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Diversidade cultural e religiosa na União Europeia: desafios para um cená- rio de maior tolerância, pluralismo e coesão social na região Henrique Monteiro Marcos Gandelsman Pedro Amorim Sarah Fróz 1 “Laws alone can not secure freedom of expression; in order that every man present his views without penalty there must be spirit of tolerance in the entire population” Albert Einstein 2 “The highest result of education is tolerance” – Helen Keller 3 1 Os autores gostariam de agradecer ao amigo Rodrigo Guerra, cujos comentários foram de fundamental auxílio para a elaboração do presente artigo. 2 “Leis por si só não podem assegurar a liberdade de expressão; a fim de que todo homem apresente seu ponto de vista sem penalidade, deve haver espírito de tolerância em toda a população” (EINSTEIN, 1956, tradução nossa). 3 “O maior resultado da educação é a tolerância” (KELLER, 1904, p. 32, tradução nossa). #03

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Diversidade cultural e religiosa na União Europeia: desafios para um cená-rio de maior tolerância, pluralismo e coesão social na região

Henrique MonteiroMarcos GandelsmanPedro AmorimSarah Fróz1

“Laws alone can not secure freedom of expression; in order that every man present his views without penalty there

must be spirit of tolerance in the entire population” Albert Einstein2

“The highest result of education is tolerance” – Helen Keller3

1 Os autores gostariam de agradecer ao amigo Rodrigo Guerra, cujos comentários foram de fundamental auxílio para a elaboração do presente artigo.

2 “Leis por si só não podem assegurar a liberdade de expressão; a fim de que todo homem apresente seu ponto de vista sem penalidade, deve haver espírito de tolerância em toda a população” (EINSTEIN, 1956, tradução nossa).

3 “O maior resultado da educação é a tolerância” (KELLER, 1904, p. 32, tradução nossa).

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1. Introdução: pontos de partida para uma discussão multifacetada

Em sua concepção original, a União Europeia (UE) foi institu-ída como uma “zona de paz fundada na liberdade, no Estado de Direito e na justiça social” (EUROPEAN COMMISSION, 2006, p. 5, tradução nossa). Resultado bem-sucedido de esforços no senti-do de se evitar a guerra entre as nações europeias após séculos de conflitos ininterruptos, o processo de integração europeu se in-tensifica constantemente, seja por meio de seu alargamento com a entrada de novos membros, seja pelo seu fortalecimento institu-cional-burocrático (ESPAS, 2013).

A constituição de uma organização como esta, que ultrapas-sa as fronteiras dos Estados e trilha caminhos para uma sociedade civil integrada, não seria possível sem a existência de um espaço cultural comum europeu. Este, por sua vez, não pode ser facilmente delimitado e seus contornos são, ou estão, necessariamente abertos, uma vez que uma “cultura comum europeia” não se constitui como fato, mas como processo em contínuo andamento (EUROPEAN COMMISSION, 2006). Assim, pode-se dizer que “a identidade cul-tural europeia depende do confrontamento insistente entre o novo, o diferente e o estrangeiro” (EUROPEAN COMMISSION, 2006, p. 8, tradução nossa), de forma que hoje seus maiores desafios não residem nos padrões de conflitos entre suas nações, mas na forma de lidar com os problemas sociais e culturais vivenciados por seus indivíduos e coletividades (ESPAS, 2013).

A liberdade religiosa e os direitos culturais aparecem, então, como grandes problemáticas no contexto atual da UE e são de tal forma ameaçadores da ordem social democrática e pacífica alme-jada para a região que se tornaram pauta recorrente na agenda dos líderes europeus. Apesar de este ser um problema antigo, ori-

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ginário da confluência e sobreposição de diversos momentos his-tóricos de contato entre os povos, sua trajetória recente permite inferir que a diversidade e a intolerância têm caminhado cada vez mais juntas no cenário europeu, sendo frequentes as experiências negativas envolvendo diferenças culturais e religiosas nos últimos anos (TRIANDAFYLLIDOU, 2011).

Em 2001, por exemplo, os conflitos violentos entre britânicos nativos e jovens muçulmanos asiáticos tomou conta do norte da Inglaterra. Em 2005, a agitação civil entre as comunidades mu-çulmanas do Magrebe na França se expandiu por todo o país. Em 2006, a publicação de fotos do profeta Maomé na Dinamarca gerou a chamada “crise dos cartoons”. Comunidades muçulma-nas têm estado sob intenso escrutínio na sequência dos aten-tados terroristas nos Estados Unidos (2001), Espanha (2004) e Grã-Bretanha (2005). Políticos de extrema-direita, como Geert Wilders na Holanda e partidos como a Liga Norte na Itália ga-nham votos, jogando com o medo do eleitorado quanto ao “mu-çulmano” ou ao “imigrante”. Além disso, a atual crise econômica proporciona um terreno ainda mais fértil para os comportamen-tos racistas e discriminatórios para com as minorias na Europa (TRIANDAFYLLIDOU, 2011).

A evolução histórica europeia esteve sempre acompanhada pela religião, de forma que uma identidade nacional ou regional não pode ser desvencilhada de aspectos religiosos e, consequentemente, culturais (TRIANDAFYLLIDOU, 2011). Dessa forma, observa-se a crescente presença de religiões não compreendidas como tradi-cionais no seio dessa sociedade e identificadas como “externas” à composição da identidade europeia (LOENEN; GOLDSCHMIDT, 2007). Esta identificação, por sua vez, tem como consequências, por um lado, a redução da liberdade religiosa e de direitos culturais a ela associados e, por outro, o incremento de movimentos extremistas que ameaçam, inclusive, a manutenção de instituições democráticas e a justiça social no continente (DEFEIS, 2006).

O presente artigo tem por objetivo, logo, trabalhar as dinâmi-cas envolvidas nessa relação entre liberdade religiosa e direitos culturais na União Europeia, explorando as atribuições do Estado e as forças determinantes na sociedade civil acerca da temática. Almeja-se, desse modo, que ao término da leitura seja possível a visualização desses fenômenos não pela ótica de um conjunto de Estados com seus problemas particulares quanto a clivagens reli-giosas e diferenças culturais, mas pela percepção do processo de integração que perpassa a UE.

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2. Religião e liberdade religiosa: delimitando conceitos, ultrapassando fronteiras

O conceito de “religião” e suas implicações para a compreen-são do termo “liberdade religiosa” são centrais para o entendimento deste artigo e, longe de serem fáceis de lidar e de ampla aceitação co-mum na esfera legal, guardam parcialidade, permitindo margens de manobra para sua utilização política. Para evitar a polêmica filosó-fica e ideológica, a lei internacional de direitos humanos prescreveu um catálogo de direitos e de meios de proteção destes sob o título de “liberdade de pensamento, consciência e religião”, em vez de de-finir as próprias liberdades (LERNER, 2000). Além disso, a maioria das normas internacionais criadas tem por finalidade proteger as manifestações ou expressões da liberdade de religião ou crença, e não a liberdade religiosa em si (LERNER, 2000), ou seja, o direito de poder assumir uma crença sem restrições (OAB-SP, 2011).

Desta forma, não existe uma definição geralmente acordada de “religião”, principalmente devido ao desejo de se evitar confrontos ideológicos (GUNN, 2003). Há, no entanto, certa concordância em relação ao fato de que, em se falando de direitos humanos, a palavra “religião”, geralmente seguida da palavra “crença”, refere-se a convicções teístas que envolvem uma visão transcendental do universo e um código normativo de comportamento, expandindo o reconhecimento para ateus, agnósticos e racionalistas, entre ou-tros (LERNER, 2000).

Não só os instrumentos previamente discutidos nos direitos hu-manos não conseguem definir “religião”, mas o termo continua com-pletamente indefinido em todo o espectro do direito internacional. T. Jeremy Gunn (2003) explica que a dificuldade em se definir a religião muitas vezes encontra-se em ambas as hipóteses sobre a sua natureza e a forma linguística em que suas definições são apresentadas. Gunn (2003) sugere que as definições de religião geralmente começam pre-sumindo uma das três principais teorias sobre a natureza da religião:

em primeiro lugar, a religião, no seu sentido metafísico ou teológi-co (por exemplo, a verdade fundamental da existência de Deus, o dharma, etc.), em segundo lugar, a religião, como é psicologicamente experimentada por pessoas (por exemplo, os sentimentos do crente religioso sobre a divindade ou preocupações finais, o Santo, etc.), e em terceiro lugar, a religião como uma força cultural ou social (por exemplo, o simbolismo que une uma comunidade e/ou a separa de outras comunidades) (GUNN, 2003, p. 193, tradução nossa).

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Além disso, cada definição de religião assume tanto uma forma linguística “essencialista” quanto “politética”. Uma defini-ção essencialista assume que cada religião compartilha alguns elementos comuns com outras religiões, e assim, identifica to-dos estes elementos dentro de um conceito inclusivo de religião (STINNETT, 2005). Por outro lado, as definições politéticas não assumem nenhum elemento comum específico entre as religiões e, portanto, “descrevem as práticas e pensamentos religiosos, com a esperança de que uma semelhança familiar possa ser detectada” (GUNN, 2003, p. 194, tradução nossa).

As dificuldades metodológicas, no entanto, não são as únicas. Ao criar um conjunto de regras que regulam diariamente a vida dos indivíduos e grupos identitários, aqueles que criam definições legais do termo muitas vezes se deparam com as dificuldades prá-ticas de religiões que interagem com as normas sociais e culturais estabelecidas (STINNETT, 2005). Por exemplo, muitas caracte-rizações legais e judiciais da religião podem conter preconceitos históricos em favor de religiões tradicionais ou familiares, “estes sistemas jurídicos podem explícita ou implicitamente avaliar (ou hierarquizar) religiões” (GUNN, 2003, p. 196, tradução nossa).

Tendo em vista estes obstáculos para uma definição “universal” dos conceitos trabalhados e para efeitos de organização e análise, no presente artigo entender-se-á “religião” por um “sistema co-mum de crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos dentro de universos históricos e culturais específicos” (SILVA, 2004, p. 4) e “liberdade religiosa” pelo “direito pertencente a um cidadão de poder assumir sua crença sem restrições, desde que convivendo pacificamente com aqueles que preferem professar outra ou não ter crença alguma” (OAB-SP, 2011, p. 3).

2.1. Aplicação dos conceitos na prática política europeia: empoderamento e silenciamento

Os conceitos complexos de “religião” e “liberdade religiosa” são, assim, por meio do discurso e da ação política, utilizados para manipular massas, conferir legitimidade a determinados grupos e silenciar minorias religiosas (STINNETT, 2005). Nos regimes au-toritários e totalitários, por exemplo, a perseguição das minorias religiosas é geralmente flagrante, bem divulgada, e claramente de-nunciada pelo resto do mundo (STINNETT, 2005).

O que não é reportado pela mídia internacional é que muitas das democracias do mundo são tão culpadas por restringir a liberdade religiosa quanto os regimes totalitários (STINNETT, 2005). Em par-

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ticular, algumas democracias europeias criam hierarquias religiosas oficiais ou discriminam religiões minoritárias por categorizá-los como “seitas” ou “cultos” (STINNETT, 2005). Essas categorizações não só tornam tais “cultos” inelegíveis para certos benefícios do go-verno e proteções, mas também estigmatizam minorias religiosas, de tal modo que as tornam sujeitas a abusos nas suas comunidades (STINNETT, 2005). Além disso, os países não democráticos muitas vezes copiam essas leis “anticulto”, usando-as como base para a dis-criminação direta e perseguição (GUNN, 2003).

Assim, muitos países aproveitam as brechas legais previstas para a proteção da liberdade religiosa por duas razões básicas: (1) “religião” é quase impossível de definir, como já exposto anterior-mente, e (2) a liberdade de religião de um grupo é sempre medida contra a necessidade de o Estado manter a ordem pública (STIN-NETT, 2005). Este segundo aspecto merece certa cautela quanto à sua reflexão, pois evidencia que há constantemente um desequilí-brio entre o asseguramento das liberdades individuais e a garantia da ordem pública pelo Estado.

“Foi em grande parte em resposta a uma série de suicídios em massa de inspiração religiosa, durante meados dos anos 1990, que muitos governos europeus começaram a restringir as liberdades de certas minorias religiosas” (STINNETT, 2005, p. 431, tradução nossa). Em particular, entre 1995 e 1997, os membros da Ordem do Templo Solar1 cometeram numerosos assassinatos e suicídios na França e na Suíça, resultando na morte de mais de sessenta pes-soas. França e Bélgica explicitamente reformularam sua legislação e práticas “anticulto”, como uma reação aos suicídios, enquanto que a Alemanha e a Rússia declararam o desejo de atingir “sei-tas totalitárias” ou grupos perigosos para a manutenção da ordem pública (STINNETTT, 2005). Independentemente dos incidentes que motivaram a legislação discriminatória em vários países euro-peus, a maioria dos governos justificam tais restrições da liberda-de religiosa em nome da tradição, da cultura e da manutenção da segurança pública (SSENYONJO, 2007).

Embora o ímpeto por trás de tal legislação anticulto fosse

1 A Ordem do Templo Solar consiste em um movimento religioso de proporções pequenas fundado em Genebra em 1984, sendo mais conhecido pelo assassinato-suicí-dio de 74 de seus membros, entre 1994 e 1997. O Templo Solar foi fundado por Luc Jouret, um médico homeopata, e Joseph De Mambro. Sua sede, mais tarde, mudou-se para Zurique, onde presidia um conselho de liderança composto por 33 membros, os quais criaram lojas regionais para a realização de cerimônias de iniciação e outros ritos na Suíça, no Canadá e em outros lugares. Sua origem tem como base a crença no rena-scimento da Ordem dos Templários (ordem militar-religiosa fundada no século 12, que foi suprimida por ordem papal em 1312) nos anos após a Revolução Francesa (ENCY-CLOPEDIA BRITANNICA, [2013]).

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evitar os muitos perigos sociais ligados a grupos religiosos, o re-sultado foi a criação de sociedades de duas camadas, onde certas religiões gozam muito mais de direitos e liberdade do que outras (SSENYONJO, 2007). Durante os primeiros anos do século XXI, políticos e acadêmicos têm debatido intensamente as razões subja-centes a essas tensões e o que deve ser feito para melhorar a coesão social nas sociedades europeias. A grande questão revisitada por aqueles que se entregam à análise dessa situação social é a seguin-te: o quanto a diversidade cultural pode ser acomodada dentro de democracias liberais e seculares?2 (TRIANDAFYLLIDOU, 2011).

Uma série de pensadores e políticos avançaram na alegação de que é quase impossível acomodar certos grupos minoritários, espe-cialmente os muçulmanos, em países europeus, porque as suas tra-dições culturais e fé religiosa são incompatíveis com a governança democrática secular (TRIANDAFYLLIDOU, 2011). Por outro lado, também se argumenta que os grupos podem ser acomodados na or-dem político-social das sociedades europeias, desde que sigam um conjunto de valores cívicos que estão no centro de tradições demo-cráticas europeias e que refletem a natureza secular da sociedade e da política na Europa (TRIANDAFYLLIDOU, 2011).

Assim, percebe-se que a tensão existente entre a tradição, o novo e o estrangeiro está no nível de expressão pública ou priva-da de sentimentos religiosos (TRIANDAFYLLIDOU, 2011). Estas tensões, que surgem e se maximizam, em parte, pela inexistência de conceitos comuns específicos de “religião” e “liberdade religio-sa”, impossibilitando o devido tratamento jurídico, serão analisa-das nas seções a seguir.

3. A cultura manifesta na religião: direitos culturais e expressões da religiosidade

3.1. Cultura de grupos em oposição a culturas nacional-estatais

Desde a ascensão da tradição intelectual secular no séc. XVIII, se tornou equivocado falar apenas em tradições religiosas nacionais (MORINI, 2010). Existem aqueles que propõem que as tradições culturais de um país devem constituir a base de sua nacionalidade e que isso é pouco mutável (DEFEIS, 2006). Con-tudo, ao se avaliar as minorias tidas como hegemônicas no con-texto europeu, nota-se que esse tipo de compreensão do nacional

2 O princípio de secularismo concebe a distinção essencial entre as competências do Estado e da religião, ambos protegidos dos possíveis excessos e controle do outro (MO-RINI, 2010). O termo será mais bem trabalhado ao longo do artigo.

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é pouco pertinente (MORINI, 2010). Como exemplo, pode-se tomar o islamismo na França

(DEFEIS, 2006). A tradição cultural francesa não provém das mesmas fontes que a islâmica e sabe-se que a população francesa de muçulmanos é em grande parte composta por imigrantes ou descendentes de países árabes (DEFEIS, 2006). Contudo, segundo An-Na’im (2007), é injusto impor a todos esses islamitas uma dis-sociação entre sua tradição cultural e sua situação nacional. Eles devem ser vistos como europeus muçulmanos, e não muçulmanos que vivem na Europa (AN-NA’IM, 2007).

Faltam argumentos legais que validem uma diferenciação entre um francês católico de família tradicional parisiense e um francês muçulmano descendente de terceira geração de imigran-tes marroquinos. Eles são igualmente cidadãos e, dessa forma, têm direito de ser tratados como igualmente franceses. Este modelo também se aplica ao quadro regional. Ainda que seja inegável que a Europa é um continente com históricos e tradições próprias – mesmo que estas divirjam em tantos pontos entre si e que em muitos casos digam respeito a questões apenas locais e nacionais – essa conjuntura não consegue responder por completo e nem prever a globalização e o processo de abertura ao qual a Europa se submeteu, bem como todas as suas repercussões (DEFEIS, 2006).

Não incluir a miscigenação e a introdução de agentes e influên-cias externas dos últimos séculos no discurso atual é reduzir gran-de parte do espaço de debate e excluir uma imensidade de proble-mas da discussão (AN-NA’IM, 2007). O argumento conservador de tentar definir aquilo que deve ser entendido como europeu e aquilo que provém de fora se encontra baseado em preconceitos regionais e jamais deveria ser delineador de políticas, que dirá das vinculadas a questões de direitos humanos (AN-NA’IM, 2007). Há que se deixar de lado este discurso excludente para se construir um sistema multicultural que tenha como proposta básica o igua-litarismo – condições e direitos iguais a todos (PACILLO, 2007).

3.2. A aparente supressão da influência religiosa na política

e no Estado moderno: a secularização

Como dito, o processo de secularização europeu distanciou as tradições religiosas do controle governamental (DEFEIS, 2006). As Igrejas deixaram de ter controle direto sobre as ações da es-fera civil e passaram a exercer uma influência mais voltada às es-feras pessoal e social. Mesmo que alguns Estados ainda possuam Igrejas oficiais, a liberdade de culto é um valor comum aos países

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da União Europeia, prevista em diversos acordos do bloco – bem como nos tratados universais e nas predisposições básicas exigi-das aos membros da ONU (UNITED NATIONS, 1945). De acor-do com Defeis (2006), podem-se perceber três maiores grupos no que diz respeito ao formato das relações entre a esfera política e a religiosa dentro do contexto europeu: países com Igrejas e religi-ões estabelecidas; países com relações de cooperação entre Estado e religião e países seculares.

A França, por exemplo, possui já tão arraigado o valor da laï-cité em seu âmago que a liberdade de manifestação religiosa é re-duzida, tendo em vista outros direitos ou valores considerados de maior importância ao trato estatal (DEFEIS, 2006). Embora fun-dada na liberdade de consciência, igualdade de direitos religiosos e neutralidade secular do poder estatal, a visão social definida pelo valor da laïcité é uma que não prevê espaço público para represen-tações de crença e práticas vinculadas à religiosidade. A religião como um todo é compreendida como algo danoso à república francesa, já que pode minar a lealdade de seus cidadãos à pátria quando esta se encontra em oposição às instituições centrais reli-giosas (DEFEIS, 2006).

Por mais que a laïcité seja uma política secularista, ela prevê uma relação extremada de separação que não necessariamente está prevista em todos os sistemas políticos laicos. Existe um ar-gumento histórico que vincula a garantia de liberdades religiosas à laicidade. É através da propagação deste valor no séc. XIX que se começa na Europa um processo vanguardeado pela França de separação entre Estado e Igreja, trazendo o casamento civil, o re-gistro civil de nascimentos e mortes e outras práticas semelhantes ao continente (BAUBÉROT, 2006).

Contudo, percebe-se que a secularização do Estado não basta para garantir as liberdades religiosas de seus cidadãos. A cultura local ainda apresenta grande efeito sobre as tendências discrimi-natórias e as políticas tomadas quanto à temática da religiosidade. Debater a validade da intervenção governamental no tema das liberdades religiosas é complexo, e dificilmente se encontram pro-posições universalmente aceitas (STINNETT, 2005). Nesse senti-do, é necessário que se entenda que muito embora o discurso geral garanta as liberdades, ainda se percebem muitas falhas quanto ao que de fato se pratica neste sentido (JERÓNIMO, 2013) e que dis-cursos seculares extremados – como o da laïcité francesa – podem também ser utilizados para legitimar práticas que vão de encontro à garantia das liberdades religiosas (DEFEIS, 2006).

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3.3. A crise da identidade pós-moderna

Vive-se um momento do pensamento mundial que pode ser entendido como pós-moderno (HALL, 2003). Sob esta perspecti-va, o homem é um ser de múltiplas identidades e várias distintas formas de representação social. A cultura é um conjunto dessas representações, sendo a religião uma dentre elas (HALL, 2003).

Segundo a teoria da identidade fragmentada de Stuart Hall (2003), a personalidade de alguém pode ser definida por diversas distintas influências. É um sistema complexo, que engloba tanto a tradição cultural e o legado do grupo e da família quanto in-fluências externas das mais diversas. Assim como não existe uma identidade coletiva que possa explicar a condição individual, não existe um fim à construção de identidade de um indivíduo. O pro-cesso é contínuo e inacabável (HALL, 2003).

A perspectiva das identidades fragmentadas de Hall (2003) é extremamente individualista, e não necessariamente reflete o que deva estar proposto como lei geral. Contudo, ao se analisar a es-fera pessoal, e dentro das discussões das liberdades individuais, o argumento pós-moderno não pode ser deixado de lado. Em mui-tos casos, a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) julga em favor da limitação das liberdades de representação religiosa tendo em vista o argumento da segurança nacional ou da ordem civil (DEFEIS, 2006) – como pode ser visto na quinta seção deste artigo. Para Hall (2003), contudo, se um ser humano opta por uti-lizar certo código de vestimenta por crença religiosa e sem inten-ções reais de ofender os demais ou de atacar o Estado, este deveria ter sua liberdade garantida.

O Conselho de Ministros da União Europeia (CMUE) publi-cou em junho de 2013 um extenso guia com diretrizes sobre a pro-teção dos direitos religiosos e de crença3. Neste guia, existe uma série de definições quanto à função legal nacional da CEDH e do bloco em relação às questões religiosas (CMUE, 2013). Cabe espe-rar as implicações legais para que se possa refletir se ainda existe carência de documentos e factuais garantias aos direitos relativos às questões culturais e religiosas no continente.

4. Em meio à indiferença surge a intolerância: minorias religiosas e violação dos direitos humanos

3 Esse guia é denominado EU guidelines on the promotion and protection of religion or belief e está disponível em: <http://consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/press-data/EN/foraff/137585.pdf> (CMUE, 2013).

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Apesar da existência de um consenso em torno do assegura-mento da liberdade religiosa de grupos não pertencentes à tradi-ção europeia, a defesa deste argumento é dificultada quando há o confronto entre determinadas expressões religiosas e culturais e valores e princípios caros às democracias europeias e ocidentais no geral (ARAJI, 2000). Algumas formas de expressão relacio-nadas a culturas e religiões de origem externa à Europa “ferem” fundamentos da dignidade humana4 (PIOVESAN, 2004), geran-do a intolerância pelo restante da população, e são vistos como ameaças à segurança social, ideia esta que foi internalizada pela comunidade ocidental de forma a preencher contingencialmente o ideário desta sociedade (MEETO; MIRZA, 2007).

Os intitulados “crimes de honra” encontram-se neste contexto e possibilitam uma maior compreensão das forças determinantes para a ação política europeia no sentido de certa repressão a ma-nifestações de religiões marginalizadas, sobretudo no caso mu-çulmano, o qual apresenta costumes entendidos como problemá-ticos, principalmente, sobre aspectos de gênero, como categoria ocidentalmente definida (MEETO; MIRZA, 2007).

4.1. A proteção dos direitos humanos, os direitos

das mulheres e a diversidade cultural.

A proteção da mulher no plano internacional é tema por de-mais complexo e intrinsecamente ligado à questão da diversida-de cultural presente nas várias sociedades (GONÇALVES, 2007). Religião, moral e política são determinantes da maior ou menor garantia de direitos ao sexo feminino. A questão de gênero expres-sa, de forma contundente, a delicada problemática entre as con-cepções universalista e relativista dos direitos humanos, os quais serão brevemente tratados a seguir (GONÇALVES, 2007).

A ideia de direitos humanos, do modo como se conhece hoje, iniciou-se com o movimento iluminista, que desenvolveu a con-cepção desses direitos como inatos ao homem, pelo simples fato de ser humano (GONÇALVES, 2007). Assim, a positivação in-4 Segundo o Professor Ingo Wolfgang Sarlet, que buscou conceituar sob o prisma jurídi-co a dignidade humana, ou dignidade da pessoa humana, temos por este conceito “a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo re-speito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” (SARLET, 2007, p.62).

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ternacional dos direitos humanos sempre levou em consideração seu caráter universal5 (MELLO, 2003). Contudo, em tempos de globalização e em um mundo pós-descolonização geográfica, a controvérsia entre relativismo e universalismo volta à agenda de discussões (GONÇALVES, 2007). Aqueles que defendem a con-cepção universal dos direitos humanos afirmam que, em nome do relativismo, muitas sociedades escondem barbáries e violações sistêmicas dos direitos de seus cidadãos. A ideia de um universa-lismo viria, portanto, como forma de garantia de dignidade huma-na, para assegurar um rol de direitos que possibilitasse uma vida digna a qualquer pessoa (PIOVESAN, 2004).

Já os que se opõem ao universalismo asseveram que essa con-cepção nasceu de uma perspectiva eurocêntrica de direitos do ho-mem, e que se desenvolveu sempre a partir de um ponto de vista ocidental, que tenta se impor ao restante do mundo, como única resposta correta. Logo, os críticos veem o universalismo como ins-trumento de dominação de um modo de vida sobre os outros, e não em seu viés emancipatório (PIOVESAN, 2004). Ademais, os direitos humanos alçados a valores universais, para aqueles que defendem o relativismo, ferem a soberania dos países ao determi-nar de antemão quais os direitos e de que forma devem ser garan-tidos pelo governo interno (PIOVESAN, 2004).

Contudo, a defesa dos direitos humanos, hoje, exige que se su-pere o embate entre universalistas e relativistas, em nome de uma proteção ampla desses direitos, inclusive o direito a ver respeitada sua cultura (GONÇALVES, 2007). Segundo Boaventura de Sousa Santos (1997):

Trata-se de um debate intrinsecamente falso, cujos conceitos polares são igualmente prejudiciais para uma concepção emancipatória de direitos humanos. Todas as culturas são relativas, mas o relativismo cultural enquanto atitude filosófica é incorreto. Todas as culturas aspi-ram a preocupações e calores universais, mas o universalismo cultural enquanto atitude filosófica é incorreto (SANTOS, 1997, pp. 110-111).

5 A concepção universalista dos direitos humanos aparece com maior nitidez na Declaração Universal dos Direitos Humanos, firmada no âmbito da ONU em 1948, ao proclamar que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda a pessoa pode invocar todos os direitos e liberdades da Declaração (PIO-VESAN, 2004). A própria ONU possui dentre suas funções a de monitorar a situação dos direitos humanos no mundo. Além disso, as convenções que compõem o Sistema Global de Proteção aos Direitos Humanos, como a Convenção Pela Eliminação de todas as formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), também expressam o caráter universalista de defesa e reconhecimento desses direitos, na medida em que se destinam indistintamente a homens e mulheres, sem consideração das peculiaridades regionais (GONÇALVES, 2007).

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Portanto, afirmar o universalismo como único meio de aca-

bar com a “barbárie” praticada por algumas sociedades é, sim, um modo de disseminação dos valores ocidentais (SANTOS, 1997), valores que também provém de uma cultura definida, porém, que muitas vezes são impostos a sociedades que deles não comparti-lham, ao menos não integralmente. É essa visão do universalismo como dogma que acaba por provocar a hostilidade das sociedades não ocidentais frente à desconsideração da cultura como fonte dos direitos humanos (GONÇALVES, 2007).

Entretanto, a adesão às teorias relativistas leva à legitimação de muitas violações de direitos humanos supostamente em nome da diversidade cultural (PIOVESAN, 2004). É preciso atentar para o fato de que, muitas vezes, são os governantes que invocam a tese do relativismo cultural, útil a seus propósitos, mas não à garantia de direitos à população (GONÇALVES, 2007). Assim, a mescla entre as concepções universalista e relativista de direitos huma-nos, ao revés, pode trazer muitos avanços na defesa das garantias e na proteção dos direitos dos povos e de seus cidadãos.

4.2. Direitos humanos e crimes de honra

Os ‘crimes de honra’, no sentido aqui empregado, abrangem uma variedade de manifestações de violência contra as mulheres nas quais as justificativas publicamente articuladas são atribuídas e motivadas por uma ordem social que alega a necessidade da ma-nutenção do conceito de “honra”, investido no controle do sexo masculino sobre as mulheres, especificamente sobre sua condu-ta sexual, seja ela, de fato, suspeita ou potencial (WELCHMAN; HOSSAIN, 2005). Os crimes de honra, portanto, incluem “honour killings”, estupros, confinamento ou prisão e interferência na esco-lha do casamento (WELCHMAN; HOSSAIN, 2005).

Em seu relatório de 1999, o relator especial da Organização das Nações Unidas para registros de violência contra as mulheres recebeu “numerosas comunicações” sobre o tema dos “crimes de honra”. O caso mais comum se refere à morte pelos familiares de um parente do sexo feminino responsável pela “contaminação” da honra da família (UNITED NATIONS, 1999).

A honra é definida em termos de atribuições familiares e sexuais das mulheres, papéis ditados pela ideologia de família tradicional-mente constituída. Assim, o adultério, relacionamentos antes do casamento (que podem ou não incluir relações sexuais), estupro e

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se apaixonar por uma pessoa “inapropriada” podem constituir vio-lações da honra da família (UNITED NATIONS, 1999, parágrafo 18, tradução nossa).

A problemática dos “crimes de honra” tem se destacado cada vez mais em se tratando de sociedades ou comunidades de maio-ria muçulmana habitantes em espaços de maioria cristã, como compõe o caso europeu (WELCHMAN; HOSSAIN, 2005). Dessa forma, desafios específicos surgem para tratar os crimes de honra que ocorrem entre as minorias religiosas no seio das sociedades multiculturais (WELCHMAN; HOSSAIN, 2005). Durante muito tempo, os países de acolhimento “fecharam os olhos” para a situ-ação (OCKRENT, 2007), entretanto, em dezembro de 2004, uma conferência internacional teve lugar em Estocolmo para denun-ciar e “combater a violência patriarcal cometida em nome da hon-ra” (WELCHMAN; HOSSAIN, 2005).

Em 2002, a opinião pública sueca ficou perplexa com o as-sassinato de uma jovem oriunda do Curdistão iraniano. Fadime Sahindal, envolvida na luta pelos direitos das mulheres, tornou-se um símbolo da determinação de algumas jovens imigrantes que se opõem aos arcaísmos das suas comunidades de origem (TREI-NER, 2007). Em ruptura com as tradições familiares, recusando-se a casar com o homem que tinham escolhido para ela e namo-rando um sueco, foi assassinada pelo próprio pai em Uppsala, em janeiro de 2002 (TREINER, 2007). Até o início do século XXI, na Suécia, como nos países ocidentais em geral, este tipo de incidente não mobilizava grandes massas fora das associações feministas. Tendo surgido na cena pública com as recentes vagas de imigra-ção ou as leis a favor do reagrupamento familiar, amplificadas pela radicalização de certos meios muçulmanos, estes crimes passaram a suscitar um mal-estar evidente para a esquerda e a extrema-es-querda europeia, tradicionalmente ofensivas no que tange à luta pelos direitos das mulheres (OCKRENT, 2007).

Denunciar crimes originários de outras culturas ou tradições expunha os imigrantes, já contestados por motivos distintos, de natureza ideológica ou econômica, pelos seus adversários polí-ticos (OCKRENT, 2007). Com alicerces no relativismo cultural, portanto, o silêncio foi mantido, apesar dos princípios enuncia-dos pelos textos internacionais a favor dos direitos das mulheres (MEETO; MIRZA, 2007). A multiplicação dos crimes de honra na Europa fez com que se rompesse o silêncio. Não são apenas as comunidades que os praticam que estão em causa, dado que os homicídios são cometidos e resultam da incapacidade dos pa-

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íses responsáveis pela proteção das jovens assassinadas (MEETO; MIRZA, 2007). Trata-se de punir os culpados, que se beneficiam ainda, frequentemente, de circunstâncias atenuantes.

Em abril de 2001, a União Europeia declarou perante a Comis-são para os Direitos do Homem das Nações Unidas em Genebra que os fatores sociais, culturais e religiosos não podem ser invo-cados para justificar a violação dos direitos das mulheres e das jovens do sexo feminino (OCKRENT, 2007). Hoje, é ainda difícil quantificar estes casos, tanto na Europa quanto em outras regi-ões do globo (OCKRENT, 2007). Na Grã-Bretanha, os homicídios foram cometidos em famílias de origem paquistanesa; na Alema-nha, dizem respeito, sobretudo, à comunidade turca, o que relan-çou, em 2005, na sequência de um novo crime, os debates relativos à adesão da Turquia à UE (TREINER, 2007).

A análise dos crimes de honra em solo europeu nos revelam, por sua vez, as dificuldades inerentes existentes no convívio entre culturas tão distintas, inviabilizando, em muitos casos, a integra-ção social e favorecendo a intolerância de ambos os lados. Exem-plo destas dificuldades pode ser oferecido pelo caso da morte de Hatun Sürücü, assassinada com uma arma de fogo em um bairro com uma forte presença imigrante em Berlim (OCKRENT, 2007; TREINER, 2007). Casada à força, Hatun tinha se afastado da in-fluência do marido. Os irmãos da jovem foram detidos e acusados de a terem assassinado para salvaguardar a “honra” da família. A questão adquiriu outras proporções quando um reitor de um co-légio próximo ao lugar do crime tornou pública uma carta aberta que respondia às acusações contra a vítima, ouvidas no pátio da escola, as quais justificavam o assassinato (FURLONG, 2005):

Alguns alunos da nossa escola consideram o homicídio justificado, pelo que se tornam cúmplices do ódio e das agressões cometidas contra as mulheres de comportamento menos “adequado”. Ao jus-tificar o homicídio, ao declarar que a vítima se comportara “como uma alemã”, ofendendo e provocando as jovens que se recusam a usar o lenço em redor da cabeça e que vivem de modo diferente, estes alunos comprometem a tranquilidade que deve reinar na nos-sa escola. Não toleramos este ódio dirigido à liberdade [...] (FUR-LONG, 2005, tradução nossa).

Volker Steffens, o autor da carta aberta, expõe as implicações da integração de imigrantes no país de acolhimento, em particular a das mulheres:

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Também na Suécia, França e Grã-Bretanha constatamos cada vez mais — e sem surpresa — o desejo por parte das jovens de se liberta-rem da tutela e da influência das tradições e costumes da sua comuni-dade de origem para viverem ‘à ocidental’ e usufruírem das mesmas liberdades que as mulheres com que se cruzam todos os dias na rua. Em primeiro lugar, recusam os casamentos forçados, colocando a sua segurança em perigo (FURLONG, 2005, tradução nossa).

Fragilizadas em virtude da ruptura cultural, vulneráveis tanto por causa das ameaças das suas famílias como pelo desconheci-mento das leis europeias no que se refere aos direitos das mulhe-res, estas mulheres encontram-se expostas a todo o tipo de maus tratos (TREINER, 2007). Torna-se, assim, essencial que os países europeus adotem posições claras e apoiem todas as aspirações das mulheres imigrantes à liberdade. Isso perpassa estruturas de aco-lhimento, apoio e proteção, e não dispensa medidas legislativas (TREINER, 2007).

Ao tratarmos desse problema, alguns questionamentos são originados. Ao destacar questões de violência doméstica nas co-munidades étnicas, culturais e religiosas específicas na Europa, es-tamos em risco de estereotipar estas comunidades como atrasadas e bárbaras? (MEETO; MIRZA, 2007) Será que enxergar a “mulher muçulmana” a partir da visão ocidentalizada fornece um olhar desproporcional àquela, discriminando-a e separando esta forma de violência doméstica como um fenômeno cultural especial que necessita de sensibilidade cultural diferenciada? (MEETO; MIR-ZA, 2007) Estas questões são centrais para a compreensão das ten-sões entre reconhecer a opressão de gênero no contexto cultural e preservar a diferença multicultural. Este debate tem sido levan-tado em relação a outras práticas como a mutilação genital femi-nina e os casamentos forçados, onde a santidade dos direitos da comunidade (masculino) é privilegiada sobre os direitos do corpo (feminino) de vítimas individuais quando o contexto cultural é exercido (BECKETT; MACEY, 2001).

Ocorre que o melhor caminho para enfatizar os crimes de honra sem recair sobre opiniões discriminatórias seria não apenas falar pelas mulheres muçulmanas, mas permitir que elas falassem. No entanto, enquanto este grupo se mostra visível e vitimizado em relação à atenção negativa da mídia no discurso atual de islamofo-bia, ao mesmo tempo, se mantém ausente no discurso normativo sobre a violência doméstica ampla – ou seja, que diz respeito tam-bém à mulher de origem europeia – no Ocidente (CARBY, 1982; MAMA, 1989). No discurso do multiculturalismo, as mulheres

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são invisibilizadas. Neste discurso, “raça” e etnia são priorizados e as diferenças e desigualdades de gênero são ocultadas (MEETO; MIRZA, 2007).

Dessa forma, o assassinato de mulheres, segundo a perspec-tiva de autoras como Salim (2003 apud MEETO; MIRZA, 2007), não deve ser visto como questão cultural, mas sempre como uma questão de direitos humanos. Se, porém, os crimes de honra e ca-samentos forçados como formas de abuso doméstico e violência são construídos como problemas etnicizados por políticos e meios de comunicação, como testemunhado na preocupação atual com a “mulher muçulmana”, ele pode criar não só a “marginalização multicultural”, mas também uma reação racista em um nível local e nacional (MEETO; MIRZA, 2007).

5. O papel do Estado: a Lei como garantidora do pluralismo democrático ou como naturalizadora de hierarquias entre religiões

Esta seção pretende demonstrar o papel primordial do Estado na garantia dos direitos religiosos, assim como demonstrar por meio de casos concretos o modo como alguns Estados europeus lidam com a crescente tensão cultural e em alguns casos a negli-gência desses mesmos direitos, a despeito do discurso pró-liber-dade cultural na Europa.

5.1. O Estado e a hierarquização de religiões na Europa:

casos e reverberações

Apesar de a maioria dos países europeus compartilharem a pre-missa de que a liberdade religiosa é intrínseca ao homem e, portan-to, deve ser resguardada pelo Estado, essa proteção não é de fato concretizada (JERÓNIMO, 2013). Na presente seção, dois casos serão apresentados de forma a demonstrar tal incongruência entre o discurso e a prática política e jurisdicional. Em primeiro lugar, en-contra-se o caso francês, no qual a determinação de certos grupos religiosos como cultos ou seitas promoveu discriminação e precon-ceitos dirigidos a estes grupos. Posteriormente, será apresentado o caso inglês, no qual, apesar de certas particularidades, foi mantido um sistema coerente para com a heterogeneidade cultural.

5.1.1. O caso francês

Na década de 1990, a organização dos cultos se tornou uma

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questão sensível no território francês, especialmente devido aos casos de violência derivados de cultos religiosos. Tais aconteci-mentos acabaram por impelir o governo francês a criar medidas “anticultos”, de forma a proteger a sociedade francesa mais efeti-vamente. Nesse contexto, foi promulgada a lei About-Picard, que criou um novo tipo de delito chamado “abuso de vulnerável”, com o objetivo de facilitar a apreensão de líderes de seitas ao incluir na legislação penal não só várias formas pelas quais os seguidores po-deriam ser lesados por aqueles, mas também os efeitos “pernicio-sos” desses cultos (PALMER, 2006). No entanto, o formato vago da lei, além da ausência de definições adequadas, gerou receio de que a lei estivesse aberta a interpretações discricionárias utilizadas como forma de extirpação de grupos religiosos minoritários sem intenções violentas, perpetuando, assim, a discriminação religiosa (STINNET, 2005).

5.1.2. Lei “antivéu” na França

Em 2011, a França se tornou o primeiro país do mundo a ba-nir a utilização de véus islâmicos em público6. Apesar de a lei ter sido extremamente criticada no meio internacional, países como a Bélgica logo seguiram o exemplo francês, gerando naturalmente o debate sobre a verdadeira intenção dos países europeus em defen-der a liberdade de manifestação religiosa. Inicialmente, a medida foi justificada com base na formação da identidade feminina. Se-gundo o porta-voz do Estado francês Luc Chatel: “O véu danifica a dignidade da mulher, o que é inaceitável na sociedade francesa” (CHATEL, 2010, apud. ERLANGER, 2001, tradução nossa).

Contudo, existe a visão de que as principais motivações se-riam, na realidade, o preconceito religioso e étnico contra os muçulmanos, em especial, como forma de manter a identidade cultural francesa (PRADO, 2011). Nesse sentido, o Estado estaria se utilizando de instrumentos legais com a finalidade de subjugar crenças minoritárias, rompendo com o paradigma do pluralismo democrático que fornece as motivações ao seu próprio ordena-mento jurídico. Além disso, sob o pretexto de preservar a digni-dade das mulheres em geral, se afeta diretamente a liberdade de mulheres muçulmanas, cerceando-lhes a autonomia, sendo neces-sário que se atente para o fato de que a lei não restringe manifes-tações outras que não aquelas identificadas pelo gênero feminino.

6 Apesar de a lei ser inovadora, no sentido de que é a primeira proibindo o uso do véu em público, países como a Turquia já haviam-no proibido em cargos públicos.

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5.1.3. O caso inglês

Ao contrário de países como a França e a Bélgica, a existên-cia de uma religião oficial não criou barreiras para uma sociedade plural no caso inglês. Ainda que grupos religiosos não necessitem se registrar formalmente perante o governo, devido ao entendi-mento de que a religião possui uma função social básica, esses grupos religiosos são considerados instituições de caridade, por-tanto, gozam de diversos privilégios tributários (DEFEIS, 2006). O Estado inglês propicia verba para mais de 7000 “escolas religiosas” e, mesmo em serviços públicos, o governo procura respeitar as di-ferenças entre as religiões, por exemplo, ao permitir que funcioná-rios muçulmanos tenham direito a intervalos para rezar. Ademais, apesar de a Igreja Anglicana ser reconhecida como religião oficial, ela não recebe fundos estatais, funcionando principalmente a base de doações. Dessa forma, é possível determinar que a despeito da ordem jurídica inglesa determinar uma única religião como ofi-cial, o país consegue manter uma estrutura de respeito à liberdade religiosa, com pouquíssima interferência da crença predominante (DEFEIS, 2006). Por essa razão, a Inglaterra pode ser vista como um exemplo de sistema plural a ser seguido.

5.2. Liberdade Religiosa e pluralismo democrático

Os membros da União Europeia, como Estados democráticos de direito7, têm como princípio básico a garantia das liberdades civis e dos direitos individuais (PFETSCH, 1998), No entanto, ao se examinar a situação atual da Europa, questiona-se se essas restrições não são uma forma de manutenção de discriminação religiosa, em especial com relação a grupos minoritários. Para tal, esta subseção tem por objetivo trabalhar brevemente a situação da lei antivéu francesa, assim como casos julgados pela CEDH, entre eles os casos de Kokkinakis v. Grécia e Sahin v. Turquia.

5.2.1. Sahin v. Turquia

Em 26 de Agosto de 1997 Leyla Sahin, estudante de medicina da Universidade de Istambul foi impedida de atender ao seu exa-me de oncologia por estar usando o véu islâmico dentro do perí-metro da universidade, o que era vedado devido a uma nova regra da instituição baseada na Constituição turca. A estudante mesmo

7 Estado que tem como fundamento a garantia das liberdades civis através do de uma proteção jurídica.

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assim recusou-se a retirar o véu, alegando que era uma expressão de sua identidade e religião. Então, sanções disciplinares foram tomadas contra a universitária. Sentindo-se lesada, Sahin tomou todas as medidas legais possíveis, até chegar à CEDH.

A estudante alegou que houve violação do Artigo IX da CE-DHLF, visto que o uso do véu é uma forma de expressão da reli-giosidade e que, ao não ser permitido o seu uso na universidade, o seu direito à manifestação religiosa estava sendo negado. O gover-no, por sua vez, manteve a posição de que, ainda que a proibição do uso do véu tenha interferido em sua liberdade religiosa, isso teria sido feito de acordo com o parágrafo 2 do Artigo IX que diz: “O exercício deste direito [de liberdade religiosa] só pode ser ob-jeto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposi-ções necessárias, numa sociedade democrática” (CEDHLF, 1950, p.12). Dessa forma, a Corte se posicionou a favor do Estado turco, por entender que os direitos à liberdade de expressão, garantidos pelo Artigo IX, são limitados pelas urgências da sociedade demo-crática, validando, portanto, a base secular do Estado turco e as medidas tomadas pelo governo.

Existe uma incongruência no julgamento da Corte no caso, pois ainda que a laicidade do Estado seja uma característica válida para uma comunidade democrática, é vital que o próprio sistema proteja a individualidade cultural de seus cidadãos. Nesse ponto, a Corte Europeia deixa-se convencer por argumentos generalistas e não aplicáveis ao caso, pois, ainda que o direito de manifestação e expressão religiosa seja limitado pelo Estado para garantir uma sociedade próspera, essa limitação é restrita a situações em que a segurança pública ou os direitos de outrem estejam sendo viola-dos, o que não ocorre no caso.

5.2.2. Kokkinakis v. Grécia

Minos Kokkinakis, empresário aposentado, criado em uma família ortodoxa cristã, se tornou Testemunha de Jeová em 1936, e desde então já havia sido preso mais de 60 vezes pelo crime de proselitismo religioso8, contudo, sem nenhuma condenação. No entanto, em 1986, após tentar converter de forma incisiva um ca-

8 Segundo o Artigo IV da Constituição Grega de 1938, “por proselitismo deve ser enten-dida, sobretudo, toda tentativa direta e indireta de se intrometer nas crenças religiosas de uma pessoa de confissão diferente (heterodoxo), a fim de modificar o seu conteúdo, por qualquer intermédio de qualquer tipo de prestação ou promessa de auxílio moral ou material, ou por meios fraudulentos, ou abusando de sua inexperiência ou confiança, ou aproveitando-se de sua necessidade, ignorância ou ingenuidade” (GRÉCIA, 1938, apud CEDH, 1993).

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sal cristão às testemunhas de Jeová, é condenado pela violação do Artigo IV da lei grega n.º 1363/1938 que criminaliza o proseli-tismo religioso. Sentindo-se lesado, apelou até a última instância disponível pelo sistema judicial grego. Ainda se sentindo lesado, recorreu à CEDH, alegando que o Estado da Grécia violou o seu direito de expressar devidamente a sua religião. Alegou ainda, que seria impensável tal acusação contra um membro da religião ca-tólica ou protestante, e que, portanto, seu julgamento teria sido fruto da hierarquização de religiões (CEDH, 1993) contrariando o Artigo IX da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais (CEDHLF), no qual se lê:

Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de cons-ciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou coletivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebra-ção de ritos (CEDHLF, 1950, p. 11).

A Grécia, por outro lado, sustentava que era um dever básico do Estado democrático assegurar o gozo das liberdades pessoais de toda a população e, caso a proteção das crenças e religiões pró-prias não fosse um direito a se resguardar, o Artigo IX seria pura-mente figurativo (CEDH, 1993).

Por acreditar que os juízes da Grécia se abstiveram à repro-dução da lei sem levar em consideração o episódio específico, o Tribunal de Direitos Humanos considerou que o Estado da Grécia violou o Artigo IX (CEDH, 1993). A Corte baseou sua decisão na compreensão de que o direito à liberdade religiosa é um valor intrínseco à sociedade democrática que deve ser protegido e que essa liberdade inclui o direito de manifestação e prática de ações elementares à determinada crença: “inclui por princípio o direito de tentar convencer o vizinho, por exemplo, por meio de ‘ensina-mentos’, sem o qual ‘a liberdade de mudar de religião ou crença’ consagrada no Artigo IX se tornaria provavelmente letra morta” (CEDH, 1993, petição n.º 14307, tradução nossa).

O caso Kokkinakis demonstra uma interpretação bastante di-ferenciada quanto ao caso acima, haja vista a própria condição do Estado grego como instituição que pretende defender o direito de escolha da própria religião, sem a intromissão de outros nessa es-fera. Portanto, dentro das limitações garantidas pelo Artigo IX. A decisão da corte se dá, portanto, por determinar como um valor máximo e fundamental da religião a sua intenção de propagação.

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Ou seja, impedir o direito de compartilhar a própria religião com outros seria retirar a própria essência do que é possuir uma cren-ça, de forma que esse direito seja irrevogável e acima das próprias limitações impostas.

6. Liberdade religiosa e direitos culturais na União Europeia enquanto sociedade internacional9

Ainda que a União Europeia apresente a mais sofisticada in-

tegração como bloco conhecida no cenário internacional e seja notável o seu compromisso para com a defesa e amparo dos direi-tos humanos, existem, na região, grandes dificuldades em torno do respeito à liberdade religiosa e aos direitos culturais (DEFEIS, 2006), como foi exposto ao longo do presente artigo. Subordinado a um “único, permanente sistema de controle e proteção de direi-tos humanos” (MORINI, 2010, p. 611, tradução nossa), o regime europeu concernente ao tema engloba todas as problemáticas re-lacionadas à harmonia entre a variedade de religiões e culturas em seu território. A “liberdade de religião e de culto [é] reconhecida por todos os Estados europeus nas suas ordens jurídicas internas e consagrada na CEDHLF” (JERÓNIMO, 2013, pp. 4-5).

A presente seção irá apresentar, assim, a construção de uma “identidade europeia ampliada” e analisará como se desenrolam as violações à liberdade religiosa e às limitações aos direitos culturais em meio ao contexto europeu. Como se sustenta a discriminação religiosa em um ambiente democrático, baseado no Estado de Di-reito, que caracteriza a UE? Este segmento propõe explicações à questão na própria estrutura do bloco regional e busca enumerar possíveis elucidações a essa problemática.

9 O conceito de “sociedade internacional” é deveras conhecido no campo de estudos das Relações Internacionais e diz respeito a um “grupo de estados, conscientes de certos valores e interesses comuns, [que] formam uma sociedade, no sentido de se consider-arem ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns. (…) eles se consideram vinculados a determinadas regras no seu inter-relacionamento, tais como a de respeitar a independência de cada um, honrar os acordos e limitar o uso recíproco da força. Ao mesmo tempo, cooperam para o funcio-namento de instituições tais como a forma dos procedimentos do direito internacional, a maquinaria diplomática e a organização internacional, assim como os costumes e con-venções da guerra” (BULL, 2008, p. 19). A UE é tradicionalmente apontada como um exemplo palpável de sociedade interna-cional no cenário político contemporâneo. Os Estados-membros desse bloco regional se agregam por meio de uma densa rede de regras, normas, princípios e instituições que compartilham de valores comuns sem, no entanto, perderem sua condição soberana – ainda que certas limitações lhe sejam atribuídas (JACKSON; SØRENSEN, 2007).

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6.1. Dicotomia entre particularidades e integração no âmbito da União Europeia

A expansão da UE observada nos anos recentes foi caracte-rizada pelo engendramento de um novo tipo de entidade inter-nacional, assinalada por uma sintomática diversidade econômica e cultural. Na atual conjuntura em que se encontra o continente europeu, nota-se que forças de coesão anteriormente determinan-tes para a harmonia da empresa europeia – como o desejo por paz, a proteção contra ameaças externas e o crescimento econômico – têm sua importância dissipada (EUROPEAN COMMISSION, 2006). Destarte, a cultura comum do povo europeu se tornou o elemento coesivo cardeal para a manutenção e sobrevivência deste projeto de integração (EUROPEAN COMMISSION, 2006).

Tal configuração acentua ainda mais o contexto já dicotômi-co da própria estrutura da UE. As relações que regem o funcio-namento do bloco são fundamentalmente o produto do conflito entre impulsos individuais e soberanos de seus Estados-membros em contraste com o preceito normativo que ordena a tendência à integração das mesmas nações. O requinte da evolução do sistema integracional europeu origina uma grande complexidade na for-matação das relações entre Estados e união, assim como dificulta a assimilação, em certos tópicos, de quais papeis devem ser assumi-dos pelos agentes estatais ou pelo bloco como um todo.

A União Europeia consiste em si mesma em um ator da políti-ca internacional. Apesar de sua estruturação interna ser claramente distinta daquela de uma entidade estatal, o bloco regional se revela como sujeito político das relações internacionais e exibe determina-dos comportamentos análogos aos praticados pelos Estados que o formam. Ambos, países e bloco, demonstram condutas semelhantes no que concerne a um ponto elementar para sua sobrevivência: sua coesão interna. Para que os dois tipos de organismos políticos pos-sam manter a ordem democrática em seu território e estimulem sua prosperidade, se faz necessário que alguma uniformidade relativa circunscreva culturalmente a sua população.

Segundo a configuração do sistema que normatiza as liber-dades culturais e religiosas no continente, as religiões devem ser “compatíveis com os valores fundamentais europeus, como a de-mocracia e os direitos humanos” (JERÓNIMO, 2013, p. 3). A CE-DHLF confere à liberdade de crenças duas dimensões: enquanto o forum internum – esfera íntima da escolha religiosa – permanece absoluto e inviolável, o forum externum – a manifestação pública da religiosidade – passível da regulação fixada pelas autoridades

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responsáveis caso represente uma possível ameaça a tais valo-res. Em cada caso de violação aos direitos humanos na Europa, o TEDH supervisiona o comportamento dos Estados que o consti-tuem tendo em vista os princípios e a proporcionalidade que de-terminam a ação estatal (MORINI, 2010).

O supracitado foro internacional considera que os assuntos religiosos devem ser abordados preferencialmente pelas justiças nacionais, sob a égide dos ideais democráticos que conduzem a UE (FERRARI, 2006). O órgão confia “na neutralidade do Esta-do em questões de religião, e endossa o secularismo estatal como meio para esse fim” (MORINI, 2013, p. 629). Apesar da responsa-bilidade em manter a matriz pluralista em meio ao espaço físico e social do bloco, os Estados acabam por eliminar os focos de tensão que aludem a direitos religiosos e culturais ao invés de garantir a aplicação institucional desse valor.

Visto que o regime europeu de direitos humanos é determina-do por uma doutrina que concede ampla margem de apreciação aos Estados, “torna[-se] difícil desenvolver um modelo coerente de relações Estado-religião [na região]” (MORINI, 2010, p. 630). A “natureza subsidiária do sistema do TEDH [limita a atuação da corte e] reflete a frágil balança entre soberania estatal e o constran-gimento supranacional” (MORINI, 2010, p. 612). Na verdade, o emprego deste porte de discricionariedade pode gerar padrões de comportamentos mais arbitrários do que equilibrados no âmbito do espaço europeu (MORINI, 2010).

Entretanto, a carência de especificação às apresentadas mo-tivações – vinculada à pretensão inexorável de garantia aos ide-ais democráticos – sucede por produzir, na prática, certa lacuna normativa ao sistema de direitos humanos da Europa (MORINI, 2010). A proteção dos direitos religiosos e culturais no continente europeu é norteada por um ideal de neutralidade que acaba por não suscitar assistência, mas sim, obstruções à realização de uma sociedade plural distinguida pelo sentimento de tolerância. Em-bora tanto as nações europeias quanto a UE se engajem na defesa pelos direitos humanos e percebam a importância da preservação da variedade cultural de suas populações, Estados e bloco acabam por privilegiar a homogeneidade de seu espaço social em detri-mento das singularidades de religião e cultura.

Morini (2010) considera que proibições gerais a liberdades re-ligiosas e culturais são prejudiciais ao regime europeu de direitos humanos bem como ao projeto de integração do continente. A tendência ao secularismo fundamentalista10 demonstrada pelas

10 Segundo Morini (2010), a noção de secularismo pode ser desmembrada em duas

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duas categorias políticas debilita a Corte Europeia assim como os valores por ela defendidos. Ainda que o sistema que regulamenta os direitos humanos no espaço europeu apresente uma intrica-da morfologia que não ignora a soberania estatal, a margem de apreciação delegada aos Estados por parte do TEDH não pode, de modo algum, sobrepor-se ao consenso internacional, juridica-mente estabelecido, para a proteção dos direitos do homem.

6.2. A caminho da liberdade e justiça social: identidade pautada na religião, integração regional e o papel das instituições

A unidade de um bloco de integração não pode dispor ape-nas de determinação política. O encadeamento político cria as condições básicas para que o processo de unificação ocorra. No entanto, componentes culturais são substanciais para uma coesão factual (EUROPEAN COMMISSION, 2006). A Europa pode ser concebida como “um complexo – uma ‘cultura’ – de instituições, ideias e expectativas, hábitos e sentimentos, humores, memórias e prospectos que unem os europeus” e do qual despreende-se uma “sociedade civil europeia” (EUROPEAN COMMISSION, 2006).

A tensão religiosa e cultural explorada com maior atenção na Europa é a que, supostamente, existe entre os herdeiros da apre-sentada fonte cultural e os europeus advindos da tradição islâmi-ca. No contexto europeu, e no mundo ocidental como um todo, o islã parece ser percebido como a religião do “outro” (GÖLE, 2006). Entretanto, “a discriminação não tem por base apenas a sua iden-tidade religiosa, mas uma combinação de fatores, entre os quais avultam precisamente o estatuto de imigrante e a origem étnica” (JERÓNIMO, 2003, p. 3). As vultuosas ondas de imigração que conduziram massas de mulçumanos ao território europeu acar-retaram o distanciamento destes de suas origens sócio-espaciais. Tal ambientação é apresentada como responsável pela elevação da participação da religião maometana na vida de seus fiéis, uma vez que, desprovidos de seus antigos elos locais, buscaram na fé uma maneira de reconstruir seu sentimento de pertencimento localiza-do no novo ambiente (GÖLE, 2006).

vertentes: o secularismo pluralista e o secularismo fundamentalista. Ainda que as duas compreensões presumam a separação entre os âmbitos público e privado e subenten-dam que as crenças religiosas seriam matérias privadas, o segundo conceito restringe capitalmente as crenças religiosas ao domínio privado (MORINI, 2010). ‘“Fundamen-talista” porque obriga indivíduos – também aqueles cuja identidade religiosa requer cer-tas manifestações (como o uso de vestimentas, joias ou quaisquer outros símbolos em particular) – a agir de acordo com a maneira de vida secularista sempre que adentram a esfera pública’ (MORINI, 2010, p. 618).

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Não obstante, a politização do islã motivou um processo de des-crédito de suas classes religiosas e uma consequente e sistemática desinstitucionalização dessa religião, de modo que se faz perceptível a acentuação de um caráter mais espiritual e pessoal na religiosidade dos islamitas. É ainda mais notório que os europeus mulçumanos tenham assumido um duplo capital de pertencimento. Esses indi-víduos pertencem ao espaço cultural europeu, porém são também afiliados a uma comunidade islâmica imaginária (GÖLE, 2006).

Embora, neste início de século XX, hostilidades históricas te-nham sido acentuadas em razão da onda terrorista que, sem legiti-midade alguma, ergueu a bandeira do islã para cometer barbáries, o islamismo existente na atual atmosfera ocidental deve ser discer-nido drasticamente da imagem que lhe é caricaturalmente atribuída (ROY, 2006). Na contemporaneidade, as formas de religiosidade islâmicas se tornaram próximas àquelas da tradição judaico-cris-tã e os fundamentalismos religiosos devem ser reconhecidos “não [como] um protesto de culturas originais sob ameaça, [mas] o elo-gio do desaparecimento dessas culturas” (ROY, 2006, p. 2).

Apesar da hostilidade do europeu médio diante da religião mulçumana e disparidades dentre as nações europeias, o espaço cultural comum europeu não pode ser definido por meio da re-futação das culturas nacionais ou em oposição a uma religião em particular (EUROPEAN COMMISSION, 2006). As instituições europeias falharam em criar um sentimento de pertencimento que amortecesse os contrastes expostos, o qual seria imperativo para que comunidade política sobrevivesse (GEREMEK, 2006).

Além do insucesso em amenizar diversidades, houve, princi-palmente, uma falha da empresa europeia em aglutinar a varie-dade de culturas e religiões sob a forma de um produto comum (GEREMEK, 2006). Como propõe a própria Comissão Europeia, a identidade compartilhada pelo continente deve ser renegociada por seu povo por meio da mediação de suas instituições11 (EURO-PAN COMMISSION, 2006).

Indissociáveis da cultura, as religiões ocupam um papel pú-

11 Instituições podem ser consideradas como “sistema[s] de regras sociais estabelecidas e prevalentes que estruturam as interações sociais” (HODGSON, 2006, p. 2, tradução nossa). Responsáveis por constrangimentos sociais, tais entidades patrocinam também novas alternativas à coletividade já que suscitam escolhas e ações que não existiriam de outro modo. As instituições orbitam em dois distintos planos: um objetivo, con-cretamente observável ao nosso redor, e outro subjetivo, residente no plano ideal dos indivíduos (HODGSON, 2006). Esse tipo de instituto é perpetuado em razão de sua “capacidade de mudar aspirações ao invés de meramente habilitá-las ou constrange-las” (PEIRCE, 1878, p. 294 apud HODGSON, 2006). O engajamento a tais entidades não é apenas elucidado pelos incentivos positivos ou negativos nelas inscritos, mas, outrossim, pelas maneiras em que os indivíduos as interpretam e valorizam (HODGSON, 2006).

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blico vital atuando como subsídios coesivos na construção e re-afirmação de uma identidade europeia ampliada (EUROPEAN COMMISSION, 2006). Mediante a longínqua herança cultural europeia e sua multiplicidade de linguagens, a identidade cultural se verte na “verdadeira linguagem comum” do continente europeu (BIEDENKOPF, 2006, p. 1) – o que deve ocorrer em parceria, não em antagonismo, com os grupos religiosos.

O apaziguamento de tensões, mas, especialmente, o desen-volvimento de uma identidade europeia ampliada, deve ser vin-culado a um desenvolvimento institucional no âmbito da UE em estreita e assistida cooperação para com os sistemas nacionais que a integram, associando-se, ainda a estes, mecanismos de represen-tação das minorias internas e transnacionais de forma a contar constantemente com a participação política da sociedade civil.

7. Considerações finais

Ao longo do presente artigo, foi demonstrado que os obstá-culos que permeiam a definição do termo “religião” e a dicoto-mia entre as soberanias nacionais sob a configuração da União Europeia enquanto sociedade internacional acabam por legalizar as violações aos direitos culturais e religiosos no âmbito do conti-nente europeu. Além disso, apesar da existência de um consenso, ainda que retórico, em torno do asseguramento da liberdade re-ligiosa de grupos não pertencentes à tradição europeia, a defesa deste argumento é dificultada quando há o confronto entre deter-minadas expressões religiosas e culturais e valores e princípios ca-ros às democracias europeias e ocidentais no geral (ARAJI, 2000) – como é o caso dos crimes de honra aqui trabalhados –, o que torna todo o fenômeno em destaque mais complexo.

Por outro lado, um olhar mais atento deve ser conferido ao posicionamento dos órgãos que constituem a unidade do bloco europeu. A ambiguidade jurídica e institucional dentro do regi-me europeu de direitos humanos apenas poderá ser esmiuçada e sobrepujada a partir de uma mudança das posturas da UE sobre a temática, notadamente expressas por meio do TEDH. Ainda que o encaminhamento mais assertivo das políticas públicas acerca da questão seja relegado aos Estados-nação europeus, as decisões coniventes da Corte Europeia às atitudes estatais viabilizam ou, ao menos, legitimam as transgressões à liberdade religiosa e cul-tural. Essa situação, sobretudo, afeta negativa e majoritariamente minorias étnicas, religiosas e culturais que dissidiem da tradição religiosa-cultural dominante na região – a do “europeu médio”.

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Faz-se necessário, portanto, a construção real de uma identi-dade europeia ampliada, que aceite – tanto na consciência cole-tiva da população como nas atitudes de seus representantes – as diferenças que, no plano concreto, já formam a cidadania euro-peia. Para tal, a bandeira pluralista bradada pela UE deve ser de-terminada por valores que agreguem “o exótico”, num primeiro momento, do espaço de convivência pública. A UE deve educar e coagir legalmente os seus cidadãos para que a interação para com as diferenças religiosas e culturais na ambiência coletiva ocorra até o momento que deixe de causar estranheza, alcançando, assim a ampliação da identidade europeia.

Por fim, a chave para a constituição subjetiva em termos objetivos dessa supracitada “identidade europeia ampliada” passa pelo desenvolvimento ainda mais denso das diferentes instituições europeias integradas por um projeto educacional que mobilize todo o continente. Tal partida depende, fundamentalmente, de uma tomada de posição da cúpula de direitos humanos no plano regional; cúpula esta que, amparada por projetos educacionais, promova a construção de uma outra Europa – uma que abrace a todos os europeus.

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