aos que acercavam: Bons amigos e queridos filhos, sabei que mevenderam e traram. Dentro em breve, dar-me-o a morte. Oraipor mim!.46

    Na priso, seus guias lhe predizem a libertao deCompienha,47 o que lhe causa grande alegria. Teve tambm arevelao do seu fim trgico, sob uma forma que ela nocompreendeu, mas cujo sentido seus juzes apreenderam: O queminhas vozes mais me dizem que serei salva... Acrescentam:Recebe tudo com resignao, no te aflijas por causa do teumartrio. Virs, enfim, para o reino do paraso.48

    De contnuo, suas vozes a advertem dos concilibulossecretos dos capites, ciosos da sua glria, e que dela se ocultam

    para deliberarem sobre os feitos da guerra. Mas, de sbito, Joanaaparece e, conhecendo-lhes de antemo as resolues, as frustra:Estivestes no vosso conselho e eu estive no meu. O conselho deDeus se cumprir, o vosso perecer.49

    No , igualmente, s inspiraes de seus guias que Joanadeve a posse das eminentes qualidades que formam os grandesgenerais: o conhecimento da estratgia, da balstica, a habilidadeno emprego da artilharia, coisa inteiramente nova naquela poca?

    Como teria podido saber que os franceses gostam mais deavanar do que de combater por trs das trincheiras? E comoexplicar de maneira diversa que uma simples camponesa se tenhatornado, de um dia para outro e aos dezoito anos, incomparvelcomandante de exrcito, consumado ttico?

    Sua mediunidade, v-se, revestia formas variadas. Essasfaculdades, disseminadas, fragmentadas, na maior parte dosindivduos do nosso tempo, nela se acham reunidas, grupadas em

    possante unidade. Alm disso, seu grande valor moral asreforava. A herona era a intrprete, o agente desse mundo

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    40/276

    invisvel, sutil, etreo, que se estende para alm do nosso e cujasharmonias e vozes alguns seres humanos percebem.

    Os fenmenos que enchem a vida de Joana se encadeiam econcorrem para o mesmo fim. ntida e precisa a misso querecebeu das altas Entidades e cuja natureza e carter mais longe procuraremos determinar. Foi anunciada previamente e secumpriu segundo as linhas principais. Toda a sua histria oatesta. Aos juzes de Ruo, dizia: Vim da parte de Deus; nadatenho que fazer aqui; mandai-me de novo a Deus, de quemvim.50

    E quando, na fogueira, as chamas a envolvem e lhe mordemas carnes, ainda exclama: Sim, minhas vozes eram de Deus!Minhas vozes no me enganaram.51

    Poderia Joana mentir? Por ela respondem a sinceridade, aretido que manifestou em todas as circunstncias. Uma alma toleal, que preferiu todos os sacrifcios a renegar da Frana e deseu rei, uma alma assim no podia degradar-se at mentira. Hnas suas palavras tal acento de verdade, de convico, que

    ningum, mesmo entre os seus detratores mais ardentes, ousouacus-la de impostura. Anatole France, que, certo, no a poupa,escreve: O que, sobretudo, ressalta dos textos que ela foi umasanta. Foi uma santa, com todos os atributos da santidade nosculo XV. Teve vises e estas vises no foram nem fingidas,nem foradas. E, mais adiante: No pode ser suspeitada dementira.52

    Sua lealdade era absoluta; para apoiar o que dizia, no se

    servia, como tanta gente, de termos excessivos, de expressesdescomedidas. Nunca jurara, diz uma testemunha noProcessode reabilitao, e, para afirmar, contentava-se com acrescentar:Sem dvida.53 Estas palavras se encontram tambm nosinterrogatrios do processo de Ruo. Revestiam umasignificao particular na sua boca, pronunciadas no tom defranqueza e com aquela fisionomia aberta, que lhe erampeculiares.

    Outro ponto de vista: ter-se-ia ela enganado? Seu bom senso,sua lucidez de esprito, seu critrio firme, os relmpagos de

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    41/276

    gnio que lhe iluminam, aqui e ali, a vida, no permitem que emtal se creia. Joana no era uma alucinada!

    Certos crticos, entretanto, o acreditaram. A maior parte dosfisiologistas, por exemplo, Pierre Janet, Tr. Ribot, o DoutorGrasset, aos quais convm juntar alguns alienistas, como os Drs.Llut, Calmeil, etc., no vem na mediunidade seno uma dasformas da histeria ou da neurose. Para eles, os videntes soenfermos e a prpria Joana d'Arc no lhes escapa s apreciaessob este critrio. Ainda recentemente, o professor Morselli, noseu estudo Psicologia e Espiritismo, no considerou os mdiunscomo espritos fracos ou desequilibrados?

    sempre fcil qualificar de quimeras, de alucinaes ou deloucuras os fatos que nos desagradam, ou que no podemosexplicar. Nisto, muitos cpticos se consideram pessoas bastantecriteriosas, quando no passam de vtimas dos seus preconceitos.

    Joana no era neurtica, nem histrica. Robusta, gozava desade perfeita. Era de costumes castos e, ainda que de uma beleza plena de atrativos, sua presena impunha respeito,

    venerao, mesmo aos soldados que lhe partilham da vida.54

    Trsvezes: em Chinon, no princpio de sua carreira, em Poitiers e emRuo, sofreu exame feito por matronas, que lhe atestaram avirgindade.

    Suportava, sem fraquejar, as maiores fadigas. Sucede-lhepassar at seis dias em armas, escreve, a 21 de junho de 1429,Perceval de Boulainvilliers, conselheiro camarista de Carlos VII.E, quando a cavalo, excitava a admirao de seus companheiros

    de armas, pelo tempo que podia permanecer assim, sem ternecessidade de apear-se.55 Muitos depoimentos lhe atestam aresistncia fsica. Ela se comportava de tal maneira, diz ocavaleiro Thibault d'Armagnac, que no seria possvel a qualquerhomem melhor atitude no que respeita guerra. Todos oscapites se maravilhavam das fadigas e trabalhos quesuportava.56

    O mesmo ocorre com a sua sobriedade: h, sobre esse ponto,

    numerosos testemunhos, desde o de pessoas que a viram porpouco tempo, como a senhora Colette, at os de homens de seu

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    42/276

    squito habitual. Citemos as palavras do pajem, Lus de Contes:Joana era extremamente sbria. Muitas vezes, durante um diainteiro, no comeu mais do que um pedao de po. Admirava-me

    que comesse to pouco. Quando ficava em casa, s comia duasvezes por dia.57

    A rapidez maravilhosa com que a nossa herona se curava dosprprios ferimentos mostra a sua poderosa vitalidade: algunsinstantes, alguns dias de repouso lhe bastam e volta para ocampo de batalha. Ferida gravemente, por haver saltado da torrede Beaurevoir, recobra a sade assim que consegue tomar algumalimento.

    Denotaro todos estes fatos uma natureza fraca e neurtica?E se, das qualidades fsicas, passamos s do esprito, a mesma

    concluso se impe. Os numerosos fenmenos dos quais Joanafoi o agente, longe de lhe turbarem a razo, como sucede com oshistricos, parece, ao contrrio, terem-na robustecido, a julgarpelas respostas lcidas, claras, decisivas, inesperadas, que d aosseus interrogadores de Ruo. A memria se lhe conservou fiel, o

    juzo so; manteve a plenitude de suas faculdades e foi sempresenhora de si.O Dr. G. Dumas, professor da Sorbona, em comentrio

    publicado por Anatole France no fim do seu segundo volume,declara no ter conseguido, pelos testemunhos, descobrir emJoana qualquer dos estigmas clssicos da histeria. Insistedemoradamente sobre a exterioridade dos fenmenos, sobre aclareza objetiva deles, sobre a independncia e autoridade

    relativas da inspirada em presena das santas. No lhe pareceque suas vises possam ser filiadas a qualquer tipo patolgicoverificado experimentalmente.

    Nenhum indcio diz por sua vez Andrew Lang 58 permitesupor que Joana, enquanto em comunho com suas santas, sehouvesse achado em estado de dissociao, ou inconsciente doque a cercava. Pelo contrrio, vemos que, na cena terrvel daabjurao, ela ouve ao mesmo tempo, com igual nitidez, as vozes

    das santas e o sermo do pregador, cujos erros no temecriticar.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    43/276

    Acrescentemos que nunca foi vtima de obsesso, pois queseus Espritos no intervm seno em certos momentos esobretudo quando os chama, ao passo que a obsesso se

    caracteriza pela presena constante, inevitvel, de seresinvisveis.

    Todas as vozes de Joana tratam da sua grande misso; jamaisse ocupam com puerilidades; sempre tem razo de ser o quefazem ouvir, no se contradizem, nem se mostram eivadas dascrenas errneas do tempo, o que teria cabimento se Joana fossepredisposta a sofrer de alucinaes. Longe de acreditar em fadas,nas virtudes da mandrgora e em mil outras idias falsas dapoca, a donzela demonstra, nos interrogatrios, ignorncia aesse respeito, ou exprime o desprezo que vota a tudo isso.59

    Nada, nela, de sentimentos egostas, nenhum orgulho, comose nota nos alucinados que, atribuindo grande importncia ssuas insignificantes pessoas, s vem roda de si inimigos e perseguidores. Frana e ao rei que se dirigem seuspensamentos, sob a inspirao divina.

    O grande alienista Brierre de Boismont, que se consagrou aum estudo atento da questo,60 reconhece em Joana umainteligncia superior. Entretanto, qualifica de alucinaes osfenmenos de que ela objeto, mas emprestando-lhes carterfisiolgico e no patolgico. Quer com isso dizer que taisalucinaes no a impediram de conservar a integridade darazo; seriam fruto de uma exaltao mental, o que todavia nadatem de mrbido. Para ele, a concepo da idia diretriz,

    estimulante poderoso, se fez imagem no crebro de Joana, emquem admira uma alma de escol, um desses mensageiros quenos so enviados do fundo do misterioso infinito.

    Sem ser da mesma opinio do clebre prtico da Salptrire,quanto s causas determinantes dos fenmenos, o DoutorDupouy, que os atribui influncia de Entidades celestes,conclui no mesmo sentido. Somente, no seu entender, asalucinaes de Joana teriam tido o dom de objetivar as

    personalidades anglicas que lhe serviam de guias. Poderamosadotar este modo de ver, pois sabemos que ela considerava suas

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    44/276

    santas como sendo aquelas cujas imagens adornavam a igreja deDomremy.

    Mas, diremos ainda: pode-se atribuir carter alucinatrio avozes que nos despertam em pleno sono, para prevenir-nos deacontecimentos presentes ou futuros, como foi o caso de Orleese durante o processo de Joana, em Ruo? a vozes que nosaconselham proceder por forma diversa da que preferimos? Porocasio de seu cativeiro na torre de Beaurevoir, recebeu bastantes recomendaes de seus guias, desejosos de lheevitarem um erro; no entanto, no puderam impedi-la de saltardo alto da torre, do que teve que se arrepender.

    Dizer, com Lavisse, A. France e outros, que a voz ouvida porJoana era a da sua conscincia, afigura-se-nos igualmente emcontradio com os fatos. Tudo prova que as vozes eramexteriores. O fenmeno nada tinha de subjetivo, pois que ela despertada, como vimos, aos chamados de seus guias e muitasvezes no apanha mais do que as ltimas palavras do quedizem.61

    No as escuta bem, seno nas horas de silncio, conforme oreconhece o prprio Anatole France.62 A agitao das prises eas disputas entre os guardas 63 obstam a que compreendaclaramente o que seus guias lhe comunicam. , pois, de todaevidncia que as palavras vm de fora; o rudo no embaraa avoz interior, que se percebe no segredo da alma, at nosmomentos de tumulto.

    Concluamos, pois, de nossa parte, reconhecendo, mais uma

    vez, em Joana, um grande mdium.Em que pese ao Doutor Morselli 64 e a tantos outros, amediunidade no se manifesta exclusivamente nos indivduos deesprito fraco ou de almas inclinadas loucura. H talentos deamplas envergaduras, tais como Petrarca, Pascal, Lafontaine,Goethe, Sardou, Flammarion e quantos mais, pensadoresprofundos, como Scrates, homens penetrados do esprito divino,santos ou profetas, que tiveram suas horas de mediunidade, nas

    quais essa faculdade, latente em todos, se revelou, sendo que,nalguns, repetidas vezes.

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    45/276

    Nem a altura da inteligncia, nem a elevao da alma servemde empecilho a essa espcie de manifestaes. Se h muitas produes medinicas, cuja forma ou substncia deixam a

    desejar, que so raras as altas inteligncias e os grandescaracteres, qualidades que se achavam reunidas em Joana d'Arc,razo pela qual suas faculdades psquicas atingiram to elevadograu de pujana.

    Da virgem de Orlees se pode dizer que realizava o ideal damediunidade.

    Agora uma outra questo se apresenta e da mais altaimportncia: Quais eram as personalidades invisveis que ainspiravam e dirigiam? Por que santas, anjos, arcanjos? Quedevemos pensar dessa interveno constante de So Miguel,Santa Catarina, Santa Margarida?

    Para resolver o problema, seria necessrio primeiramenteanalisar a psicologia dos videntes e dos sensitivos e compreendera necessidade, em que eles se vem, de emprestar smanifestaes do Alm as formas, os nomes, as aparncias que a

    educao recebida, as influncias experimentadas, as crenas domeio e da poca em que vivem lhes sugeriram. Joana d'Arc noescapava a essa lei. Servia-se, para traduzir suas percepespsquicas, dos termos, das expresses, das imagens que lhe eramfamiliares. o que fazem os mdiuns de todos os tempos.Conforme aos meios, os habitantes do mundo oculto receberoos nomes de deuses, de gnios, de anjos ou demnios, deespritos, etc.

    As prprias inteligncias invisveis, que intervmostensivamente na obra humana, se sentem obrigadas a entrar namentalidade daqueles a quem se manifestam, de adotar as formase os nomes de entes ilustres, conhecidos deles, a fim de osimpressionar, de lhes inspirar confiana, de melhor prepar-lospara o papel a que esto destinados.

    Em geral, no Alm no se liga tanta importncia, como entrens, aos nomes e s personalidades. L, se empreendem obras

    grandiosas e as Potncias prepostas sua realizao recorremaos expedientes reclamados pelo estado de esprito, poder-se-ia

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    46/276

    dizer de inferioridade e de ignorncia, das sociedades e dostempos em que desejam intervir.

    Objetar-me-o, talvez, que virgem de Domremy essasPotncias sobre-humanas teriam podido revelar sua verdadeiranatureza, iniciando-a num conhecimento mais alto, mais largo domundo invisvel e de suas leis. Mas, alm de muito demorado edifcil iniciar um ser humano, por melhor dotado que seja, nasleis da vida superior e infinita, que nenhum ainda apreende noconjunto, o mesmo fora que contrariar o fim visado; que tornar,no caso de Joana, irrealizvel a obra concebida, obra toda deao, com o criar, na herona, um estado de esprito edivergncias de vista, que a houveram colocado em oposio ordem social e religiosa sob a qual era chamada a operar.

    Examinando-se com ateno o que diz Joana, com respeito ssuas vozes, um fato significativo ressalta logo: que o Esprito aquem ela d o nome de So Miguel nunca declarou chamar-seassim.65

    As duas outras Entidades teriam sido designadas pelo prprio

    So Miguel, sob os nomes de Santa Catarina e de SantaMargarida.66 Lembremos que as esttuas destas santas ornavam aigreja de Domremy onde Joana ia orar diariamente. Nas suaslongas meditaes e nos seus xtases, tinha quase sempre diantede si as imagens de pedra daquelas duas virgens mrtires.

    Ora, a existncia destas duas personagens mais do queduvidosa. O que sabemos de ambas consiste em lendas muitocontestadas. Cerca do ano 1600, um censor da Universidade,

    Edmond Richer, que acreditava nos anjos, mas no em SantaCatarina, nem em Santa Margarida, aventa a idia de que asaparies percebidas pela donzela se fizeram passar, a seusolhos, como sendo as santas que ela venerava desde a infncia.O Esprito de Deus, que governa a Igreja, se amolda nossaimperfeio, dizia ele.67

    Mais tarde, outro doutor da Sorbona, Jean de Launoy,escrevia: A vida de Santa Catarina, virgem e mrtir,

    inteiramente fabulosa, do comeo ao fim. No se lhe deve dar

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    47/276

    crdito algum.68 Bossuet, na sua Histoire de France pour1'instruction du Dauphin, no menciona as duas santas.

    Em nossos dias, Marius Sepet, aluno da Escola de Chartes emembro do Instituto, prefaciando a Vie de Sainte Catherine, deJean Milot,69 se manifesta com patentes reservas acerca dosdocumentos que serviram de base obra: A vida de SantaCatarina, diz ele, sob a forma que tomou no manuscrito 6449 docabedal francs da Biblioteca Nacional, no poderia aspirar anenhum valor cannico.70

    Notemos ainda que o caso mais moderno do cura d'Arsapresenta muita analogia com o de Joana d'Arc. Como a donzela,o clebre taumaturgo era vidente e se entretinha com Espritos,especialmente com o de Santa Filomena, sua protetora habitual.Sofria tambm as importunaes de um Esprito inferiorchamado Grapin. Ora, do mesmo modo que Catarina eMargarida, Filomena simplesmente um nome simblico,significando que ama a Humanidade.71

    *

    Se certo que os nomes atribudos s Potncias invisveis queinfluenciaram a vida de Joana d'Arc s tm importncia relativae so, em si, muito contestveis, outro tanto no se d, j ovimos, com a realidade objetiva das mesmas Potncias e com aao constante que exerceram sobre a herona.

    Parecendo-nos insuficiente a explicao catlica, somoslevados a nelas ver Entidades superiores, que resumem,concentram, acionam as foras divinas, nas ocasies em que omal se alastra sobre a Terra, quando os homens, por suas obras,entravam ou ameaam o desenvolvimento do plano eterno.

    Essas Potncias se nos deparam sob as mais diversasdenominaes, em pocas bem diferentes. Mas, qualquer queseja o nome que se lhes d, fora de dvida a interveno quetm tido na Histria. No sculo XV, so os gnios protetores daFrana, as grandes almas que mais particularmente velam pelo

    nosso pas.Dir-se- talvez: tudo isso sobrenatural. No! por estal d i i l d lt

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    48/276

    sublimes e, por assim dizer, o coroamento da Natureza. Pelainspirao dos videntes e dos profetas, pelos mediadores, pelosEspritos mensageiros, a Humanidade esteve sempre em relao

    com os planos superiores do Universo.Os estudos experimentais, que vm sendo feitos h meio

    sculo,72 j lanaram alguma claridade sobre a vida do Alm.Assim que sabemos ser o mundo dos Espritos povoado deseres em nmero incalculvel, ocupando todos os degraus daescala da evoluo. A morte no nos transforma, sob o ponto devista moral. No espao, achar-nos-emos de novo com todas asqualidades que houvermos adquirido, mas tambm com todos osnossos erros e defeitos. Da resulta que na atmosfera terrestreformigam almas inferiores, sfregas por se manifestarem aoshumanos, o que s vezes torna perigosas as comunicaes eexige, da parte dos experimentadores, um preparo laborioso emuito discernimento.

    Esses estudos tambm demonstram que acima de ns hlegies de almas benfazejas e protetoras, as almas dos quesofreram pelo bem, pela verdade e pela justia e que, esvoaandosobre a pobre Humanidade, procuram gui-la pela senda de seudestino. Mais para alm dos acanhados horizontes da Terra, umacompleta hierarquia de seres invisveis se distende na luz. alendria escada de Jacob, a escada das Inteligncias e dasConscincias superiores, cujos degraus chegam at aos Espritosradiosos, at s poderosas Entidades depositrias das forasdivinas.

    Essas Entidades invisveis, temo-lo dito, intervm de quandoem quando na vida dos povos, de modo esplendente, como nostempos de Joana d'Arc. As mais das vezes, porm, a ao queexercem permanece obscura, primeiro para salvaguarda daliberdade humana e, sobretudo, porque, se indubitvel que elasdesejam ser conhecidas, no menos certo quererem que ohomem se esforce e se faa apto a conhec-las.

    Os grandes fatos da Histria, devidos interveno delas, so

    comparveis s aberturas que se produzem de sbito entre asnuvens, quando o tempo est sombrio, para nos mostrarem o cuf d l i i fi it l t t t l

  • 8/14/2019 Leon Denis - Joana d'Arc, Medium

    49/276

    cerram, porque o homem ainda no se acha bastante maduro paraapanhar e compreender os mistrios da vida superior.

    Quanto escolha das foras e dos meios que os grandes Seresempregam para intervir no campo terrestre, cumprereconheamos que o nosso saber bem fraco para os apreciar e julgar, que nossas faculdades so impotentes para medir osvastos planos do invisvel. O que sabemos que os fatos a esto,incontestveis, inegveis. De longe em longe, atravs daobscuridade que nos envolve, por entre o fluxo e refluxo dosacontecimentos, nas horas decisivas, quando a Humanidade sedesencaminha, ento, uma emanao, uma personificao daPotncia suprema desce, para lembrar aos homens que, acima domundo em que se debatem, recursos infinitos existem, que elespodem atrair a si por seus pensamentos e apelos, e se grupamsociedades de almas, que eles alcanaro um dia por seusmerecimentos e esforos.

    A interveno, na obra humana, das altas Entidades, a quechamaremos os annimos do espao, constitui uma lei profunda,sobre a qual cremos dever insistir ainda, procurando torn-lamais compreensvel.

    Em geral, j por mais de uma vez o dissemos, os Espritossuperiores que se manifestam aos homens no se nomeiam, ou,se o fazem, tomam de emprstimo nom