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O amor de muitos
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EDITORA MULTIFOCO
Rio de Janeiro, 2014
O amor de muitos
Marta Mega de Andrade
FuturArte Poesia
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EDITORA MULTIFOCO
Simmer & Amorim Edição e Comunicação Ltda.Av. Mem de Sá, 126, Lapa
Rio de Janeiro - RJ
CEP 20230-152
CAPA & DIAGRAMAÇÃO Paula Guimarães
REVISÃO Lolita GuimaRàes Guerra
O amor de muitos
ANDRADE, Marta Mega de
1ª Edição
Dezembro de 2014
ISBN: 978-85-8473-185-5
Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução deste livro com fins comerciais semprévia autorização do autor e da Editora Multifoco.
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Poemas por amor, escolhidos dos livros imaginários de Ana Madeira
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Diárias (2012)
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Janeiro 2012
Li em algum lugar que um amor de verdade só traz coisas boas. Isso ébaboseira de sacristia. Um amor de verdade é aquele em que as coisas ruins
são vividas com toda a intensidade, até a última gota; com todo respeito, atéo último sopro; com a dor do coração, não com mãos de creme hidratante. Um
amor de verdade É bom, É belo, É justo. E não há mais o que pedir dele, porqueele já É tudo. Sem ser certeza de nada.
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Abril 2012
Sobre o que Vem da Alma
Eu não sou a Monalisa
Ela pode, matéria morta
Ficar, inerte, num meio de parede
Em que foi penduradaPara que lhe admirassem o sorriso
Para que lhe decifrassem o enigma
Um sem-m de vezes.
Eu não sou a MonalisaNão quero a redoma com que me isolas
Nem o pedestal em que me elevas
Não quero a aprovação
Que se reserva ao mármore frio
No qual o siso escrupuloso
Proíbe o toque.
Não.
Não sou tal escultura inerte.
Pois que, veja, agora!
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De meus braços pingam suores,
Os mesmos que molham as roupas
Enquanto sonho a partida;
De meus pés fogem os movimentos bruscos
De uma interminável descida.
— Não quero ser ouvida. Não quero
Abrir a boca para dizer verdades nem mentiras —
Quero abrir minha boca para abrigar
Beijos que se doem, inteiros.
Quero abrir minhas pernas para abraçar
Com elas o homem que eu amo,
Trazendo-o para perto de mim,
Para o calor em mim, todo e inteiro.
Quero o amor dos vivos!
Pois em mim queima o desejoE em mim corre e jorra uma fonte de vida.
Se me amares, não me levarás de volta;
Se me amares, saberás, com justeza,
Que eu não sou a Monalisa.
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Eu sou (de) Você
Qual perdão?
O de perder-me no amor,
Por amor?
Então, qual perdão?Que desculpas devo dar
Se a explosão me teve
Sem que eu quisesse ou pedisse
Apenas por desejar,
Por existir, apenas?
Como pedir perdão por amar?
Como querer perdão por viver?
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Maio 2012
Perdendo-me
Eu devia ter compreendido da primeira vez.
Eu devia ter compreendido da segunda vez.
Eu devia. Eu devia. Eu devia.
Mas apenas penso, “por que?”
E isso não me diz respeito.
Não preciso da resposta.
Não carece haver razão.
Procurar por ela é, até, ironia.
Então, tudo que eu tenho é uma perda. A minha.
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Demasiado, Muito.
Não me olha assim
Como se não fosse nada
Não me olha como que sugerisse
Loucura, delírio ou um sonho mauSem razão e sem norte.
Não me queira assim
Por trás de cortinas de Édipo
Por debaixo dos panosPorque eu te quero francamente
Claramente, demasiadamente.
E se eu disse isso um dia
Foi porque transbordava de mim
Foi porque trespassava de mim
Não tinha mais jeito
Era verdade demais para se conter
Num segredo.
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Então, não me leve a mal
Eu amo demais.
E que eu ame demais
Se é meu destino e não teu
Deixa que eu te olho
Deixa que eu te vejo
Deixa que eu construo os castelos no gelo
E alimento fogueira na neve.
Porque isso é meu.
Isso, sim, é meu.
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Passará
(setembro 2012)
Tudo passa, alguém me diz.
Mas não vai passar assim, de graça.
Passará marcanteInsolente, com passos pretos.
E será esquecido num faz-de-conta.
Numa nuvem de poeira em terra árida
Porque rede foi lançada a peixe algum.
Tudo passa, alguém me diz.
Tudo, sem perdão, passa; é um fato.
Mas girará vida em morte, morte em vida.
Indecente, com obscenos passos,
Virará a esquina com pernas nuas Acenando, nus também os braços
Num adeus inconsentido.
Porque a mão não segurou mão alguma.
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Não há alimento aqui, embora houvesse
Não há juramento aqui, embora houvesse
Não há destino aqui, embora houvesse
Não há paixão aqui, embora houvesse.
Passará.
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Julho 2012
Flor da Pele
Quero ser o problema, não a solução.
Pois cuidado por mim não tenho.
Preciso pegar emprestado do amor de outrem.
Preciso ser contaminada.
Preciso do contágio de uma outra gripe,
Dessas que nos deixam à or da pele
Com o rosto vermelho e a boca seca
Pedindo mais água.
Dessas que nos causam desmaios e dores no peito.
Pois cuidado por mim não tenho.
Tenho pele e or.
Só pele e or.
Plasmadas num corpo que pede um colo.
Pede um abraço
Pede um afeto que se achegue de graça
Por nada e sem nada.
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Só quero ser cuidada.
Ser o problema, não a solução.
Ser o passivo da paixão.
Receber, por nada e sem nada.
Um quase encontro
À or da pele.
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Setembro 2012Phileô
A mulher que ama
Derrama o sonho sobre a videira carregada de uvas
Derruba as uvas em um tacho, pisando nelas, fazendo vinho
Trabalha a massa apertando-a contra a mão forte e os braços tensos
Deixando a massa escorrer e demorar por entre os dedos.
A mulher que ama chora e sorri
Pela conta de coisa alguma, por um nada, um o, um átimo
Dentre sofrimento atroz e júbilo intenso
Um grão de arroz pode ser tiro e
Uma folha d’árvore no meio-o
Pode ser canoa em beira de rio.
Mas se um homem ama, eis que o trabalho cessa
A colheita pára e o sonho baixa sobre a terra
Repousada, distinta, em espera.Pois se trata de um outro amor esse do homem ou esse
Da mulher:
A mulher que ama produz, frutica;
E o homem que ama resguarda e apropria.
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Dar
Penso
E logo sua língua em minha boca
Penetra
E minha língua acolhe
Dobra-se, mescla-se, molha.
Minhas mãos descem, alisando peles
E pelos. Agarra-os.
Acaricia a pele, acaricia
Com dedos em espirais que invadem as roupas.
Minhas mãos descem, se insinuam em volta
Tomando o pênis, pulsando com ele
— Quero-o inteiro dentro de mim.
Mas ainda não.
Do beijo, lábios mordidos,
Violados, descem o pescoço
E encontram mãos que colhem
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Meus seios para a promessa
De um outro beijo doce, mole e quente.
Pulsam o pênis e minhas mãos nele
Descem, sobem, desvendam, armam para o bote
De minha língua e em meus lábios some.
Beijo, mais um e
Ainda meus seios se oferecem
Destinam-se, apontam, enrijecem.
E as mãos me encontram aberta, assim,
Oferecida, assim, molhada, ardendo
Enquanto os dedos escorregam levados
Penetram, voltam, brincam de
Esconder-se sugados por outros lábios.
Já não escuto mais e já não entendo mais.
Apenas quero. Quero.
Penso.
Logo em cima de ti estremeço, danço
E embaixo de ti, recebo-o todo e inteiramente, meu.
Tudo entra, fundo, toca-me de dentro.
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Eu te prendo com as pernas
Eu te agarro os cabelos e mordo.
Beijo, abro, deixo entrar,
Deixo ir, voltar, meus pés,
Minhas pernas e entre elas
Penso.
Quero.
Isto é “dar”.
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Escuta
Preciso ir
Vou ter que ir. É o único grito
E o único sussurro
Que consigo ouvir No contorno dos sons e nas vozes do dia.
Eu nunca te amei tanto
(Eu nunca amei tanto)
Mas preciso ir catar estrelasBrincar com os dedos na chama da vela
Acariciando os pelos do gato cinza, que
Sob as ondas de minhas mãos suspira.
Preciso ir
Porque eu amo e meu coração
Transborda disso.
Qual peito de mulher que vaza o leite dos meninos
Qual olhos vertendo as lágrimas quentes de riso
Qual sexo molhado em desfeita euforia.
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Eu nunca te amei tanto.
Eu nunca amei tanto,
E por isso preciso ir agarrar touros
Fazer sombras na parede
Sorrir das graças de uma tia.
Preciso ir.
É o único grito que consigo ouvir.
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A Caixa
Eu abri a caixa de Pandora
E dela evadiram-se dragões e moinhos de vento.
Em espirais, meu corpo se pluriforma:
São meus dedos que se alongam em direção à porta,Ou meus pés é que se distanciam, cando pequenos?
A caixa de Pandora, aberta
Deixa ver um vórtice de coisas belas sem sentido.
E tudo seria lindoNão fosse a suspeita de um sonho de sons e colorido,
Não fosse a presença velada de um risco.
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O Homem Novo
Você tem a face de um Não imenso.
Enorme, incomensurável, ali no meio do nariz
E entre os olhos, bem no ponto cego.
Nem sabes que esse Não habita em você. Apenas de fora se vê.
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Tauta
Lov’ya. Et ça c’est quelque chose d’innoui.
Tout ce que je fais, does not belong to me.
Ya know, I know. But on se trompe toujours
Car l’impossible s’empare of us.Et nous fait, always,
Courir. Why?
This should be.
Ça devrait s’accomplir.
Lov’ya. Et ça c’est quelque chose d’innoui.
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Verbo Intransitivo
Um verbo intransitivo é
Palavra que não transita “entre”;
Algo que se diz e
Segue, sem encontro.
Mas também não é
Transitório. Não se choca com
Um anteparo. Não se dobra ao
Objeto, então vai sem prazo.
Passar do ponto do objeto
Direto, indireto
É coisa de arteiro
Que diz “amo”, “gosto”
Inteiro.
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Outubro 2012
De vez em quando é preciso irraciocinar pra ver as coisas como elas são, possíveis.
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Carta
“Caro João,
O meu amor é concreto.
Ele se constrói com carne e sangue vermelho,
Ele se faz em palavras, também concretas,
Inventa contos, versos, letras, sons,
É aedo e é pedreiro.
O meu amor é toque de mãos,
Afago e calor, olhar e encontro.
É frase na página mas também é na vozE de todo toma meu coração, o bagunceiro!
O meu amor não se cala.
Ele fala pelos cotovelos
— Como fala e como expõe!
Ele não blefa, mostra as cartas,É aberto, com olhos diretos
E verdadeiro.
Atenciosamente,
Ana.”
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Átimos
Em dias frios
Eu esquento as mãos na borda do fogão
E tomo meu café em caneca de louça;
Uso meias nos pés e calças compridas,Olho o fogo na lareira que aquece, de longe.
Mas em dias quentes
Eu esquento mais. Não só as mãos,
Mas as peles, nas brasas de meus dedos próprios;
E não olho para trás ou para frente,Somente para dentro.
Em dias quentes,
Vivo em fantasia.
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Reexos
1.
O amor me prepara para receber.
O amor me comanda, dê!
O amor distribui.
Mas como, se ele é só possível?
Só?
O amor me faz viver em dois.
2.
Quero fazer uma troca:
Eu te espero e você virá,
Eu te quero e você me quererá,
Eu te beijo e você me abraçará,
Eu te amo e você me amará.
O presente pelo futuro.
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3.
Coisas certas são enfadonhas!
E dizem que errar é humano…
No erro, sou alegria,
E não sei mais o que é acertar.
Danço, sapateio, jogo a cerveja na mesa do bar.
Uma menina que ri,Grávida que está.
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A Fonte
Amo tua presença porque ela me afaga
Me acarinha como fogo de lareira em noite de inverno.
Sobretudo porque não é presença de um todo.
Não, tua presença é âmbito, é detalhe:São cabelos por cortar que deixam cachos soltos,
São meias curtas que insinuam o calcanhar;
Dedos calmos no que tocam a mesa, o papel, o livro,
Como lonjuras em que meu próprio corpo se perderá.
São olhos abaixados olhando areia de praia,Sorrisos, maneiras de falar,
Cada detalhe, cada detalhe
Me encontra, me perde, me faz car.
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O Duelo
:-)
Vejo apenas uma solução para o nosso caso:
o duelo!
Escolha o lugar, eu escolho a hora
E a escolha das armas, que cada um tome
A arma que lhe aprouver:
uma adaga ou uma espada
uma espingarda ou um revólver
um martelo, um martelo.
Na hora e no lugar marcado, que venha
O juiz!
Daremos nossos passos em direções opostas
Contando: um, dois, três, quatro...
Até cem; cem passos — Divergindo até nesse derradeiro evento.
No penúltimo dos cem passos, respiraremos
No último de todos os passos, viraremos.
Viraremos.
:-P
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Sexo(Alter Ego)
Vejo apenas uma solução para o nosso caso:
o sexo!
Escolha quando e onde
E eu vestirei a calcinha preta, rendada,
E o vestido transparente que deixa ver o sutiã.
Você não precisa vestir nada.
Nem vou reparar, nem vai me excitar mais.
A calcinha preta já me deixa sucientemente molhada
Ainda mais se imaginar suas mãos entrando nela.
Irei na hora e no lugar marcado!
Daremos um primeiro beijo, demorado
E contaremos um, dois, três, quatro,
Quantas forem as trepadas e os orgasmos.
No penúltimo suspiro, agarrarei você pelos cabelos
E na última enada eu sussurrarei no teu ouvido
“Eu te amo”
“Eu te amo”.
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Eu disse
Literalmente.
Mas poesia é metáfora!
É transporte para além do que se pode dizer.
Literalmente.
Às vezes, as palavras soam como hipocrisia
Às vezes, os intervalos, expectativas do fôlego,
Deixam ver um jogo, um combate.
Metáforas...
Não, poesia não é literal:
É partida de futebol, bola atingindo a meta,
Bela!
Mas as palavras são feitas de letras
E o amante transparece nelas, sutil
Como entrelinhas.
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Lar
Todos os lares do mundo
Se dobram bem ao meio de meu peito
Vazio...
Extrema dor, essa
de não reencontrar você;
— Mas se você está em mim?
Não me reencontro.
E quem serei, então?
Você leva contigo o meu nome
E ainda tem nas mãos o meu destino.
Eu nem choro nem rio:
Não re-clamo.
Estabeleço ordem no coração vadio.
Arrumo os quartos, a sala, a cozinha;
Sonho móveis que aí estarão um dia,
E essa janela aberta, escancarada,
Um sol claro...
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Foi um coração de apartamento sonhado.
Estamparei, então, nas paredes desenhos simples,
Um ventilador antigo, uma máquina de escrever.
Dois símbolos.
Seremos nós, para sempre, vívidos,
Entreamados,Nesse lar, nesse aí vazado, vazio.
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Penso, logo
(soneto instável)
Muitas vezes penso em meu destino
De amar um menino
Tonto, que não me quer
E me desconhece por inteiro.
Penso então em meu caminho
Que já vinha trilhado sem desvios
E aí penso no desatino
No desatino.
De amar um menino
Tolo, que nem me quer
Nem me desarma os olhos
Nem me aquieta o peito.
Penso no menino que não solta a minha mão
Vejo minhas mãos que apertam as do menino. Destino.
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Novembro 2012
O Antônimo
Eu te amo,
Mas em atos de palavra
Estou me esgotando,
Armando e argumentando,
Repetindo,
Em qualquer pedaço de papel,
Em qualquer canto que esteja em branco.
Eu te amo,
Verdade que me corta aos bocados.
Levando a vida intensamente para o olho do ralo
Centripetando, circuncidando,
Zumbindo,Uma só direção, um ponto,
Um bloco de massa,
Um corpo, um...
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Qual mosca de banana,
Cupim na luz,
Abelha no doce.
Mutuca na pele:
Ou mata, ou sofre.
Eu te amo.
E de amar, em onda me vem assim,
Me tem, me toma, se encrava em mim.
Nem cansaço, nem cegueira,
Nem meu pretenso livre-arbítrio,
Nada posso contra isso.
Esse amor é meu antônimo.
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Respostas (XVIII)
Então é amor e, enm, o silêncio.
Porque o amor é a minha fonte;
Porque és por mim o espelho d’água
Quando junto as mãos em taçaRecolhendo dessa água
E bebendo dessa água,
Plena do gozo dessa água,
Neste instante mesmo
Em que na fonte vejoEm teu semblante o meu
Em teu reexo ondulante
O meu rosto torto, errante
Sempre.
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Pã e o Ego
Existe para mim, de verdade, um amor antigo
Um amor chegado, quente e humano
Um amor em que se misturam nós
Arcaico, que me faz mulher em homem
Homem-mulher,
Um amor que me diz quem sou.
Mas existe ainda, em mim, um outro amor
Acarinhado, dedicado, formador
De mestre que se faz discípulo
Do aluno que se faz professor.
Amor-criança que me diz quem sou
E no fundo é o mesmo amor do outro.
Um “Pan” no amor humano e animalQue se faz canibal amor divino,
Que meu corpo instável e mortal
Mal consegue abrigar sem erro.
Transborda em palavras, escreve, rima,
Arremata a carne e confere alma.
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Acaricia em voz meu nome próprio
Que no espelho d’água em que o eu me consome
Aparece e some
Mostra e resguarda
Pulsa e para,
Enamora a fonte.
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Por um Instante
Se eu pudesse, choraria
Mas tenho o corpo seco.
De meus olhos vazam apenas
Olhares perdidos, atrás de fantasia.
Se eu pudesse, choraria
Pois a tristeza me tem sem guarda,
E as lágrimas, quando ao rosto rmemente acorrem,
Reservam ao íntimo um sopro de renovada pureza.
Mas tenho o corpo seco.
E nele o amuo ancora,
O ressentimento amarga
E o estupor vigora.
Se eu pudesse, choraria.
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Fábrica
Marca-me.
Com um beijo na testa ou com a ponta do lápis no meio do queixo.
Escreva-me.
Desenhe-me em linhas retas pelas quais desloquem-se frases.Leia-me.
Abra-se em meus personagens e em meus espaços sonhe.
Use-me.
Como roupa, como calças jeans e t-shirt de malha sobrepondo à pele.
Faça-meCom trigo, leite, óleo, sal, açúcar, ovos e
Bata; com as mãos, enterre-me seus dedos, fure,
Abra e de novo faça a volta da massa.
Ata-me.
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Queime depois de ler
(Poesias e Ironias)
“Meu querido,
Obrigada por tua carta.
Muito bom saber que tens em mim ombro amigo,
Uma palavra doce, com afeto,
Perfumes, ores; só a paz sem a guerra.
Então percebo que morri em metáforas,
Sem morrer “de verdade”. Caminho entre os vivos
E, a bem dizer, eu não existo.
Mas como meu duplo, estou lá em minha própria ausência.
— Privilégio de pseudônimos, talvez,
Ter a permissão de dizer coisas tristes
De forma bela.
Mas minha voz não é só uma voz
É uma fala, uma linguagem.
Pré-platônica,
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Anti-platônica.
Dando a volta no mundo,
Minha voz é arcaica.
Obrigada, então, por tua carta.
E continuarei escrevendo
Abertamente, mostrando, expondo
Corpo e alma do que sinto, do que desejo e amo.
Para que sejas embriagado pelas palavras
Protegido em seu cercado.
De minha parte, abrigada em Ana,
Quero antropofagia.
Sincera e simplesmente,
Ana e seu duplo.”
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A Dicotomia
Onde está o meu sexo?
Ele vianda, vai por aí
Sem educação ou zelo, descalço
E sem pelos que o protejam das chuvas e dos sóis a pino.Não se apega ao gozo nem ao úmido
Dessa trepada fresca, presque-acontecida.
Onde estão meus peitos?
Desencontrados, desapontadosSimplesmente dados aos beijos molhados
E às voltas da língua?
Onde estão pernas, onde estão também os braços?
Onde estão os membros que doem a dor
Do corpo em que se cruzavam
No aperto do abraço rme, teso, lembrado?
Tudo está lá dentro, escandido
Escandalizado
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Tudo está incompassado
Incompossível.
Onde parará o tornado enlouquecido
Dessas cabeças inebriadas
Desses torsos melados
Desses dedos aprisionados
Dessa paixão absolvida
Inominável?
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Epitáfos
Morreu de fome
Na porta da escola
Na soleira da entrada da sala que habitava
Como brinquedo.
Morreu sem azo
Morrida na praia
Afogada nas ondas de seus próprios
Credos.
Morreu de lua
Trincada na rede
Que de mau jeito lançara
Em águas paradas.
Morreu. E chorava.
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Dezembro 2012
Passarinhos
Quando eu falo, é para calar a boca.
Porque a palavra é forteE precisa ser dita com força.
Aprenda:
Nem tudo vale a pena,
Nem todos os bípedes merecem
Teus ouvidos.Escuta,
Quando as mãos estalam
A dor do tapa,
Na dor sentida do vermelho da mão
E da cara:
Existe verdade nessa dor.
Não se manda ores quando se ama;
Agarram-se mãos, que sobem
Percorrendo braços em louca,
Vã
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Tentativa de fusão.
Então, não. Quando eu falo
Não quero ter razão.
Quando eu falo de amor
Com tesão,
É para calar a boca dos escrotos.
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Em Carne e Osso
Na vida real a gente cora,
Porque as palavras fogem
E os olhares se desencontram
Para que não se denuncie a espera.
Na vida real a gente evita o toque,
Esconde o jogo que deveras joga.
Faz de conta que não
Quando um sim impera.
Na vida real a gente se conforma
Com a carência dos atos,
Com a carestia dos gestos,
Com a fuga e a cilada da falta.
Na vida real somos carne e osso
Pele e pelos.
Respiração e coração
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Tensão e Zêlo.
Na vida real, somos nós
E os contextos construídos,
Os riscos não assumidos,
Os mundos, os mundos,
Prometidos, conquistados
E perdidos.
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A Trilogia dos Gestos
(I)
É você que me faz chorar.Mas também me faz sorrir
Assim, por nada,
Feito criança, de boba que sou
Apaixonada,
Alegremente dada.
É você que dói quando dói em mim,
Mas também é você que me percorre
Quando os membros sublevados
Explodem,
E de prazer meu corpo jorra,
Ensurdecendo-me
Enquanto eu, atordoada ainda,
Invento a casa, o quarto e, nele a cama,
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Desse gozo imaginário
Desses risos de fumaça
Nesse amor além da conta
Consentindo para ser amado,
Num quase beijo nunca roubado
Num forte abraço, apertado, inteiro.
(II)
Tudo por demais,
Embora seja cedo.
Por demais sentida
Ferida, descrente...
Por demais silente
Sozinha no jogo
Que é risco de vida.
Chego de novo à hora desse vão Já percorrido?
Nessa dor de mim mesma,
Falando ao vento
Sobre coisas sem gesto,
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Sem gesta,
Causas amargas sem resposta?
Não. Nessa hora morta, essa mágoa
Deve ser saudade.
Efeito da lonjura e dos segredos que,
Na distância,
Viram fantasmas.
Então, desmente a minha sina,
Desmente...
Só uma vez me diga sim,
Que não enlouqueci,
Que soube claramente, do dia em que te vi,
Até o presente,
Que havia amor ali.
Consente.
(III)
Sozinha na manhã que de novinha
Aparece clara,
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Converso com meus botões
Sobre os gestos da semana passada,
Sobre o amor e a paixão, enm,
Que de assalto invadem minha casa
Povoando-a de sombras e signos.
É Hermínia quem pede a palavra
E me diz que signos são complexos,
Ardilosos, perversos.
Atenha-se ao que é concreto,
Conselho que me dá Hermínia
Bebendo seu gole de vinho.
A ela, depois do copo de aguardente,
Bêbada e quente,
Replica Ana, que a paixão é simples.
A gente se ama quando ama,
E dá de inventar signos.E se isso dói ou traz alegria, diz Ana,
É apenas efeito do prazer enorme
De ralar os joelhos fodendo-se na vida.
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A elas eu digo, entre risos,
Que não sou nada
Além de vertigem e palavra,
“E vocês estão comigo, convergindo.
Escrevam, então, a minha saga,
Decifrem-me que me devoro
Nos sinais desse amor contrário,
No concerto inebriante dessa caçada
De amante nua e desmesurada,
Às sombras e aos signos”.
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O namoro dos rios
Quando o Negro encontra o Amazonas,
Diz o rapaz que nos guia,
Eles não se misturam no mesmo instante
Não, eles margeiam, um no outro Águas turvas e águas limpas.
Eles se molham aos poucos
Das águas um do outro
E namoram o tempo inteiro,
Até que nda uma certa distânciaEntrando por entre margens bem denidas
O barco da gente nalmente alcança
A mistura das águas nas cores dos rios
A mistura das almas num só curso das águas
A mistura dos nomes desses mesmos rios.
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Ladra
Eu entrei na sua vida assim,
Como quem rouba um doce anunciado.
Eu entrei assim,
Como quem vai com a correnteza do rio.Em minha vida fez-se mar
Fez-se horizonte,
E peixe nesse mar.
Eu entrei assim, sentei na sala de estar
E perdi o olhar no horizonte do meu mar.Eu entrei assim.
Que mais posso falar,
Senão que não há mais para mim
Outro jeito de entrar?
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Feitiço(I put a spell on you)
Esse olhar que me devora
E que em mim e em você ancora
É nele que me vejo
E em que pousa meu desejo
Nesse olhar perdido
Intensamente vivo
Enfeitiçado pelo ser amado
Esse olhar direto
Fulminante ataque
Imediatamente atacado
Conquistado
Caçador e caçado
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Alteridade
Ultimamente tenho buscado os espelhos
Atrás da alma, porque no corpo claramente sou além.
Apresento-me a mim mesma umas cem vezes
E sempre pela primeira vez, me desconheço.
E contudo, essa falta de saber se sou quem
Esse deslocar além em que não reconheço
É agora o encontro de mim, é o meu encontro.
O que eu escolhi, mutante, foi amanhecer.
Tem aqui uma aurora.
Tem um big bang, um ato de
Inauguração original do mundo.
Na direção do sol nascente,Na contra-luz da aurora, eis o lugar onde te vejo;
E é para lá que eu vou e já fui ao mesmo tempo,
Corpo e alma, semblante, rosto.
Vim buscar você. Venho. Virei.
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Recado
Agora eu li Platão!
E em conformidade assenti,
Todo amor não pode senão
Ser platônico.
Pois quando se seguram as mãos
Ou se envolvem em abraços
Ou mesmo quando lábios se encontram
E beijos se dão,
Não se toma nem se envolve nem se beija as
Ditas coisas,
Mas são as almas que
Se alcançam, transbordando do corpo
E encarnando-se,
Em dupla direção.Não há, portanto, nenhum amor
Senão no excesso da alma
No quase-encontro das mãos.
Eis a antropofagia. Tudo; e demais.
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Insônia
Cheguei de ressaca por conta de tudo.
Acordada, dormi num sono escuso,
Tanto que dele me feri e a cabeça doía,
Enquanto o tornozelo inchado e magoado Vem ainda lembrar uma luta perdida.
No ínterim da insônia digo em minha cabeça:
Tenho pernas, tenho peitos e estou aqui sozinha.
Coisa de gente embebedada, embevecida,Encurralada e mal-dormida
Na hora morta da madrugada, quando se lamenta
De tudo na vida.
Eu devia ter amado mais ou falado menos?
Eu devia ter feito mais e calado menos?
Eu devia deixá-los em paz?
E essa agora, que o sol já vem...
Na vida nal da madrugada
Quando a consciência me tem.
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O Livro das Memórias (dez 2012- mar 2013)
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Autofagia
Não dá pra trepar simplesmente por sexo.
Se for esse o caso, eu mesma me trepo,
Que pelo menos mantenho livres os pensamentos
Para confrontar o rosto de quem eu bem quiser.E aí posso gritar o nome certo
E fazer de conta que o mesmo impulso o atinge
Naquele exato momento.
Trepando por sexo, eu te como.
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Mistérios
A primeira vez ainda brota em mim
Como tendo sido a do primeiro beijo
Ou a da primeira tarde de amor.
São cinco horas e para tudo em torno,
No intervalo entre essa lembrança
E um não sei quê de alegria
Conduzindo as mãos ao centro do mundo.
A primeira, as outras e a última
Contam, como mistérios,
Como batalhas da impossível juntura
De dois ínmos mundos.
Entre os dois, um nada,
De um milímetro de pele e
Depois, aquilo que não está lá.
O sentido e o sentimento
Da ausência desses mesmos contornos.
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Essas pequenas mortes
Esses brevíssimos jorros
São mesmo mistérios,
O orgasmo que vem do cérebro
Através de minúsculas nanonervuras
De músculos tesos,
E o prazer que não encontra o espaço
Nem o tempo, nem se conforma
Aos limites desse corpo.
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Sobre isto que não é
Temos um caso.
E em pensar, perco a hora.
Em trocar o aqui e o agora
Vai-se a noção do juízo.
Sigo sendo aquela que insiste
Por que não vê? Ou que insiste
No que vê, mesmo que tudo
Esteja dado como não, e m?
Eu não quero mais falar disso.
Não quero consentir sempre
No estardalhaço e no perigo
Do que se toma por desatino.
É fogo. É falso e é fato.
No momento em que digo
Já se foi, ao abrigo.
E tudo não passou da porta de meu quarto.
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Mas ainda assim, repito,
Temos um laço.
É a ponta de um o
É um talvez, em essência.
É um grito, uma impertinência
De minha parte, que sempre falo
— Tem algo torto, tem algo errado.Ou bem eu perdi o senso
Ou bem nada faz sentido.
A busca, a obstinação
A falha de julgamento.
Fico com o que temos.
Sem mais mistérios
Nem desvelamentos.
Fico com meus cascos,
Batendo rme na terra.
Pois que digo e não largo,
Esses gestos impensados
Essas arestas, esses lances de dados,
O que temos é um caso.
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Sobre Amar (1)
Não sei do amor, ele se perdeu
No meio do caminho, na chuva forte,
Pé ante pé em estrada escura e cheia de lama
fofa.Perdeu-se ao virar a esquina
Olhei para os lados e vi apenas
A neblina
Do dia chuvoso em que resolvi fazer
A tal viagem.Não sei quando, não acompanhei a
Caminhada.
Conei na clareza dos rumos e dos mapas.
Me perdi.
E conforme caminho, entristeço
Na lembrança da gura amada
Que, mirando em meu telhado
Lançava ores e jorrava.
Em meus olhos um assombroso
Turbilhão de lágrimas
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Se esconde sob pupilas
Armadas para um sorriso.
Perdeu-se. Só me resta
Seguir na estrada, esperançosa
De que ele tenha chegado
Ao seu destino.
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Sobre Amar (2)
Um dia após outro dia
E está tudo lá, nos olhos
Assim como nas lidas.
As mãos que não se encontram
Já estão de há muito encontradas
Apertando-se juntas contra os
torsos, juntos.
Seguiremos sós e como nos amamos
Os passos cobrem os passos
E as pernas entrelaçam as pernas
Ontem e hoje
Mesmo que não estejamos vivendo
Na mesma casa, na mesma hora
No mesmo centro.
Um amor puro e sem sentidoUm amor forte como fogo
De terra seca.
O que mais posso dizer
Senão que o que não vemos
É ainda o que se passa?
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Sobre Amar (3)
Para no meio dessa ponte
E olha em torno.
Tem paisagem e tem abismo,
Tem céu e tem quedas d’água.E se agora vês abaixo a
Correnteza do rio;
E se queres que assim a tua mão eu segure;
Te direi sim, mas no meio dessa ponte
É onde caremos.Então, segura a minha mão também.
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Sobre Amar (4)
Nunca te direi a verdade
Mas te contarei todos os meus devaneios
Aqueles que surgem quando
Estou sozinha, observando as Árvores e o vôo dos pássaros em bando.
Não posso extrair de mim a pele
Exibindo aquilo que sou por dentro
Mas meu rosto você conheceMeu riso em lágrimas
E o descanso bizarro dos dedos de meus pés
Dobrados.
Não sei dizer onde estou nem o que faço
Tem um canto escuro que nem mesmo
Eu desbravo.
Mas para escutar uma canção contigo
Encerro tudo o que faço, tudo o que quero
E me sento ao lado.
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Nunca saberei, de fato.
Haverá que lidar com isso.
Haverá que aceitar não ter motivos
Não ter razões, não ter o menor sentido.
Haverá que amar a descompostura
No amado, seu limite.
Queremos forma, é claro.
Queremos pontos namente dados
De uma beleza innita.
Mas o amor não é isso.
O amor é amar o quarto escuro
É encontrar no rosto a alma
Aberta, criança e vazia.
Essa alma é a esperança
Da medida que dá sentido ao mundoSó então preenchido de temas
De lavores, desassossegos
Vigílias.
Quando eu amo,
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Amo isso tudo:
O dom, a perda e a promessa
Do vazio.
Amar é para loucos.
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Sobre Amar (5)
A dúvida estará sempre lá.
Não somos um, não nos completamos.
Mas quando estamos, compomos.
Somos lindos e somos feiosDe dentro, vemos os lapsos de um encaixe
Mal-feito. Mas não podia ser diferente.
Não somos metades, somos um todo
Não somos máquina, engrenagens,
Somos elos.Então, a dúvida estará sempre lá,
Pois não fomos feitos um para o outro.
E o acaso em que nos encontramos
Não se chama destino,
Mas sorte, fortuna e
Jogo.
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Acontecenças
Quantos pequenos atos
Tiveram que ser agidos
Por mim, por você, pelos vizinhos
Aos nossos lados,
Para que num único instante,
No patamar da escada,
Tivesse você batido numa porta que,
Por acaso, dava para aquela sala?
Quantas estrelas tiveram que morrer
Deixando para trás um brilho intenso?
Quantos touros indomados,
Cavalos vencidos, rinhas de galo?
Quantos ônibus passaram e
Quantas palavras foram ditasQue nos guiaram ao ponto,
Preciso, exato, este ponto,
Em que os olhos se encontraram
Mesmo que não vendo?
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Foi o silêncio e foi o vácuo.
Nesse lapso do tempo,
Algo foi pensado,
Tão tolo quanto um juízo sobre
A cor da camisa ou o machucado
Na ponta do nariz,
O que provoca um riso e desfaz o laço,
Abrindo a caixa dos nossos Afetos.
Até que num dia qualquer, nesse acaso todo
Depois de tantos risos soltos e
De outras tantas conversas sérias
E adas,
O universo inteiro conspira
Para juntar os quantos touros, cavalos vencidos
E galos tombados,
No momento de um único estalo,
Quando tudo ca claro, demasiado claro.
Assim que os feitos se tornam signos,
E os acontecimentos viram passado,
Olhamos em torno, olhamos o tempo,
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Espantados com tudo aquilo que
Os afetos edicaram.
Tem um jardim, um parque e toda uma cidade;
Tem usina elétrica, trilhos, cafés e tabacarias,
Tem gente, música e estardalhaços.
Tecemos o mundo e estamos assim, amando.
É a lei do encontro entre o corpo e o chãoLei da gravidade, regras do jogo.
Vem dos olhos à pele, da pele à carne,
Ardem as pernas, ardem os lábios
Secos, à espera
Movendo mundos, girando ponteiros.
É por isso que tudo jorra
E se mostra num único e clarividente
Espasmo.
Do último dia ao primeiro
Está tudo compreendido e tudo explicado.
Nada ocorreu, nada adveio
Que não nascesse do amor do amante
Pelo amor do amado.
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Blues
Parece muito tempo
Mas não se passou quase nada
E estamos eu e ele, aqui, trocando olhares
E frases, entre parênteses.Tudo se encaixa mas também tudo
Foge da mente
Quando o som começa
A dor se apaga e os olhos
Enchem d’água porqueSou feliz e triste ao mesmo tempo.
Esta é minha história
Nada pessoal, nada incomum
De alguém que chora porque
Não é amada e de alguém que
Sorri um pouco de tudo
Sabendo que essa pontada
No peito
É que acorda a vida
E chama o corpo para habitar
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Um fora. Lá longe
Moro e me perco
No hábito de não ter dono
De ser senhora. Sozinha
Me demoro nesse instante
Em que tudo indica
Que a canção repete a
Partida, a fuga
Eufórica de quem não
Tem senão um só caminho
E um violão no meio da estrada.
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Ser ou Não
Em tudo, uma dúvida:
Sou eu que penso
Ou o mundo pensa em mim e eu
Aquiesço?
Este é aquele, momento do
“Quem sou”,
Quando desejaríamos a exatidão
De uma imagem que não vemos.
Pois não “somos” nada.
Caixa vazia, a quem noutro canto
Chamei de cínicos
Em seus barris-morada.
Pensamento estranho?
Qual! É que somos livres...
Mas é na liberdade que começa
A obra e se desdobra a lida.
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Tem que construir um rosto
Histórico, topográco;
Tem que investir num corpo
Com suas cores, texturas e cheiros.
Tem que morar na cidade,
Caminhar na praça,
Cumprimentar os outros;
Tem que amar num leito.
Tem escolhas.
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A Tecelã
Entre as portas da cidade
Caminhava torto o mercador
Fenício,
Senhor antigo, sabedor das línguasDe todos os lugares em seu caminho.
Esqueci seu nome
— Ficará ao abrigo.
Mas levava consigo,E disso eu não me esqueço,
Tapeçaria colorida feita na Cária,
Cheirando ao incenso
Com que as moças do tear
Perfumaram sua obra mesclada
De lã e de linho.
Perfume tão adocicado que
Posso sentir ainda, de memória,
E me traz lembranças dos dias
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Em que às portas da cidade eu
Brincava, com meus irmãos
E minhas amigas.
Faz tempo enquanto lembro disso,
No interior deste quarto mesmo
Em que teço e desteço meus próprios
Panos, minha própria arte,
Escondida dos nomes e das cidades
Vivendo na casa de meu marido.
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Trovas do João Bobo
I. A Estúpida Carne
Troquei um grande amor
À altura de uma vidaPela fumaça cinza.
Seja assim.
Ao menos
Haverá
Fim.
:{
II. Nossos Próximos
Tinha que ser assim
A fraternidade humana
Universal?
Tínhamos todos que ser
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Cristãos ou escoteiros
Ou escoteiros cristãos?
O amor existe desde antes dessas
Prossões de fé.
Ele desrespeita, adultera,
Invade.
Me dá tua mão antes que
Seja tarde
E os mandamentos dos bons
Tirem da gente a nossa infância e
Roubem a inocência dos nossos
Brinquedos.
III. Não Matarás
Não te aproximarás de mim
Para matar a fome nem saciar
A dor.
Não me dirás palavra
Pois que palavra existe
E o que existe acossa.
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Não conscarás o teu lugar em
Mim, porque o teu lugar é
Mais do que podes suportar.
Não saberás, passará.
Não mais sequer desejarás.
Então vai, apenas mata.
Mas não matarás.
IV. O Pecado da Gula
Segue acordado, pequeno homem,
Que os estrangeiros rondam as fronteiras
Pedindo entrada, avançando ao longe,
Então, não descuida da tua guarda.
Leve abaixo as árvores que estão à frente,
Deixe plano, chão de terra batida
Bem cercado. São todos bárbaros,
Cabelos soltos, barbados
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Pelo pecado da gula levados,
Querem teu celeiro, o mel e o leite
Os pães e os bolos,
Querem a carne, o vinho
Que se derrame pelas bordas das bocas
Que obscenamente se abrem,
Como se comessem gente ao invés
De gado.
V. O Falso Testemunho
Cegos, somos todos. Mas
Tirésias, dentre nós o mais cego
Ele via.
Por baixo do manto da tirania
Havia um lho predestinado
A matar o pai, unir-se à mãe
Em casamento escuso
Desatinado.
Ele nos disse, nos armou que via
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Mas somos todos cegos
E suspeitamos, por trás das palavras
De um clarividente
Houvesse a cobiça de um outro tirano.
VI. Posse
O coração é pequeno,
Não cabe um o de lã.
Mas as duas mãos são grandes
E agarram todo o novelo.
Quisera ser assim,
Pisando rme no chão do mundo,
Como se fosse minha a posse, e só minha,
Tanto da dor como da retidão do prumo.
... Mas o coração tem que ser pequeno.
Os grandes deixam arestas, assim, de graça,
Transparecem, os tolos, em suas dobras e curvas,
E somente batem pelo amor das dúvidas.
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VII. A Sabedoria
Indigente. Eis o Cínico
Em sua morada-barril
Caminhando pela cidade
Pelos pórticos da ágora
Declamando poesia em lugar De palavra.
Ninguém sabe nada. Ele sabe,
O mendigo a quem a cidade
Alimenta como seu profeta.Eis o cínico, desprovido de tudo,
O não endividado
O inocente invejado.
Sua leveza é bárbara,
Ausência total de laços,
Família, amigos, uma casa...
Indigente. Eis o sábio,
Que não pede nada,
Vivendo em seu barril-morada.
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Verdadeiro amante da sabedoria.
Pobre, mendicante
Andante, morador de rua
Perambulante,
Caixa vazia.
VIII. Finale: o medo
Meu coração estanca
Quando encontro meu rosto
Num espelho e perceboQue não me basto
Que não me lastro
E do que tenho medo.
Tenho medo de encontrar sempre
O mesmo rosto que não se entende
Que não reconhece o tronco a que pertence
E que persiste na busca do que não vê
À sua frente
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Tenho medo ainda de não mais amar
Porque o amor é singular e depende
De acontecer, reluzir, faiscar
Assim, de repente; é raro
Urgente.
Tenho medo de persistir, para sempre
Junto ao povo opaco, intransparente
Que não se doa, não se lança
Não se arrisca e não percebe
Que risco impende à lida dos outros.
Tenho medo do junto e do separado
Do certo e do errado
Do justo e do injusto
Tenho medo de julgar e de nunca mais
Acreditar, simplesmente.
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As Horas
É madrugada e não durmo,
Penso.
Nessas noites caladas, os relógios
Deveriam ser suspensos.
Mas eles continuam marcando as horas
Que passam lentas, e contudo passam.
Só que a lentidão aumenta a dimensão
De tudo aquilo em que penso.
Imagina a sensação de sonhar acordada,
Escutando os ponteiros de um relógio
Lento!
No amor passo, volteio e repasso
Com a calma de quem possui
Todo o tempo.
Cabe nesse entre-passo uma vida inteira
Lado a lado,
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Ou ainda cabe, com a paixão mais intensa,
Que trepemos como doidos
Na madrugada,
Quando quedam todos os elos.
— Dormindo os homens, descansam os fatos,
Para que os ponteiros se mexam
Sincronizados,
No enquanto, libertados, aos poucos desfocamos
De ser e não ser em pensamentos.
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Histórias de Amor (I)
Está tudo ali, disposto.
Os vasos, os travesseiros, as luvas.
E por onde passo as coisas mostram
Sua ordem meio divina.O chão é chão e a pedra é pedra.
Não me encontra mais desprevenida
A utopia. Tudo tem seu lugar, eu sei.
Mas é que o amor cona
E organiza tudo à sua imagem.No m, isto será sempre a forma,
O ponteio e a meta do lápis.
Ver as coisas no inegável chão do mundo
Como dobras.
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... Essa Outra História.(Histórias de Amor, 2)
Talvez um dia eu ganhe
Ou perca, nalmente.
Talvez um dia...
Mas hoje eu vou pensar assim:
Tudo que estiver em mim
Será também teu; e não há como
Desdizer:
Não sou ninguém,
Mas é pra ser?
É isso, um destino.
Não asseguro porque não posso.
Não é estória minha, mas
História de amor. E essas histórias
São sempre pressentidas
Sempre pré-vividas em sinais
De talvez-mundo, talvez-vida.
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No m das contas,
São entre-dois.
Não há que perguntar se
Vale a pena.
A decisão já foi tomada de antemão,
Quando na tua pele persisto
A encontrar alguém
E me recomeço.
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Presságios
Case-se. Eu não me importo.
A gente sempre cantará sozinha.
Se não fosse meu o despeito, minha a mentira...
Como assusta a intensidade da vida!
Como arde a urgência do leão no deserto
E a da serpente enroscada em seu próprio anel!
Vida é céu e inferno, decerto.
E se não houvéssemos nós, os possuídos,
Encontrado na sanha de tentar o homem
O amor dos verdadeiramente justos,
Seríamos apenas sombras esmaecidas,
Mas somos a mão e a terra.
Sim, isto é o que todos somos, também. Vela, então. Vela.
A última tentação tarda ainda.
Não nos veremos mais
Embora continuemos juntos
Por coragem e covardia.
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Tenho medo desse futuro.
Prevejo a dor desse futuro.
Gostaria de afastá-lo de mim e,
Contudo,
Ele me fascina.
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Pequenos Ocasos
Meu coração bate. Respiro.
É que meu coração bate. Teima
Que invade o sangue e adoenta.
Em minhas veias correm tuas marcas.
Minha carne pulsa. Intensa
Zoeira que em meu corpo queima.
Pois em meus lábios abertos resiste
Teu nome. No som insistente
De um berro.
Vão-se mantendo os punhos cerrados,
Que cortam a palavra antes do tempo.
Afundam doendo as mãos nas unhas.Mutilam o abraço.
Que pena...
Escuta! O barulho da chuva no telhado
É um sussurro.
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Reminiscências(Dados pornográfcos sobre as pedras)
I.(Adagio)
O amor é forte e sobrepuja.
É intenso, e sucumbe à ausência.
É verdadeiramente inaceitável!
Imperfeito, incorreto,
Imponderável.
Esse amor é imenso;
Um gigante incomensurável,
Que machuca quando pisa a terra
E amedronta idosos, meninos e inválidos,
Ao passar da conta.
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II.(Andante)
Onde já se viu!
Perdoe-me, que isso não é fácil...
E contudo é simples.
Não é leve, não é prático,
Não se liquefaz ao morno do toque,
Não se derrete no calor d’um só abraço.
Pois esse amor é sólido e cristaliza;
Porque é fundo, se enraíza;
Porque tem rosto, mostra;
E, como existe, é ferro, é fogo e sangue,
Tem alvo e mira.
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III.(Allegro)
É assim que vivo em te querendo vivo.
Sem diminuir a pedra, sem minimizar
A forma,
Sem destilar a coisa
Como se fosse pouco ou
Falta, desjuízo.
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IV.(Fugato; intenso)
Seguindo em frente,
Fugindo dessa hora,
Quero, muito, é fato,
Capturar você
E cobrir cada pedaço
De suas pernas, braços
E outros tantos membros
De beijos molhados,
O coração pulsando forte
E o rosto vermelho.
Quero fazer calor em você,
Desvelando inteiramente,
Sem decência nem anuência,
Pela força de meu golpe
Inesperado;
Que você seja obrigado
A provar meu gosto,
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E sentir na própria pele
O meu sal e o meu cheiro.
Quero puxá-lo pelos braços
Em direção ao meu corpo
Sem saída,
Olhando olho em olho
Engolindo-o inteiro, todo,
Desaando-o a dizer de novo
No instante extremo desse gozo,
Que a premência do rapto
Não te provoca medo.
Porque amar não machuca
E tem que ser ameno.
E esse meu arroubo,
Esse arremate violento e louco,
Não encontra a carne, o corpoO coração e o desejo
Do outro.
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Acaso
Foi tudo por acaso.
Um dia, olhando para o innito
Eu te vi, eu te ouvi e eu te quis.
Havia um sonho sendo sonhado
Nesse lugar distante, o innito
E você sentava ao meu lado,
Quando por acaso, percebi
Que, de fato, havia mais que fantasia
Ali.
Me despedi de tudo o que já era dado,
E o segui.
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Consentimento
Sim.
Eu digo sim, impensante e descompensada.
Em descompostura, eu digo sim;
Desalinhada e nua, A conrmação continua
A construir morada.
Sim, eu digo.
Intensamente e unicada,Pacicada e insana
Desejante e dada,
Num consentimento pleno
Sem medida, imenso,
Alegria ardente e despudorada.
Este sim é o que eu tenho.
Eis a minha única e própria palavra,
O motivo das lições que aprendo
E que ensino apaixonada,
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A razão dos interstícios
Entre meu silêncio e minha fala.
Pois meu coração assente,
Desde que sou criança, agora ainda,
Aberto e inocente,
Sem juízo e desajustado,
No amor livre à entrega,
E na crença no consentimento dos outros.
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Recusa
Tem uma planta ortogonal que me invade.
Mão de arquiteto, densconstruindo terra
Para elevar a cidade,
Retiranto curvas, esquinas e ruelasPara colocar as retas e os quadrados
Cravando no solo pedras, estacas
Para delimitar propriedades.
Tem um tiro certeiro que me atinge.Mira de atirador de elite, no meio do peito
Mal ouço o estampido e já caio, em vertigem,
Enquanto a bala corta na carne
O trajeto no do projétil lançado,
Surdo, limpo, preciso e exato,
Meus olhos abertos, surpreendidos sem vida.
Tem uma franja de barro que sobra no corte
Tem uma nesga de carne que a bala recobre
Em todos os moldes e mortes,
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Tem uma coisa que ca,
Que teima em desmentir a reta,
A extensão do traço, a precisão da meta,
A beleza espúria do certo no errado.
Tem aquilo que transborda,
Mesmo no sangue não derramado,
Aquilo que ca impresso nos olhos vidrados,
Tem algo que vigora alheio aos traços do quadrado,
Tem sempre esse pedaço, estilhaço das horas
Que faz parar o uxo d’água na clepsidra.
Tem o amor fatídico do amante pelo amado.
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Saudade
Sodade, diz Cesária
De Cabo Verde nascida,
Originária.
Sodade é o que dói e o que ri
Na felicidade de poder sentir saudade
De consentir na saudade
De permitir.
Sinto tua falta, como
Não haveria de sentir?
Inda mais quando Cesária
De Cabo Verde nascida,
Originária
Canta com voz de lua cheia
Reetindo nas águas da praiaO momento da nostalgia
Do quase lamento
E da pouca alegria
De não poder viver contigo
Mais de uma vida.
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As Cinzas (março a maio de 2013)
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Eu confesso
(1)
A espera e o vazio,
A luta e a ausência, A paz do meu quarto fechado,
A violência do desejo contido,
O amor ao lado
E o cercado,Em espirais sem saída.
O lamento da própria pena,
E a paixão que preenche o espaço,
Os fantasmas diários, cultivados,
A textura doce da tormenta.
Confesso a dor
Que venho sentindo
Sem saber como tocá-lo.
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Um oratório despedaçado
Na madeira forte setecentista,
No olhar barroco
Em tons de rosa claro.
Eu sei do sol, assim,
Espalhando a luz
Em cada pedaço.
Nem mesmo penso
Se mereço isso.
Nem mesmo entendo
A razão de haver escolha.
Mas eu confesso o acontecido
De um encontro
Em que me envio.
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(2)
Eu confesso que estive andando
Conscada de tudo e
Sem razão em nada.
Confesso que devastei a terra
Com bombas mais severas
Que as da Coréia, Irã e Israel.Confesso que chacinei o povo
Cortando gargantas e que
Atirei ao mar outros tantos marujos.
Confesso que deixei os pequeninos
Sozinhos num bote, à derivaE chamei a tempestade que veio
Louca, sedenta do sangue
Dessas pobres vidas.
Com essa conssão espero
Aguardo, anseio que
uma força cósmica exista
E que me redima, suspendendo
A memória dos crimes que
Cometi ao errar tanto,
Que nem sequer consigo
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Aplacar contra mim a própria
Ira, o agelo e a vingança.
Tende piedade de mim,
Ó criança, ó coração e alma
Menina.
Recebe toda a minha esperança
De que um dia eu dance de novo
Lançando âncoras e
Afagando os cabelos
De alguém que ame sem medo
Das batalhas perdidas,
Que não me faça nascer
Morrida.
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O Grande “Entreparênteses”
Amo você para além deste mundo.
Para além dos destinos, das sinas
E dos caminhos.
Amo como um solE como um rumo
Já trilhado, amanhecido
Naquele único instante de brilho.
Amo porque fomos umE porque somos.
O tempo, é certo, vai curar a ferida.
Essa vida longe é como um sonho
Mas ainda assim é a vida,
E é da vida.
E sigo reencontrando em cada
Lance de escada
Em cada esquina dobrada.
É assim a partida:
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Quem já amou mesmo,
Verdadeiramente amando,
Não nda.
É o último sopro e é
Também o primeiro.
No diverso, tem ainda
Um verso, uma frase
O som de uma voz que
Perfaz a trilha comigo.
É contudo um passado.
Estive lá onde um dia nasci,
Estive lá no dia em que morremos
E estarei lá, mais à frente
Pois não sou mais que isso.
Essa estadia, esse espaçoEssa memória, esse laço.
Como não amar desde sempre,
Mesmo que nosso encontro
Tenha se perdido?
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O enterro dos ossos
Vai, aquele que chegado
Jamais veio ter comigo, de fato.
Segue, enquanto choro d’um choro errado
Sobre a fogueira desses ossos mortosQue tentei montar, como se um lego
Pudesse viver e andar sobre o mar.
Que quis acender e z queimada,
Embora homem de guerra nesses ossos
Não devesse ter sucumbido...
É um réquiem a canção que canto agora,
Enquanto gravo na pedra o epitáo:
Aqui jaz o amante para seu amado,
Aqui deita o amado, longe de ser apaziguado
Com um beijo faminto, gelado,
Por entre lábios frios.
São apenas ossos devindo cinzas,
E nas cinzas rostos desfeitos
Em vento, em maresia.
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São restos de uma outra história
Tão obstinada com o renascido,
No verso das mãos que levavam consigo
Os contornos prontos de um bem-amado,
De um homem novo, recém tramado
Por traços de mulher, como sempre,
Pelo beijo da mulher que o abraça com as pernas
Enterrando os ossos de homem na terra,
Dentro dela.
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O Dó-de-si
Essa tristeza enracinada,
Esses gestos interrompidos,
O amor, o amor,
Esse laço,
Essa corda pendendo
No vazio do espaço,
Um o de navalha
Que corta,
A garganta seca
De gritar no vácuo
E de esperar que os
Seus fantasmas
Se adequem ao que
Não podem,
Porque são fantasmas
E não fatos...
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... Queimando no fogo
Da luz dos olhos,
No brilho intenso,
Um arco tenso
E o dom da or da pele
O dom desperto
Do zelo com que sente
O alívio do esgotado.
O amado, o amado,
Escondido ao mais profundo
Poço, perdido entre
O peito e a força dos braços,
Num abraço, num gracejo
Ingenuamente escapado...Onde vai o si-mesmo
Nessa perda ao que foi lançado?
Em vertigem, come a terra
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No caixote da onda,
No tombo à partida,
Na queda, na queda.
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Cinco versos em cinco linhas
I
Há uma canção em minha cabeça
Enquanto ela gira em sonho estranho
Coaxam alguns sapos “eu te amo”,
“eu te amo”, os sapos
E o ruído do pântano.
II
Porque no canto da quina da porta
Tem um fundo falso, escondendo a fendaPara um outro canto da curva da esquina,
Onde os pés entortam ao cruzar a linha,
Entre um beijo e um poema.
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III
Tinha os olhos entorpecidos a distinguir
nos tons marrons e beges do assoalho,
O torvelinho, a espiral
Que a mão gira sem saber que gira,Quando a cabeça pende, dentro da roda-viva.
IV
São os mitos que nos tocaiam
Nas entrelinhas e nos desenhos dos cantos
Das folhas do caderno. Vêm à luz
Quando, contra a luz, ilumino a página
Escrita pelos seus avessos.
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V
Enfeitiçada com o que danço, noite, dia
Ao som da minha própria cantoria
Em tristeza, sim, e na mais pura alegria
Que o feitiço impende como sina,
Quando o feiticeiro nem sabe que também dança.
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Onde?
A saudade é sempre
Uma pontada no innito.
Não começa nem termina,
Já vai entrando sem pedir Pela hospitalidade à lareira
Dos aitos.
E nesse pátio se cultiva,
Brota como or,
Cresce, convive Abarrotando a mesa de gos
E saciando a fome
Que nasce dos devaneios
Loucos de quem só guarda
Aquilo que já traz no peito
Sozinho.
Sim, saudade é parente
Da noite,
Quando a mente acordada
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Acerta o compasso e enxerga
O caminho, para esquecê-lo ao
Longo dos afazeres do dia.
Mas ca na pele esse arrepio
De uma dor alegre nascida de
Véspera, quando
Em noite, em saudade, em innito,
Imaginei o mundo —
Como ele seria —
Nas cores vivas que abrigo.
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Encontro
Em face à tua face
Tem um entorno que se
Descortina.
Tem uma passagemPor onde um veio d’água mina,
E tem sempre uma hora
Em que o relógio pára.
Queria poder manter assimO tempo, parado, ex-tempo
No olhar que não se desvia.
Não porque haja em mira
Caça, alvo, tiro.
E não porque eu queira assim,
Viver a vida como que
Estarrecida
Atrás do foco,
Beijando espelhos.
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Essa não é a face de Narciso
E esse não é o mesmo rio.
Em face à tua face
Tem um suspiro,
Tem um sopro,
Tem uma ponte
Que não leva a nada nem
A ninguém.
É só isso.
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Quatro Tons Abaixo
Dois olhos, um nariz, uma boca.
Uma boca e dois olhos.
Fala. Ri.
Sente a chuva batendo na ponta dos dedosPela janela aberta.
Senta e apoia as pernas no braço
Da cadeira.
Ri do que eu dito,
Explora.Não sei mais o que disse,
Esse mundo é paralelo.
Nele eu só tenho olhos,
Ouvidos, olfato,
Tato.
Exploro a tua porta entreaberta
E nem sei onde paro.
A textura do livro
Murmura entre meus dedos
Enquanto ouço a voz de dentro
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Num mandamento,
“foda-se que isso não signique nada”.
Eu quero.
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O Futuro do Pretérito
Fui para poder ter sido;
Andei pelos quarteirões do bairro,
Matando o tempo com pisadas
Fortes no chão de concretoPara poder ter andado.
Desentendi meus recados,
Desacordei meus instintos,
Para poder ter amado:
Fui para não ser enterrado. Vim para vir a ser futuro, aparecido,
Desejado com a força do que seria,
Do que poderia
E do que faria, se o pretérito
Me fosse dado.
Que seja, então,
O condenado a girar o corpo
Em torno do próprio rabo,
Desencontrado em seus
Poréns, em suas dúvidas
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Em seus receios
Das perdas indicativas do tempo
Moderado.
Que seja redimido o coitado.
Pois pesou esse tempo linear e disse
Sem saber, de fato,
Que um talvez não existe.
Mas por isso eu quis:
Para poder ser querido,
Porque eu amaria.
Tanto quanto se tudo já tivesse
Longe, longe, ancorado
Num outro passado.
Um talvez é um pretérito,
No lodo do solo encravado.
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Jogo de Palavras
“Nada Muda.
Nóis caminha,
Mas para onde vamos?
Nessa ordem:
Possibilidade.
Silêncio. Nascer.”
Nessa ordem:
Caminhamos.
Possibilidade,
Mas para onde vamos?
Silêncio? Nascer?
Nada muda...
... Nessa ordem,Mas para onde vamos?
A possibilidade
De nascer em silêncio.
Nóis caminha,
Não mudamos.
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Mas para onde vamos?
Nascer em silêncio
Para a possibilidade
Que somos?
Caminhamos.
Nada muda nessa ordem.
Em que estamos,
Indo, vindo, voltando.
Possibilidade e silêncio
Nada muda, e no entanto
Renascemos,
Caminhamos.
Mas para onde vamos?
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As Ilusões
Sempre guramos as coisas,
Porque o amor, solar,
Envolve tudo com uma luz
Propícia.Porque a paixão
É lha do mar, é espuma das ondas
E ignora as ilhas.
Ela só quer lançar, alçando
Âncoras.E o amor responde,
E como não amar!
E como aportar-se no escuro
Quando vem todo esse
Ardor generoso, esse
Calor de janeiro em meio
À potência do futuro herdeiro?
Sempre compreendemos tudo.
E sempre já era verdadeiro,
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Porque quisemos muito
Para muito além do juízo dos justos.
Então, as ilusões são tudo;
E a solidão do ator
No m da peça, quando a cortina
Se fecha e a orquestra pára,
É momento único,
Quando a razão se testa
Não para denir os contornos
Precisos do louco,
Mas para cobrar de sua esposa
— A carne viva —
Os ditames de um juramento
Primeiro:
Serei tua, apesar do todo.
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Paixões Tristes
Por cinco vezes eu repeti:
Mas, por que?
E a pergunta se desfez no silêncio,
Perpassado no só
Por uma brisa, um vento incerto,
Leve e comedido.
Enviei-me no acaso,
Como se fosse justo desapegar-me
Ao posto,
Largando a baía com o
Farol apagado.
Não, este não era um
Verdadeira acaso.
Então houve a tristeza.
E quantos nós na garganta,
Quantos lábios mordidos
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E pulmões nervosos
No ar rarefeito!
Não é isso, não é isso,
O anseio dizia,
Antes de ser homem, mulher
Ou mesmo bicho.
É preciso gurar a hora,
Preparar a mesa
E arrumar os vasos em torno
À porta, por onde entra
O sopro do acaso
E o beijo amoroso
Da vida.
Mas, enm, foi-se um encontro.
Foi-se um lapso onde
O conhecimento é puro
Re-conhecimento e
Beleza denitiva,
Quando nasce o amor.
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Entristece e rejubila.
A gente chora e se enfurece
Contra o destino.
Mas no instante em que já disse,
Aquiesce.
Segura com ambas as mãos
Na investida do remo,
No peso do timão,
E atravessa o rio.
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O Banquete
Isto mesmo eu digo:
Não preciso de você,
Não preciso de nós, vós,
Eles.
Mas digo com despeito
Na calada do abrigo
Ao som do coração
Batendo no peito.
É meu mantra embriagado,
Dito com jeito de padre
Exorcista:
Eu não te amo
Eu não te quero
Eu não me estupro
Para fazê-lo belo
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De fora de tudo
E na paz do livre exílio,
Vem ele, ou antes vinha,
Sussurando que
Estamos loucos e
Não sabemos mais
Apaixonar o espírito.
É Sócrates
Desandando o caminho,
Para atrasar o banquete
E desfazer o esperado.
Parado, na soleira da porta,
Ele ainda pensa
No próximo ato.
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Oz
Onde fui parar nesse desterro?
Teu beijo me cerca
Impondo aos fatos a escuridão da noiteQue nem o gozo em outrem
Desvela.
Comigo me enlaço,
Esquecendo os pólos, as medidas A xação da vida
Num determinado espaço.
Abraço, abraço, abraço...
Porque teu beijo me cerca.
E teus braços me tomam
Sempre antes que eu perceba
A proximidade do tornado.
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Te desejo como louca
Em revoada de pássaros,
Homem de lata vestido de gente,
Palha de milho, espantalho.
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A Meia-Noite
Quero amar,
Mas o cansaço me toma
Quando disse tudo
E falei demais.Então deixa que eu
Grite sozinha,
Enquanto durmo.
Não tenho paz!Mas vai, que um dia
Eu ainda em lua
Abrigue todo o amor do mundo?
Sim, é demais
Para um só mouro
Encastelado à espera.
Uma única moça,
Uma única noite.
E nas mil que ainda restam
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Inventarei palavras para
Mil contos.
Não me cortem a
Cabeça.
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O Meio Torso
Se alguém perguntar onde estou,
Diga que escureci,
Que emudeci e a garganta dói.
É o peso, é o pesoDe sempre saber tudo inteiro
E de nunca ter
Um momento de desmemória,
Desmazelo.
Se alguém perguntar onde estou,
Diga que quei,
Que entreguei as chaves
E tranquei a gaveta.
Embora quisesse seguir os passos
De fora, de leve, manhosa
Nos vaivéns, lequetreques
Leva-e-trazes,
Tem vezes que isso
Abre, e então aí escurece.
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É a queda livre, é só
Um vale, uma fenda, um buraco
Com rio embaixo, sem trilhas
Sem voltas.
Se alguém perguntar onde estou,
Diga que não fui,
Que não voltei,
Que me perdi ou ensandeci,
Nos avessos.
Nos avessos.
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Impertinências (maio a julho de 2013)
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Deodorina
Otacília ganhou uma rosa e
De amor a rosa abriu em or.
Ajeitou no vaso, cuidou da rosa
Otacília, a or.
Encantado, o moço criou imagem
De casa branca e janela azul.
Já viu na porta menino novo
Sair com a bola para o quintalOnde a roseira brota.
Otacília, a primeira rosa
Macia, doce, carinhadora.
Como não amá-la,
Jardim futuro em mãos
De jardineiro? Como
Não cultivá-la, ela,
Esteio?
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E se no peito apaziguado
Arder a ausente
Noite, a lua cheia daquele
Sertão onde encontrei
Um dia o companheiro,
É só saudade, é só
Aperto de um outro jeito,
De um outro momento,
De um outro amor, feminino
Errante, innito anseio.
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O Lodo(Impertinências, parte 2)
Não vou dizer mais nada.
De mim escutarão apenas
Arfar pulmões no mais inamado
Silêncio
Enquanto penso se a carne é fraca
Ou se é tudo fruto de um péssimo
Entendimento.
(De meu rosto, sobram os olhos
Cavucando no escuro por
Um xisto de luz.
De meu corpo restam asas batendo.)
Cara, eu te quero muito!
E tudo isso se confunde
Com a urgência d’uma fala
E com o gosto de um outro
Gosto na boca.
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Por isso,
Não direi mais nenhuma palavra,
Embora elas andem sem mim
Por trilhas inesperadas.
E tem a falt