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  • military review

    2 Nicarágua: Da Guerra à Paz General (Res) Joaquín Cuadra Lacayo, Exército Nacional da Nicarágua

    Como foi feita a transição do Poder Ditatorial para o Poder Revolucionário e deste para o Poder Institucional Democrático na Nicarágua? As lições negativas e/ou positivas da experiência nicaragüense, sem dúvida, podem ser de grande utilidade para outros processos de pacificação.

    4 As Forças de Defesa do Continente Americano e a Defesa Interna Coronel Ivan Carlos W. Rosas, Exército Brasileiro

    Há grande controvérsia sobre a atuação das Forças Armadas na Segurança Interna de seus respectivos países. Historicamente no continente americano, as Forças Armadas vêm atuando, com maior ou menor intensidade, na Segurança Interna da maior parte dos países, inclusive, em determinados momentos históricos, intervindo fortemente na Expressão Política.

    10 Liderança Nociva Coronel George E, Reed, Exército dos EUA

    Um comandante decisivo, exigente, que fala em voz muito alta, não é necessariamente nocivo. Um comandante com fala mansa e fisionomia sincera também pode ser nocivo. Afinal de contas, não é apenas um comportamento específico que o caracteriza, ou não, como um comandante nocivo; será com o passar do tempo, que o efeito cumulativo do seu comportamento desestimulador no moral da unidade e no ambiente profissional o qualificará.

    16 Operações Conjuntas na Guerra das Malvinas: Uma Análise do Desastre de Bluff Cove Robert S. Bolia

    O objetivo deste estudo é discutir uma das operações combinadas da guerra que teve menos êxito — o desembarque anfíbio dos Welsh Guards em 8 de junho de 1992 em Fitzroy — e avaliar até que ponto os fracassos nas “operações combinadas” por parte das forças britânicas, foi o motivo do desastre subseqüente.

    25 Administração Política das Forças Armadas na América Latina Dr. David Pion-Berlin

    Afora uma ou duas exceções, como é que os governos democráticos não cederam à intervenção militar após duas décadas ou mais de democracia sem liderança em defesa? Por que as relações civis-militares são universalmente reconhecidas como mais estáveis e adequadas ao controle civil do que eram no passado? Por que os renomados estudiosos de certos países insistem que a subordinação militar foi alcançada, mesmo admitindo que civis não têm idéia de como analisar ou supervisionar a estratégia, planejamento, orçamento ou desdobramento de defesa?

    40 A 101a Divisão Aerotransportada no Iraque: Televisionando a Liberdade Major John Freeburg, Exército dos EUA e 2º Sargento Jess. T. Todd, Exército dos EUA

    A área de operação (A Op) Norte, um grande setor do Iraque que inclui três fronteiras internacionais, foi encargo operacional da 101a Divisão. A área de operação, com uma área de mais de 75.000 quilômetros quadrados e uma população de aproximadamente 6,5 milhões de habitantes, incluía duas línguas distintas e três culturas principais. Suas terras de cultivo vastas e planas, seus exuberantes vales de rios e suas montanhas escarpadas proporcionam refúgio para civis deslocados, contrabandistas e rebeldes curdos. Nesse cenário, a 318a Companhia Tática de Op Psico (Reserva) e o estado-maior da 101a

    Divisão Aeroterrestre tinham a função de conquistar os corações e mentes da população.

    Lieutenant General William S. Wallace

    Comandante, CAC/EUA

    Redação

    Cel William M. Darley Editor-Chefe da Military Review

    Ten Cel Dexter Q. Henson Editor-Chefe das Edições em Inglês

    Major Chris Lukasevich Editor-Chefe das Edições Ibero-Americanas

    Edições Ibero-Americanas Robert K. Werts Assistente Editorial Winona E. Stroble

    Diagramadora/Webmaster

    Edição Hispano-Americana Sandra Caballero Ronald Williford Tradutores/Editores

    Administração

    Patricia Wilson Secretária

    Edição Brasileira Lore C. Rezac Tradutora/Editora

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  • Brazilian

    Publicada pelo CENTRO DE ARMAS COMBINADAS Forte Leavenworth, Kansas 66027-1254

    Volume LXXXV MARCH-APRIL 2005 NUMBER 2 www.leavenworth.army.mil/MILREV

    email: [email protected]

    REVISTA PROFISSIONAL DO EXÉRCITO DOS EUA

    43 O Despertar Doutrinário das Forças Armadas da Índia Comodoro-do-Ar Tariq M. Ashraf, Força Aérea Paquistanesa

    Os recentes eventos no Sul da Ásia forçaram as forças armadas da Índia e do Paquistão despertar de sua letargia doutrinária e reexaminar como travar as futuras guerras.

    54 Adestramento Combinado Eficaz: Enfrentando os Desafios Coronel Nicholas R. Marsella, Exército dos EUA

    Durante esta última década, o adestramento combinado tem sido a responsabilidade dos comandantes combatentes auxiliados pelo Comando de Forças Combinadas dos EUA (U.S. Joint Forces Command — USJFCOM). Como adestrador combinado o Comando de Forças Combinadas dos EUA emprega computadores para apoiar exercícios no nível operacional a fim de adestrar os estados-maiores conjuntos em técnicas de processos e procedimentos.

    61 O Programa de Artes Marciais do Corpo de Fuzileiros Navais e o Ethos Guerreiro do Fuzileiro Naval Capitão Jamison Yi, Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA

    Na guerra global contra o terrorismo, cujas regras nem sempre são claramente definidas, os chefes militares devem reforçar e fortalecer os aspectos morais e os ideais daqueles que foram treinados como guerreiros, a fim de evitar que os combatentes se tornem semelhantes aos terroristas confrontados. Na ausência de um código de ética, os guerreiros dos EUA podem até vir a ganhar a guerra, mas perderão no tribunal da opinião pública mundial se os métodos usados forem desonrosos.

    69 Negociando com Oficiais da Pós-União Soviética Coronel Timothy C. Shea, Exército dos Estados Unidos

    A visão americana sobre a troca de acordos e promessas, no contexto da negociação, não é diferente do princípio de concordância russo. Certamente, prefere-se a negociação do que sua alternativa (guerra), mas a Rússia utiliza a tática de confundir o oponente, fazendo este acreditar que existem aspectos em comum, quando em realidade, o consenso só existe na teoria. Essa técnica pode até ser eficiente, lidando com negociadores fracos; porém os negociadores americanos buscam resultados rápidos e os russos sabem disso.

    75 Operações Baseadas em Efeitos e o Exercício do Poder Nacional Major David W. Pendall, Exército dos Estados Unidos

    As operações baseadas em efeitos, como competência essencial da guerra futura, utilizarão as capacidades cinéticas e não cinéticas dos aliados com efeitos de alcance global. As gerações atuais e futuras de oficiais, parceiros interagenciais e a Nação devem entender, melhorar e aceitar as tecnologias e técnicas existentes e emergentes que possibilitam estas capacidades.

    85 Entrevista com Osama Bin-Laden, Junho 1999: Entrando na Mente de um Adversário Capitão-de-Corveta Youssef H. Aboul-Enein, Marinha dos EUA

    O meio de comunicações escolhido por Osama Bin-Laden, a rede de televisão Al-Jazeera, tem lhe possibilitado comunicar-se, adotando o estilo religioso usado pelos homens educados na escola teológica da Arábia Saudita. O correspodente da Al-Jazeera, Jamal Abdul-Latif Ismail, autor do livro Bin Laden wa Al-Jazeerah wa Ana (Bin-Laden, Al-Jazeera e Eu) conduziu a mais abrangente entrevista com Bin-Laden em 19991. Este artigo enfatiza partes desta entrevista e ajuda o leitor na compreensão das idéias subentendidas às palavras de Bin-Laden.

    Assessores das Edições Ibero-americanas

    Cel Haroldo Assad Carneiro, Oficial de Ligação do Exército Brasileiro junto ao CAC/EUA e

    Assessor da Edição Brasileira

    Ten Cel Edmundo Villarroel Geissbühler, Oficial de Ligação do Exército Chileno junto ao CAC/EUA e

    Assessor da Edição Hispano-Americana

    Ten Cel Hugo Alfredo Leonard, Oficial de Ligação do Exército Argentino junto ao CAC/EUA e

    Assessor da Edição Hispano-Americana

    Military Review – Publicada pelo CAC/EUA, Forte Leavenworth, Kansas, bimestralmente em português, espanhol e inglês. Porte pago em Leavenworth Kansas, 66048-9998, e em outras agências do correio. A correspondência deverá ser endereçada à Military Review, CAC, Forte Leavenworth, Kansas, 66027-1254, EUA.Telefone (913) 684-9332, ou FAX (913) 684-9328; Correio Eletrônico (E-Mail) [email protected]. A Military Review pode também ser lida através da Internet no Website: http://www. leavenworth.army.mil/MILREV. Todos os artigos desta revista constam do índice do Public Affairs Information Service Inc., 11 West 40th Street, New York, NY, 10018-2693. As opiniões aqui expressas pertencem a seus respectivos autores e não ao Ministério da Defesa ou seus elementos constituintes, a não ser que a observação específica defina a autoria da opinião. A MR se reserva o direito de editar todo e qualquer material devido às limitações de seu espaço. MILITARY REVIEW (Brazilian (in Portuguese)) (US ISSN 1067-0653) (USPS 009-356) is published bimonthly by the U.S. Army, Combined Arms Center (CAC), Ft. Leavenworth, KS 66027-1254. Periodical paid at Leavenworth, KS 66048, and additional mailing offi-ces. Postmaster send address corrections to Military Review, CAC, 294 Grant Ave., Ft. Leavenworth, KS 66027-1254.

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    http://wwwmailto:[email protected]

  • 2 Março-Abril 2005 Military Review

    A convite da Military Review, o General (Res) Joaquín Cuadra Lacayo, ex-Comandante-em-Chefe do Exército Nacional da Nicarágua, escreveu este artigo especialmente para oferecer sua experiência a respeito dos temas próprios do ambiente pós-operações de combate, o qual produz insurreições, e os esforços necessários para restabelecer a estabilidade e fomentar a democratização nacional. As opiniões que o autor expressa têm por fim compartilhar sua experiência nos aspectos fundamentais que, segundo o seu ponto de vista, devem ser considerados como objetivos para alcançar o restabelecimento da democracia em qualquer situação de pós-conflito. Os comentários do Gen Cuadra são apresentados da mesma forma em que foram recebidos. As idéias expostas neste artigo são do autor e não refletem a posição da Military Review, particularmente com respeito ao papel desempenhado por outros Exércitos da América Latina em suas respectivas nações. Não obstante, a pers-pectiva que ele proporciona pode ser de grande valor para os sérios estudos dos conflitos atuais.

    Coronel William M. Darley Editor-Chefe, Military Review

    NANICARÁGUAocorreram duas transições impor-tantes entre 1979 e 1990.Aprimeira ocorreu com o fim da ditadura de Anastácio Somoza e a segunda com a derrota eleitoral da Frente Sandinista. Ambas acon-tecem sob condições de violência e guerra, mas na segunda, as eleições e os mecanismos de negociação foram fatores-chave para a solução da crise. Essas duas transições são as que determinaram o avanço da Nicarágua da inexistência da vida institucional para uma institucionalidadeemergente. Os progressos da democracia nicaragüense não são muitos em suas instituições de Justiça, partidos políticos ou em temas como a resolução da pobreza. A Nicarágua continua sendo uma sociedade onde a política depende de caudilhos, entre-tanto, o grande êxito da pacificação nicaragüense deve-se às grandes transformações que sofreu o poder coercitivo do Estado nas instituições do Exército e da Polícia. Apesar de ser o segundo país mais pobre da América

    Latina, a Nicarágua é, ao mesmo tempo, um dos países mais seguros do continente, com apenas 3,4 homicídios por 100.000 habitantes, uma porcentagem mais baixa que qual-quer cidade grande nos EUAe com uma segurança pública superior à de todos os seus vizinhos e à maioria daAmérica

    Latina. Por outro lado, apesar da instabilidade resultante dos conflitos entre os caudilhos, a violência política, em suas expressõesmaisperigosascomogruposarmados, terrorismo ou crime organizado, é quase inexistente. Enquanto os con-flitos políticos produzem numerosos mortos na Argentina, Bolívia,Venezuela,Colômbia,EquadorePeru,naNicarágua os protestos de rua são freqüentes, mas com um mínimo de resultados fatais. Há uma politização da justiça, mas não existem violações graves dos direitos humanos. Comofoi possível alcançareste resultadopositivo?Como

    foi feita a transição do Poder Ditatorial para o Poder Revo-lucionário edeste para o Poder Institucional Democrático na Nicarágua?As lições negativas e/oupositivasdaexperiência nicaragüense, sem dúvida, podem ser de grande utilidade para outros processos de pacificação. Como indicamos no início, a chave do êxito foi a construção e a institucionali-zação do Exército e da Polícia. No marco do conflito e do processo de transformação do Exército Popular Sandinista para o Exército Nacional da Nicarágua foi elaborada uma doutrinade segurança internabaseadano domínio territorial, e complementada, a seguir, com a criação de uma ordem jurídica institucional que separou o Exército da vida política do país. Como resultado destas medidas, a sociedade ficou

    protegida por uma instituição eficiente no desempenho da segurança pública, que evitou a transformação das confrontações políticas em conflitos armados. Ao ter vida institucional própria, o Exército afastou-se das batalhas dos caudilhos dificultando que estes pudessem manobrá-lo. O Exército e a Polícia são hoje as instituições mais importantes na estabilidade e segurança da Nicarágua. Comparado com o do Equador, Venezuela, Chile, Guatemala, Honduras e Cuba, o Exército nicaragüense é um caso exemplar, dado que nos outros países o exército e a institucionalidade polí-tica continuam misturados ou o primeiro continua sendo o poder real. O fim da ditadura era impossível sem que ocorresse uma

    sobrecarga ideológica revolucionária.Ascondiçõesextremas produzem posições extremas.Acarga ideológicado período antiditatorial cresceu ainda mais com a política do governo de Ronald Reagan. Não houve esforços sérios por parte dos Estados Unidos para entender que a Nicarágua estava vivendoseupróprioprocessodematuraçãopolíticaequepor isso não podia escapar de uma retórica e de atitudes assus-

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  • tadoras, difíceis de entender, mas, no entanto, totalmente lógicas. Após 45 anos de ditadura, os nicaragüenses não podiam emergir com uma política madura e cívica. O caudilhismo primitivo que ainda existe na Nicarágua em suas distintas correntes políticas é conseqüência desse período e levará tempo para ser superado. Este ponto é longo e polêmico, mas para demonstrar o

    quanto era errado interpretar ideologicamente a situação basta ressaltar o seguinte: os Estados Unidos trabalha-ram arduamente para destruir o Exército da Nicarágua e paradoxicamente, hoje, esse Exército é quem dá esta-bilidade ao país. Se tivesse sido destruído, a Nicarágua continuaria em guerra. Os Estados Unidos apoiaram o Exército da Venezuela e supostamente esse Exército está feito a sua imagem e semelhança, e hoje, ele é o centro da instabilidade desse país. A grande lição é que para uma situação com supercarga ideológica não se responde com outra interpretação ideológica. O resultado da insurreição contra a ditadura e da

    guerra contra a resistência contra-revolucionária obrigou o Exército da Nicarágua a organizar seu posicionamento territorial em relação direta com as comunidades. Não havia outro caminho possível, além da interpretação ideológica de que se tratava de um Exército popular e revolucionário. O fato é que o Exército só poderia ser eficaz se desse ênfase ao fator humano. Essa relação com a comunidade é hoje o pilar da doutrina de segurança interna da Nicarágua; isso é o que torna a polícia eficaz apesar de se tratar de estruturas muito pequenas e com um orçamento paupérrimo. Essa relação é a que facili-tou, no pós-guerra e na democracia, que o Exército da Nicarágua se convertesse, em um corpo muito ativo nas tarefas civis de apoio às comunidades. A lição é que sem redes de apoio social ao poder coercitivo não é possível nem a pacificação nem a segurança. Com a queda de Somoza, a Guarda Nacional foi

    totalmente desmantelada, sem tentativas de preservar

    DA GUERRA À PAZ

    parcial ou temporariamente sua estrutura. O estigma era que todos os guardas eram assassinos da ditadura causando a desintegração da Guarda Nacional e faci-litando a organização do corpo principal do Exército dos “Contras”. Logo ocorreram graves erros na política agrária da Revolução que contribuíram à formação de um corpo social aos contra-revolucionários. Estes dois fatores mencionados anteriormente mais o apoio militar dos Estados Unidos contribuíram para que surgisse um novo e maior conflito depois da queda da ditadura. Quando houve a derrota eleitoral do Governo sandi-

    nista em 1990, surgiu uma situação de grande risco. Os grupos radicais de oposição ao sandinismo e setores do mesmo grupo nos EUA pretenderam interpretar esse resultado eleitoral como a queda de um governo. O risco de que uma guerra rural e fronteiriça se convertesse numa guerra civil esteve na ordem do dia. A justificativa teria sido ideológica e contrária à razão que havia motivado o voto da maioria dos nicaragüenses, já que estes tinham votado pela paz. Ao contrário da primeira experiência quando Somoza foi derrubado, nesta nova situação o governo de Dona Violeta Chamorro negocia e chega a um acordo quanto aos termos da transição, aceitando respeitar a institucionalidade incipiente criada pela Revolução, que entre outras coisas, havia realizado as eleições mais livres e com maior participação da história da Nicarágua. A preservação do Exército Popular Sandinista e sua

    reforma posterior como Exército Nacional separado da política e submetido ao poder civil foram os fatores que impediram uma nova confrontação. A lição neste caso é bastante clara, os colapsos totais podem originar um caos que conduza a um novo e mais cruento conflito. Embora os resultados finais de uma guerra estejam condicionados pelo equilíbrio de forças, a experiência demonstra que a negociação é um instrumento da guerra para transitar da violência para a paz por um caminho mais rápido. MR

    O General (Res) Joaquín Cuadra Lacayo, ex-Comandante-em-Chefe do Exército da Nicarágua, foi um dos principais atores na história política da Nicarágua desde a década de 70. Aos 20 anos integrou-se ao movimento guerrilheiro sandinista na luta contra o governo de Anastácio Somoza, considerado um dos mais corruptos do Hemisfério Ocidental. Em 19 de julho de 1979, depois da queda do regime de Somoza e a ascendência ao poder do partido sandinista, o General Cuadra foi nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército Popular com a missão de transformar as colunas guerrilheiras no Exército Regular. Foi durante este período que a Nicarágua e os EUA divergiam como resultado posterior de uma divisão ideológica da Guerra Fria que resultou no conflito armado na América Central. Como conseqüência, durante a década de 80, ele comandou a guerra, operacional e taticamente, contra a Resistência Contra-Revolucionária apoiada pelo governo de Ronald Reagan. Em 1989, o Gen Cuadra participou da negociação e assinatura dos Acordos de Paz, que resultaram nas eleições livres na Nicarágua. Posteriormente, o Gen Cuadra esteve encarregado de reduzir e profissionalizar o Exército Popular Sandinista. Em 1994, foi promovido a General de Exército e nomeado comandante-em-chefe pela então Presidente da Nicarágua, Violeta Barrios de Chamorro. Durante os cinco anos que permaneceu no Comando do Exército, o Exército Popular Sandinista foi denominado Exército da Nicarágua, promovendo ainda mais a profissionalização e o não-partidarismo do Exército, apoiando o processo de democratização que mudou fundamentalmente as instituições políticas, as Forças Armadas e a ordem social da Nicarágua.

    Military Review Março-Abril 2005 3

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  • 4 Março-Abril 2005 Military Review

    “As principais bases que os Estados têm, sejam novos ou velhos, são boas leis e boas armas. E como não podem existir boas leis onde não há armas boas, e onde há armas boas convém que existam boas leis”.1

    HÁ GRANDE controvérsia sobre a atuação das Forças Armadas na Segurança Interna de seus respectivos países. Historicamente no con-tinente americano, as Forças Armadas vêm atuando, com maior ou menor intensidade, na Segurança Interna da maior parte dos países, inclusive, em determinados momentos históricos, intervindo fortemente na Expres-são Política. Todavia está claro que o mundo atual vem enfren-

    tando modificações em todos os âmbitos e a Expressão Militar do Poder Nacional não pode estar alheia a estas mudanças e às necessárias adaptações e atualizações decorrentes. As contradições existentes no mundo atual forte-

    mente influenciado pelo fenômeno chamado globaliza-ção e a crescente tendência em atribuir novas missões ao componente militar, permitem identificar ameaças que, por terem um caráter global, transcendem a capa-cidade dos Estados de combatê-las de forma autônoma e eficaz. São as chamadas ameaças transnacionais, que têm aspectos difusos e ultrapassam com facilidade as fronteiras físicas dos Estados e que atingem a todo o continente, uma vez que uma das características bási-

    cas do fenômeno da globalização, que o diferencia de processos similares de outras épocas, é a diminuição da autonomia do Estado para condução de políticas públicas, bem como a diminuição de seu poder rela-tivo diante do surgimento de outros atores e forças no cenário internacional. Na verdade, o próprio cenário internacional não é mais apenas “internacional” mas também “transnacional”, na medida em que os atores não se resumem apenas aos Estados-Nação soberanos. Hoje, o cenário é composto também por forças e atores autônomos, totalmente independentes dos Estados tais como: o mercado; as organizações internacionais; as empresas transnacionais e mesmo os indivíduos. Como conseqüência, evidencia-se uma série de fenômenos que afetam a autonomia do Estado, como por exemplo: a dificuldade na condução de políticas macroeconômicas devido à existência de mercados financeiros globali-zados; a obrigação de negociar com empresas trans-nacionais para aquisição de tecnologia; a necessidade de dialogar com organizações não-governamentais ou organismos internacionais para adoção de políticas ambientalistas, entre outros. A despeito, porém, de verificar-se que o Estado teve

    seu campo de atuação modificado e limitado frente aos diversos atores da globalização já mencionados, ainda é o ator mais forte e de maior peso no contexto internacional. Daí postularmos a necessidade de revisão de muitas

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  • concepções que, por mais de meio século, pautaram as estruturas e o funcionamento dos Estados-Nação e, conseqüentemente de suas Forças Armadas e seu papel diante das mudanças ocorridas. Ao conjunto dessas mudanças que começou a ser introduzido em todos os aspectos da Expressão Militar do Poder Nacional deu-se o nome de Revolução em Assuntos Militares (RAM), cujo período de transformações iniciado de modo mais visível a partir de 1990 veio a ser batizado de Pós-Modernismo Militar (PMM). Se por um lado a facilidade de acesso aos meios de

    comunicações informatizados amplia as ameaças na medida em que quase todos os países ou grupos têm capacidade de utilização destes meios, por outro lado a forte pressão exercida pela opinião pública tanto nacio-nal quanto internacional, limita de forma significativa a ação dos Estados em empregar estes meios, limitação esta tanto maior quanto maior for a liberdade do regime e da mídia nos países considerados. O ambiente globalizado, a informatização das comu-

    nicações e a introdução de novos paradigmas, tanto internamente, quanto no relacionamento internacional, obriga a que as Forças Armadas adotem posturas mais modernas e busquem adaptar o papel que desempenham em seus respectivos países de forma afinada com esta nova realidade mundial, sob pena de ficarem ultrapas-sadas e não mais atender aos legítimos anseios de suas sociedades.

    O Estado-Nação e as ForçasArmadas após a queda doMuro de Berlim “Essa desmassificação das economias avançadas é

    acompanhada por uma desmassificação de ameaças no mundo, quando uma única ameaça gigante de guerra entre superpotências é substituída por uma profusão de “nichos de ameaças”.2 Com a euforia que se propagou ao término de quase

    meio século de Guerra Fria, começaram a ser difun-didas proposições no sentido de que não haveria mais guerras e o relacionamento internacional seria regido pelas grandes empresas globais. Uma dessas proposições se dirigia no sentido de que

    as Forças Armadas da maioria dos países deveriam ser drasticamente reduzidas e suas missões revistas. Na prática, isso poderia significar sua completa des-caracterização, transformando-as em pouco mais do que milícias. Outra proposição sustentava que as fronteiras nacio-

    nais deixavam de ter razão de ser, e que o Poder Judi-ciário de cada país deveria ficar subordinado a grandes tribunais internacionais. Uma terceira pregava que a concepção de desenvolvi-

    mento nacional estava ultrapassada e que o caminho da

    Military Review Março-Abril 2005

    DEFESA INTERNA NO CONTINENTE

    modernidade exigia a privatização total das economias menos avançadas. Acrescentava, ainda, que caso isso viesse a redundar em desnacionalização dessas econo-mias, não haveria prejuízo, pois se beneficiariam dos processos de regionalização advindos da globalização. Em suma, pretendia-se abolir o Estado-Nação como estava concebido até então, abandonando as principais concepções doutrinárias em que se fundamentava e descaracterizando suas Forças Armadas. Dentre as concepções doutrinárias que se buscava

    abolir destacam-se as de Segurança e Defesa. Veri-fica-se, ao longo do tempo, uma estreita relação entre elas e esse é um dos problemas conceituais onde se observa maior desacordo. As distintas posições se dão

    Historicamente no continente americano, as Forças Armadas vêm atuando, com maior ou menor intensidade, na Segurança Interna da maior parte dos países, inclusive, em determinados momentos históricos, intervindo fortemente na Expressão Política.

    devido ao diferente enfoque atribuído por cada país às ameaças tradicionais ou problemas de segurança não tradicionais, tais como: desastres naturais, narcotráfico, segurança pública, terrorismo e outros. No cerne desta questão, muito se tem tratado ultima-

    mente da participação das Forças Armadas em assuntos ligados à Segurança Pública. Reflexo, por certo, na maioria dos casos, do legítimo desejo da população de ver restabelecida a ordem pública, em muitos países comprometida por incapacidade ou inapetência de alguns governos em garantir ao cidadão e à comunidade o mínimo de segurança a que têm direito. Tal fato é com freqüência constatado nas grandes cidades, fortemente traumatizadas pelo problema da delinqüência, do narco-tráfico e do crime organizado, cujas raízes encontram-se em desequilíbrios políticos e sócio-econômicos e que retrata a etapa conturbada de transição que o mundo está experimentando neste início de século. Entretanto, espelha também o desconhecimento das diferenças entre os conceitos de Segurança Pública e de Segurança Interna, interligados, é verdade, em alguns aspectos, mas de características distintas, principalmente quanto à natureza, à amplitude e à gravidade da ameaça a ser debelada e, principalmente, aos meios a serem empre-gados na ação.

    Identificação do “inimigo” “O mérito supremo consiste em quebrar a resistência

    do inimigo sem lutar”.3 Os mais de cinqüenta anos de Guerra Fria habituaram

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  • o público em geral e até mesmo alguns estudiosos do relacionamento internacional da maioria dos países à comodidade de personificar o inimigo do Estado em um país ou grupo de países. Em conseqüência, no mundo após a queda do Muro de Berlim, uma das principais dificuldades com que se deparam os responsáveis pela formulação de Políticas de Defesa e Segurança reside na identificação do “inimigo”, sobretudo em termos de fácil aceitação e compreensão pela respectiva Sociedade. No entanto, a solução parece simples. O que sempre

    está em disputa são importantes interesses econômicos. A premissa é clara: no relacionamento internacio-

    nal não há amigos nem inimigos, apenas interesses, conflituosos ou conciliáveis. Conseqüentemente, o “inimigo” de um Estado-Nação consiste em todos e quaisquer interesses que ameacem ou visem prejudicar seus próprios interesses. Caberá, pois, aos governantes de cada país, identificar os diferentes interesses e fazer

    As Forças Armadas dos países do continente, muito provavelmente, continuarão a desempenhar seu

    histórico papel de desenvolver ações de Segurança Interna, toda vez que os Objetivos Nacionais Permanentes do Estado estejam ameaçados e em conformidade com as Constituições e

    legislações de cada país.

    com que o Congresso e a opinião pública sejam capazes de perceber a nocividade destes interesses contrários aos nacionais. Paralelamente no ambiente eufórico ao término

    da Guerra Fria e em meio a essas dúvidas quanto à identidade do inimigo, expandiu-se a idéia da desne-cessidade das Forças Armadas. Foram lançadas propo-sições visando dar nova feição ao componente militar dos países em desenvolvimento, sob o rótulo de novas missões, ou mesmo, em casos extremos, propugnando sua extinção sob a alegação da inexistência de ameaça externa, ou caso essa viesse a existir, outra Nação mais poderosa, encarregar-se-ia de sua defesa. Os países desenvolvidos também difundiram a

    necessidade de adoção de novas missões, porém com características muito distintas, que na verdade cor-respondia à orientação de crescente possibilidade de intervencionismo em países que venham a contrariar ou ameaçar seus interesses. No entanto, não pode haver qualquer dúvida sobre

    a necessidade continuada de Forças Armadas; basta recordar que são parte inseparável do Poder Nacional, que por definição é a capacidade dos Estados Nacionais para produzir os efeitos desejados na conduta de outros

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    e, portanto, se as Forças Armadas sofrem redução qua-litativa, seja por degradação de meios e recursos, seja por rebaixamento das atribuições de emprego, haverá inevitavelmente diminuição do Poder Nacional como um todo. Admite-se, sem dúvida, a possibilidade da necessi-

    dade de atualizar suas missões, organização e estrutura para fazer face à nova realidade mundial.

    Novas Concepções Militares “Já sabemos que formas mais antigas de guerra não

    desaparecem por inteiro quando surgem outras mais novas”.4 Por não serem ligações entre Estados soberanos, as

    ameaças transnacionais, incluídas no que se passou a chamar de novas ameaças são distintas de outras ameaças, mais tradicionais, que claramente requerem o emprego do aparato militar bélico de um país. Em contraste às tradicionais ameaças à Segurança, as novas ameaças muitas vezes não são inicialmente identificadas como tal e crescem lentamente, não configurando uma crise imediata que possibilite o estabelecimento de um objetivo claro, onde seja possível concentrar as medidas de prevenção ou combate. Da mesma forma que o fenômeno da globalização,

    as novas ameaças, no sentido genérico, não são novas em sua existência, mas sim em algumas formas ou na maneira de se apresentarem e, principalmente, pelo maior perigo que representam, devido à sinergia resul-tante da interação entre algumas delas e à fragilidade atual das relações internacionais. Esta percepção de novas ameaças tem ensejado que

    países como os Estados Unidos possam alegar que processos de desestabilização em outros países possam representar ameaça aos seus interesses, justificando a aplicação do conceito atual de gerenciamento de crises, que pode envolver as chamadas “causas nobres”, que vão desde as intervenções humanitárias, operações de manutenção ou imposição da paz, até mesmo o emprego da Força Armada nos chamados “ataques preventivos”. Em outras palavras, esse novo gerenciamento de crises traduz o empenho dos países desenvolvidos em trans-formar o intervencionismo em forma normal e legítima de atuação internacional. Os estudos indicam que a modernidade das Forças

    Armadas para fazer frente a estas ameaças passará por um processo de cooperação militar cada vez maior. Uma estratégia completamente nova e que tenha visão de longo prazo é requerida, pois visões de curto prazo trabalham freqüentemente contra a cooperação uma vez que, normalmente, enfatizam o protecionismo domés-tico. Os componentes desta estratégia – democracia, livre comércio e cooperação de segurança – estão ligados a preocupações com pobreza, desenvolvimento

    Março-Abril 2005 Military Review

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  • DEFESA INTERNA NO CONTINENTE

    Soldados do Exército Brasileiro durante operação de segurança integrada realizada no Rio de Janeiro, na década de 90.

    Exército

    Brasileiro

    econômico, crime, corrupção e igualdade social. A cooperação em matéria de Segurança e Defesa é

    diversa, e conforme seja a ameaça, tem diferente peso específico para cada país. Existem ameaças que podem ser consideradas comuns ao continente, no entanto estão presentes em muitos países apenas hipoteticamente. É o caso do terrorismo; após os atentados de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos têm tratado de convencer o restante dos países para que concentrem a cooperação no seu combate, pois para os Estados Unidos é uma ameaça presente, mas para a maioria é apenas hipotética. Outras ameaças à Segurança ou Defesa percebidas

    no continente são na verdade problemas estruturais, econômicos, sociais ou políticos não resolvidos e a precariedade do desenvolvimento das Instituições do Estado para fazer frente a estes problemas. Em alguns países os problemas estruturais são ainda agravados por migrações em massa. Há, ainda um grande risco de se considerar assuntos

    de subdesenvolvimento em diversos países como temas de Segurança e Defesa. Na verdade, as preocupações são originalmente derivadas de deficiências das políti-cas sociais e econômicas, não sendo assunto de caráter militar e, portanto, a responsabilidade por sua solução repousa em outros órgãos governamentais, cabendo às Forças Armadas tão somente apoiar e cooperar num esforço nacional e integrado de desenvolvimento. Por conseguinte, o grande desafio que se apresenta

    Military Review Março-Abril 2005

    aos países é identificar, classificar e definir as ameaças que podem afetar sua própria Segurança. Para tanto, é necessário desenvolver uma análise específica da realidade nacional em cada país, estabelecendo parâmetros que per-mitam distinguir os possíveis fatos que possam apresentar-se definitivamente como ameaças; não obstante, qualquer situação de ameaça que se identifique estará condicionada ao grau de desenvolvimento e capacidade que cada Estado terá para dar resposta à ameaça identificada. Neste sentido, a Organização dos Estados Americanos

    (OEA), reconhece que as novas ameaças, preocupações e desafios à segurança no Hemisfério são de natureza diversa e alcance multidimensional e que o conceito e enfoque tradicionais devem ser ampliados para abran-ger ameaças novas e não-tradicionais, que incluem aspectos políticos, econômicos, sociais, de saúde e ambientais.5 Não descarta, portanto, as ameaças tradicionais, pelo

    contrário, afirma que “a multidimensionalidade inclui as tradicionais e as novas ameaças. Ressalta, ainda, que cada Estado tem o direito soberano de identificar suas próprias prioridades nacionais de segurança e definir as estratégias e planos para fazer frente às ameaças à sua segurança, em conformidade com seu ordenamento jurí-dico e com pleno respeito ao Direito Internacional.6 A expansão da idéia da desnecessidade das Forças

    Armadas e as proposições visando dar nova feição ao componente militar da maioria dos países do conti-

    7

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  • Blindados do Exécito Brasileiro percorrem as ruas de Salvador, capital da Bahia, cooperando com a garantia da lei e da ordem.

    Exército B

    rasileiro

    nente, ou mesmo, propor sua extinção sob a alegação da inexistência de ameaça externa, ou caso essa viesse a existir, outra Nação mais poderosa, encarregar-se-ia de sua defesa, esbarra frontalmente com o texto da citada Declaração, onde consta: O pleno respeito à integridade do território nacional, à soberania e à independência polí-tica de cada Estado da Região constitui base fundamental da convivência pacífica e da segurança no Hemisfério. Reafirmamos o direito imanente de legítima defesa, individual e coletiva, de todos os Estados e nosso com-promisso de nos abster de recorrer ao uso da força ou à ameaça do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou a qual-quer outra forma incompatível com a Carta das Nações Unidas e a Carta da OEA. E conclui: Reafirmamos que, no âmbito da paz, da cooperação e da estabilidade alcançadas no Hemisfério, cada Estado americano é livre para determinar seus próprios instrumentos para a defesa, incluindo a missão, o pessoal e as forças armadas e de segurança pública necessárias para a garantia de sua soberania, bem como aderir aos instrumentos jurídicos correspondentes no âmbito da Carta das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos.7 Por isso, a evolução das Forças Armadas nos países

    desenvolvidos precisa ser acompanhada de modo diuturno durante o processo de pós-modernização pelos países em

    8

    desenvolvimento, que deverão também atualizar continua-mente suas vulnerabilidades, decorrentes do avanço tecno-lógico e da dinâmica da globalização, para que não sejam deixados para trás em seu processo de modernização.É também essencial que esse processo implante, ou

    restabeleça a indústria de material de emprego militar, com empenho continuado na pesquisa e desenvolvi-mento (P&D) e buscando, na medida do possível, sua viabilidade econômica. Estas ações de modernização só serão exeqüíveis se

    os países em desenvolvimento adotarem uma política continuada de cooperação, ou seja, ela será possível através do processo somatório do Poder Nacional dos países participantes, uma vez que as percepções modernas dos graus e das modalidades de cooperação internacional e integração regional podem permitir um processo eficaz de integração dos Poderes Nacionais individuais de cada país, cujo efeito sinérgico é maior que a soma dos poderes nacionais de cada um.

    Redefinição das Missões dasForças Armadas “A guerra é o reino da incerteza: três quartos dos

    assuntos que devem ser planejados na guerra ficam mais ou menos envoltos em nuvens densas de incertezas”.1 A questão do narcotráfico, como exemplo, talvez

    Março-Abril 2005 Military Review

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  • seja a que necessite mais urgente tratamento e a que exige maior cuidado no que tange a não desvirtuar, nem confundir o papel que as Forças Armadas devem desempenhar nesta questão. Será preciso, em cada país, a expedição de diretrizes que especifiquem cui-dadosamente o que será atribuição, por um lado dos órgãos policiais e, por outro, das Forças Armadas, especialmente no que se refere à vigilância e proteção das faixas de fronteira, dos rios internacionais e do controle do espaço aéreo. A eficácia dessas diretrizes dependerá em grande medida da clareza da defini-ção dos papéis de cada componente, em termos de comando, controle, comunicações e inteligência (C3I), sendo, ainda, indispensável o estreito entrosamento com autoridades de Relações Exteriores, uma vez que ações internas podem ter, e muitas vezes têm, reflexos internacionais, principalmente quando se está tratando de delitos transnacionais que não respeitam as fron-teiras estabelecidas. Por outro lado, é preciso ter em mente que parcela

    considerável das lideranças nacionais não vê com bons olhos a participação das Forças Armadas de seu país no combate a estas novas ameaças, pela simples razão histó-rica de que os militares exerceram o governo em muitos países durante vários anos e estas lideranças vêem com certa apreensão e receio o fortalecimento das instituições militares, temerosos de que, voltando à cena nacional e como possíveis responsáveis pela solução, ou pelo menos diminuição de graves problemas por que passam as Sociedades, os chefes militares voltem a almejar o poder afastando as lideranças políticas civis, o que, nestas circunstâncias, poderia contar com um provável apoio da ampla maioria da população.

    Conclusão “...o verdadeiro objetivo da guerra é a paz”.9 “ A Nação que não traçar seu próprio rumo o terá

    traçado por outra”.10 As Forças Armadas dos países do continente, muito

    provavelmente, continuarão a desempenhar seu histó-rico papel de desenvolver ações de Segurança Interna,

    DEFESA INTERNA NO CONTINENTE

    toda vez que os Objetivos Nacionais Permanentes do Estado estejam ameaçados e em conformidade com as Constituições e legislações de cada país, que, de um modo geral, já prevêem este emprego sob certascircunstâncias. É importante, porém, não confundir Segurança Interna com Segurança Pública, cuja missão é específica dos mecanismos policiais dos Estados. As Forças Armadas não estão preparadas, nem pos-

    suem equipamentos adequados para este fim; tão pouco a legislação da maioria dos países lhes atribui o necessário poder de polícia para ações desta natureza. Em conseqüência, o emprego das Forças Armadas

    em ações de Segurança Pública apenas cria desgaste, descaracteriza a Força Armada como tal, por atribuir-lhe missões para as quais não está preparada, e enfraquece de modo significativo o Poder Nacional, na medida em que enfraquece sua Expressão Militar. As características, porém, da atuação das Forças

    Armadas na Segurança Interna possivelmente irão mudar, adaptando-se aos desafios do Pós-Modernismo Militar e não mais intervindo na Expressão Política, pelo contrário, subordinando-se a ela e sendo seu instrumento de manutenção da estabilidade política e social e também participante ativo do Desenvolvimento Nacional, fatores indispensáveis à Segurança Interna e Externa dos Estados soberanos.MR

    Referências

    1. Maquiavel, Nicolau; O Príncipe. p. 75.. 2. Toffler, Alvin e Heidi; Guerra e Anti-Guerra. p 112.. 3. Sun Tzu; A Arte da Guerra. p 8. 4. Toffler, Alvin e Heidi; Guerra e Anti-Guerra. p. 105. 5.Declaração sobre Segurança nas Américas aprovada na terceira sessão plenária

    da Assembléia Geral em 28 de outubro de 2003 6. Ibid 7.Declaração sobre Segurança nas Américas aprovada na terceira sessão plenária

    da Assembléia Geral em 28 de outubro de 2003. 8. Leonard, Rogers Ashley; Clausewitz Trechos de sua Obra. p. 59. 9. Sun Tzu; A Arte da Guerra. p.15 10. Embaixador Marcos Henrique Camilo Côrtes, em palestra proferida na Escola

    de Comando e Estado-Maior do Exército, 2000, Rio de Janeiro, Brasil.

    O Cel Ivan C. Rosas graduou-se em 1977 na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Possui os cursos de Operações na Selva, Aperfeiçoamento de Oficiais de Infantaria e Comando e Estado-Maior do Exército, todos no Brasil, além do Curso Superior de Segurança e Defesa Hamisféricas do Colégio Interamericano de Defesa em Washington, DC. O Cel Rosas foi instru-tor da AMAN, da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército; participou da Missão de Paz das Nações Unidas em El Salvador (ONUSAL) e comandou o 19º Batalhão de Infantaria Motorizado, sediado em São Leopoldo, RS, além de ter participado do Exercício Cruzeiro do Sul na Argentina em 1996 e dos Exercícios Forças Unidas no Uruguai em 1996 e no Equador em 2001. Atualmente, o Cel Rosas é assessor do Colégio Interamericano de Defesa em Washington, DC.

    Military Review Março-Abril 2005 9

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    http:soberanos.MRhttp:outra�.10

  • 10 Março-Abril 2005 Military Review

    EM 2003, o Secretário do Exército, Thomas E. White, determinou à Escola de Guerra do Exér-cito dos EUA que fizesse um estudo sobre como o Exército poderia eficazmente analisar os comandantes para detectar aqueles que poderiam ter um “estilo de liderança destrutiva”.1 O primeiro e mais importante passo na detecção e tratamento de liderança nociva é reconhecer os sintomas. Os termos líder nocivo, gerente nocivo, cultura nociva

    e organização nociva aparecem, cada vez mais, nos livros de negócios, liderança e administração. O analista Gillian Flynn oferece uma definição bem descritiva de um gerente nocivo: “é aquele tipo que intimida, ameaça e grita. Aquele cujo estado de espírito determina, no dia a dia, o clima no ambiente de trabalho. Aquele que força os empregados a cochicharem em solidariedade nos seus cubículos de trabalho ou nos corredores. Aquele chefe dos infernos que menospreza e calunia. Chame-o como quiser — de péssimas maneiras interpessoais, de manei-ras desagradáveis no trabalho — mas algumas pessoas, simplesmente devido à sua intolerável personalidade, tornam o convívio diário um inferno.”2 Na revista eletrônica de Kathy Simmon Executive

    Update Online, Rob Rosner descreve seu conceito de atmosfera nociva: “É tudo uma questão de objetivo final, sem importar os meios para atingi-lo. É quando os chefes somente sabem exigir sem dar nada em troca. E finalmente, é a dor retratada na face de todos os que trabalham naquele lugar.”3 A escritora Márcia Whicker descreve o comandante nocivo como sendo “desajustado, descontente, com freqüência de má índole e até mesmo malicioso. O seu sucesso é baseado na derrota dos seus subordinados. Comprazem-se protegendo seus territó-rios, lutando e controlando ao invés de auxiliar os seus subordinados”.4

    Em 2003, vinte alunos da Escola de Guerra do Exér-cito fizeram um trabalho sobre este tema — o papel do comandante no ambiente em que comanda. Os alunos produziram uma bem ponderada descrição do coman-dante nocivo: “Os comandantes nocivos concentram-se apenas nas missões visíveis e a curto-prazo. Fazem excelentes e bem articuladas apresentações para os comandantes superiores e respondem entusiasticamente às tarefas. Contudo, não se preocupam ou se esquecem dos seus subordinados, do moral da tropa ou do clima no ambiente de trabalho. São considerados pela maioria dos seus subordinados como arrogantes, egoístas, inflexíveis e mesquinhos.”5 Um comandante decisivo, exigente, que fala em voz

    muito alta, não é necessariamente nocivo. Um coman-dante com fala mansa e fisionomia sincera também pode ser nocivo. Afinal de contas, não é apenas um compor-tamento específico que o caracteriza, ou não, como um comandante nocivo; será com o passar do tempo, que o efeito cumulativo do seu comportamento desestimula-dor no moral da unidade e no ambiente profissional o qualificará. Em uma visão distorcida, os comandantes nocivos podem ser elementos altamente competentes e eficazes, porém contribuem para um péssimo ambiente de trabalho com conseqüências muito além do seu período de permanência no cargo. Os três elementos-chave da síndrome do líder nocivo são: • Uma evidente despreocupação pelo bem-estar dos

    subordinados. • Uma personalidade ou técnica interpessoal que afeta

    negativamente o ambiente organizacional. • Os subordinados estão convictos que a principal

    motivação do comandante é o auto-interesse. Stephen E. Ambrose, no seu best seller Band of Bro-

    thers, oferece um exemplo de um comandante nocivo

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  • — o detestado comandante da Easy Company, 506º Regimento de Infantaria Pára-Quedista.6 Ambrose diz: “Qualquer um que já esteve no Exército conhece esse tipo. Era o clássico criador de caso. Conseguia gerar o máximo de ansiedade por um problema de mínima significância”. Não tinha bom senso, e seu estilo criava um ressentimento geral. Ele “não via a agitação e o desprezo que proliferavam na tropa. Pode-se liderar pelo medo ou pelo exemplo. Nós éramos liderados pelo medo”.7 Nenhum dos oficiais dos escalões superiores tomou uma decisão e, como sempre, ninguém reclamou oficialmente, mas os soldados já estavam considerando resolver o problema por eles mesmos e já haviam falado em “matá-lo” quando a companhia entrasse em combate.8 A situação não chegou a esse ponto porque o comandante deixou a unidade Easy Company antes dela se engajar nas operações. Infelizmente, líderes nocivos ainda existem nas Forças

    Armadas. Praticamente todos os alunos da Escola Supe-rior de Guerra do Exército, que participaram do projeto, poderiam dizer alguma coisa sobre o que significa servir sob o comando desse tipo de líder. Esses relatos são, com freqüência, acompanhados de um sentimento de incredulidade quando comandantes nocivos são promo-vidos a posições com responsabilidade ainda maior. O comentário de um oficial foi: “Temos o imperativo moral de fazer algo para identificar esses oficiais e impedi-los de avançarem na carreira. Quando mais alto chegam profissionalmente, mais danos causam.”9 Um participante desse mesmo estudo explicou a reação de outros com-panheiros quando o nome de um líder nocivo apareceu na muito esperada lista de promoção: “Todos sabemos os “comentários” feitos quando da publicação da lista. ‘Deus! Como puderam fazer isso para o meu Exército? O que esta acontecendo com essa gente? O que estão pensando?’”10 Para os pobres subordinados, os líderes nocivos

    representam um desafio diário provocando um estresse desnecessário, valores negativos e um sentimento de desesperação. Comandantes nocivos são uma maldição para a saúde das unidades. Podem ser muito responsáveis com o cumprimento das missões recebidas do comando superior e atentos com seus colegas e especialmente com seus superiores, mas suas deficiências são evidentes no trato com os subordinados. Comandantes nocivos alcançam a sua posição na carreira, pisando nas cabeças daqueles que trabalham para eles. Desgastam suas uni-dades e deixam um óbvio rastro de destruição para os seus sucessores. Soldados que servem sob o comando de líderes nocivos podem ficar desiludidos com o Exército ou, pior ainda, podem resolver imitar o comportamento do comandante nocivo bem-sucedido. Os líderes nocivos não acrescentam valor para as orga-

    nizações que comandam, até mesmo quando a unidade é

    Military Review Março-Abril 2005

    LIDERANÇA NOCIVA

    bem-sucedida. Não produzem um alto nível de confiança que leva à coesão da unidade e espírito de corpo. Por que, nos perguntamos, uma organização cujo

    trabalho é obviamente norteado para as pessoas e que dá tanta ênfase em liderança, tolera essas pessoas? O Manual de Campanha dos EUA, FM 3-0, Operations, apresenta um exemplo da ênfase doutrinária do Exército sobre a liderança: “O papel do líder é fundamental para todas as operações do Exército e a confiança é o atributo principal na dimensão humana da liderança em combate. Os soldados devem confiar e se sentir seguros com seus comandantes. Uma vez perdida a confiança, um líder passa a ser ineficaz.”11 Talvez exista alguma coisa a respeito da cultura militar

    Gillian Flynn oferece uma definição bem descritiva de um gerente nocivo: “é aquele tipo que intimida, ameaça e grita. Aquele cujo estado de espírito determina, no dia a dia, o clima no ambiente de trabalho. Aquele que força os empregados a cochicharem em solidariedade nos seus cubículos de trabalho ou nos corredores. Aquele chefe dos infernos que menospreza e calunia. Chame-o como quiser . . . mas algumas pessoas, simplesmente devido à sua intolerável personalidade, tornam o convívio diário um inferno.”

    combinada com várias políticas de pessoal que contri-buem para agüentar em silêncio esse tipo de comandan-tes. Acima de tudo, os soldados querem ter orgulho de suas unidades, e o sentimento de lealdade existente no Exército dificulta a exposição de problemas. Os subor-dinados talvez não denunciem um líder nocivo, porque ninguém gosta de pessoas que se queixam. Espera-se dos profissionais o melhor comportamento possível, apesar do estilo de liderança do chefe. O Exército desenvolve uma atitude de respeito pelo grau hierárquico, mesmo que a pessoa que o ocupa não o mereça. A cultura militar aprecia a competência técnica e esse fator poderá levar certos superiores a fazerem vistas grossas aos defeitos do comandante nocivo. As atuais políticas de pessoal transferem, com freqüên-

    cia, os oficiais, fato que pode também incentivar alguns a esperar que o comandante nocivo seja designado para outra unidade ou função. Em um sistema de substituições individuais, comandantes e soldados trocam de funções tão frequentemente que sempre há luz no final do túnel. É somente uma questão de tempo até que o soldado insatisfeito ou o comandante nocivo seja transferido. Entretanto, livrar-se do comandante nocivo da forma

    11

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  • mencionada talvez não perdure por muito tempo. O Exér- porque os oficiais de maior hierarquia são um forte cito está estudando planos para o rodízio de unidades, o exemplo e também porque mudar o sistema de avaliação que não proporcionaria o meio de escapar oferecido pela é dispendioso. As avaliações feitas por multiavaliadores substituição individual. deveriam começar pelos oficiais generais e prosseguir até

    Denunciando Comandantes Nocivos

    o escalão companhia. Um dos representantes comentou que “os oficiais de mais alto escalão não podem expe-rimentar esse método imediatamente nos escalões mais

    A maioria dos participantes desse estudo aceitou o baixos para ver se funciona; deve ser experimentado de fato de que os avaliadores podem ser enganados por cima para baixo. Se os oficiais generais perceberem como comandantes nocivos. Um dos participantes comentou: o processo funciona, procurarão adaptar e acomodar os “O supervisor é o centro do nosso sistema em termos de pequenos pontos de desacordo — e a avaliação será então incentivos, recompensas e punições. A única opinião que instituída.”17 Aceitar o conceito como uma ferramenta de conta é a da pessoa que escreve a avaliação do oficial avaliação do multiavalidor é uma expressiva mudança (OER — officer evaluation report).”12 Outro disse: “O cultural, por isso recomenda-se seu uso como uma que não sabemos é o que os subordinados e os colegas ferramenta experimental, durante alguns anos, antes de pensam. Posso dizer, e a maioria concordaria, que o empregá-la no processo de avaliação da performance. fato de algumas pessoas para quem trabalhamos serem Os participantes do estudo também notaram que comandantes nocivos é conhecido dos subordinados e não ferramentas para avaliar o ambiente da unidade, como dos superiores. O desafio é receber esta informação.”13 as pesquisas de opinião conduzidas pelo Instituto de Uma forte mensagem apresentada pelo grupo de estudo Gerenciamento de Defesa de Igualdade de Oportunidades foi a de se estabelecer, sem perda de tempo, um processo (Defense Equal Opportunity (EO) Management Institute), de avaliação mais amplo, que considere a opinião dos são úteis e poderiam ser de grande auxílio na identificação colegas e subordinados bem como a dos superiores. dos líderes nocivos. No artigo The Hidden Driver of Great O General Walter F. Ulmer Jr., antigo diretor executivo Performance publicado no Harvard Business Review,

    do Centro de Liderança Criativa, faz uma importante Daniel Goleman, Richard Boyatis e Annie Mckee con-distinção entre a avaliação dos supervisores e o processo cordam que: “Um número alarmante de comandantes não onde os subordinados são solicitados a descrever seu sabe realmente se o que dizem causa algum impacto nas chefe.14 Nem todos os subordinados são competentes para suas organizações. Ainda mais, eles sofrem da doença do avaliar o chefe, mas podem relatar se têm sido atormen- chefe executivo, cujo sintoma indesejável é a total igno-tados por comandantes inflexíveis, desrespeitosos, que rância de como a organização reage aos seus sentimentos, procuram benefícios pessoais acima dos compartilhados apelos e ações. Não estamos querendo dizer com isso que pela unidade, agem de forma antiética ou empregam os comandantes não se importam como são percebidos; medo e intimidação. Subordinados talvez não tenham a maioria se importa. Mas, incorretamente assumem que a perspectiva necessária para avaliar a pessoa como um podem decifrar essa informação. Pior ainda, pensam que todo, mas certamente têm condições de comentar sobre se estiverem causando algum efeito negativo, alguém os certos comportamentos de liderança importantes e, se notificará. Eles estão errados.”18 confiam e respeitam os seus respectivos comandantes. Os participantes do estudo da Escola Superior de Muitos dos participantes do grupo de estudo estavam Guerra do Exército sugeriram que as pesquisas existentes

    preocupados sobre como um multiavaliador ou um de avaliação do ambiente poderiam ser melhoradas em esquema de avaliação de 360º seria implementado.15 termos do conteúdo, administração e interpretação do Alguns estavam preocupados com comandantes que mesmo. Um participante disse: “Tenho certo cepticismo fazem certas concessões para seus subordinados ou sobre as muitas pesquisas baseadas em quando, como e não são enérgicos nem exigentes para fazê-los cumprir que perguntas foram feitas.”19 suas obrigações. Outros achavam que os soldados eram Alguns participantes pediam dados sobre o ambiente, totalmente capazes de distinguir entre o comandante que planejados especificamente para identificar um problema determina e impõe altos padrões daquele que abusa da de líder nocivo: “As pessoas com que trabalhei não autoridade e é nocivo: “Os soldados querem comandantes tinham condições de planejarem uma pesquisa com as competentes. Alguém que assuma o comando e execute perguntas que eu gostaria de ver respondidas. Eram os o trabalho, mesmo sendo, às vezes, bastante exigente. representantes da Igualdade de Oportunidades, mas isto A preferência será por esse líder no lugar de outro que vai além do escopo dessa organização. Embora esse seja acochambre a tropa e pareça sempre satisfeito com o um aspecto importante, há ainda outros que precisam ser trabalho. Os comandados conhecem a diferença.”16 abordados. As perguntas devem ser planejadas com o Os participantes do estudo concordaram que qualquer alvo, isto é, o comandante, em mente. Pode-se discernir

    mudança deveria ser implementada de cima para baixo, entre incompatibilidade de meios versus o tipo ‘imbecil’

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  • LIDERANÇA NOCIVA

    Departameto de Defesa

    descrito por Myers-Briggs (MBTI — Myers-Briggs Type Indicator é um instrumento de identificação de caracte-rísticas pessoais desenvolvido por Katharine Cook Briggs e Isabel Briggs).”20 O participante astutamente mostrou que, embora a liderança seja uma variável importante na determinação do ambiente de comando, outras variáveis, como falta de meios para missões designadas, também fazem parte do conjunto. Pesquisas para a avaliação do ambiente de trabalho são

    ferramentas empregadas pelos comandantes para avaliar suas próprias unidades. Há um considerável cepticismo que os líderes nocivos talvez não tomassem as ações disciplinares apropriadas a não ser que os resultados sejam fornecidos aos avaliadores. Um outro exemplo apresentado por um participante foi sobre o fracasso de um líder nocivo de mudar seu comportamento em resposta a uma pesquisa de opinião: “Esse homem era louco. Todas essas formas foram empregadas ao máximo. Todos os esquadrões tinham provas e mais provas sobre o comportamento desse comandante e absolutamente nada foi feito a respeito. Essas pesquisas não são devolvidas ao Exército, mas sim ao comandante. O sistema deve ser mudado.”21 Os participantes desse estudo duvidam que o Exército

    queira identificar e tratar do problema do líder nocivo se eles forem eficazes, pelo menos a curto prazo. Outro participante afirmou que “essas pessoas permanecem no

    Military Review Março-Abril 2005

    cargo, não porque são líderes nocivos, mas porque obtêm resultados”.22 Outro falou: “A liderança do Exército tem visto alguns comandantes nocivos — e o que fizeram à respeito? Eu ficaria muito surpreso se alguma coisa fosse feita”.23 Um comentário feito abordou diretamente o assunto: “Algumas organizações fazem alguma coisa quando se deparam com um comandante nocivo, outras não. Tipicamente, os que nada fazem é porque gostam dos resultados.”24 Os comentários feitos, em geral, expressa-vam um sentido de remorso e resignação. Imaginar o nefasto e possivelmente intangível efeito de

    líderes nocivos não é difícil. Num sentido quantitativo, não se conhece o efeito preciso nas Forças Armadas. Em seu estudo sobre um comando e ambiente de trabalho fracassados que resultou na queda fatal de um B-52 na Base Aérea Fairchild, em Washington em 1994, o Major Anthony Kern prudentemente afirmou: “Quando a liderança falha e o ambiente de trabalho colapsa, podem acontecer coisas trágicas.”25 Os recentes relatórios recebidos do Iraque e do Afe-

    ganistão comprovam que não há falta de grandes líderes nas Forças Armadas. A doutrina de liderança do Exército é judiciosa e, se obedecida, ajudará a eliminar líderes nocivos. Homens e mulheres conscienciosos são promo-vidos pelo mesmo sistema que permite aos líderes nocivos continuarem suas carreiras sem serem apanhados. O que devemos perguntar é, até que ponto as variáveis, como

    13

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    http:feita�.23http:resultados�.22

  • Departam

    eto de Defesa

    sistemas de promoção e seleção para comando, educação militar, valorização do mérito, tipo de personalidade e cultura organizacional, permitem a existência de líderes nocivos que parecem prosperar, e o que nos dispomos a fazer para solucionar o problema? Hipoteticamente pode-se dizer que existe uma relação

    entre a liderança nociva e um desinteresse na prorrogação do tempo de serviço militar. Entrevistas realizadas com soldados que estão saindo do Exército talvez ajudem a responder algumas perguntas como: “Resolveu deixar o Exército por causa do estilo de liderança de seu chefe?” Talvez o efeito de liderança nociva seja insignificante

    e uma resposta institucional em grande escala não seja apropriada. Talvez o processo de simplesmente identificar o fenômeno com um nome e sugerir que ele é indesejável seja suficiente para reduzir essa prática. Por outro lado, a liderança nociva talvez seja um problema bastante grande e as mudanças no sistema de pessoal, especificamente planejadas para identificar e eliminar comandantes noci-vos, poderão trazer uma grande vantagem aos esforços de estimular as prorrogações de tempo de serviço militar e manter a eficácia da unidade. Redefinir uma liderança bem-sucedida no planejamento, avaliação e processo de seleção seria conveniente. Nunca saberemos a verdade a não ser que façamos as perguntas e pesquisemos as respostas. Tal agenda de pesquisa poderia ser facilmente justificada numa força totalmente recrutada com planos de mudar para um sistema de rodízio baseado na unidade.

    14

    Se determinarmos que a liderança nociva existe em um nível mais alto do que estamos dispostos a tolerar e que tais líderes podem ser identificados por meio de ferramen-tas como o emprego de multiavaliadores ou a avaliação do ambiente de trabalho, a próxima pergunta seria: “O que podemos fazer para melhorar esta situação? Simmons sugere que a solução comece por cima, com uma equipe executiva orientada para uma cultura saudável, pronta para agir e conseguir resultados.26 Quando explicando porque tal ação não acontece com mais freqüência, Lynne F. McClure, autora do livro Risky Business: Managing Violence in the Workplace, diz: “A única e maior razão é porque o comportamento é tolerado.”27 McClure, uma perita no gerenciamento de comportamentos de grande risco, acredita que se a companhia tem gerentes nocivos, é porque a cultura permite — voluntariamente ou não — por nada fazer a respeito.

    Respeito Um dos valores do Exército é o respeito. Por definição,

    o comandante nocivo demonstra uma falta de respeito para com os subordinados. Uma fraca avaliação na liderança nociva pode surgir como uma forte afirmação cultural distorcida. A ampla faixa de tolerância histórica para o estilo de liderança deveria ser reduzida para excluir os comandantes nocivos. Isso exigiria a expansão da definição de sucesso além da avaliação imediata para incluir o bem das organizações e o entendimento que o ambiente da unidade é importante porque os soldados e

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    reed.indd 14 4/14/2005 2:28:57 PM

    http:resultados.26

  • os civis são mais do que meios para se chegar a um fim. Neste tipo de cultura, os que não cultivam um ambiente de trabalho positivo não serão bem-sucedidos. Identificar e exterminar comandantes nocivos é apenas

    parte da solução.Todos os supervisores deveriam estar aler-tas para detectar qualquer comportamento nocivo em seus subordinados, e treiná-los e orientá-los para evitar a perpe-tuação do problema: “Aúnica coisa que um tirano respeita é a autoridade superior. E, a única maneira de conseguir ajuda para tratar com um administrador difícil é apelar para que alguém numa posição superior intervenha.”28 Comandantes nocivos irão racionalizar o seu com-

    portamento como sendo necessário para a execução da tarefa, ou como parte da glorificada técnica de comando de chegar na unidade com uma atitude severa, por ser mais fácil afrouxar as rédeas do que apertar mais tarde. Flynn recomenda que os supervisores empreguem a confrontação: “Seja tão específico quanto possível. Não expresse o assunto em termos vagos, como dizendo que o administrador tem ‘problemas interpessoais’. Se o admi-nistrador é percebido como um tirano, diga bem claro. Se ele tende a explodir com os empregados, diga isso a ele. Após, explique que este comportamento tem que ser parado e porquê.”29 Se o comportamento não mudar, existem muitos remédios administrativos disponíveis.

    LIDERANÇA NOCIVA

    Liderança nociva, assim como liderança em geral, é mais fácil ser descrita do que definida, mas termos como auto-exaltação, mesquinhez, abuso de autoridade, indi-ferença ao ambiente da unidade e maldade nas relações interpessoais parecem definir o conceito. Um comandante nocivo é um veneno para a unidade — um veneno insi-dioso, de reação lenta que complica o diagnóstico e a aplicação do antídoto. Grandes e complexas organizações como as forças armadas devem procurar pelo fenômeno, uma vez que políticas culturais e organizacionais podem inadvertidamente combinar e perpetuar esse problema. Comandantes superiores em particular se encontram

    em importantes posições de autoridade para lidar e contra-atacar o comportamento nocivo. Contudo, eles podem ser os últimos a observar o comportamento se não forem alertados. Subordinados, em geral, não se encontram em posição para abordar o problema, já que uma das carac-terísticas dos comandantes nocivos é não se preocupar com os subordinados. Mesmo assim, não há necessidade de se tolerar comandantes nocivos. As Forças Armadas contam com suficientes líderes trabalhadores, realizado-res, comprometidos com a Instituição e compassivos que entendem a importância de um bom ambiente de trabalho para desmistificar o mito de que é necessário administrar por meio da força e da intimidação.MR

    Referências

    1. Craig Bullis e George Reed, “Assessing Leaders to Establish and Maintain Positive Command Climate,” Relatório apresentado ao Secretário do Exército (Fevereiro de 2003): p. 1. 2.Gillian Flynn, “StopToxic Managers BeforeThey StopYou,” publicado na revista

    Workforce de Agosto de 1999; pp. 44-46. Endereço eletrônico , acessado em 26 de dezembro de 2003. 3. Rob Rosner em Kathy Simmons, “Sticks and Stones,” Executive Update Online,

    endereço eletrônico , acessado em 4 de dezembro de 2003. 4. Marcia Lynn Whicker, Toxic Leaders: When Organizations Go Bad (New York:

    Doubleday, 1996), p. 11. 5. Bullis and Reed, p. 2. 6. Stephen E. Ambrose, Band of Brothers: E Company 506th Regiment, 101st

    Airborne from Normandy to Hitler’s Eagle Nest (Nova York: Simon & Schuster, 1992), p. 15. 7. Dick Winters em Ambrose, p. 17. 8. Ambrose, p. 33. 9. Bullis and Reed, p. 33. 10. Ibid. 11. Manual de Campanha do Exército dos EUA, FM 3-0: Operations (Washington,

    DC: U.S. Government Printing Office, 2001), p. 1-18, p. 4-8. 12. Bullis and Reed, p. 12. 13. Ibid., p. 11. 14. Liutenant General Walter F. Ulmer, Jr., mensagem eletrônica para o autor,

    27 de dezembro de 2003. 15. Esquemas que aceitam observações dos superiores, colegas e subordinados

    são conhecidos como avaliações de 360º. 16. Bullis and Reed, p. 18. 17. Ibid., pp. 16, 17. 18. Daniel Goleman, Richard Boyatis e Annie McKee, “Primal Leadership: The

    Hidden Driver of Great Performance,” Harvard Business Review (Dezembro de 2001): p. 47. 19. Bullis and Reed, p. 13. 20. Ibid., p. 14. 21. Ibid., p. 46. 22. Ibid., p. 21. 23. Ibid. 24. Ibid., p. 22. 25. Major Anthony Kern “Darker Shades of Blue: A Case Study of Failed Leader-

    ship,” 1995, endereço eletrônico , acessado em 26 de dezembro de 2003. 26. Simmons. 27. Lynne McClure, Risky Business: Managing Violence in the Workplace (Bing-

    hamton, NY: Haworth Press, 1996). 28. Krista Henly, “Detoxifying a Toxic Leader,” Innovative Leader (Junho de

    2003): p. 6. 29. Flynn.

    O Coronel George E. Reed ocupa atualmente a função de Diretor da cadeira de Estudos de Comando e Liderança na Escola Superior de Guerra do Exército dos EUA. Possui os títulos de Bacharel pela Central Missouri State University, o de Mestre pela George Washington University, e Ph.D. pela Saint Louis University. É também graduado da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola de Guerra do Exército dos EUA. Completou cursos no Armed Forces Institute of Pathology and the Education and Leadership Center.

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    http:http://users2.ev1.netwww.gwsae.org/ExecutiveUpdatehttp:www.workforce.comhttp:intimida��o.MR

  • 16 Março-Abril 2005 Military Review

    CONSIDERANDO-SE a localização das Ilhas Malvinas, poderia supor-se que os planos de invadir ou defendê-las exigiriam operações combinadas. Esta expectativa foi certamente confir-mada quando a Argentina invadiu as Ilhas em 1982 e, quando uma semana depois, o Reino Unido deslocou uma força-tarefa combinada para retomá-las. A guerra em si constou de uma série de operações combinadas por parte da força-tarefa britânica, muitas das quais foram bem-sucedidas, incluindo desembarques anfí-bios, fogo de apoio naval das operações de infantaria e a infiltração de Forças Especiais através de helicóp-teros e navios. O objetivo deste estudo é discutir uma das operações combinadas da guerra que teve menos êxito — o desembarque anfíbio dos Welsh Guards em 8 de junho de 1992 em Fitzroy — e avaliar até que ponto os fracassos nas “operações combinadas” por parte das forças britânicas, foi o motivo do desastre subseqüente. As relações entre a Marinha Real e o Exército bri-

    tânico — representadas pelos soldados da recém for-mada 5ª Brigada — eram tensas. Uma razão para isto era a percepção que o Exército havia se infiltrado na guerra somente para acumular mais glória, apesar de estar mal preparado para enfrentar o tempo de inverno do Atlântico Sul e a natureza das operações anfíbias. O Comodoro Michael Clapp, o qual tinha supervisionado os desembarques quase perfeitos executados pela 3ª Brigada de Comandos foi especialmente crítico: O que não apreciei ... foi a falta de entendimento

    das operações combinadas por parte da Brigada do Exército nem as praticamente inexistentes comunica-ções que converter-se-iam em um constante problema para essa Brigada. O General Tony Wilson (Coman-dante da 5ª Bda) e seu estado-maior não deveriam ser os únicos culpados pela ineficiência. Em primeiro

    lugar, a demora no envio dos reforços, baseando-se na pressuposição que qualquer plano parar voltar a capturar as Ilhas Malvinas fracassaria, sugere que o EM do Exército não desejava ser parte desse suposto desastre. Em segundo lugar, quando a Brigada foi deslocada, duas de suas três maiores unidades de manobra não a acompanharam; não tinha nenhum apoio logístico e muito pouco treinamento e, certa-mente, nenhum treinamento em operações combinadas Marinha/Exército ou anfíbias. O fato de que deviam combater sem estabelecer uma guarnição militar em uma das operações militares mais complicados em um inverno subantártico deveria ter sido uma surpresa desagradável para o EM do Exército.1 É possível que o ponto de vista de Clapp tenha

    sido influenciado pelo comportamento dos soldados da 5ª Brigada a bordo dos transportes nas águas de San Carlos, onde adquiriram notoriedade devido à sua falta de ordem e disciplina, além de sua inclinação para roubar os pertences pessoais dos marinheiros.2 Um oficial do Exército escreve: A Marinha estava acostumada a ter a bordo os

    membros do Real Corpo de Fuzileiros Navais e outros boinas verdes integrantes das Forças de Comandos. Portanto, eles presumiram que os Welsh Guards seriam iguais — ou pelo menos similares. Logo ficou claro que, para os marinheiros com maior experiên-cia, os Welsh Guards não estavam tão bem preparados como precisavam estar. Depois de confusões e dificul-dades, os soldados no navio Intrepid desembarcaram, porém o navio teve de voltar pouco tempo depois para recolhê-los. Esta situação foi muito trabalhosa porque empregou embarcações de desembarque mecanizadas para transportar as tropas novamente a bordo, para um navio que era difícil de operar em condições normais. Os marinheiros ficaram assombrados com a

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  • condição dos Welsh Guards após somente uma noite no terreno. Eles estavam molhados, sujos, miseráveis e obviamente ineficazes. Os marinheiros compararam os Guardas com o Real Corpo de Fuzileiros Navais, que mesmo depois de árduos exercícios regressam a bordo em ordem e em boas condições físicas, embora as marcas de suas botas deixem rastros de lama no navio limpo.3 A falta de disciplina e de adestramento anfíbio

    da Brigada do Exército associada com a escassez de comunicações causaram baixas devidas ao fogo amigo. O primeiro incidente dessa natureza ocorreu na noite de 5 de junho, quando o navio HMS Cardiff abateu, por engano, um dos helicópteros Gazelle da 5ª Bda. Pelo menos quatro fatores contribuíram para o acidente: • a 5ª Bda não estava acostumada a operar com a

    Marinha Real, e não dispunha de um oficial de ligação naval; • a 5ª Bda deixou de enviar informações sobre o

    vôo para o QG do General Moore para que a Marinha Real fosse informada; • o Contra-almirante Woodward não informou nem

    as Forças Terrestres (Moore) nem ao Comandante da Força-Tarefa Anfíbia (Clapp) que o Cardiff havia pre-parado uma emboscada para aeronaves de transporte argentino C-130 que haviam estado realizando vôos noturnos de ida e volta até o continente; e o sistema de identificação, amigo ou inimigo, do

    Gazelle estava desligado, porque estava interferindo nos outros instrumentos eletrônicos a bordo do mesmo. O Cardiff detectou a presença do Gazelle por meio do radar e baseado em sua velocidade e direção supôs que era um dos C-130. Como o comandante não esperava encontrar aeronaves amigas em sua área, abateu o helicóptero empregando o sistema de mísseis antiaéreo Sea Dart do Cardiff.4 A falta de coordenação e cooperação apropriadas

    entre o Exército britânico e a Marinha Real também foi a responsável pelas baixas infringidas pelo inimigo que, de outra maneira, poderiam ter sido evitadas. Esse fato foi mais evidente nos eventos que resultaram no bombardeamento dos navios de desembarque logísti-cos Sir Galahad e Sir Tristam pelos argentinos. Os problemas começaram antes que a 5ª Bda

    chegasse às Malvinas. Enquanto se encontravam em rota, a 3ª Brigada de Comandos havia desembarcado em San Carlos e consolidado ali suas posições. Uma semana depois o 3º Batalhão Pára-quedista e a 45º Batalhão de Comandos começaram sua marcha em direção a Porto Argentino enquanto o 2º Batalhão Pára-quedista marchou para o sul para assaltar as posições em Pradera del Ganso.5 Ao aproximar-se o dia 31 de maio — um dia antes da 5ª Bda desembarcar

    Military Review Março-Abril 2005

    DESASTRE DE BLUFF COVE

    em San Carlos — três batalhões da 3ª Bda de Coman-dos estavam em Monte Kent, uns 25 quilômetros da capital. Dos dois batalhões restantes o 2º Batalhão Pára-quedistas ainda se encontrava na Pradera del Ganso, executando operações de limpeza depois de derrotar e capturar a força argentina naquele local; o 40º Batalhão de Comandos estava entrincheirado em San Carlos, pronto para defender a cabeça de praia caso fosse necessário. Isso deixou o General Jeremy Moore, Comandante

    das Forças Terrestres nas Ilhas Malvinas com uma decisão a tomar. Deveria trasladar as unidades res-

    As relações entre a Marinha Real e o Exército britânico — representadas pelos soldados da recém formada 5ª Brigada — eram tensas. Uma razão para isto era a percepção que o Exército havia se infiltrado na guerra somente para acumular mais glória, apesar de estar mal preparado para enfrentar o tempo de inverno do Atlântico Sul e a natureza das operações anfíbias.

    tantes da 3ª Bda de Comandos para frente, deixando a 5ª Bda para proteger a cabeça de praia e atuar como reserva, ou deveria abrir o eixo de progressão ao longo da costa sul da Ilha de Soledad, enviando a 5ª Bda para assumir posições no flanco direito, antes de executar a impulsão final contra Porto Argentino? Existiam sólidas razões militares para justificar a pri-meira opção. A 3ª Bda de Comandos era uma unidade com muita experiência, tendo treinado em conjunto durante muitos anos.6 Os membros da unidade esta-vam melhor adaptados às condições climáticas nas Malvinas devido tanto à sua estadia mais prolongada no teatro como também aos anos de adestramento na Noruega. Estavam, além disso, posicionados à frente e prontos para combater — na verdade, o 2º Batalhão Pára-quedista já havia demonstrado sua capacidade de combate na Pradera del Ganso. Embora houvesse razões militares legítimas para

    abrir o eixo de progressão sul, a decisão de Moore parece ter sido, em grande parte, política. O Bri-gadier Tony Wilson, comandante da 5ª Bda, havia pressionado Moore para que considerasse a passagem pelo sul. Segundo um oficial do EM do Real Corpo de Fuzileiros Navais, Wilson “estava obcecado com a idéia de que Julian Thompson (Comandante da 3ª Bda de Comandos) venceria a guerra antes que seus homens pudessem fazer alguma coisa”.7 Enquanto qualquer comandante de brigada teria um desejo

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  • natural de demonstrar a eficácia de sua brigada em Enseada Teal junto com o QG da 3ª Bda de Comandos combate, o desejo de Wilson neste caso, se debru- confirmou que não deveria haver tropas amigas à nossa çava mais do que o necessário sobre Moore. Como frente. Após várias perguntas e respostas para confir-General do Real Corpo de Fuzileiros Navais, Moore mar detalhes, a missão de fogo foi aceita... Estávamos sentia profundamente que não deveria demonstrar um esperando receber a ordem executiva consistente de favoritismo indevido aos fuzileiros. Ao dar a Wilson ‘três tiros de eficácia’,...Precisamente nesse momento seu eixo sul, Moore talvez tivesse a esperança de que as nuvens se dissiparam possibilitando a visão de uma estivesse dando ao Exército uma mesma oportunidade figura facilmente reconhecível de um helicóptero Scout de glória.8 com marcas britânicas. Tudo aconteceu em breves Quando Moore aprovou o ataque pelo sul, ele segundos, o rádio já estava preparado e o comando

    esperava que a 5ª Bda desembarcasse em San Carlos, “check, check, check” confirmava a detecção de um marchasse em direção sul até a Pradera del Ganso dali helicóptero Scout”...Ainda não estava claro se toda a

    atividade podia ser atribuída aos britânicos, mas era A falta de coordenação e cooperação

    apropriadas entre o Exército britânico e a Marinha Real também foi a responsável pelas baixas infringidas pelo inimigo que, de outra maneira, poderiam

    ter sido evitadas. Esse fato foi mais evidente nos eventos que resultaram no bombardeamento dos navios de

    desembarque logísticos Sir Galahad e Sir Tristam pelos argentinos.

    evidente que havíamos estado muito perto de disparar contra nossas próprias forças.10 O deslocamento à frente pelo 2º Batalhão Pára-

    quedista deixou Moore exasperado. Ele não podia chamar de volta o batalhão sem arriscar parecer, por um lado, estar favorecendo o Real Corpo de Fuzileiros Navais e por outro ser lento no processo de progres-são. Ao mesmo tempo, não podia reforçar facilmente o batalhão pára-quedista. Não havia suficientes heli-cópteros para aerotransportar o resto da brigada e seu equipamento e as unidades do Exército não estavam preparadas para se deslocar nas Malvinas (os Welsh

    avançando rapidamente em um terreno acidentado Guards haviam tentado se deslocar para a Pradera del através da costa sul da Ilha de Soledad, tomando sua Ganso, mas haviam sido trazidos de volta quando seu posição de combate, sobre o flanco direito da 3ª Bda deslocamento foi frustrado pela lama e pela falta de de Comandos nas colinas fora de Porto Argentino. Ao transporte adequado). A única opção era de deslocá-invés disso, o 2º Batalhão Pára-quedista, novamente los por mar.11 sob o controle operacional da 5ª Bda, se apoderou de O transporte marítimo era, provavelmente, a forma um helicóptero Chinook deslocando-se para Fitzroy mais rápida de movimentar a Brigada de San Carlos e Bluff Cove, sem antes notificar a Moore, mas com para Fitzroy, porém devido à proximidade a Porto a aprovação do Brigadier Wilson, que apresentou a Argentino e a falta de uma defesa aérea apropriada, Moore o fato consumado.9 estava longe de ser o mais seguro. A maneira mais Embora o avanço apressado do 2º Btl Pára-quedista fácil de realizar tal movimento teria sido através do

    tivesse sido audaz e bem-sucedido, não foi sensato do emprego de dois navios de desembarque, o Fearless ponto de vista militar. O batalhão havia avançado uns ou o Intrepid, mas o QG da Esquadra em Northwood, 55 km adiante da unidade mais próxima da 5ª Bda, Reino Unido, havia proibido estritamente o emprego sem artilharia ou apoio aéreo e também sem meios destes meios de grande valor para esse deslocamento. de reforço imediatos. Estavam isolados e qualquer O movimento dos Scots Guards foi efetuado fazendo tentativa argentina de se aproveitar desse isolamento com que o Intrepid navegasse até o meio do caminho poderia ter sido desastroso para os pára-quedistas. De entre os dois pontos e colocasse as tropas nas embar-fato, seu desembarque em Fitzroy quase causou um cações de desembarque e para serem transportados o incidente entre forças amigas, ao serem descobertospor um posto de observação do Grupo de Guerra Ártica

    resto do caminho. Isso permitiu que o Intrepid regres-sasse sob a proteção da defesa aérea em San Carlos

    e de Montanha. Segundo o Cabo de 2ª Classe Steve antes do amanhecer. Nicoll do 7º Esquadrão de Contra-Insurreição: Embora o movimento dos Scots Guards tivesse Ao calcular as coordenadas para uma missão de sido razoavelmente bom, ainda existir problemas

    fogo contra as tropas que estavam concentradas em de comunicações entre a 5ª Bda e a Marinha Real, e campo aberto, abri as vias de comunicações empre- entre a Força de Porta-aviões e a Força-Tarefa Anfí-gando linguagem clara, procurando confirmação do bia. Esta falha quase causou mais incidentes entre as movimento das forças amigas para evitar qualquer próprias forças amigas. Um deles ocorreu quando uma perda de tempo de informação. O QG da Unidade na das embarcações de desembarque quase foi atingida

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  • DESASTRE DE BLUFF COVE

    Marinha

    Real do Reino

    Unido

    Navios pertencentes à Força-Tarefa Anfíbia participando do exercício Argonaut 2001. Entre eles se encontram o, RFA Sir Tris-tam e o RFA Sir Galahad.

    pelos navios da Armada Real, o HMS Cardiff e o HMS Yarmouth, os quais não tinham sido informados da presença de forças amigas na área. O outro inci-dente resultou do fato de o 2º Batalhão Pára-quedista não ter sido informado que os Scots Guards estavam chegando. Quando apareceram em suas embarcações de desembarque no dia 6 de junho, os homens da 29ª Bateria pensavam que os referidos guardas fossem argentinos tentando uma operação anfíbia e apontaram suas armas contra eles, dispostos a abrir fogo.12 O plano era empregar a mesma tática para deslocar os

    Welsh Guards para Bluff Cove empregando o Fearless no lugar do Intrepid. Desta vez, duas das embarcações de desembarque do Fearless seriam carregadas, com antecipação, com o equipamento pesado pertencente aos Welsh Guards, assim estariam prontos para nave-gar quando atingissem a Ilha Elephant. Lá deveriam reunir-se com duas das embarcações de desembarque pertencentes ao Intrepid, que haviam ficado em Bluff Cove depois de haverem deixado ali, na noite anterior, os Scots Guards. As duas companhias de fuzileiros dos Welsh Guards embarcariam nestas embarcações de desembarque e seguiriam os outros para Bluff Cove. Entretanto, quando o Fearless chegou ao ponto de reunião, não encontrou nenhuma das embarcações de desembarque.13 Um helicóptero Lynx foi desigando para procurá-las, mas sem nenhum sucesso.13 As comunicações entre o Fearless e a 5ª Bda eram