locais de sepultamento e escatologia atraves dos registros de obitos da cultura barroca

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159 Janeiro, 2004 Locais de sepultamentos e escatologia através de registros de óbitos da época barroca * A freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto Burial places, eschatology and death registers in the Baroque period The case of the Parish of Our Lady of the Pilar, Vila Rica ADALGISA ARANTES CAMPOS** Profª Adjunta da UFMG, pesquisadora do CNPq RESUMO Consideramos os sepultamentos feitos nas covas situadas, na nave, na capela-mor e no adro, isto é, no espaço sagrado entre 1712, data da instituição da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Pre- to, e 1733, ano da transladação do Triunfo Eucarístico que indica certa consolidação da sociedade. O estudo apresenta aspectos qualitativos e quantitativos, relevando a documentação das irmandades leigas, doutri- * Artigo recebido em: 20/12/2003 - Aprovado em: 20/12/2003. ** Consultas e cruzamentos feitos pelo caríssimo Renato Franco, mestrando (UFF), ex-bolsista de Iniciação FAPEMIG junto a Base de Dados sobre as séries paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto — séculos XVIII e XIX (UFMG/Programa de Pós-graduação em História, Museu de Arte Sacra de Ouro- Preto, Casa dos Contos). Sou grata a Gilson Brandão Cheble, consultor em Informática da Top Training Center e da base de dados em questão. Usufruo de bolsa CNPq em projeto cuja denominação genérica é Pompa e Semana Santa no Barroco luso-brasileiro através do qual convivo com pessoas muito raras como Alex Bohrer (BIC-CNPq) e Flávia Gervásio Klausing (BIC-FAPEMIG). Dedico este estudo ao meu grande amigo e interlo- cutor, o monsenhor, José Feliciano Simões, reverendo vigário da Freguesia do Pilar de Ouro Preto. VARIA HISTORIA, nº 31

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  • 159Janeiro, 2004

    Locais de sepultamentos eescatologia atravs de registros

    de bitos da poca barroca*

    A freguesia de Nossa Senhorado Pilar de Ouro Preto

    Burial places, eschatology and deathregisters in the Baroque period

    The case of the Parish of Our Lady of the Pilar, Vila Rica

    ADALGISA ARANTES CAMPOS**

    Prof Adjunta da UFMG, pesquisadora do CNPq

    RESUMO Consideramos os sepultamentos feitos nas covas situadas,na nave, na capela-mor e no adro, isto , no espao sagrado entre 1712,data da instituio da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Pre-to, e 1733, ano da transladao do Triunfo Eucarstico que indica certaconsolidao da sociedade. O estudo apresenta aspectos qualitativos equantitativos, relevando a documentao das irmandades leigas, doutri-

    * Artigo recebido em: 20/12/2003 - Aprovado em: 20/12/2003.** Consultas e cruzamentos feitos pelo carssimo Renato Franco, mestrando (UFF), ex-bolsista de Iniciao

    FAPEMIG junto a Base de Dados sobre as sries paroquiais da Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de OuroPreto sculos XVIII e XIX (UFMG/Programa de Ps-graduao em Histria, Museu de Arte Sacra de Ouro-Preto, Casa dos Contos). Sou grata a Gilson Brando Cheble, consultor em Informtica da Top Training Centere da base de dados em questo. Usufruo de bolsa CNPq em projeto cuja denominao genrica Pompa eSemana Santa no Barroco luso-brasileiro atravs do qual convivo com pessoas muito raras como Alex Bohrer(BIC-CNPq) e Flvia Gervsio Klausing (BIC-FAPEMIG). Dedico este estudo ao meu grande amigo e interlo-cutor, o monsenhor, Jos Feliciano Simes, reverendo vigrio da Freguesia do Pilar de Ouro Preto.

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    nria, a legislao diocesana e, sobretudo, 158158158158158 assentos de bitos da-quela parquia ouropretana. Tecemos questes pertinentes ao ordena-mento social e simblico dos mortos e de que forma a viso hierrquicavigente foi pouco flexibilizada nesse primeiro tero do povoamento dasGerais. A documentao mostra que boa parte dos escravos no foi en-terrada em solo sagrado. S na dcada seguinte, a partir da diversifica-o da sociedade e de recursos prprios, os escravos teriam acesso scovas da fbrica paga, situadas no interior do templo. S bem mais tardeo templo do Rosrio dos Pretos, prximo matriz, se destacaria comoimportante necrpole.

    Palavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chavePalavras-chave locais de sepultamentos, campas sagradas, culturabarroca

    ABSTRACT The essay focus on the social and religious definitions ofthe use of sacred space reserved for burial within Catholic Churches inthe 18th century. The historical reference is the town of Vila Rica, between1712, when the Parish of Our Lady of the Pilar was established, and 1733,when a major event, that is, a procession dedicated to the Sacred Holy(the Triunfo Eucarstico) has shown the consolidation of the Catholicfaith and the power of the Church in the area. The study is based ondata collected from 158 death registers in the Parish and on documentsof lay brotherhoods and Church legislation concerning procedures forthe burial and connected ceremonies. It reveals the rigid social hierarchyexpressed in unequal rights of free men and slaves to choose their burialplace. Only in the 1740s was allowed the burial of slaves in the sacredspace within the Churches and only for those who were able to pay forsuch privilege. It took some time until the slaves built their own Churchwith its sacred space for exclusive burial.

    Keywords burial places, sacred tombs, Baroque culture

    I. Apresentao do recorte espacial, temporal e das fontes depesquisa

    Analisamos as prticas de sepultamentos ocorridas na Parquia1 deNossa Senhora do Pilar do Ouro Preto (doravante PNSPOP), em Vila Rica,sede da Capitania de Minas Gerais, de 1712 ano da instituio da-quela freguesia at 1733, quando ocorreu a solene transladao da

    1 Uso os termos freguesias e parquia como sinnimos, o que era empregado antigamente e este mais recen-te. cf. BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionrio da Terra e da gente de Minas. Belo Horizonte: Publica-es do APM n 5, 1985. P. 97.

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    eucaristia,2 motivada pela reconstruo e nova ornamentao do templomatricial. Portanto, enfocamos a implantao de uma viso de mundoespecfica atravs deste recorte temporal que se consolidou sobrema-neira na dcada seguinte.3

    Exploramos registros referentes aos enterros feitos na igreja paroqui-al contrapondo com fontes variadas da poca (visitas pastorais, provi-ses, livros de fbrica, livros de irmandades etc...). para se evitar gene-ralizaes sem adeso histrica ou particularidades exacerbadas.4 Nes-se interregno, as capelas curadas daquela jurisdio no possuam odestaque que assumiram como necrpole na segunda metade do sete-centos. E assim, nosso alvo aquele espao sagrado, inserido na urbeem suas muitas e dinmicas modificaes.

    O registro do bito uma fonte aparentemente seca, mas confiveldevido ao carter individual e seriado e pode ser analisada tambm doponto de vista qualitativo. Foi produzida pelo reverendo vigrio e cape-les coadjutores a partir de normas prescritas pela legislao eclesisti-ca, pois os clrigos diocesanos foram os responsveis por funes que,somente a partir da Constituio Republicana de 1891, passaram a serda alada civil. Alm de ser um documento oficial alude ao ltimo sacra-mento reservado ao catlico. Dar sepultura, enterro digno e o sacramen-to da extrema-uno inscreve-se dentro das preocupaes sistematiza-das atravs das Constituies Primeiras do Arcebispado da Bahia por D.Sebastio Monteiro da Vide (1707). Trata-se da ltima uno feita com ossantos leos, sacramento reservado somente aos ancios e aos enfer-mos em plena conscincia e razo.5

    Tal documentao revela amplitude sociolgica e antropolgica, con-tudo observamos que no diz respeito ao conjunto inestimvel da popu-lao do primeiro tero do setecentos (livre, forra, coartada e escrava,adulta e inocente, feminina e masculina) mas a uma quantia que teveinumao em solo sagrado com o beneplcito do reverendo vigrio.Certamente tais cifras tm pouca relao com o montante de paroquia-nos (fregueses) e com o total de habitantes sob a jurisdio da PNSPOP.A diferena numrica de registros entre a srie batismo e a de bito su-gere que boa parte dos mortos era enterrada no campo (escravos) ouat em quintais (crianas) ou no prprio adro, mas s ocultas, para seesquivar das despesas com a covagem e encomendao, inumando-se

    2 Cf. reproduo fac-smile do relato de Simo Ferreira Machado in: AVILA, Affonso. Resduos seiscentistas emMinas. Belo Horizonte: Centro de Estudos Mineiros, 1967, vol. 1.

    3 Siglas: AEAM= Arquivo Eclesistico da Arquidiocese de Mariana, APNSPOP= Arquivo da Parquia de NossaSenhora do Pilar do Ouro Preto, APNSCAD=.Arquivo da Parquia de Nossa Senhora da Conceio do Ant-nio Dias; APM= Arquivo Pblico Mineiro, IPHAN= Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, AHI-MI= Arquivo Histrico do Museu da Inconfidncia; ID = identificao do registro na base de dados.

    4 Cf. o clssico de ARIES, P. L homme devant la mort. Paris: Du Seuil, 1977. v.I. Pp. 37-96.5 La extremauncion IN: Catecismo Romano. Pp. 592-609.

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    os corpos revelia das autoridades diocesanas. Tal descompasso entreas diferentes sries paroquiais (batismo, casamento, bito) no consi-derado particularidade das Minas, fato observado tambm para o Anti-go Regime, claramente explicitado por Maria Luiza Marclio em estudooportuno neste volume da Vria Histria.6 O controle dos vivos e dosmortos s comeou a ganhar confiabilidade recentemente.

    No registro do bito pode ocorrer a ausncia do nome de falecidosinocentes, nesse caso ao invs do nome, figura o termo anjinho. Osnomes paternos so mais freqentes se o falecido no adulto ou se solteiro. Em caso de filho legtimo pode faltar o nome do pai ou mesmoda me. Dadas as altas taxas de ilegitimidade na sociedade das Minas,o mais comum no haver a meno ao pai, e sim denomin-lo de depai incgnito, conforme a orientao cannica. Se adulto, geralmenteaparecem o estado civil e at o nome do cnjuge; se inocente mencio-nada a condio de legitimidade (legtimo, natural, exposto); se adulto afreguesia ou nao de origem; e a idade presumida. A condio social e/ou cor da pele so mencionadas quando o falecido escravo ou forro. possvel saber tambm se o defunto recebeu ou no os ltimos sacra-mentos (penitncia, eucaristia e extrema-uno) e a causa evidente damorte.

    Deve-se ressaltar que sendo pessoa de destaque econmico ou fi-dalguia (no importando se inocente ou adulta) o registro apresenta con-tedo bastante detalhado a respeito do morto, de sua famlia e de suasprticas de sociabilidade. Por sua vez veramente lacnico ou mesmoomisso quando alusivo etnia africana (escravos recm convertidos ouboais), pois o sacerdote no tinha conhecimento ou at empenho paracompreender a lngua que dava acesso aos dados pessoais, nem sem-pre fornecia as informaes requeridas pela legislao sinodal.7 Comodecorrncia a base de dados no fica perfeita; as planilhas incompletaspassam a exigir mais do historiador para que interprete e compreendadentro dos critrios de inteligibilidade daquela humanidade em questo.O vazio pode representar no apenas que o sacerdote/coadjutor eraimediatamente relapso, mas que tal informao era sabida de todos,consenso ou de pouca monta.

    6 O Conclio Tridentino (1545/63) exigiu do sacerdote a elaborao de atas com dados pessoais minuciososdos batizandos e dos noivos (registro de batismos e casamentos); mais tarde, em 1614 o Papa Paulo Vestendeu a obrigatoriedade do registro aos bitos atravs do Rituale Romanun e pelo Liber Status Animarumcriou uma espcie de censo peridico das parquias, com o levantamento nominal e por famlia, de seusmembros e agregados maiores de 7 anos (idade da comunho ou da razo) (cf. MARCLIO, Maria Luza, Osregistros paroquiais e a histria do Brasil IN: Varia Histria, 2004).

    7 No Arraial da Piedade da Freguesia do Curral del Rei (Piedade de Paraopeba) sacerdote relapso se recusoua dar extrema-uno a moribundo recm convertido sob a alegao de que ele s conseguia dizer que eracristo. Entretanto, havia uma testemunha africana que compreendia a lngua de Angola. Embora servindocomo intrprete no logrou obter a absolvio final, nem sub-conditione cf. AEAM, Visitas pastorais, 25/10/1756, f. 85 e 86 e v.

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    Das 158158158158158 atas de bitos consultados, surpreendentemente 7272727272 trazemem anexo o registro do testamento. Uma lista dos bitos deveria ser en-caminhada pelo proco Provedoria de Defuntos e Ausentes, informan-do se falecido tinha ou no testamento, recomendao esta presentenas visitas episcopais. Boa parte dos testadores da regio norte dePortugal, e mantm a tradio religiosa de se fazer testamento, quandoh algum bem material para tal. Nesse caso h um resumo das clusulastestamentrias com nfase no tipo de cortejo, tumba (esquife), missacantada, ofcios com vrias lies e o acompanhamento at o depsito docorpo na campa que pode ser com a cruz da parquia alada pelo reveren-do vigrio, clero, irmandades e cruzes respectivas e pobres da fregue-sia. Tudo dependendo da viso de mundo daquele catlico e dos recur-sos para dar conta de sustentar a pompa fnebre e os sufrgios em favorda alma. Esclarecida a natureza da fonte e o tipo de informao que oestudioso pode extrair e, conforme sua experincia, inferir dela, consi-deramos agora o que mais nos interessa, isto , os locais mais convenci-onais para sepultamentos de pessoas de todas as condies sociais.

    II. O corpo mstico e as sepulturas sagradas

    Segundo as Constituies Primeiras era honra conceder sepulturacrist e escndalo neg-la. (A legislao segue a tradio imortalizadaem ntigona, herona da mitologia grega que se exps morte para darsepultura ao cadver do irmo Polinices, considerado um traidor da p-tria). A cova sagrada era considerada direito e a princpio deveria serconcedida exclusivamente ao cristo. Observamos que tal prerrogativano foi rigorosa nas Gerais, j que na vida cotidiana foi possvel contor-nar a excluso cannica. Sobre os casos em que a lei negava sepulturaeclesistica, resumidamente podemos enfocar aqueles que morreramsem se arrepender de pecado mortal; bem como especificar judeus,hereges, cismticos, apstatas, blasfemos, suicidas em s conscincia,assassinos sem sinais de arrependimento, usurrios tidos como tais, la-dres, simonacos, religiosos com bens que a Regra no permite, exco-mungados, crianas no batizadas, pagos adultos etc... (LVII, 857).

    Contudo, constatamos negros boais8 que morreram repentinamen-te ou estavam incapazes (fora de si, sem conscincia ou sem nada sa-ber da doutrina) para receber o primeiro sacramento, o batismo, serementerrados no adro paroquial. Embora tivessem morrido sem condiespara fazer parte do corpo mstico da Igreja, o proco no foi rgido se

    8 Boal = Rude; estpido; inculto, grosseiro... Que no tem experincia cf. Cf. SILVA, Antnio de M. GrandeDicionario da Lingua Portuguesa. Confluncia, 1945, v.2, p. 531.

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    havia testemunha declaradamente catlica para interceder em favor dopago. Se o dono era catlico praticante, certamente providenciava se-pultura eclesistica para o seu cativo. Era essencial a vontade de estarperante Deus (do prprio escravo ou de seu dono), critrio este que nopoderia ser eliminado.9

    Manifestar a inteno de se batizar era essencial para o acesso cova sagrada, mas no era suficiente para garantir o sacramento dapenitncia (confisso) e da eucaristia, visto que o preto novo no estavainstrudo na f, no se expressaria atravs da confisso, da atrio oucontrio etc. no era capaz da doutrina, na linguagem dos padresque registravam os bitos. Ainda assim, cinco boais foram sepultadosno adro do Pilar entre 1712-1733.

    Prescrevia-se que o destino sagrado era exclusivo para crianas eadultos j iniciados na crena (LIII, 843). O batismo simboliza f, aindaque feito na iminncia da morte, isto , in-extremis . As parteiras deviamconhecer a forma de se batizar em pericolo mortis e para isso deviamser examinadas pelo reverendo vigrio (vj. neste volume o texto de Re-nato Franco). Na ausncia dele, bastava a vontade (da me) ou do se-nhor do escravo para que ele fosse batizado. Em princpio s o catlicoteria acesso cova sagrada, cortejo funeral, deposio solene ao tmu-lo, missas e ofcios de defuntos.10 A partir do batismo, sacramento indis-pensvel para receber os outros, o corpo deixa de ser mera materialida-de, transformando-se em membro do corpo mstico da Igreja. Dizia opadre Manoel Bernardes (1644 1710) que o corpo por ter abrigado aalma, participava dos bens espirituais. Deveria ser tratado com decoro ereverncia.11 Foi por meio daquele corpo que a pessoa teve existnciahistrica, se fez ou no querida. O oratoriano argumenta em favor dapiedade que se deve ter com os defuntos de bom corao, dando-lhesdestino decente (sepultura eclesistica). Afinal, eles pertencem ao cor-po mstico da Igreja e vo ressuscitar como tal. O corpo biolgico retornaa terra; o do homem justo, como retribuio espiritual, ressuscita inde-fectvel e glorioso. A terra recebe o que de mais permanente no corpo,o osso, tambm considerado sagrado.12 A preocupao com o destinodo corpo tem sentido exclusivamente porque h a crena na dimensoespiritual, universalmente presente na maioria das religies de diversosperodos, desde as mais arcaicas at as cultas.

    9 Aos infieis, e pagos, que nunca recebro, nem pedro o Sacramento do Baptismo; mas no se lhesnegar Ecclesiastica sepultura, constando por prova legitima, ao menos de duas testemunhas fidedignas,que na hora da morte clara, e expressamente pedro o Baptismo (LVII, 857- X).

    10 CAMPOS, Adalgisa Arantes. Irmandades Mineiras e missas IN: Varia Histria..... 16 (1996): 66-76.11 Exercicios Espirituais e Meditaes da via Purgativa sobre a Malicia do peccado vaidade do mundo, miserias

    da vida humana, & quatro novssimos do homem.... Lisboa: Miguel Deslandes, anno 1685, Reproduo fac-smile. So Paulo: Anchieta, 1946, cf. Meditao IX, pp. 467-78.

    12 Cf. verbete osso IN: CHEVALIER, J. & GHEERBRANT, Alain. Dicionrio de smbolos. Rio de Janeiro: JosOlympio, 1989. Pp. 666.

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    No Barroco h uma aspirao radical de imortalidade, pois aquelahumanidade no se sentia preparada para aceitar o converter-se em nadado racionalismo e empirismo Voltairiano, ou mesmo o desencantamentodo mundo em desenvolvimento que assumiu relevo com o existencialis-mo ateu, a partir de meados do oitocentos A dimenso escatolgica eraconsiderada e, em funo dela, era importante cuidar do destino final docorpo fsico.

    III. A primazia da Matriz sobre outros templos da Freguesia at 1733

    Para Trindade, a PNSPOP teria sido criada entre 1700 e 1703. To-davia, seus registros encontram-se sistematizados em sries contnuassomente a partir de 1712, data mais provvel da instituio da fregue-sia, elevada colativa em 1724. Entre 1712 e 1733, em um conjunto de158158158158158 atas, foram registrados apenas sete bitos entre as poucas cape-las do meio rural, a saber: de Capela de Santa Quitria13 e Capela deNossa Senhora da Conceio, ambas no Arraial da Boa Vista;14 NossaSenhora da Conceio no Arraial do Rodeio e Santo Antnio no Arraialda Bocaina.

    Na sede da PNSPOP existiam raras capelas, pois a maioria s seriaerigida aps 1730, com a maior diferenciao e manifestao sociais,por meio das vrias irmandades leigas de crioulos e mulatos. Recente-mente construdas e bastante singelas (em taipa de pilo) So Sebastiodo Ouro Podre, fundada em 1724, afastada do centro, no morro de mes-ma denominao, e que definitivamente no atraiu sepultamentos emperodo algum. A Capela de So Jos dos Homens Pardos ou Bem Ca-sados com o bito de Micaela de Melo, livre, adulta e parda (23/10/1731)e de Manoel da Rocha, forro, adulto e pardo (03/10/1733) templo que,posteriormente, serviu de bero para outras irmandades de crioulos emestios, constituindo-se como importante necrpole urbana.15

    Por fim a Capela do Rosrio dos Pretos, situada no Caquende (atu-ais bairros do Rosrio, gua Limpa e parte das Cabeas) abrigou o cor-

    13 Houve o templo de Santa Quitria em Vila Rica, demolido em meados do XVIII para se erigir no mesmo lugara Capela do Carmo, situada no monte da Boa Vista, ao lado do Museu da Inconfidncia (antiga Casa deCmara e Cadeia).

    14 Em Boa Vista ocorreram trs sepultamentos: o do sacerdote Joseph Teixeira (natural do arcebispado deBraga) na Capela de Santa Quitria (feito em 07/05/1727) e dois na da Conceio (ambos datados de 1731);na Capela da Conceio do Rodeio dois enterros (22/04/1728 e 12/09/1730). Observa-se que a Capela deSanta Quitria existia bem antes de 1793, data apontada (TRINDADE, Instituies de Igrejas no Bispado deMariana. Rio de Janeiro: Ministrio de Educao e Sade, 1945, p. 214). Por sua vez na Capela de SantoAntnio no Arraial da Bocaina houve o enterro de Cosme Pereira (homem casado em Minas, pardo em 18/08/1727).

    15 Sobre So Jos como importante abrigo de devoes de crioulos e mulatos cf. RIBEIRO, Marlia Andrs. AIgreja de So Jos de Vila Rica IN: Anurio do Museu da Inconfidncia, VIII (1990): 75-94. Empregamoslargamente a primorosa tese de quem muito conhece os arquivos eclesisticos cf. AGUIAR, Marcos Maga-lhes. Negras Minas Gerais: uma historia da dispora africana no Brasil Colonial. Tese de Doutorado soborientao da profa. Maria Beatriz Nizza da Silva, Depto. de Histria/USP, 1999 (mimeo).

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    po do benemrito Manoel Ribeiro Filgueiras (datado de 12/04/1731), quedeixara testamento e cujo corpo foi solenemente acompanhado at odepsito na campa. Anos antes, conforme registro de 23 de janeirode1724 (ID 155), o supra dito Filgueiras (filho legtimo de Joo Ribeiro eIsabel Gonalves, natural de Lisboa) havia contrado matrimnio na pr-pria Igreja Matriz do Pilar com Ana de Campos (filha de Lusa da Penha eJoo de Campos Rabelo, natural de Pernambuco). Entre 1714 e 1715consta tambm como padrinho em dois registros de batismos: de Rosa,adulta, escrava, e da inocente Maria, forra (ID 201 e 205). De fato, a Basede dados da PNSPOP revela que o falecido era homem com aceitaosocial.

    Edificao em pedra que substituiu a capelinha primitiva do Rosrio dos Pretos da PNSPOP. A fotoindica um vasto entorno, em cerca de 1875. O Bairro do Caquende situa-se entre a gua Limpa eo incio do bairro das Cabeas (autor desconhecido, acervo Museu da Inconfidncia)

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    Desenho esquemtico da planta do Rosrio dos Pretos e respectivo entorno, sugerindo o espaoque serviu para cemitrio a cu aberto, sobretudo, com a proibio de se enterrar dentro dostemplos, decorrente da legislao imperial (Docelina Mara dos Anjos)

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    O Rosrio dos Pretos serviu, temporariamente, como matriz, abri-gando as imagens das confrarias prprias do recinto paroquial, inclusiveo Santssimo Sacramento, pois, entre 1730 e 1733, os seis retbulos danave foram refeitos para atender ao novo gosto joanino. Ainda assim, otemplo primitivo do Rosrio deveria ser bastante acanhado, pois noconstituiu uma necrpole nesse tero, como se deduz a seguir:

    Luiz Gonalves Couto, do Arcebispado de Braga, casado, notoria-mente pobre, foi sepultado pelo amor de Deus na Igreja matriz do Pilarem 19/12/1730. Desta data at o ano de 1733 (Triunfo Eucarstico), hou-ve meno a alguns sepultamentos em capelas rurais: Jozeph de Arajo(livre, casado com Maria da Cunha) assassinado em 08/04/1731 e sepul-tado na Capela da Conceio na Aplicao da Boa Vista; templo queabrigou os despojos de Antnio Alves de Almeida (solteiro), em 10/08/1731. importante ressaltar que o enterro em capela rural no significa-va desmerecimento, carncia de recurso ou de fidalguia.

    Na Capela da Conceio do Rodeio foi inumada com pompa de es-posa de confrade do Santssimo, Jozepha Maria Roza, casada com Ma-noel da Silva Roza. Foi acompanhada por doze sacerdotes, sepultadacom mortalha franciscana, em 22/04/1728, e sufragada com 100 missas.No mesmo templo foi enterrado Antnio de Freitas (natural da Ilha Tercei-ra, solteiro), faleceu com testamento e todos os sacramentos alusivos,bem como o solenssimo ofcio de defuntos com nove lies (em canto-cho) em 12/09/1730.

    O Rosrio dos Pretos e So Jos dos Homens Pardos foram reedifi-cadas em pedra (no mesmo lugar) posteriormente, ficam prximas igrejaparoquial ouropretana. Observa-se as poucas opes de espao mortu-rio na PNSPOP, sobretudo, no primeiro tero do XVIII.

    No perodo enfocado no existiam as inmeras capelas que embele-zariam a sede vilarriquenha: as dos terceiros franciscanos e carmelitas eaquelas de crioulos e mulatos, erigidas ou reedificadas em pedra, so-bretudo, a partir de meados do XVIII e que diversificaram bastante oespao morturio tradicional.16

    IV. A Igreja Paroquial e suas confrarias

    No barroco ibero-americano foi freqente encontrar vrias irmanda-des leigas instaladas em capelas e altares laterais de templos monsti-

    16 A urbe e seu termo encontravam-se divididos em duas vastas freguesias a do Antnio Dias com sede naIgreja Matriz da Conceio e a do Ouro Preto, com sede na Matriz do Pilar. Sobre data e estilo artstico dostemplos vilarriquenhos cf. BAZIN, Germain. Arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record,1983; MENEZES, J. Furtado de, Igrejas e Irmandades de Ouro Preto notas de Ivo Porto de Menezes IN:Publicaes do IEPHA, 1(1975); vj. CAMPOS, Adalgisa Arantes. Roteiro Sagrado: monumentos religiosos deOuro Preto. Belo Horizonte: Tratos Culturais/Editora Francisco Incio Peixoto, 2.000.

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    cos e de igrejas paroquiais. Na ausncia do clero regular, houve nasMinas Gerais to somente as igreja matrizes e capelas curadas. Duranteo 1 tero do XVIII a igreja paroquial congregou grande nmero de ir-mandades legalmente constitudas com surpreendente simultaneidade:do Santssimo Sacramento (1712), da Senhora do Pilar (1712), de SoMiguel e Almas (1712), do Rosrio dos Pretos (1715), do Senhor dosPassos (1715), de Santo Antnio (1715), de Nossa Senhora da Concei-o, conforme registros de bitos, existente entre 1718 e 1738, desapa-recida na dcada seguinte e de Sant Ana, com a mesma trajetria, isto, no teve longevidade como confraria. Cada qual instalada em altarprprio, j que no barroco das Minas, marcado por propores modes-tas, foi raro a presena de capelas laterais contguas.17

    Quadro 1Sepultamentos feitos na jurisdio da Freguesia do Pilar 1712-1733

    Convm destacar que o Rosrio dos Pretos, j em 1716, saiu daigreja paroquial para construir capela prpria. Na matriz, entretanto, per-maneceu o altar vocacionado Nossa Senhora do Tero, devoo estasem compromisso, alm de ter sido desprovida de sepulturas. Isso signi-fica dizer que no existiam sepulturas destinadas quela irmandade norecinto paroquial, j que ela fora instituda apenas em 1715. Assim sen-do, as confrarias mais atuantes dessa igreja matriz foram a do Santssi-mo, do Pilar e de So Miguel e Almas. A Irmandade dos Passos cons-

    17 Exemplo a S de Mariana, que, segundo a moda ibrica, possua balaustradas separando as capelaslaterais contguas.

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    trua as capelinhas de via-sacra, mas nestas no havia sepulturas. Ape-sar da importncia que tinha em funo dos ritos de Semana Santa e deter como membros homens da alta hierarquia social, esta irmandade vi-via endividada.

    Quadro 2Sepultamentos feitos dentro da Matriz do Pilar

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    Desenho esquemtico da planta da Igreja Matriz da PNSPOP (Docelina Mara dos Anjos)

    Nem sempre a irmandade constituda teve sepulturas. No bastava confraria colocar captulo alusivo posse sepulturas em seu livro decompromisso, pois para garantir tal uso no cotidiano se fazia necessrioobter proviso especfica do bispo ou visitador episcopal. Para ficar isentada anuidade, isto , sem penso alguma, a confraria deveria colaborar,de fato, com as receitas da administrao paroquial. Se ela, posterior-mente, precisasse aumentar o nmero de covas, em razo do aumentodas filiaes, deveria recorrer novamente ao bispo, pagar anuidade ouprovar que colaborava bastante com as obras paroquiais. Nem sempreas irmandades eram atendidas, pois os direitos de fbrica no podiamficar ameaados com tantas provises.

    A grande reconstruo da igreja matriz iniciada a partir de 1730 co-meou pela nave para na dcada seguinte atingir a capela-mor, possibi-litando a ampliao substantiva do solo morturio a circunferncia daIgreja cresceu em grande parte pelo acrescentamento que se lhe fez e,diante desse fato, a Irmandade de So Miguel e Almas que j possuaseis covas (duas na capela-mor e quatro na nave), pleiteia mais quatrode Dom Frei Antnio de Guadalupe. Contudo, obteve trs, a uma oitavaanual cada, pois a quantia foi considerada avultada em detrimento dafbrica, suposto o seu pouco rendimento que no outro mais que o das

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    esmolas das sepulturas.18 O Santssimo Sacramento, conforme o Com-promisso de 1738 (cap. 25) gozava de nove sepulturas (uma na capela-mor e oito na nave), com a devida proviso diocesana. Em 1743, teveaumento, justamente quando as obras atingiram a capela-mor.

    Matriz de NSPOP e seu entorno, bastante diferente do que fora no primeiro tero do setecentos. Afotografia de cerca de 1875 mostra o espao acidentado na lateral, adequado ao cenrio do Descendi-mento da Cruz e a Rua da Escadinha que, no prprio sculo XX, passou a contar com algumas edifica-es eclticas (acervo do Museu da Inconfidncia), enquanto o Largo da matriz foi bastante diminudo.

    Nesse primeiro tero do setecentos, houve a inverso da posio doedifcio paroquial, outrora com frontispcio voltado para a Ladeira do Pi-lar e Praia do Circo, denominao esta que aparece em documentaobastante recuada.. Doravante o edifcio ficaria assim posicionado, tendoo adro plano sua frente, esgueirando-se atravs de rampa contgua direita (lado Evangelho, da qual parte a rua da Escadinha), onde h pou-cas dcadas foi colocado (reaproveitado) um chafariz. No Largo da Ma-triz se davam as procisses em favor das almas dos fiis, os ajuntamen-tos, saimentos e no terreno acidentado e, exatamente por isso, propcios cerimnias da Crucifixo e do Descendimento da Cruz feitas em Sex-ta-feira da Paixo. Houve inclusive uma capela de Passo, no sop daIgreja Matriz, bem como referncia escadaria frontal, consertada porJos Pereira dos Santos (1754), ambas posteriormente demolidas. Mui-

    18 APSNPOP, Estatutos da Irmandade de So Miguel e Almas, 1735, cap. 39 e fl. 65.

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    tas das casas (atuais), fronteiras matriz, foram construdas no prpriosculo XIX, sobre a necrpole anterior, e acabam por interferir na nossaimaginao ao tentarmos reconstituir o que teria sido o antigo largo pa-roquial mencionado freqentemente nos bitos daquele perodo. As por-tas da fachada lado epstola, estranhamente suspensas e sem serventiaalguma, denunciam modificao substancial naquele entorno.

    Na verdade em 1733, ano em que se d a clebre procisso doTriunfo Eucarstico, apenas o grosso das obras no corpo da matriz esta-vam prontas; as intervenes arquitetnicas e artsticas prosseguiriamcom a reconstruo da capela-mor que, aumentada recebeu ornamen-tao e retbulo (1746/51) novos, bem como o piso e maior nmero decampas para atender a diversificao da sociedade daquela urbe, empleno crescimento. O partido arquitetnico manteve a cruz latina, costu-meira ao vocabulrio sagrado desde o Cristianismo primitivo, no obs-tante a concepo da decorao poligonal da nave em madeira, realiza-da por Antnio Francisco Pombal, que unificou a decorao do recinto.

    Escapa ao nosso recorte cronolgico a desativao e remoo dasossadas desse ou dos cemitrios paroquiais a cu aberto, de sua retira-da do corao da urbe que atingem inmeros ncleos urbanos atravsde processo lento e diferenciado, conforme a micro regio, que vai dasegunda metade do oitocentos at ao sculo XX, decorrncia explcitada segregao e averso aos mortos na modernidade.19

    V. A cova da fbrica paga em um perodo nobilirquico

    A fbrica, ou seja, a administrao dos bens e receitas da freguesia(ou da catedral), tinha vasta e diversificada ocupao: cuidava das obrasarquitetnicas, do entorno, da decorao e decoro do templo matricial,podendo ou no ser coadjuvada pelas irmandades nele abrigadas que,em contrapartida, teriam como retorno alguma benesse, como por exem-plo, o uso do sino para conclamar confrades, campas qualificadas semestipndio algum etc.. A fbrica coordenava, preparava e fazia os gas-tos com as cerimnias litrgicas, j que as para-litrgicas (ao lado daliturgia) ficariam para boa parte das confrarias e mesmo do Senado daCmara.20 A administrao paroquial podia compartilhar alguns ritos com

    19 Surgimento de cemitrio geral, em Ouro Preto, cujo primeiro sepultamento foi em 9/06/1835. Desde 1833 oadro do Pilar passa a ser usado com critrio, sugerindo exausto de espao e seguimento da legislao.Nele houve enterros esparsos: um inocente em 11/10/1836, um adulto em 30/10/1836 etc O ano de 1836marca a proibio de se enterrar internamente, vj. SILVEIRA, Felipe Augusto de B. Ritos de passagem paramorrer bem: permanncias e transformaes nos ritos fnebres da Provncia de Minas Gerais no sculo XIXIN: SOARES, Astreia & BARBOSA, Mrcio Vincio. Iniciao Cientifica Newton Paiva 2001/2002.Belo Horizon-te: Centro Universitrio Newton Paiva, 2003. pp. 222-253. ISSN 1519-7786

    20 cf. os festejos promovidos pelo Senado (SANTIAGO, Camila F. Guimares, A Vila em Ricas Festas: celebra-es promovidas pela Cmara de Vila Rica- 1711-1744. Belo Horizonte: C/Arte, 2003), ISBN 85-87073-74-5.

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    as irmandades do Santssimo, como aqueles de Domingo de Ramos,Quinta-feira Maior, Sbado de Aleluia, Domingo da Pscoa,21 enfim es-pecialmente os que expressavam louvor Eucaristia, contratando pre-gadores, msicos, artistas e artfices, armadores de cenrios efmero,aquisio de livros sagrados, de paramentos completos nas cores can-nicas (branco, verde, roxo, carmesim).

    Dependendo da localidade em questo, o reverendo vigrio con-centrava o posto de fabriqueiro, bem como de capelo do SantssimoSacramento. E para as despesas mencionadas havia os direitos de f-brica, atravs dos quais eram adquiridos os recursos para a aquisioordinria do guisamento (hstia, vinho) e zelo pelo decoro do culto, azei-te de oliva para ser bento, crio pascal etc.. dentre outras de maior porte.Naquele perodo o termo fbrica era empregado vulgarmente: fbricado altar, fbrica da capela, fbrica da matriz, estar sem fbrica, sempreno sentido de se administrar os rendimentos ou para designar os prpri-os recursos da parquia.

    Observamos que as confrarias que mais colaboravam com a fbricaparoquial foram aquelas do Santssimo e do patrono do templo, pois com-partilhavam do uso da capela-mor; depois vinha a de So Miguel e Al-mas, e nos primrdios a do Rosrio dos Pretos. notria a urgncia queas irmandades do Rosrio tinham para sair dos templos, e assim o fazi-am, logo no primeiro quartel do sculo XVIII. Observamos que a sada,at podia ser motivada pela busca de autonomia, estabelecimento deuma necrpole prpria, iseno dos direitos de fbrica. Contudo, de-pendendo da localidade em questo, o edificar capela prpria com cam-pas usveis no foi processo rpido, pois dispendioso e a matriz tinhaaquela infra-estrutura que fornecia conforto espiritual aos vivos e aosmortos (missas conventuais, procisses de defuntos etc.) e sepulturasinternas com provises.

    A fbrica era a proprietria e administradora das sepulturas internas(ad sanctos), prximas aos altares, contguas aos corredores e casas(cmodos) do templo, fonte preciosa de rendimentos, atravs dos direi-tos de fbrica. As covas existentes no adro, pouco desejadas em todo osetecentos, tambm eram administradas pela fbrica, mas delas a legis-lao sinodal no permitia cobrar.

    As irmandades erigidas dentro da igreja paroquial poderiam rece-ber nmero fixo de campas sem penso alguma s com a condio deconcorrerem para as obras da Igreja ou por valor abaixo daquele prati-cado ordinariamente, isto , uma oitava por enterro no adro e de duas a

    21 Cf. CAMPOS, Adalgisa Arantes, As ordens Terceiras de So Francisco da Penitncia nas Minas Coloniais:cultura artstica e procisso de Cinzas IN: Revista Imagem Brasileira- UFMG, 01(2001): 193-199, bem comoCultura artstica e calendrio festivo no barroco luso-brasileiro: as ordens terceiras do Carmo IN: RevistaImagem Brasileira, 02 (2003):15-25.ISBN 1519-6283.

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    quatro pelo feito em campa interna.22 Contudo, reiteramos, a necrpole(adro e recinto) pertencia fabrica que, de acordo com a legislaodiocesana, tinha direito de administr-la e o fazia com rigor, supervisio-nada durante visitas episcopais.

    Quadro 3Enterros em cova da fbrica paga em progresso anual,

    sem meno a inocente

    22 Cf. AEAM, Visitas Pastorais, 29/04/1744, livro H 14.

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    At o momento, os historiadores pouco se ocuparam da documenta-o da fbrica, preferindo as fontes confrariais. Certamente desse fatomotivou a considerao corrente na historiografia sobre Minas Gerais deque o homem sem filiao em irmandade no tinha lugar certo para sersepultado. Ora, estudos recentes, principalmente os de Marcos Maga-lhes Aguiar, tm demonstrado que, em geral, era apenas uma elite quese agremiava; mesmo entre as etnias africanas. Cotejar documentaoconfrarial, com registros paroquiais e documentao da fbrica, ajudabastante a ter uma leitura mais segura daquela sociedade.

    A administrao paroquial admitia trs modalidades de sepultamen-tos: a mais comum era denominada em cova da fbrica paga, aquelafeita em cova da irmandade (isenta ou com penso fbrica) e a maisrara, em cova da fbrica pelo amor de Deus. Consideramos parte osenterros feitos em cova da fbrica pelo amor de Deus, os quais tiveramexistncia limitada no tempo, alm daquela cova no se destinar ao es-cravo.23 Manifestavam a obra de misericrdia institucionalizada, prescri-ta nas Constituies Primeiras, o dar cova em recinto sagrado e fechadoquele que era notoriamente pobre (XLVII- 831), principalmente em faceda atribulao e adversidade do homem livre, excepcionalmente do ho-mem forro. Nesse caso, o defunto era transladado na tumba (esquife)dos pobres da Confraria de So Miguel e Almas, que desempenhou asfunes da Irmandade da Misericrdia em Vila Rica e em outras locali-dades mineiras at o seu aparecimento, em 1735, quando ento passouseus esquifes para a nova promotora da caridade.

    As covas da fbrica, no importando se fossem pelo amor de Deusou pagas, bem como aquelas das irmandades ficavam em lugar qualifi-cado, isto , internamente. No ano de 1718, observa-se Paulo Borgesmorrer repentinamente e ser enterrado pelo amor de Deus da parte daepstola junto aos bancos (ID 36). Fora sepultado do lado direito de quementra (Epstola), abaixo da balaustrada que separa o centro da nave deseus altares laterais. Atravs do sepultamento de Antnio de Andrade,em cova da fbrica paga ocorrido em 29/11/1729 (ID 114), observamosque o lugar exato da inumao fora em frente do altar lateral da irmanda-de da Conceio, junto ao arco-cruzeiro (Evangelho).

    VI. As sepulturas e a hierarquizao do espao sagrado: outrosexemplos

    Recinto (ad sanctos) e entorno (apud ecclesiam) do templo rece-bem bno solene que os transformam em espaos reconciliados com

    23 CAMPOS, Adalgisa Arantes A idia do Barroco e os desgnios de uma nova mentalidade: a misericrdiaatravs dos sepultamentos pelo amor de Deus na Parquia do Pilar de Vila Rica (1712-1750) IN: RevistaBarroco. Belo Horizonte: 18 (2.000): 45-68.

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    o sagrado. Com a mediao do rito, tal espao paroquial constitui a ma-terializao da Jerusalm celeste na Terra. A proximidade com o templo,na vida e na morte, considerada desejvel, evoca a memria dos an-cestrais e confere proteo em ambos os estados.

    Considerando o partido tradicional vigente, em cruz latina, o pontoalto a capela-mor, significando a cabea do Cristo e, em gradao, osaltares prximos ao arco-cruzeiro, at se chegar ao nrtex (ou trio), co-notando o corpo do Cristo e seus membros. Portanto, h uma graduaodo mais sagrado (o tabernculo, o sagrado dos sagrados) at o adro dotemplo.

    Havia as sepulturas no piso da capela-mor (jamais nas ilhargas),extremamente qualificadas, nobilssimas por excelncia, destinadas anmero limitado de sacerdotes, irmos provedores de irmandades (e desuas respectivas esposas) e de fundadores benemritos e/ou muito po-derosos, com expressiva participao na edificao do templo. O con-junto das campas da capela-mor da matriz no pertencia s confrarias(do Santssimo e do patrono do templo); era propriedade da fbrica quepoderia ceder alguma, por meio de anuidade ou como gratificao peloapoio recebido. A capela-mor recebia um balastre que a separava danave, bastante raro de ser encontrado nos dias atuais.

    Existia em maior nmero as campas nas imediaes do arco-cruzei-ro e dos altares laterais denominadas ad sanctos. Quanto mais pertodas mesas do sacrifcio eucarstico, mais nobilitadas, reservadas e pro-tegidas da vida mundana. O recinto sagrado era repartido atravs debalaustrada ou engradamento, moda de cancela, que delimitava pres-bitrio, a nave e o batistrio conforme orientao das prprias Constitui-es. A maioria das provises que encontramos, geralmente no fim dolivro de compromisso, refere-se s sepulturas das grades para dentro,das grades para cima ou para baixo, o que dificulta a localizao preci-sa diante da substituio do piso originalmente em campas. Boa partedas grades ou guarda-corpos torneados em barana, jacarand e ou-tras madeiras de lei, foi retirada conforme a mudana de gosto, impactodo Vaticano II ou, simplesmente, desapareceram pela depredao dohomem.

    As sepulturas se localizavam, comumente, no corpo do templo, lu-gar desde aqueles tempos reservado s fileiras de assentos:24 as primei-ras (prximas ao arco-cruzeiro) reservadas s mulheres e, aps estas,adentrando mais na nave, aquelas separadas dos homens. Mesmo adocumentao da fbrica nem sempre distinguia o lugar exato, o que

    24 O Santssimo da matriz do Pilar possua 40 bancos grandes(vj. bens do ano de 1744 (cf. APNSPOP, Inven-trio do Santssimo Sacramento 1718- 1802. f.34).

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    importa mais se realizada dentro do templo ou fora. Essa a principaldelimitao, j que as covas de capelas-mores eram destinadas a umaclientela bastante restrita; no nosso caso apenas nove mornove mornove mornove mornove mortos tos tos tos tos dentro omontante de 158158158158158 sepultamentos.

    Quadro 4Sepultamentos especficos na capela-mor da Matriz de NSPOP

    1712-1733

    Observamos que os enterros foram feitos tambm no piso dos c-modos anexos do primeiro piso conforme a mortandade daqueles tem-pos e das irmandades em particular. Consoante o investimento feito naedificao e ornamentao do templo matricial, confrarias poderiam de-ter outros espaos como corredores e consistrio (sala de reunio dairmandade) etc. Vejamos alguns exemplos:

    A Irmandade do Rosrio dos Pretos erigida desde 1713 em altar la-teral da Igreja Matriz de Nossa Senhora de Nazar, em Cachoeira doCampo,25 gozava de seis sepulturas conforme o captulo onze do livro decompromisso, obtidas por meio de proviso especfica de Dom frei deGuadalupe, no ano de 1738. Conforme indicao Os nmeros so 1, 7,14, 24, 34 e 44, principiando da grade da capela-mor da parte da suacapela (altar do Rosrio) at junto ao batistrio(fl. 2v.). Compreende-seento que as ditas covas estavam do lado do Evangelho, distribudasdesde o balastre do presbitrio at o nrtex, excluindo o cmodo reser-vado ao batistrio, entrada do templo.

    25 AEAM, Contabilidade do Rosrio dos Pretos, 1725/73, livro AA-23.

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    Em 1757, segundo argumentao dos confrades, aquelas campasno eram suficientes para atender a extraordinria mortandade quegrassava aquela freguesia nos ltimos dez meses e ao crescente nme-ro de irmos filiados. Observa-se que, diferentemente das suas cong-neres, o Rosrio de Cachoeira do Campo no chegara a constituir cape-la prpria e situava nas proximidades de Vila Rica.26

    Em meados do setecentos, tinha-se na sobredita igreja paroquial airmandade da padroeira (Nazar), do Santssimo, de So Miguel e Almase de Nossa Senhora da Boa Morte (Nossa Senhora das Dores aparece-ria somente em 1801). Aps muita retrica e o devido esclarecimento datrajetria da confraria, considerando-se inclusive que era possuidora deoutras dependncias dentro da prpria matriz, Dom frei Manoel da Cruz,bispo de Mariana, fornece a proviso para transformar os pisos daque-les modestos cmodos (casas) em oito campas destinadas ao Rosriodos Pretos.27

    A documentao acima, embora fora do nosso recorte temporal, assaz interessante por elucidar com mincia o processo de legitimaode covas especficas de confrarias que permaneceram no recinto paro-quial, sem constituir capela prpria: primeiro a solicitao feita autori-dade competente, concomitante ou aps a constituio do livro de com-promisso; a proviso que a concede (com ou sem anuidade para a fbri-ca paroquial), a seleo das campas com a devida enumerao ou as-sinao ordenada pelo bispo; etapas que finalizavam o processo.28

    Uma especificidade do Barroco na Amrica portuguesa foi a ausnciaabsoluta da arte tumulria, pois propagou to somente o castrum doloris,monumento funeral efmero feito para exaltar a morte dos grandes. Emtodo o setecentos at o primeiro tero do oitocentos mineiros, as campasde madeira de lei, muito austeras, no apresentavam epitfios ou sinaldistintivo da individualidade do morto e nem eram perptuas, prevale-cendo o anonimato. Eram assinadas com a inscrio das iniciais da ir-mandade ou nmero que serviam para controle das confrarias e do vig-rio paroquial. Esta campa despojada era de acordo com o modelo apon-tado pelas Constituies Sinodais. No Reino foi mais sofisticada, poisocorria ser tambm em pedra ou mrmore e com inscries ou brases.

    26 Pedem a vossa excelentssima reverendssima que atendendo ao referido e pelo amor de Deus lhes conce-da a graa que alm das sobreditas sepulturas que so seis, j concedidas, possam ser sepultados em duascasas (isto , cmodos), que so suas prprias, que uma lhes serve de Fbrica, e outra de cobertura, outribuna da dita Capela (altar), que s assim poder ter conservao a dita Irmandade ... (cf. especialmentede 1738 a 06/07/1758 IN: AEAM, Contabilidade do Rosrio dos Pretos, 1725-1773, livro AA-23, fls. 1 a 8).

    27 Cf. O espao sagrado do morto: o lugar da sepultura IN: REIS, Joo Jos. A morte uma festa ritos fnebrese revolta popular no Brasil do sculo XIX. SP: Cia. Das Letras, 1991. Pp.171-202. Cit. p. 178.

    28 A Irmandade das Almas de Catas Altas conseguiu seis campos grtis, pois havia concorrido com 25 oitavasde ouro para a cimalha real do templo (robusta, com imponente fingimento de mrmore). Segundo a provisoelas fiavam situadas das grades para dentro (e) junto ao altar da dita Irmandade, as quais ficam marcadascom o AL. quer quer dizer Almas, as quais esto numeradas com os nmeros seguintes- oitenta, oitenta ehum, oitenta e dois, noventa e sete, noventa e oito, noventa e nove (cf. AEAM, livro H14, fl. 38v e 39).

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    VII. As sepulturas a cu aberto, o cemitrio do adro

    Desde o Cristianismo primitivo os pobres recebiam covas annimase at coletivas no entorno dos templos, prximas ao lugar onde viveram.No setecentos mineiro a populao forra, os escravos africanos e criou-los filiados e protegidos espiritual e socialmente pelas irmandades, deci-didamente, o evitavam, por ser lugar desqualificado e de muitos usos:pastagem para animais, encontros escusos, etc.... Ainda assim, destina-va-se para o adro o corpo do escravo sem pecnia ou sem a proteo dosenhor ou padrinho. Contudo, nesse primeiro tero do XVIII, ser enterra-do no adro j demonstrava certo zelo, tal o nmero (impossvel de sercalculado pela documentao pesquisada) daqueles que no alcana-ram uma campa em espao sagrado. Na srie pesquisada de 158158158158158 bi-tos, somente dezessete mordezessete mordezessete mordezessete mordezessete mortostostostostos foram para o adro (todos escravos e ne-nhum inocente); nmero que inflacionaria bastante na dcada seguinte.Essa quantia inexpressiva vem ratificar a idia delineada na introduo,isto , nos primrdios do povoamento a maioria dos escravos foi sepulta-da fora do espao sagrado. A documentao da srie bito demonstra ainsero gradual do corpo do escravo no espao ad sanctos. No primei-ro tero do setecentos a cova da fbrica paga no tinha assumido aabrangncia sociolgica verificada a partir da dcada de 1740. Em tem-pos de maior flexibilizao quando pde, o escravo recorreu cova dafbrica paga e foi enterrado em recinto. J o inocente detinha as melho-res sepulturas, assunto a ser tratado em outra oportunidade, visto quenessa srie ele sequer apareceu, sugerindo o seu sepultamento (clan-destino) fora do espao sagrado.

    O espao funerrio no entorno do templo era usualmente nomeadocemitrio, com as covas apud ecclesiam. J no obiturio da Matriz doPilar, de dezembro de 1712, encontramos o vocbulo cemitrio que, se-gundo o clssico Dicionrio do Moraes, abrange o terreno descoberto acu aberto, em que se enterram os defuntos.29 No XVIII mineiro, os cemi-trios eram literalmente acoplados aos monumentos religiosos e rara-mente cercados ou murados, ocasionando profanaes, muito denunci-adas em Visitas Pastorais. Muitos deles careciam da porta encimada porcruz para simbolizar a passagem entre as duas modalidades de ser nomundo: o sagrado e o profano. Na ausncia de ordens regulares e deseus conventos, a maior necrpole na Capitania das Minas, foi sem dvi-da o adro paroquial com covas de reduzida qualificao social e poucaaceitao por parte das populaes livre e forra durante o setecentos eprimeiro tero do oitocentos.

    29 Cf. SILVA, Antnio de Moraes. Grande Dicionario da Lingua Portuguesa. Confluncia, 945, p. 1081.

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    S excepcionalmente, por falta de terreno no ncleo urbano original,o cemitrio ficou separado e distante do templo, mas, ainda assim, con-tinuava a ser sagrado.30

    A sepultura do adro era gratuita, restava pagar por sua abertura epela encomendao da alma do defunto. A simplicidade funerria podiaconviver com a pompa das exquias. Atravs dos livros de fbrica e dasvisitas pastorais percebemos que o preo cobrado sempre variou con-forme a dignidade do lugar da sepultura, isto , se internas ou localiza-das no adro. As atas de bitos algumas vezes mostram o pg (pago) margem, referindo-se quantia de uma oitava, alusiva preparao dacova no adro e encomendao da alma do defunto feita pelo reverendovigrio.

    As prticas funerrias das Minas diferiram bastante do exemplo bai-ano, marcado pela preferncia das elites pelas sepulturas perptuas edifuso precoce dos carneiros, sepultura privilegiada, que se desenvol-veria nas Minas somente em meados do XIX diante da proibio de seenterrar dentro dos templos.31 Posto isso, em todo o XVIII no houve nasede da Capitania nenhuma necrpole to desqualificada quanto fora oCampo da Plvora em Salvador.32

    Para o recorte temporal selecionado serve a considerao feita pelahistoriadora Ana Cristina DArajo, em estudo especfico Lisboa (...) afuno cemiterial em solo sagrado se recobre de maior privacidade quan-do as sepulturas se deslocam para o interior da igreja. A coabitaoentre vivos e mortos persiste, mas no quadro de uma hierarquia bemdefinida e num ambiente de maior solenidade.33 Essa mesma pondera-o no apropriada para o primeiro tero do oitocentos, quando osadros foram reabilitados diante da proibio de se enterrar no interiordos templos.

    Nas dcadas seguintes ao perodo enfocado (1740, 1750 em diante)seria difcil, isto , sem adeso histrica, estabelecer uma conexo ne-cessria, a priori, entre hierarquia e situao social, pois o escravo esta-r presente tambm dentro do templo.

    30 A Capela das Dores, benta em 1777, foi edificada sobre o antigo o cemitrio da Matriz de Antnio Dias. Paraisso foi feito desaterro: O stio, que para esta pedem os devotos, o cemitrio, fisicamente desmembrado edistante da Matriz, em que h muitos anos se no sepultam corpos, o qual, porque sempre foi aberto, nuncamurado de pedra, nem, madeira, do seu princpio foi ultrajado e j profanado p. 209 Cf. Documento 157 IN:Revista do APM. XXVI (1975): 208-209.

    31 Cf. O espao sagrado do morto: o lugar da sepultura IN: REIS, Joo Jos. A morte uma festa ritos fnebrese revolta popular no Brasil do sculo XIX. SP: Cia. Das Letras, 1991. Pp.171-202. Cit. p. 178.

    32 O Destino dos suicidas, criminosos, indigentes e escravos era o vergonhoso cemitrio do Campo daPlvora.(Cf. REIS. Op. cit. p. 193).

    33 Cf. ARAJO, Ana C. A morte em Lisboa- atitudes e representaes 1700-1830. Lisboa: EditorialNotcias,1997. P. 361.

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    VIII. Os custos de sepultamentos em campas e covas no cemitrio

    Cada enterro catlico resultava em um registro paroquial e suscitavaalgumas cerimnias de cunho lutuoso, independentemente se o sepulta-mento era interno ou externo.

    No perodo enfocado percebe-se a inteno de se controlar os direi-tos paroquiais, os quais estendiam-se aos direitos de sepultura e itenscomo encomendao, missa de dia e de ms, acompanhamento comcruz da fbrica alada e a abertura da cova propriamente dita.

    Tais emolumentos foram taxados em captulos da visita de Dom freide Guadalupe, de 1727.34 No perodo estudado no faltaram as queixase clamores contra as esprtulas excessivas cobradas pelos vigrios,sobretudo, para a encomendao dos negros que continuamente mor-rem com grande gasto de doenas.35 Na verdade a sepultura a cuaberto chegou a ser cobrada em algumas localidades.

    Quadro 5Emolumentos paroquiais conforme Visita de Dom frei de Guadalupe

    Fonte: AEAM, Carta e Visita Pastoral de Dom frei de Guadalupe - 1727, livro W3.

    Entre 1712 e 1733 houve vinte e novevinte e novevinte e novevinte e novevinte e nove sepultamentos em cova dafbrica paga, respectivos aos homens livres. At ento, o escravo notinha desenvolvido o costume de recorrer cova da fbrica paga. Acre-

    34 AEAM, Carta e Visita Pastoral de Dom frei de Guadalupe - 1727, livro W 3; cf. nosso estudo A viso barrocade mundo em D. Frei de Guadalupe (1672 +1740): seu testamento e pastoral IN: Varia Histria/UFMGVaria Histria/UFMGVaria Histria/UFMGVaria Histria/UFMGVaria Histria/UFMG. nespecial- Cdice Matoso. 21 (2.000): 364-380..

    35 Cf. abundante documentao IN: APM, SC- 35, fls. 182 a 185 (Representao dos Oficiais da Cmara de VilaRica sobre as esprtulas excessivas cobradas pelos vigrios da Capitania para encomendar as almas dosnegros e outras taxaes semelhantes, 1732).

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    ditamos que uma mesma cova da fbrica pudesse ser revezada, indis-tintamente, utilizada maneira paga e maneira pelo amor de Deus, sque em flagrante desproporo. A serventia da cova depende to so-mente do prazo para a decomposio do corpo, mais rpido naqueletempo que, por hbito, empregava a cal direto no cadver e dispensavao uso de caixo.

    Constatamos nesse perodo que os enterros no adro foram freqen-tes na igreja paroquial e mais raros em capelas curadas. Eles ocorreramexatamente onde havia hierarquias bem estabelecidas, aglomeraourbana, com grande contingente escravo. A pedra comeava a ser utili-zada na construo do casario, conforme o autor do Discurso histricode 1720, sobretudo no Morro do Pascoal (da Silva Guimares), demons-trando que as populaes adventcias, de fato, estavam se estabelecen-do naquele territrio. Contudo, nesse primeiro tero do XVIII, no obstan-te o domnio da residncia bastante modesta, verncula, na mentalidadedaquela humanidade em questo predominava a forma hierrquica dese morrer!