manual da fotografia básica

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    MANUAL DE FOTOGRAFIA E

    CINEMATOGRAFIA BSICAPor Filipe Salles

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    Manual de Fotografia e Cinematografia Bsica Prof. Filipe Salles 2004 - 2 -

    PARTE 1 - FOTOGRAFIA

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    INTRODUOSempre foi natural do homem procurar o registro puro e simples dos

    acontecimentos sua volta. As pinturas rupestres das cavernas pr-histricas, os primeirosregistros visuais e tentativas de escrita, bem como as inscries hieroglficas do antigo

    Egito e imediaes, so testemunho desta necessidade, desde os mais remotos tempos.Mas, uma vez dominada a tcnica do registro atravs do desenho, o homem passouento a desenvolver uma dimenso esttica destes registros, que preocupava-se noapenas com a simples representao, mas uma representao que traduzisse a idia dobelo, do aprazvel, da harmonia. A essa dimenso esttica da representao denominou-se ARTE.

    Portanto, pode-se considerar razovel que h muito tempo o homem busca imitarsuas aes em simulacros, sendo tanto uma necessidade scio-cultural como religiosa. E,por vezes, ambas, pois na antigidade no havia dissoc ia o entre a vida soc ial e a vidaespiritual em muitas sociedades. Esse foi o primeiro conceito de esttica, pois a busca dobelo e perfeito representava a busca pela prpria divindade. Posteriormente, muitos ritose smbolos deste conhecimento milenar foram se perdendo e a representao passou a

    ser, para a maioria das pessoas, apenas uma curiosidade histrica, um elo de umacorrente no desenvolvimento cronolgico da arte, ou ainda a depositria de certastradies, nica forma de mant-las vivas. Atualmente, s temos conhecimento daexistncia desses rituais e de uma simbologia antiga atravs de suas reprodues visuais.

    Isso no se d por mera coincidncia. Diversos estudos recentes sobre psicologia,especialmente sua ramifica o visual (gestalt) apontam de maneira contundente para opotencial sinttico que encerram certas imagens, ou seja, modelos e smbolos visuais socapazes de armazenar uma grande quantidade de informao, em pouco espao.Exemplo disso a escrita ideogrfica oriental, em especial a chinesa e a japonesa.Existem ideogramas bsicos que encerram determinados significados, e um sem-nmerode outros ideogramas podem ser formados a partir da superposio de dois ou maissignificados, depositando num nico smbolo um determinado conhecimento. umaescrita sensvel, cuja inteligibilidade depende da sensibilidade em interpretar

    combinaes simblicas. A ns parece coisa de outro mundo, mas h milnios que aescrita oriental praticada desta maneira. De mesma estrutura parece ser constitudo osonho, que, segundo Freud e mais tarde J ung, so tradues simblicas de imagensinconscientes, podendo uma nica imagem arquetpica traduzir toda a psiqu de umindivduo.

    Portanto, um nico smbolo visual capaz de armazenar um conhecimento muitogrande, que tomaria um enorme tempo e espao se fosse guardado e transmitido porpalavras (Poderia vir da o dito popular uma imagem vale mil palavras? ).

    De qualquer maneira, no h como negar o fascnio que a imagem exerce sobrens, um maravilhamento que vai da simples constatao de verossimilhana at aadmira o esttica mais profunda, um canal de transmisso de conhecimento, emoese idias. Onde reside esta magia?

    Os gregos foram, sem dvida, os primeiros a teorizarem sobre a natureza darepresentao artstica, seu valor e sua utilidade. Pitgoras, por exemplo, via na msica amanifestao artstica da matemtica.

    Mas um dos primeiros estudos registrados, sobre a qualidade dos simulacros, bemcomo sua funo esttica, poltica, social e religiosa, foi enunciado pelo filsofo gregoAristteles (500ac) em uma obra denominada Potic a. Embora tenha como ponto departida a anlise da tragdia, sabido que, para o homem grego, a arte potica noera limitada , como hoje, literatura. Pois poeta, do grego po ie t es, significa aquele quefaz, e a potica, poiesis, capacidade criadora. Assim, todo o poeta era um arteso, que

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    criava, fazia, e sua rea de atuao abrangia diversas instncias do conhecimento,desde o artesanato at a msica, pintura, artes dramticas e literrias. Mas, para adentrarna esfera esttica, ser chamado artista (tal como hoje conhecemos) era preciso mais:era preciso sentir. Da o termo e sttic a, que vem do grego a isth e sis, sentir. Aristteles viana potica (que para os gregos subentendia a manifestao dramtica, literria epotica propriamente dita) a mimese da sociedade.

    Mas quanto imagem, Plato deu-nos os princpios bsicos, vlidos at hoje, docomportamento esttico frente s artes visuais, e que atualmente inclui a fotografia e ocinema.

    Para Plato, existem dois tipos de imagem: uma objetiva, detectada por nossossentidos da conscincia, e outra subjetiva, advinda de uma idia, de um pensamento. Anecessidade desta subdiviso entre o mundo real e o mundo das idias partiu dapremissa de que tudo o que existe no mundo real fruto do mundo das idias. Embora osatributos filosficos desta premissa quanto ao mundo natural sejam deveras complexos enecessitariam de um estudo especfico para tal, podemos nos fixar, para fins do presenteestudo, nas artes, da qual a fotografia faz parte1. No campo da arte, bastante c laro quetoda a produo artstica provm de uma idia, e manifestada no objeto de arte peloarteso competente para tal. A idia, portanto, antecede a realidade esttica, e nelasitua-se a matriz criadora de toda e qualquer manifestao artstica. A importncia desteconhecimento para nossa finalidade se faz evidente quando temos que produzir ouentender uma obra de esprito artstico, pois s conseguimos chegar a algum resultado nacompreenso ou produo de uma obra se tentarmos detectar e interagir com essamatriz. A colocao em evidncia desta pequena gota, tirada do oceano platnico deconhecimento, ser para ns importantssima no decorrer de um curso de fotografia ecinema, pois aqui est um pequeno compndio tcnico que precisar desta chave paraser posto em prtica enquanto manifestao esttica, tanto para a produo da artefotogrfica quanto para sua aprec iao.

    Mas Plato no pra suas reflexes neste ponto; temos tambm a advertnciasobre a iluso das imagens que fez, pouco antes, em sua Repblica. Este poder daimitao (mimese), ou at melhor, da imitao estilizada, esttica, foi estudado no spelo prprio Plato (mestre de Aristteles) mas tambm, depois, por todos os demais

    filsofos que se dedicaram de alguma forma arte e sua essncia.Bem ou mal utilizada, a imagem artstica, quer esttica (como na pintura oufotografia), quer dinmica (como no teatro ou cinema), uma arma capaz de alterarhbitos, costumes, opinies e modos de vida de muitos, simultaneamente; sem dvidauma poderosa arma poltica e ideolgica.

    O partido nazista alemo, o soviete supremo e o exrcito americano se utilizaramlargamente de propaganda cinematogrfica durante seus conflitos exteriores e interiores,s para citar alguns exemplos extremos. Mas, se nos detivermos em uma anlise maisabrangente, no h nenhuma imagem produzida no mundo que no contenha algumtipo de inteno ideolgica. Mas, evidentemente, no podemos nos esquecer que aimagem em si no boa nem ruim, ns que a revestimos de significado, e da semprebom recordar a responsabilidade que temos ao produzir imagens.

    Isso tudo apenas um breve panegrico que nos introduz na questo da imagem: ela que parece exercer maior fascnio sobre as pessoas, tanto na fotografia como nocinema.

    Do ponto de vista da fotografia, sua expresso na sociedade humana como umtodo eminente tanto como registro documental quanto artstico. Tal fato estprovavelmente ligado, filosoficamente, ao mundo de idias perfeitas a que todos,consciente ou inconscientemente, buscamos, o mundo platnico. A fotografia seria o

    1A colocao da fotografia enquanto arte no foi simples; muita teoria esttica foi posta emdiscusso at que tenha havido um consenso sobre sua natureza artstica.

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    simulacro mais prximo desta idia de representao visual que gera verossimilhanadireta com o objeto fotografado.

    Da mesma maneira, o cinema o simulacro mais prximo considerando omovimento, a dinmica das aes humanas, e que, de certa forma, cumpre na mesmamedida a funo que a tragdia grega exercia sobre sua poca. O cinema ,igualmente, uma confluncia de vrias artes que se combinam num todo orgnico

    disposto segundo um objetivo ou inteno narrativa, tal como a potica grega. Ademais,se analisarmos diversas estruturas narrativas cinematogrficas, no so poucos os filmesem que se reconhece a mesma estrutura trgica descrita por Aristteles h mais de doismil anos atrs.

    Entrementes, o ideal fotogrfico e cinematogrfico s foi possveltecnologicamente muito tempo depois de Plato, mas pode-se considerar a inveno dafotografia como um marco revolucionrio, tanto do ponto de vista esttico/filosficocomo do ponto de vista social e histrico.

    Assim, a fotografia e o cinema tm razes comuns, no apenas tecnicamente, umavez que o cinema uma sucesso de fotogramas, mas tambm filosoficamente. Amesma busca pela verossimilhana da representao ideal, de onde decorre o valoresttico da arte, foi alcanada pela fotografia no eixo do espao, e pelo cinema no eixodo tempo, complementando-se.

    Este pequeno manual tem por objetivo dar ao aluno uma noo do quanto afotografia e o cinema esto unidos pela mesma razo esttica. Como se trata de ummanual tcnico, fotografia e cinematografia caminham lado a lado, apesar dasseparaes capitulares, meramente didticas, pois se trata de um conjunto onde cadaelemento importante e imprescindvel na sua funo.

    Filipe Salles,10/01/2004

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    DefinioDe incio, podemos definir tecnicamente a Fotografia como a arte de fixar uma

    imagem luminosa por meio de 3 elementos fundamentais: materiais fotossensveis, umacmara escura dotada de orifcio ou lente e uma fonte de luz externa. A nomenclatura

    vem do grego Photos= Luz / Graphos = escrita, portanto, "escrita da luz".

    CAPTULO IHistria da Fotografia

    muito difcil precisar as datas e etapas dos processos que levaram criao daFotografia, pois muitos deles so experincias conhecidas pelo homem desde aAntigidade, e acrescenta-se a isso um conjunto de cientistas em diversas pocas e

    lugares que aos poucos foram descobrindo as partes deste intrincado quebra-cabeas,que somente no final do sc . XIX foi inteiramente montado.

    Entretanto, possvel apontar alguns destes fatos e descobertas como sendorelevantes para a inveno da fotografia.

    Os fundamentos daquilo que veio a se chamar fotografia vieram de dois princpiosbsicos, j conhecidos do homem h muito tempo, mas que tiveram que esperar muitotempo para se manifestar satisfatoriamente em conjunto, que so: a cmara escura e aexistnc ia de materiais fotossensveis.

    A Cmara Escura

    A cmara escura nada mais que uma caixa preta totalmente vedada da luzcom um pequeno orifcio ou uma objetiva em um dos seus lados. Apontada para algumobjeto, a luz refletida deste projeta-se para dentro da caixa e a imagem dele se forma na

    parede oposta do orifcio. Se, naparede oposta, ao invs de umasuperfcie opaca, for colocada umatranslcida, como um vidro despolido, aimagem formada ser visvel do lado defora da cmara, ainda que invertida.Isso permite a viso de qualquerpaisagem ou objeto atravs do orifcioque, dependendo do tamanho e dadistncia focal, projetava uma imagem

    maior ou menor.

    A cmara escura uma dessas invenes que no se sabe a origem. Descriesde quartos fechados com orifcios que projetam imagens em seu interior existem desde aRenascena, e suas referncias indicam desde a Grc ia Antiga, mas h a inda refernciasdeste c onhecimento entre os chineses, rabes, assrios e babilnios. H muita controvrsiasobre o conhecimento e utilizao das cmaras escuras na antigidade justamente porsabermos que impossvel a projeo dessas imagens a partir de pequenos orifcios emum quarto grande, em que poderia caber um homem, uma vez que o orifcio, para

    uuuuuuuuuuuu

    Fig . 1 Esq uem a b sico d e um a c ma ra e sc ura

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    formar uma imagem, deve ser muito pequeno, e a quantidade de luz no suficientepara projetar uma imagem de grandes propores. Centenas de ilustraes de tratadosrenascentistas fazem aluso a este tipo de cmara, que, longe de ser apenas uma caixa,tinham as dimenses de uma sala, onde artistas se posicionavam em seu interior,podendo assim se utilizar da projeo para tomar moldes de desenho. Portanto, provvel que os homens da renascena no tenham testado uma cmara destas

    propores. Tambm no se sabe exatamente a que obras os renascentistas se referemquanto citao de usos da cmara na antigidade, uma vez que no h registrosdiretos; e nem ao menos se sabe que uso os antigos poderiam fazer de semelhanteaparelho, uma vez que no havia estudo de perspectiva e nem conhecimento demateriais fotossensveis.

    Ac ima , do i s exemp los que ilust ram reg i st ros do uso d a c mara escura c om o um grande qua rt o em que po de ria

    c a b er um ho m em . A da esque rda um a i lustra o d a Ren a sc ena , e a seg und a , do sc .XVIII.

    Entretanto, apesar das origens escusas, na Renascena seu uso parecia estarmuito bem disseminado. Poderamos estabelecer uma cronologia mais ou menos assim de

    obras que c itam a utiliza o da Cmara escura:1521- Monge Papnutio da Cesare Cesariano-"Co mmeta ires d e Virt ruve"1521- Francesco Maurolico da Messina - "Phot ismi de lumine et umbra ad

    p erspe c t ivam et ra d iorum inc ide nt iam fac ien tes" - editado em 1611 (fazendo referncia aum primeiro estudo de 1521)

    1544 - Gemma Frisius (Renerius) - relata o uso de uma cmera escura naobserva o de um eclipse em Louvain na Blgica.

    1553- Giovanni Battista Della Porta - "Magia Natural is" Considerado em muitoscompndios de cinema e fotografia como o inventor da Cmara Escura. Entretanto, hvrias ressalvas sobre isso, entre elas as referncias mais antigas, e entre outras, algumasindicaes dadas por Della Porta que no so verdadeiras.

    1568- Daniello Barbaro- Nos d uma verso melhor da cmara escura de grandespropores, descrevendo o uso num quarto escuro apenas colocando uma folha depapel prxima ao orifcio com a lente, projetando assim uma imagem. (Neste caso, o usodo quarto escuro possvel).

    1646 - Athanasius Kirscher (Athanasio), "estranha e mirabolante figura, misto decientista e mistificador, realizou uma gigantesca obra abrangendo o Egito Antigo, aChina, a Astronomia, e vrios outros assuntos" (segundo Mario Guidi, pp. 21-22),publicando um estudo sobre a Cmara escura num tratado chamado 'Ars M a g na Luc is etUmbrae', em que tambm h referncias precisas sobre cmaras escuras, grandes epequenas, bem como lanternas mgicas.

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    De qualquer forma, a cmara escura foilargamente usada durante toda a Renascena e grandeparte dos sculos XVII e XVIII para o estudo daperspectiva na pintura, s que j munida de avanostecnolgicos tpicos da cincia renascentista, comolentes e espelhos para reverter a imagem. A cmara

    escura s no podia estabilizar a imagem obtida.

    Fotossensibilidade: os haletos de Prata

    A outra ponta da entrincada corrente que desembocou na fotografia diz respeitoaos materiais fotossensveis. Fotossensibilidade um fenmeno que quer dizer,literalmente, sensibilidade luz. A bem da verdade, toda a matria existente fotossensvel, ou seja, toda ela se modifica com a luz, como um tecido que desbota nosol, ou mesmo a tinta de uma parede que vai aos poucos perdendo a cor, mas algumasdemoram milhares de anos para se alterarem, enquanto outras apenas alguns segundosj lhes so suficientes. Ora, para a reproduo de uma imagem, de nada adiantaria ummaterial de pouca fotossensibilidade, de maneira que todos os cientistas ou curiosos queprocuraram de alguma maneira a imagem fotogrfica comearam pesquisando sobre omaterial que j h muito era conhecido e c onsiderado o mais propcio para tal: os sais deprata.

    A prpria a lquimia renascentista j registra as propriedades fotossensveis da prata,sendo referenciada em 1566 por Georg Fabricius, o que indica que o conhecimentodestas propriedades devia ainda ser anterior ao sc.XVI. Os haletos, ou sais de prata,modificam-se rapidamente com a ao da luz, enegrecendo-se na mesma proporoem que recebem luz.

    E outros registros, sucessivamente em 1727, 1763, 1777 e 1800, nos relatamexperincias de imagens obtidas a partir de papis embebidos em solues de sais de

    prata. A maior parte dessas experincias era feita como uma cpia por contato, ou seja,algum objeto era colocado sobre o papel sensibilizado, e assim se obtinha uma imagemou silhueta daquele objeto. Mas, ainda antes de 1800, um certo Wedgwood, naInglaterra, chegou a utilizar a cmara escura para obter, com sucesso, essas imagens.

    Ento, por que a fotografia j no foi inventada nesta poca, precisando esperarmais 40 anos?

    que, aps ser feita a impresso de uma imagem no papel de sais de prata, estaimagem no se mantinha estvel, pelo simples motivo que a prata continuavafotossensvel. Em palavras simples, a prata reage luz ficando mais negra medida querecebe maior quantidade de luz. Ento, se gravamos uma imagem com os gros deprata, como faremos para olhar o resultado? fcil, s v-los na luz. Mas vendo aimagem na luz, a prata continuava a ser sensibilizada, enegrecendo gradativamente aimagem obtida.

    Este foi o principal problema que os pioneiros da fotografia enfrentaram, a buscade um mtodo eficiente de estabilizar a prata, impedindo-a de se sensibilizar aps oregistro da imagem.

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    Os pioneiros da fotografia

    Nicphore Nipce

    Eis ento que adentra ao cenrio da histria o sr. Nicphore Nipce, nascido emChlon-sur-sane, Frana, em 1765. Apesar de ter seguido carreira militar, ele e seu irmo

    Claude se interessavam por pesquisas como cientistas amadores, e, apesar de diletantes,eram empenhados e chegaram a inventar, por volta de 1815, um motor a exploso.Mas a busca pelo registro visual era um fascnio pessoal de Nicphore, que

    estudou diversas tcnicas reprogrficas, e tendo com isso feito importantes melhorias noprocesso de litografia. Mas procurava, assim como outros, uma possibilidade de utilizar aimagem da cmara escura, uma vez que os demais processos s permitiam reproduode originais opacos ou transparentes, e no imagens projetadas da natureza real.

    A primeira tentativa de Nipce foi feita com o b e tum e d a judia, uma espc ie deverniz utilizado na tcnica de gua forte, que possui a propriedade de secar rapidamentequando exposto luz. Esse betume possui um solvente, leo de lavanda, e que noconsegue dissolv-lo depois deste ter estado em contato com a luz, o que permitia que aspartes no expostas pudessem ser removidas, formando assim uma imagem rudimentar.Nipce procurou de muitas formas utilizar chapas metlicas emulsionadas com essebetume para imprimir imagens na cmara obscura, mas a quantidade de luz que entravapor ela era muito pouca, considerando a provvel sensibilidade do betume, da ordem de0,0012 ISO, e o tempo de exposio provavelmente ultrapassava 12 horas (Nipce registra8, mas deveria ser mais). Com isso, alm da modificao das sombras, pelo movimentoda Terra em relao ao Sol, que deixava a imagem irregular e confusa, o solventetambm evaporava e a chapa ficava inteiramente seca.

    Assim, uma nica imagem sobreviveu dessasexperincias, muito provavelmente por ter sidotirada de sua janela, que permitia a entrada deluz em condies de temperatura mais amenas,fazendo o solvente no se evaporar. Essa

    fotografia, de 1826 ou 27, atualmenteconsiderada historicamente a primeira, mas oprprio Nipce no considerava esta umaexperincia bem-sucedida, porque a imagemoriginal um grande borro, impossvel de sercopiada, e cujos contornos s podem ser vistosquando olhados em certo ngulo e com luzadequada. A reproduo que hoje temos foifeita e retocada com tcnica modernas nadcada de 1950.

    Nipce entretanto, com todas estas experincias, acabou desenvolvendo umaforma de reproduo por contato utilizando o betuma da J udia, a que ele chamouHeliografia, ou escrita do sol.

    Louis Daguerre

    Foi atravs da divulgao de suas Heliografias que Nipce acabou conhecendooutro personagem histrico: Louis J acques Mand Daguerre. Ambos utilizavam os serviosde um personagem em comum, fabricante de lentes, e que lhes ps em contato.Daguerre tambm trabalhava com uma cmara escura, mas que utilizava para pintura, e

    Ap esar da s c on trovrsias, esta ima g em d e

    Nip c e c on sidera d a a p r im eira fo tog raf ia.

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    no se sabe bem como se interessou pelas pesquisas na rea do que viria a ser afotografia, uma vez que no h registros de experincias feitas por ele neste campo antesde conhecer Nipce. De todo modo, Daguerre ficou entusiasmado com a possibilidadede desenvolver uma tcnica de reproduo visual eficiente e props uma sociedadecom Nipce. Este hesitou durante muito tempo, masDaguerre conseguiu convenc-lo e firmaram sociedade

    em 1829.A sociedade entre Daguerre e Nipce tinha porobjetivo o aprimoramento das tcnicas at entodesenvolvidas, mas ambos trabalhavam em sentidosopostos, uma vez que Nipce tinha em mente umaimagem capaz de ser copiada, reproduzida, e Daguerre,como era pintor, procurava simplesmente uma imagemsatisfatria. Nada conseguiram em conjunto, e 4 anosaps a soc iedade, Nipce faleceu, em 1833.

    Daguerre continuou as experincias de Nipce eas aperfeioou, mas no sem grandes dificuldades.Primeiro, utilizou como base chapas metlicas de prata oucobre, que j haviam sido testadas por Nipce com bons

    resultados. Entretanto, todas as experincias deNipce tinham por objetivo a obteno de umamatriz para ser reproduzida, e Daguerre, que no tinha inteno de descobrir um sistemalitogrfico mais avanado, teve que deixar de lado todo o avano nesta rea j feito porNipce com o betume da J udia, e experimentou trabalhar com sais de prata, comooutros faziam na busca da imagem fotogrfica.

    O problema dos compostos de sais de prata que, apesar da rapidez com queapreendiam uma imagem, esta era muito rudimentar e o problema da fixa o ainda noestava resolvido. Eis que, a certa altura, Daguerre conseguiu resolver este impasse, e ele

    prprio conta que foi atravs de umacaso: estando exausto e decepcionadopor no conseguir obter resultadossatisfatrios, jogou uma de suas chapasnum armrio e esqueceu-se dela. Algunsdias mais tarde, procura de algunsqumicos, abriu o armrio e deparou-secom ela; s que havia uma imagemimpressa nela, que antes no estava l.Procurou a razo disso e desconfiou quehavia sido por causa do mercrio de umtermmetro que havia se quebrado. Fezalguns testes e o resultado foi odaguerretipo.

    Finalmente, havia sido contornado o problema da nitidez e da fixa o. O processoera bastante simples. Uma chapa metlica era tratada com vapores de iodo, que setornavam iodeto de prata (um haleto de prata) quando impregnados na chapa,tornando-a fotossensvel. Essa chapa era colocada numa cmara escura, sem contatocom a luz, e feita uma exposio que variava de 20 a 30 minutos mais ou menos. Aps aexposio, era necessrio fazer o iodeto de prata se c onverter em prata metlica, para aimagem se tornar visvel, e eis que entrava o mercrio, cujo vapor foi o primeiro sistema derevelao fotogrfica anunciado comercialmente. Este era um dos trunfos da

    Esta a ima ge m q ue Da gue rre c onside rav a seu

    pr ime iro da guer re t ipo be m-suce d ido.

    Dag uer re em um de seus dag uerre t ipo s

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    daguerretipo: como sua imagem era convertida em prata metlica, esta ficava muitomais ntida que a imagem do haleto comum, e sua definio e riqueza de detalhes eramimpressionantes. Depois, para afinal, fixar a imagem, Daguerre nos informa que utilizavanada menos que cloreto de sdio, ou sal de cozinha. Daguerre produziu um pequenodaguerretipo nessas condies em 1837, e em 7 de janeiro de 1839, anunciada adescoberta do processo na Academia de Cincias de Paris.

    O daguerretipo tinha algumas implicaes caractersticas: primeiro, sua imagemera tanto negativa como positiva. Na verdade, a imagem formada diretamente eranegativa, pois a prata fica mais preta quanto mais luz recebe, s que a superfcie deimpresso era metlica, e dependendo do ngulo de viso e da incidncia da luz, ela setornava positiva. Alm disso, era uma imagem espelhada, ou seja, como a imagem nacmera se formava ao contrrio e no havia cpia, ela mantinha-se invertida. E era, umaimagem nica, sem possibilidade de cpia, por estar gravada numa superfcie opaca.Alguns viam tais caractersticas como limitadoras, outros como naturais, mas o fato queo daguerretipo tinha uma qualidade impressionante de imagem, extremamente ntida ecom detalhes que por vezes nem a olho nu se conseguia distinguir. O sucesso patente.

    Quase que imediatamente, a notcia se espalha pelo mundo. A repercusso imensa junto ao pblico, e de uma hora para outra, diversos outros pesquisadoresaparecem no cenrio pblico, reivindicando o invento para si. No que fossem mal-intencionados com histrias falsas e datas adulteradas, mas havia um grande interessecomercial envolvido, e o fato que realmente muita gente, ao mesmo tempo e emvrias partes do mundo, buscavam a imagem fotogrfica, sem que eles seconhecessem.

    Quando Daguerre anunciou sua descoberta, ele ganhou uma corrida em que nose c onhecia o nmero de participantes. Mas 3 deles merecem destaque:

    William Talbot e Frederick Herschel

    Na Inglaterra, William Fox Talbot trabalhava tambm desde 1833 num processosimilar para obteno de imagens. Suas dificuldades foram as mesmas da maioria dosproponentes descoberta: no conseguiu achar um

    meio eficaz de fixar as imagens e utilizava como basepapel impregnado com emulso de sais de prata. Oque conseguiu de mais prximo foram impressesdiretas, por contato sobre papel, e que eledenominou Caltipo. Mas Talbot experimentoutambm colocar o papel diretamente na cmaraescura, e obteve resultados satisfatrios, pouco antesde Daguerre. Estipula-se que Talbot nada tenha ditoem relao sua descoberta por no terconseguido, como Daguerre, uma maneira eficientede fixar a prata sensibilizada. Apesar de tambm terusado sal de cozinha, a fixao numa soluo desalmoura funcionava com uma chapa de metal, masno com uma folha de papel, que se desmanchariadepois de certo tempo. Talbot, assim como Nipce,tambm queria desenvolver uma maneira de copiarestas imagens, razo pela qual manteve-se nasexperincias com papel.

    Mas Talbot, que a lm de tudo era matemtico e botnico, tinha em seu c rculo deamigos alguns cientistas da Royal Soc iety de Londres, entre eles um certo J ohn WilliamFrederick Herschel.

    Will ia m Fo x Ta lbo t

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    Filho do famoso astrnomo que descobriu o planeta Urano, Herschel tambm seinteressou pela corrida obteno do que seria a imagem fotogrfica, quando tomouconhecimento do anncio de Daguerre em janeiro de 1839. Herschel queria, na verdade,um mtodo para fotografar as imagens da abbada celeste obtidas por um grandetelescpio que ele prprio construiu, num interesse astronmico cuja ambio era o deregistrar todos os corpos visveis no cu.

    Herschel conhecia, atravs de Talbot, as dificuldades que envolviam os pioneirosda fotografia, e sabendo que Daguerre havia conseguido resultados satisfatrios, resolveupesquisar ele prprio, mtodos que pudessem resolver tais problemas. Ele e Talbottrocaram diversas experincias e informaes durante algumas semanas, pois Herscheltinha conhecimentos muito mais profundos de qumica, e lembrou-se de algumasexperincias feitas alguns anos antes. Nestas tentativas, s pressas, Herschel foi oresponsvel pelo sbito avano da fotografia em termos tcnicos. Um avano que, sefosse calculado no ritmo com que ela havia andado at ento, seria algo como 5 anosem 1 ms.

    Herschel, em suas experincias, testou diversos sais de prata, tais como cloreto,nitrato, carbonato e acetato, concluindo que o nitrato era o mais sensvel (at hoje umaboa parte do material sensvel fotogrfico baseado em nitrato de prata). Quanto fixao, lembrou-se que tinha testado, por volta de 10 anos antes, o hipossulfito de sdio(hoje chamado tiossulfato) para interromper a ao da luz sobre a prata. Retomando asexperincias com o mesmo material, agora j com novas tcnicas e perspectivas, teve aseguinte concluso: Resulta d o p erfe i to. O p a p el expo sto luz, pe la m eta d e, em b eb id oc om hipo ssu lf it o d e sdio e em seg u id a lava d o c om gua . Aps sec ag em , o pa p e l

    nova me nte expo sto luz. A me tad e esc ura p erm ane c e esc ura , e a m eta de c la ra

    pe rmanece c l a ra . Finalmente, estava resolvido o problema da fixao fotogrfica.Mas o captulo Talbot a inda no terminou. Tendo descoberto um mtodo eficiente

    de fixar as imagens, patenteou o caltipo em 1841, talvez numa tentativa de brigar com apatente de Daguerre, no apenas do ponto de vista comercial, mas at pela primazia doinvento. Herschel, entretanto, desaconselhou Talbot a promover qualquer tipo deiniciativa jurdica ou comercial contra Daguerre, uma vez que teve oportunidade de veros daguerretipos antes de Talbot, e sua impresso foi a seguinte: c om pa ra d a s com

    essa s ob ra s d e a rte d e Da g ue rre, o sen ho r Ta lb ot no p rod uz seno c o isa s va g a s edesf o cad as.

    Sem dvida, considerando o sistema de ambos, a cpia em papel tinha grandesdesvantagens do ponto de vista da nitidez e definio, uma vez que o processo deDaguerre era direto, e o de Talbot exigia copiagem em material translcido, o papel, queimplicava numa qualidade muito inferior. Mas convm lembrar que seu processo era oque hoje chamamos de imagens evidentes, ou seja, uma imagem que j se formava namedida em que ia sendo exposta. Isso significa que a imagem no ficava latente, ou seja,o controle do tempo de exposio erafeito na prpria observao da imagem.Quando esta adquiria uma densidadedesejvel, o fotgrafo interrompia suaexposio e tratava de fixar a imagem. claro que este mtodo tornava afotografia extremamente lenta em termosde tempo de exposio, por vezesquesto de horas, o que sem dvidacontribua, no caso de retratos, para norepresentar nenhum tipo de concorrnciaao daguerretipo. Cm era ut ilizad a p or Dag uer re

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    Talbot ento descobriu uma frmula para obter imagens negativas latentes nocaltipo, ou seja, precisava, assim como o daguerretipo, de revelao. Esse mtodoconsistia em sensibilizar as folhas de papel inicialmente com nitrato de prata, eposteriormente com iodeto de potssio, formando o iodeto de prata. O iodeto eraaltamente sensvel luz, o que reduzia drasticamente o tempo de exposio, de horaspara poucos minutos, e revelados numa soluo de cido glico e nitrato de prata.

    Depois, fixados com o tiossulfato de sdio e eram obtidas imagens negativas em poucotempo. Mas, para fazer cpias por contato, Talbot ainda se utilizava do sistema deimagem evidente, com papis sensibilizados com cloreto de prata, o que era maisvantajoso pois era possvel controlar a intensidade dos tons de cpia pela observao.

    Esse sistema permitiu que a fotografia em papel aos poucos tomasse lugar dodaguerretipo na corrida pela melhor imagem, mas ainda faltava o principal: melhorar aimagem.

    Hercules Florence

    Cabe ainda o parnteses sobre mais uma importante figura, isolada e annima,na descoberta da fotografia, o terceiro personagem de destaque nessa histria. Entre osanos 1824 e 1879, viveu no Brasil mais precisamente na Vila de So Carlos, hojeCampinas o desenhista e tipgrafo francs Hercules Florence, e que at h poucotempo era famoso apenas por ter feito parte da expedio do Baro Langsdorff pelointerior do Brasil. Recentemente, atravs de pesquisas do Foto-Cine Clube Bandeirante, epublicadas como estudo por Boris Kossoy, uma no menos interessante faceta deFlorence veio tona: inventor da fotografia.

    Consta que Florence procurava uma maneira de reproduzir tipos grficos, tendoenormes dificuldades, na poca, de fazer publicarmanuscritos de sua autoria. Haviam poucas tipografiasdisponveis e todas pertenciam a um mesmo dono, oque monopolizava a produo impressa. Antes depensar em montar sua prpria tipografia, Florenceresolveu investigar os efeitos de materiais

    fotossensveis. Tomando conhecimento dos efeitos donitrato de prata, Florence desenvolveu um processorudimentar de fixao de imagens em papel sensvel,primeiramente atravs de cloreto de ouro, cujoagente fixador deveria ser amnia. Na falta destasubstncia, Florence utilizou nada menos que aprpria urina para estabilizar as imagens, e obteveresultados satisfatrios em 1833. Depois, passou autilizar outras substncias, mais baratas que o sal deouro, entre eles o nitrato de prata, que chegou autilizar at mesmo com uma cmera escura. Maistarde, desenvolveu com base nesses resultados, ummtodo de impresso em papel a partir de originaisdesenhados em vidro, obtendo cpias por contato detima qualidade.

    Em seus dirios e anotaes, constam importantes descobertas feitasisoladamente, e que em muito se pareciam com as que Daguerre, Talbot e Herschelfizeram na Europa. As dificuldades que ele enfrentou, tendo que construir sua prpriacmara escura de maneira rudimentar, e a busca pelos prprios mtodos, com quasenenhum auxlio, fazem de sua descoberta um grande mrito. Florence chegou a ummtodo de fixao de imagens por contato em papel que lhe renderam timos

    Hercules Floren c e

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    resultados, dos quais ainda sobrevivem encomendas de trabalhos, como seus rtulos defarmcia e um diploma manico. Apesar de Florence no ter dado nenhum nomeespecfico a seu processo pela cmara escura, seu sistema de impresso por contato emnegativo foi chamado de Fo to g ra fi a, por ele e por um colaborador, o boticrio J oaquimCorra de Mello. Segundo consta, foi a primeira vez que se utilizou o termo e ao que tudoindica, cabe a ele o mrito da nomenclatura.

    Repercusso da Fotografia

    Mas voltando Frana de Daguerre, no podemos deixar de frisar as qualidadesexcepcionais de imagem quanto nitidez que obtinha com seu processo, mas quetambm no estava isento de todos os inconvenientes. O primeiro ainda era o tempo deexposio que, embora tivesse diminudo radicalmente, permitindo agora o registro depessoas e no mais s de paisagens, ainda necessitava de pelo menos dois ou trsminutos de imobilidade total, obrigando seus modelos a exercitar rigidez muscular ousentarem-se em cadeiras com apoio para o pescoo.

    O segundo, e talvez o pior dos problemas do daguerretipo, era sua totalincapacidade de reproduo mltipla. Um daguerretipo era apenas uma placa decobre emulsionada que, uma vezrevelada, tornava-se visvel num meioopaco, ou seja, no havia meios decopi-la. Na verdade, tal limitao foiexplorada comercialmente porDaguerre como uma maneira elitizadade registro alternativo, tal como apintura que a princpio, tambm nica. Assim, famlias abastadaspoderiam ser registradas de maneiramuito mais fiel que a pintura, semperder o estigma de obra nica.

    Daguerre no parecia interessado emaperfeioar sua descoberta, limitando-se a manter um pblico para adaguerreotipia, sem qualqueralterao, falecendo num retiro em1851 sem incluir nenhum dos avanostecnolgicos conquistados at ento,mantendo o daguerretipo comope a de museu.

    Em compensao, at 1860, a calotipia se desenvolveu muito em termostecnolgicos, mas por uma questo de direitos autorais, esses processos precisaram sofrermudanas para poderem ser explorados pelos fotgrafos interessados. Apesar dadificuldade de reproduzir os parmetros comerciais e estticos desta poca, tudo indicaque as coberturas de patentes que Daguerre e Talbot impeliram ao mundo da fotografiafoi extremamente prolfico para a evoluo tecnolgica. Afinal, os fotgrafos destapoca, para evitar o pagamento de altos tributos, precisavam mudar as frmulas, o quegerou uma grande diversidade de processos fotogrficos e uma conseqente evoluocomercial que desembocou na fotografia tal como hoje conhecemos. O processo foimais ou menos assim:

    Parec e um inst rum ento d e tor tura, m as trata -se d e um

    ac ess rio p ara m ante r imve l o m od e lo fo t og ra fado

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    Chapa de vidro

    O Daguerretipo mantinha suas limitaes de reprodutibilidade, enquanto que ocaltipo foi estudado com mais afinco por justamente possibilitar um nmero ilimitado decpias de uma nica matriz, ainda que com resultados no muito satisfatrios por ser umacpia contato de uma matriz translcida. Muitos fotgrafos pensaram ento no vidro,

    nico material transparente disponvel que possibilitaria a obteno de cpias dequalidade comparvel ao daguerretipo. A dificuldade residia em fixar a emulso numsuporte de vidro, que no era poroso o suficiente para manter a emulso fixa na placa.Esse problema foi resolvido em 1848 pelo neto de Nipce, Claude, que descobriu ser aalbumina da clara de ovo um excelente suporte para a emulso de nitrato de prata,permitindo sua adeso no vidro de maneira extremamente eficiente. Seu mtodoespalhou-se rapidamente, pois finalmente, a fotografia negativa-positiva era dequalidade comparvel ao daguerretipo.

    Entretanto, um tanto difcil de se manusear. A chapa ficava pouco sensvel, emdecorrncia da densidade da albumina, demandando novamente um longo tempo deexposio. Mas, apesar disso, houve uma verdadeira corrida atrs desta nova tcnica,sendo que uma firma alem de Dresden chegou a utilizar 60.000 ovos por dia paraconfeco de chapas fotogrficas! Era claro, portanto, que esse processo no iriamanter-se por longo tempo, pois o custo do ovo chegou a subir mais de 50%, e nohaveria demanda para consumo culinrio e fotogrfico ao mesmo tempo.

    Mas alguns passos importante j haviam sido dados em direo fotografiainstantnea de qualidade: Daguerre utilizava em sua cmera uma lente simples, de tipomenisco convergente, e que no era muito luminosa. Mas, em 1840, J oseph Max Petzvalprojetou uma lente de caractersticas diferentes, mais avanada em termos de clculosticos, e possibilitou a construo de uma lente, que hoje equivaleria a uma abertura def/3.6, o que era extremamente luminosa para os padres da poca.

    Com a objetiva Petzval, o grande obstculo para a fotografia instantnea voltavaa ser o suporte dos haletos de prata, uma vez que a chapa de vidro com albumina eramuito cara.

    Chapa seca e chapa mida

    Apenas em 1850 foi acrescida uma inveno capaz de ser utilizadasatisfatoriamente como alternativa albumina de ovo: o coldio. Foi o inglsFrederick Scott Archer quem o desenvolveu,a partir da dissoluo de algodo-plvoraem mistura de lcool e ter. Este algodoplvora, tambm chamado algodo-coldio, por sua vez uma mistura decido sulfrico e ntrico (piroxilina),altamente explosivo, que veio a ser,posteriormente, a base para o nitrato decelulose das primeiras pelculascinematogrficas. O coldio era muito maisbarato de se obter e possua melhorescondies de transmisso luminosa, o quediminuiu novamente os tempos deexposio da fotografia, fazendo de algunssegundos um tempo suficiente paraimpresso da chapa.

    Um fotgrafo e seu lab oratrio m vel

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    Mas ainda no era o processo definitivo, pois tais chapas precisavam serpreparadas, expostas e reveladas na mesma hora, pois que ao secar, a emulso perdiasua capacidade fotossensvel, o que desencadeava a necessidade do fotgrafo itinerarcom todo o seu equipamento para preparar as chapas onde quer que fosse. O coldiode Archer era chamado, por essa razo, de coldio mido ou chapa mida. Fazer fotosexternas nesta poca no era tarefa fcil!

    Levando-se em considera o que a chapa de vidro, as objetivas mais luminosas eo coldio mido de Archer trabalhavam em conjunto, os resultados colhidos eramextremamente satisfatrios e a fotografia, apesar das dificuldades, tinha j qualidadecomparvel ou mesmo superior ao daguerretipo, ainda possibilitando a cpia em papela partir de negativos em vidro. Portanto, durante mais ou menos 20 anos, entre 1850 e1870, este foi o principal sistema utilizado pela maioria dos fotgrafos, no obstante asconstantes experincias e aperfeioamentos que aos poucos foram sendo incorporados a rte fotogrfica.

    Foi um mdico ingls, Richard Maddox, que, em 1871, experimentou ao invs decoldio, uma suspenso de nitrato de prata em gelatina de secagem rpida. A gelatina,

    de origem animal, no s conservava aemulso fotogrfica para uso aps asecagem como tambm aumentavadrasticamente a sensibilidade dos haletosde prata, tornando a fotografia,finalmente, instantnea. Era um processoextremamente barato (pois gelatina podeser obtida de restos de ossos e cartilagensanimais) e, ao substituir o coldio, ficouconhecida como chapa seca.

    George Eastman

    O ltimo captulo relevante do desenvolvimento e aperfeioamento dos processosfotogrficos deu-se, novamente com um ingls, chamado George Eastman, um bancrioque aos 23 anos de idade adquiriu uma cmera fotogrfica e apaixonou-se pelaatividade, ainda no rudimentar processo de chapa mida. Aborrecido com o lento e

    trabalhoso processo de preparar as chapas e us-lasimediatamente, Eastman leu um artigo sobre aemulso gelatinosa e interessou-se por ela, a pontode comear a fabric-la em srie. Mas, no dadopor satisfeito, ainda achava complicado o processode estocagem das chapas de vidro alm depesadas, quebravam com facilidade -, e imaginouque poderia tornar a fotografia muito mais prtica eeficiente se encontrasse uma maneira de abreviar oprocesso todo.

    Aliando a tecnologia da emulso com brometo de prata (mais propcia para fazernegativos, e, consequentemente, cpias) com a rapidez de sensibilidade j existente nasuspenso com gelatina e a transparncia do vidro, Eastman substituiu esta ltima por

    Ca rtaz de p rop ag an d a d a s rec m-la nad as c ha pa s sec a s

    A c mera KODAK

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    uma base flexvel, igualmente transparente, de nitrocelulose, e emulsionou o primeiro filmeem rolo da histria. Podendo ento enrolar o filme, poderia obter vrias chapas em umnico rolo, e construiu uma pequena cmara para utilizar o filme em rolo, que elechamou de "Cmara KODAK".Lanada comercialmente em 1888, reza a lenda que o nome veio de uma onomatopia,o barulho que a cmara fazia ao disparar o obturador, e o sucesso do invento tornou

    todos os processos anteriores completamente obsoletos, relegados apenas a fotgrafosartesos.Eastman projetou uma cmara pequena e leve, cuja lente era capaz de focalizar

    tudo a partir de 2.5m de distncia, e, seguidas as indicaes de luminosidade mnimas,era s apertar o boto. Depois de terminado o rolo, o fotgrafo s precisaria mandar acmara para o laboratrio de Eastman, que receberia seu negativo, cpias positivas empapel e a cmara com um novo rolo de 100 poses. Seu slogan era "Voc aperta o boto,ns fazemos o resto." Uma verdadeira revoluo, que fez da Kodak uma gigantescaempresa, pioneira em todos os demais avanos tcnicos que a fotografia adquiriu athoje.

    O sculo XX

    Na entrada do ano de 1900, a fotografia j tinha todos os quesitos necessriospara o registro de imagens com altssima qualidade deexposio e reproduo, tanto que o c inema, cuja base fotogrfica, s seria possvel tecnologicamente nestascondies, sendo concretizado por Edison e os irmosLumire. Mas na fotografia esttica, os principalisavanos foram de ordem mecnica, na construo delentes cada vez mais precisas e ntidas, e cmerasportteis de diversos formatos e tamanhos. A Eastmanlanou, por exemplo, em 1900, a cmera Brownie, que

    custava apenas 1 dlar, e que trasformou radica lmente afotografia em uma arte popular, legando outrasempresas a supremacia por uma qualidade tcnicaprofissional.

    Neste quesito, dois fabricantes de lentes sedestacaram no mercado pela excelncia da construoptica, a Carl Zeiss e a Schneider, ambas alems, e quecontriburam largamente para o aumento dacapac idade luminosa e qualidade da imagem formada.

    Foto s tpica s da s pr ime iras cme ras Kod ak, q ue c arac ter izav a m-se p or seu fo rma to d e jane la red ond o

    Ca rt a z d e p ro p a g anda da

    c mera Brow nie

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    Da mesma forma, foram explorados diversos tipos de formatos, pois os negativosde Eastman eram muito pequenos, propcios apenas a amadores. Fotgrafos profissionaisainda precisavam de chapas de negativo, mas agora confeccionados em materialflexvel e no mais em vidro. Os formatos em chapa foram explorados sob diversos

    tamanhos por diversos fabricantes de cmeras, mas havia sempre uma limitaocomercial, da qual dependia a sobrevivncia do formato. Assim, os fabricantes decmeras lanavam produtos que exigiam determinados formatos, e sob encomendadeste fabricante, chapas de negativo eram confeccionadas, geralmente pela prpriaKodak. O custo disso era relativamente alto, e se a cmera no emplacassecomercialmente, o formato era fadado a morrer, como acontece at hoje em certosformatos de vdeo, como o Betamax (que sucumbiu ao VHS) e o Laser Disc (que morreucom a entrada do DVD). Assim, os grandes formatos, durante todo o perodo que vai demeados de 1900 at 1930, sofreram constantes modificaes, sendo padronizados pelainfluncia comercial em trs principais, as chapas de negativo 8x10 polegadas, a 5x7polegadas e a 4x5 polegadas.

    J nos formatos em rolo, que eram destinados principalmente ao usurio amador e mais tarde ao fotojornalismo eram mais favorveis aceitao comercial, de maneiraque at a prpria Eastman fabricou um grande nmero de formatos, identificados pornmeros como 101 (introduzido no mercado em 1901), 116, 117, 120 (introduzido tambmem 1901), 122 (introduzido em 1906 e descontinuado em 1949), 123 (introduzido em 1904),127 e mais tarde, 616 e 620 (introduzidos em 1932). A maioria destes formatos nosobreviveu, sendo que alguns deles ainda so possveis sob encomenda. Mas a partir dadc ada de 20, com a entrada das cmeras de fabricao japonesa, bem mais baratas,alguns destes formatos solidificaram-se junto ao pblico, razo pela qual subsistem athoje, como o formato 120, que permitia exposies nas propores 6x4,5cm, 6x6 cm, 6x9e at 6x12. O exemplo mais famoso destas cmeras, e que sem dvida contribuiu parasua continuidade, a Rolleiflex.

    Apesar de diferentes tentativas de fomatos menores, a fbrica alem Leitz lanouem 1913 um prottipo de uma cmera no formato 35mm, antes apenas utilizado em

    pelculas cinematogrficas. A idia de usar 35mm era, segundo o aspecto comercial,muito mais favorvel uma vez que j eram fabricadas em larga escala em funo daindstria cinematogrfica . Tanto que, quase simultaneamente, a fbrica Francesa J ulesRichard lanou (em 1914) a Homeos, a primeira cmera stereo 35mm lanadacomercialmente. Mas o fato desta ser umacmera stereoscpica, a limitava em termosde trabalho, e paralelamente a fbrica deLeitz continuou a aperfeioar um modeloque foi lanado definitivamente em 1924, alendria Leica. A cmera era extremamentecompacta, com velocidade fixa em 1/40seg. e de mecnica simples e impecvel.Mas seu maior trunfo era sua lente: resultadodo trabalho de Ernst Leitz como fabricantede microscpios e telescpios antes de criarsua prpria firma, e da unio deste comOskar Barnack, que trabalhava tambm nafabricao de lentes na Zeiss.

    Dessa sociedade, o resultado foi uma cmera amadora com uma qualidadeptica extraordinria, e que aos poucos foi ganhando mercado, sendo usadalargamente no fotojornalismo. J em 1930, a Leica era to popular que o formato 35mm

    A lend ria c me ra Leic a

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    M l d F t fi Ci t fi B i P f Fili S ll 2004 19

    comeou a ser progressivamente preferido para o uso amador, estourando comoformato aps a Segunda Guerra Mundial.

    Em oposio excelncia tcnica alem, entre os anos 10-30, surgiu uma novapotncia na fabrica o de lentes e cmeras: os japoneses.

    J havia fabricantes de origem nipnica desde 1890, muitas vezes em soc iedadescom firmas alems, mas aps a Primeira Guerra houve um verdadeiro b o omde grandes

    indstrias, como por exemplo a Nikon (Nippon Kogaku), formada em 1917, a Olympus e aAsahi Pentax, ambas de 1919, a Minolta de 1928, a Canon de 1933 e a Fuji, de 1934.

    Perspectivas

    claro que muita coisa foi acrescida e mudada desde ento, aperfeioamentostecnolgicos, processos eficientes e baratos, cmeras programveis e a fotografia digital,nova revoluo nas artes fotogrficas.

    Mas, olhando para o passado, possvel entender que todo esse esforo, demuitos que marcaram a histria, e muitos outros annimos, foram extremamenteimportantes para chegarmos naquilo que hoje entendemos como fotografia, paraentendermos a busca to fascinante, to intensa, pela apreenso de uma imagem, pelaidia da memria coletiva, pela eternizao de um momento. E a, novamente, nosdeparamos com Plato. No seria toda essa busca a busca pela beleza da imagem quetraduza um estado, um sentimento, uma idia? A fotografia busca um tempo, que noprecisaria ser eternizado se no estivesse perdido.