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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros JAMBEIRO, O., et al. A radiodifusão e o Estado Novo. In: Tempos de Vargas: o rádio e o controle da informação [online]. Salvador: EDUFBA, 2004, pp. 84-128. ISBN 978-85-232-1241-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>. All the contents of this chapter, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution-Non Commercial-ShareAlike 3.0 Unported. Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada. Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported. Terceiro capítulo A radiodifusão e o Estado Novo Othon Jambeiro Amanda Mota Andrea Ribeiro Clarissa Amaral Cassiano Simões Eliane Costa Fabiano Brito Sandro Ferreira Suzy dos Santos

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros JAMBEIRO, O., et al. A radiodifusão e o Estado Novo. In: Tempos de Vargas: o rádio e o controle da informação [online]. Salvador: EDUFBA, 2004, pp. 84-128. ISBN 978-85-232-1241-4. Available from SciELO Books <http://books.scielo.org>.

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Todo o conteúdo deste capítulo, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não adaptada.

Todo el contenido de este capítulo, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento-NoComercial-CompartirIgual 3.0 Unported.

Terceiro capítulo A radiodifusão e o Estado Novo

Othon Jambeiro Amanda Mota Andrea Ribeiro Clarissa Amaral Cassiano Simões

Eliane Costa Fabiano Brito

Sandro Ferreira Suzy dos Santos

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Terceiro CapítuloA Radiodifusão e o Estado Novo

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Contexto HistóricoDepois de três anos como presidente constitucional, elei-

to indiretamente pelo voto dos constituintes de 1934,Vargas aguardava as eleições diretas, previstas para 1938,ocuparem o centro do debate político. O país vivia umanova ordem jurídico-política, que estabelecia o princípioda alternância no poder, com base no veto da reeleição eno voto direto e secreto, que consagrava o respeito aos di-reitos civis e garantia a liberdade de organização e expres-são políticas.

O período de transição entre a Revolução de 30 e a pro-mulgação da Constituição de 1934, havia sido marcadopor diferentes e simultâneos movimentos de acomodaçãopolítica. Esses movimentos manifestaram-se em três pla-nos: o da redefinição parcial dos esquemas político-oligárquicos de dominação regional; o da cooptação domovimento tenentista por Vargas, em aliança com a hie-rarquia militar; e o do início da modernização do apare-lho do Estado (Martins, 2001: 2037).

Empossado no comando do Governo Provisório, Vargasgovernara, até 1934, amparado pelo decreto de 11 de no-vembro de 1930, que lhe atribuía competência para exer-cer o Poder Executivo e, simultaneamente, a autoridadelegislativa e a capacidade para nomear os interventoresfederais que iriam exercer poderes similares nas unidadesfederativas. Isto lhe permitira substituir as oligarquias re-gionais fiéis a Washington Luís pelas forças políticas queapoiaram o movimento revolucionário. Nomeou, emconsequência, como interventores federais, �tenentes�,que passaram a ocupar posições de mando tanto no planofederal, através de inserção no aparelho do Estado, quan-to no estadual, como interventores federais, principalmen-te no Nordeste.

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Embora não afetassem as estruturas econômicas e soci-ais, uma vez que o sistema oligárquico permanecia base-ado na propriedade da terra, esses movimentos de ascen-são e decadência de grupos políticos produziram efeitosna formação de coligações interestaduais e determinaramos sistemas de apoio e de oposição do governo central, oque dificultou a formação de partidos políticos nacionais.

Por outro lado, a reorganização do aparelho de Estadose processou através de três planos também simultâneos:o da criação de comissões formadas por técnicos e milita-res para o equacionamento de problemas relacionados aoaproveitamento de recursos minerais e sua industrializa-ção; o do reequipamento das forças armadas; e o doenquadramento, por meio do Ministério do Trabalho eda legislação sindical, dos canais de representação dos in-teresses nas zonas urbanas já expostas aos primeiros im-pactos do processo de industrialização.

Foi, portanto, nesse ambiente marcado por grandes trans-formações que, no início de 1937, começam as primeirasarticulações políticas para a sucessão de Vargas. Ao longodo ano, estabeleceram-se duas candidaturas, cujas bases deapoio ilustram a confusão política das forças regionais na-quele momento. O paulista Armando de Sales Oliveira foiapoiado pelo Partido Constitucionalista de São Paulo, pelogovernador do Rio Grande do Sul, José Antônio Flores daCunha e pelas facções oposicionistas da Bahia e dePernambuco, que formavam a União Democrática Brasi-leira. Já o paraibano José Américo de Almeida reunia o apoiodos situacionistas de Minas, Paraíba, Pernambuco e Bahiae dos oposicionistas do Partido Republicano Paulista (PRP)e do Partido Libertador (PL) rio-grandense.

Nas cidades, as camadas médias urbanas manifestavam-se nas ruas contra a configuração eleitoral que reduzia sua

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importância política, dado o predomínio do voto rural, eno interior do aparelho estatal surgia um forte movimentoque buscava centralizar o sistema de decisões do governo.

Vargas manobrou nesses três cenários: estimulou o lan-çamento da candidatura de José Américo de Almeida, masrecusou-se a apoiar oficialmente qualquer um dos candi-datos; advertiu para os perigos da campanha eleitoralreacender as agitações das ruas, mas cultivou o apoio dosintegralistas, e, sobretudo, consolidou lealdades pessoais,nos planos regional e no interior do aparelho de Estado.

A verdade, porém, é que antes mesmo do lançamentoda candidatura de José Américo de Almeida, a Constitui-ção de 1937 já estava redigida por Francisco Campos. Fal-tava apenas articular o golpe com os governadores, conso-lidar o esquema militar e aguardar o momento oportunopara a ação (Martins, 2001: 2038).

Após a Intentona Comunista de 1935, a preocupação econtrole de Vargas sobre os comunistas tornaram-se cadavez maior. A consolidação do stalinismo na União Sovié-tica, aliada à disseminação dos ideais comunistas, em opo-sição ao nazi-fascismo, na Europa, contribuía para a for-mação de ambiente de tensão em escala mundial. No Bra-sil, o medo da suposta �ameaça vermelha� favoreceu aconspiração do governo e passou a integrar o rol de justi-ficativas de Vargas para, em 10 de novembro de 1937, anun-ciar o Golpe de Estado e impor à nação o Estado de Sítio.

Alegando a descoberta de um fantasioso Plano Cohen que,segundo o governo, previa a tomada do poder pelos comu-nistas brasileiros, em aliança com os soviéticos, e a instala-ção no país de um sistema socialista, Getúlio instaurou aditadura e promulgou uma nova Constituição que ficouconhecida como Polaca, por ter sido baseada na autoritáriaCarta polonesa, de Pilsudzki (Chacon, 2001: 1567).

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Elaborada pelo jurista Francisco Câmara, futuro minis-tro da Justiça, a Constituição correspondia à tendênciafascistizante da época, quando os regimes de Hitler eMussolini estavam no auge na Alemanha e na Itália, res-pectivamente. Imposta por Vargas, a Carta de 37 acabavacom o sistema republicano federativo, extinguia os parti-dos políticos e o parlamento, restringia a manifestação dopensamento, intensificava a repressão aos crimes contra asegurança nacional, previa a nomeação de interventorespara as unidades federativas, punia os estados que nãoarrecadassem o suficiente para manutenção dos seus ser-viços, transformando-os em territórios, e instituía ocorporativismo e o sindicalismo profissional urbano, rom-pendo, assim, com a tradição liberal imperial de 1824 e aliberal republicana de 1891 e 1934 (Idem, Ibidem).

A idéia do Plano Cohen foi tornada pública pela pri-meira vez em setembro de 1937, quando Vargas convocouuma reunião ministerial para a sua apresentação:

Participaram dessa reunião, entre outros, o generalEurico Dutra, ministro da Guerra; o general GóisMonteiro, chefe do Estado-Maior do Exército (EME);e Filinto Muller, chefe de Polícia do Distrito Federal.A autenticidade do documento não foi questionada pornenhum dos presentes, e, dias depois, o Plano Cohenseria divulgado publicamente, alcançando enorme re-percussão na imprensa e na sociedade ao mesmo tem-po em que era desencadeada uma forte campanhaanticomunista. O plano previa a mobilização dos tra-balhadores para a realização de uma greve geral, o in-cêndio de prédios públicos, a promoção de manifesta-ções populares que terminariam em saques e depre-dações, até a eliminação física das autoridades civis e

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militares que se opusessem à insurreição (CPDOC,1997, on-line).

No bojo da sua campanha anticomunista, Vargas, para-lelamente, colocava em prática outra estratégia de objeti-vo semelhante: divulgação e fortalecimento da imagempaternal e heróica, que já vinha sendo construída pelapropaganda oficial, como assinala Moacir Scliar:

Em todos estes acontecimentos o rádio desempenhará umpapel da maior importância. Leva, a todos os brasileiros, apalavra de Getúlio Vargas, cujo famoso �Trabalhadores doBrasil!...� despertava indescritível emoção. O jornal, que foraaté então o principal veículo de comunicação, perde im-portância: �O mundo, emudecido com Guttemberg, voltaa falar com Marconi�, dizia Genolino Amado, cujas crôni-cas a voz de César Ladeira popularizou (Scliar, 1991: 22).

Para a nação, o plano foi anunciado solenemente pelo mi-nistro da Guerra, marechal Eurico Dutra, em 30 de setem-bro de 1937. Publicado no Diário Oficial do dia seguinte,quando o Congresso também votava a suspensão das garan-tias constitucionais, foi também reproduzido nos programasjornalísticos de rádio, em capítulos, como uma novela.

Em 26 de outubro, mesmo dia em que anunciava o fe-chamento de um acordo entre o Ministro do Trabalho erepresentantes dos sindicatos patronais para a divulgaçãode intensa propaganda de combate ao comunismo nosestabelecimentos comerciais e industrias, o Jornal do Brasilconvocava o apoio dos trabalhadores:

O que deu o Sr. Getúlio Vargas aos trabalhadores brasi-leiros: oito horas de trabalho; pagamento suplementar

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das horas excedentes; férias; estabilidade no emprego;nacionalização do trabalho; convenções coletivas de tra-balho para maior garantia dos direitos dos trabalhado-res; juntas de conciliação para resolver os dissídios cole-tivos; regulamentação do trabalho das mulheres e dosmenores; reforma da Lei de acidentes de trabalho, es-tendendo-se seus benefícios a toda classe de trabalha-dores, inclusive os dos campos; institutos e caixas depensões e aposentadorias para os bancários, os maríti-mos, os comerciários, os estivadores, os empregados emarmazéns e trapiches; a organização da Justiça de Tra-balho acha-se em debate na Câmara, e, dentro em bre-ve, será uma realidade� (Jornal do Brasil, 26.10.1937).

A essa altura, a esquerda encontrava-se esfacelada emfunção da repressão sofrida no período pós-Intentona. Aconivência de um Congresso fraco, sem condições neminteresse de contrariar o presidente, aliada à ausência deum movimento de oposição, colaborou para a aprovaçãodo Estado de Guerra, proposto por Vargas.

O plano somente foi denunciado como falso depois deoito anos, em março de 1945, quando o General GóisMonteiro assumiria a farsa montada por assessores deVargas. Segundo ele, o chefe do serviço secreto da AçãoIntegralista Brasileira (AIB), Olímpio Mourão filho, ela-borou o documento e o entregou ao Exército. Juntamentecom Plínio Salgado, que renunciou à sua candidatura pre-sidencial em prol do Estado Novo, Mourão alegou leal-dade à instituição militar para justificar o silêncio em re-lação ao plano.

Sem provocar maiores resistências, em 10 de novembrode 1937 o Congresso foi fechado, a nova Constituiçãooutorgada e o Estado Novo proclamado. Apenas dois go-

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vernadores protestaram e renunciaram ao cargo, JuracyMagalhães, da Bahia, e Lima Cavalcanti, de Pernambuco.Com a extinção dos partidos, o exercício da atividade po-lítica foi condenado à clandestinidade, à exceção do fra-cassado movimento integralista de maio de 1938.

A EconomiaEm 1937, a situação econômica brasileira se encon-

trava em momento delicado, sofrendo ainda os reflexosda crise de 29, quando o preço dos produtos de exporta-ção, principalmente do café, encontravam-se em baixa.Logo após o golpe, Getúlio Vargas teve de enfrentar aquestão da dívida externa, vencida em 1931, cujo paga-mento tinha sido postergado para 1934 e, posteriormen-te, para 1938.

Vargas suspendeu, no final de 1937, o pagamento dadívida externa, inclusive dos juros. A decisão se prolon-gou até 1939, quando foram iniciados contatos com ame-ricanos e europeus para a sua renegociação. Paralelamen-te, Vargas determinou o controle do câmbio e, através deum decreto, em 23 de dezembro de 1937, concedeu aoBanco do Brasil o monopólio sobre as transações de �ven-das de letras de exportação ou valores transferidos do es-trangeiro�. A medida, que tinha o objetivo de evitar a eva-são de capital do país, atingiu diretamente as empresasestrangeiras, que passaram a enfrentar problemas para oenvio de remessas de lucro para o exterior.

Em alguns países, a decisão do governo brasileiro foientendida como uma afronta a seus interesses e, em con-seqüência, a negociação da dívida externa do Brasil foicondicionada à resolução do problema cambial. Somenteem 1939, após uma viagem do Ministro das Relações Ex-

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teriores, Oswaldo Aranha, a Washington, a situação co-meçou a se normalizar. Para isso, Aranha teve que assinaracordos de interesse bilaterais, comprometendo-se pelogoverno a normalizar o sistema cambial. Dias mais tarde,o governo restabeleceu a liberdade nas transações de câm-bio e liberou a venda de letras de exportação aos bancoshabilitados para tal fim (Carone, 1977).

Ao mesmo tempo em que tentava resolver a questão dadivida externa, Vargas se via às voltas com um país interna-mente conturbado economicamente. Enquanto os preçoscaiam no mercado externo, internamente o processo erainverso: houve uma grande alta nos preços, o que gerouinflação, desemprego e fome. As políticas econômicas dogoverno não conseguiam frear a queda do preço do café,principal produto de exportação, que mais uma vez estavaem crise, começando um processo que resultou em umadevastadora desvalorização no mercado internacional.

Como tentativa de aliviar a crise, o governo adotou, apartir de então, uma nova política, que tinha como metaaumentar a participação do Brasil no mercado internaci-onal, por meio da elevação da quantidade de café expor-tado, independentemente do preço conseguido. Este ob-jetivo foi alcançado em 1938 e 1939, quando houve au-mento significativo do número de sacas exportadas. Umano depois, porém, o mercado voltou a se retrair em fun-ção da 2a Guerra Mundial (Pelaez, 1979).

Mesmo assim, a política adotada anteriormente funci-onou, uma vez que, mesmo com a retração dos mercados,o café brasileiro ocupava 53,6% de todo o consumo mun-dial do produto. A partir de 1940, no entanto, os preços doproduto começaram a cair vertiginosamente. Com o fe-chamento dos mercados europeus a quantidade de caféexportado também declinou, o que trouxe um grande pre-

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juízo para a balança comercial brasileira, resultando emuma queda expressiva das reservas em ouro.

Paralelamente à política de aumento da exportação, ogoverno persistia na política de queimar uma parte doexcedente da produção, destruindo, no período de 1931 a1944, cerca de 78,2 milhões de sacas de café, o equivalentea três anos de consumo mundial. Essa política só deixoude ser praticada em 1944, já no período final da guerra,quando uma grande geada encarregou-se de destruir gran-de parte da produção.

No que se refere à política industrial, até 1937 o gover-no brasileiro tinha uma postura dúbia em relação a atéentão diminuta industria nacional. Não raramente asmedidas econômicas adotadas pelo governo atendiam commais clareza aos interesses do setor agrário, em detrimen-to das reivindicações do setor industrial. Um bom exem-plo dessa política pode ser observado no tratado de co-mércio com os Estados Unidos, assinado por Vargas, em1935, e que atendia abertamente aos interesses dos EUA eteve o apoio dos setores agrários ligados às exportações.

Apesar das severas críticas dos industriais brasileiros,que alertavam para o fato da indústria nacional ficardesprotegida na concorrência com os produtos norte ame-ricanos, esse tratado foi aprovado pelo congresso. O go-verno brasileiro cedeu às pressões externas do embaixa-dor americano, que acenou com a possibilidade de rever aisenção de impostos na importação do café brasileiro, casoo tratado não fosse aprovado.

Se até então a indústria nacional não recebia incentivosgovernamentais, durante o Estado Novo a política econô-mica adotada foi de aberto incentivo ao setor industrial.Foram tomadas medidas que visavam substituir os produ-tos importados por produtos brasileiros e criar mecanis-

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mos que possibilitassem o desenvolvimento de uma indús-tria nacional de base. Esta indústria começou a tomar cor-po com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional(CSN), em 1941, juntamente com a construção da Usinade Volta Redonda. É necessário lembrar que a CSN foi fi-nanciada com dinheiro americano, em parceria com recur-sos do governo brasileiro. Mesmo com a ajuda do capitalestrangeiro, começou a se desenvolver uma indústria bra-sileira, que seguia princípios considerados nacionalistas.

Na verdade, a Constituição de 1937 definia como re-servado apenas a brasileiros, o direito de explorar as in-dústrias consideradas essenciais à defesa econômica e mi-litar do país, bem como o direito de explorar minas e que-das d�água. Demonstrando a forte intenção de proteger aeconomia nacional, a Carta de 1937 estabelecia tambémque �só poderiam funcionar no país bancos e companhi-as de seguro cujos acionistas fossem brasileiros. Conce-dia-se às empresas estrangeiras um prazo, a ser fixado porLei, para que se transformassem em nacionais� (Fausto,1996:370).

Outras medidas foram tomadas pelo Governo para res-tringir à brasileiros a exploração da chamada indústria debase, como o Código de Minas, que vigorou a partir de1940, e que proibia a participação de estrangeiros na mi-neração e na metalurgia.

Mesmo as pretensões nacionalistas de Vargas foram, porvezes, freadas pelas pressões externas e internas de algunssetores da sociedade brasileira, que tinham interesses emcomum com empresas estrangeiras. Por isso, algumas de-terminações que estavam presentes na Carta de 37 nãoforam seguidas em vários setores, como o setor de energiaelétrica, em que as empresas continuaram pertencendo aestrangeiros.

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Alguns episódios ilustram essas incongruências nacio-nalistas dos dispositivos constitucionais. A recusa de Vargasde assinar, em 1941, um decreto determinando que até1946 todas as empresas de seguros e bancos deveriam tor-nar-se nacionais, mostra essa face do Estado Novo, onde,a depender dos interesses, era tomada, ora uma posiçãonacionalista, ora havia uma abertura para o capital estran-geiro. Os interesses nacionais, em alguns momentos, es-tavam ligados diretamente aos interesses de empresas nor-te-americanas ou alemães, países com os quais o governobrasileiro negociava, concomitantemente, novos emprés-timos de capital.

A instalação de uma indústria petrolífera no Brasil nãoera uma questão muito discutida, visto que só em mea-dos de 1939 foi descoberto petróleo na Bahia. Falava-se,até então, na instalação de refinarias, o que começou aacontecer a partir de 1935 com interesse de alguns indus-triais brasileiros, seguido por algumas empresas estran-geiras, como a Standard, a Texaco, a Atlantic e a Anglo-Mexican, que se mostraram interessadas em se instalar noBrasil. Tal interesse foi freado por um decreto-lei de 1938,que determinava ficasse nas mãos de nacionais a refina-ção de petróleo importado ou futura produção nacional.Isto significava que deveria pertencer a brasileiros o capi-tal, a direção e a gerência destas empresas. Poderiam, noentanto, pertencer ao capital particular, não sendo, por-tanto, determinado o monopólio estatal do petróleo.

O mesmo decreto de 1938 criou também o ConselhoNacional do Petróleo (CNP) que era constituído por pes-soas nomeadas pelo governo, representantes de váriosministérios e grupos de interesse da sociedade. Durante operíodo de 1938 a 1943, discutiu-se a ampliação do con-trole do Estado. Isto ocorreu durante gestão do General

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Horta Barbosa, que tentou criar grandes refinarias esta-tais, mas não teve sucesso. As contribuições do EstadoNovo para a indústria do petróleo foram poucas, porémse tornaram importantes, como observa Boris Fausto, sobdois aspectos:

De um lado, a política do CNP bloqueou as iniciativasdas grandes empresas estrangeiras, ainda que não con-seguisse uma resposta alternativa às suas propostas. Deoutro, a ação do general Horta Barbosa representou umponto de apoio e uma referência para os grupos que,nos anos 50, pressionariam pela adoção de uma linhasemelhante à sua, vitoriosa com a criação da Petrobrás,em outubro de 1953 (Fausto, 1996:373).

A Segunda Guerra Mundial trouxe efeitos favoráveis àpolítica de industrialização em curso no Brasil. A impos-sibilidade de importar produtos industrializados fez sur-gir no país uma indústria voltada para o mercado interno.Muitas empresas brasileiras tiveram oportunidade de ex-portar seus produtos para países europeus e para os Esta-dos Unidos, que estavam concentrados em seus esforçosna guerra, e também para o mercado africano, onde o paísobtivera espaço para comercializar seus produtos.

Coincidentemente, foi neste período que pela primeiravez na história, o Brasil teve saldos a receber da Inglater-ra, Estados Unidos e outros países. Só que o saldo-ouroficou em mãos estrangeiras, com a promessa de ser pagono período pós-guerra, promessa que jamais foi cumpri-da. O aumento nas exportações e o desenvolvimento dasnecessidades financeiras do Estado levaram o país a umainflação galopante, que se traduziu no aumento do custode vida, especulação imobiliária, maior gasto do Estado,

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escassez de mercadorias, devido a especulações, constan-te aumento de preços e alta dos índices de desemprego.Estes fatores provocaram um clima de instabilidade eco-nômica e social no país (Carone, 1976).

Entre 1942 e 1944 o governo central tentou corrigiraquelas distorções financeiras, através de algumas medi-das, como os decretos que estabeleciam as obrigações deguerra, em 1942, e os lucros extraordinários, em 1944,ambos tributando o aumento de lucro que a maior partedas empresas conseguiu, nos dois últimos anos. Visandodirecionar o dinheiro em circulação para obras de infra-estrutura, as medidas evitariam o aumento da inflação.Mas, no decorrer do processo se mostraram ineficazes, jáque o Brasil não recebeu inteiramente pelas exportações eteve que pagar pelas importações, gerando uma grandenecessidade de novas emissões de moeda.

O Brasil na GuerraO mundo estava marcado pela vitória do nazi-fascismo

em Portugal, com Salazar, e na Espanha, com Franco. OJapão ocupou a Coréia, a Mandchúria e a China. Na Itá-lia, Mussolini ficou mais forte depois de dominar a Etiópia.Na Bélgica, Inglaterra e até nos Estados Unidos o fascis-mo ganhava forças. Hitler começou a invadir os paísesvizinhos anexando a Áustria, a Tchecoslováquia e aPolônia, o que levou a França e a Inglaterra, pressionadaspela opinião mundial, a declarar guerra à Alemanha e àItália. Mas a máquina nazista ainda avançou sobre a Di-namarca, a Noruega, a Bélgica, a Holanda e, em 1940,chegou à França.

O Brasil, que além de relações comerciais fortes com aAlemanha, tinha um regime com grande influência fas-

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cista, se declarou neutro, usando como justificativa o fatode o país não ter interesses econômicos e políticos com ospaíses em guerra. Mas depois da invasão alemã na Fran-ça, o governo começou a aderir abertamente aos ideaisnazi-fascistas e à Alemanha. O DIP proibia a exibição defilmes que de alguma forma falassem bem do regime li-beral-democrata, proibindo o uso da palavra democraciaem qualquer lugar. Internamente, Vargas perseguiu oscomunistas, e seus aliados, levando o Partido Comunistaà míngua, em 1940.

Por outro lado, o uso comercial do rádio, atraindo o in-teresse das agências de propaganda norte-americanas,desencadeou um processo de disseminação da culturaamericana no país. Desde então, o Brasil sofreu operaçõesculturais, sociais e informacionais, que se intensificarama partir da realização da 8a Conferência Pan Americana,em Lima, no Peru, em 1939, quando os Estados Unidoscomeçaram a colocar em prática a estratégia de domina-ção da América Latina para assegurar novos mercados eeliminar os rivais europeus.

Ao Brasil, os Estados Unidos ofereceram empréstimospara saldar a dívida externa com a Inglaterra e a França,além de US$ 50 milhões em mercadorias. Em troca, o go-verno brasileiro deveria facilitar a participação dos empre-sários americanos no desenvolvimento brasileiro (Beozzo,1977: 279). Outra barganha que favoreceu o estreitamentodas relações entre os dois países foi o financiamento daSiderúrgica de Volta Redonda. A contrapartida brasileirafoi a autorização de Vargas para a instalação da Base Aéreaamericana em Natal, no Rio Grande do Norte.

Apoiando-se na declaração de neutralidade, endossadapor todas as nações do continente, na reunião realizadano Panamá, em 1939, Vargas conseguiu manter-se

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eqüidistante do conflito, inclusive negociando, simulta-neamente, com a Alemanha e os Estados Unidos, ajudaeconômica para a implantação da siderurgia no Brasil. Aneutralidade, porém, tornou-se inviável em 1942, com oafundamento de 18 navios mercantes brasileiros, por sub-marinos alemães, bem próximos à costa brasileira, provo-cando cerca de mil mortes. A população foi às ruas exigirdo governo posição firme em relação ao conflito.

Desde o ataque à base americana de Pearl Harbor, nofinal de 1941, já havia grande pressão dos Estados Unidospara que o Brasil se colocasse ao lado das forças aliadas.Os americanos tinham tomado a iniciativa de oferecer aoBrasil acordos comerciais, como o firmado em Washing-ton, no começo de 1942, que regularizou o comércio en-tre os dois países, e no qual os americanos se comprome-tiam a comprar do Brasil produtos, como café, tecido, fer-ro e outros minerais. Apesar de tudo, somente em agostode 1943 o Brasil entrou no conflito.

O povo pedia, inclusive, o envio de tropas para o comba-te no continente europeu, o que só foi acontecer em 16 dejulho de 1944, quando desembarcou na Itália o 1º escalãoda Força Expedicionária Brasileira (FEB), com cerca de 25mil homens, entre tropas de combate e pessoal administra-tivo. Os soldados da FEB obtiveram vitórias importantes,superando a falta de treinamento para enfrentar um terre-no desconhecido e um clima diferente dos padrões tropi-cais. O saldo deixado pelos brasileiros nos campos de bata-lhas de Monte Carlo e Montese, foi de 451 mortos.

Com a participação do Brasil na Segunda Guerra Mun-dial, as relações de cooperação entre o Brasil e o EstadosUnidos são consolidadas. A disseminação do estilo de vidaamericano, o American way of life, é intensificado, com oobjetivo de manter a hegemonia dos valores democráticos

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no país e restringir ao máximo a influência alemã, já queexistia no sul do Brasil uma ativa colônia de imigrantesdaquele país. Isto, aliás, já vinha ocorrendo desde o inícioda Segunda Guerra Mundial, quando os Estados Unidosiniciaram na América Latina uma verdadeira ofensivamoral, econômica e cultural, visando garantir mercadospara seus produtos, evitar o crescimento da ideologia na-zista e reduzir as chances dos países europeus, sobretudoos alemães, mas também os inglêses reconquistarem ahegemonia no continente latino, após a guerra.

A presença de soldados brasileiros entre as tropas alia-das que combatiam a Alemanha e a Itália foi um fatorimportante para redemocratização do Brasil, após o tér-mino do conflito. A situação do País era paradoxal. Ficoudifícil convencer o povo de que, apesar de combater o nazi-fascismo na Europa, era preciso manter no país uma dita-dura com bases fascistas. Com a derrota do Eixo na guer-ra intensificaram-se as campanhas para que o país reto-masse a democracia. Aos poucos, as bases para que o Es-tado Novo permanecesse foram sendo minadas e as ma-nifestações em favor de liberdade política no país torna-ram-se cada vez mais fortes.

O Partido Comunista (PCB) teve papel de destaqueneste período, embora tenha manifestado apoio a Vargas,participando do chamado movimento Queremista, quereivindicava uma assembléia constituinte, em 1945, comGetúlio ainda no poder. Anteriormente, entre 1943 e 1945,o PCB havia desenvolvido campanhas a favor do ingressodo Brasil na guerra e também pela anistia, sobretudo pelalibertação de seu principal líder, Luís Carlos Prestes, quese encontrava preso.

A partir de 1943, as críticas ao Estado Novo se tornaramcada vez mais freqüentes, vindo de diversos segmentos da

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sociedade. O Manifesto dos Mineiros, lançado naquele ano,por um grupo de advogados, escritores, professores, direto-res de banco e jornalistas, em sua maioria de famíliasoligárquicas, marcou o início de uma fase de contestaçõesmais organizadas. O manifesto pedia democracia:

Embora fizesse referências a reformas sociais, o mani-festo defendia principalmente a realização de reformasjurídicas e institucionais de caráter liberal-conservadore do interesse de oligarquias de oposição, tais como di-reito de voto, retorno do habeas corpus e outras garantiasconstitucionais que, embora interessassem a todos, fa-voreciam o retorno ao poder dessas oligarquias (Alencar;Carpi; Ribeiro, 1979:267).

A cobrança em relação à implementação, no Brasil, dosideais defendidos pelos soldados brasileiros na Itália, aper-tava o cerco a Getúlio Vargas. Em 10 de novembro de 1943,sexto aniversário do golpe, prazo limite para a realizaçãodo plebiscito previsto na Constituição de 1937, ele falou ànação e prometeu que depois da guerra �em ambiente pró-prio de paz e ordem, com garantias máximas à liberdadede opinião, reajustaremos a estrutura política da nação,faremos de forma ampla e segura as necessárias consultasao povo brasileiro�.

Era tarde. A participação do Brasil na guerra e o longoperíodo ditatorial tinham ferido de morte o Estado Novo.Vários movimentos eclodiram, conturbando o clima polí-tico do país. Em janeiro de 1945, os participantes do 1ºCongresso Brasileiro de Escritores publicaram um docu-mento, no qual exigiam completa liberdade de expressãoe reivindicavam um governo eleito por voto universal, di-reto e secreto.

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Antes mesmo da extinção do Departamento de Impren-sa e Propaganda em 1945, alguns jornais começaram afurar o bloqueio da censura e a publicar matérias contes-tando abertamente o Estado Novo, atacando sua políticaeconômica, o caráter autoritário do aparelho do Estado,as tentativas continuistas de Vargas e sua proposta de aber-tura política. Publicavam, também, as aspirações redemo-cratizantes dos diversos grupos ou facções político-parti-dárias e mencionavam o lançamento de candidaturas paraa sucessão presidencial.

A situação política se tornou cada vez mais tensa e osjornais oposicionistas mais ferrenhos, como o Correio daManhã, do Rio de Janeiro, a Folha da Manhã, de São Pau-lo, e os Diários Associados, de Chateaubriand, se constitu-íram em porta-vozes dos anseios populares contra o Esta-do Novo. O golpe decisivo foi desferido pelo Correio daManhã, no dia 22 de fevereiro de 1945: ao publicar entre-vista de José Américo de Almeida ao jornalista CarlosLacerda, reivindicando democracia plena, desencadeou oprocesso de derrocada do Estado Novo.

Sentindo que não havia mais como evitar a democrati-zação do país, Vargas promulgou, logo em seguida, LeisConstitucionais, restabelecendo a liberdade de associação eexpressão, e concedendo anistia aos condenados por cri-mes políticos. Além disso, sancionou a Lei eleitoral, regu-lamentou a organização de partidos e fixou eleições geraispara o parlamento e a presidência. Embora não definisse adata da eleição, a lei fixava em 90 dias o prazo para a ediçãode um decreto com este objetivo. Finalmente as eleiçõesforam marcadas para o dia 2 de dezembro de 19451.

Com a abertura política, os partidos foram se organi-zando e escolhendo seus respectivos candidatos. Os opo-sicionistas criaram a União Democrática Nacional

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(UDN) e lançaram o nome do brigadeiro Eduardo Go-mes. Concebido e orientado por Vargas, o Partido SocialDemocrático (PSD), que abrigava as oligarquiassituacionistas, os industriais e banqueiros ligados ao Es-tado Novo, indicou o general Eurico Gaspar Dutra, tam-bém apoiado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB),que da mesma forma fora criado sob a inspiração do pre-sidente para incorporar as massas urbanas. Já o PartidoComunista (PCB), que voltara à legalidade, lançou comocandidato Iêdo Fiúza.

A campanha presidencial parecia transcorrer sem gran-des imprevistos até o surgimento do movimento Queremista,que mobilizava a população com o apoio dos comunistaspedindo a permanência de Getúlio. Os queremistas defen-diam a idéia de realização de uma Assembléia NacionalConstituinte, que sob o comando de Vargas, definiria o pro-cesso eleitoral. O queremismo, juntamente com as mudan-ças na Lei eleitoral, provocadas pelo decreto que antecipa-va as eleições estaduais e municipais para o mesmo dia daseleições nacionais, acirrou a desconfiança de que Vargas ti-nha planos de permanecer no poder.

Segundo o decreto, para concorrer a um cargo, osgovernantes estaduais e municipais precisariam deixar ocargo 30 dias antes do pleito, abrindo brecha para que opresidente nomeasse novos governantes e manipulasse aseleições em favor do governo. Dessa forma, acreditavamos oposicionistas, Getúlio poderia criar as condições ne-cessárias para a sua permanência no poder. A suspeita setornou ainda mais forte depois que o chefe de polícia doDistrito Federal, João Alberto, foi substituído porBenjamim Vargas, irmão do presidente. A manobra nãofoi aceita pelo ministro da Guerra, general Góis Monteiro,que, juntamente com o General Dutra, decidiu pela de-

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posição. O General Oswaldo Cordeiro de Farias foi en-carregado de comunicar a Vargas que seu período na pre-sidência havia acabado.

Com a deposição de Getúlio, o presidente do SupremoTribunal Federal, José Linhares, assumiu a Presidência daRepública e manteve as eleições para o dia 2 de dezembro.

Concluía-se, assim, o período do Estado Novo, com-preendido entre o golpe de novembro de 1937, e o fim daSegunda Guerra Mundial, em 1945, e que se constituiunuma fase de grande repressão à liberdade de pensamen-to, na história política do Brasil. A imprensa sofreu severocontrole por parte do Departamento de Imprensa e Pro-paganda (DIP), órgão cuja criação, em 1939, marcou atransformação da estrutura da comunicação de massa noPaís. A partir dele, até o final do século XX, a atividaderegulatória, sempre centralizada no Poder Executivo fe-deral, deixou de ter função exclusivamente técnica, assu-mindo um caráter político que incluiu, em vários momen-tos a censura e a perseguição aos jornalistas, proprietáriosde órgãos de imprensa e concessionários de radiodifusão.

No Estado Novo, o poder executivo assumiu o papel delíder e organizador da sociedade e interveio amplamentena política, na economia e na cultura do país. Sua ideolo-gia tinha como um dos seus principais fundamentos, umaforte postura nacionalista, tendo como meta um utópicodesenvolvimento autodeterminado, baseado no uso de su-postos recursos naturais inesgotáveis, de capital nacional,e de uma genuína cultura brasileira. Era, evidentemente,uma posição que, ingênua na aparência, na verdade pre-tendia não ver a forte e crescente presença do capital es-trangeiro na economia brasileira. Outro importante fun-damento do ideário do Estado Novo era a defesa do �inte-resse nacional�, tal como fosse definido pelo governo cen-

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tral, isto é, Getúlio, e que deveria prevalecer sobre interes-ses regionais, de grupos ou de indivíduos.

O Estado Novo constituiu-se, também, em um períodohistórico de grande importância para a consolidação daradiodifusão. Regulamentada entre 1931-1934, para atu-ar nos padrões comerciais estabelecidos nos Estados Uni-dos, recebeu enorme impulso das agências de publicida-de americanas e tornou-se um aliado dependente do sis-tema industrial e comercial da economia.

A ditadura de Vargas criou um ambiente sócio-econô-mico favorável ao crescimento do rádio, inclusive porqueo novo veículo de massa servia aos propósitos de propa-ganda do regime e controle da população, através, princi-palmente, do direcionamento da informação e da contra-informação. A radiodifusão beneficiou-se do intenso cres-cimento industrial, graças a investimentos de infra-estru-tura feitos pelo governo central. Com essa rápida indus-trialização, o mercado para bens de consumo expandiu-se gradualmente para outras partes do país, levando con-sigo novas emissoras de rádio. A programação concentrou-se no entretenimento � especialmente em programas deauditório, radionovelas e humorismo � sempre com pa-trocínio de produtos industriais.

O que Vargas não previu, porém, é que, ao tempo quedifundia a cultura americana, condicionando o mercadopara a comercialização de produtos daquele país, o rádiopoderia também ser um instrumento de disseminação dosideais democráticos. A participação do Brasil na SegundaGuerra Mundial aprofundou a contradição entre demo-cracia e autoritarismo, apressando o final do Estado Novoe a queda de Vargas. Internamente, o Brasil vivia uma di-tadura militar, centrada na imagem do seu chefe de Esta-do, que através da criação de diversos organismos de cen-

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sura e repressão mantinha, com mão de ferro, o controlepolítico do país, impedindo qualquer tipo de manifesta-ção contrária ao seu governo. Externamente, a vitória dasForças Aliadas aflorou o sentimento de defesa das liber-dades individuais, expressa na luta contra as ditadurasnazi-fascistas.

De fato, entre 1942 e 1945 o Brasil viveu pelo menosduas grandes contradições. A primeira diz respeito à de-claração de guerra aos países do Eixo por um presidenteque mantinha no país um regime inspirado no modelofascista que passara a combater. A disseminação de ideaisdemocráticos e as críticas aos regimes fascistas levaram osbrasileiros a questionar a ditadura do Estado Novo e aexigir a redemocratização no Brasil.

A segunda, já no fim do período ditatorial, estabeleceu-se quando os mesmos segmentos que reivindicavam fimdo Estado Novo e a redemocratização do país lançaram oMovimento Queremista. Isto significava que a ditaduraestadonovista acabaria, mas seu criador permaneceria napresidência, reimplantando a democracia no país. Separa-va-se, assim, o regime ditatorial do ditador, como se fossemcoisas diferentes. Curiosamente, aquele movimento con-tou com o apoio do Partido Comunista - Carlos Prestes àfrente - que, de volta à legalidade, passou a apoiar incondi-cionalmente o ditador que levara à clandestinidade, à pri-são e à morte seus militantes. A idéia teve vida curta.

O Rádio e a DitaduraO Estado Novo foi o primeiro governo do Brasil a se

preocupar de maneira sistemática com a autopromoção.Enquanto nos governos anteriores a propaganda políticaera feita através das adesões e das pressões exercidas sobre

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líderes políticos, jornais e associações da sociedade civil, oEstado Novo fez da publicidade dos seus feitos uma ativi-dade institucional, além de legal, econômica e policial. Ocontrole dos meios de comunicação aliado a um esquemade disseminação da ideologia estado-novista, realizadaatravés da propaganda institucional e do sistema de edu-cação, implantado nas escolas públicas do país, se consti-tuíram em elementos fundamentais para a manutençãodo regime, por oito anos. Para fabricar e consolidar a ima-gem de Getúlio Vargas, o governo utilizou-se do Depar-tamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e do Ministé-rio da Educação.

No plano cultural, o Ministério da Educação, dirigidopor Gustavo Capanema e assessorado por intelectuais doporte de Carlos Drumond de Andrade, Mario de Andrade,Lúcio Costa, Manuel Bandeira e Rodrigo de Melo Fran-co, implantou a Universidade do Brasil, o Serviço doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional e o InstitutoNacional do Livro. O grande objetivo daqueles intelectu-ais era modernizar a educação, incentivar a pesquisa epreservar as raízes culturais brasileiras. Mas, por outrolado, instituiu também na rede pública de ensino instru-mentos que possibilitaram a mitificação da imagem deVargas, como a introdução da disciplina de EducaçãoMoral e Cívica, entre outros recursos.

Mas o grande articulador da política de disseminaçãoda ideologia do Estado Novo foi o Departamento de Im-prensa e Propaganda (DIP), que passou a controlar os jor-nais e revistas, o rádio, as editoras, os espetáculos e mani-festações de qualquer natureza, inclusive o carnaval, fes-tas cívicas e mesmo religiosas. Para isso, utilizava direta-mente a emissora de rádio de maior potência e a maispopular, a Rádio Nacional, além do jornal A Manhã e a

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revista Cultura Política. Mas nenhum meio de comunica-ção foi tão utilizado politicamente quanto o rádio. Foi atra-vés das transmissões radiofônicas oficiais que o governoconquistou a popularidade necessária para manter portanto tempo um sistema ditatorial no país.

Por meio do DIP, o Governo Vargas controlava os veícu-los não-governistas: cada emissora de rádio tinha um cen-sor designado oficialmente para acompanhar a programa-ção. Além da proximidade com empresários do setor, o go-verno também optou pela operação direta de radiodifusão.

Incorporada à União pelo decreto no 2.073, de 8 de mar-ço de 1940, em pagamento de impostos não recolhidos, aRádio Nacional pertencia, originalmente, à CompanhiaEstrada de Ferro São Paulo � Rio Grande, uma das em-presas brasileiras do empresário norte-americano PercivalFarquhar (Azevedo, 2001: 4871). Em 1931, o empresáriohavia recebido as máquinas, instalações e imóveis do jor-nal A Noite, como pagamento de dívidas. Do mesmo gru-po também faziam parte a SA Rio Editora e as revistas ANoite Ilustrada, Carioca e Vamos Ler. A partir de então, ogrupo decidiu investir em radiodifusão e, em 12 de se-tembro de 1936, com o prefixo PRE-8, a Sociedade CivilBrasileira Rádio Nacional foi inaugurada. Quando o go-verno assumiu o controle das empresas da Companhia,denominou-as de Empresas Incorporadas ao Patrimônioda União, que segundo o texto do decreto, �eram consi-deradas relevantes para a utilidade pública e para o inte-resse do país�.2

A transformação da mais importante emissora da Améri-ca Latina em retransmissora oficial do Estado Novo contri-buiu estrategicamente para o sucesso do projeto de mitificaçãoda imagem de Vargas e disseminação da propagandaautopromocional do governo. Cobrindo todo o Brasil, de

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Norte a Sul, a Rádio Nacional ajudou também a promover aintegração nacional. Com a inauguração do seu transmissorde ondas curtas, em 31 de dezembro de 1942, passou a seruma das cinco emissoras mais potentes do mundo.

Contando com expressiva verba oficial, a Rádio Nacio-nal mantinha o melhor elenco da época, incluindo músi-cos, cantores, radioatores, humoristas e técnicos. Tendo àfrente o jornalista Gilberto de Andrade, ex-diretor das re-vistas A Voz do Rádio e Sintonia, foi a primeira emissorado país a introduzir nos seus quadros um setor de estatís-tica para aferir a popularidade dos seus programas e artis-tas. Os resultados obtidos pelo setor serviam de argumen-to na conquista de novos anunciantes. A política finan-ceira adotada por Andrade previa auto-suficiência da emis-sora através do seu faturamento. Em função disso, foramproduzidos alguns programas de alta qualidade, o que lhetrazia fama e reconhecimento público.

Ao contrário das demais empresas do grupo encampadaspelo governo, a Rádio Nacional tornou-se um sucesso, hojeconsiderada a maior lenda do rádio brasileiro. Os salárioscresceram, atraindo os artistas mais populares, como Fran-cisco Alves, Orlando Silva, Sílvio Caldas, Emilinha Borba,Vicente Celestino e Carlos Galhardo. Foi também na Rá-dio Nacional que se produziu a primeira radionovela bra-sileira: Em busca da felicidade, que foi ao ar em 5 de junhode 1941. Adaptada por Gilberto Martins, do original cu-bano de Leandro Blanco, a novela contava com um elen-co de primeira, como Zezé Fonseca, Iara Sales, RodolfoMayer, Ísis de Oliveira, Floriano Faisal e Brandão Filho eficou em cartaz até 1943, quando foi substituída por ORomance de Glória Marivel, também de Leandro Blanco.

Inspirado no modelo norte-americano, com notíciasprocedentes da United Press International, a Rádio Naci-

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onal lançou também, em agosto de 1941, o Repórter Esso,o noticiário radiofônico consagrado na voz de HeronDomingues que, a partir de 1944, se tornou o seu locutorexclusivo. Em seus programas, a Rádio Nacional ditavapadrões de comportamento e valores. Na busca de audi-ência, o governo instituiu concursos musicais através daemissora, em que a opinião pública elegia seus astros fa-voritos. A apuração era feita pelo DIP, e o resultado trans-mitido durante o programa Hora do Brasil.

O namoro de Getúlio com o rádio, no entanto, já vinhade longa data, antes mesmo dos decretos de 1931 e 1932.Desde a década de 20, ainda deputado, o futuro presidentedo Brasil decidiu apostar no seu desenvolvimento e nos ar-tistas, que mais tarde se transformariam em ídolos, atravésdas ondas magnéticas do novo veículo. Foi, sem dúvida, pro-jetando o alcance e a repercussão do rádio que, em 16 dejulho de 1926, Vargas conseguiu aprovar o decreto legislativo5.492, que ficou conhecido como Lei Getúlio Vargas, e esta-belecia o �pagamento de direitos autorais por todas as em-presas que lidassem com música� (Idem, Ibidem: 4870).Cinco anos depois, já presidente do país, encarregou o mi-nistro da Justiça de acabar com a greve das emissoras do Riode Janeiro, que protestavam contra a decisão do governo deatender à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT)e aumentar os �direitos autorais� das transmissõesradiofônicas. Com apadrinhamentos como estes, Getúliomantinha seu prestígio no meio artístico, sempre renovadopor atitudes atenciosas. Nas recepções do Palácio Guanabara,o presidente não deixava de convidar cantores populares,como os do Bando da Lua e Mário Reis, por exemplo.

Também não passou despercebido do político brasilei-ro a utilização do rádio como instrumento de propagan-da política. A performance do então candidato ao gover-

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no dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, chamou aatenção de Vargas. O modelo norte-americano de radio-difusão tinha como base as agências de publicidade, cujointeresse em explorar recursos para conquistar audiênciapermitiu o desenvolvimento de técnicas de administra-ção, edição, locução e distribuição e controle de merca-dos. Foi nessa escola que Roosevelt foi educado e apren-deu que o que é dito no rádio vale mais pelas qualidadessensíveis da elocução da voz do que pelo conteúdo do queé comunicado (Sevcenko, 1998: 584). Observando os re-sultados alcançados pelo colega americano, Getúlio crioua Hora do Brasil, com o objetivo de �vulgarizar as realiza-ções do governo e esclarecer a opinião pública sobre osproblemas do momento� (Nosso Século, 1980: 70).

Mas é no Estado Novo, sem dúvida, que a simbiose dorádio com a política tem a sua maior expressão. Para forjaruma ideologia estado-novista aceitável pela população, ogoverno investe significativamente na área da radiodifusão,através de patrocínios dos programas mais populares e dosartistas, já então transformados em ídolos. Além da Horado Brasil, que a partir de 1938 passa a ser obrigatoriamentetransmitido para todo o país, e da Rádio Nacional, o Esta-do Novo mantém mais uma emissora oficial, a Rádio Mauá,subordinada ao Ministério do Trabalho e autodenominada�a emissora do trabalho�, que popularizava a imagem deVargas como o benfeitor dos trabalhadores do Brasil. Parase ter idéia do uso do rádio nesse processo, basta lembrar amáxima de Francisco Campos, o ideólogo do Estado Novo:�Não é preciso o contato físico entre o líder e a massa paraque haja multidão� (Campos, 1941: 34).

Entre 1937 e 1942, Vargas publicou seis decretos refe-rentes à regulação do serviço de radiodifusão e que, naessência, tratavam da criação de mecanismos de controle

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e repressão à liberdade de expressão no país. Em 27 dedezembro de 1939, o Decreto 1.915 criou o Departamen-to de Imprensa e Propaganda (DIP), um serviço de infor-mação e contra-informação cuja principal missão era fa-zer a propaganda do regime, interna e externamente. Noart. 2o, sua competência era definida da seguinte forma:

a) centralizar, coordenar, orientar e superintender a pro-paganda nacional, interna ou externa, e servir, perma-nentemente, como elemento auxiliar de informação dosministérios e entidades públicas e privadas, na parte queinteressa à propaganda nacional. (...) d) estimular a pro-dução de filmes nacionais; (...) f) sugerir ao Governo aisenção ou redução de impostos e taxas federais para osfilmes educativos e de propaganda, bem como a con-cessão de idênticos favores para transporte dos mesmosfilmes. g) conceder, para os mesmos filmes, outras van-tagens que estiverem em sua alçada. h) coordenar e in-centivar as relações da imprensa com os Poderes Públi-cos no sentido de maior aproximação da mesma comfatos que se liguem aos interesses nacionais. i) colabo-rar com a imprensa estrangeira no sentido de evitar quese divulguem informações nocivas ao crédito e à culturado país (...) o) promover, organizar, patrocinar ou auxi-liar manifestações cívicas e festas populares com intuitopatriótico, educativo ou de propaganda turística, con-certos, conferências, exposições demonstrativas das ati-vidades do Governo, bem como mostras de arte de indi-vidualidades nacionais e estrangeiras p) organizar e di-rigir o programa de radiodifusão oficial do Governo.

Para colocar em prática a estratégia de mitificar e consolidara imagem de Vargas como um político preocupado com seu

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povo, defensor dos interesses nacionais e realizador de aspira-ções dos trabalhadores, além de disseminar a ideologia do novoregime, o DIP tinha amplos poderes, inclusive de controlar osmeios de comunicação que resistissem ao culto à personalida-de do presidente. Na base da estratégia, em termos de açãopolítica, desenvolvia-se sistematicamente o que veio a ser cha-mado, posteriormente, de populismo, uma simulação de de-fesa dos interesses populares, a partir do conceito de popula-ção como conjunto homogêneo, isento de luta de classes.

Além de controlar os veículos de imprensa, o DIP tinhapoderes também para interferir nas manifestações cultu-rais, artísticas e literárias, como estabelecem os demaisincisos do art. 2º:

(...) c) fazer a censura do Teatro, do Cinema, de funçõesrecreativas e esportivas de qualquer natureza, da radio-difusão, da literatura social e política, e da imprensa,quando a esta forem cominadas as penalidades previs-tas por Lei. (...) n) proibir a entrada no Brasil de publi-cações estrangeiras nocivas aos interesses brasileiros, einterditar, dentro do território nacional, a edição dequaisquer publicações que ofendam ou prejudiquem ocrédito do país e suas instituições ou a moral (...) q)autorizar mensalmente a devolução dos depósitosefetuados pelas empresas jornalísticas para a importa-ção de papel para imprensa, uma vez demonstrada, aseu juízo, a eficiência e a utilidade pública dos jornaisou periódicos por elas administrados ou dirigidos.

Através do Decreto nº 5.077, de 29 de dezembro de 1939,o governo aprova o regimento do DIP, subordinando-odiretamente ao Presidente da República e dando-lhe comomissão:

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a elucidação da opinião nacional sobre as diretrizes dou-trinárias do regime, em defesa da cultura, da unidadeespiritual e da civilização brasileira, cabendo-lhe a dire-ção de todas as medidas especificadas neste regimento.

A estrutura do DIP compreendia cinco divisões e seisserviços auxiliares: Divisões de Divulgação, Radiodifusão,Cinema e Teatro, Turismo e de Imprensa, Serviços deComunicações, Contabilidade e Tesouraria, Material,Filmoteca, Biblioteca e Discoteca. As Divisões executa-vam as atividades-fim do órgão e suas atividades eram as-sim definidas:

1. À Divisão de Divulgação competia, entre outras ati-vidades, elucidar a opinião nacional sobre as diretrizesdoutrinárias do regime; interditar livros e publicações;combater por todos os meios a penetração ou dissemina-ção de qualquer idéia perturbadora ou dissolvente da uni-dade nacional; fornecer aos estrangeiros e brasileiros umaconcepção mais perfeita dos acontecimentos.

2. À Divisão de radiodifusão competia: fazer a censuraprévia de programas radiofônicos e de letras para seremmusicadas; organizar o programa �Hora do Brasil� paraser obrigatoriamente retransmitido por todas as emisso-ras de rádio.

3. A Divisão de Cinema e Teatro se encarregava de: cen-surar os filmes, fornecendo certificado de aprovação apóssua projeção perante os censores da Divisão; censurar pre-viamente e autorizar ou interditar peças teatrais, repre-sentações de variedades, execuções de bailados, pantomi-mas e peças declamatórias, apresentações de préstitos, gru-pos, cordões, ranchos e estandartes carnavalescos. Censu-rava também funções recreativas e esportivas de qualquernatureza.

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4. Por fim, a Divisão de Imprensa cuidava diretamenteda censura à imprensa e da autorização prévia de circula-ção de publicações periódicas.

O estreito controle da mídia no Brasil de Vargas eracentrado na questão ideológica, especialmente no que sereferisse à imagem pública do Estado. O Decreto 1.949,de 30 de dezembro de 1939, definiu, por exemplo, que osjornais e quaisquer outras publicações periódicas tinhamcomo função:

contribuir, por meio de artigos, comentários, editoriais etoda a espécie de noticiário, para a obra de esclarecimentoda opinião popular em torno dos planos de reconstruçãomaterial e de reerguimento nacional (Art. 2).

Este mesmo decreto criou o Conselho Nacional de Im-prensa, composto por seis membros, sendo três nomea-dos pelo Presidente da República e os outros três indica-dos por entidades de classe, vinculadas à imprensa. OConselho passou a ser um órgão colegiado deliberativoligado à Divisão de Imprensa do DIP. A partir deste de-creto, o controle da mídia pelo órgão passou a ser aindamais rigoroso, pois tanto os veículos de imprensa nacio-nais quanto os estrangeiros foram obrigados a registrarseus profissionais no DIP. Do mesmo modo, as empresasde publicidade e oficinas gráficas deveriam seguir as no-vas normas. Além disso, os correspondentes estrangeirosnão podiam enviar suas notícias aos jornais brasileiros etinham de fornecer cópia autenticada de todas as notíciase informações que remetessem para o exterior. As agênci-as de notícias estrangeiras ficaram proibidas de distribuir,no país, notícias sobre assuntos nacionais, conforme o pre-visto no art. 4º.

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Proibia também a publicação de notícias ou comentá-rios que, entre outras conseqüências, pudessem �criar con-flitos sociais, de classe ou antagonismos regionais�. As pesso-as físicas ou jurídicas, proprietárias dos jornais, tinhamque informar ao DIP o nome, a idade, o estado ou domi-cílio do diretor, do redator que o substituísse eventual-mente, do secretário da redação, da pessoa ou empresaproprietária do veículo e o endereço da gráfica na qual ojornal seria impresso.

O controle do cinema, do teatro e diversões públicas,da radiofonia, dos programas, das empresas de diversõespúblicas, dos artistas e auxiliares teatrais também estavaprevisto neste decreto. O cinema mereceu atenção especi-al do governo e foi utilizado como disseminador da polí-tica ideológica do Estado Novo. Em função do novo pa-pel, deveria estimular a veiculação de mensagens que re-forçassem valores patrióticos e de respeito à �família e àsinstituições. Nesse contexto, estava impedida a exporta-ção de filmes que contivessem:

vistas desprimorosas para o Brasil, estiver mal fotogra-fado ou não recomendar a arte nacional no estrangeiro,ou ainda se contiver vistas de zonas que interessem àdefesa e segurança nacionais� (Art. 49, §2º).

As punições à Imprensa e às emissoras de rádio esta-vam previstas no art. 131, para as seguintes situações:

quando forem divulgados, com intuitos de exploração,assuntos militares; quando procurarem perturbar a har-monia do Brasil com as nações estrangeiras; quando fi-car provado que auferiram compensações materiais paracombater os interesses nacionais e Leis do país; quando

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fizerem direta ou indiretamente campanha dissolventee desagregadora da unidade nacional; quando divulga-rem segredos de Estado que comprometam a tranqüili-dade pública ou sejam contrários aos interesses do país;quando provocarem animosidade, descrédito ou desres-peito a qualquer autoridade pública; nos casos deinobservância das normas e instruções dos serviços com-petentes, em matéria de imprensa; quando tentarem di-minuir o prestígio e a dignidade do Brasil no interior eno exterior, o seu poder militar, a sua cultura, a sua eco-nomia e as suas tradições; quando fizerem a propagan-da política de idéias estrangeiras contrárias ao sentimen-to nacional; quando provocarem desobediência às Leisou elogiarem uma ação punida pela justiça.

Em 17 de Setembro de 1942, através do Decreto no 4.701,o governo passou a interferir no comércio de aparelhos derádio, transmissores ou receptores, seus pertences e aces-sórios. A medida, segundo a sua justificativa, visava à Se-gurança Nacional e restringia as transações comerciaisneste segmento. Não se podia, por exemplo, �transacionarcom súditos alemães, italianos ou japoneses, pessoas físicas oujurídicas, nem mesmo sob a forma de doação ou permuta�,conforme estava previsto no seu art. 2º. No art. 3º, a restri-ção se ampliava: �Aplica-se aos particulares, nos casos de ven-da, doação ou permuta, o que dispõe o artigo anterior�. Apunição para quem violasse o exposto nos artigos anterio-res estava prevista no art. 4o, do mesmo decreto: �a merca-doria poderia ser confiscada e os responsáveis ficavam sujeitosa pena de reclusão de cinco a dez meses�.

O cerco aos estrangeiros de origem alemã, italiana e ja-ponesa residentes no país, previsto neste decreto, não dei-xava dúvidas quanto à opção diplomática que o Brasil

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deveria adotar no futuro próximo, como fica bastante evi-dente no art. 5º:

As mercadorias mencionadas no art. 4º, que estejam,por qualquer título, na posse de súditos alemães, italia-nos ou japoneses, pessoas físicas ou jurídicas, ficam soba fiscalização imediata da autoridade competente, queos poderá apreender � com o motivo justificado a seucritério, ressalvadas os direitos de recuperação das enti-dades que, com reserva de domínio, com elas tran-sacionaram.

Estavam interrompidas, portanto, as relações comerci-ais com os três países com os quais o Brasil tinha sidoimportante parceiro comercial, nos anos 30.

Através do Decreto no 4.826, de 12 de outubro de 1942,o Estado Novo passou a regular também a exploração dadistribuição e venda de jornais. A medida, de caráter na-cionalista, limitava a concessão de licenças para a distri-buição e venda de publicações, e a exploração de bancasde jornais e revistas aos brasileiros natos.

Nos seus três primeiros artigos, o sentido nacionalistafica demonstrado, da mesma forma em que é expresso osentimento de reserva sobre o conteúdo a ser publicado,como e por quem.

Art. 1º As empresas proprietárias ou editoras de jornais erevistas somente poderão contratar a distribuição e vendadas publicações que editarem, com brasileiros natos ousociedades de que façam parte apenas brasileiros natos.Art. 2º As licenças para a exploração de bancas de jor-nais, revistas e outras publicações somente a brasileirosnatos poderão ser cedidas.

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Art. 3º Ao vendedor, distribuidor ou capaz de serviçosde distribuição, de qualquer nacionalidade, que na datadesta Lei, se encontrar no exercício dessas atividades, éassegurado o direito de nelas prosseguir, só podendo,entretanto, transferir suas respectivas licenças ou con-tratos a brasileiros natos.

Alegando a entrada do país na guerra contra os países doEixo, o governo edita o decreto no 4.828, de 13 de outubrode 1942, reforçando o controle sobre os órgãos de impren-sa. Se antes a fiscalização era feita de maneira indireta, atra-vés do DIP, a partir de então passou a ser feita de formaclara, direta e em bloco, como estabelecia os arts. 1º e 2º:

Durante o estado de guerra e tendo em vista as necessi-dades da ordem pública civil, ficam coordenados, a ser-viço do Brasil, todos os meios e órgãos de divulgação ede publicidade existentes no território nacional, seja qualfor a sua origem, forma, caráter, processo, propriedadeou veículo de subordinação.

Ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores competem,em geral, as atribuições indispensáveis à coordenação re-ferida no art. 1º, que objetiva: excluir da divulgação e pu-blicidade assuntos julgados inconvenientes aos interes-ses, aos compromissos, à ordem, à segurança e à defesado Estado; determinar a divulgação e publicidade do que,em vista do estado de guerra, convenha a incentivação daharmonia dos povos do Continente, da mobilização es-piritual dos brasileiros e à segura elucidação dos proble-mas políticos ou administrativos que interessem ao co-nhecimento público; (...) (...) providenciar para que asinformações e noticiários oficiais sejam uniformes em todo

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o país, afim de evitar erros, divergências ou superfluida-des inconvenientes à unidade nacional e ao exato esclare-cimento da opinião pública.

Fruto da imaginação cinematográfica, na Américafabricada em Hollywood, o bem derrotava o mal, o amor serealizava e as pessoas de vida pequena sonhavam grande.Quando esta máquina se voltou contra os países do Eixo,mobilizou milhões de almas simples contra os vilões da his-tória. A bem articulada estratégia de sedução, iniciado porRoosevelt e, posteriormente desenvolvido por NélsonRockefeller, envolveu também os estúdios Disney, cujo donodespachou por duas vezes para o Brasil, em 1943 e 1944, oPato Donald e sua turma para difundir a idéia deamericanismo pretendida pelo presidente. Foi nesse contextoque nasceu Zé Carioca, personagem tipicamente brasileiroencomendado por Walt Disney ao jornalista Gilberto Soutoe a Aloísio de Oliveira, integrante do Bando da Lua. Os fil-mes americanos, por sua vez, na contra-partida prevista napolítica de boa vizinhança, de Roosevelt, passaram a mos-trar heróis e ritmos típicos latino-americanos. Mas não raro,nos filmes produzidos para nos agradar, o Brasil era con-fundido com a Argentina, México com Cuba, português comespanhol e samba com conga. (Novo Século, 1980:88)

A versão tupiniquim do comportamento americano tevegrande repercussão no rádio. Os artistas nacionais imita-vam os ídolos hollywoodianos, apresentando performan-ces semelhantes. A partir de 1935, Carmen Miranda e oBando da Lua acompanharam Getúlio Vargas em visitasinternacionais, o DIP passou a patrocinar programas demúsica brasileira em outros países, Hollywood integrouCarmen Miranda em seus filmes, como embaixadora daBoa-Vizinhança, Ary Barroso fez temporadas nos EUA e

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o samba-exaltação adotou os arranjos do jazz das big-bands norte-americanas.

Entre 1937 e 1945, o número de emissoras de rádio nopaís havia tido um crescimento razoável. Das 63 estaçõesregistradas em 1937, segundo o Anuário Estatístico doBrasil daquele ano, o Brasil chega em meados da décadade 40 com 111 emissoras.

Ao contrário do rádio, o número de empresas jornalís-ticas diminuiu nos primeiros anos do governo Vargas, pro-vavelmente em razão da desorganização da economiamundial desencadeada pela crise de 1929. Em 1927, oBrasil possuía 2.674 periódicos. Cinco anos depois, essenúmero caiu para 2.002. Em 1937, apenas 1.793 periódi-cos circulavam no país, de acordo com o Anuário Estatís-tico do Brasil (1939: 1.405). Um pouco diferente foi o casodas salas de exibição cinematográficas. Em 1933, eram1.262, chegando a 1937 com 1572, segundo o mesmo anu-ário (1939: 1404). No cenário musical, também é possívelperceber uma queda na produção através das obrasregistradas no Instituto Nacional de Música. Em 1936,das 37 obras registradas, uma era valsa, oito eram mar-chas e doze eram sambas. Em 1937, o número de sambasregistrados caiu para três de um total de apenas 28 obrasregistradas (Anuário Estatístico do Brasil, 1937: 296).

A partir de 1937, com a implantação do Estado Novo,as restrições ao samba iam além da proibição de gravaçãoe execução. A figura do malandro carioca sofria severocontrole por parte dos órgãos oficiais (Castro, 2000; Galvãoe Souza, 1986; Vicente, 1994). Para gravá-las e executá-las, os autores sofriam pressões para modificar as letras eincluir forçosamente os valores estadonovistas. O exem-plo mais conhecido é a música Bonde de São Januário, deWilson Batista e Ataulfo Alves, cuja letra original dizia:

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�O Bonde de São Januário leva mais um otário que vai indotrabalhar�. Para ser gravada em 1940 por Ciro Monteiro,teve que receber a seguinte redação: �O Bonde de SãoJanuário leva mais um operário. Sou eu que vou trabalhar�.

Além das músicas, as escolas de samba também forambastante controladas pelo DIP:

A influência do Estado Novo sobre o carnaval foi extre-mamente duradoura. As intenções didáticas e ufanistasdos enredos mantiveram-se presentes nos sambas até ofinal da ditadura de 64. A própria organização das esco-las (em alas, comissão de frente, etc...) ainda hoje seguealguns dos moldes estabelecidos na época. Os desfilesnunca mais puderam ser dissociados da estrutura go-vernamental e, muito menos, do calendário turístico dacidade do Rio. Ana Maria Rodrigues (1984: 56-59) apon-ta ainda o fato de que a imposição de se utilizar temashistóricos nos enredos, obrigou os compositores a pro-duzir sambas cada vez mais complicados, incorporan-do, forçosamente, elementos culturais e lingüísticos es-tranhos ao seu meio, o que levou tais canções a se afas-tarem do gosto e do agrado popular. Assim, só em 1955é que um samba-enredo de caráter histórico foi grava-do. Tratou-se da �Homenagem a Tiradentes�, de Silasde Oliveira e Mano Décio da Viola. (Vicente, 1994, sp.)

Durante o período da guerra, o radiojornalismo foi ogrande destaque da programação das emissoras, pois eraa forma mais rápida de saber o que acontecia nos camposde batalha europeus. Programas como o Boletim da Guer-ra, lançado pela Rádio Tupi, eram aguardados com gran-de ansiedade. A importância destes programas era tantaque alguns locutores do conceituado Repórter Esso, da

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Rádio Nacional, foram enviados para o front, onde atua-vam como correspondentes de guerra, transmitindo viatelefone as últimas informações.

O Repórter Esso, o noticioso mais importante do rádionacional, tinha grande audiência. Sua credibilidade eratão grande que o público só acreditava nas notícias seconfirmadas pelo Repórter Esso� (Rádio em Foco, 2000).

O impulso proporcionado pela Segunda Guerra Mun-dial ao rádio também é relatado por Moacyr Scliar:

Milhões de pessoas, em todo o mundo, escutavam ansi-osamente os noticiários; mais que isso, nos países ocu-pados pelos nazistas, só o rádio trazia alguma esperan-ça de libertação. No Brasil surgia então o primeiro noti-cioso escrito especialmente numa linguagem própria doradiojornalismo: o �Repórter Esso�, graças ao qual seriaconsagrado o nome de Heron Domingues (...) e que,em sua estréia, anunciou a invasão da Normandia pe-los aliados, o famoso �Dia D� (Scliar, 1991: 22).

A importância do rádio na formação da opinião públicaera justificativa de Vargas para um tipo de relação político-econômica que começou a ser mantida entre os empresári-os de radiodifusão e o governo, que extrapolavam os limi-tes convencionais previsíveis. O episódio da chamada LeiTeresoca é bastante ilustrativo da extensão da influência deum proprietário de rede de radiodifusão sobre o governo,para ações de benefício estritamente pessoal.

Fernando Morais (1994: 36) conta que, em 1940, AssisChateaubriand travava uma batalha jurídica com a atrizCora Acuña, pela posse da filha de ambos, Teresa Acuña.

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Embora legalmente fosse ainda casado com sua primeiraesposa, Maria Henriqueta, e não tivesse registrado a pa-ternidade da criança, Chateaubriand movia, através dosseus jornais, uma campanha de difamação moral contraCora para convencer os juízes de que a mãe não tinhacondições de criar a filha. Tradicionalmente, a Igreja Ca-tólica era a principal influência na legislação sobre a fa-mília e, nesta época, �filho havido pelo cônjuge fora domatrimônio� não era passível de reconhecimento legal.

Abordado por emissários, Getúlio inicialmente resistiu àidéia de indispor-se com o conservadorismo católico, por contade um capricho do empresário. Mas acabou não resistindo àpressão de Chateaubriand e dois anos depois, assinou o De-creto-lei no 4.737, de 24 de setembro de 1942, que permitia oreconhecimento, depois do desquite, de filhos havidos forado matrimônio. Chateaubriand providenciou o desquite daprimeira esposa, reconheceu a filha, mas ainda tinha um en-trave legal para ganhar a batalha contra Cora Acuña: a Lei3.200, de 1941, cujo art. 16 estabelecia que o pátrio poder so-mente poderia ser exercido �por quem primeiro reconheceu ofilho�. Este entrave também seria eliminado alguns meses de-pois, quando Getúlio assinou o Decreto no 5213, de 21 dejaneiro de 1943, estabelecendo que �o filho natural, enquantomenor, ficará sob o poder do progenitor que o reconheceu e, seambos o reconheceram, sob o do pai, salvo se o juiz entender dou-tro modo, no interesse do menor� (Morais, 1994: 410).

A partir de 1942, quando alguns veículos de comunicaçãocomeçaram a furar o bloqueio da censura, o DIP, que atéentão conseguira coibir as críticas ao presidente e seusinterventores, através da permanência de pelo menos umsensor nas emissoras, começou a perder força. Mas não per-dera ainda seu poder coercitivo, principalmente sobre o rá-dio, que se considerava mais cerceado que a imprensa escri-

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ta. Enquanto os jornais impressos burlavam a censura, o rá-dio ainda sofria intensa fiscalização. Era proibida a veiculaçãode qualquer mensagem que fosse contrária ao regime. Em1945, a Rádio Tupi transmitia o discurso de Alberto Whately,que criticava as medidas autoritárias de Vargas, quando tevesua transmissão cortada. A censura ao rádio só foi acabarapós a extinção do DIP, em 25 de maio de 1945.

Uma das grandes contribuições para a extinção do DIPe a posterior deposição de Vargas foi, sem dúvida, a cam-panha desenvolvida pelos Diários e Emissoras Associa-dos. A relação de cooperação, com a participação ativa deChateaubriand a favor do governo, desde a Revolução de30, foi se deteriorando. Mas a gota d�água do rompimentoficou por conta da edição do Decreto-lei no 7.666, de 1945,a chamada Lei Malaia, que, em nome da proteção da eco-nomia nacional contra grandes trustes nacionais e estran-geiros, coibia a propriedade cruzada de empresasjornalísticas, a fusão de empresas ou a organização emassociações ou agrupamentos sob um único controle.Vargas criou uma comissão autorizada a desapropriarqualquer organização cujos negócios estivessem sendoconduzidos de maneira lesiva aos interesses nacionais.

Na prática, o Decreto proibia o monopólio e mencio-nava, especificamente, �empresas nacionais ou estrangeirassabidamente ligadas a associações, �trustes� ou �cartéis��(Carone, 1976). Em outras palavras, impedia a formaçãode redes de comunicação. Chateaubriand considerou a LeiMalaia um ataque direto aos Diários e Emissoras Associ-ados, e, em revide à nova legislação, fez o seguinte co-mentário, numa transmissão de rádio:

Não pensem que a Lei Malaia é uma lei de AgamenonMagalhães. É uma Lei de Getúlio, Agamenon é apenas

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seu instrumento. Creio que nunca se fez no Brasil umalegislação com tal ferocidade, com o objetivo exclusivode exterminar uma organização que somos nós, os Diá-rios Associados. Ao nos defendermos dela, onde arran-jaremos tempo para nos organizarmos, arrumarmosdinheiro, comprarmos máquinas? Mas há muitos anosnossa vida tem sido essa: defender nosso patrimônio (...)Nesses últimos anos, minha vida foi estar de carabinana porta dos Associados para defender este patrimônio.E acho que se eu não fosse paraibano, e do sertão, essegaúcho já tinha me comido (Chateaubriand apud Mo-rais, 1994: 456-7).

Em 1945, o império �Associados� já contava com 15emissoras de rádio, além de jornais, revistas, editora delivros e agência de notícias. A radiodifusão se expandiarapidamente.

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Notas1 São várias as Leis Constitucionais decretadas por Vargas, entreelas destacando-se as seguintes: Lei Constitucional n. 9, de22.02.1945, que altera diversos artigos da Constituição de 1937;Lei Constitucional n.12, de 07.11.1945, que revoga o direito doPresidente aposentar ou reformar funcionários civis e militares �porconveniência do regime�; Lei Constitucional n.13, de 12.11.1945,que determina o dia 2 de fevereiro para o início dos trabalhos daConstituinte �para votar, com poderes ilimitados, a Constituiçãodo Brasil�; Lei Constitucional n.14, de 17.11.1945, que extingue oTribunal de Segurança Nacional; Lei Constitucional n. 15, de26.11.1945, que dispõe sobre os poderes da Assembléia Constitu-inte e do Presidente da República, a ser eleito; Lei Constitucionaln.19, de 31.12.1945, que fixa oo dia 31 de janeiro de 1946 �para, às14 horas, ser empossado o Presidente da República que for procla-mado eleito pelo Tribunal Superior Eleitoral�.2 Idem, p. 4.870.

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