natureza jurÍdica das reduÇÕes certificadas de …
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
DEPARTAMENTO DE DIREITO
ANNA SUSAN HORWARTH
NATUREZA JURÍDICA DAS REDUÇÕES CERTIFICADAS DE
EMISSÃO E ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DO MERCADO DE
CRÉDITO DE CARBONO
FLORIANÓPOLIS
2012
ANNA SUSAN HORWARTH
NATUREZA JURÍDICA DAS REDUÇÕES CERTIFICADAS DE EMISSÃO
E ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DO MERCADO DE CRÉDITO DE
CARBONO
Monografia apresentada ao Curso de Graduação
em Direito da Universidade Federal de Santa
Catarina para obtenção do título de bacharel em
Direito.
Orientador: Carlos Araújo Leonetti
Florianópolis2012
Universidade Federal de Santa CatarinaCentro de Ciências Jurídicas
Colegiado do Curso de Graduação em Direito
TERMO DE APROVAÇÃO
A presente monografia, intitulada ”Natureza Jurídica das Reduções Certificadas de Emissões e Aspetos Tributários do Mercado de Crédito de Carbono, elaborada pela acadêmica Anna Susan Horwarth e aprovada pela Banca Examinadora composta pelos membros abaixo assinados, obteve aprovação com nota ____, sendo julgada adequada para o cumprimento do requisito legal previsto no art. 9º da Portaria nº 1886/94/MEC, regulamentado pela Universidade Federal de Santa Catarina, através da Resolução n. 003/95/CEPE.
Florianópolis, 03/07/2012
________________________________________ Presidente: Prof. Carlos Araújo Leonetti
________________________________________ Coorientadora: Rafaela Oliari
________________________________________ Membro: Juliana Fais
________________________________________ Membro: Paolo Stelati
Dedico este trabalho a Eugene Wesley Roddenberry (1921-1991)."It speaks to some basic human needs, that there is a tomorrow - it's not all going to be over in a big flash and a bomb, that the human race is improving, that we have things to be proud of as humans. No, ancient astronauts did not build the pyramids - human beings built them because they're clever and they work hard. And 'Star Trek' is about those things."
- Gene Roddenberry, from the "Star Trek" 25th Anniversary special, 1991.
Meus agradecimentos a Carlos Araújo
Leonetti, Daniele Cardoso Escobar
e, em especial, a Rafaela Oliari.
A aprovação da presente monografia não significará o endosso do Professor Orientador, da Banca Examinadora e da Universidade Federal de Santa Catarina à ideologia que a fundamenta ou que nela é exposta.
HORWARTH, Anna Susan. Natureza Jurídica das Reduções Certificadas de Emissão e Aspectos Tributários do Mercado de Crédito de Carbono, 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012.
RESUMO
O presente trabalho de pesquisa tem por objetivo traçar um panorama acerca dos compromissos firmados nas convenções internacionais acerca do combate aos efeitos provocados pelas mudanças climáticas focando no Protocolo de Quioto, mais precisamente no mecanismo de desenvolvimento e nos créditos de carbono por ele gerado. Além disso, este trabalho pretende analisar a natureza jurídica das Reduções Certificadas de Emissões oriundas dos projetos de MDL e, por fim, discorrer sobre os aspectos tributários que compõem o mercado de crédito de carbono.Palavras-chave: Mercado de crédito de carbono. Reduções Certificadas de Emissões. Natureza Jurídica. Aspectos Tributários.
SUMÁRIO
TERMO DE APROVAÇÃO.................................................................................................................................3
RESUMO................................................................................................................................................................7
SUMÁRIO..............................................................................................................................................................8
INTRODUÇÃO......................................................................................................................................................9
1. CRÉDITOS DE CARBONO: HISTÓRICO E ORIGEM.............................................................................11
1.1. TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E REDUÇÕES DE GASES DO EFEITO ESTUFA .........................................................................................11
1.2. MECANISMO DE FLEXIBILIZAÇÃO AO PROTOCOLO DE QUIOTO...........................................14
1.2.1. MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO.............................................................................14
1.2.2. IMPLEMENTAÇÃO CONJUNTA...........................................................................................................20
1.2.3. COMÉRCIO INTERNACIONAL DE EMISSÕES................................................................................21
1.3. MERCADO DE CARBONO: ORIGENS E PROJEÇÕES.......................................................................23
2. AS REDUÇÕES CERTIFICADAS DE CARBONO....................................................................................24
2.1. NEGOCIAÇÃO DAS REDUÇÕES CERTIFICADAS DE EMISSÕES..................................................26
2.2. NATUREZA JURÍDICA DAS REDUÇÕES CERTIFICADAS DE EMISSÕES...................................31
3. ASPECTOS TRIBUTÁRIOS RELATIVOS ÀS RCES................................................................................41
3.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DO CONCEITO E DO PAPEL DO TRIBUTO..................41
3.2. ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DAS RCES...................................................................................................45
3.3. PERSPECTIVAS PARA O MERCADO DE CRÉDITO DE CARBONO NO BRASIL.........................53
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................................................57
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................................................61
8
9
INTRODUÇÃO
A comercialização dos créditos de carbono no Brasil iniciou-se a partir da restrita
regulamentação pactuada no Protocolo de Quioto, cuja principal finalidade consiste em
reduzir a emissão dos gases do efeito estufa responsáveis pelo aquecimento global. O
mencionado tratado foi ratificado em 21 de junho de 2002 pelo Congresso Nacional através
do Decreto Legislativo n. 44, contudo, só entrou em vigor em janeiro de 2005.
O referido protocolo determina que os país industrializados reduzam em pelo
menos 5% as emissões dos gases do efeito estufa. Nesse sentido foi instituído o chamado
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo que permitiu que países em desenvolvimento
auxiliassem os países desenvolvidos a alcançarem suas metas de redução estabelecidas.
Ocorre que desde a Revolução Industrial referidos gases vêm se acumulando na
atmosfera e são de difícil decomposição, de modo que os principais países responsáveis pelo
efeito estufa são aqueles que historicamente lançaram mais gases. Diante disso, os países de
industrialização recente como Brasil, China e Índia não estão obrigados a conter suas
emissões até o final de 2012, momento que se encerra o primeiro período do protocolo.
Dessa forma, por meio do MDL, os países desenvolvidos investem em projetos de
proteção ambiental nos países em crescimento possibilitando às empresas e aos governos que
não conseguirem cumprir com as metas pactuadas comprarem créditos de carbono que são
obtidos através de projetos aprovados apresentados por empresas que passam pela análise de
órgãos internacionais.
A conservação do meio ambiente requer a presença de mecanismos menos rígidos
e controladores para que o desenvolvimento aconteça. Assim, o surgimento de instrumentos
de mercado que valorizem os recursos naturais é uma iniciativa inovadora neste campo. No
entanto há que ser considerado o risco de referidos mecanismos tornarem-se mera operação
financeira lucrativa, de modo que se não forem delineados poderão dar espaço a ações
oportunistas. Estima-se que o mercado de carbono movimente bilhões de dólares por ano e o
Brasil, na qualidade de país em desenvolvimento, deverá ser um grande beneficiário deste
novo mercado.
Registre-se que inexiste no Brasil uma regulação tributária específica para a
comercialização dos créditos de carbono. A ausência de uma regulação específica
compromete a segurança jurídica e confiança nas negociações. Há a uma lacuna a ser
preenchida, existe a necessidade de um marco regulatório para o mercado de carbono,
10
principalmente no que se refere a natureza jurídica das Reduções Certificadas de Emissões
(RCE's) que são geradas pelos Projetos de MDL , bem como o regime tributário aplicável. A
presente pesquisa monográfica pretende analisar a natureza jurídica das reduções certificadas
de emissão e discorrer sobre os aspectos tributários relevantes dentro do mercado de crédito
de carbono.
Essa monografia desenvolve-se fundamentada em quatro áreas com relativa
conexão: direito tributário, direito ambiental, direito internacional e direito civil. O tema
consiste em analisar a tributacao passível de aplicacao ao mercado de crédito de carbono
definindo a natureza jurídica das reduções certificadas das emissões de carbono.
Pretende-se demonstrar a importância desse mercado que está crescendo e os
benefícios que o Brasil pode angariar ante a sua qualidade de potência econômica
evidenciando a urgência de uma regulamentação específica.
A técnica utilizada nesse estudo foi o método dedutivo de abordagem, através de
revisão bibliografia razoável sobre o assunto. Tem-se por objetivo efetuar uma análise e
estabelecer uma natureza jurídica para as reduções certificadas de emissões e,
consequentemente, sugerir um tratamento tributário para facilitar e trazer maior segurança
jurídica entre as transações realizadas com outros países.
O trabalho é dividido em três capítulos. Principia-se através de uma abordagem
genérica acerca das questões de direito internacional e ambiental sobre o tema, principalmente
sobre o pactuado no Protocolo de Quioto.
No capítulo seguinte, adentra-se na discussão ilustrada através das principais
doutrinas sobre a natureza jurídica das reduções certificadas de carbono, se são bens
corpóreos ou incorpóreos, visto ser estudo essencial para definir o tratamento tributário
aplicável.
Finalmente, no último capítulo, tenciona-se analisar os aspectos tributário que
recaem sobre o mercado de carbono. Ainda, como forma de demonstrar a essencialidade de
um marco regulatório específico, ao final do trabalho, colacionam-se as transações realizadas
em âmbito interno.
Ao abordar um tema altamente denso e complexo, torna-se óbvio afirmar que a
presente monografia não pretende esgotar o tema, tampouco apontar todas as variáveis, mas
sim instigar o surgimento de debates acerca de um assunto de suma importância.
11
1. CAPÍTULO 1: CRÉDITOS DE CARBONO: HISTÓRICO E ORIGEM
1.1 Tratados e Convenções Internacionais sobre Mudanças Climáticas e Reduções de Gases do Efeito Estufa
As mudanças climáticas vivenciadas despertam preocupações acerca das possíveis
consequências que podem deixar para as gerações futuras, motivo pelo qual têm sido alvo de
vários debates no cenário internacional. A primeira conferencia mundial sobre o meio
ambiente realizada na Suécia em 1972 definiu as bases para incluir a tematica ambiental na
agenda de discussao internacional. UDERMAN (2010, texto digital) destaca que em 1983, a
Organizacao das Nacoes Unidas (ONU) criou a Comissao Mundial de Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CMMAD) que publicou o Relatorio Brundtland, conhecido por introduzir
o conceito de desenvolvimento sustentavel, vinculando aspectos ambientais ao
desenvolvimento economico.
Ainda na década de oitenta, mais precisamente em 1987, foi adotado o Protocolo
de Montreal, acordo que dispôs sobre as substâncias que destroem a camada de Ozônio,
momento no qual os países signatários se comprometeram a substituir a utilização de
substâncias consideradas danosas ao meio-ambiente. Em seguida foi criado o Painel
Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC)1 a fim de fornecer uma base científica,
técnica e sócioeconômica para as Nações Unidas explicarem as alterações climáticas. Estudos
promovidos pelo IPCC relacionam o aumento na temperatura global com as atividades
desenvolvidas pelos seres humanos, especialmente em razão do uso de combustíveis fósseis,
cuja utilização começou a partir da Revolução Industrial. Nesse sentido, LIMIRO (apud Al
Gore, 2009, p. 22) explica:
Al Gore (2006, p.28) comenta que o dióxido de carbono (CO2), que responde por 80% do total das emissões de gases do efeito estufa, é liberado na atmosfera “quando queimamos combustíveis fósseis (petróleo, gás natural e carvão), seja em casa, nos carros, fábricas ou usinas elétricas, quando cortamos ou queimamos florestas, ou ainda quando produzimos cimento”. Quanto ao metano (CH4), esse autor diz que, atualmente, do total encontrado na atmosfera, 60% é produzido pelo homem, sendo originado de “aterros sanitários, fazendas de criação de animais, queima de combustíveis fósseis, tratamento de água e esgoto, e outras atividades”.
1Painel das Nações Unidas constituído por cientistas de diversos países e áreas de conhecimento, com o objetivo de avaliar a literatura científica produzida sobre mudança global do clima e que interage com a CQNUMC. É o responsável pela divulgação das estimativas do Potencial de Aquecimento Global (Global Warming Potential – GWP) e pelas revisões metodológicas destas estimativas e pelos Relatórios de Avaliação (atualmente, já foram publicados quatro Relatórios de Avaliação).
12
Em relação ao óxido nitroso (N2O), 17% foram acrescentados na atmosfera apenas durante a nossa era industrial, tanto por meio de combustíveis fósseis e de fertilizantes, como pela queima de florestas e de resíduos das plantações.Existem gases de efeito estufa que são produzidos exclusivamente pelas atividades humanas, como é o caso dos hidrofluorcarbonetos (HFCs), que são utilizados nos sistemas de refrigeração, dos perfluorcarbonetos (PFCs) e do hexafluoreto de enxofre (SF6), que são liberados na atmosfera por atividades industriais, como a fundição do alumínio e a fabricação de semicondutores, bem como pela rede elétrica que traz iluminação às nossas cidades.
O primeiro relatório fornecido pela organização intergovernamental, em 1990,
destacou a importância do debate sobre o tema entre os países sendo decisivo para a criação
Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC). O segundo relatório, por sua vez,
elaborado pelo IPCC em 1995, estabeleceu as diretrizes acolhidas pelo Protocolo de Quioto.
Atualmente referida organização está trabalhando na elaboração do quinto relatório que terá
ênfase no aspecto sócioeconômico trazido pelas alterações climáticas e suas implicações no
desenvolvimento sustentável.
A Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas foi assinada em 1992 durante a
ECO-92 no Rio de Janeiro e entrou em vigor em 1994 sendo ratificada por 195 países. A
referida convenção tinha por objetivo estabilizar as concentrações dos gases do efeito estufa
(GEEs)2 na atmosfera. Contudo, reconhecendo a dificuldade dos países em desenvolvimento,
cujas economias dependem do uso de combustíveis fósseis, não foi determinado que tais
países reduzissem suas emissões3 de GEEs4. Apenas aos países desenvolvidos e aos do Leste
Europeu que compõem a lista do Anexo I do Protocolo de Quioto foi determinada
mencionada imposição acordando em manter os mesmos níveis de emissão que possuíam em
1990.
Estabelecidas as diretrizes para amenizar as consequências das mudanças
climáticas, verificou-se a necessidade de um acordo que tratasse de normas mais específicas.
Em que pese a convenção representar um importante direcionamento da política de redução
de gases poluentes, não foi estabelecida uma meta de redução para os países
subdesenvolvidos.
2São os gases listados no Anexo A do Protocolo de Quioto, quais sejam: (i) dióxido de carbono (CO2); (ii) metano (CH4); (iii) óxido nitroso (N2O); (iv) hexafluoreto de enxofre (SF6); e (v) famílias de gases hidrofluorcarbonos (HFCs) e perfluorcarbonos (PFCs), cuja redução pode gerar RCEs, UQAs e UREs no âmbito do Protocolo de Quioto e, no caso do CO2, cuja remoção pode gerar URMs, RCEt ou RCEl. 3Nos termos do art. 1º da Convencao-Quadro das Nacoes Unidas sobre Mudanca do Clima, “emissoes” significa a liberacao de gases efeito estufa e/ou seus precursores na atmosfera numa area específica e num período determinado. 4Nos termos do art. 1º da Convencao-Quadro das Nacoes Unidas sobre Mudanca do Clima, “gases de efeito estufa” sao os constituintes gasosos da atmosfera, naturais e antropicos, que absorvem e reemitem radiacao infravermelha.
13
Dessa forma, foi adotado o Protocolo de Quioto realizado em 1997, ratificado em
21 de junho de 2002 pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo n. 44 que só
entrou em vigor em janeiro de 2005. No contexto das mudanças climáticas possuem destaque
dois atos internacionais: a Convenção e o Protocolo que, nas palavras de LIMIRO (2009, p.
31), apresentam as seguintes distinções:
Convenção é o termo aplicado geralmente aos acordos multilaterais, oriundos de conferências internacionais e que tratam de assuntos de interesse geral. Por sua vez, protocolo é o mais utilizado dos termos e abarca tanto os acordos bilaterais quanto os multilaterais. Geralmente designam acordos menos informais que os acordos complementares e tratados, e podem, também, designar a ata final de uma conferência internacional.
A principal característica do Protocolo de Quioto foi definir metas quantificáveis
acerca das reduções de gases do efeito estufa. O artigo 3º estabeleceu o valor médio de
redução em 5% face aos níveis de 1990 durante o período compreendido entre os anos de
2008 e 2012. Para entrar em vigor era necessário que os países que ratificassem o acordo
somassem juntos 55% das emissões de gases poluentes. Conforme dados obtidos no site da
UNFCC, atualmente 192 países ratificaram o referido tratado e juntos correspondem a 63,7%
das emissões.
No intuito de cumprir os compromissos fixados, o art. 2º, do Protocolo de Quioto
preve a implementacao das seguintes medidas voltadas para a reducao das emissoes
antropicas: o aumento da eficiencia energética; a protecao e o aumento de sumidouros e
reservatorios de gases de efeito estufa, levando em conta compromissos assumidos em
acordos internacionais sobre o meio ambiente, a promocao de praticas sustentaveis de manejo
florestal, florestamento e reflorestamento; a promocao de formas sustentaveis de agricultura; a
pesquisa e o desenvolvimento do uso de formas novas e renovaveis de energia, de tecnologias
de sequestro de dioxido de carbono e de tecnologias ambientalmente seguras; a eliminacao de
subsídios e incentivos fiscais, tributarios e tarifarios para setores emissores de gases de efeito
estufa; a redução de emissões de metano por meio de sua recuperação e utilização no
tratamento de resíduos, bem como na produção, no transporte e na distribuição de energia.
A partir da Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas os países passaram a
se reunir periodicamente através das Conferências das Partes5. A 17ª Conferência ocorreu em
5Explica Silva (2002, p. 28) que a Conferencia das Partes (COP) é o braco executivo de um acordo internacional. No caso da Convencao-Quadro sobre Mudancas do Clima (CQMC), a COP decide sobre aplicacao e funcionamento das diretrizes do tratado, a implementacao dos mecanismos previstos e o cumprimento das metas estabelecidas. Para isso realiza encontros anuais onde faz uma revisao do estado de implementacao da Convencao e discute a melhor forma de se lidar com a mudanca do clima. Cada encontro leva o nome da cidade
14
Durban entre novembro e dezembro de 2011. Ainda que considerada a CoP mais longa da
história e pouco satisfatória, a Conferência trouxe resultados positivos ao firmar um novo
acordo de redução de emissões para vigorar até 2020. Ademais, garantiu a segunda fase do
Protocolo de Quioto que se inicia em 2013 e termina em 2017.
1.2 Mecanismo de Flexibilização ao Protocolo de Quioto
O Protocolo de Quioto determinou que até 2012 os países arrolados no Anexo I,
países desenvolvidos e do Leste Europeu que possuem meta de redução definida pelo
protocolo, deveriam reduzir em 5% suas taxas de emissões de gases do efeito estufa. Ocorre
que referida meta foi considerada inatingível por alguns países muito antes do prazo acordado
para verificação. Assim como a Convenção, o Protocolo de Quioto6 necessita da adesão dos
países para ter validade. Quando se trata de direito internacional não existem meios para
obrigar os países a cumprirem as referidas metas, pois poderia haveria afronta à soberania.
Desse modo, foram criadas alternativas para que os países do Anexo I cumprissem suas
metas: os mecanismos de flexibilização.
Os mecanismos de flexibilização possibilitam que os países do Anexo I
ultrapassem os seus limites de emissões. Previsto no protocolo e conhecidos em seu conjunto
como mercado de carbono são em número de três: Mecanismo de Desenvolvimento Limpo,
Implementacao Conjunta e Comércio de Emissao.
1.2.1 Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
O mecanismo de flexibilização em análise teve origem na proposta brasileira de
um Fundo de Desenvolvimento Limpo que auxiliaria os países em desenvolvimento a criar
onde é realizado e seus resultados dependem das negociacoes entre os países que participam do acordo – conhecidos como Partes - e seus grupos representativos.6Frondizi (2009, texto digital) ensina que a Conferência das Partes de Quioto realizada em 1997, marcou a adoção do Protocolo de Quioto, com metas de redução de emissões e mecanismos de flexibilização dessas metas. De modo geral, as metas são de 5,2% das emissões de 1990, porém alguns países assumiram compromissos maiores: Japão – 6%, União Européia – 8% e Estados Unidos, que acabaram não ratificando o acordo, 7%. A entrada em vigor do acordo estava vinculada à ratificação por no mínimo 55 países que somassem 55% das emissões globais de gases do efeito estufa, que aconteceu apenas em 16 de fevereiro de 2005, após vencida a relutância da Rússia. Os Estados Unidos se retiraram do acordo em 2001.
15
projetos com o auxílio de recursos financeiros provenientes dos países do Anexo I que não
cumprissem suas metas. Explica LIMIRO (2009, p. 49/50):
[…] a criação de um Fundo de Desenvolvimento Limpo, visava à criação de uma penalidade aos países do Anexo I que não cumprissem suas metas de redução de gases de efeito estufa. A penalidade consistia na aplicação de multa, baseada no princípio do poluidor pagador, cujos recursos seriam destinados ao Fundo de Desenvolvimento Limpo e seriam utilizados para projetos de mitigação e adaptação à mudança climática nos Países Não-Anexo I, conforme as diretrizes contidas na Convenção-Quadro.
[…]
Entretanto a proposta brasileira não foi aceita nos moldes apresentados, pois a penalidade sugerida criaria um precedente inexistente em um tratado internacional, bem como os incentivos do setor privado dos países desenvolvidos esmoreceriam em face da ideia do fundo, uma vez associados a recursos orçamentários.
A ideia transmitida pelo fundo não foi aceita por alguns países e então surgiu o
mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). Neste mecanismo afirma DUTSCHKE (2001,
texto digital) que o aspecto principal consiste na redução de gases do efeito estufa traduzida
na forma de um ativo financeiro internacional passível de transação denominado de Redução
Certificada de Emissão (RCE), garantindo benefícios mais sólidos e mensuráveis. CAMPOS
(2001, p. 75) esclarece:
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo é um mecanismo essencialmente economico que incorpora conceitos de desenvolvimento sustentavel, enquanto o desejavel seria o oposto. A idéia do Fundo de Desenvolvimento Limpo, que gerou o MDL, apresentava uma outra versao. As verbas do fundo seriam aplicadas em projetos que visassem facilitar a implementacao de tecnologias mais limpas nos países em desenvolvimento. Enquanto o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo visa minimizar os custos de reducao de emissoes dos países do Anexo I, onde investidores irao cumprir suas metas procurando os menores precos. Neste sentido, o pragmatismo necessario para a sobrevivencia empresarial inverte a ordem da logica. A perda de biodiversidade, erosao do solo e perdas socio-economicas locais passam a ser menos importantes que a logica do comercializador de carbono.
O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo consiste no instrumento através do
qual os países desenvolvidos com compromissos quantificados de redução e limitação
estabelecidos no Protocolo de Quioto podem alcançar suas metas através da aquisição das
Reduções Certificadas de Emissão – os chamados créditos de carbono - adquiridas através de
projetos de MDL em países em desenvolvimento.
Atualmente o Brasil ocupa o terceiro lugar em projetos de MDL no mundo. Além
disso o MDL representa um mecanismo de fomento de boas práticas preenchendo as novas
16
necessidades referentes a um desenvolvimento sustentável. Convencionou-se que uma
unidade de RCE equivale a uma tonelada de dióxido de carbono calculada de acordo com o
Potencial de Aquecimento Global. Cada tonelada de CO2 removida da atmosfera, após
verificação, gera uma RCE emitida pelo Conselho Executivo do MDL.
Nos termos do artigo 12 do Protocolo de Quioto, regulamentado pelo Acordo de
Marrakeche,7 o objetivo do MDL consiste em auxiliar os países signatários que não compõem
o Anexo I a alcançar o desenvolvimento sustentável através da implementação dos referidos
projetos, bem como ajudar os países do Anexo I a cumprirem suas obrigações quantificáveis
de redução:
1. A clean development mechanism is hereby defined.2. The purpose of the clean development mechanism shall be to assist Parties not included in Annex I in achieving sustainable development and in contributing to the ultimate objective of the Convention, and to assist Parties included in Annex I in achieving compliance with their quantified emission limitation and reduction commitments under Article 3.8
Os projetos de MDL visam estimular a participação ativa do setor privado e
dependem da iniciativa do empresariado para atingir os benefícios sólidos previstos no
Protocolo. Os projetos podem ser criados a partir do uso de energias renováveis, atividades de
reflorestamento9, desenvolvimento urbano ecologicamente equilibrado, mas devem envolver
um ou mais gases estabelecidos no Anexo A do Protocolo de Quioto.
Entidades privadas, públicas e parcerias público-privadas podem participar da
implementação dos projetos desde que autorizadas pelos respectivos países. O MDL foi
estruturado para que as partes do Anexo I investissem nos países em desenvolvimento. No
entanto, verifica-se que a maior parte dos projetos brasileiros registados no Conselho
7Firmado durante a Sétima Sessão da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – COP 7 no Marrocos, representam as decisões relativas à regulamentação do Protocolo de Quioto, inclusive quanto aos aspectos de implementação adicional e, por conseguinte, do MDL (Frondizi, 2009, texto digital).8 1. Fica definido um mecanismo de desenvolvimento limpo.
2. O objetivo do mecanismo de desenvolvimento limpo deve ser assistir às Partes não incluídas no Anexo I para que atinjam o desenvolvimento sustentável e contribuam para o objetivo final da Convenção, e assistir às Partes incluídas no Anexo I para que cumpram seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos no Artigo 3.9“Assim como os projetos de MDL industriais, os florestais também geram as RCEs. Porém, para as atividades de florestamento e reflorestamento, foram criadas duas categorias, a saber: RCE temporária ou RCEt: é uma RCE emitida para uma atividade de projeto de florestamento ou reflorestamento no âmbito do MDL, que perde a validade no final do período de compromisso subsequente àquele em que tenha sido emitida; RCE de longo prazo ou RCEl: é uma RCE emitida para uma atividade de projeto de florestamento ou reflorestamento no âmbito do MDL, que perde a validade no final do período de obtenção de créditos da atividade de projeto de florestamento ou reflorestamento no âmbito do MDL para o qual tenha sido emitida. Ao se falar em perda de validade das RCEt e RCEl, quer-se dizer que as unidades emitidas têm de ser utilizadas pelos países desenvolvidos (Parte Anexo I) no período de compromisso em que foram emitidas, a fim de auxiliar essa Parte a atingir suas metas de redução conforme avençado no Protocolo de Kyoto.” (Limiro, 2009, p. 153).
17
Consultivo do MDL são desenvolvidas por representantes nacionais sem qualquer
envolvimentos dos países do Anexo I. Nesse sentido, explica LIMIRO (2009, p. 69) :
As atividades de projetos de MDL podem ser desenvolvidas de modo unilateral, ou seja, as Partes Não-Anexo I ou suas instituições públicas e privadas investem recursos financeiros oriundos do capital interno, sejam estes próprios ou provenientes de financiamentos. Todavia, caso não haja acesso a esse capital, o Protocolo de Kyoto prevê, no art. 12, § 6º, que o MDL “deve prestar assistência quanto à obtenção de fundos para atividades certificadas de projetos quando necessário.
De qualquer forma, o proponente do projeto receberá o benefício da venda das
RCEs, conhecido como créditos de carbono, através de negociações privadas ou no âmbito do
mercado de capitais.
As metas estabelecidas no Protocolo de Quioto para os países do Anexo I só serão
verificadas após o primeiro período de cumprimento, isto é, no final de 201210. Se o país
emitir mais que o especificado deverá compensar a diferença com os créditos de carbono que
poderão ser gerados pelos três mecanismos previstos no protocolo. Sob a perspectiva de
VICTOR (apud Freestone, 2005, p. 13), o MDL pode trazer os seguintes benefícios:
O interesse particular, bem como a tensão do MDL, contudo, reside no fato de que os Estados com compromissos financiariam projetos em países sem compromissos. Isso deveria significar, é claro, que os países em desenvolvimento partilhariam os benefícios dos investimentos de projetos em tecnologia limpa no âmbito de suas economias, mas também que uma possibilidade bem mais ampla de reduções seria possível do que estaria disponível por meio de reduções apenas em países do Anexo I. Apesar de algumas preocupações iniciais de que isto poderia ser visto como ‘uma ponta de iceberg’ nas introduções de compromissos para os países em desenvolvimento, de fato, as presunções básicas acerca da qual o MDL está baseado são saudáveis. Mesmo se a maioria da responsabilidade pelas emissões históricas que conduziram à mudança climática possa ser colocada nas costas do mundo desenvolvido, a redução de emissões em qualquer lugar no mundo tem um impacto igualmente benéfico no sistema climático global, e é no mundo em desenvolvimento- notadamente na Índia e na China- onde a maior parte do aumento nas emissões futuras de GEEs estará propensa a ocorrer nas décadas vindouras.11
10Art. 3º, § 7º, do Protocolo de Quioto: No primeiro período de compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, de 2008 a 2012, a quantidade atribuída para cada Parte incluída no Anexo I deve ser igual à porcentagem descrita no Anexo B de suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A em 1990, ou o ano ou período de base determinado em conformidade com o parágrafo 5 acima, multiplicado por cinco. As Partes incluídas no Anexo I para as quais a mudança no uso da terra e florestas constituíram uma fonte líquida de emissões de gases de efeito estufa em 1990 devem fazer constar, no seu ano ou período de base de emissões de 1990, as emissões antrópicas agregadas por fontes menos as remoções antrópicas por sumidouros em 1990, expressas em dióxido de carbono equivalente, devidas à mudança no uso da terra, com a finalidade de calcular sua quantidade atribuída. 11“The particular appeal as well as the tension of the CDM however lies in the fact that States with commitments would be financing projects in countries without commitments. This should mean of course that developing countries share the benefits of project investments in clean tecnology within their economies, but also that a far wider pool of possible reductions is possible than would be available through reductions in Annex I countries
18
Complementa LIMIRO (apud Conejero, 2009, p. 155):
Mas, o que faz com que os países industrializados invistam em projetos de MDL nos países em desenvolvimento? A respostam chama-se “eficiência econômica”. Segundo Conejero (2007, p. 276), o Teorema de Coase explica claramente o que isso significa:[…] o livre-mercado é muito mais poderoso em produzir resultados eficientes do que muitos economistas imaginavam. Contanto que os custos de transação sejam baixos e os direitos de propriedade bem definidos e podendo ser transacionados, há um incentivo ao rearranjo destes direitos para aumentar a eficiência econômica. A frequente recomendação de intervenção governamental poderia ser desnecessária e, em muitos casos indesejável.Para melhor compreensão, Conejero (2007, p. 277) exemplifica:Suponha uma indústria siderúrgica nos EUA altamente poluidora e uma planta de papel celulose no Brasil também poluidora. Ambas inicialmente têm o direito de emitir a quantidade que quiserem de GEE na atmosfera, uma vez que não existem direitos de propriedade sobre o ar. Em um determinado momento do tempo, diante das ameaças ao aquecimento global, os países fecham um acordo global para redução das emissões de GEE em 5%, só que apenas os países desenvolvidos têm compromissos de redução.A planta brasileira de papel e celulose tem um custo de redução de $25 por tonelada de CO2e, só que ela não é obrigada legalmente a reduzir as suas emissões, ou seja, ela tem o direito de poluir. Por outro lado, a indústria siderúrgica americana, que possui obrigações legais da redução, tem um custo de redução de $100 por tonelada.No exemplo analisado, o uso eficiente dos recursos supõe que a planta brasileira reduza as suas emissões – por exemplo, substituindo sua usina termoelétrica movida a óleo combustível por uma pequena central hidrelétrica (PCH) – e venda as toneladas e CO2e reduzidas à indústria americana por um preço maior do que $25 e menor do $100 a tonelada. Assim, a empresa americana pode abater esse volume reduzido da sua meta de redução. Deve ser lembrado que o problema das mudanças climáticas é global, ou seja, não importa onde ocorra a redução das emissões, o resultado será benéfico para o clima do planeta. O outro resultado levaria a um custo de $100 a tonelada, ou seja, representaria uma alocação ineficiente de recursos. Esta solução eficiente é obtida sem um imposto de poluição, o que é recomendado por Pigou (1920).
A Conferência das Partes instituída a partir da Convenção-Quadro sobre
Mudanças Climáticas (CQNUMC) atua paralelamente ao Protocolo de Quioto fiscalizando e
regulamentando sua implementacao e possui autoridade sobre o MDL e suas diretrizes.
FRANGETTO; GAZANI (2002, p. 88) apontam que o projeto de MDL pode ser
dividido em três fases: a fase preliminar que corresponde ao momento no qual o projeto será
submetido à autoridade responsável por caracterizar como um projeto de MDL; a fase
intermediária, oportunidade em que o projeto passa a existir juridicamente; e, por fim, a fase
alone. Despite some initial concerns that this might be seen as the ‘thin end of the wedge’ in the introductions of commitments to developing countries, in fact the basic assumptions on which CDM is based are sound. Even if the majority of the responsibility for the historical emissions leading to climate change can be laid at the doors of the developed world, a reduction of emissions anywhere in the world has an equally beneficial impact on the global climate system, and it is in the developing world-notably in India an China-where much of the increase in future emissions of GHG seems likely to take place in the decades to come”.
19
de retorno com a emissão da RCE. As etapas fundamentais do ciclo do projeto envolvem a
elaboracao do Documento de Concepcao do Projeto DCP, a validacao/aprovacao, o registro, o
monitoramento, a verificacao/certificacao e, por fim, as emissao das RCEs.
Inicialmente as partes interessadas na implementação de um projeto de MDL
devem indicar junto à CQNUMC uma Autoridade Nacional Designada (AND) que é
responsável por verificar o caráter voluntário das partes de participação no projeto, bem como
sua contribuição para o desenvolvimento sustentável do país receptor do projeto. A aprovação
para implementação do projeto é deferida por meio da Carta de Aprovação (LoA) emitida
pelas respectivas ANDs. Obtida a aprovação do país anfitrião as partes podem passar para a
etapa seguinte, isto é, o registro do projeto.
O participante do projeto deve informar à AND de uma Parte Anfitriã e/ou ao
Secretariado que está iniciando uma atividade de projeto e que possui o interesse de
caracterizá-la como MDL efetuando seu registro12. Essa notificação deve ser feita com a
antecedência de seis meses do início da atividade de projeto, acompanhada das coordenadas
geográficas precisas e de uma breve descrição da atividade de projeto consubstanciadas no
Documento de Concepção do Projeto (DCP).
O Documento de Concepcao do Projeto reúne as informacoes principais do
projeto, tais como: os aspectos técnicos, a tecnologia a ser empregada, a quantidade estimada
de redução dos GEEs, a fonte de financiamento, a justificativa da escolha da metodologia de
linha de base13, a adicionalidade14 e apresenta um plano de monitoramento15.
12Parte da terceira etapa do Ciclo do Projeto. Aceitação formal, pelo Conselho Executivo, de um projeto validado como atividade de projeto do MDL. O registro é o pré-requisito para a verificação, certificação e emissão das RCEs relativas a uma atividade de projeto. Não confundir com “Registro do MDL” que é estabelecido e supervisionado pelo Conselho Executivo do MDL para assegurar a contabilização precisa da emissão, posse e transferência de RCEs. O registro do MDL deve ter a forma de uma base de dados eletrônica padronizada que contenha, inter alia, elementos de dados comuns pertinentes à emissão, posse e transferência de RCEs. Não deve ser confundido com o registro de uma atividade de projeto do MDL, uma das etapas do Ciclo do Projeto (Frondizi, 2009, texto digital).13No âmbito do MDL, a linha de base de uma atividade de projeto é o cenário que representa, de forma razoável, as emissões antrópicas de GEE por fontes que ocorreriam na ausência da atividade de projeto proposta, incluindo as emissões de todos os gases, setores e categorias de fontes listados no Anexo A do Protocolo de Quioto. Serve de base tanto para verificação da adicionalidade quanto para a quantificação das RCEs da atividade de projeto MDL. As RCEs serão calculadas justamente pela diferença entre emissões da linha de base e emissões verificadas em decorrência das atividades de projeto do MDL, incluindo as fugas. A linha de base é qualificada e quantificada com base em um Cenário de Referência. (Idem)14Critério fundamental para que uma determinada atividade de projeto seja elegível ao MDL, consiste nas reduções de emissões de GEE ou no aumento de remoções de CO2 de forma adicional ao que ocorreria na ausên- cia de tal atividade registrada (Idem).15Deve constar do DCP um Plano de Monitoramento presente na metodologia escolhida pelos participantes do projeto. Com este Plano, o proponente do projeto acompanhará as medidas adotadas. Esse Plano deverá criar e manter disponível um arquivo no qual estarão documentadas, com as respectivas séries históricas, todas as etapas envolvidas nos cálculos da redução de emissões e das fugas, seguindo os protocolos usuais de planos de monitoramento de processos e de meio ambiente, com detalhamento de todos os passos a serem obedecidos; os parâmetros e respectivos equipamentos de medição ou métodos para estimativa; freqüência de medição;
20
A Entidade Operacional Designada (EOD)16, credenciada pelo Conselho
Consultivo do MDL17, fiscaliza se as ações dos projetos correspondem ao estabelecido no
protocolo de Quioto. No Brasil exige-se que a EOD esteja estabelecida no país anfitrião. A
EOD possui como função principal a análise do Documento de Concepção do Projeto,
visitando o empreendimento e averiguando as informações apresentadas, bem como verifica
se o monitoramento foi adequado e se os dados apresentados expressam efetivas reduções,
expedindo, após averiguação, o Relatório de Certificação ao Conselho Executivo que emitirá
as devidas RCEs.
As RCEs só poderão ser emitidas se o aumento das remoções for efetivamente
comprovado através do plano de monitoramento que deve ser enviado a EOD contratada a fim
de que seja procedida a etapa de verificacao/certificacao. Apos o Conselho Executivo aprovar
o Relatorio de Certificacao, as RCEs serao emitidas para a conta pendente do Conselho
Executivo no Registro do MDL. O site da Convencao deve tornar públicas as emissoes das
RCEs, momento no qual a atividade de projeto podera requerer a transferencia destas
Reducoes Certificadas de Emissoes para uma conta no Registro do Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo ou em algum Registro Nacional.
No que se refere ao período de obtenção dos créditos, são previstas duas
possibilidades: a primeira delas com duração de 7 anos e no máximo duas renovações,
totalizando o período máximo de 21 anos; ou com duração de 10 anos, sem possibilidade de
renovação. No que se refere aos créditos de carbono retroativos, criados para incentivar
projetos de MLD antes da sua implementação, tiveram seu resgate expirado em março de
2007.
1.2.2 Implementação Conjunta
verificação, responsáveis, controles de qualidade e de garantia da qualidade; programas de manutenção preventiva, calibração; e outras atividades indispensáveis à verificação de acurácia do processo e de credibilidade dos resultados (Idem)16Entidade credenciada pelo Conselho Executivo do MDL com a finalidade de: (i) validar as atividades de projeto propostas ao MDL e (ii) verificar e certificar a redução das emissões de GEE e/ou remoção de CO2. A Entidade Operacional depois de creden- ciada pelo Conselho Executivo deverá, ainda, ser designada pela COP/MOP, que dessa forma ratificará ou não o credenciamento feito pelo Conselho Executivo. No Brasil, a EOD deve estar legalmente constituída e operando em território nacional (Idem). 17Supervisiona o funcionamento do MDL. Entre as suas responsabilidades, destacam-se: o credenciamento das Entidades Operacionais Designadas; a validação e registro das atividades de projetos do MDL; a emissão das RCEs; o desenvolvimento e operação do Registro do MDL e o estabelecimento e aperfeiçoamento de metodologias para linha de base, monitora- mento e fugas. As decisões tomadas pelo Comitê Executivo do MDL são confirma- das pela COP/MOP (Idem).
21
A Implementação Conjunta está prevista no artigo 6º18 do Protocolo de Quioto e
aplica-se exclusivamente as partes do Anexo I, países com metas de redução quantificáveis,
que podem compensar suas emissões adquirindo de outro país também do Anexo I unidades
de redução das emissões. O Brasil não faz parte do Anexo I, de modo que referido mecanismo
não possui grande relevância. Esclarece LIMIRO (2009, p. 47/48):
Esse tipo de mecanismo de flexibilização pode ser implantado unicamente pelos países desenvolvidos e relacionados no Anexo I da Convenção-Quadro. Consiste na possibilidade de uma Parte Anexo I financiar projetos em outras Partes Anexo I como forma de cumprir seus compromissos de redução de emissões de gases do efeito estufa. Isso ocorre em razão de os projetos de Implementação Conjunta gerarem Unidades de Redução de Emissões (UREs).A Unidade de Redução de Emissão (URE) (em inglês, Emission Reduction Unit – ERU) é, segundo Lopes (2002, p. 62) “unidade expressa em toneladas métricas de dióxido de carbono equivalente, sendo uma unidade igual a uma tonelada de gases de efeito estufa. A transformação para dióxido de carbono equivalente deve ser feita com base no Potencial de Aquecimento Global. Posteriormente, poderão ser as RCEs utilizadas pelo pais financiador para adicionar a sua quota de emissões, sendo deduzidas das quotas de emissão do país beneficiado.
O mencionado instrumento permite que os países membros do Anexo I cumpram
suas metas de redução de forma conjunta, ou seja, possibilita que dois ou mais países do
Anexo I emitam juntos uma quantidade total de gases estufa que não ultrapasse a somatória de
suas metas.
1.2.3 Comércio Internacional de Emissões
Outro mecanismo de flexibilização consiste no Comércio Internacional de
Emissões previsto no art. 1719 do protocolo de Quioto que estabelece as diretrizes para
negociar o limite de emissão com outros países com o objetivo de cumprir as metas
assumidas. Assim, as emissões permitidas, mas não usadas, podem ser vendidas para os países
que ultrapassam suas metas.
18A fim de cumprir os compromissos assumidos sob o Artigo 3, qualquer Parte incluída no Anexo I pode transferir para ou adquirir de qualquer outra dessas Partes unidades de redução de emissões resultantes de projetos visando a redução das emissões antrópicas por fontes ou o aumento das remoções antrópicas por sumidouros de gases de efeito estufa em qualquer setor da economia (Idem).19A Conferência das Partes deve definir os princípios, as modalidades, regras e diretrizes apropriados, em particular para verificação, elaboração de relatórios e prestação de contas do comércio de emissões. As Partes incluídas no Anexo B podem participar do comércio de emissões com o objetivo de cumprir os compromissos assumidos sob o Artigo 3. Tal comércio deve ser suplementar às ações domésticas com vistas a atender os compromissos quantificados de limitação e redução de emissões, assumidos sob esse Artigo (Idem).
22
Conforme já visto anteriormente, os projetos de MDL geram uma redução na
emissão dos gases-estufa. Esta redução gera créditos certificados de emissão, que são títulos
negociáveis no Mercado. Estes serão adquiridos pelos países investidores do Anexo I que
comercializarão estes títulos entre si. À comercialização destes títulos é dado o nome de
créditos de carbono. No entanto, referido mecanismo só pode ser utilizado pelo país
adquirente se este o contabilizar em conjunto com atividades de redução efetivamente
implementadas, não permitindo que o país apenas compre a redução de outros países sem
reduzir suas próprias. Nas palavras de LIMIRO (2009, p. 48):
Assim como na Implementação Conjunta, apenas Partes Anexo I podem participar do Comércio de Emissões, o qual proporciona às Partes Anexo I, que além de cumprirem suas metas ultrapassaram-na, a liberdade de vender o excedente de suas quotas de emissões reduzidas de gases de efeito estufa para outras Partes Anexo I que ainda não conseguiram cumprir suas metas.A unidade aplicável a esse mecanismo é a Unidade de Quantidade Atribuída (UQA)20 (em inglês, Assigned Amount Unit – AAU).
O Regime Comunitário de Licenças de Emissão da União Europeia (RCLE-UE)
ou apenas Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE) entrou em vigor em janeiro de
2005 e é o primeiro instrumento de Comércio internacional de emissões de gases do efeito
estufa regulado.
PAZSTOR (2006, texto digital) fazendo uma abordagem prática do comércio
europeu de licenças explica que a cada um dos Estados-Membros da UE é atribuída uma
quantidade fixa de licenças de emissão. A quantidade total de licenças representa a quantidade
total de CO2 (em toneladas) que pode ser emitida pelas empresas participantes. Em Portugal
foram criados o Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC) e o Plano Nacional
de Atribuição de Licenças de Emissão (PNALE) para auxiliarem no cumprimento da meta de
redução pacutada. O PNAC define os mecanismos para reduzir as emissões de gases de efeito
de estufa, como por exemplo a produção de eletricidade utilizando energias renováveis e a
alteração do imposto automóvel em função de emissões de CO2. O PNALE, por sua vez,
estipula a quantidade de licenças distribuídas a cada empresa.
20“Essa unidade é expressa em toneladas métricas de dióxido de carbono equivalente, sendo uma unidade igual a uma tonelada de gases de efeito estufa. A transformação para dióxido de carbono equivalente deve ser feita com base no Potencial de Aquecimento Global. As UQAs podem ser utilizadas por Partes Anexo I como forma de cumprimento parcial de suas metas de redução de emissão de gases de efeito estufa ou transferidas parcialmente para o segundo período. A quantidade atribuída a cada Parte Anexo I é igual ao percentual constante no Anexo B do Protocolo de suas emissões antrópicas equivalentes em CO2 dos gases de efeito estufa listados no Anexo A em 1990 (o no ano ou período base diferente determinado para as economias em transição), multiplicado por 5. (Limiro apud Lopes, 2009, p. 48/49).
23
1.3 Mercado de Carbono: Origens e Projeções
A criação de mecanismos de mercado que valorizam os recursos naturais é uma
extraordinária inovação cujo primeiro exemplo ocorreu nos EUA com a emenda de 1990 ao
Clean Air Act de 1970.21 KHALILI (texto digital) afirma que a mencionada emenda criou as
cotas comercializáveis de poluição nas bacias aéreas regionais dos EUA e proporcionou uma
considerável diminuição na poluição do ar - cerca de 40% - entre os anos de 1991 a 1998.
O processo de comercialização das reduções certificadas ocorre atualmente
através das bolsas doCanadá, Reino Unido (Emission Trade Scheme - Regulamentação
Européia22), Holanda (European Climate Exchange), Noruega (Nord Pool), Alemanha
(European Energy Exchange), Europa (Emission Trading System), Austrália (New South
Wales Trade System), Japão (Keidanren Voluntary Action Plan in Japan), Brasil (Mercado
Brasileiro de Reduções de Emissões - MBRE) e Estados Unidos (Chicago Climate
Exchange).23
A Bolsa do Clima de Chicago (Chicago Climate Exchange - CCX) é uma bolsa
estadunidense regulada através das leis norte americanas. A CCX foi a primeira bolsa do
mundo a transacionar as reduções certificadas de emissões. As empresas vinculadas à Bolsa
do Clima de Chicago comprometeram-se a diminuir em 4% as emissões de GEEs, em relação
aos níveis emitidos em 1998, até o ano de 2006. Opondo-se ao Protocolo de Quioto, que prevê
a redução coercitiva das emissões, a CCX estabelece que as empresas que alcançarem a meta
receberão créditos que poderão ser comercializados com outras empresas.
Os Estados Unidos assinaram o Protocolo de Quioto em 1997, mas, conforme já
mencionado, não ratificaram o acordo. Alegam que a adoção do referido protocolo
representaria custos muito elevados à economia. Ademais, não concordam que os países em
21O Clean Air Act consiste em uma lei norte-americana que define as responsabilidades das agências de proteção ambiental na proteção da camada de ozônio e na melhora da qualidade da atmosfera nacional. 22“[...]o Comércio de Emissões da União Europeia é regulamentado pela Diretiva Europeia 2003/87/EC. Nesse mercado estão inclusos os mercados nacionais europeus que fazem transações dentro da própria comunidade com os demais países. Seu funcionamento iniciou-se em janeiro de 2005, com o primeiro período de compromisso de 2005 a 2007 e o segundo de 2008 a 2012, sendo também de cinco anos os períodos subsequentes”. (Limiro, 2009, p. 128).23“[...]bolsa Americana de adesão voluntária. É um mecanismo de negociação em bolsa, auto-regulável, que administra um programa de transações piloto de redução de emissões de GEE para a América do Norte, com a participação de empreendedores de projetos de redução de GEE do Brasil. Representa o primeiro compromisso legal e voluntário firmado por diversas corporações norte-americanas, municípios e outras instituições para estabelecer um mercado regulado peara a redução de GEE. As empresas-membros participantes desse mercado visam a compensar suas emissões definidas por uma linha de referência (baseline) estabelecida na média dos anos de 1998 a 2001”. (Limiro, 2009, p. 128).
24
desenvolvimento como Brasil, Índia e China não tenham compromissos regulamentados de
redução. Nessa seara, destaca LIMIRO (apud Frangetto; Gazani, 2002, p. 43):
[…] temos a situação dos Estados norte-americanos que, não obstante chegarem a ter em seus territórios legislação mais rígida (v.g. Estado da Califórnia) em termos de limite de emissão de GEE que as próprias exigências do Protocolo de Kyoto, são Non-Kyoto-Compilance24, pois os Estados Unidos da América retardam ainda a ratificação do Protocolo. A tendência é que esses Estados, autônomos em relação ao governo central sejam os motivadores dos Estados Unidos para quem, em um futuro próximo, ratifiquem o Protocolo de Kyoto a fim de evitar que percam o lugar no mercado de carbono.
Conforme afirmado anteriormente, cada tonelada métrica de carbono que deixa de
ser emitida ou que é retirada da atmosfera por iniciativa de um país em desenvolvimento
ensejara a emissao de um documento representativo dessa reducao, que consiste no valor
transacional, o ja mencionado Crédito de Carbono (CC).
Um estudo elaborado pelo Carbon Fund administrado pelo Banco Mundial
afirmou que as negociações de créditos de carbono podem ser divididas entre o comércio de
permissões (allowances) e transações baseadas em projetos (project-based transactions). A
maioria das transações efetuadas foram baseadas em projetos que se dividem em transações
voltadas para Kyoto (compliance) e as não voltada para Kyoto (not-compliance). O referido
estudo aponta, ainda, que o Japão tornou-se o maior comprador individual e que a grande
parte da localização dos projetos de MDL estão localizados na Ásia.
No que se refere ao valor quantitativo das operações, existem muitas especulações
acerca do mercado de carbono. Os projetos não voltados para Kyoto, como os negociados na
Chicago Climate Exchange, possuem uma média de preços em torno de US$ 1.34 (um dólar e
trinta e quatro centavos). Já os projetos voltados para Kyoto, onde o comprador assume o
risco do registro do projeto mostrou a média de US$ 3.85 (três dólares e oitenta e cinco
centavos). Outro aspecto relevante apontado pelo estudo do Carbon Fund refere-se ao
Esquema de Trocas do Reino Unido (UK Trading Scheme) que consiste em um sistema
voluntário, no qual as empresas participantes se comprometem a reduzir os níveis de emissão
em troca de descontos que podem chegar, por exemplo, a 80% no imposto sobre consumo de
energia.
24Para ser considerado Kyoto-Compilance, é necessário que o Estado, além de ser Parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Meio Ambiente, seja Parte também do Protocolo, o que se concretiza mediante ratificação. Aqueles países, ainda que sejam Parte da Convenção-Quadro e possuam legislações mais rígidas em relação aos padrões máximos permitidos para emissões de gases de efeito estufa que a do Protocolo de Kyoto, como é o caso dos Estados Unidos, são considerados Non-Kyoto-Compilance. (Limiro, 2009, p. 42/43).
25
Os volumes que o Mercado de Carbono podem movimentar apresentam
estimativas variadas, desde U$ 500 (quinhentos) milhões até US$ 80 (oitenta) bilhões por ano.
De qualquer forma, a expectativa gerada em torno dos créditos de carbono favorece os países
em desenvolvimento que serão fontes de investimentos. O Brasil, neste contexto, possui uma
posição estratégica. Esclarece LIMIRO (2009, p. 121/122):
Em razão de sua natureza comercial, bem como por ser igual a uma tonelada métrica equivalente de dióxido de carbono, a RCE é uma espécie de crédito de carbono, cuja transação faz parte de um novo mercado: o mercado de carbono. O mercado de carbono está em ascensão. Segundo o relatório da Point Carbon, em 2007, o valor do mercado global de carbono cresceu 80% alcançando 40 bilhões de euros. Esse crescimento foi atribuídos aos novos participantes do mercado e ao reforço dos limites às emissões para o segundo período de compromisso do Comércio de Emissões (2008-2012) na União Europeia. No mesmo período, o MDL foi avaliado em 12 bilhões de euros. Para 2008, as expectativas são ainda maiores: por causa da rigidez imposta pela União Europeia no principal programa de combate aos gases do esfeito estufa, o comércio global de créditos de carbono deve aumentar 56%. Em relação ao MDL, o volume total previsto para o mesmo ano é de 1,2 bilhões de toneladas de CO2e, o que equivale a 18 bilhões de euros, estimando o valor de 15 euros para cada tonelada de CO2e.
Importa destacar que o mercado de carbono não envolve apenas as reduções
certificadas de carbono, compreendendo, também, as unidades de emissão geradas pelos
mecanismos de implementação conjunta e de comércio de emissões que correspondem,
respectivamente, a unidade de redução de emissão e a unidade de quantidade atribuída. No
entanto, conforme já mencionado, o Brasil só pode participar dos projetos de MDL, razão pela
qual os próximos capítulos serão dedicados à analise das RCEs no mercado de carbono, sua
natureza jurídica, bem como o regime tributário aplicável às transações envolvendo a referida
unidade.
26
2. CAPÍTULO 2: AS REDUÇÕES CERTIFICADAS DE CARBONO
2.1 Negociação das Reduções Certificadas de Emissões
O único mecanismo de flexibilização previsto no protocolo de Quioto que permite
a participação de países em desenvolvimento é o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo,
portanto, o único instrumento com real importância para o Brasil. Além de promover a
redução dos gases do efeito estufa, o referido instrumento representa uma forma de
transferência de recursos financeiros, investimentos e tecnologias entre os países
industrializados e os países em desenvolvimento.
Esse título podera ser transacionado com países desenvolvidos elencados no
Anexo I do Protocolo de Quioto que não tenham alcançado a meta de redução estabelecida.
Consiste em uma maneira de atrair o empresariado para participar do movimento de
conservação do meio-ambiente através do mercado de crédito de carbono, permitindo a
obtencao de lucro com a comercializacao das reducoes certificadas de emissoes.25
Implementado o projeto de MDL, ha um tramite procedimental até a emissao do
título que representa o crédito de carbono (RCE). Os países signatarios do protocolo designam
uma autoridade nacional para ser responsavel pela aprovacao do projeto de Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL) no país anfitriao. No Brasil, a Comissao Interministerial de
Mudanca Global do Clima, criada em 1999, vinculada ao Ministério da Ciencia e Tecnologia
e composta atualmente por 11 membros, é o órgão responsável para tratar dessas questões.26
25Art. 10, alínea c, do Protocolo de Quioto: Todas as Partes, levando em conta suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e suas prioridades de desenvolvimento, objetivos e circunstancias específicos, nacionais e regionais, sem a introducao de qualquer novo compromisso para as Partes nao incluídas no Anexo I, mas reafirmando os compromissos existentes no Artigo 4, paragrafo 1, da Convencao, e continuando a fazer avancar a implementacao desses compromissos a fim de atingir o desenvolvimento sustentavel, levando em conta o Artigo 4, paragrafos 3, 5 e 7, da Convencao, devem: (c) Cooperar na promocao de modalidades efetivas para o desenvolvimento, a aplicacao e a difusao, e tomar todas as medidas possíveis para promover, facilitar e financiar, conforme o caso, a transferencia ou o acesso a tecnologias, know-how, praticas e processos ambientalmente seguros relativos a mudanca do clima, em particular para os países em desenvolvimento, incluindo a formulacao de políticas e programas para a transferencia efetiva de tecnologias ambientalmente seguras que sejam de propriedade pública ou de domínio público e a criacao, no setor privado, de um ambiente propício para promover e melhorar a transferencia de tecnologias ambientalmente seguras e o acesso a elas. 26De acordo com o Despacho Telegráfico n.º 612, de 19/09/2002, enviado pelo Ministério da Relações Exteriores – MRE à Embaixada do Brasil em Berlim, o Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima foi oficialmente comunicado pelo Governo Brasileiro que a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima é a Autoridade Nacional Designada para aprovação de projetos no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto, conforme disposto no art. 3º, inciso IV, do Decreto Presidencial de 7 de julho de 1999 que instituiu a referida Comissão.
27
A etapa de certificação, que consiste na comprovação da efetiva redução das
emissões conforme estabelecido e devidamente acompanhada pelo plano de monitoramento,
sera baseada no relatorio de verificacao. A declaracao de certificacao é remetida aos
participantes do projeto, as partes envolvidas e ao Conselho Executivo do MDL e, apos,
tornada pública. Certificada a reducao, solicita-se ao respectivo Conselho a emissao do título
representativo do crédito de carbono. O administrador do registro de MDL deposita as RCE
certificadas nas contas abertas em nome das partes e dos demais participantes envolvidos nas
atividades de projeto de MDL.
As Reducoes Certificadas de Emissao sao créditos de emissao dos GEEs
padronizados (créditos de carbono) que possuem valor comercial e sao passíveis de transacao
no mercado mundial e, em alguns casos, depositadas em banco para uso futuro. Parte
consideravel destes créditos serao comercializados por empresas dos países do Anexo I do
Protocolo de Quioto, mas também podem ser adquiridos por outros investidores.
Os projetos implantados por meio do mecanismo de desenvolvimento limpo
foram alvo de severas críticas em razão da sua onerosidade. Ocorre que os diversos
procedimentos e etapas criam despesas para obtenção das RCEs, além de causar morosidade e
criar obstáculos para a disponibilidade dos créditos de carbono. Contudo, se o processo de
obtenção de RCEs for muito simplificado, a credibilidade ambiental dos projetos seria
reduzida.
Antes do Protocolo de Quioto entrar em vigor, já eram comercializados os
chamados early credits, isto é, os créditos referentes aos projetos de MDL que estavam em
andamento (ROCHA, 2008, p. 44). O risco neste tipo de transação é mais alto, dada a
incerteza do projeto ser realmente registrado, insegurança quanto à efetiva emissão da RCE e
o próprio risco país que está vinculado a confiabilidade no governo e suas instituições. Todos
esses fatores influenciam na definição do preço do crédito de carbono, bem como nas
condições da transação comercial. Nesse sentido, esclarece LIMIRO (2009, p. 123/124):
A comercialização das RCEs pode se dar em qualquer momento do projeto de MDL, isto é, desde sua elaboração até as emissões das RCEs.Não são ilegais a compra e venda antecipada dos créditos de carbono. Todavia, quanto mais no início do processo as RCEs forem comercializadas, menor será seu valor. Isso porque os créditos de carbono comercializados no início do projeto possuem um risco maior com relação à sua aprovação e, consequentemente, às emissões das RCEs, pois pode ocorrer, por exemplo, de o projeto não ser aprovado pelo Conselho Executivo ou não gerar o total de créditos previstos, o que significa que a empresa investidora estrangeira perde no todo ou em parte o investimento
28
financeiro aplicado naquela atividade, cuja expectativa era de se tornar um projeto de MDL.Outro risco associado é a volatilidade do mercado, pois, haja vista ser um negócio de longo prazo, as RCEs adquiridas na fase de elaboração do projeto podem ter seus valores reduzidos quando emitidas, o que significa perda econômica para o comprador. Todavia, o contrário também pode ocorrer, de modo que a compra antecipada dos créditos de carbono se torne vantajosa ao investidor, que pagará um valor inferior na fase inicial do projeto de MDL e que, ao serem emitidos pela ONU, poderá vender esses créditos por cinco ou seis vezes o valor da compra.
As unidades negociaveis definidas no Protocolo de Quioto – que vao além das
RCEs - são criadas por um ato de direito internacional que obriga os países signatários. No
entanto, o protocolo não esgotou a matéria acerca da comercialização dos referidos títulos – o
protocolo nao criou ou concedeu quaisquer direitos, títulos ou outorgas de emissoes de
qualquer tipo as partes - de modo que os conceitos devem ser harmonizados com o
posteriormente estabelecido na Convencao das Partes e na declaracao dos Acordos de
Marraqueche. Assim, o protocolo criou apenas um direito de emitir determinada quantia de
gases do efeito estufa num período de tempo pré-estabelecido.
Nos termos do § 12, do artigo 3º, do Protocolo mencionado qualquer redução
certificada de emissões que uma parte adquira de outra parte deve ser acrescentada à
quantidade atribuída à Parte adquirente, ou seja, um país industrializado, membro do Anexo I,
pode aumentar sua permissão de emissão. A comercialização dos créditos de carbono pode
ocorrer de três formas unilateral, bilateral ou multilateral, explica LIMIRO (2009, 125/127):
O modelo unilateral é caracterizado pelo fato de as entidades públicas ou privadas do pais, financiando ou não o desenvolvimento de projetos de MDL, adquirirem as RCEs correspondentes e operarem sua comercialização internacional em bases vantajosas, competitivas e no momento mais favorável.A transação dos créditos de carbono nessa modalidade pode ocorrer de duas formas:1) entre países em desenvolvimento, quando um país compra as RCEs de outro, com a finalidade de revenda futura a um país industrializado; ou2) quando um país em desenvolvimento adquire RCEs de projetos desenvolvidos dentro de seu próprio território, com a finalidade de revenda futura a um país industrializado.[…]No modelo bilateral, os países industrializados e em desenvolvimento negociam diretamente, podendo participar do desenvolvimento, do financiamento e da operacionalização dos projetos de MDL, ou seja, os investidores contratam uma operação conjunta de emissão e compra das RCEs relativas a um determinado projeto. Esse tipo de transação pode comportar até mesmo a organização de join ventures entre empresas compradoras de RCEs e empresas de países como o Brasil.A comercialização das RCEs nesse tipo de transação se concretiza por intermédio de contrato internacional de compra e venda de créditos, também conhecido como ERPA (em inglês, Emission Reduction Purchase Agreement), o qual é um acordo entre duas ou mais pessoas jurídicas e que gera direitos e obrigações para ambas as partes. Esse tipo de contrato é regido pelas leis do país onde foi proposto, conforme dispõe o art. 9º do Decreto-lei 4.657, de 04.09.1942, conhecida também como Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (LICC).
29
[…]
O modo multilateral é conhecido pela participação de diversas instituições públicas e privadas que adquirem RCEs ou colaboram com o financiamento de projetos de MDL. Essa modalidade reduz a margem de riscos inerentes a novos empreendimentos e às dúvidas quanto aos riscos reais, bem como permite maior manipulação de preços (especulação) em função do prazo, das exigências e do padrão de demanda por redução de emissões certificadas.Miguel (apud VIDIGAL, 2007) relata que a transação dos créditos de carbono nessa modalidade pode ocorrer de duas formas:1)quando países desenvolvidos ou suas entidades legais autorizadas se reúnem em fundos de investimentos (como no Fundo Protóripo de Carbono do Banco Mundial) e adquire certificados de um país em desenvolvimento; ou quando países ou suas entidades legais autorizadas estabelecem centros de intercâmbios (Bolsas ou clearing houses) e negociam os créditos de carbono mediante compra e venda.
O mercado de créditos de carbono necessita de direitos bem definidos,
executáveis e transferíveis. Negociar créditos de carbono no mercado internacional consiste
em comprar uma permissão para emitir gases do efeito estufa. O valor dessa emissão deve ser
necessariamente inferior ao valor da multa a ser paga caso a meta quantificável não seja
cumprida. Na prática, comprar créditos de carbono significa obter um desconto na multa
devida, de modo que uma permissao equivale a uma vantagem ou um direito de quase-
propriedade.
Os limites dessa propriedade devem ser definidos pelo Estado. O monitoramento e
a execucao cuidadosa sao de extrema importancia para amenizar possíveis conflitos,
oferecendo maior segurança jurídica na transação. Ainda que a permissão autorize o
proprietario usufruir os benefícios do uso, de sua posse e/ou propriedade, as restricoes legais
podem impedir o potencial lucro oriundos de sua comercialização. As permissões para
emissão de determinada cota de gases poluentes é definida por lei, mais precisamente no ato
legal que estabelece o sistema.
Do ponto de vista jurídico; as permissoes flutuam entre o direito público e o
direito privado, permeiam entre uma concessao administrativa e uma propriedade privada.
Ante este dualismo, a distincao entre o status de direito público e de direito privado é de suma
importância na aplicação do regime tributário, isto é, na definição de um tratamento aplicável
as permissoes. LIMIRO (2009, p. 116) aponta os elementos das Reducoes Certificadas de
Carbono :
Cada RCE deve ter um único número de série e, ainda, possuir cinco elementos:- período de compromisso, para o qual a RCE é emitida;- parte de origem, que é a Parte anfitriã da atividade de projeto do MDL, para a qual será necessário usar o código de duas letras do país, definido pela isso 3166;- tipo, que irá identificar a unidade como uma RCE;
30
- unidade, que é um número único para a RCE relativo ao período de compromisso identificado e à Parte de origem;- identificador do projeto, o qual é um número único de atividade de projeto do MDL para a parte de Origem.
Os certificados sao “taxados” a 2% do seu valor para financiar um fundo de
auxílio aos países mais vulneraveis. A introducao de uma “taxa” internacional através de
acordo intergovernamental não foi algo de fácil efetivação. A instituição de uma “taxa”, na
maior parte dos países, pertence à competência exclusiva dos parlamentos devendo ser
utilizada para fins específicos. Ainda que em relutância a “taxa” foi aceita e denominada
fração dos fundos. O referido recolhimento tem o intuito de adaptacao destes países as
alteracoes climatica. Esclarece LIMIRO (2009, p. 87):
Determina o art. 12, em seu § 8º, do Protocolo de Kyoto que parte dos fundos provenientes das atividades de projetos certificadas deve ser utilizada para cobrir despesas administrativas, assim como assistir às Partes países em desenvolvimento que sejam particularmente vulneráveis aos efeitos da mudança do clima para fazer face aos custos de adaptacao”.Ao regulamentar tal dispositivo, o § 15, em suas alíneas “a” e “b”, da Decisão 17/CP.7, estabelece que a fração das receitas para auxiliar as Partes países em desenvolvimento particularmente vulneráveis à mudança do clima a cobrir os custos de adaptação deve corresponder a 2% das reduções certificadas de emissões para uma atividade de projeto de MDL, bem como dispôs que “as Partes países menos desenvolvidas devem ser isentas da parcela das receitas para auxiliar nos custos de adaptação.
Os custos administrativos também serao retirados do procedimento dos projetos
de MDL e os projetos de pequena escala nos países menos desenvolvidos nao serao
onerados.27
Outro ponto que merece destaque refere-se a possibilidade das parte do Anexo I
possuírem a permissao de autorizar entidades jurídicas a participarem, sob sua
responsabilidade, de acoes que promovam a geracao, a transferencia ou a aquisicao de
unidades de reducao de emissoes (art. 6º, § 3º, Protocolo de Quioto). O protocolo nao tracou
qualquer diretriz acerca dos direitos e obrigacoes a entidades do setor privado, assim,
referidos direitos devem ser criados por meio de legislacao de cada governo.
Conforme SILVA (2010, texto digital) o Brasil foi o primeiro país em
desenvolvimento a ter um projeto aprovado de mecanismo de Desenvolvimento Limpo. O
projeto aprovado foi um aterro sanitário em Nova Iguaçu, no Estado do Rio de Janeiro, no
27Art. 12, § 8º, do Protocolo de Quioto: A Conferencia das Partes na qualidade de reuniao das Partes deste Protocolo deve assegurar que uma fracao dos fundos advindos de atividades de projetos certificadas seja utilizada para cobrir despesas administrativas, assim como assistir as Partes países em desenvolvimento que sejam particularmente vulneraveis aos efeitos adversos da mudanca do clima para fazer face aos custos de adaptacao.
31
qual foi previsto uma redução de aproximadamente 14 milhões de toneladas de dióxido de
carbono. Estima-se que essa redução ocorrerá nos próximos 21 anos e o metano gerado com o
aterro será utilizado para gerar eletricidade.
YU (2004, p. 180) afirma que a empresa brasileira “Plantar” situada em Curvelo,
próximo a Belo Horizonte, estava prestes a falir, quando em 2005, com a entrada em vigor do
Protocolo, a empresa fechou um contrato de 5,3 milhões de dólares com o Banco Mundial
para a negociação dos créditos de carbono.
O mercado de crédito de carbono tende a ser ainda mais atrativo se aos olhos dos
investidores estrangeiros for oferecida uma maior segurança jurídica nas transações
comerciais, o que se adquire através de leis específicas regulamentando a matéria e demais
incentivos na implementação dos projetos de MDL. As incertezas geradas pelas indefinições
jurídicas limitam a expansão desse mercado.
O mercado brasileiro de redução de emissões corresponde a uma iniciativa do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da BM&F. Todavia inexiste
no Brasil uma regulação tributária específica para a comercialização dos créditos de carbono.
A ausência de uma regulação específica compromete a segurança jurídica e confiança nas
negociações. Há a uma lacuna a ser preenchida, existe a necessidade de um marco regulatório
para o mercado de carbono, principalmente no que se refere a natureza jurídica das Reduções
Certificadas de Emissões que são geradas pelos Projetos de MDL (RCE's), bem como o
regime tributário aplicável.
2.2 Natureza Jurídica das Reduções Certificadas de Emissões
Como foi explicado, a Reducao Certificada de Emissao (RCE) é um instrumento
passível de transação e representa um direito de emitir certa quantidade de gases do efeito
estufa na atmosfera. Os créditos de carbono são emitidos por órgãos transnacionais e supra-
governamentais, contudo as entidades privadas podem transacionar o direito indicado na RCE
e, assim, pode ser este fruto de apropriação.
As RCEs apresentam como características a transferibilidade, isto é, a
possibilidade de que o titular desse direito possa cede-lo ou vende-lo a outra entidade; a
exclusividade, posto que até o momento nao foi discutida a hipotese de que existam dois ou
mais titulares sobre uma mesma RCEs; a durabilidade, pois podem ser reservados ou
32
guardados para o segundo período de compromisso; e por fim, a seguranca, ja que possuem
dados específicos com o intuito de individualiza-los e a sua transferencia é realizada através
de registros criados especificamente para essa função.28
Ainda nao se obteve um acordo sobre a natureza jurídica das RCEs. A definição
da natureza jurídica, se consiste em bem corpóreo ou incorpóreo, fungível ou infungível, tem
conseqüências diretas no direito tributário e no direito comercial. Registre-se que apenas o
Conselho Executivo do MDL localizado em Bonn na Alemanha na sede do Secretariado da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima pode emitir as RCEs.
Acerca de uma definição jurídica para os créditos de carbono argumentam MACHADO
FILHO; SABBAG (2008, texto digital):
[...] não poderão os países regulamentar a natureza jurídica da própria CER ou a forma pela qual ela deve ser transacionada internacionalmente, pois esta atribuição está fora da sua jurisdição nacional.O que os países podem fazer, conforme será abordado no decorrer deste trabalho, é estabelecer mercados internos para negociar um “espelho” da CER bem como definir a natureza jurídica deste “espelho” para fins exclusivos de mercado interno sobre o qual os países possuem jurisdição. Estas negociações no mercado interno poderiam ser espelhadas no Sistema de Registro no âmbito do Protocolo de Quioto, por meio da liquidação física das transações ocorridas no mercado interno por intermédio da transferência das respectivas CERs entres contas neste Sistema de Registro no âmbito do Protocolo de Quioto.
[…]
No entanto, nesses casos não se está transacionando a CER em si, mas derivativos, ou seja, “um ativo financeiro que deriva, integral ou parcialmente, do valor de outro ativo financeiro”, qual seja, o ativo intangível correspondente à unidade CER emitida ou a ser emitida pelo Conselho Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto, localizado em Bonn, na Alemanha. É este derivativo de Redução Certificada de Emissão, o qual poderia ser chamado de DRCE, que merece regulamentação pelo direito nacional. O DRCE também equivaleria, portanto, a uma unidade RCE emitida pelo Conselho Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo em Bonn, Alemanha, em conformidade com o artigo 12 do Protocolo de Quioto e as decisões pertinentes da Conferência das Partes na qualidade de reunião das Partes do Protocolo de Quioto. Esta seria a definição do DRCE para fins de fomento do mercado brasileiro de carbono, pois ainda não se ousaria classificar a natureza jurídica stricto sensu da RCE.Isto porque, a definição imediata e sem um aprofundamento teórico prévio acerca da natureza jurídica stricto sensu da RCE, dadas as grandes incertezas relacionadas ao tema, poderia até mesmo prejudicar a evolução e consolidação do Brasil como um importante pólo de geração e negociação de RCEs na América Latina, pois eventuais regras burocráticas e tributárias poderiam dificultar o pleno
28Decisao 17/ CP 7, Apendice D: “1. O conselho executivo deve estabelecer e manter um registro do MDL para assegurar a contabilizacao acurada da emissao, posse, transferencia e aquisicao de RCEs pelas Partes nao incluídas no Anexo I. O conselho executivo deve identificar um administrador do registro que mantenha o registro sob sua autoridade. [...] 7. Cada RCE deve ter um único número de série, contendo os seguintes elementos: (a) Período de compromisso: o período de compromisso para o qual a RCE é emitida; (b) Parte de origem: a Parte que foi anfitria da atividade de projeto do MDL, utilizando o codigo de duas letras do país, definido pela ISO 3166; (c) Tipo: deve identificar a unidade como uma RCE; (d) Unidade: um número único para a RCE relativo ao período de compromisso identificado e a Parte de origem; (e) Identificador do projeto: um número único de atividade de projeto do MDL para a Parte de origem”.
33
desenvolvimento deste mercado. Ressalta-se que nenhum país do mundo definiu a natureza jurídica stricto sensu da RCE.
Ainda que nenhum país do mundo tenha definido a natureza stricto sensu da RCE,
conforme acima observado, a conceituação da natureza jurídica de uma RCE é necessária para
que possam ser devidamente negociadas e seus benefícios desfrutados, trazendo mais
estabilidade ao mercado de carbono. Nesse ponto, explica ABREU (2006, texto digital):
O Brasil é visto como um dos pioneiros em viabilizar projetos de MDL e no futuro próximo deverá tomar medidas a fim de solidificar seu potencial de atração de investimentos, haja vista a competência acirrada que China e Índia deverão imprimir neste mercado. Uma das principais medidas a ser adotada pelo Brasil se refere à definição da natureza jurídica do crédito de carbono, que dará ensejo à definição de outras questões que hoje são controversas, a saber: (i) a tributação que deverá recair sobre os CERs; (ii) a contabilização dos mesmos no balanço das empresas, além da (iii) regulação do fluxo de recursos para o Brasil e para o exterior decorrente de negociações com CERs. Referidas providências trarão maior segurança aos investidores neste mercado. Na competição por atração de investimentos, cabe às autoridades brasileiras o papel de incentivar este mercado. O país que sair na frente deverá colher os frutos do pioneirismo. Neste sentido, a celeridade das providências visando fomentar este mercado deverá ter papel decisivo na captação de investimentos. Exemplo de iniciativa que poderia ter um grande impacto neste mercado no Brasil seria a eventual concessão de isenção tributária na comercialização dos CERs. Apesar da China e da Índia estarem correndo por fora e alardearem seu interesse na atração de investimentos em projetos de MDL, ao meu ver, o Brasil estaria hoje mais bem posicionado para capitalizar maiores benefícios, haja vista o ambiente político do país, as oportunidades relacionadas ao tamanho do seu território e a maior facilidade de interagir com países de cultura ocidental. Cabe às autoridades brasileiras reconhecerem esta vantagem e tomar as medidas necessárias para implementar o Mercado de Carbono no Brasil.
Há aqueles que consideram uma RCE como um direito de emitir uma tonelada de
GEEs na atmosfera, para outros é um serviço regulamentado pelo regime da Organização
Mundial do Comércio (OMC) e outros ainda a consideram como um título. A lista de
classificação setorial de serviços da OMC não traz catalogada a redução certificada de
emissão, razão pela qual se conclui que não constitui um serviço. O posicionamento
majoritário define o crédito de carbono como bem intangível puro. Contudo, há
posicionamentos que atribuem às RCEs a categoria de commodity ambiental, mercadoria,
serviço, valor mobiliário e ainda derivativo (SANTOS, texto digital).
SISTER (2008, p. 45) trata a matéria a partir de uma concepção civilista. O
mencionado autor compreende que os objetos que concedem utilidade ao homem dividem-se
em coisas e bens. Os bens devem necessariamente apresentar valor econômico, já as coisas,
são simplesmente algo que existem no mundo dos fatos. Dessa forma, os bens são espécies
das coisas, ainda que nem todas as coisas possam ser classificadas como bem. Conclui que se
34
os créditos de carbono podem ser sujeitos à apropriação pelo homem e possuem valor
econômico, devem ser considerados bens.
Adotando-se a visão de Sister, imprescindível conceituar o significado de bem
através de uma análise jurídica. O Código Civil divide os bens em: imóveis, móveis,
fungíveis, infungíveis, singulares ou coletivos. Além dessa classificação legal existe a
dicotomia entre bens corpóreos e incorpóreos, fundamental para o estudo em questão.
No que se refere acerca da classificação dos bens em corpóreos e incorpóreos,
VENOSA (2006, p. 82) define bens corpóreos como sendo aqueles que nossos sentidos
podem perceber. Já os incorpóreos, seriam aqueles que não têm existência tangível, mas que
apresentam valor econômico, ou não seriam bens. Prossegue o referido autor sustentando que
os bens corpóreos estão sujeitos à compra e venda, enquanto que os bens incorpóreos estão
sujeitos à cessão.
Quanto a origem e o proposito da divisao entre bens corporeos e bens incorporeos,
GOMES (2001, p. 211/212) esclarece que:
A divisao vem dos romanos (res corporales e res incorporales). Apesar de ter suscitado dúvidas na sua compreensao, é interessante conserva-la, mormente porque o regime da circulacao da riqueza alarga atualmente a orbita onde gravitam os direitos sobre direitos. Reserve-se a denominacao coisa para os objetos materiais, mas nao se esqueca de que, ao lado dos corpos, ha bens que, embora incorporeos, constituem objeto de relacoes jurídicas. Uma vez se admita, e nao se pode deixar de reconhecer, que tanto os objetos materiais como os imateriais sao suscetíveis de medida de valor, tem-se de aceitar a sua distincao, porque a uns e outros nao se pode dispensar tratamento jurídico igual.
No que se refere às diferenças entre bens móveis e imóveis, complementa
GONÇALVES (2008, p. 244/246):
Os bens imóveis, denominados bens de raiz, sempre desfrutaram de maior prestígio, ficando os móveis relegados a plano secundário. No entanto, a importância do bem móvel tem aumentado sensivelmente no moderno mundo dos negócios, em que circularam livremente os papéis e valores dos grandes conglomerados econômicos, sendo de grande importância para a economia o crédito, as energias, as ações de companhias particulares, os títulos públicos, as máquinas, os veículos, etc.Os principais efeitos práticos dessa distinção, que denotam a sua importância, são:a) Os bens móveis são adquiridos, em regra, por simples tradição, enquanto os imóveis dependem de escritura pública e registro no Cartório de Registro de Imóveis (CC, arts. 108, 1.226 e 1.227).b) A propriedade imóvel pode ser adquirida também pela acessão, pela usucapião e pelo direito hereditário (CC, arts. 1.238 a 1.244, 1.248 e 1.784); e a mobiliária pela usucapião, ocupação, achado de tesouro, especificação, confusão, comistão, adjunção (CC, arts. 1.260 a 1.274).c) Os bens imóveis exigem, para serem alienados, hipotecados ou gravados de ônus real, a anuência do cônjuge, exceto no regime da separação absoluta (CC, art. 1.647, I), o mesmo não acontecendo com os móveis.d) Usucapião de bens imóveis requer prazos mais dilatados (5, 10 e 15 anos) do que a de bens móveis (três e cinco anos), conforme dispõe a Constituição Federal, nos arts. 183 e 191, e o Código Civil, nos arts. 1.238, 1.239, 1.240, 1.242, 1.260 e 1.261.
35
e) Hipoteca é direito real de garantia reservado aos imóveis, com exceção dos navios e aeronaves (CC, art. 1.473), enquanto o penhor é reservado aos móveis (art. 1.431).f) Só os imóveis são sujeitos à concessão da superfície (art. 1.369), enquanto só os móveis prestam-se ao contrato de mútuo (art. 586).g) No direito tributário, os imóveis estão sujeitos ao imposto de sisa (ITBI – Imposto de Transmissão de Bens Imóveis,em caso de alienação inter vivos), bem como aos impostos territorial, predial e de transmissão mortis causa, enquanto a venda de imóveis é geradora de ICM – Imposto de Circulação de Mercadorias, de imposto sobre produtos industrializados e de transmissão mortis causa.h) No direito penal, somente os móveis podem ser objeto de furto ou roubo (CP, arts. 155 e 157).i) No direto processual civil, as ações reais imobiliárias exigem a citação de ambos os cônjuges (CPC, art. 10, parágrafo único).j) São maiores as exigências legais para a venda de bens imóveis pertencentes a incapazes sob o poder familiar, tutela e curatela, do que para a dos bens móveis.l) Somente imóveis podem ser objeto de bem de família (CC, art. 1.711).
Assim, através das concepções civilistas expostas, os créditos de carbono podem
ser enquadrados como bens incorpóreos, imateriais ou intangíveis, pois não possuem
existência física, são uma abstração do direito não possuindo existência material, no entanto
sao reconhecidos pelo ordenamento jurídico, sendo passíveis de comercializacao e
conseqüentemente auferindo valor econômico.
As RCEs, conforme anteriormente mencionado, são certificados que atestam o
cumprimento das normas do MDL, ou seja, atestam a redução das emissões ou o seqüestro de
carbono segundo o projeto aprovado. Nessas condições, caracterizam-se como sendo direitos
sem existência tangível, mas que apresentam valor econômico, amoldando-se fielmente ao
conceito de bem intangível.
Além do âmbito civilista da natureza jurídica dos créditos de carbono, há outras
duas acepções que caracterizam as RCEs: commodity ou valores mobiliários. SANDRONI
(2005, p. 73) esclarece que o termo commodity do inglês equivale ao nosso termo
“mercadoria”. O referido autor ensina que o termo em comento designa tipo determinado de
“mercadoria”, isto é, produtos em estado bruto ou produto primário de importância comercial,
como é o caso do café, chá, algodão, juta, estanho, cobre e etc.
FORTUNA (2004, p. 23), autor ligado às ciências econômicas, define commodity
como sendo “todo e qualquer produto variável macroeconômico cuja incerteza quanto ao seu
preço futuro possa influenciar negativamente na atividade econômica”. MELO (2006, p. 16),
por sua vez, define mercadoria como um bem corpóreo vinculado à atividade de cunho
empresarial do produtor, industrial e comerciante, cujo intuito consiste na sua distribuição
para consumo.
Para SOUZA (2008, p. 55), os créditos de carbono não devem ser tratados como
commodities, pois o sequestro do carbono é entendido como um processo. Dessa forma, não
36
estariam preenchidos os pressupostos necessários ao seu reconhecimento como uma
mercadoria, quais sejam: bens móveis, corpóreos, tangíveis ou semoventes, ou papel moeda,
títulos de fundos e outros.
ALMEIDA (2005, texto digital), por sua vez, ressalta que os créditos de carbono,
ainda que incorpóreos, existem para a ordem jurídica, possuem valor econômico e, portanto,
são passíveis de negociação. Assim, o autor conclui que os créditos de carbono seriam direitos
de seus detentores, bens incorpóreos e intangíveis, de modo que não podem ser classificados
como commodities.
A possibilidade de receber as RCEs como commodities também é afastada por
Sister, que compreende que o termo commodity está vinculado com um produto em estado
bruto ou primário com valor comercial, requerendo a existência de um bem corpóreo e
fungível. O autor também segue a linha dos demais doutrinadores entendo as RCEs como
bens incorpóreos. Explica SISTER (2007, p. 39):
[...] deduz-se que commodity deve representar mercadorias apenas individualizadas pelo seu genero e espécie e que possam ser substituídas por outras de mesma natureza. Ademais, como visto, a commodity pressupoe necessariamente a existencia material de um bem que se sujeita a distribuicao para consumo. Portanto, o uso do termo commodity, em qualquer situacao, importa reconhecer que o objeto referido é fungível e inclui-se essencialmente na classificacao de bem corporeo sujeito a mercancia.Por tudo quanto fora exposto no topico anterior, observou-se que as RCEs derivam de um processo individual e único de aprovacao no qual a parte interessada submete um projeto específico a aprovacao de um orgao qualificado para sua analise, sendo que, em momento algum, as RCEs se dissociam do projeto que as gerou.Desse modo, e por haver um inerente grau de dependencia entre as RCEs e os projetos de MDL que as geram nao me parece aceitavel que tais instrumentos possam ser tratados como bens de natureza infungível.
Assim, as commodities representam mercadorias individualizadas em seu gênero e
espécie, isto é, são bens fungíveis e corpóreos destinados ao comércio, de modo que quando
necessário são substituídas por outras da mesma natureza, pressupondo, assim, a existência
material de um bem que se sujeite ao consumo. Ocorre que as reduções certificadas surgem de
um processo individual de aprovação em órgão autorizado, não sendo desvinculadas do
processo utilizado para sua formação, razão pela qual, mostram-se bens infungíveis. Dessa
forma, conclui-se que commodity é um bem corpóreo - o que vai de encontro com a natureza
jurídica anteriormente exposta, inexistindo, portanto, elementos sólidos para a classificação
das RCEs como commodities.
37
No que se refere sobre a possibilidade de classificarem os créditos de carbono
como valores mobiliários, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) descartou referida
hipótese através de parecer proferido em processo administrativo CVM nº RJ 2009/6346. Não
obstante tal decisão, já houve tentativas de negociação de tais créditos na Bolsa de
Mercadorias e Futuros (BM&F) como derivativos. No Congresso Nacional tramitam cerca de
vinte projetos de lei com diferentes tratamentos para as RCE's. Enquanto alguns deles
conferem aos créditos de carbono natureza de valores mobiliários, e determinam sua
comercialização na CVM (Projeto de Lei 3.552/04), há outros que propõem a isenção do IOF.
O Projeto de Lei no 3.552/200429 cujo autor foi o deputado Eduardo Paes do
PSDB-RJ, em seu artigo 4º30 estabeleceu a natureza jurídica de valor mobiliário para as RCEs,
ficando assim, submetida a Comissão de Valores Mobiliários, autarquia criada e regulada pela
Lei n. 6.385/76.
29Justificativa do projeto: “Existem vários benefícios para o Brasil com a implantação de um mercado de carbono: desenvolvimento de um mercado de permissões, em lugar de um sistema de impostos; uso de incentivos econômicos e alinhamento com investimentos em outros setores produtivos, tais como florestamento ou reflorestamento e energia renovável; identificação e superação de uma falha de mercado; desenvolvimento de um mercado global, enfatizando especializações regionais e economias de escala; sinergia entre mercados financeiros especialmente os de commodities e câmbio; e estreitamento da cooperação internacional. A Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima será a Autoridade Nacional Designada para o MDL, e o seu objetivo é aprovar ou não os projetos de MDL no Brasil, deverá verificar se estes projetos estão cumprindo com o seu duplo objetivo: redução das emissões de GEE e/ou remoção de CO2 atmosférico; e a promoção do desenvolvimento sustentável. A natureza jurídica das Reduções Certificadas de Emissões constitui tema controvertido, ainda em aberto, sendo certo que possui particularidades próprias, inexistentes em outros institutos. Entretanto, independentemente de ser derivativo ou tão-só ativo, face às possibilidades eminentes que surgem com a institucionalização de um mercado para negociá-las, em especial para o País e particularmente no Estado do Rio de Janeiro, que, será o recebedor de divisas e tecnologias, sua importância é clara, pelo que devem submeter-se à regulação da Comissão de Valores Mobiliários, visando, em suma, a proteger os investidores, assegurar a competição no mercado e diminuir os riscos sistêmicos. A Comissão de Valores Mobiliários, fruto de descentralização administrativa, é uma entidade autárquica em regime especial, agência reguladora vinculada ao Ministério da Fazenda, mas sem subordinação hierárquica, dotada de personalidade jurídica e patrimônio próprios, bem assim de autonomia financeira e orçamentária, de cujas funções, tipicamente estatais, desincumbe-se mediante decisões marcadamente técnicas e despolitizadas, capazes portanto de dar credibilidade ao mercado. De toda sorte, a importância do novel mercado de RCEs é evidente, sobretudo para os países em desenvolvimento, como o Brasil, devendo submeter-se, à competência administrativa desta CVM, como firmada em sua lei de regência, bastando, para tanto, atribuir-se às RCEs, por Lei, a natureza jurídica de valor mobiliário. Já o papel da Bolsa de Mercadoria e Futuros – BM&F avulta, não só como agente para a organização do mercado físico dos certificados, como para o desenvolvimento do mercado secundário e de derivativos. A BM&F pode utilizar seu posicionamento financeiro e sistema político para impulsionar o mercado. Ademais a BM&F certamente irá reavivar o mais antigo mercado financeiro do Brasil, voltando a operar na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – BVRJ. Num futuro próximo a BVRJ estará sediando um mercado a nível internacional, concentrando e dando liquidez às operações da BM&F voltadas para o mercado de energia, petróleo, gás natural e também de carbono ou RCE. Desta forma, conto com a colaboração dos Parlamentares para aprovar a presente proposição sobre organização e regulação das RCEs, que visa a exaurir o assunto, incentivando o desenvolvimento sustentável no Brasil, através do crescimento eficaz e seguro do mercado de carbono”. 30Art. 4o - Enquanto título, as RCEs, possuem natureza jurídica de valor mobiliário para efeito de regulação, fiscalização e sanção por parte da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, sujeitando-se portanto ao regime da Lei 6.385 de 07 de dezembro de 1976.
Parágrafo Único - Após aprovação pela Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, a CVM fica responsável pelo registro e validação das entidades operacionais designadas.
38
A Lei n. 6.385/76, que criou a CVM, em seu art. 2º, elencou os instrumentos que
estão vinculados ao conceito de valores mobiliários. Contudo, a partir da edição da Medida
Provisória n. 1.637/98, convertida posteriormente na Lei n. 10.198/2001, modificou-se a
legislação quanto à regência do mercado de capitais. Esta alteração foi incorporada ao texto
da Lei n. 6.385/76 por meio do art. 4º da Lei n. 10.303/2001, o qual sistematizou os valores
mobiliários, no entanto, não esclareceu à sua definição. Nesse sentido explica SISTER (2008,
p. 46/47):
A inserção do item XI ao art. 2o da Lei n. 6.385/76 pela Lei n. 10.303/2001, trazendo a figura do contrato de investimento coletivo publicamente ofertado e que, para muitos, fez adotar o largo conceito de security do direito norte-americano, não foi suficiente para inserir as RCEs no conceito de valores mobiliários. […] Esta conclusão decorre de três pontos: (i) as RCEs não podem representar ”investimentos oferecidos ao público” mediante “aplicação feita em dinheiro, bens ou serviços”, tendo em vista que importam em simples reconhecimento de que houve a redução de determinada quantidade de emissão de gases causadores do efeito estufa em decorrência de projeto de MDL; (ii) inexiste, no caso das RCEs, “direito de participação, de parceria ou de remuneração” gerado a partir da emissão do referido instrumento e; (iii) a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) reconheceu que – “somente poderão emitir títulos ou contratos de investimento coletivo para distribuição pública as sociedades constituídas sob forma de sociedade anônima”. Fato é que as RCEs são emitidas pelo Conselho Executivo do MDL, não ocorrendo tal situação na esfera do mercado de carbono, o que comprova que as RCEs são ativos que não se submetem ao conceito de valor mobiliário.
COELHO (2006, p. 136), no que concerne ao conceito de valor mobiliário,
entende que “[...] são instrumentos de captação de recursos, para o financiamento da empresa,
explorada pela sociedade anônima que os emite, e representam, para quem os subscreve ou
adquire, uma alternativa de investimento [...]”.
A CVM emitiu comunicado em julho de 2009, negando a natureza jurídica de
valor mobiliário aos créditos de carbono devido a forma de emissão das RCEs. Ocorre que a
instrução normativa n. 270/98 determinou que apenas as sociedades anônimas podem emitir
títulos para distribuição pública e, tendo em vista que as RCEs são expedidas pelo Conselho
Executivo do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), concluiu-se que os créditos de
carbono não poderiam ser considerados valores mobiliários.
Em 29.12.2009 foi publicada a lei n. 12.187/09 que instituiu a Política Nacional
sobre Mudanças Climáticas. Analisando referida lei, verifica-se que o art. 9º define os créditos
de carbono como valores mobiliários:
O Mercado Brasileiro de Redução de Emissões - MBRE será operacionalizado em bolsas de mercadorias e futuros, bolsas de valores e entidades de balcão organizado, autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, onde se dará a
39
negociação de títulos mobiliários representativos de emissões de gases de efeito estufa evitadas certificadas.
Ressalte-se que a conceituação quanto à natureza jurídica das RCEs, em títulos
mobiliários ou valores mobiliários, embora semelhantes, tais termos possuem significados
distintos. SISTER (2008, p. 41) afirma que embora as RCEs possam assemelhar-se aos títulos
mobiliários, estes devem necessariamente corresponder a uma obrigação de natureza
pecuniária a ser cumprida pelo emissor. Todavia, o Conselho Executivo do MDL, responsável
pela emissão das RCEs, não possui qualquer relação obrigacional pecuniária em relação ao
sujeito que a originou, não sendo possível, assim, o enquadramento das RCEs como títulos
mobiliários.
Há, ainda, um questionamento a respeito de serem os créditos de carbono bens
intangíveis puros ou derivativos. Os derivativos, conforme definição extraída do dicionário de
finanças da Bovespa, são ativos financeiros ou valores mobiliários cujo valor e características
de negociação derivam do ativo que lhes serve de referência, de tal forma que, nas operações
do mercado financeiro envolvendo derivativos, o valor das transações deriva do
comportamento futuro de outros mercados, como o de ações, câmbio ou juros.
ALMEIDA (2005, texto digital) explica que os derivativos são ativos financeiros
ou valores mobiliários com a função essencial de formar preços. Dessa forma, os derivativos
são provenientes do ativo que lastreia a operação. Ocorre que os créditos de carbono não
derivam de nenhum outro ativo. SOUZA (2008, texto digital), defende que os créditos de
carbono derivam dos projetos de MDL, porém não derivam de um lastro financeiro, razão
pela qual também não se classificam como derivativos. Para ALMEIDA (2005, texto digital)
as RCEs teriam a natureza econômica de ativos intangíveis puros, já que nem sua natureza
nem seu valor derivam de qualquer outro ativo ao qual estejam vinculado.
Os créditos de carbono também poderiam ser compreendidos como títulos de
crédito que nas palavras COELHO (2011, p. 265) podem ser definidos da seguinte forma: “os
títulos de crédito são documentos representativos de obrigações pecuniárias. Não se
confundem com a própria obrigação, mas se distinguem dela na exata medida em que a
representam." SOUZA (2008, texto digital) afasta a ideia, pois as operações realizadas com as
Reduções Certificadas de Carbono não envolvem o resgate do valor pela compensação ou
pagamento em espécie, não configurando, portanto, uma operação de crédito em sentido
estrito.
40
SISTER (2009, p. 42) sustenta que as Reduções Certificadas de Emissões não
consistem em investimentos oferecidos ao público através aplicação feita em dinheiro, bens
ou serviços, pois representam apenas simples reconhecimento de que houve redução na
emissão de gases efeito estufa (GEE).
Discute-se, também, a possibilidade de classificar os créditos de carbono como
direito dos seus detentores e, por consequência, a negociação seria feia através de cessão de
crédito entre os interessados. Assim como ALMEIDA, SOUZA também é adepto desta linha
de pensamento, mas alerta para a natureza jurídica híbrida dos ativos, isto é, o enquadramento
depende do ambiente de comercialização. Assim, quando negociado publicamente teriam
natureza jurídica de valor mobiliário, mas quando comercializados bilateralmente poderiam
ser classificados como ativo inatingível.
Ante o exposto, mostra-se evidente a importância de uma definição clara acerca
da natureza jurídica da Reduções Certificadas de Emissões, pois conforme a classificação
atribuída haverá modificações no tratamento tributário aplicado às negociações. Ainda que o
regime jurídico acerca do combate às mudanças climáticas tenha evoluído persistem muitas
incertezas acerca dos projetos de MDL, principalmente no que se refere à natureza jurídica
das RCEs e à ausência de um regime tributário, contudo resta evidente pelo analisado, que os
créditos de carbono representam um híbrido entre um direito puramente público e outro
direito puramente privado e é dentro deste cenário que o debate acerca da definição da
natureza jurídica das RCEs deve permanecer.
3. CAPÍTULO 3: ASPECTOS TRIBUTÁRIOS RELATIVOS ÀS RCEs
41
3.1 Considerações Iniciais acerca do Conceito e do Papel do Tributo
As ações do homem alteram o ambiente e, em alguns casos, geram degradações.
Assim, o Estado pode e deve assumir o papel de interventor, utilizando diversos instrumentos
para amenizar a consequência dessas ações. Entre as possíveis formas de intervenção do
Estado na sociedade existe a tributação. Assim, no que se refere ao papel da tributação como
instrumento da sociedade, esclarece PAULSEN (2008, p. 19):
O elenco de competências e o estabelecimento de limitações durante muito tempo era visto como efetiva contenção do poder de tributar do Estado.Tal perspectiva passou a se alterar ao longo do último século de modo que se tornasse mais claro que a tributacao nao constitui propriamente uma concessao da sociedade em favor do Estado, tampouco uma exigência unilateral deste, mas, sim, instrumento da própria sociedade no sentido da viabilização da manutenção da máquina pública estruturada conforme os anseios desta mesma sociedade, representada na sua condução pelos titulares dos cargos eletivos. Daí o surgimento da noção de que a obrigação de pagar tributos constitui dever fundamental do indivíduo, responsável que é pela manutenção da sociedade que integra.
Neste mesmo sentido complementa TIPKE; YAMASHITA (2002, p.13):
O dever de pagar impostos é um dever fundamental. O imposto não é meramente um sacrifício, mas sim, uma contribuição necessário para que o Estado possa cumprir suas tarefas no interesse do proveitoso convívio de todos os cidadãos. O Direito tributário de um Estado de Direito não é o Direito técnico de conteúdo qualquer, mas ramo jurídico orientado por valores. O direito Tributário afeta não só a relação cidadão / Estado, mas também a relação dos cidadãos uns com os outros. É direito da coletividade.
BECKER (2002, p. 596), afirma que o Direito Tributário não possui objeto
próprio, é apenas um instrumento a serviço de uma política, de modo que esta (a Política) é
que tem os seus próprios e específicos objetivos econômico-sociais.
A competência tributária é exercida através de lei que caracteriza determinadas
situações como geradoras da obrigação de pagar determinado tributo. DENARI (1993, p. 35)
explica que o fato gerador pode ter dois sentidos; o primeiro deles está vinculado a uma
situação prevista em lei que traz uma hipótese de incidência, já o segundo sentido consiste na
prática em si do fato gerador e na consequente incidência tributária, isto é, o fato jurídico
tributário ou fato imponível. Doutrinariamente o primeiro sentido é conhecido com abstrato e
o segundo como concreto. Com o fato gerador, nos termos do Código Tributário Nacional
(CTN), surge o nascimento da obrigação tributária que é ex lege. ou seja, depende da lei e
independe da vontade do sujeito passivo.
42
A obrigação tributária é um dever do sujeito passivo. É um dever que o sujeito
passivo tem em virtude da prática do fato gerador. Contudo, o fato gerador, por si só, não cria
o tributo, é necessário indicar a base de cálculo que consiste no montante sobre o qual o
tributo será recolhido. Além disso, é preciso estabelecer a alíquota - o percentual aplicado
sobre a base de cálculo - e, por fim, é necessário determinar quem é o sujeito ativo e quem é o
sujeito passivo, ou seja, credor e o devedor do tributo.
O conceito de tributo está previsto no art. 3º31, do CTN, que o define como toda
prestação pecuniária compulsória em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não
constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada. Assim, o tributo é uma prestação que se reverte em dinheiro ao Estado
de forma compulsória obedecendo ao princípio da legalidade, isto é, a lei define como, por
que e quanto se deve pagar.
A maior parte da doutrina considera a existência de cinco espécies tributárias:
impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições. Os
impostos consistem em um tributo não vinculado, ou seja, o fato gerador dos impostos não
está vinculado a nenhuma atuação estatal, são pagos, pois o contribuinte, de alguma forma,
realiza atos que manifestam riqueza. As receitas dos impostos também não são vinculadas,
não há uma destinação específica.
31CTN, art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
43
As taxas estão previstas no art. 14532, II, da Constituição e depois, nos arts. 7733 e
seguintes do CTN. Diferentemente dos impostos, são tributos vinculados a uma atuação
estatal específica. A contribuição de melhoria está prevista no art. 145, III e a partir do art.
8134, do CTN e, assim como as taxas, é um tributo vinculado (sempre vinculado a uma
atuação estatal) exigido em virtude da valorização de imóvel decorrente de obras públicas. O
empréstimo compulsório está previsto no art. 14835 da Constituição Federal e consiste em um
tributo que atende a situações excepcionais constitucionalmente previstas instituído
exclusivamente pela União.
32CF, art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:I - impostos;II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços
públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade
econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
§ 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.33CTN, art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a impôsto nem ser calculada em função do capital das empresas.
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de intêresse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se: I - utilizados pelo contribuinte: a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título; b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição
mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento; II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de unidade,
ou de necessidades públicas; III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus
usuários. Art. 80. Para efeito de instituição e cobrança de taxas, consideram-se compreendidas no âmbito das
atribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, aquelas que, segundo a Constituição Federal, as Constituições dos Estados, as Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios e a legislação com elas compatível, competem a cada uma dessas pessoas de direito público.34Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.
Art. 82. A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos: I - publicação prévia dos seguintes elementos: a) memorial descritivo do projeto; b) orçamento do custo da obra; c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição;
44
As contribuições especiais ou parafiscais estão genericamente previstas no art.
149, da Constituição. São três as contribuições possíveis: as contribuições sociais, as
contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse das
categorias profissionais ou econômicas. Uma contribuição social visa a intervir, visa a
beneficiar a ordem social. Uma contribuição econômica visa a intervir e beneficiar a ordem
econômica e uma contribuição de interesse de categorias profissionais e econômicas visa a
beneficiar essas áreas objeto de intervenção.
No que se refere à incidência de tributos sobre a circulação das RCEs, diante das
incertezas acerca da natureza jurídica do crédito de carbono, é necessário considerar o
disposto na Lei n. 12.187/09, art. 9º, que trata as RCEs como valores mobiliários. No entanto,
parte da doutrina defende a natureza jurídica de bem incorpóreo ou intangível para os créditos
de carbonos, de modo que, até a elaboração e aprovação de um marco regulatório específico,
a discussão não se encontra encerrada e ambas as definições devem nortear a análise de um
possível regime tributário.
Ressalte-se que no decorrer do segundo capítulo ficou evidente a impossibilidade
de entender que as RCEs sejam comodities. Dessa forma, não incidem os impostos de
importação, de exportação, sobre circulação de mercadorias36 e sobre serviços de qualquer
natureza37, já que os créditos de carbono não recebem o mesmo tratamento que é dado às
d) delimitação da zona beneficiada; e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada
uma das áreas diferenciadas, nela contidas; II - fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação pelos interessados, de
qualquer dos elementos referidos no inciso anterior; III - regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se
refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação judicial. § 1º A contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra
a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização.
§ 2º Por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integram o respectivo cálculo.35Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:
I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".
Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição
36O Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) é um imposto estadual previsto no art. 155, II, da Constituição e incide sobre as operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.
37Já o Imposto sobre Serviços ISS é de competência municipal previsto no art. 156, III, da CF e recai sobre serviços de qualquer natureza, não compreendidos no no art. 155, II, definidos em lei complementar, ou seja, o
45
mercadorias. Conforme CARAZZA (2002, p. 119) a obrigação tributária só nasce diante da
plena e cabal identificação do conceito do fato ocorrido com o conceito da hipótese de
incidência. Assim, se o fato ocorrido é identificável como cessão de direitos não há como
subsumi-lo à hipótese de incidência vender mercadoria.
Esta pesquisa não tem o intuito de analisar a incidência de todos os impostos e
contribuições previstos na Constituição Federal, já que, conforme acima mencionado, alguns
não podem recair sobre a transação de bens intangíveis ou valores mobiliários. Serão
abordados os impostos e contribuições que podem incidir na comercialização das RCEs.
Quando pertinentes serão feitos apontamentos acerca da transação entre agentes nacionais
e/ou estrangeiros e os efeitos disso na tributação. Serão traçadas, também, considerações
acerca da pessoa física atuar como adquirente ou alienante de créditos de carbono. Feitas
essas ressalvas, passa-se a análise do regime tributário aplicável ao mercado de crédito de
carbono.
3.2 Aspectos tributários das RCEs
As RCEs, se entendidas como bem incorpóreo intangível, são transacionadas
através de cessões não havendo incidência de taxas ou contribuições de melhoria, pois aquelas
surgem em decorrência do poder de polícia do Estado ou pela utilização de serviços públicos,
e estas decorrem de obras públicas que valorizam imóveis vizinhos. Também não incidem os
empréstimos compulsórios em decorrência da natureza extraordinária sobre a qual recaem. No
entanto, em se tratando de imposto e contribuição social é necessária uma análise mais
profunda.
Quanto ao Imposto de Renda da Pessoa Física e Jurídica (IRPF/ IRPJ), o Código
Tributário Nacional, em seu artigo 4338, estabelece como fato gerador tudo aquilo que
serviço que vai ser tributado tem que estar fora do âmbito de competência do ICMS, sob pena de invasão de competência tributária. O ICMS incide sobre prestação de serviço interestadual, prestação de serviço intermunicipal e comunicação.38 Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não
compreendidos no inciso anterior. § 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da
localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. § 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições
e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.
46
concorre para o acréscimo patrimonial que no entendimento de CARAZZA (2005, p. 35)
consiste nos ganhos econômicos do contribuinte gerados por seu capital, por seu trabalho ou
pela combinação de ambos e apurados após o confronto das entradas e saídas verificadas em
seu patrimônio em um certo lapso de tempo. Além disso, FERREIRA (2010, p. 64) explica
que o imposto de renda recai também sobre a disponibilidade econômica ou jurídica da renda
ou dos proventos. A disponibilidade econômica é verificada no momento em que o
contribuinte39 recebe efetivamente a renda ou proventos e a disponibilidade jurídica provém
de mero crédito a favor do contribuinte que pode dele dispor, ainda que não o tenha
efetivamente recebido. Sobre o imposto de renda, discorre SILVA (2006, p. 274/275):
É o imposto mais importante e é o mais rentável do sistema tributário nacional; na sua concepção entram toda disponibilidade econômica ou jurídica proveniente do rendimento do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, assim como todo acréscimo ao patrimônio das pessoas físicas ou jurídicas; ´é um imposto que, além de captar receita adequada para os cofres públicos, é capaz, graças à flexibilidade de sua incidência, de promover a expansão econômica e corrigir as desigualdades da distribuição da renda social entre os indivíduos e entre as regiões do país´, mas não tem sido assim entre nós, pois sua administração fá-lo incidir mais onerosamente sobre as classes média-baixa e média-alta do que sobre as classes de rendas mais elevadas. É informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, e não incidirá nos termos e limites fixados em lei.
No que se refere a sua aplicação ao mercado de carbono, SISTER (2008, p. 115),
traça o seguinte cenário:
[...] as cessoes sao realizadas por titular de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, localizado no país, a cessionario localizado em país pertencente ao Anexo I da Convencao Quadro de Quioto. A cessao em questao é eminentemente onerosa, havendo contraprestacao a ser paga ao titular da Reducao Certificada de Emissao (RCE). A dita contraprestacao, independentemente do local de seu recebimento, deve representar a pessoa jurídica que a recebe o ingresso de receita traduzida por algo que se agrega ao seu patrimonio.
Quanto à base de cálculo, explica FERREIRA (2010, p. 65/67):
39CTN, art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis.
Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam.
47
A base de calculo do imposto de renda é o montante real, arbitrado ou presumido da renda ou dos proventos tributaveis, nos termos do art. 44 do CTN65. Assim, para o contribuinte pessoa jurídica, a base de calculo é o lucro que, segundo a legislacao pertinente pode ser: real ou presumido. Lucro real corresponde ao acréscimo efetivamente ocorrido no patrimonio da empresa, mediante o resultado apurado através de demonstracoes financeiras elaboradas nos termos da lei comercial.[…]O lucro presumido é uma faculdade conferida pela legislacao do imposto de renda as pessoas jurídicas que nao estejam obrigadas a tributacao com base no lucro real. O lucro presumido resulta de coeficientes definidos pela lei sobre a receita bruta anual, segundo a natureza da atividade desempenhada pela empresa, apurado nos termos do art. 25 da Lei 9.430/96.A base de calculo do imposto devido pela pessoa física no ano-calendario sera a diferenca entre as somas de todos os rendimentos percebidos ao longo do ano, exceto os isentos, os não-tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos á tributação definitiva, e as deduções referidas no inciso II do art. 8o da Lei 9.250/95.
Dessa forma, havendo a negociação interna ou externa e o preço de venda seja
superior ao de custo, nada obsta a incidência desse tributo, desde que a renda obtida não seja
empregada em novos projetos de MDL, caso em que é defensável a isenção tributária ou a
criação de alíquotas específicas, seja em função da matéria-prima, em função do produtor-
vendedor ou da região em que está sediada o projeto para que o alcance da participação no
mercado de crédito de carbono seja o mais variado e amplo possível. Por outro lado, há que se
levar em consideração a hipótese de que a renda obtida com os projetos de MDL fique restrita
às grandes corporações, não havendo uma distribuição com o pequeno produtor rural, caso
decida empregar o uso de tecnologia “limpa” à sua produção. Assim, dependendo da
destinação da renda obtida é justificável a incidência de IRPJ.
No que se refere à incidência do imposto de renda às pessoas físicas, ainda que
restrita sua participação, tanto na implantação do projeto de MDL como na aquisição dos
créditos de carbono, é necessário traçar algumas considerações acerca de uma tributação nesse
sentido. Existem dois momentos passíveis de tributação: o primeiro deles ocorreria no
momento da obtenção das RCEs após o cumprimento de todas as etapas de verificação e o
segundo momento corresponde a alienação das RCEs.
SISTER (2008, p. 75) traça o seguinte cenário: até a emissão da RCE o detentor
do projeto é responsável pelos custos necessários para a implantação do projeto, de modo que
o acréscimo patrimonial, tratando-se de pessoa física, se houver, será mínimo, motivo pelo
qual não há que se falar em renda e, portanto, restaria afastada a possível incidência do IR.
48
No que diz respeito ao segundo momento, ou seja, a alienação onerosa das RCEs,
oportunidade em que um montante mínimo de renda é auferido, a legislação prevê a
incidência de imposto de renda. No caso de transação de RCEs a serem emitidas, o tributo
deverá ser recolhido apenas quando entregue os créditos de carbono e verificado o respectivo
acréscimo patrimonial.
Em relação às pessoas jurídicas, além do IRPJ, deverá recolher a Contribuição
Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), já que a CSLL é apurada juntamente com o Imposto de
Renda. A CSLL esta prevista no art. 149 da CF, sendo instituída pela Lei 7.689/88 no intuito
de financiar a seguridade social.
O art. 2º da referida lei estabelece que a CSLL deve incidir sobre o resultado da
pessoa jurídica antes da provisao do para o imposto de renda. Ademais, o art. 57 da Lei
8.981/9572 determina que a CSLL se sujeita as mesmas regras para apuracao que o imposto
de renda das pessoas jurídicas. Dessa forma, havera incidencia da CSLL quando incidir o
imposto de renda, isto é, quando houver acréscimo no patrimonio da pessoa jurídica pela
cessao onerosa da RCE. Contudo, é discutível a constitucionalidade da exigencia de CSLL
sobre estas receitas, em virtude da imunidade tributária prevista no artigo 149, § 2º., da
Constituição Federal:
Art. 149 - Compete exclusivamente a Uniao instituir contribuicoes sociais, de intervencao no domínio economico e de interesse das categorias profissionais ou economicas, como instrumento de sua atuacao nas respectivas areas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no Art. 195, § 6o, relativamente as contribuicoes a que alude o dispositivo. (...)
§ 2o As contribuicoes sociais e de intervencao no domínio economico de que trata o caput deste artigo:
I - nao incidirao sobre as receitas decorrentes de exportacao
Assim como a CSLL, a incidência do Programa de Integração Social (PIS)40 e da
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS)41, em cessões de créditos
40Lei n. 10.637/02, art. 1º. A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
§ 1o Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica.
§ 2o A base de cálculo da contribuição para o PIS/Pasep é o valor do faturamento, conforme definido no caput.41Lei n. 10.833/03, art. 1º. A Contribuicao para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, com a incidencia nao-cumulativa, tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominacao ou classificacao contabil.
§ 1o Para efeito do disposto neste artigo, o total das receitas compreende a receita bruta da venda de bens e servicos nas operacoes em conta propria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa
49
ao exterior está, portanto, afastada. Nesse sentido, SILVA (texto digital), tece as seguintes
considerações:
No processo de consulta no 59/2008, protocolado junto a Superintendencia da Receita Federal da 9a Regiao Fiscal (Parana e Santa Catarina) e publicado no DOU de 07.4.2008, ficou decidido que:
I - A receita relativa a cessao de direito para o exterior dos créditos de carbono esta sujeita ao percentual presumido de 32% (trinta e dois por cento), para apuracao da base de calculo do IRPJ pelo sistema do lucro presumido.
Apesar do entendimento da autoridade fazendaria de que a operacao se trata de cessao de direito para o exterior e esta isenta do PIS e da COFINS, nos termos do art. 14, inciso III e § 1o da MP 35/2001, sujeitando-se apenas a tributacao do IPRJ presumindo lucro, instituído no art. 15, da Lei 9.249/1995, ja existe muitas controvérsias, uma vez que o art. 14 da Lei 9.718/1998, veda a opcao pelo lucro presumido sobre a receita de ganhos de capital oriundo do exterior.
A criação do PIS, em 1970, surgiu através da Lei Complementar n. 7/70 que
instituiu uma contribuição destinada à seguridade de competência da União incidindo sobre o
faturamento das pessoas jurídicas passando a ser cobrada na vigência da Constituição de
1967. O PIS foi recepcionado na Constituição Federal por meio do artigo 239 e, através do
art. 195, I, da CF/88, ficou ao encargo da União criar as contribuições destinadas ao
financiamento da seguridade social sobre o faturamento das pessoas jurídicas.
Em 1991, a Lei Complementar n. 70 criou a COFINS com fundamento no art.
195, da Constituição. Ao fazer isso, dispõe que a COFINS incide sobre o faturamento das
pessoas jurídicas. O faturamento equivale à receita bruta das pessoas jurídicas limitado às
receitas decorrentes das vendas de mercadorias e da prestação de serviços. Receita bruta
limitada à venda de mercadorias e prestações de serviço.
No entanto o legislador, em 1998, pretendeu regulamentar o PIS e a COFINS
publicando a Lei 9.718/98 que unificou a disciplina do PIS e da COFINS, afinal, são
contribuições que incidem sobre o faturamento. A mencionada lei ampliou a base de cálculo
do PIS e da COFINS sem que houvesse previsão respaldo constitucional. Isso porque a
Constituição, no art. 195, I, só possibilitava a criação de contribuição sobre o faturamento. Por
conta disso foi promulgada a Emenda Constitucional n. 20/98, que alterou o art. 195, I, para
incluir a alínea “b” estabelecendo que a contribuição pode incidir sobre a receita ou sobre o
faturamento. Dessa forma, conforme a legislação fiscal vigente, o fato gerador do PIS e da
jurídica. § 2o A base de calculo da contribuicao é o valor do faturamento, conforme definido no caput.
50
COFINS corresponde ao faturamento mensal da empresa nas transações internas ocorre a
tributação.
SISITER (2008, p. 115/119) afirma que em havendo cessão onerosa no mercado
nacional ocorre ingresso de receita ao patrimônio da pessoa jurídica, de modo que esta
contraprestação enseja a incidência do PIS e da COFINS.
Caso a Câmara dos Deputados aprove o projeto de lei que dá às RCEs tratamento
de valor mobiliário e conforme o previsto na Lei n. 12.187/09 haverá a incidência do Imposto
sobre Operacao Financeira (IOF). O IOF é de competencia privativa da Uniao, nos termos do
art. 153, V, da CF c/c art. 63 do CTN. As normas gerais estão previstas nos artigos 63 a 67 do
CTN. O IOF foi instituído pela lei 5.143/66 e regulamentado pelo decreto 4.494/02. O art.
153,V, da CF estabelece a incidencia do IOF sobre as operacoes de crédito, seguro e títulos e
valores mobiliarios. O Codigo Tributario Nacional (CTN), por sua vez, em seu art. 63,
descreve como fato gerador as seguintes hipoteses:
Art. 63 - O imposto, de competencia da Uniao, sobre operacoes de crédito, cambio e seguro, e sobre operacoes relativas a títulos e valores mobiliarios tem como fato gerador: I - quanto as operacoes de crédito, a sua efetivacao pela entrega total ou parcial do montante ou do valor que constitua o objeto da obrigacao, ou sua colocacao a disposicao do interessado;II - quanto as operacoes de cambio, a sua efetivacao pela entrega de moeda nacional ou estrangeira, ou de documento que a represente, ou sua colocacao a disposicao do interessado, em montante equivalente a moeda estrangeira ou nacional entregue ou posta a disposicao por este;III - quanto as operacoes de seguro, a sua efetivacao pela emissao da apolice ou do documento equivalente, ou recebimento do premio, na forma da lei aplicavel; IV - quanto as operacoes relativas a títulos e valores mobiliarios, a emissao, transmissao, pagamento ou resgate destes, na forma da lei aplicavel.Paragrafo único. A incidencia definida no inciso I exclui a definida no inciso IV, e reciprocamente, quanto a emissao, ao pagamento ou resgate do título representativo de uma mesma operacao de crédito.
A regulamentação relativa ao IOF pode ser encontrada na Lei 8.884/94 e no
Decreto 6.306/07. O Regulamento do IOF, em seus artigos 25 a 37 estabelece que nos casos
de cessão de títulos e valores mobiliários, o fato gerador será a própria cessão destes títulos e
o contribuinte é o adquirente, seja pessoa física ou jurídica. Complementa FERREIRA (2010,
p. 54):
Além da figura do contribuinte, a legislação aponta responsáveis pelo pagamento do imposto, entre eles: as instituições autorizadas a operar na compra e venda de títulos e valores mobiliários; as bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas, em relação às aplicações financeiras realizadas em seu nome, por conta de terceiros e tendo por objeto recursos destes; a instituição que liquidar a operação perante o beneficiário final, no caso de operação realizada por meio do SELIC ou da Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos - CETIP;o administrador do fundo de investimento;a instituição que intermediar
51
recursos, junto a clientes, para aplicações em fundos de investimentos administrados por outra instituição, na forma prevista em normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e a instituição que receber as importâncias referentes à subscrição das cotas do Fundo de Investimento Imobiliário e do Fundo Mútuo de Investimento em Empresas Emergentes.
Quanto à tributação do crédito de carbono pelo Imposto sobre Serviços – ISS resta
afastada também, pois a negociação de bens intangíveis não constitui uma prestação de
serviços que na acepção jurídica está atrelada ao esforço humano realizado em favor de
terceiro, situação que não se verifica nas transações de RCEs.
Corroborando com o entendimento exposto, em relação à tributação das RCEs,
ALMEIDA (2005, p.11/12) tece as seguintes considerações:
Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e Contribuicao Social sobre o Lucro Líquido – CSLL: o valor decorrente da comercializacao dos Certificados de Emissao Reduzida devera ser registrado contabilmente como receita e, desta forma, afetara o lucro contabil, e consequentemente as bases de calculo do IRPJ e da CSLL da empresa que atuar neste mercado.
Contribuicao para o Programa de Integracao Social - PIS e Contribuicao para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS: as operacoes que envolverem a exportacao de Créditos de Carbono estarao protegidas da incidencia dos PIS e da COFINS por forca da imunidade, encontrada no artigo 149, paragrafo 2o, inciso I da Constituicao Federal.
Imposto sobre Operacoes Financeiras: ha a possibilidade de incidencia do IOF sobre o valor da cessao dos Créditos de Carbono, caso esses títulos venham a ser reconhecidos como ativos financeiros (derivativos), e consequentemente como títulos ou valores mobiliarios.
Imposto sobre Servicos – ISS: as receitas decorrentes da comercializacao de Créditos de Carbono nao deverao sofrer a incidencia do ISS, tendo em vista que, ao contrario do que se repete incansavelmente na doutrina economica, a cessao de direitos nao se confunde com a prestacao de servicos. Vale lembrar que a argumentacao da Ciencia da Economia nao pode invadir a esfera jurídica, da Ciencia do Direito.
Concluída a sucinta análise acerca dos tributos passíveis de incidência nas
transações envolvendo RCEs, onde verificou-se a possibilidade de incidência de imposto de
renda tanto para pessoas físicas e jurídicas, a possível cobrança de CSLL, do Pis e da
COFINS quando não envolverem transação externa, bem como a possibilidade de incidência
de IOF, passa-se ao estudo da concessão de isenção tributária considerando o disposto na Lei
de Responsabilidade Fiscal. Registre-se que consoante os moldes como foi formulado o
Protocolo de Quioto não há intenção arrecadatória, apenas de conservação ambiental.
Neste trabalho, a isenção tributária analisada restringe-se ao âmbito nacional, isto
é, as isenções incidiriam apenas nas cessões de RCEs, não envolvendo as “taxas” aplicáveis
52
no âmbito da ONU. Isso porque o recolhimento internacional seria suficiente para onerar o
MDL, não sendo recomendável que Brasil também tributasse.
No segundo capítulo foi mencionado que o artigo 12, inciso VIII, do Protocolo de
Quioto instituiu a incidência de duas “taxas” internacionais no MDL com finalidade e
destinação específica; cobrir despesas administrativas e assistir aos países em
desenvolvimento nos custos da adaptação aos efeitos das alterações climáticas.
A “taxa” referente aos custos de adaptação foi definido em 2% (dois por cento) da
quantidade total de RCEs emitidas para o projeto de MDL, mas os projetos realizados nos
países menos desenvolvidos são isentos desta “taxa” internacional, nos termos do artigo 15 da
Decisão 17/CP.7.
Dessa forma, as “taxas” internacionais definidos pelo Protocolo de Quioto seriam
suficientes no auxílio aos efeitos e às adaptações a serem feitas em decorrência das alterações
climáticas, de modo que seria possível cogitar uma hipótese de isenção tributária total às
receitas provenientes da cessão de RCEs geradas por atividades de projeto de MDL.
No Congresso Nacional tramitam cerca de vinte projetos de lei com diferentes
tratamentos para as RCEs. Há projetos que concedem benefícios fiscais às pessoas físicas e
jurídicas que investirem em projetos MDL e afastam a incidência de alguns tributos sobre as
receitas das RCEs. Nessa seara, o Projeto de Lei 4.425/2004, isenta as pessoas físicas e
jurídicas que realizam projetos de MDL da incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Ainda
que arquivado, suas disposições foram agregadas pelos Projetos de Lei 494/2007 e 1657/2007
que ainda estão em trâmite no Congresso Nacional. Nesse sentido, complementam
MACHADO FILHO e SABBAG (2008, texto digital):
O Projeto de Lei Federal no 4.425/04 foi a primeira proposição legislativa a dispor sobre a concessão de incentivos fiscais às pessoas físicas e jurídicas que investissem em atividades de projeto de MDL que gerassem RCEs. Este projeto pretendia excluir o lucro decorrente da cessão de RCEs do lucro tributável pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e pela Contribuição Social sobre o Lucro (CSL), bem como pretendia isentar as receitas decorrentes da cessão das RCEs da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).
O referido projeto não foi aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação, pois
a proposta não atendia as exigências do artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal,
dispositivo que estabelece as condições da renúncia de receita. Após o arquivamento do
projeto n. 4.425/2004, foram submetidos a aprovação os projetos de Lei Federal ns. 494/07 e
53
1.657/07 que se diferenciam do primeiro pela previsão da incidência nas receitas decorrentes
da alienação de RCEs o IRPJ, a CSL, o PIS e a COFIN. Estes projetos tramitam na Câmara
apensados ao Projeto no 493/07.
As medidas de isenção tributária defendidas não vão de encontro ao previsto na
Lei de Responsabilidade Fiscal. Acerca disso, MACHADO FILHO e SABBAG (2008, texto
digital) tecem as seguintes considerações:
Considerando que as isencoes defendidas neste trabalho nao impactarao negativamente o orcamento, pois nao representarao qualquer reducao de receita programada, mas na verdade impactarao positivamente o orcamento público ao reduzir os custos futuros de adaptacao do Brasil aos efeitos adversos das mudancas climaticas, estamos diante do que a doutrina denomina de “incentivo a custo zero”, o que torna o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal inaplicavel ao caso em tela. Senao vejamos.O artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal somente se aplica ao que a doutrina denomina de “incentivos onerosos”, ou seja, que causam uma reducao de receita esperada - que estava previamente prevista/programada no orcamento. Isto porque, havendo reducao de receita esperada, sera imprescindível se realizar a estimativa do impacto orcamentario-financeiro e se comprovar que nao afetara as metas de resultados fiscais ou, se as afetar, propor medidas de compensacao. Nao é o que ocorre no presente caso, pois as receitas decorrentes da cessao de RCEs advirao nos anos vindouros, em decorrencia de mercado em eminente crescimento, configurando-se como “receitas novas”.
[…]
Neste sentido, as cessoes de direitos relativos a RCE de uma entidade nacional para uma entidade autorizada a participar do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo por um país desenvolvido ou uma economia em transicao, bem como as operacoes relativas ao derivativo RCE - DRCE, deveriam ser isentas do Imposto sobre Operacoes de Crédito, Cambio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliarios - IOF. Ademais, as receitas decorrentes das cessoes onerosas da RCE e das operacoes relativas ao DRCE deveriam ficar isentas de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e de Pessoa Física, Imposto sobre Servico, Contribuicao Social sobre o Lucro Líquido, Contribuicao para o Programa de Integracao Social e Contribuicao para o Financiamento da Seguridade Social.
A tributação do país receptor de um projeto de MDL às receitas provenientes das
transações de créditos de carbono caracteriza uma política arrecadatória o que vai de encontro
aos compromissos estabelecidos nas Convenções e no Protocolo de Quioto. Contudo, há que
se levar em consideração a hipótese de que a renda obtida com os projetos de MDL fique
restrita às grandes corporações não cumprindo o objetivo proposto pelo Protocolo de Quioto.
3.3 Perspectivas para o Mercado de Crédito de Carbono no Brasil
54
A Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) e o Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio (MDIC) lançaram o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões
(MBRE) no final de 2005. Referido mercado funciona como uma plataforma de negociação
dos títulos emitidos por projetos que promovem a redução das emissões de gases causadores
do efeito estufa. A criação deste ambiente de negociações visou profissionalizar a transação,
no mercado de capitais, das RCEs oriundas dos projetos de MDL. LIMIRO, 2009, p. 129,
explica que o registro no Banco de Projetos da BM&F é um meio de divulgação dos projetos
daqueles que estão em fase de concepção. Isso possibilita atrair os interessados na aquisição
ou na venda dos futuros créditos, bem como em ofertas de financiamento.
O crédito de carbono pode ser negociado no mercado a vista, por meio do sistema
eletrônico de leilões. As regras de negociação e credenciamento dos participantes de cada
leilão são divulgadas pela Bolsa por meio de editais a serem publicados no site da
BM&FBOVESPA antes da data de realização de cada leilão. Consta no sítio eletrônico do
jornal O Estadão que o primeiro leilão de créditos de carbono voltado para o mercado
voluntário foi realizado em abril de 201042, mas nenhuma das empresas participantes
arrematou qualquer lote das reduções certificadas de carbono. Os créditos de carbono estavam
sendo leiloados pelo preço de 10 reais por tonelada, mas ao fim da sessão, não houve lances
por parte de nenhuma das empresas.
Ainda que o ambiente da bolsa de valores represente uma forma de transacionar as
RCEs, as negociações não estão se desenvolvendo de modo satisfatório. ROSA, 2008, p.
explica que os investidores estrangeiros parecem ter dificuldades para elencar os projetos a
serem financiados, razão pela qual a maior parte dos projetos de MDL é financiada por
investimentos nacionais. MIKHAILOVA; BASTIANI, 2009, p. ressalta que a ausência de
um ambiente seguro de comercialização amplia os riscos de que os projetos não encontrem
demanda no mercado internacional. No que se refere a quantidade de projeto de MDL em
andamento, LIMIRO, 2009, p. 130 destaca:
Segundo dados da UNFCCC, até 07.04.2008, 3.219 projetos encontravam-se em alguma fase do ciclo de projetos de MDL, sendo 982 já registrados no Conselho Executivo e 2.237 em outras fases do ciclo. Destes, 280 projetos (9%) eram brasileiros, o que proporcionou ao Brasil a ocupação do 3º lugar em número de atividades de projeto, depois da China, com 1.110 projetos, e da Índia, responsável por 901 projetos.
42 Limiro, 2009, p. 129, destaca que a BM&F realizou, no dia 26.09.2007, um leilão de venda das RCEs oriundas do aterro sanitário Bandeirantes, localizado na grande São Paulo. Foi a primeira experiência mundial de um leilão de créditos de carbono no mercado a vista a ser promovido por uma bolsa regulada, representado importante etapa do processo de organização e desenvolvimento do mercado de certificados ambientais.
55
O comércio de emissões, além de amenizar os efeitos provocados pela mudança
climática pode gerar bons frutos para o Brasil. Ainda em crescimento, referido mercado
movimenta bilhões de dólares por ano, no entanto encontra-se desregulamentado, gerando
insegurança e descrédito nas relações comerciais. Explica LIMIRO, 2009, p. 129:
O potencial brasileiro para a participação no mercado de carbono é grande, pois, segundo o Banco Mundial, nosso país tem capacidade para conquistar cerca de 10% do mercado mundial de carbono. Isso pode ser retratado pelo fato de sermos pioneiros no registro do primeiro projeto de MDL no Conselho Executivo da Organização das Nações Unidas (ONU), em novembro de 2004, qual seja, o Projeto NovaGerar, que objetiva a conversão de gases de aterro em energia. De acordo com a BM&F, a participação brasileira no mercado de carbono não é maior pela falta de regulamentação, fazendo com que grande parte das transações seja feita por meio de contratos de balcão, realizados em agências bancárias.
No dia 12.06.2012 foi realizado o terceiro leilão público de venda de Reduções
Certificadas de Emissão (RCE) de titularidade da Prefeitura da cidade de São Paulo. O leilão
teve como objeto a venda de 530.000 RCEs de titularidade da prefeitura, provenientes do
projeto do Aterro Sanitário Bandeirantes, em um único lote. Consta no edital n. 01/2012 que
as RCEs ou créditos de carbono foram devidamente certificadas pelo Conselho Executivo do
MDL em razão das atividades de redução de emissão de gás metano implementadas no
escopo do Projeto Bandeirantes de Gás de Aterro e Geração de Energia em São Paulo
registrado perante o Conselho Executivo do MDL, em 20 de fevereiro de 2006, sob o n° 0164.
O projeto foi devidamente aprovado pelo Governo Brasileiro em 12 de setembro
de 2005 por meio da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, tendo como
participantes originais a prefeitura e a Biogás Energia Ambiental S.A. (BIOGÁS).
O projeto também conta com a participação do KFW BANKGROUP, do FORTIS
BANK N.V/S.A. e da MERCURIA ENERGY TRADING S.A., na qualidade de adquirentes
de RCE, autorizados pelos Governos Alemão, Holandês e Suíço, respectivamente. No que se
refere a tributação aplicável, no item 6.4 do edital em análise constava apenas que cada parte
seria responsável pelos tributos que lhe forem imputados pela legislação tributária aplicável e,
caso uma parte seja exigida a cumprir a obrigação tributária de outra parte, deveria ser
devidamente ressarcida de todas as despesas incorridas.
A Mercuria Energy Trading, sediada em Genebra (Suiça), arrematou o lote a €
3,30 por crédito de carbono, de modo que o volume financeiro do leilão foi consubstanciado
no valor de € 1.749.000,00 (aproximadamente R$ 4.477.000,00).
56
Neste sentido, faz-se necessária a presença de um marco regulatório para atrair a
confiança dos investidores, bem como consolidar a finalidade do Protocolo de Quioto. O
Protocolo de Quioto entrou em vigência em 2005, mas somente em 2009, através da Lei n.
12.187/09, foi formulada uma regulamentação ainda que bastante simples envolvendo a
matéria. A comercialização dos créditos de carbono necessita de amparos legais para que seu
mercado se consolide. Inúmeros são os projetos de lei em trâmite, no entanto, ainda resta uma
lacuna jurídica a ser preenchida para regulamentar o mercado de carbono.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após finalizar o estudo, verificou-se que o mercado de carbono implantado
através do Protocolo de Quioto, em que pese ter uma visibilidade externa razoável, ainda está
em fase inicial no Brasil, mas já demonstra ser uma relevante ferramenta para angariar
investimentos e tecnologia dos países mais desenvolvidos protegendo o meio ambiente
através de um crescimento mais sustentável.
Assim, neste momento é essencial que se defina uma regulamentação específica
acerca da natureza jurídicas das Reduções Certificadas de Emissões e consequentemente o
regime tributário aplicável para que este mercado que está em expansão se consolide de forma
mais segura e sólida atraindo tanto o empresariado nacional quanto internacional.
No decorrer da pesquisa constatou-se que as Reduções Certificadas de Emissão
sao créditos de emissao dos GEEs padronizados (créditos de carbono) que possuem valor
comercial e são passíveis de transação no mercado mundial e, em alguns casos, depositadas
em banco para uso futuro.
Verificou-se que as unidades negociaveis definidas no Protocolo de Quioto – que
vão além das RCEs - são criadas por um ato de direito internacional que obriga os países
signatários, contudo averiguou-se que o Protocolo não esgotou a matéria acerca da
comercialização dos referidos títulos – o Protocolo não criou ou concedeu quaisquer direitos,
títulos ou outorgas de emissoes de qualquer tipo as partes - de modo que os conceitos devem
ser harmonizados com a legislação interna.
No que tange à natureza jurídica das RCEs, constatou-se a existência de diversas
incertezas. Observou-se que as RCEs apresentam como características a transferibilidade, a
exclusividade, a durabilidade e, por fim, a seguranca. Ainda nao se obteve um acordo sobre a
57
natureza jurídica das RCEs. Através das concepções civilistas expostas, analisou-se que os
créditos de carbono podem ser enquadrados como bens incorpóreos, imateriais ou intangíveis,
pois não possuem existência física, são uma abstração do direito não possuindo existência
material, no entanto são reconhecidos pelo ordenamento jurídico, sendo passíveis de
comercializacao e consequentemente auferindo valor economico.
Além do âmbito civilista da natureza jurídica dos créditos de carbono, foram
consideradas as possibilidades de enquadramento das RCEs como commodity ou valores
mobiliários. Compreendeu-se que as reduções certificadas surgem de um processo individual
de aprovação em órgão autorizado, não sendo desvinculadas do processo utilizado para sua
formação, razão pela qual, são bens infungíveis indo de encontro com a definição de
commodity.
No que se refere à hipótese de definir as RCEs como valor mobiliário, destacou-se
que a CVM negou a referida definição aos créditos de carbono devido a forma de emissão das
RCEs. Contudo, sobreveio em 29.12.2009 a Lei n. 12.187/09 que em seu art. 9º definiu os
créditos de carbono dessa forma. Os créditos de carbono também poderiam ser
compreendidos como títulos de crédito, no entanto mencionada ideia foi afastada, pois
verificou-se que as operações realizadas com as Reduções Certificadas de Carbono não
configuram uma operação de crédito em sentido estrito.
Após a discussão da natureza jurídica das RCEs, passou-se a análise dos aspectos
tributários envolvendo o mercado de crédito de carbono. Concluiu-se que as RCEs, quando
entendidas como bem incorpóreo intangível, são transacionadas através de cessões não
havendo incidência de taxas, contribuições de melhoria, empréstimo compulsório e ISS.
Constatou-se a possibilidade de incidência do imposto de renda para pessoas físicas e
jurídicas, a incidência de CSLL, do Pis e da COFINS quando a transação ocorre em âmbito
interno, bem como estudou-se a possibilidade de incidência de IOF. Por fim, foram feitas
considerações acerca da concessão de isenção tributária considerando e o disposto na Lei de
Responsabilidade Fiscal, mostrando a probabilidade de serem concedidos benefícios
tributários no intuito de estimular o crescimento e consolidação do comércio de crédito de
carbono.
No decorrer da pesquisa, compreendeu-se que é necessário tornar este mercado
mais atraente aos olhos dos investidores estrangeiros e nacionais regulamentando
especificamente o modo pelo qual as transações serão efetuadas para que os projetos de MDL
58
se desenvolvam nas mais diversas localidades do Brasil. Até o presente momento, dos três
leilões ocorridos no mercado voluntário, em dois deles figurou como ofertante a prefeitura
municipal de São Paulo. Dessa forma, é preciso criar uma agenda de intervenção e incentivo
do governo junto aos Estados para que a participação do país seja maior. O mercado, apesar
de promissor, ainda está muito tímido.
O leilão realizado em junho deste ano deu novo fôlego ao mercado. Um montante
aproximado de R$ 5.000,000,000 foi transacionado tendo como vencedora uma empresa
sueca. Analisando a ata do referido evento, foi possível notar a timidez do empresariado
nacional e do próprio governo para investir na compra das Reduções Certificadas de Emissão.
Ultrapassando o ceticismo vinculado à existência dos reais efeitos das alterações
climáticas é impossível não reconhecer que as ações antrópicas trazem consequências ao meio
ambiente. O Protocolo de Quioto, as convenções anteriores e posteriores que tratam sobre a
matéria possuem como objetivo principal proteger o planeta para as gerações futuras. A
junção de medidas econômicas com medidas ecológicas consiste em uma inovação que só
trará benefícios, desde que conscientemente utilizados.
No mês de janeiro de 2012, por exemplo, foi determinado que todas as empresas
aéreas que decolam ou aterrizam na Europa estão obrigas a pagar licenças por emissões de
CO2. A China proibiu que suas companhias aéreas participassem do Regime Comunitário de
Licenças de Emissão da União Europeia (RCLE-UE), pois custaria algo em torno de U$ 120
milhões no primeiro ano, além de ferir o acordo internacional sobre aviação e induzir a uma
guerra comercial. Ainda que plausível o argumento chinês o valor que seria repassado aos
passageiros não é de grande monta.
É indiscutível o poder da economia. Nesse sentido, a união do fator econômico ao
ecológico revela uma combinação que pode gerar muitos frutos. O Brasil, conforme foi
demonstrado no decorrer dos três capítulos, possui grande potencial para angariar
investimentos externos, trazer o know how da tecnologia dos países do Anexo I, desenvolver-
se e ainda ofertar os créditos de carbono. No entanto, falta despertar o interesse do
empresariado, do governo nacional e regional para que este mercado se consolide de fato no
Brasil.
No final de 2012 ocorre o primeiro período de verificação, isto é, será analisado se
os países que se comprometaram com metas quantificáveis de redução realmente mantiveram
o nível pactuado. É de fundamental importância que o Ministério das Relações Exeriores
esteja preparado para defender os interesses nacionais, impedindo que esta verificação seja
postergada. É de extrema importância que esta verificação de fato ocorra, pois ela representa a
59
consolidação do mercado de crédito de carbono e despertará o interesse. Ocorre que o direito
internacional não dispõe de mecanismos sancionatórios, afinal, o respeito a soberania dos
outros países é um de seus princípios. O Protocolo de Quioto prevê aplicação de multa para os
países do Anexo I que não alcançarem a meta acordada. Contudo, a resposta será dada no
decorrer dos próximos capítulos da novela ecológica internacional.
Dessa forma, é urgente que o país tome alguma medida para criar um marco
regulatório fortalecendo este mercado para que as relações se desenvolvam com mais
segurança. Para isso é necessário compreender todos os agentes e fatores envolvidos na
emissão de uma RCE até sua transação no mercado de crédito de carbono. Considerando
todas as etapas, inclusive a incidência dos tributos internacionais já previstos no Protocolo,
constituindo em lucro para as empresas e para a pessoa física a comercialização dos créditos
de carbono, havendo acréscimo patrimonial, é justa a incidência tributária, ainda que a
tributação do país receptor de um projeto de MDL às receitas provenientes das transações de
créditos de carbono caracterize uma política arrecadatória, pois há que se levar em
consideração, também, a hipótese de que a renda obtida com os projetos de MDL fique
restrita às grandes corporações não cumprindo o objetivo proposto pelo Protocolo de Quioto.
Diante de toda argumentação exposta e fundamentada, infere-se a necessidade
de definir um marco regulatório para este novo mercado se desenvolva e se solidifique nas
mais variadas regiões do Brasil trazendo benefícios tanto para as grandes corporações quanto
para o pequeno produtor rural e, claro, para as futuras gerações.
60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABREU, Vladimir Miranda. Poderá o Brasil capitalizar sobre o mercado de carbono? Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/15027-15028-1-PB.pdf> Acesso em: 07 maio 2012
Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos da América. Disponível em: <http://www.epa.gov/air/caa/> Acesso em: 02 maio 2012
ALMEIDA, H. N. N. Créditos de carbono. Natureza jurídica e tratamento tributário. Disponível em:< http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/26705/26268>. Acesso em: 03 de dezembro de 2011.
BECKER. Alexandre. Teoria Geral do Direito Tributário. 3ª Edição. São Paulo: Lejus, 2002.
Bolsa do Clima de Chicago. Disponível em: <https://www.theice.com/ccx.jhtml> Acesso em: 30 Abril de 2012.
BOVESPA. Disponível em: <www.bovespa.com.br> acesso em: 07 maio 2012
BRASIL. Constituição (1988). Brasília, DF: Senado Federal.
BRASIL. Decreto n.° 2652, de 1º de julho de 1998, Promulga a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, assinada em Nova York, em 9 de maio de 1992.
BRASIL. Projeto de Lei no 3.552/2004 da Comissao de Meio Ambiente e Desenvolvimento sustentavel. Brasília: Camara dos Deputados, 2004. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes> . Acesso em 14 de Abril de 2012.
BRASIL. Projeto de Lei no 4.425/2004 da Comissao de Meio Ambiente e Desenvolvimento sustentavel. Brasília: Camara dos Deputados, 2004. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>. Acesso em 13 de Abril de 2012.
61
CAMPOS, Christiano Pires de. A Conservação das Florestas no Brasil, Mudança do Clima e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto.2001. 169 f. Tese (Mestrado em Ciências em Planejamento Energético. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2001.
Carbonus Brasil unindo ciência e tecnologia. Disponível em: <http://www.carbonusbrasil.com.br/mercado.html> Acesso em: 02 maio 2012
CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 8ª. Edição, 2002.
________, Roque Antonio. Imposto sobre renda: perfil constitucional e temas especificos. Sao Paulo: Malheiros, 2005.
DENARI, Zelmo. Curso de Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 3 ª ed., 1993.
DUTSCHKE, Michael. O Brasil como ator no processo da política climática. Disponível em: <http://home.wtal.de/dutschke/Publications/O_Brasil_como_ator.PDF> Acesso em: 23 abr. 2012.
FARIA, Priscila Vieira de; COELHO, José Luiz. Creditos de Carbono no Brasil: Mecanismos Existentes, Implementacao e Negociacao na Bolsa de Mercadorias e Futuros. Curso de Gestao Ambiental e Negocios do Setor Energético, Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de Sao Paulo, 2007. Monografia (Especializacao).
FERREIRA, Milena Fagundes Baptista. Aspectos Tributários dos Créditos de Carbono. 2010. Tese (Pós-graduação em Direito). Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/paginas/biblioteca_videoteca/monografia/Monografia_pdf/2010/Milena%20Fagundes.pdf> Acesso em 12 de Abril de 2012.
FORTUNA, Eduardo. Mercado Financeiro – Produtos e Serviços. Qualitymark, 10ª Edição, 1997.
FRANGETTO, Flávia Witkowski; GAZANI, Flávio Rufino.Viabilização jurídica do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). São Paulo: Peirópolis, 2002.
FREESTONE, David; STRECK, Charlotte. Legal aspects of implementing the Kyoto Protocol mechanisms: making Kyoto work. New York: Oxford University Press, 2005.
FRONDIZI, Izaura Maria de Resende Lopes. O mecanismo de desenvolvimento limpo – guia de orientação 2009. Rio de Janeiro: Imperial Novo Milenio : FIDES, 2009. Disponível em: <http://www.mct.gov.br/upd_blob/0205/205947.pdf> Acesso em: 22 abr. 2012
GODOY, Sara G. M. O Protocolo de Quioto, e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo Avaliação de suas possibilidades e limites. 2005. Tese (Mestrado em Economia Política). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2005.
GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 18ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
62
GONÇALVES, Roberto. Direito civil brasileiro, volume I: parte geral. 6ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2008.
KHALILI, Amyra El. O que são créditos de carbono? Disponível em: <http://www.redeambiente.org.br/Opiniao.asp?artigo=149> Acesso em: 02 Maio 2012
KLISIEWICZ, Fernando Luiz. Mercado de Carbono: situação e tendência evolutiva. Disponível em <http://www.carbonusbrasil.com.br/down/Mercado%20do%20Carbono%20por%20Fernando%20Klisiewicz.pdf> Acesso em 02 Maio 2012
LIMIRO, Danielle. Créditos de Carbono: Protocolo de Kyoto e Projetos de MDL. Curitiba: Juruá 2009.
MACHADO FILHO, Haroldo; SABBAG, Bruno Kerlakian. Classificacao da natureza juridica do credito de carbono e defesa da isencao tributaria total as receitas decorrentes da cessao de creditos de carbono como forma de aprimorar o combate ao aquecimento global. Disponével em: < http://www.afgconsultores.com.br/arquivo/biblioteca/natureza_juridica.pdf> Acesso em 13 de Maio de 2012.
MELO, José Eduardo Soares de. ICMS – Teoria e Prática. São Paulo: Dialética, 5ª Edição, 2002.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. V.1. 27ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2003.
MORAES, Flávia. Cúpula do Clima chega ao fim com resultado pouco ambiciosos. Publicado em 2011. Disponível em: <>http://www.oeco.com.br/cop17/25524-cupula-do-clima-chega-ao-fim-com-resultados-pouco-ambiciosos Acesso em: 22 abr. 2012
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 2ª Edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.
PASZTOR, Agnes. Comércio Europeu de Licenças de Emissão – Uma abordagem prática. Disponível em: <http://www.smfc.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=105&Itemid=40&lang=pt> Acesso em: 02 maio 2012
Painel Intergovernamental sobre Mudancas Climaticas. Disponível em: <http://www.ipcc.ch/organization/organization_history.shtml#.T5NypWXhyKU> Acesso em: 21 abr. 2012
Programa das Nações Unidas para o meio ambiente. Disponível em: <http://ozone.unep.org/french/Ratification_status/montreal_protocol.shtml> Acesso em: 22 abr. 2012
SANDRONI, Paulo. Dicionário de Economia do século XXI: edição revista e atualizada do Novíssimo Dicionário de economia. Rio de janeiro: Record, 2005.
63
SANTOS, Maria Rodrigues dos. Créditos de Carbono: aspectos jurídicos e ambientais. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7641> Acesso em: 07 maio 2012
SILVA, Flávia Martins da. O desenvolvimento sustentável e os projetos de MDL no Brasil. Disponível em: <http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-16/RBDC-16-051-Artigo_Flavia_Martins_da_Silva_(O_Desenvolvimento_Sustentavel_e_os_Projetos_de_MDL_no_Brasil).pdf> Acesso em 13 de Abril de 2012.
SILVA, Geraldo Eulalio do Nascimento. Manual de Direito Internacional Publico.15ª Edição. Revista e atualizada por Paulo Borba Casella, Sao Paulo: Saraiva, 2002.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27ª Edição. São Paulo:Malheiros, 2006.
SILVA, Pedro Cordeiro da. O credito de carbono, sua natureza juridica e o tratamento tributario no brasil. Disponível em: < http://www.cpgls.ucg.br/ArquivosUpload/1/File/CPGLS/IV%20MOSTRA/DIREITO/O%20Credito%20de%20Carbono.pdf> Acesso em 12 de Abril de 2012
SISTER, Gabriel. Mercado de Carbono e Protocolo de Quioto: Aspectos Negociais e Tributação, São Paulo: Campus Jurídico, 2008.
SOUZA, A. R. P. A tributação das operações com créditos de carbono. Revista de Direito Tributário da APET – Ano V – Edição 20 – Dezembro 2008, MP Editora.
VENOSA, Silvio. Direito Civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2006.
UDERMAN, Simone. Mercado de Credito de Carbono: a Construcao de uma Agenda de Intervencao Publica na Bahia. 2009. Disponível em: <http://www.bnb.gov.br/projwebren/exec/artigoRenPDF.aspx?cd_artigo_ren=1183> Acesso em 20 de Maio de 2012.
YU, Chang Man. Sequestro florestal de carbono no brasil – dimensões políticas, socioeconômicas e ecológicas. 2004. Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento). Universidade Federal do Parana, Parana, 2004. Disponível em: <http://www.iieb.org.br/enviados/publicador_pdf/trab_tese_chang_sequestro_florestal.pdf> Acesso em 02 de Junho de 2012