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A dimensão de Gelfand-Kirillov de certas álgebras Lucas Galvão

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A dimensão de Gelfand-Kirillov de certas álgebras

Lucas Galvão

A dimensão de Gelfand-Kirillov de certas álgebras

Lucas Galvão

Orientador: Prof. Dr. Daniel Levcovitz

Dissertação apresentada ao Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação - ICMC-USP, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre

em Ciências - Matemática. VERSÃO REVISADA

USP – São Carlos

Outubro de 2014

SERVIÇO DE PÓS-GRADUAÇÃO DO ICMC-USP

Data de Depósito:

Assinatura:________________________

______

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Prof. Achille Bassi e Seção Técnica de Informática, ICMC/USP,

com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

G182dGalvão, Lucas A dimensão de Gelfand-Kirillov de certasálgebras / Lucas Galvão; orientador DanielLevcovitz. -- São Carlos, 2014. 50 p.

Dissertação (Mestrado - Programa de Pós-Graduaçãoem Matemática) -- Instituto de Ciências Matemáticase de Computação, Universidade de São Paulo, 2014.

1. Álgebra não comutativa. 2. Crescimento deálgebras. 3. Dimensão de Gelfand-Kirillov. I.Levcovitz, Daniel, orient. II. Título.

iii

Agradecimentos

Primeiramente aos meus pais, por todo o apoio e incentivo, principalmente nos momentos

de maior dificuldade. Nao fosse por eles, certamente eu nao teria chegado ate aqui.

Ao meu orientador, Prof. Daniel Levcovitz, pela sua paciencia, amizade, seus ensina-

mentos e principalmente pela confianca depositada.

Agradeco tambem a todos aqueles que me apoiaram durante meu perıodo de mestrado.

Porem, faco um agradecimento especial a Renan Mezabarba, pelas discussoes matematicas

(ou nao) na biblioteca do ICMC, onde frequentemente incomodavamos os funcionarios pela

altura dos risos. Tambem faco agradecimentos especiais a Renan Metzker e Ivan Bolorino,

amigos dos tempos de graduacao na UNESP, nao so pelo apoio, mas tambem pelas horas de

descontracao (compartilhadas por meio virtual).

Por fim, agradeco a CAPES pelo apoio financeiro durante um ano.

iv

Resumo

A dimensao de Gelfand-Kirillov mede a taxa de crescimento assintotico de algebras.

Como fornece informacoes importantes sobre a sua estrutura, este invariante se tornou uma

das ferramentas padrao no estudo de algebras de dimensao infinita. Neste trabalho apresen-

tamos as propriedades basicas da dimensao de Gelfand-Kirillov de algebras e de modulos,

e tambem mostramos o calculo da dimensao de Gelfand-Kirillov de algumas algebras e

modulos, sendo o exemplo mais importante o calculo da dimensao de Gelfand-Kirillov da

algebra de Weyl An.

Palavras-chave: Algebra nao comutativa. Crescimento de algebras. Dimensao de Gelfand-

Kirillov.

v

Abstract

The Gelfand-Kirillov dimension measures the asymptotic rate of growth of algebras.

Since it provides important structural information, this invariant has become one of the

standard tools in the study of infinite dimensional algebras. In this work we present the

basic properties of the Gelfand-Kirillov dimension of algebras and modules, and we also

show the calculation of the Gelfand-Kirillov dimension of some algebras and modules, being

the most important example the calculation of the Gelfand-Kirillov dimension of the Weyl

algebra An.

Keywords: Noncommutative algebra. Growth of algebras. Gelfand-Kirillov dimension.

CONTEUDO

Introducao 3

1 Preliminares 5

1.1 Crescimento de Algebras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1.2 A Dimensao de Gelfand-Kirillov . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

2 A algebra de Weyl e sua dimensao de Gelfand-Kirillov (via extensoes ite-

radas de Ore) 11

2.1 A dimensao de Gelfand-Kirillov de algumas algebras . . . . . . . . . . . . . . 11

2.2 A algebra de Weyl e sua dimensao de Gelfand-Kirillov . . . . . . . . . . . . . 16

2.3 A algebra de Weyl como o anel de operadores diferenciais do anel de po-

linomios K[x1, · · · , xn] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

3 Modulos e Algebras Filtrados e Graduados 20

3.1 A dimensao de Gelfand-Kirillov de um modulo . . . . . . . . . . . . . . . . . 20

3.2 Algebras filtradas e graduadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

4 Algebras quase-comutativas 36

4.1 Algebras quase-comutativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

4.2 A dimensao de Gelfand-Kirillov de An-modulos . . . . . . . . . . . . . . . . 47

1

CONTEUDO 2

Bibliografia 50

INTRODUCAO

Seja K um corpo, e seja A uma K-algebra finitamente gerada. Escolha um K-subespaco de

dimensao finita V (com unidade) de A, tal que A e gerado por V como algebra sobre K. Ha

uma cadeia de subespacos

K ⊆ V ⊆ V 2 ⊆ . . . ⊆ V n ⊆ . . . ⊆∞⋃n=0

V n = A

com dimK(V n) <∞, para cada n ∈ N. O comportamento assintotico da sequencia (dimK(V n))n∈N

nos da um invariante util da algebra A, chamado dimensao de Gelfand-Kirillov de A, e de-

finido por

GKdim(A) = limlog dimK(V n)

log n.

No Capıtulo 1, primeiramente definimos o crescimento de uma funcao, a fim de estudar

a sequencia (dimK(V n))n∈N. Entao, atraves da introducao de uma relacao de equivalencia

adequada, eliminamos a dependencia da escolha de um subespaco gerador V de A, tornando

possıvel definir o crescimento de uma algebra. Em seguida definimos a dimensao de Gelfand-

Kirillov de uma algebra.

No Capıtulo 2 apresentamos alguns resultados basicos referentes a dimensao de Gelfand-

Kirillov, assim como alguns exemplos, sendo que o mais importante e o calculo da dimensao

de Gelfand-Kirillov das algebras de Weyl, tambem definida neste capıtulo.

3

4

Entao, no Capıtulo 3, estendemos a dimensao de Gelfand-Kirillov para modulos. Alem

disso, se V e um subespaco de dimensao finita de uma K-algebra A, entao o conjunto formado

pelos subespacos {V n}∞n=0 fornece uma filtracao natural de A, e o anel graduado associado

gr(A) ≡ ⊕∞n=0Vn/V n−1

pode ser formado. Para qualquer modulo MA e possıvel construir o modulo graduado as-

sociado gr(M)gr(A). As relacoes entre MA e gr(M)gr(A) tambem sao estudadas no Capıtulo

3.

Por fim, no Capıtulo 4 nos dedicamos ao estudo de algebras quase comutatuvas, ou seja,

algebras A tais que gr(A) e comutativo. Tambem damos uma segunda demonstracao do

fato de que a dimensao de Gelfand-Kirillov da n-esima algebra de Weyl e 2n. Por fim,

provamos a desigualdade de Bernstein, a qual fornece um limitante inferior para a dimensao

de Gelfand-Kirillov de um modulo sobre A.

CAPITULO 1

PRELIMINARES

1.1 Crescimento de Algebras

Neste primeiro capıtulo apresentaremos algumas definicoes e resultados basicos que serao

utilizados no decorrer do presente texto. Entretanto, omitiremos as demonstracoes. Ao leitor

interessado, seguem as referencias.

Seja K um corpo. Uma K-algebra finitamente gerada A (a qual vamos assumir que e asso-

ciativa e tem elemento unitario 1) com conjunto gerador {a1, · · · , am} possui um subespaco

gerador V de dimensao finita (por exemplo, o K-espaco vetorial gerado por a1, · · · , am) no

sentido de que todo elemento de A e uma combinacao K-linear de monomios formados pelos

elementos a1, · · · , am. Portanto, se V 0 = K, e para n ≥ 1, V n denotar o subespaco gerado

por todos os monomios em a1, · · · , am de comprimento n, entao

A =∞⋃n=0

An, ondeAn = K + V + V 2 · · ·+ V n.

Se A possui dimensao finita, entao A = An para algum n, e a funcao dV = dimK(An)

se torna estacionaria. Em geral, esta funcao e monotona crescente, e suas propriedades

podem ser usadas para distinguir entre as varias K-algebras. Entretanto, a funcao dV e

muito especıfica, pois depende da escolha do subespaco gerador V . A dependencia pode ser

5

Secao 1.1 • Crescimento de Algebras 6

removida ao introduzirmos uma relacao de equivalencia adequada.

Definicao 1.1.1. Seja Φ o conjunto de todas as funcoes f : N → R que sao monotonas

crescentes a partir de um determinado ponto e a valores positivos, ou seja, para as quais

existe n0 = n0(f) ∈ N, tal que

f(n) ∈ R+ e f(n+ 1) ≥ f(n) para todo n ≥ n0.

Para f, g ∈ Φ dizemos que f ≤∗ g se, e somente se, existem c,m ∈ N tais que

f(n) ≤ cg(mn) para quase todo n ∈ N,

e f ∼ g se, e somente se, f ≤∗ g e g ≤∗ f . Para f ∈ Φ a classe de equivalencia G(f) ∈ Φ/ ∼e chamada crescimento de f . A ordem parcial no conjunto Φ/ ∼ induzida por ≤∗ e

denotada por ≤.

Observacoes:

(a) Se f e g sao funcoes polinomiais, pode ser mostrado que f e g possuem o mesmo cres-

cimento se, e somente se, deg(f) = deg(g). Para um numero γ ≥ 0 o crescimento da

funcao pγ : n→ nγ e denotado por Pγ.

(b) Para um numero real positivo ε, o crescimento de qε : n → enε

e denotado por Eε.Claramente, ε < η se, e somente se, Eε < Eη.

(c) Seja f(n) = log(n). Entao f ∈ Φ e G(f) > P0. E facil ver que G(f) < Pε para qualquer

ε > 0.

(d) Notemos que G(f) e G(g) nao precisam ser comparaveis para duas funcoes f e g em Φ.

Lema 1.1.2. ([4], pagina 6) Seja A uma K-algebra finitamente gerada com subespacos ge-

radores V e W . Se dV (n) e dW (n) denotam as dimensoes de∑n

i=0 Vi e∑n

i=0Wi, respecti-

vamente, entao G(dV ) = G(dW ).

O fato de que o crescimento da funcao dimensao de uma K-algebra finitamente gerada

independe do subespaco gerador de dimensao finita V considerado motiva a proxima de-

finicao.

Cap. 1 • Preliminares 7

Definicao 1.1.3. Seja A uma K-algebra finitamente gerada, e seja V um subespaco gerador

de dimensao finita de A. Entao G(A) := G(dV ) e chamado de crescimento de A. Alem

disso dizemos que A possui

• crescimento polinomial se G(A) = Pm, para algum m ∈ N,

• crescimento exponencial se G(A) = E1,

Exemplo 1.1.4. Seja A = K 〈x, y〉 a algebra livre em dois geradores. Entao Kx+Ky e um

subespaco gerador de A, e

dV (n) = dimK( n∑i=0

V i)

= 1 + 2 + 22 + · · ·+ 2n = 2n+1 − 1.

Logo G(A) = E1.

O resultado seguinte, devido a Borho e Kraft, mostra que o crescimento exponencial e o

maior crescimento possıvel para uma algebra finitamente gerada.

Proposicao 1.1.5. Se A e finitamente gerada mas nao possui dimensao finita, entao

P1 ≤ G(A) ≤ E1.

Demonstracao: Seja V um subespaco gerador de dimensao finita para A, e assuma que

1 ∈ V . Entao

dV (n) = dim(V n) ≤ dim(V ⊗ · · · ⊗ V ) = (dimV )n,

portanto G(A) = G(dV ) ≤ E1.

Por outro lado, as inclusoes na sequencia V 0 ⊆ V 1 ⊆ V 2 · · · sao todas proprias, pois se

V n = V n+1 para algum n, entao V n = A, e A possui dimensao finita. Logo dV (n) ≥ n, para

todo n, e consequentemente G(A) = G(dV ) ≥ P1. �

Muitas das algebras que estudaremos terao crescimento polinomial. De modo a determi-

nar os respectivos polinomios, o seguinte lema sera util.

Lema 1.1.6. ([4], pagina 7) Seja Q o corpo dos numeros racionais.

Secao 1.1 • Crescimento de Algebras 8

(a) Se 0 6= f ∈ Q[x] e um polinomio de grau d, entao existem numeros racionais a0, a1, · · · , adtais que

f(n) = ad

(n

d

)+ ad−1

(n

d− 1

)+ · · ·+ a1

(n

1

)+ a0

para todo numero natural n.

(b) As seguintes propriedades de uma funcao f : N→ Q sao equivalentes.

i. Existem a0, a1, · · · , ad ∈ Q e um inteiro m ≥ 0 tal que para todo n ≥ m

f(n) = ad

(n

d

)+ ad−1

(n

d− 1

)+ · · ·+ a1

(n

1

)+ a0.

ii. Existem a1, ..., ad ∈ Q e um inteiro m ≥ 0 tal que para todo n ≥ m

f(n+ 1)− f(n) = ad

(n

d− 1

)+ · · ·+ a2

(n

1

)+ a1.

(c) Se f(n) esta no formato descrito em (a) e se f(n) ∈ Z para todo n suficientemente

grande, entao ai ∈ Z para i = 0, 1, · · · , d.

(d) Se f(n) esta no formato descrito em (a) e se f(n) ∈ N e f(n+ 1)− f(n) ≥ 0 para todo

n suficientemente grande, entao ad e um inteiro positivo.

Exemplo 1.1.7. Considere A = K[x1, ..., xd], a algebra polinomial comutativa. O espaco

vetorial V = Kx1 + ...Kxd e um subespaco gerador de A, e e facil ver que

dim(V n+1) =

(n+ 1 + d− 1

d− 1

)=

(n+ d

d− 1

),

que e um polinomio em n de grau d − 1. Como dim(V n+1) = dV (n + 1) − dV (n), segue da

parte (b) do lema anterior que dV (n) e um polinomio em n de grau d; logo G(A) = Pd. De

fato, as partes (c) e (d) do lema anterior mostram que os coeficientes de dV sao inteiros, e

que seu coeficiente dominante e um inteiro positivo.

Cap. 1 • Preliminares 9

1.2 A Dimensao de Gelfand-Kirillov

O crescimento de uma algebra frequentemente e difıcil de determinar e se mostra uma fer-

ramenta de difıcil aplicacao quando sao consideradas algebras relacionadas, como subalgebras,

quocientes, extensoes de Ore, etc. Entao e apropriado utilizar o comportamento assintotico

das funcoes monotonas crescentes a fim de fazermos identificacoes que vao alem do cresci-

mento. Teoricamente ha varias possibilidades para prosseguir, mas na pratica o seguinte

limite superior

limlog f(n)

log n

se mostra um dos mais uteis. No que se segue, utilizaremos a notacao logn f(n) para denotar

log f(n)/ log n.

Lema 1.2.1. ([4], pagina 13) Sejam f, g ∈ Φ. Entao

• lim logn f(n) = {inf ρ ∈ R, f(n) ≤ nρ para quase todo n} = {inf ρ ∈ R,G ≤ Pρ}

• Se G(f) = G(g), entao lim logn f(n) = lim logn g(n)

Podemos agora dar a proxima definicao. Note que nela nao supomos que A e uma

K-algebra finitamente gerada.

Definicao 1.2.2. A dimensao de Gelfand-Kirillov de uma K-algebra A e

GKdim(A) = supVlim logn dV (n),

onde o supremo e tomado sobre todos os subespacos finitamente dimensionais V de A.

Observacao 1.2.3. O Lema 1.1.2 diz que para uma K-algebra finitamente gerada B com

subespaco gerador de dimensao finita V , o crescimento de B independe da escolha particular

de V . Logo

GKdim(B) = lim logn dV (n)

Secao 1.2 • A Dimensao de Gelfand-Kirillov 10

neste caso. Como todo subespaco de dimensao finita de uma K-algebra geral A, nao neces-

sariamente finitamente gerada, pode ser visto como o subespaco gerador para uma algebra

finitamente gerada B de A, a definicao da dimensao de Gelfand-Kirillov de A pode ser

reescrita como

GKdim(A) = supB{GKdim(B), B ⊂ A,B subalgebra finitamente gerada.}

A dimensao de Gelfand-Kirillov de uma algebra tambem pode ser infinita, como veremos

no exemplo a seguir.

Exemplo 1.2.4. Seja A a algebra do Exemplo 1.1.4, a qual e finitamente gerada. Como

dV (n) = 2n+1 − 1, temos que

lim logn dV (n) = lim logn 2n+1 − 1 = lim((n+ 1) logn 2− logn 1) =∞.

Logo a dimensao de Gelfand-Kirillov da algebra acima e infinita.

No entanto, enfatizamos que nesta dissertacao estamos interessados somente em

K-algebras A que sao finitamente geradas.

A seguinte questao segue naturalmente: quais numeros reais podem ser assumidos pela

dimensao de Gelfand-Kirillov de uma K-algebra? E facil ver que GKdim(A) = 0 se, e

somente se, A e localmente de dimensao finita, ou seja, se toda subalgebra finitamente

gerada possui dimensao finita. Segue da Proposicao 1.1.5 que GKdim(A) ≥ 1 para qualquer

algebra A que nao e localmente de dimensao finita. Alem disso, temos do Exemplo 1.1.7 que

todo numero natural ocorre como dimensao de Gelfand-Kirillov de uma algebra polinomial

comutativa. Ha dois resultados que respondem a essa pergunta para os outros numeros

positivos.

Teorema 1.2.5. ([4], pagina 18) Nenhuma algebra possui dimensao de Gelfand-Kirillov

estritamente entre 1 e 2.

Teorema 1.2.6. ([4], pagina 21) Para qualquer numero real r ≥ 2 existe uma algebra

A = K 〈x, y〉 /{Z} com dois geradores tal que GKdim(A) = r.

CAPITULO 2

A ALGEBRA DE WEYL E SUA

DIMENSAO DE

GELFAND-KIRILLOV (VIA

EXTENSOES ITERADAS DE ORE)

2.1 A dimensao de Gelfand-Kirillov de algumas

algebras

Para que a dimensao de Gelfand-Kirillov seja um metodo util para o estudo de algebras,

e necessario conhecer seu comportamento quando passamos de uma algebra A para aneis

relacionados como subalgebras, algebras quocientes, somas diretas e extensoes de Ore. Neste

capıtulo estas algebras serao estudadas. Como uma aplicacao obteremos o resultado funda-

mental deste capıtulo, que e a dimensao de Gelfand-Kirillov das algebras de Weyl.

Lema 2.1.1. Se B e uma subalgebra ou uma imagem homomorfa de uma K-algebra A, entao

GKdim(B) ≤ GKdim(A).

11

Secao 2.1 • A dimensao de Gelfand-Kirillov de algumas algebras 12

Demonstracao: Para subalgebras a afirmacao decorre como consequencia imediata da de-

finicao da dimensao de Gelfand-Kirillov. Para uma algebra quociente A de A, observe que

qualquer conjunto de representantes das classes laterais para os elementos da base de um

subespaco V de A com dimensao finita forma uma base de um subespaco de dimensao finita

V de A que satisfaz dim(Vn) ≤ dim(V n), para todo n natural. Entao

lim logn dim(Vn) ≤ lim logn dim(V n)

e portanto,

supV

lim logn dim(Vn) ≤ sup

Vlim logn dim(V n).

Proposicao 2.1.2. Se A1 e A2 sao K-algebras, entao

GKdim(A1 ⊕ A2) = max{GKdim(A1), GKdim(A2)}.

Demonstracao: Pelo Lema 2.1.1, temos

γ := max{GKdim(A1), GKdim(A2)} ≤ GKdim(A1 ⊕ A2),

e a igualdade vale se γ = ∞. Vamos assumir que γ e finito, e seja W um subespaco de

dimensao finita de A1 ⊕ A2. Sejam U e V as projecoes canonicas de W sobre A1 e A2

respectivamente. Entao

W ⊆ U ⊕ V eW n ⊆ (U ⊕ V )n = Un ⊕ V n.

Dado ε > 0, segue do Lema 1.2.1 que

dU(n) < nγ+ ε2 e dV (n) < nγ+ ε

2 .

para quase todo n, pois lim logn dU(n) ≤ GKdim(A1) ≤ γ e o mesmo vale para para dV (n).

Como nε2 > 2 para n suficientemente grande,

dW (n) ≤ dU(n) + dV (n) ≤ 2nγ+ ε2 < n

ε2nγ+ ε

2 = nγ+ε

Cap. 2 • A algebra de Weyl e sua dimensao de Gelfand-Kirillov (via extensoesiteradas de Ore) 13

para quase todo n. Logo lim logn dW (n) ≤ γ, pelo Lema 1.2.1. Portanto,

GKdim(A1 ⊕ A2) = supW

lim logn dW (n) ≤ γ.

Muitas algebras sao extensoes de Ore de outras algebras, sendo as algebras de Weyl talvez

o exemplo mais conhecido.

Definicao 2.1.3. Uma K-derivacao δ de uma K-algebra A e um K-endomorfismo de A que

satisfaz

δ(ab) = δ(a)b+ aδ(b) para todo a, b ∈ A.

Definicao 2.1.4. Seja A uma K-algebra com uma K-derivacao δ. A K-algebra B = A[x; δ]

dos polinomios a0 + a1x + ... + anxn, ai ∈ A, sujeita a relacao xa − ax = δ(a) e chamada

extensao de Ore de A com respeito a δ.

Lema 2.1.5. Seja A uma K-algebra com K-derivacao δ, e seja B = A[x; δ]. Entao

GKdim(B) ≥ GKdim(A) + 1.

Demonstracao: Seja Af uma subalgebra finitamente gerada de A e seja V um subespaco

gerador de dimensao finita para Af , com unidade. O subespaco de dimensao finita

W = V + Kx de B satisfaz

V n ⊕ V nx⊕ · · · ⊕ V nxn ⊆ (V + Kx)2n = W 2n;

logo (n+ 1)dV (n) ≤ dW (2n). Entao

GKdim(B) ≥ lim logn dW (n) ≥ lim logn(n+ 1)dV (n)

= limn→∞

logn(n+ 1) + lim logn dV (n) = 1 +GKdim(Af ),

e portanto,

GKdim(B) ≥ supAf

{1 +GKdim(Af )} = 1 + supAf

{GKdim(Af )} = 1 +GKdim(A). �

Secao 2.1 • A dimensao de Gelfand-Kirillov de algumas algebras 14

E natural querer saber quando a desigualdade no lema anterior se torna uma igualdade.

O resultado seguinte mostra que a igualdade vale para uma grande classe de algebras consi-

deradas nas aplicacoes, em particular, para o caso δ = 0, isto e, para a algebra polinomial

B = A[x], e para o caso quando A e uma algebra finitamente gerada.

Proposicao 2.1.6. Seja A uma K-algebra com K-derivacao δ tal que todo subespaco de

dimensao finita esta contido em uma subalgebra δ-estavel de A. Entao

GKdim(A[x; δ]) = GKdim(A) + 1.

Demonstracao: Seja B′ uma subalgebra finitamente gerada de B = A[x; δ]. O espaco

vetorial gerado pelos coeficientes dos finitos polinomios que geram B′ e de dimensao finita

e portanto esta contido em uma subalgebra A′ δ-estavel finitamente gerada de A. Como

B′ ⊆ A′[x; δ], o resultado segue se mostrarmos que GKdim(B′) ≤ GKdim(A′) + 1. Desta

forma podemos assumir que A e finitamente gerada.

Se V e um subespaco gerador de dimensao finita de A que contem 1, entao W := V +Kx

e um subespaco gerador de dimensao finita para B = A[x; δ]. Os espacos V n formam uma

filtracao exaustiva de A; logo δ(V ) ⊆ V m para algum inteiro m > 0, e consequentemente

δ(V q) ⊆ V m+q para todo q = 1, 2, · · · . Afirmamos que

W n = (V + Kx)n ⊆ V mn + V mnx+ V mnx2 + ...+ V mnxn,

e portanto que dW (n) ≤ (n + 1)dV (mn), para todo numero natural n. Isto e trivial para

n = 0; entao vamos assumir que vale para n ≥ 0. Logo,

VW n ⊆n∑i=0

V mn+1xi ⊆n∑i=0

V m(n+1)xi (2.1)

e

xW n ⊆n∑i=0

xV mnxi ⊆n∑i=0

V mnxi+1 +n∑i=0

δ(V mn)xi. (2.2)

Uma vez que

δ(V mn) ⊆n∑j=0

V jδ(V )V mn−j−1 ⊆mn−1∑j=0

V jV mV mn−j−1

= V m(n+1)−1 ⊆ V m(n+1), (2.3)

Cap. 2 • A algebra de Weyl e sua dimensao de Gelfand-Kirillov (via extensoesiteradas de Ore) 15

temos, por 2.2 e 2.3, que

xW n ⊆n+1∑i=0

V m(n+1)xi. (2.4)

Por 2.1 e 2.4, segue que

W n+1 = (V + Kx)W n = VW n + xW n ⊆n+1∑i=0

V m(n+1)xi,

completando o passo indutivo. Portanto,

GKdim(B) = lim logn dW (n) ≤ lim logn((n+ 1)dV (mn))

= limn→∞

logn(n+ 1) + lim logn dV (n) = 1 +GKdim(A).

Exemplo 2.1.7. Seja A uma K-algebra e seja B = A[x1, · · · , xn]. Entao

GKdim(B) = GKdim(A) + n, aplicando repetidamente a Proposicao 2.1.6 no caso em que

a derivacao e nula.

Exemplo 2.1.8. Seja A = R[[x]] a R-algebra formada por todas as series de potencias com

coeficientes reais. Seja {ri, i = 1, 2, · · · } um conjunto infinito enumeravel de numeros reais

linearmente independentes sobre o corpo Q. Entao o conjunto das funcoes

{fi(x) = erix, i = 1, 2, · · · } e algebricamente independente sobre R. Cada uma das funcoes

fi pode ser vista como um elemento de A atraves de sua serie de McLaurin. Logo A possui

uma subalgebra isomorfa a algebra polinomial R[x1, · · · , xn] para cada n ∈ N. Segue do Lema

2.1.1 e do Exemplo 2.1.7 que GKdim(A) =∞.

Observacao 2.1.9. A desigualdade no Lema 2.1.5 pode, de fato, ocorrer, como mostra o

resultado abaixo.

Proposicao 2.1.10. ([4], pagina 27) Seja p um inteiro positivo.

• Existe uma K-algebra localmente de dimensao finita Ap com K-derivacao δp, tal que

GKdim(Ap[t; δp]) = p.

• Existe uma K-algebra localmente de dimensao finita A com K-derivacao δ, tal que

GKdim(A[t; δ]) =∞.

Secao 2.2 • A algebra de Weyl e sua dimensao de Gelfand-Kirillov 16

2.2 A algebra de Weyl e sua dimensao de

Gelfand-Kirillov

O objetivo desta secao e calcular a dimensao de Gelfand-Kirillov da algebra de Weyl An.

No que se segue, vamos definir tal algebra.

Definicao 2.2.1. A algebra de Weyl An = An(K) e o anel de polinomios em 2n variaveis

x1, · · · , xn, y1, · · · , yn com coeficientes em K, sujeitas as relacoes

xixj = xjxi, yiyj = yjyi, e xiyj − yjxi = δij,

onde δij e o sımbolo de Kronecker.

Proposicao 2.2.2. Vale o isomorfismo abaixo:

An+1∼= An[yn+1][xn+1; δ], onde δ =

∂yn+1

.

Demonstracao: Primeiramente, como yn+1 comuta com os elementos de An, resta mostrar

que xn+1 satisfaz as relacoes que definem a algebra de Weyl. De fato, para i = 1, · · · , n,

temos

xixn+1 − xn+1xi = δ(xi) = 0

e

yixn+1 − xn+1yi = δ(yi) = 0.

Para i = n+ 1, temos

yn+1xn+1 − xn+1yn+1 = δ(yn+1) = 1,

provando o resultado. �

Teorema 2.2.3. A dimensao de Gelfand-Kirillov da n-esima algebra de Weyl An e 2n.

Cap. 2 • A algebra de Weyl e sua dimensao de Gelfand-Kirillov (via extensoesiteradas de Ore) 17

Demonstracao: O resultado e provado por inducao. Para n = 0, o resultado e valido pois

A0(K) = K.

Suponhamos que a dimensao de Ak = 2k. Pelo Exemplo 2.1.7

GKdim(An[yn+1]) = GKdim(An) + 1 = 2n+ 1

.

Da Proposicao 2.1.6, decorre que GKdim(An+1) = GKdim(An[yn+1]) + 1 = 2(n+ 1). �

2.3 A algebra de Weyl como o anel de operadores

diferenciais do anel de polinomios K[x1, · · · , xn]

Uma outra definicao da algebra de Weyl e encontrada com frequencia. Por conveniencia,

denotaremos por K[X] o anel K[x1, · · · , xn].

Definicao 2.3.1. Sejam x1, · · · , xn os operadores de K[X] definidos sobre um polinomio

f ∈ K[X] pelas formulas xi(f) = xi.f . Analogamente, ∂1, · · · , ∂n sao os operadores definidos

por ∂i = ∂f/∂xi. Estes sao operadores lineares de K[X]. A n-esima algebra de Weyl An e a

K-subalgebra de EndK(K[X]) gerada pelos operadores x1, · · · , xn e ∂1, · · · , ∂n.

De acordo com a definicao acima, os elementos de An sao combinacoes lineares sobre K de

monomios em x1, · · · , xn, ∂1, · · · , ∂n. Porem, vale ressaltar que esta algebra nao e comutativa.

De fato, consideremos o operador ∂i.xi e vamos aplica-lo no polinomio f ∈ K[X]. Usando a

regra de derivacao do produto, obtemos ∂i.xi(f) = xi∂f/∂xi + f . Em outras palavras,

∂i.xi = xi.∂i + 1,

onde 1 corresponde ao operador identidade. Utilizando a notacao de comutadores, a ex-

pressao acima se torna [∂i, xi] = 1. Atraves de calculos similares obtemos que [∂i, xj] = δij.1

e [∂i, ∂j] = [xi, xj] = 0, onde mais uma vez δij e o sımbolo de Kronecker, e 1 ≤ i, j ≤ n.

Denotaremos abaixo os operadores xi simplesmente por xi para simplificar a notacao.

O primeiro passo para mostrar a equivalencia destas definicoes e construir uma base

para a algebra de Weyl como K-espaco vetorial, a qual chamaremos base canonica. Ela sera

Secao 2.3 • A algebra de Weyl como o anel de operadores diferenciais do anel depolinomios K[x1, · · · , xn] 18

descrita atraves de multi-ındices, ou seja, elementos α ∈ Nn tais que α = (α1, ..., αn). Por

xα denotaremos o monomio xα11 · · ·xαnn . O grau deste monomio e o comprimento |α| do

multi-ındice α, ou seja, |α| = α1 + · · ·+αn. Tambem definimos o fatorial de um multi-ındice

β ∈ Nn por β! = β1! · · · βn!

Lema 2.3.2. Sejam α, β ∈ Nn e suponhamos que |α| ≤ |β|. Entao ∂β(xα) = β! se α = β e

zero, caso contrario.

Demonstracao: Se α = β, o resultado decorre da regra do produto, uma vez que

∂αii (xαii ) = αi!. Se α 6= β, existe 1 ≤ n0 ≤ n tal que αn0 < βn0 . Como ∂βn0 (xαn0 ) = 0, segue

que ∂β(xα) = 0. �

Lema 2.3.3. Seja f ∈ K[X]. Entao [∂i, f ] = ∂f/∂xi.

Demonstracao: Pelas relacoes apresentadas acima e pelo fato de o comutador ser linear, e

suficiente mostrar que [∂i, xni ] = nxn−1

i . Para n = 0, o resultado e trivial. Suponhamos que

a identidade seja valida para n = k. Como, dados a, b, c ∈ An, [a, bc] = b[a, c] + [a, b]c, temos

que

[∂i, xk+1i ] = xi[∂i, x

ki ] + [∂i, xi]x

ki = xi · k · xk−1

i + xki = (k + 1)xki .

Proposicao 2.3.4. O conjunto B = {xα∂β, α, β ∈ Nn} e uma base de An como espaco

vetorial sobre K.

Demonstracao: Dado um monomio de An, pelo Lema 2.3.3 e possıvel escreve-lo como uma

soma de monomios com potencias dos operadores xi a esquerda e potencias dos operadores ∂i

a direita. Desta forma, segue que qualquer elemento de An pode ser escrito como combinacao

linear de elementos de B.

Agora mostremos que os elementos de B sao linearmente independentes. Consideremos

uma combinacao linear finita D =∑cαβx

α∂β de elementos de B. Queremos mostrar que se

algum cαβ 6= 0, entao D 6= 0. Mas D e um operador linear em K[X]. Portanto D 6= 0 se, e

somente se, existe um polinomio f tal que D(f) 6= 0. Construiremos tal f .

Cap. 2 • A algebra de Weyl e sua dimensao de Gelfand-Kirillov (via extensoesiteradas de Ore) 19

Seja σ um multi-ındice que satisfaz cασ 6= 0 para algum ındice α, mas cαβ = 0 para todo

ındice β tal que |β| < |σ|. Pelo Lema 2.3.2, temos que D(xσ) = σ!∑

α cασxα 6= 0, pois um

dos cασ e diferente de zero, pela escolha de σ. Logo f = xσ e o polinomio procurado. �

Agora vamos mostrar que as duas definicoes sao equivalentes. Seja K 〈z1, · · · , z2n〉 a

algebra livre em 2n geradores, ou seja, o conjunto de todas as combinacoes lineares finitas

de palavras em z1, ..., z2n. Podemos definir um homomorfismo sobrejetor

φ : K 〈z1, · · · , z2n〉 → An tal que φ(zi) = xi e φ(zi+n) = ∂i, para i = 1, ..., n. Seja J o ideal

bilateral gerado por [zi+n, zi]− 1, para i = 1, 2, · · · , n e [zi, zj] para j 6= i+ n e 1 ≤ i, j ≤ n

Segue das relacoes do inıcio desta secao que J ⊆ Ker(φ). Logo φ induz um homomorfismo

de K-algebras φ : K 〈z1, · · · , z2n〉 /J → An.

Teorema 2.3.5. A aplicacao

φ : K 〈z1, · · · , z2n〉 /J → An

e um isomorfismo de K-algebras.

Demonstracao: Assim como na prova da Proposicao 2.3.4, podemos usar as relacoes entre

as classes zi + J para mostrar que todo elemento de K 〈z1, · · · , z2n〉 pode ser escrito como

uma combinacao linear de monomios do tipo zm11 · · · zm2n

2n . Pela Proposicao 2.3.4, a imagem

desses monomios por φ e uma base de An como espaco vetorial sobre K. Em particular, os

monomios sao linearmente independentes em K 〈z1, · · · , z2n〉 /J . Portanto φ e um isomor-

fismo de espacos vetoriais, uma vez que ja e um isomorfismo de aneis. �

CAPITULO 3

MODULOS E ALGEBRAS

FILTRADOS E GRADUADOS

A dimensao classica de Krull, definida em termos de cadeias descendentes de ideais primos,

nao e uma ferramenta muito adequada no estudo de aneis nao comutativos, principalmente

por nao se aplicar a modulos. Por outro lado, a dimensao de Gelfand-Kirillov pode ser

estendida a modulos. Um primeiro estudo dessa extensao foi feito por Bernstein e, poste-

riormente, um estudo sistematico foi feito por Joseph e Small. Neste capıtulo definiremos

a dimensao de Gelfand-Kirillov para modulos e apresentaremos os resultados basicos sobre

modulos filtrados e graduados.

3.1 A dimensao de Gelfand-Kirillov de um modulo

Seja A uma K-algebra finitamente gerada com subespaco gerador de dimensao finita V

que contem 1, e seja M um A-modulo a direita finitamente gerado com um espaco vetorial

F de dimensao finita que gera M como A-modulo. Entao

M =∞⋃n=0

FV n.

20

Cap. 3 • Modulos e Algebras Filtrados e Graduados 21

Assim como no Lema 1.1.2 e possıvel verificar que o crescimento G(dV,F ) da funcao

dV,F (n) = dimK(FV n) nao depende das escolhas particulares para os espacos V e F ; portanto

nos referimos ao crescimento G(M) do modulo M , e definimos

GKdim(M) = lim logn dV,F (n).

Mais geralmente, definimos

Definicao 3.1.1. Seja A uma K-algebra, e seja M um A-modulo a direita. A dimensao

de Gelfand-Kirillov de M e dada por

GKdim(M) = supV,F

lim logn dimK(FV n)

onde o supremo e tomado sobre todos os subespacos V de dimensao finita de A que contem

1 e todos os subespacos F de dimensao finita de M . Alternativamente,

GKdim(MA) = supB,N

GKdim(NB),

onde o supremo e tomado sobre todas as subalgebras B de A finitamente geradas e todos os

B-submodulos a direita N de M finitamente gerados. Notemos que GKdim(0) = −∞

Segue da definicao que GKdim(A), a dimensao de Gelfand-Kirillov de A como algebra ,

e GKdim(AA), a dimensao de A como A-modulo a direita, coincidem.

Lema 3.1.2. Se B e submodulo ou imagem homomorfa de um modulo A, entao GKdim(B) ≤GKdim(A).

Demonstracao: Para submodulos o resultado e imediato. Para um modulo quociente M de

M consideramos subespacos V de A e F de M de dimensao finita. A partir dos elementos da

base de F podemos obter, em M , um conjunto de representantes, os quais formam uma base

de um subespaco F de M , de dimensao finita. Assim, temos que dim(FV n) ≤ (dimFV n),

para todo n ∈ N. Entao

lim logn dim(FV n) ≤ lim logn dim(FV n)

e portanto,

Secao 3.1 • A dimensao de Gelfand-Kirillov de um modulo 22

supV,F

lim logn dim(FV n) ≤ supV,F

lim logn dim(FV n).

Proposicao 3.1.3. Seja A uma K-algebra, e seja M um A-modulo a direita. Entao

(a) Se M = ⊕ni=1Mi, entao GKdim(M) = maxi{GKdim(Mi)}.

(b) Se 0 → Kψ→ M

φ→ L → 0 e uma sequencia exata de A-modulos a direita, entao

GKdim(M) ≥ max{GKdim(K), GKdim(L)}.

(c) Se MI = 0 para um ideal I de A, entao GKdim(MA) = GKdim(MA/I).

(d) GKdim(MA) ≤ GKdim(A).

(e) Se M e finitamente gerado e α ∈ EndA(M) e injetor, entao

GKdim(M/α(M)) ≤ GKdim(M)− 1.

Demonstracao: (a) Da definicao da dimensao de Gelfand-Kirillov para modulos e do Lema

3.1.2, temos que

γ := max{GKdim(Mi)} ≤ GKdim(⊕ni=1Mi),

e a igualdade vale se GKdim(Mi) =∞ para algum Mi. Suponhamos que γ e finito e n = 2,

sem perda de generalidade.

Seja FW tal que F = F1 ⊕ F2 e subespaco de M , onde F1 e F2 geram M1 e M2,

respectivamente, e ambos sao de dimensao finita, e W subespaco de A de dimensao finita

que contem 1. Temos

F = F1 ⊕ F2 ⇒ FV = (F1 ⊕ F2)V = F1V ⊕ F2V.

Cap. 3 • Modulos e Algebras Filtrados e Graduados 23

Pelo Lema 1.2.1, temos

dV,F1(n) ≤ nγ+ ε2 e dV,F2(n) ≤ nγ+ ε

2

para quase todo n. Como nε2 > 2 para algum n suficientemente grande, temos

dV,F (n) = dV,F1(n) + dV,F2(n) ≤ 2nγ+ ε2 < n

ε2nγ+ ε

2 = nγ+ε

para quase todo n. Entao lim logn dV,F ≤ γ pelo Lema 1.2.1, e portanto

GKdim(M1 ⊕M2) = sup lim logn dW (n) ≤ γ.

(b) Como K ∼= ψ(K) (pois e injetora) e dimK(K) ≤ dimK(M), segue que GKdim(K) ≤GKdim(M).

Quanto a outra desigualdade, como φ e sobrejetora, sabemos que L ∼= M/Kerφ. Logo,

pelo 3.1.2, GKdim(L) ≤ GKdim(M).

(c) Seja F subespaco de M , V subespaco gerador de A com unidade. Como MI = 0, M

pode ser visto como um A/I-modulo tal que m.a := ma.

Seja V o conjunto formado pelos elementos correspondentes de V em A/I. Entao

dim(FV n) = dim(FVn).

Consequentemente

lim logn dim(FV n) = lim logn dim(FVn).

Entao

lim logn dim(FV n) ≤ supF,W

lim logn dim(FWn)⇒ sup

F,Vlim logn dim(FV n) ≤ sup

F,Wlim logn dim(FW

n),

onde o supremo e tomado sobre todos os subespacos geradores com unidade W de A/I.

A desigualdade inversa e obtida de maneira analoga a partir da igualdade acima.

(d) Seja F um subespaco de dimensao finita de M , e seja V um subespaco de dimensao

finita de A que contem 1. Claramente, dimK(FV n) ≤ dimK(F )dimK(V n). Logo G(dF,V ) ≤G(dV ). Portanto GKdim(MA) ≤ GKdim(A).

Secao 3.1 • A dimensao de Gelfand-Kirillov de um modulo 24

(e) Seja V um subespaco de dimensao finita de A, com unidade, e seja F um subespaco

de dimensao finita de M = M/α(M) que gera M como A-modulo. Como α(M) tambem e

finitamente gerado, existe um subespaco F de M de dimensao finita tal que F gera M como

A-modulo e F e a imagem de F sob o homomorfismo canonico M →M/α(M).

Para cada inteiro n > 0, seja Cn o espaco vetorial complementar a α(M)∩FV n em FV n;

logo Cn ∼= FV n. Como Cn ∩ α(M) = 0, a soma

Cn + α(Cn) + α2(Cn) + · · ·+ αj(Cn)

de subespacos e direta para todo j. De fato, se

a0x0 + a1α(x1) + · · ·+ ajαj(xj) = 0,

onde xi ∈ Cn e ai ∈ K, 0 ≤ i ≤ j, temos

α(a1x1 + · · ·+ ajαj−1(xj)) = −a0x0.

Como −a0x0 esta em Cn e em α(M), se a0 6= 0, segue que x0 = 0. Como α e injetor, isto

implica que a1x1 + · · ·+ ajαj−1(xj) = 0. Aplicando este processo recursivamente, temos que

aiαi(xi) = 0 para todo i, provando que a soma e direta.

Como α(F ) tem dimensao finita e F gera M como A-modulo, existe um subespaco de

dimensao finita W ⊇ V de A tal que α(F ) ⊆ FW .

Assim,

n⊕j=0

αj(Cn) ⊆n⊕j=0

αj(FV n) =n⊕j=0

αj(F )V n ⊆n⊕j=0

FW jW n ⊆ FW 2n,

e consequentemente

dimK(FW 2n) ≥ (n+ 1)dimK(Cn) = (n+ 1)dimK(FV n)

de onde segue o resultado. �

Em geral, a parte (e) do teorema acima nao e valida se M nao e um A-modulo a di-

reita finitamente gerado. Se M = K[x] e considerado como um K-modulo a direita, entao

GKdim(MK) = 0. Notemos que a multiplicacao a direita por x induz um K-homomorfismo

α de M . Entao

Cap. 3 • Modulos e Algebras Filtrados e Graduados 25

GKdim(M/α(M)) = 0 = GKdim(M),

uma vez que M/α(M) ∼= K.

Ha situacoes onde a desigualdade em (b) pode ser uma igualdade, o que motiva a proxima

definicao.

Definicao 3.1.4. Seja A uma K-algebra. A dimensao de Gelfand-Kirillov e exata para

A-modulos a direita se

GKdim(M) = max{GKdim(L), GKdim(N)}

para qualquer sequencia exata curta 0→ L→M → N → 0 de A-modulos a direita.

3.2 Algebras filtradas e graduadas

Frequentemente, as algebras sao munidas de uma filtracao natural, e informacoes podem

ser obtidas ao passar para a algebra graduada associada, e entao trazendo os resultados de

volta para a algebra inicial. Isto e particularmente util se a algebra e filtrada por subespacos

de dimensao finita tais que a algebra graduada associada e comutativa - esse tipo de algebra

e chamado algebra quase-comutativa. A dimensao de Gelfand-Kirillov e uma ferramenta

efetiva no seu estudo, o qual sera feito no capıtulo seguinte.

Apesar de graduacoes gerais ja terem sido estudadas, nos preocuparemos com graduacoes

cujas componentes estao indexadas por numeros naturais ou inteiros. Alem disso, nos restrin-

giremos as graduacoes por subespacos de dimensao finita, as chamadas graduacoes finitas.

Definicao 3.2.1. Uma graduacao A = {Ai}i∈Z da K-algebra A e uma sequencia de K-

subespacos Ai de A tais que

A =⊕i∈Z

Ai e Ai · Aj ⊆ Ai+j para todo i, j ∈ Z.

Uma algebra com uma graduacao A e chamada A-graduada, ou simplesmente graduada;

e finitamente graduada se cada uma das componentes Ai e um K-espaco vetorial de

dimensao finita. Os elementos de An sao ditos homogeneos de grau n. A componente A0

Secao 3.2 • Algebras filtradas e graduadas 26

e uma subalgebra de A que contem 1A e portanto contem o corpo base K. Se A e finitamente

graduada, A0 = K, e Ai = 0 para todo i < 0, entao A e chamado graduada conexa.

Definicao 3.2.2. Seja A uma K-algebra com graduacao A = {Ai}i∈Z. Um A-modulo a

direita M e A-graduado, ou simplesmente graduado, se existem subespacos Mi tais que

M =⊕i∈Z

Mi e MiAj ⊆Mi+j para todo i, j ∈ Z.

Se cada Mi possui dimensao finita sobre K, entao M e dito finitamente graduado. Os

elementos de Mn sao chamados homogeneos de grau n.

Seja A = ⊕i∈ZAi uma K-algebra finitamente graduada, e seja M = ⊕i∈ZMi um A-modulo

finitamente graduado. Defina

A(n) =n⊕

i=−n

Ai, dA(n) = dimKA(n), e

M(n) =n⊕

i=−n

Mi, dM(n) = dimKM(n).

O lema seguinte mostra que G(dM) fornece um limitante superior para o crescimento do

modulo M e que a igualdade vale se A e uma algebra finitamente gerada e M e um A-modulo

finitamente gerado a direita.

Lema 3.2.3. Seja A uma K-algebra finitamente graduada, e seja M um A-modulo finita-

mente graduado. Entao

(a) Se V e um subespaco de dimensao finita de A que contem 1 e E e um subespaco de di-

mensao finita de M , entao G(dV,E) ≤ G(dM), e portanto GKdim(M) ≤ lim logn dM(n).

(b) Se A e finitamente gerado como algebra e MA e finitamente gerado, entao

G(M) = G(dM) e portanto GKdim(M) = lim logn dM(n).

Demonstracao: (a) Como V e E possuem dimensao finita, existe um numero natural p tal

que V ⊆ A(p) e E ⊆M(p). Portanto

EV n ⊆ EA(np) ⊆M(np+ p) ⊆M(2pn)

Cap. 3 • Modulos e Algebras Filtrados e Graduados 27

para qualquer inteiro n ≥ 1. Consequentemente, dV,E(n) ≤ dM(2pn), e segue a afirmacao.

(b) Para p inteiro suficientemente grande, o espaco vetorial V = A(p) gera A e contem

1, e E = M(p) gera M como A-modulo. Queremos mostrar que M(n) ⊆ EV n para todo

n > 0, e e suficiente mostrar que M−n +Mn ⊆ EV n. Demonstraremos que Mn ⊆ EV n; um

argumento simetrico nos da que M−n ⊆ EV −n. Como os subespacos EV m, m = 0, 1, · · · ,fornecem uma filtracao exaustiva de M , Mn ⊆ EV r para algum inteiro positivo r. Cada

elemento 0 6= x ∈Mn e, portanto, uma soma de elementos nao nulos v0v1 · · · vs com elementos

homogeneos

v0 ∈ E, vi ∈ V, 1 ≤ i ≤ s, onde s < r.

Vamos assumir que cada monomio foi simplificado ao maximo, isto e, assumiremos que

v0v1 /∈ E = M(p) e vivi+1 /∈ V = A(p) para i ≥ 1

ou, equivalentemente, que |deg(vivi+1)| > p, para i ≥ 0. Como

deg(v0v1 · · · vs) = deg(v0) + deg(v1) + · · ·+ deg(vs) = n > 0,

pelo menos um dos vi deve ter grau positivo. Suponhamos que deg(vi) > 0, mas deg(vi+1) ≤ 0

para algum i. Entao

|deg(vivi+1)| ≤ max{|deg(vi)|, |deg(vi+1)|} ≤ p,

uma contradicao (para i=s, considerar vs−1vs). Portanto todo vi possui grau positivo, logo

n ≥ s+ 1 e consequentemente v0v1 · · · vs ∈ EV n, logo Mn ⊆ EV n. �

Definicao 3.2.4. Uma Z-filtracao, ou simplesmente uma filtracao de uma K-algebra A

e uma sequencia de K-subespacos

· · · ⊆ Ai−1 ⊆ Ai ⊆ Ai+1 ⊆ · · · , i ∈ Z,

tal que

1 ∈ A0, Ai · Aj ⊆ Ai+j para todo i, j ∈ Z, e A =⋃i∈Z

Ai.

Secao 3.2 • Algebras filtradas e graduadas 28

Uma filtracao e chamada finita se cada Ai tem dimensao finita sobre K, e e chamada

discreta se Ai = 0 para todo i < n0 para algum inteiro n0 ≤ 0. O K-espaco vetorial

gr(A) =⊕i∈Z

Ai/Ai−1,

munido de uma multiplicacao dada pela regra

(x+ Ai−1) · (y + Aj−1) = xy + Ai+j−1,

onde x e y sao elementos homogeneos de gr(A), e chamado algebra graduada associada.

A operacao se estende aos demais elementos de A por linearidade.

Veremos abaixo que se a algebra graduada associada de uma K-algebra discretamente

filtrada A e finitamente gerada, entao A e finitamente gerado.

Suponhamos que gr(A) e gerado por x1, · · · , xr. Podemos supor que cada um desses

geradores e homogeneo, sem perda de generalidade. Desta forma, a cada xi podemos associar

um xi ∈ A. Seja B ⊆ A a subalgebra gerada por x1, · · · , xr. Vamos mostrar que A ⊆ B.

Por inducao, mostraremos que cada An ⊆ B, n ≥ n0.´ Decorre da hipotese de a filtracao ser

discreta que An0 ⊆ B, uma vez que a primeira parcela nao nula de gr(A) = ⊕∞−∞Ai/Ai−1 e

justamente An0 . Suponhamos agora que Ak ⊆ B, para k ≥ n0. Mostremos que Ak+1 ⊆ B.

Seja y ∈ Ak+1. Ele possui um elemento correspondente y ∈ Ak+1/Ak. Como gr(A) e

finitamente gerado, podemos escrever

y =∑j

αjxi1 · · ·xs,

onde 1 ≤ i1, · · · , is ≤ r. Isto significa que y −∑

j αjxi1 · · ·xis ∈ Ak. Como, pela hipotese de

inducao, Ak ⊆ B e∑

j αjxi1 · · ·xis ∈ B, segue que y ∈ B.

Definicao 3.2.5. Seja A uma K-algebra filtrada por subespacos Ai, i ∈ Z, e seja M um

A-modulo a direita. Uma filtracao de M e uma sequencia de subespacos

· · · ⊆Mi−1 ⊆Mi ⊆Mi+1 ⊆ · · · , i ∈ Z,

tal que

Cap. 3 • Modulos e Algebras Filtrados e Graduados 29

Mi · Aj ⊆Mi+j para todo i, j ∈ Z, e M =⋃i∈Z

Mi.

Uma filtracao e finita se cada um dos espacos vetoriais Mi tem dimensao finita sobre K, e

e discreta se Mi = 0 para todo i < n0 para algum inteiro n0. O K-espaco vetorial

gr(M) =⊕i∈Z

Mi/Mi−1,

com a estrutura de gr(A)-modulo dada pela regra

(m+Mi−1) · (a+ Aj−1) = ma+Mi+j−1,

onde m e a sao elementos homogeneos de gr(M) e gr(A), respectivamente, e chamado

modulo graduado associado. A operacao se estende aos demais elementos de M por

linearidade.

De forma analoga a que vimos anteriormente, e possıvel mostrar que se o modulo graduado

associado de um modulo discretamente filtrado e finitamente gerado, entao o modulo original

tambem e finitamente gerado.

Seja A uma K-algebra com filtracao {Ai}i∈Z, e seja M um A-modulo a direita com

filtracao {Mi}i∈Z. Utilizando os homomorfismos canonicos

gri : Mi →Mi/Mi−1, defina gr(E) =⊕i∈Z

gri(E ∩Mi)

para qualquer subespaco E de M . Se E e um submodulo de M , e facil ver que gr(E) e

um gr(A)-submodulo de gr(M)gr(A). A aplicacao E → gr(E) preserva a ordem entre os

submodulos de MA e os submodulos de gr(M)gr(A). Se a filtracao e discreta, entao esta

aplicacao preserva inclusoes estritas, como veremos a seguir.

Sejam E e F submodulos de MA tais que E ⊆ F e gr(E) = gr(F ). Vamos assumir

que F \ E 6= ∅ e tome i minimal com relacao a propriedade de que existe um elemento

f ∈ F ∩Mi, f /∈ E - a existencia deste i e garantida pelo fato de a filtracao ser discreta.

Como gr(E) = gr(F ), temos que

gri(f) = f +Mi−1 = e+Mi−1 = gri(e)

Secao 3.2 • Algebras filtradas e graduadas 30

para algum e ∈ E. Portanto, f − e ∈ Mi−1. Como E ⊆ F , segue que f − e ∈ F . Pela

minimalidade de i, segue que f−e ∈ E, de onde decorre que f ∈ E, uma contradicao. Deste

fato segue o proximo resultado.

Proposicao 3.2.6. Seja A uma K-algebra filtrada, e seja M um A-modulo discretamente

filtrado. Se gr(M)gr(A) e noetheriano, entao MA e noetheriano.

Lema 3.2.7. Seja A uma K-algebra com uma filtracao {Ai}i∈Z, e seja M um A-modulo a

direita filtrado com filtracao {Mi}i∈Z. Entao

GKdim(gr(M)gr(A)) ≤ GKdim(MA).

Demonstracao: Seja W um subespaco de dimensao finita de gr(A) que contem 1, e seja F

um subespaco de dimensao finita de gr(M). Entao existe um subespaco V de A de dimensao

finita que contem 1 e um subespaco de dimensao finita E de M tal que W ⊆ gr(V ) e

F ⊆ gr(E). Entao

FW n ⊆ gr(E)gr(V )n ⊆ gr(E)gr(V n) ⊆ gr(EV n)

uma vez que

gr(EV n) =⊕i∈Z

(EV n ∩Mi) +Mi−1

Mi−1

∼=⊕i∈Z

(EV n ∩Mi)

(EV n ∩Mi−1),

e como dimK(EV n) < ∞, segue que dimK(FW n) ≤ dimK(EV n) para todo inteiro n > 0.

Pela definicao da dimensao de Gelfand-Kirillov para modulos, segue o resultado. �

Temos interesse especial no caso em que a desigualdade acima e uma igualdade.

Proposicao 3.2.8. Seja A uma K-algebra com filtracao finita {An}i∈Z tal que gr(A) e

finitamente gerado, e seja M um A-modulo a direita com filtracao discreta finita M =

{Mn}i∈Z tal que gr(M)gr(A)e finitamente gerado. Se dM := dimKMn, para n ∈ N, entao

G(gr(M)) = G(M) = G(dM) = G(dgr(M)),

e portanto, em particular,

GKdim(gr(M)gr(A)) = GKdim(MA) = lim logn dM(n).

Cap. 3 • Modulos e Algebras Filtrados e Graduados 31

Demonstracao: Por hipotese, existe um numero natural q tal que Mi = 0 para todo i < −q.Logo

gr(M)(n) =n⊕

i=−n

Mi

Mi−1

∼= Mn

como K-modulos, para todo n ≥ q, implicando que dM ≡ dgr(M), e consequentemente que

G(dM) = G(dgr(M)).

Pelo Lema 3.2.3 (b), temos que

G(gr(M)) = G(dgr(M)).

Segue das hipoteses que A e uma algebra finitamente gerada e que M e um A-modulo

finitamente gerado. Seja V um subespaco gerador de A, de dimensao finita e que contem

1, e seja E um subespaco de dimensao finita de M que gera M como A-modulo a direita.

Existe um numero natural p tal que V ⊆ Ap e E ⊆Mp . Entao

EV n ⊆MpAnp ⊆MpAnp ⊆M2pn para todon ≥ 1,

de forma que

dV,E(n) ≤ dM(2pn); portantoG(M) ≤ G(dM).

Por fim, temos do lema anterior que

G(gr(M)) = G(M).

O resultado acima e amplamente aplicavel pois, como o lema seguinte mostra, qualquer

modulo finitamente gerado sobre uma K-algebra filtrada possui uma filtracao tal que o

modulo graduado associado e finitamente gerado.

Lema 3.2.9. Seja A uma K-algebra com filtracao {Ai}i∈Z, e seja M um A-modulo finita-

mente gerado, M = EA, onde E e um subespaco de dimensao finita de M . Entao gr(M)gr(A),

o modulo graduado sob a filtracao {EAi}i∈Z, e finitamente gerado.

Secao 3.2 • Algebras filtradas e graduadas 32

Demonstracao: Seja x + EAi−1 ∈ EAi/EAi−1 um elemento homogeneo de gr(M). Se os

elementos e1, · · · , em constituem uma base para o espaco vetorial E ⊆ EA0, entao x =∑nj=1 ejaij com aij ∈ Ai. Portanto

x+ EAi−1 =n∑j=1

(ej + EA−1)(aij + Ai−1),

mostrando que os elementos ej + EA−1, 1 ≤ j ≤ r, geram gr(M) como gr(A)-modulo. �

Definicao 3.2.10. Seja A uma K-algebra com uma filtracao {Ai}i∈Z e seja M um A-modulo

finitamente gerado a direita, M = EA, para algum subespaco de dimensao finita E de M .

A filtracao {EAi}i∈Z e uma filtracao standard de M .

Pela Proposicao 3.2.8, o comportamento do crescimento de duas filtracoes discretas fini-

tas com modulos graduados associados finitamente gerados e essencialmente o mesmo para

qualquer A-modulo, onde A e uma K-algebra finitamente filtrada e gr(A) e finitamente ge-

rada. De fato, tais filtracoes do A-modulo a direita M estao ainda mais relacionadas, e sao

equivalentes no seguinte sentido.

Definicao 3.2.11. Sejam M = {Mi}i∈Z e N = {Ni}i∈Z duas filtracoes do A-modulo a

direita M , onde A e uma K-algebra filtrada. Entao M e N sao equivalentes se ha um

numero natural n tal que

Ni ⊆Mi+n e Mi ⊆ Ni+n para todo i ∈ Z.

Proposicao 3.2.12. Seja A = {Ai}i∈Z uma filtracao discreta finita de uma K-algebra A,

e sejam M = {Mi}i∈Z e N = {Ni}i∈Z duas filtracoes discretas finitas de um A-modulo a

direita M . Se gr(M)gr(A) e finitamente gerado, entao existe um numero natural n tal que

Mi ⊆ Ni+n para todo i ∈ Z.

Demonstracao: Como vamos assumir que todas as filtracoes sao discretas, existe um numero

natural q tal que

As = 0, e Ns = Ms = 0, ∀s < −q.

Como gr(M)gr(A) e finitamente gerado, existe um inteiro r ≥ q tal que

Cap. 3 • Modulos e Algebras Filtrados e Graduados 33

grM(M)(r) =r⊕

j=−q

Mj

Mj−1

e um subespaco gerador de dimensao finita. Como Mr possui dimensao finita, existe um

numero natural n tal que Mr ⊆ Nn−q. Portanto, se −q ≤ i ≤ r, entao n − q ≤ n + i e

consequentemente

Mi ⊆Mr ⊆ Nn−q ⊆ Ni+n.

Agora, seja i > r, e assuma que Mj ⊆ Nj+n ja foi estabelecido para j < i. Como

grM(M)(r) gera grM(M) como gr(A)-modulo, segue que

Mi

Mi+1

=r∑

j=−q

(Mj/Mj−1)(Ai−j/Ai−j−1),

e portanto que

Mi =r∑

j=−q

(MjAi−j) +Mi−1 ⊆r∑

j=−q

(Nj+nAi−j) +Ni−1+n ⊆ Ni+n.

E portanto o resultado segue por inducao. �

Corolario 3.2.13. Seja A uma K-algebra discreta e finitamente filtrada, e seja M um A-

modulo a direita. Entao duas filtracoes discretas finitas de M sao equivalentes, sempre que

seus modulos graduados associados sejam gr(A)-modulos a direita finitamente gerados.

Em particular, segue do corolario acima e do Lema 3.2.9 que qualquer filtracao

discreta e finita de um A-modulo finitamente gerado e equivalente a filtracao

standard.

Lema 3.2.14. Seja A = ⊕∞i=0Ai uma K-algebra graduada, gerada como algebra por A1, e

seja M = ⊕∞i=0Mi um A-modulo graduado a direita com um sistema de geradores homogeneos

{mλ}λ∈Λ tal que deg(mλ) ≤ n0 para algum n0 ∈ N. Entao

Mn+j = MnAj para todo n ≥ n0 e todo 0 ≤ j ∈ Z.

Secao 3.2 • Algebras filtradas e graduadas 34

Demonstracao: Seja n ≥ n0, e seja m ∈ Mn+1. Entao m =∑

λ∈Λ0mλaλ para um sub-

conjunto finito Λ0 de Λ, e podemos supor que os elementos aλ ∈ A sao homogeneos de

grau n + 1 − deg(mλ). Como a algebra A e gerada por A1, e como deg(Aλ) ≥ 0 para cada

λ ∈ Λ0, cada aλ e uma soma de termos da forma cb com b ∈ A1 e um elemento c ∈ A que e

homogeneo de grau n − deg(mλ). Logo m ∈ MnA1, portanto Mn+1 = MnA1, e o resultado

segue por inducao. �

Como vimos no inıcio deste capıtulo, a dimensao de Gelfand-Kirillov nem sempre e exata.

Como a exatidao e a chave no estudo de inumeros resultados relacionados a estrutura de

algebras, o teorema seguinte e importante para o estudo de algebras noetherianas.

Teorema 3.2.15. Seja A = {Ai}i∈Z uma filtracao discreta finita de uma K-algebra A, tal

que a algebra graduada associada grA(A) e finitamente gerada e noetheriana a direita. Entao

GKdim(M) = max{GKdim(N), GKdim(P )}

para toda sequencia exata 0 → N → M → P → 0 de A-modulos a direita finitamente

gerados.

Demonstracao: Como MA e finitamente gerado, M = EA para um subespaco E de di-

mensao finita. Seja M = {EAi}i∈Z a filtracao canonica resultante. Pelo Lema 3.2.9, o

modulo graduado associado grM(M) e finitamente gerado e, portanto, noetheriano, pois

gr(A) e noetheriano a direita por hipotese. As filtracoes induzidas

N = {Mi ∩N}i∈Z e P =

{Mi +N

N

}i∈Z

levam a sequencia exata

0→ grN (N)→ grM(M)→ grP(P )→ 0

de gr(A)-modulos graduados a direita. Como grM(M) e noetheriano, grN (N) e grP(P ) sao

finitamente gerados. Note que todas as filtracoes sao finitas e que

dM(n) = dimK(Mn) = dimK(Mn ∩N) + dimK((Mn +N)/N) = dN (n) + dP(n)

Cap. 3 • Modulos e Algebras Filtrados e Graduados 35

para qualquer numero natural n. Segue do Lema 1.2.1 e da Proposicao 2.1.2 que

lim logn dM(n) = max{lim logn dN (n), lim logn dP(n)}

Pela Proposicao 3.2.8, temos

GKdim(MA) = GKdim(grM(M)gr(A)) = lim logn dM(n)

= max{lim logn dN (n), lim logn dP(n)}

= max{GKdim(grN (N)gr(A)), GKdim(grP(P )gr(A))}

= max{GKdim(NA), GKdim(PA)}. �

CAPITULO 4

ALGEBRAS

QUASE-COMUTATIVAS

4.1 Algebras quase-comutativas

Definicao 4.1.1. Uma K-algebra e quase-comutativa se existe uma filtracao

A0 ⊆ A1 ⊆ · · · ⊆∞⋃i=0

Ai = A

tal que

(a) A0 = K.

(b) A1 tem dimensao finita e Ai = Ai1 para todo i ≥ 1.

(c) A algebra graduada associada

gr(A) =∞⊕i=0

AiAi−1

e comutativa.

36

Cap. 4 • Algebras quase-comutativas 37

Pelo Teorema 3.2.15, o resultado seguinte mostra que a dimensao de Gelfand-Kirillov e

exata para modulos finitamente gerados sobre uma algebra quase-comutativa.

Teorema 4.1.2. Seja A uma K-algebra quase-comutativa com respeito a filtracao A =

{Ai}∞i=0. Entao

(a) grA(A) e uma algebra comutativa noetheriana finitamente gerada.

(b) A e noetheriano a esquerda e a direita.

Demonstracao: (b) decorre de (a) pela Proposicao 3.2.6. Como uma algebra, gr(A) e gerada

por A1/A0, e cada Ai/Ai−1 e gerado pelas palavras de comprimento i compostas por finitos

elementos da base o espaco vetorial A1/A0. Entao existe um homomorfismo de K-algebras

graduadas da algebra simetrica S = S(A1/A0) sobre gr(A). S e noetheriano pelo Teorema

da Base de Hilbert, logo gr(A) e noetheriano. �

Exemplo 4.1.3. Seja An = An(K) a n-esima algebra de Weyl com geradores x1, · · · , xn, ∂1, · · · , ∂n.

Um elemento a ∈ An pode ser escrito unicamente como uma combinacao linear finita de

monomios

xi11 · · ·xinn ∂j11 · · · ∂jnn ,

onde os expoentes sao inteiros nao-negativos. O grau de tal monomio e a soma de seus

expoentes, e o grau deg(a) do elemento a e o maior valor que ocorre como um dos graus

dos monomios que compoem a. Isto nos da uma filtracao natural de An por subespacos de

dimensao finita

M0 = K, Mi = {a ∈ An, deg(a) ≤ i}.

Esta filtracao e chamada filtracao de Bernstein de An.

Teorema 4.1.4. A algebra graduada gr(An) segundo a filtracao de Bernstein e isomorfa ao

anel de polinomios sobre K em 2n variaveis.

Secao 4.1 • Algebras quase-comutativas 38

Demonstracao: Para i = 1, · · · , n, sejam yi = gr1(xi) e yi+n = gr1(∂i). Dividiremos a prova

em tres partes.

Primeiro passo: gr(An) e gerado por y1, · · · , y2n como K-algebra.

E suficiente mostrar este fato para os elementos homogeneos de gr(An). Mas um elemento

homogeneo de gr(An) e da forma grk(d) para algum elemento d em An de grau k. Porem d

e uma combinacao linear de monomios xα∂β, com |α|+ |β| ≤ k. Se |α|+ |β| = k, entao

grk(xα∂β) = (yα1

1 · · · yαnn )(yβ1n+1 · · · yβn2n ).

Portanto grk(d) e combinacao linear de monomios de grau k em y1, · · · , y2n, como querıamos

demonstrar.

Segundo passo: gr(An) e um anel comutativo.

Como gr(An) e gerado por y1, · · · , y2n, precisamos mostrar apenas que estes elementos

comutam em gr(A). Para i = 1, · · · , n, temos que yiyi+n = gr2(xi∂i) e yi+nyi = gr2(∂ixi).

Como ∂ixi = xi∂i + 1, segue que

gr2(∂ixi) = gr2(xi∂i),

e portanto yjyi+n = yi+nyj. Alem disso, para j 6= i + n, temos que yiyi+n = yi+nyi uma vez

que os elementos correspondentes comutam em An.

Seja K[zi, · · · , z2n] o anel de polinomios em 2n variaveis. Os dois passos anteriores nos

permitem definir um homomorfismo sobrejetor de aneis

φ : K[zi, · · · , z2n]→ gr(An)

por φ(zi) = yi. Como os z possuem grau 1 em K[zi, · · · , z2n] e os y possuem grau 1 em

gr(An), φ e um homomorfismo graduado de K-algebras.

Terceiro passo: φ e injetor

Seja F ∈ K[zi, · · · , z2n], e suponha que φ(F ) = 0. Como φ e um homomorfismo graduado,

podemos assumir que F e um polinomio homogeneo. Seja

F (y1, · · · , y2n) =∑

cαβyα11 · · · yαnn · y

β1n+1 · · · y

βn2n ,

onde α1 + · · ·+ αn + β1 + · · ·+ βn = k. Defina um operador d de An pela formula

Cap. 4 • Algebras quase-comutativas 39

d =∑

cαβxα11 · · ·xαnn · ∂

β11 · · · ∂βnn .

Logo, grk(d) = F (y1, · · · , y2n).

Se grk(d) = φ(F ) = 0, entao d ∈ Mk−1. Portanto d pode ser escrito como combinacao

linear de monomios xα∂β com |α| + |β| < k. Portanto, pela Proposicao 2.3.4, todos os cαβ

acima sao iguais a zero. Portanto F e o polinomio nulo e φ e injetor, como querıamos. �

Como ja foi mencionado, a dimensao de Gelfand-Kirillov e exata para modulos graduados

sobre uma algebra polinomial comutativa A. Como modulos finitamente gerados possuem

crescimento polinomial, mostraremos que GKdim(M) e um inteiro positivo (ou −∞, se

M = 0). O ponto de partida e um teorema classico, enunciado por Hilbert, sobre modulos

graduados sobre algebras quase-comutativas. A prova dada e devida a Serre. Os polinomios

que surgem sao chamados polinomios de Hilbert-Samuel.

Teorema 4.1.5. Seja A = K[x1, · · · , xr] uma algebra polinomial comutativa, vista como

uma algebra graduada A = ⊕∞i=0Ai via a graduacao usual, e seja M = ⊕∞i=0Mi um A-modulo

graduado finitamente gerado.

(a) Cada Mi e um K-espaco vetorial de dimensao finita.

(b) Para n suficientemente grande, dimKMn e um polinomio em n de grau ≤ r − 1 com

coeficientes racionais.

(c) Para numeros naturais n ∈ N suficientemente grandes,

dM(n) := dimK(M0 ⊕ · · · ⊕Mn)

e um polinomio em n de grau ≤ r com coeficientes racionais.

Demonstracao: Para mostrar (a), seja {m1, · · · ,ms} um conjunto de geradores homogeneos

de M . Para qualquer numero natural q, um conjunto finito de geradores do K-modulo Mq e

obtido ao considerar, para cada j = 1, · · · , s todos os elementos mjµjl, onde µjl varia entre

todos os monomios em x1, · · · , xr de grau q − deg(mj).

Secao 4.1 • Algebras quase-comutativas 40

(b) Vamos proceder por inducao sobre r. Se r = 0, entao A = K, e como M e finitamente

gerado, Mn = 0 para n suficientemente grande. Logo a afirmacao vale se fixarmos o grau

−1 para o polinomio nulo.

Para r > 0, defina

θ : M →M por θ(m) = xrm.

Entao θ e um homomorfismo de grau 1 do A-modulo graduado M em si mesmo. Considere

a sequencia exata

0→ K →Mθ→M → C → 0,

de A-modulos graduados, onde K = Ker(θ) e C = Coker(θ).

Para cada n, temos induzida uma sequencia exata de K-homomorfismos para as compo-

nentes homogeneas

0→ Kn →Mnθ→Mn+1 → Cn+1

Como M e noetheriano, C e K sao finitamente gerados, e sao modulos sobre a algebra

K[x1, · · · , xr−1] ∼=K[x1, · · · , xr]

(xr),

pois xrC = 0 = xrK.

Pela hipotese de inducao,

dimKKn e dimKCn+1

sao polinomios em n de grau menor ou igual a r − 2, se n e suficientemente grande. Agora

dimKCn+1 = dimK

(Mn+1

θ(Mn)

)= dimK(Mn+1)− dimK

(Mn

Kn

)= dimK(Mn+1)− dimK(Mn) + dimK(Kn),

pelo Teorema dos Isomorfismos. Logo

Cap. 4 • Algebras quase-comutativas 41

dimK(Mn+1)− dimK(Mn) = dimK(Cn+1)− dimK(Kn)

e um polinomio de grau ≤ r − 2 para n suficientemente grande. Portanto dimK(Mn) e um

polinomio de grau ≤ r − 1 pelo Lema 1.1.6 (b).

(c) Segue do ıtem anterior e do Lema 1.1.6 (b). �

Corolario 4.1.6. Seja A = ⊕∞i=0Ai uma K-algebra comutativa tal que A0 = K e A1 seja um

subespaco gerador de dimensao finita para A, e seja M = ⊕∞i=0Mi um A-modulo graduado

finitamente gerado. Entao, para valores suficientemente grandes de n,

dM(n) := dimK(M0 ⊕M1 ⊕ · · · ⊕Mn)

e um polinomio em n com coeficientes racionais e de grau GKdim(M).

Demonstracao: A algebraA e imagem homomorfa de S(A1), a algebra simetrica em dimKA1

geradores. Logo M e um modulo graduado finitamente gerado sobre uma algebra polinomial

comutativa e a primeira assercao segue do Teorema 4.1.5. Note que como A ∼= S(A1)I

, para

algum I ⊂ S(A1), entao M visto como S(A1)-modulo satisfaz MI = 0. Pela Proposicao

3.1.3 (c), temos que

GKdim(MA) = GKdim(MS(A1)),

e pelo Lema 3.2.3 (b) este numero e igual ao grau do polinomio dM . �

Definicao 4.1.7. Seja A uma K-algebra quase-comutativa com respeito a filtracao A =

{Ai}i∈N, e seja M um A-modulo a direita com filtracao M = {Mi}i∈N tal que o modulo

graduado associado grM(M) e finitamente gerado. Para valores suficientemente grandes de

n, a funcao

dM(n) = dimKMn = dimK

(M0 ⊕

M1

M0

⊕ · · · ⊕ Mn

Mn+1

)= dgrM(M)(n)

e um polinomio em n com coeficientes racionais, chamado polinomio de Hilbert-Samuel

de M com respeito as filtracoes A e M. Se dM(n) e escrito como

dM(n) = ad

(n

d

)+ ad−1

(n

d− 1

)+ · · ·+ a1

(n

1

)+ a0,

Secao 4.1 • Algebras quase-comutativas 42

entao e(M) = eA,M := ad e chamado numero de Bernstein de M.

Segue da Proposicao 3.2.8 que GKdim(MA) e o grau de dM. No entanto seu formato

particular pode depender de A e M, mas:

• o grau do polinomio de Hilbert-Samuel de M nao depende das filtracoes escolhidas

para A e M ,

desde que eles estejam especificados como na definicao. Note que o numero de Bernstein

tambem pode ser escrito como

(coeficiente dominante de dM(n)).(GKdim(M))!

Dadas duas filtracoes M = {Mi}i∈N e N = {Ni}i∈N de M tais que os modulos grM(M)

e grN (N) sao finitamente gerados (e portanto noetherianos, pois A e noetheriano pela Pro-

posicao 4.1.2), entaoM e N sao equivalentes pelo Corolario 3.2.13. Logo existe um numero

natural q tal que

Nn ⊆Mn+q e Mn ⊆ Nn+q para qualquer n ∈ N.

Se eM(M) e eN (M) sao os respectivos numeros de Bernstein, entao para valores sufici-

entemente grandes de n temos que

dN (n) = eN (M)

(n

d

)+ (termos de grau < d)

=eN (M)

d!nd + (termos de grau < d)

≤ dM(n+ q) = eM(M)

(n+ q

d

)+ (termos de grau < d)

=eM(M)

d!nd + (termos de grau < d),

e disso segue que eN (M) ≤ eM(M). Um argumento simetrico nos da a desigualdade reversa.

Portanto eN (M) = eM(M). Logo,

• o numero de Bernstein de M nao depende da filtracao particular escolhida para M .

Cap. 4 • Algebras quase-comutativas 43

Consequentemente denotaremos o numero de Bernstein por e(M), porem, estritamente

falando, deve ser feita referencia a filtracao de A, pois o seguinte exemplo mostra que

• o numero de Bernstein depende da filtracao particular de A.

Exemplo 4.1.8. Seja A = K[x] e sejam A = {An}n∈N e B = {Bn}n∈N duas filtracoes de A,

dadas por

An = K + Kx+ · · ·+ Kxn, Bn = K + Kx+ · · ·+ Kx2n, para n ≥ 1.

Seja M = AA, e tome o subespaco gerador E = K de M . Sejam

M = {EAn}n∈N e N = {EBn}n∈N

as filtracoes standard resultantes de M . Entao

dM(n) = dimK(EAn) = dimK(An) = n+ 1; logo eA(M) = 1.

Por outro lado,

dN (n) = dimK(EBn) = dimK(Bn) = 2n+ 1; logo eB(M) = 2.

Note que em ambos os casos o numero de Bernstein e um inteiro positivo. Pelo Lema

1.1.6 (d), isto sempre ocorre.

Seja A uma algebra quase-comutativa, e seja

0→ L→Mφ→ N → 0

uma sequencia exata curta de A-modulos a direita finitamente gerados. Sabemos do Teorema

3.2.15 que

GKdim(M) = max{GKdim(L), GKdim(N)}.

Alem disso, seM = {Mn}n∈N e uma filtracao standard de M , ou, de fato, e uma filtracao

para a qual o modulo graduado associado e finitamente gerado, e se L = (L ∩Mn)n∈N e

N = (φ(Mn))n∈N sao filtracoes induzidas sobre L e N , respectivamente, entao

Secao 4.1 • Algebras quase-comutativas 44

dM(n) = dimK(Mn) = dimK(Mn ∩N) + dimK((Mn +N)/N) = dL(n) + dN (n)

para todo n ∈ N. Como dM, dL e dN sao polinomios em n para valores suficientemente gran-

des de n, a exatidao da dimensao de Gelfand-Kirillov para A-modulos finitamente gerados

segue trivialmente, e a parte (c) do teorema seguinte tambem vale. Entretanto, a filtracao Linduzida sobre L por uma filtracao standard M de M nao e necessariamente uma filtracao

standard.

Como e vantajoso trabalhar com filtracoes standard, a primeira parte do resultado se-

guinte e importante.

Teorema 4.1.9. Seja A uma K-algebra quase-comutativa, e seja

0→ L→Mφ→ N → 0

uma sequencia exata curta de A-modulos a direita finitamente gerados. Entao

(a) Ha filtracoes standard L, M e N de L, M e N , respectivamente, tais que dM(n) =

dN (n) + dL(n) para todo n ∈ N.

(b) GKdim(M) = max{GKdim(L), GKdim(N)}.

(c) Uma das seguintes relacoes e valida:

GKdim(L) < GKdim(M) = GKdim(N), e(M) = e(N);

GKdim(N) < GKdim(M) = GKdim(L), e(M) = e(L);

GKdim(L) = GKdim(M) = GKdim(N), e(M) = e(L) + e(N).

Demonstracao: Como dL, dM e dN sao polinomios em n para valores de n suficientemente

grandes, e claro que (b) e (c) seguem de (a). Seja A = {An}n∈N a filtracao que torna A

quase-comutativa, seja E um subespaco gerador de dimensao finita para M , e defina

Mn := EAn, Ln := L ∩Mn, e Nn := φ(Mn) = φ(E)An.

Apesar de M = {Mn}n∈N e N = {Nn}n∈N serem filtracoes standard de M e N , res-

pectivamente, L = {Ln}n∈N nao e uma filtracao standard de L em geral. Vamos construir

Cap. 4 • Algebras quase-comutativas 45

uma nova filtracao standard para M de modo que todas as filtracoes induzidas tambem sao

standard, e isto conclui o argumento. Notemos que para cada n ha uma sequencia exata

0→ Ln →Mn → Nn → 0

de K-modulos; entao obtemos a sequencia exata

0→ grL(L)→ grM(M)→ grN (N)→ 0

de gr(A)-modulos graduados a direita. Como gr(A) e um anel noetheriano, e como grM e um

gr(A)-modulo a direita finitamente gerado, segundo o Lema 3.2.9, grM(M) e noetheriano;

portanto grL(L) e finitamente gerado por, digamos,

L0 ⊕L1

L0

⊕ · · · ⊕ LmLm−1

.

Entao

LnLn−1

=

(LmLm−1

)·(

An−mAn−m−1

)para todon ≥ m

pelo Lema 3.2.14; portanto

Ln = LmAn−m + Ln−1.

Afirmamos que

Ln = LmAn−m, paran ≥ m.

De fato, primeiramente, para n = m, temos Lm = LmA0 +Lm−1. Mas Lm−1 = Lm−1.1 ⊆LmA0, pois L e filtracao. Agora suponhamos que o resultado vale para n = k − 1 ≥ m e

mostremos que vale para n = k. Temos que Lk = LmAk−m+Lk−1. Pela hipotese de inducao,

Lk−1 = LmAk−m−1 ⊆ LmAk−m, de onde segue que Lk ⊆ LmAk−m, concluindo a afirmacao.

Notemos agora que Lm e um subespaco gerador de dimensao finita de L. Agora escolhe-

mos novas filtracoes para M , N e L definindo

M∗0 = Mm, N

∗0 = φ(Mm) = φ(M0), L∗0 = Lm,

Secao 4.1 • Algebras quase-comutativas 46

e, para n ≥ 1,

M∗n = M∗

0An = Mm+n

N∗n = N∗0An = φ(M∗n)

L∗n = L∗0An = LmAn = Lm+n = L ∩M∗n.

Estas sao todas filtracoes standard, e as filtracoes de L e N sao induzidas pela nova

filtracao de M . �

Corolario 4.1.10. Seja A uma K-algebra quase-comutativa, e seja M um A-modulo a direita

finitamente gerado com GKdim(M) = d e numero de Bernstein e(M). Seja

M = M0 ⊃M1 ⊃ · · · ⊃Mi ⊃Mi+1 ⊃ · · · ⊃Mn

uma cadeia estritamente descendente de submodulos com

GKdim(Mi/Mi+1) = d para 0 ≤ i ≤ n− 1.

Entao

(a) e(M/Mi) =i−1∑j=0

e(Mj/Mj+1).

(b) n ≤ e(M).

Demonstracao: (a) O resultado sera provado por inducao sobre n. Para n = 1, nao ha o

que provar. Suponhamos que o resultado tenha sido provado para cadeias de tamanho k.

Para n = k + 1, consideremos a seguinte sequencia exata:

0→ Mk

Mk+1

→ M0

Mk+1

→ M0

Mk

→ 0.

Por hipotese, GKdim(Mk/Mk+1) = GKdim(M0/M1) = d. Logo, pelo Teorema 4.1.9 (b),

segue-se por inducao que GKdim(M0/Mk) = d. E portanto, pelo ıtem (c) do Teorema 4.1.9,

e(M0/Mk+1) = e(M0/Mk) + e(Mk/Mk+1) =k∑j=0

e(Mj/Mj+1).

Cap. 4 • Algebras quase-comutativas 47

(b) Pelo Lema 1.1.6 (b), o numero de Bernstein de um modulo nao nulo e um inteiro

positivo, logo

e(Mj/Mj+1) ≥ 1 para 0 ≤ j ≤ n− 1.

Logo,

n ≤n−1∑j=0

e(Mj/Mj+1) = e(M/Mn) ≤ e(M)

pela parte (a) e pelo Teorema 4.1.9 (c). �

4.2 A dimensao de Gelfand-Kirillov de An-modulos

Como provamos no Teorema 4.1.4, a algebra graduada associada de An com respeito a

filtracao de Bernstein e a algebra polinomial K[x1, · · · , xn, y1, · · · , yn], logoGKdim(An) = 2n

(notemos que An satisfaz as hipoteses da Proposicao 3.2.8), como ja sabıamos.

Queremos agora mostrar a desigualdade de Bernstein para An, segundo a qual

GKdim(M) ≥ n para todo An-modulo M nao nulo.

Lema 4.2.1. Sejam A ⊆ B K-algebras quase-comutativas com respeito as filtracoes induzi-

das pelos subespacos geradores V ⊆ W , respectivamente. Seja M um B-modulo finitamente

gerado com GKdim(MB) = d e numero de Bernstein eB(M). Se N e um A-submodulo

fiinitamente gerado de M , entao

(a) GKdim(NA) ≤ d

(b) GKdim(NA) = d implica que eA(N) ≤ eB(N).

Demonstracao: (a) Escolha subespacos geradores de dimensao finita N0 ⊆ M0 para NA e

MB respectivamente e defina Nn = N0Vn, Mn = M0W

n. Entao Nn ⊆Mn para todo n, logo

GKdim(NA) = lim logn dimK(Nn)

≤ lim logn dimK(Mn) = GKdim(MB) = d.

Secao 4.2 • A dimensao de Gelfand-Kirillov de An-modulos 48

(b) Se GKdim(NA) = GKdim(MB), entao para valores suficientemente grandes de n

temos que dimK(Nn) e dimK(Mn) sao polinomios em n de grau d e coeficientes dominan-

tes eA(n)/d! e eB(n)/d!, respectivamente. Logo, como dimK(Nn) ≤ dimK(Mn), segue que

eA(N) ≤ eB(M).

O Lema de Quillen e essencial na prova da desigualdade de Bernstein para a dimensao

de An-modulos.

Lema 4.2.2. ([6], pagina 171) Se M e um modulo de comprimento finito sobre uma K-

algebra quase-comutativa A, entao EndA(M) e algebrico sobre K.

Teorema 4.2.3. Se M e um modulo nao nulo a direita sobre a algebra de Weyl An, entao

GKdim(M) ≥ n.

Demonstracao: Por inducao em n. O caso n = 1 e o [Corolario 7.13, pagina 84, [4]], o

qual nao iremos demonstrar pois foge do objetivo desta dissertacao, uma vez que utiliza a

dimensao de Krull nao comutativa de um modulo M . Assuma que para n ≥ 2 qualquer

An−1-modulo possui dimensao de Gelfand-Kirillov pelo menos n − 1. A algebra de Weyl

B = An gerada por x1, · · · , xn, y1, · · · , yn contem

A = An−1 = K[x1, · · · , xn−1, y1, · · · , yn−1] e C = A1 = K[xn, yn]

como subalgebras. Suponha que M e um B-modulo a direita nao nulo e finitamente gerado

com GKdim(MB) < n, e seja N um A-submodulo nao nulo finitamente gerado de M . Segue

da hipotese de inducao que

n− 1 ≤ GKdim(NA) ≤ GKdim(MA) ≤ GKdim(MB) < n,

logo

GKdim(NA) = GKdim(MB) = n− 1.

Logo, pelo Lema 4.2.1, eA(N) ≤ eB(M). Como todo A-modulo diferente de 0 possui

dimensao de Gelfand-Kirillov pelo menos n − 1, por inducao, o Corolario 4.1.10 mostra

que N possui serie de composicao de comprimento, no maximo, eB(M). Mas N e um A-

submodulo finitamente gerado arbitrario de M . Logo isso implica que MA possui serie de

Cap. 4 • Algebras quase-comutativas 49

composicao de comprimento no maximo eB(M), e portanto EndA(M) e algebrico sobre K,

pelo Lema de Quillen. Como os elementos de C comutam com os elementos de A, afirmamos

que a algebra C esta mergulhada em EndA(M). De fato, consideremos a aplicacao

Φ : C → EndAM c 7→ ψc(x) = xc

e mostremos que ela e um mergulho.

(a) Φ preserva adicao

Sejam c, d ∈ C. Entao, para todo x ∈M ,

Φ(c+ d) = ψc+d(x) = x(c+ d) = xc+ xd = ψc(x) + ψd(x) = Φ(c) + Φ(d).

(b) Φ preserva multiplicacao por escalar.

Seja c ∈ C, α ∈ A. Entao, para todo x ∈M ,

Φc(xa) = xac = xca = Φc(x) · a,

uma vez que c comuta com todo elemento de A.

(c) Φ e injetor.

Queremos mostrar que KerΦ = 0. Seja c ∈ KerΦ. Isto significa que xc = 0 para todo

x ∈M . Portanto, c ∈ r(M), o anulador a direita de M . Mais ainda, xλc = 0 para todo

x ∈ A, uma vez que c comuta com todos os elementos de A. Logo r(M) e um ideal

bilateral de A. Porem, A e simples e Φ nao e identicamente nula (uma vez que Φ(1) e a

aplicacao identidade em M . Portanto r(M) = 0, ou seja, c = 0).

Porem, a existencia desse mergulho e uma contradicao, uma vez que C = A1 nao e

algebrico sobre K. �

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

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