novos movimentos sociais e padrões jurídicos

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    NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS E PADRES JURDICOS NO PROCESSODE REDEFINIO DA REGIO AMAZNICA

    NEW SOCIAL MOVEMENT AND JURIDICAL PATTERNS IN THE PROCESSOF REDEFINITION OF THE AMAZON REGION

    Joaquim Shiraishi Neto

    RESUMO

    Na ltima dcada, muito se discutiu sobre a necessidade de adotar medidas para reduziro aumento do desmatamento na chamada regio Amaznica brasileira. Os esforos

    utilizados para diminuir esse processo, que continua em ritmo acelerado, tendem a setornar incuo, diante de uma medida em curso no Congresso Nacional, que pretendealterar por meio de Projeto de Lei a rea de abrangncia da Amaznia legal, retirando daregio os Estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranho. A discusso sobre aredefinio da regio Amaznica est inserida no bojo de um intenso processo deconflito na regio, onde os povos e comunidades tradicionais se organizam

    politicamente para enfrentar os problemas decorrentes da ameaa da perda dos seusterritrios tradicionalmente ocupados. No interior do processo de mobilizaovivenciado por esses grupos sociais, possvel identificar diferentes estratgias e aes,que se colocam em face dos tradicionais e novos antagonistas, sendo que um traodistintivo, considerado comum a luta jurdica localizada, que no se restringe aombito dos espaos municipais. O reconhecimento jurdico de que a sociedade brasileira uma sociedade plural, tem servido como argumento, acionado para a garantia e areivindicao de direitos. As discusses em torno da noo de pluralismo jurdico soretomadas, ganhando novo significado e impondo novos padres jurdicos. Nesse

    processo, o direito tem sido um poderoso instrumento, utilizado para nortear o processode mobilizao poltica e de construes das novas identidades.

    PALAVRAS-CHAVES: NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS, REDEFINIO DAREGIO AMAZNICA, NOVOS PADRES JURDICOS.

    ABSTRACT

    In the last ten years, a lot has been discussed about the needs of adopting measures toreduce the deforestation increase in the region called Brazilian Amazon. The effortsused to reduce this process, which remains accelerated, intent to become innocuous, dueto the measure on course at the National Congress that intent to change, through aProject of Law, the area that holds the Legal Amazon, removing the states of MatoGrosso, Tocantins and Maranho. The discussion about the redefinition of the Amazon

    Trabalho publicado nos Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Braslia DFnos dias 20, 21 e 22 de novembro de 2008.

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    Region is due to the intense conflict in this area, where the people and the traditionalcommunities organize themselves politically in order to face the problems that comewith the threaten of loosing their territories traditionally occupied. Inside thismobilization process lived by these social groups it is possible to identify differentstrategies and actions, placing the traditional against of the new antagonists. A

    distinctive trace, considered ordinary is the so called localized juridical fight, which isnot restricted to the counties areas. The juridical recognition that the Brazilian Society isa plural society, has served as an argument, within the claim for individual rights andguarantees. The discussions around the notion of the juridical pluralism is taken back,getting a new significance and demanding new juridical pattern. Within this process,the law has been a powerful instrument, used to direct the political mobilization processand the built of new identities.

    KEYWORDS: NEW SOCIAL MOVEMENTS, AMAZON REGIONREDEFINITION, NEW JURIDICAL PATTERN.

    DISPUTA PELA REDEFINIO DA REGIO AMAZNICA

    Em meio s discusses relacionadas ao aumento do desmatamento na regio e smedidas e estratgias para reduzi-los, a chamada Amaznia legal poder ter sua rea deabrangncia reduzida em funo de dois Projetos de Lei que se encontram em trmite noCongresso Nacional. Os referidos Projetos de Lei objetivam dar nova redao ao incisoVI do 2 do art.1 da Lei n 4.771, de 15 de setembro de 1965, para alterar a definiode Amaznia legal, retirando dessa regio os Estados do Tocantins, Mato Grosso eMaranho. Os argumentos apresentados consistem em afirmar que os critrios utilizados

    para a definio da regio sua poca no levaram em considerao as caractersticasdos diferentes ecossistemas ou biomas existentes em cada um dos Estados. Adelimitao levou em considerao critrios eminentemente polticos, sem que houvesse

    preocupao com os cientficos, notadamente os de base geogrfica, que poderiamcontribuir para nortear a sua definio. A necessidade de desenvolver os Estados deacordo com as polticas pblicas traadas em consonncia com um meticuloso

    planejamento, orientou os atuais limites da Amaznia legal.

    O fato de a Amaznia ser compreendida como regio problema, fez com que osesforos governamentais se concentrassem e se dirigissem na adoo de um conjunto de

    polticas pblicas voltadas explorao racional dos potenciais da regio, sobretudopelo malogro das atividades at ento desenvolvidas de explorao dos recursos deorigem florestal e mineral. A explorao dos recursos naturais, que trouxeram certaprosperidade regio, foi objetivo de anlise econmica. Os esquemas interpretativosacionados que procuravam compreender esse processo o fizeram a partir da noo deciclos econmicos, segundo um discurso terico que procura articular os temasreferidos aos mitos da regio, como: o nomadismo, o extrativismo, o contato dasraas e a entrada da civilizao, transformando-os em verdades cientficas, queforam produzidas e difundidas enquanto tais.

    Nesse sentido, o desenvolvimento da regio Amaznica implicava na adoo de

    polticas que tinham como pressuposto a necessidade de incorpor-la ao Pas. Oprocesso de integrao ocorreu atraindo capital privado por meio de incentivos fiscais

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    e monetrios. O desenvolvimento e a ocupao da regio se tornaram objetivos e emnenhum momento os Estados se opuseram ou mesmo rivalizaram a esse modelo dedesenvolvimento marcadamente de carter autoritrio, na medida em que desconhecea existncia de diversos grupos sociais portadores de distintas temporalidades eaxiologias, levando destruio das identidades coletivas. O vis autoritrio do

    modelo serviu para atender aos interesses dos Estados e de determinados grupos locais,que de forma ampla pde se beneficiar dessas polticas.

    Nas ltimas dcadas duas tendncias entrelaadas vm redefinindo a regioAmaznica. A primeira est relacionada ao papel do Estado na regio, que tem seocupado em promover o desenvolvimento a partir dos interesses dos interessados emexplorar economicamente a regio. Observa-se que o discurso ambientalista, que serviucomo norte das discusses nas ltimas dcadas, aos poucos, perde fora, diante daintensificao do processo de explorao econmica na regio. Em outras palavras, omodelo em expanso retoma e atualiza o pensamento geopoltico brasileiro devertente militar desenhado em tempos passados, cujo objetivo era a insero da regio

    na expanso capitalista contempornea. A aquisio e ocupao de terras por grandesproprietrios e empresas para o cultivo das monoculturas (de soja, cana de acar,dend, eucalipto, dentre tantas...), bem como a explorao e intensificao dos recursosminerais e energticos evidenciam o carter predatrio desse processo, que se coloca deforma antagnica ao vivenciado pelos diversos povos e comunidades tradicionais.

    A segunda tendncia refere-se emergncia dos movimentos sociais na regioAmaznica, que se definem e so autodefinidos por critrios de identidade tnica, ereivindicam a manuteno e garantia de direitos, frente s situaes que lhes apresentamadversas. O avano da explorao econmica sobre as terras e os recursos naturaiscoloca em risco as formas de reproduo fsica e cultural dos mais variados grupos.

    Em meio a esse intenso processo de disputas, os povos e as comunidades tradicionaisvo desenhando seus territrios, que segundo Almeida encontram-se em processo deterritorializao. Desta forma, rivalizam com os territrios pretendidos, sendo que issoimplica na redefinio da prpria noo de regio a partir dos critrios de mobilizao

    poltica. Observa-se que a noo de regio Amaznica se encontra em jogo mais umavez. No entanto, os critrios acionados para sua definio se encontram delineados numcampo de disputa, onde distintos interesses entram em conflito, diferentemente da sua

    primeira definio, quando os critrios dominantes foram queles identificados pelaobjetividade cientfica.

    NOVO DIREITO E NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS

    As reflexes em torno do ordenamento ou sistema jurdico tendem a apagar apossibilidade de considerar a existncia de direitos, que possam estar para alm ouaqum dos limites de seu tempo e espao. Os juristas se esforam em fazer coincidir oespao jurdico com a sociedade, modernamente com o Estado. Trata-se do dogma da

    completude do ordenamento jurdico, que consiste na propriedade do direitoregulamentar toda e qualquer situao que exista de fato. Esta leitura formal do direito,

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    que privilegia a interpretao das normas e a coerncia do ordenamento tem seconstitudo em objeto de discusso em face dos fenmenos sociais e econmicosrecentes, que tem se apresentado de forma mltipla e complexa, obrigando a umareflexo permanente acerca dos significados do direito.

    Percebe-se que o formalismo excessivo utilizado para compreender os fenmenossociais e econmicos tem impedido a interpretao dos processos de extremacomplexidade, que se colocam distantes da forma como o direito se produz, reproduz edifunde. Os intrpretes do direito tm encontrado enormes dificuldades em atender deforma satisfatria as demandas, embora tenham se demonstrado bastante criativos emrelao a elas. A recusa em se admitir a insuficincia do ordenamento ou sistema

    jurdico, enseja a necessidade de revisitar o prprio direito e, nesse sentido, as reflexesdogmticas mais procuram se atualizar e o fazem se apropriando da noo depluralismo jurdico, que sempre foi tomado como algo residual do direito positivado.O pluralismo jurdico era formulado segundo o campo jurdico por historiadores esocilogos do direito. Eles se utilizavam dessa noo operacional para demonstrar a

    insuficincia do ordenamento jurdico, bem como para descrever as situaes darealidade, que no se encontravam catalogadas no direito. Contudo, as reflexes

    jurdicas mais recentes reconhecem o fato de que somos uma sociedade plural. Paraessa anlise: o pluralismo uma realidade, pois a sociedade se compe de uma

    pluralidade de categorias sociais, de classes, grupos sociais, econmicos, culturais eideolgicos. Optar pelo reconhecimento de que somos uma sociedade plural, tende aimpor uma ruptura com os esquemas de pensamento jurdico tradicionais e anecessidade de repens-lo luz das discusses do pluralismo jurdico.

    A diversidade importa no acatamento de prticas jurdicas diferenciadas, nem semprecatalogadas e que necessitam ser incorporadas s reflexes jurdicas para garantirdireitos efetivos diversidade de sujeitos e grupos sociais, que sempre ficaram distantesdos tratamentos jurdicos. As dificuldades de interpretar os fenmenos sociais luz dos

    padres jurdicos tradicionais, sempre ficaram evidenciadas diante dos fatos, embora osintrpretes preferissem ignora-los, j que a todo custo procuravam enquadrar assituaes aos dispositivos legais, apesar de reconhecerem as dificuldades. Para cadasituao, um dispositivo, o que implicava numa simplificao das situaes, quandoreduzidas ao mundo jurdico.

    Nesse sentido, o processo em curso que valida o pluralismo na ordem jurdica, importa,tambm, no reconhecimento de que a norma se origina de uma situao particular e que

    se universaliza no ambiente jurdico. O discurso jurdico e o senso terico comum dosjuristas tm garantido a produo, reproduo e difuso da universalidade da normajurdica, livre de qualquer tipo de interesses que possam macul-la. Isso se constituiunum dos obstculos epistemolgicos, que tem impedido a compreenso do prpriodireito, inclusive a sua possibilidade de atualizao.

    A necessidade de o direito ser pensado e organizado para atender determinadosproblemas torna-se obstculo prpria capacidade do direito se modificar diante dassituaes que se complexificam, na medida em que a sociedade se globaliza. Assituaes complexas tm implicado na necessidade de envolver uma maior participaodos interessados e dos que detm conhecimentos especficos a respeito, na medida em

    que esses procedimentos permitam contribuir na tomada das decises judiciais, quepossam ser consideradas mais justas.

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    Os resultados do reconhecimento de que somos uma sociedade plural implica numaampliao dos problemas, em decorrncia do grau de disputas acirradas, que se colocam

    por vezes de forma contraditria no interior da sociedade. Os esforos tericos devem seconcentrar na possibilidade de intensificar as reflexes do papel do direito na sociedadecontempornea e de sua aplicao frente dinmica da realidade, que

    reconhecidamente plural. Nesse sentido, as tentativas de simplificao dosprocedimentos, a fim de proporcionar maior celeridade resoluo dos conflitos devemser vistas com ressalva, sobretudo pelo fato de existir no momento atual reflexes nombito do direito, que procuram encontrar na idia do consenso, seno a nica, mas amelhor forma para a resoluo dos conflitos sociais existentes. As reflexes que seencontram ancoradas nas discusses de Democracia e Estado de Direito vm sendoobjeto de crtica, j que trazem no seu bojo a idia de que o direito representa osinteresses da sociedade, diluindo a poltica sob o conceito de direito.

    Observa-se que o critrio de identidade vem contribuindo numa maior capacidade dosgrupos sociais exerceram mobilizao poltica para reivindicarem direitos. A

    organizao e mobilizao dos povos e comunidades tradicionais se constituem em umimportante instrumento para enfrentar as situaes concretas, que se evidenciam nos

    processos de disputas pelos territrios. Nesse intenso processo vivenciado pelos grupossociais, o enfrentamento jurdico tem sido uma arena de luta privilegiada. Asmanifestaes polticas dos movimentos nas mais diversas situaes revelam diferentesestratgias e aes, que se colocam em face dos seus antagonistas. Um trao distintivoque pode ser considerado comum a todos esses grupos sociais o que pode serdenominado de luta jurdica localizada, que no se restringe aos limites do espaomunicipal. localizada no sentido de que os grupos tm acesso aos meios e ao PoderPblico responsvel para atender e executar as medidas eventualmente propostas. Osesforos dos grupos sociais em manter a luta jurdica localizada decorre da utilizaode diversas prticas, que no se encontram referidas ao aspecto discursivo, acabando porimpor formas prprias: junto s Cmaras Municipais e Assemblias Legislativas dosEstados, os povos e comunidades tradicionais alm de participarem das audincias

    pblicas para discutir projetos que lhes afetam direta ou indiretamente, apresentamproposies por meio de representantes, as quais tm se transformado em leis; emdiscusses com Poder Executivo vem discutindo e firmando determinadas medidas, quetem se traduzido em polticas especficas; e em discusso com o Ministrio PblicoEstadual e Federal apresentam e discutem a particularidade de seus problemas para adefesa de seus direitos.

    Percebe-se que h uma apropriao das prticas e do discurso jurdico, na medida emque esse campo tem se demonstrado extremamente favorvel s disputas polticas. Ofato do direito representar os interesses de determinados grupos - o reino de umdireito, como afirmou Jacques Rancire - no tem se apresentado neste momento, pelomenos, como um obstculo aos movimentos sociais que, ao se apropriarem dasprticas jurdicas, procuram propor dispositivos legais que estejam mais alinhadoscom a sua maneira de viver. Em determinados momentos, procuram interpretar osdispositivos consoante os seus interesses e vontades, apesar de que a interpretao nemsempre encontra eco nos esquemas de pensamento jurdicos dominantes, estruturadosem consonncia com os padres jurdicos tradicionais. Neste contexto em que os grupossociais se organizam e se mobilizam, importante destacar o papel do Poder Judicirio,

    que tem procurado reconhecer a relevncia da ampla participao da sociedade nos

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    julgamentos, diante da complexidade e da pluralidade de situaes, que impem novasformas, onde os pr-intrpretes so determinantes no processo decisrio.

    No caso, h uma necessidade de ocupar o campo jurdico, sobretudo em funo domomento vivenciado, em que os prprios intrpretes autorizados reconhecem a

    necessidade de uma maior participao da sociedade. Os esforos do Poder Judicirioem ampliar a participao da sociedade nos processos decisrios se encontramcoadunados com os interesses dos povos e comunidades tradicionais. Extensivamente aesse processo, os grupos sociais intensificam sua luta em explicitar a sua existnciasocial, bem como demonstrar a necessidade de proteg-la, mesmo que para isso sejanecessrio repensar os prprios padres jurdicos institudos.

    No processo que envolve o reconhecimento da diversidade, a primeira ao consiste emreafirmar e afirmar a idia da diferena, que motiva as reivindicaes dos diversos

    povos e comunidades tradicionais. A partir do intenso processo de organizao emobilizao poltica, os grupos sociais adotam a seguinte estratgia: a elaborao e

    proposio de dispositivos legais que, inicialmente, permitam reconhecer a suaexistncia social, bem como seus modos de fazer, criar e viver. As discusses emtorno da elaborao e proposio dos dispositivos legais tem sido um elo importante no

    processo de construo das identidades coletivas, na medida em que as discussespolticas em torno das proposies permitem ao mesmo tempo, afastar as divergncias eaproximar os grupos, frente os antagonistas. A fora e a intensidade dos processosfazem com que os grupos apaguem as diferenas e reforcem os laos de solidariedade.As idias da existncia de coeso social - que serviam para distinguir a regio dasdemais - so recuperadas, mas sem perder a possibilidade de realar as diferenasexistentes entre os diversos grupos sociais que compem a Amaznia.

    PRTICAS JURDICAS LOCALIZADAS: novos padres jurdicos

    O deslocamento dos enfrentamentos polticos para a luta jurdica localizada,sobretudo a produo de dispositivos legais no mbito municipal e, tambm, estadualrevela um dado novo, que merece ser incorporado s analises. Nesse processo, osmovimentos sociais passaram a ser os protagonistas e intrpretes de suas prprias aes

    e estratgias, diferentemente de outros perodos, onde o discurso era mediado. At adcada de 1980, observa-se que os conflitos se referiam s disputas pela terra na regioAmaznica, envolvendo uma intensa discusso em torno dos direitos de posse e

    propriedade. Na maioria das situaes, as discusses eram encaminhadas ao PoderJudicirio. O procedimento de encaminhar prevalentemente os conflitos ao PoderJudicirio representava uma das estratgias mais utilizadas em face de seusantagonistas. O seu objetivo consistia em garantir ou mesmo evitar qualquer tipo demedida que pudesse implicar na ameaa ou perda da terra em disputa, embora no seesperasse que as aes fossem xitosas, isto , julgadas favoravelmente. Os argumentosacionados eram os perfilados pelos advogados, que promoviam a disputa no campo

    jurdico. As aes eram organizadas com intuito de demonstrar a existncia da posse

    mansa e pacfica sobre a terra ou mesmo a insuficincia dos documentos acostados aosprocessos judiciais. As disputas jurdicas cingiam-se aos processos e s medidas

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    administrativas junto aos rgos fundirios, que eram acionados para promover oprocesso de desapropriao ou mesmo regularizao fundiria do imvel, objeto dolitgio.

    Na dcada de 1990, a esse discurso do direito agrrio, foram incorporadas as

    discusses de meio ambiente. A fora do discurso ambiental, que buscou identificarformas de preservao e conservao da regio Amaznica, fez com que os grupossociais passassem a ter uma participao mais ativa, aproximando-os das formulaes edos debates jurdicos ambientais, que procuravam identificar formas para melhordisciplinar as ocupaes e usos dos territrios. A experincia dos seringueiros com osProjetos de Assentamento Extrativistas (PAEXs), incorporado pela Poltica Nacional doMeio Ambiente por meio das Reservas Extrativistas (RESEXs), um exemplorecorrente. Ele se espraiou por toda regio Amaznica, vindo a se incorporar na Poltica

    Nacional de Unidades de Conservao.

    No entanto, somente a partir do aumento do grau de organizao e mobilizao

    dos grupos sociais que as demandas jurdicas passaram a se tornar mais complexa,impondo questionamentos aos procedimentos comumente utilizados, que vinham sedemonstrando ineficazes diante dos problemas, que se colocavam e que ameaavam areproduo fsica e cultural dos grupos. As discusses no mais se referiam ao direito terra, mas a um conjunto de proposies, que implicam no reconhecimento da existnciasocial dos povos e comunidades tradicionais. Os discursos jurdicos, agrrio eambiental, at ento hegemnicos foram perdendo gradativamente fora junto aosmovimentos sociais, que passaram a articular as lutas a partir de novas formas. Tal

    processo reflete as novas aes e estratgias dos grupos sociais, que procuram comomedida na manuteno de seus direitos, aes mais localizadas em que pudessem detero controle poltico do processo.

    A maioria dos projetos de lei apresentados pelos representantes dos movimentossociais foram e esto sendo aprovados nas diversas Cmaras Municipais de toda regioAmaznica. Os projetos de lei, que implicam numa maior liberdade ou restrio dedeterminadas prticas sociais, apesar de sofrerem forte resistncia, acabam sendoaprovados. Os contedos dos projetos representam o grau de enfrentamento envolvendointeresses diversos, que se realiza no interior dos espaos polticos. Verifica-se que omaior grau de organizao e mobilizao dos grupos reflete os ganhos e as perdas dos

    projetos de lei apresentados. As estratgias utilizadas para a discusso e apresentao daproposio - que vai desde a escolha do vereador ou parlamentar - bem como as

    articulaes que ocorrem no decorrer de toda tramitao do projeto, incluindo o dia davotao, so dados relevantes que necessitam ser analisados, uma vez que contribuemcom o maior ou menor xito da maioria das propostas apresentadas. Nessa arena, ondeos interesses divergentes se explicitam, a ao poltica exercida pode significar umgrande passo em direo a aprovao dos projetos.

    O contedo dos projetos aprovados alm de expressarem a correlao de foraslocalizadas, evidencia as situaes existenciais de fato, vivenciadas diferentemente porcada grupo social, por isso mesmo no h restries legais em relao ao que foiaprovado. Uma vez aprovadas, as leis ficam sacramentadas e hermticas aosquestionamentos. As leis aprovadas so acatadas, sendo que os diversos grupos e o

    Poder Municipal procuram cumprir o que foi previamente pactuado. O pacto envolveuma conscincia geral do profundo conhecimento da questo e a necessidade de

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    regulament-la, sob pena de novos conflitos. Observa-se que os envolvidos possuemplena conscincia dos direitos em jogo, bem como da necessidade de proteg-los.

    Os deslocamentos das aes e estratgias para o plano jurdico local,especificamente para o da elaborao e proposio de leis vm servindo para reconhecer

    a existncia social dos grupos sociais e, sobretudo legitimar as suas aes. Trata-se depromover a passagem de uma situao de invisibilidade para a de visibilidadejurdica, pois o direito somente protege os visveis. Contudo, esse processo poucorefletido, em funo dos resultados positivos at aqui alcanados. Os grupos sociaisvm apostando suas lutas nesse processo que, sem dvida, contribui com a construode suas identidades. A elaborao e proposio dos dispositivos legais auxiliam noreforo e atualizao dos laos sociais. Os indivduos passam a se identificar enquantomembro do grupo.

    Os novos dispositivos legais criados a partir do controle exercido pelosmovimentos sociais determinaram de certa forma, a ampliao e abertura do

    ordenamento ou sistema jurdico at ento indiferente aos direitos desses grupos. Osnovos dispositivos necessitam ir se acomodando ao universo jurdico, sendo que esse

    processo pode implicar em um menor controle dos grupos sociais, em funo daautonomia do campo jurdico. A autonomia construda em face das necessidadesde produo, reproduo e difuso de um discurso jurdico, que sempre se ocupou emnegar direitos a esses grupos. Isso dever implicar em um novo conjunto de aes eestratgias, sobretudo na capacidade dos grupos explicitarem a legitimidade dos seusdireitos que, em muitos momentos, se encontram em conflito com o prprio direito. Osesforos dos grupos devero se dirigir e concentrar no direito em dizer o direito.

    CONSIDERAES FINAIS

    No bojo da dinmica da regio Amaznica, os novos movimentos sociaisganharam fora e vitalidade, em face dos projetos de interveno na regio, que

    procuram inclu-la na expanso capitalista. Em decorrncia, as prticas sociais dosdiferentes grupos sociais vm se impondo na ordem, acarretando uma intensa disputasobre os territrios e no processo de redefinio da regio.

    por esse motivo que os debates sobre a redefinio da regio Amaznica no

    podem prescindir da participao e do contedo desses grupos sociais. A fora evitalidade dos movimentos sociais residem, em primeiro lugar, no fato de teremgarantido a sua existncia enquanto grupo socialmente distinto. A sua permanncia e

    perenidade rivalizaram com todos os esquemas cientficos de pensamento, quededuziam o seu fim ou assimilao diante da sociedade nacional. Segundo essasleituras, esses grupos estariam fadados ao desaparecimento. Em segundo, porque a

    partir dessa primeira, lograram questionar o direito na sua concepo universalista,obrigando -o a se debruar sobre as diversidades e as singularidades. Em outras

    palavras, a luta jurdica localizada, enquanto instrumento, vem aproximando o direitodas situaes mais particularizadas, implicando num repensar do prprio contedo

    jurdico.

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    Tal processo vem fazendo com que os grupos sociais transitem de uma situaode invisibilidade para visibilidade; enquanto sujeitos coletivos de direitos tm suasprticas jurdicas igualmente reconhecidas dentre tantas. A regio Amaznicaexpressa e contm essa diversidade scio-cultural, que deve ser preservada, sendo que

    por esse motivo, tomando emprestado o ttulo do livro de Ronald Dworkin, levar a

    srio as proposies dos povos e comunidades tradicionais, incorporando-as comolegitimas no interior da ordem jurdica, sob pena de negar direitos, comprometendo areproduo fsica e cultural desses grupos sociais.

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    Documentos e Peridicos

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    CURITIBA. Decreto n.889/ 2004, outorga permisso e uso. D.O.M., n.74, de 28 desetembro de 2004.

    DEFICIENTE auditiva ter intrprete na sala de aula. Folha de So Paulo, 28 de junhode 2008. p.C4.

    CMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei n 1.278, de 2007, D nova redaoao inciso VI do 2 do art.1 da Lei n 4.771, de 15 de setembro de 1965, para alterar adefinio de Amaznia Legal.

    134 CANDIDATOS se declaram gays ou aliados, diz ABGLT. Folha de So Paulo,16 de agosto de 2008. p.A6.

    SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n 005, de 2005, Altera o inciso VI do 2 doart.1 da lei 4.771, de 15 de setembro de 1965, na redao alterada pela MedidaProvisria n 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, que dispe sobre a abrangncia da

    Amaznia Legal, e d outras providncias.

    STF amplia participao no debate pblico. Folha de So Paulo, 10 de agosto de 2008.A12.

    O artigo 43 da CF de 1988 previu a existncia das regies, com objetivo de promover odesenvolvimento e reduzir as desigualdades regionais. Para efeitos administrativos, aUnio poder articular sua ao em um mesmo complexo geoeconmico e social,visando a seu desenvolvimento e reduo das desigualdades regionais.

    O Projeto de Lei n 1.278, de 2007, de autoria do deputado Osvaldo Reis, do Estadodo Tocantins, e se encontra em trmite na Cmara Federal. O Projeto de Lei n 005, de2005, de autoria do senador Jonas Pinheiro, do Estado do Mato Grosso, e se encontrano Senado.

    Vale ressaltar que h uma vasta literatura a respeito das tentativas de definir e delimitara regio Amaznica. Tais discusses procuravam identificar o que poderia ser tomadocomo unidade da regio no sentido de justificar a sua existncia fsica e social. ParaEidorfe Moreira, na delimitao oficial (Lei n 1.806, de 06 de janeiro de 1953, quecriou a Superintendncia do Plano de Valorizao Econmica da Amaznia - SPVEA;Lei n5.173, de 27 de outubro de 1966, que extinguiu a SPVEA e criou aSuperintendncia do Desenvolvimento da Amaznia - SUDAM e Medida Provisrian2.157-5, de 24 de agosto de 2001, que extinguiu a SUDAM e criou a Agncia deDesenvolvimento da Amaznia - ADA), acabou vencendo o critrio geodsico

    (Moreira, 1958, 23-23); sendo que alm desse critrio, outros poderiam ser igualmente

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    acionados, tais como: o hidrogrfico, o fitogeogrfico, o zoogeografico, opoltico e o econmico.

    Se for possvel afirmar que h alguma relao entre os critrios o fato de se colocaremcomo verdade absoluta, por isso mesmo as discusses em torno dos critrios que

    justificariam a idia de regio Amaznica devem ser objeto de reflexo. No se podeperder de vista que a idia de regio est inscrita numa luta entre os cientistas queaspiram pelo monoplio de sua definio legitima (Bourdieu, 1989, 108). Para esseautor: Ora, a cincia social, que obrigado a classificar para conhecer, s tem alguma

    probabilidade, no j de resolver, mas de, pelo menos, por correctamente o problemadas classificaes sociais e de conhecer tudo o que, no seu objecto, produto de actosde classificao e fizer entrar na sua pesquisa da verdade das classificaes oconhecimento da verdade dos seus prprios actos de classificao. O que quer dizer queno possvel dispensar, neste caso menos que em qualquer outro, uma anlise darelao entre a lgica da cincia e a lgica da prtica (Bourdieu, 1989, 111). Foucaulttambm chama ateno para a relao entre o poder e o saber, sobretudo das metforas

    geogrficas: Desde o momento em que se pode analisar o saber em termos de regio...pode-se apreender o processo pelo qual o saber funciona como um poder e reproduz osseus efeitos. Existe uma administrao do saber, uma poltica do saber, relaes de

    poder que passem pelo saber e que naturalmente, quando se quer descrev-las, remetem-se quelas formas de dominao a que se referem noes como campo, posio, regioe territrio. (Foucault, 1988, 158).

    A propsito da discusso entre planejamento e direito, ver a pesquisa desenvolvida porGrau. Para o autor, apesar de o planejamento tentar se desprender de seu contedo,trata-se de uma noo fortemente marcada por uma ideologia: O que define um

    pressuposto de no neutralidade no planejamento justamente o compromisso prvio depreservao do mercado, instituio fundamental do sistema. (Grau, 1978, 41).

    Para Oliveira Filho esse esquema interpretativo objetiva construir uma histria geralda regio. A noo de ciclo imps-se como modelo de organizao dos fatoshistricos ligados produo da borracha. Continua o autor ...o uso de tal noofunciona como mecanismo de filtragem e incorporao de fatos a uma forma pr-

    definida, excluindo sistematicamente de considerao aqueles fenmenos que pudessemrefutar ou relativizar seu valor heurstico. (Oliveira, 1979, 102).

    Na regio Amaznica, diversas atividades extrativas foram objeto de interpretaoeconmica. No entanto, apesar de utilizarem de esquemas analticos diferenciados paraexplicar os processos de explorao que se verificou em momentos distintos, acabaramchegando aos mesmos resultados: declararam o fim da atividade extrativa. Para essetipo de anlise, acabaram os seringais, os castanhais, os babauais. A respeito da anliseeconmica da atividade extrativa do babau, ver Amaral Filho (1990).

    Oliveira Filho (1979, 106).

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    O chamado Zoneamento Ecolgico-Econmico da Amaznia apresenta tambm umcarter autoritrio, com os mesmos arranjos de desenvolvimento para a regio(Acselrad, s/d).

    O que importante reter que a formao talvez no de um consenso, que umprocesso sociocultural de maior flego, mas de uma impresso, de que os problemas daAmaznia eram to grandes, imensos, que as sociedades, comunidades, tribos, naesindgenas e etnias locais e regionais no teriam foras, competncia tcnica, recursosfinanceiros, poderes abrangentes para super-los. (Oliveira, 1994, 6). Alis, essediscurso se vinculou a um outro, que foi igualmente produzido, reproduzido edifundido e que relaciona a total incapacidade do Homem Amaznico diante daimensido da floresta (Rangel, 1914; Cunha, 1946; Moog, 1936).

    Em meados da dcada de 1980, a intensificao do desmatamento na regio Amaznicalevou os movimentos sociais a se empenharem com os problemas ambientais. Aexistncia social dos diversos grupos estava condicionada manuteno da floresta. Noentanto, o discurso de preservao ganha fora somente com o aparecimento da questoda biodiversidade, que projetou nova luz sobre o meio ambiente. Os esforos em

    proteger a floresta esto entrelaados com o seu valor econmico. As florestasrepresentam um enorme depsito de espcies e de recursos genticos que podem serexplorados economicamente. Para Santos, inaugura-se um novo tipo de explorao

    predatria que leva em considerao os potencias da diversidade da regio (Santos,1994).

    A necessidade de regulamentao dos conhecimentos tradicionais deve ser analisadacom extrema cautela pelos intrpretes do direito, pois as categorias jurdicas utilizadas,sobretudo o contrato, ainda que de repartio de benefcios, tem sido um importanteinstrumento para facilitar e acelerar as transaes mercantis, sem nenhuma preocupao

    prvia com os envolvidos. O contrato um instrumento mercantil, que rompe com oslaos e as relaes comunitrias existentes entre os diferentes sujeitos e grupos sociais.A propsito dessa discusso, que objetiva analisar o processo de regulamentao

    jurdica luz das situaes vivenciadas pelos povos e comunidades tradicionais,consultar Shiraishi Neto; Dantas (2008).

    A sntese desse processo que se verifica em quase toda regio Amaznica, pode serresumida na noo de devastao dos recursos naturais. O grau de intensidade e aextenso das reas atingidas so tamanha, que se distingue das situaes ocorridas emmomentos anteriores. A respeito do processo nas reas de babauais, ver Almeida,Shiraishi Neto e Martins (2005).

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    O conceito de unidades de mobilizao utilizado por Almeida nos auxilia nestaanlise das aes coletivas que demandam conhecimento jurdico formal. As unidadesde mobilizao representam instrumentos organizativos dos quais esses grupos sociaislanam mo para garantir e assegurar direitos em face das polticas contrrias aos seusinteresses vitais, isto , as polticas pblicas que possibilitam os elementos bsicos

    formao de composies e de vnculos solidrios essncias ao xito dessasmobilizaes (Almeida, 1994, 23).

    Almeida (2006, 21-99).

    interessante observar o intenso processo de mobilizao das chamadas quebradeirasde coco babau a respeito do seu processo de territorializao. Segundo Almeida ...o

    mundo das quebradeiras revela-se agora poltica e economicamente construdo e suaabrangncia transcende as fronteiras fixadas pelas divises poltico administrativas. Suaexistncia coletiva, por outro lado, no se confunde, necessariamente, com as reas deocorrncia de babau. O movimento das quebradeiras no existe em todos os lugares emque h babauais. (Almeida, 1995, 19).

    Carbonnier procura (des)naturalizar as noes jurdicas de espao e tempo. Lembra queo espao jurdico tem por suporte natural um territrio, entretanto exemplifica asituaes dos grupos nmades. Enquanto que uma tribo cigana pode se constituir numespao jurdico sem domnio territorial (Carbonnier, 1978, 349), outros grupos podemcompreender certa noo de territrio , como rea de deslocao (Carbonnier, 1978,349).

    Carbonnier (1978, 356).

    Bobbio (1999).

    Para Faria, a expanso e o desenvolvimento da economia capitalista vm afetandoradicalmente a estrutura, a funcionalidade e o alcance do direito positivo. Suas normas,face a uma realidade dominada por foras e dinmicas globais que ultrapassam osmarcos institucionais e nacionais tradicionais, vm perdendo a capacidade de ordenar,moldar, conformar, controlar e regular a sociedade e a economia. (Faria, 2002, 59).Sobre as profundas transformaes do direito, que se encontra em processo de sersuprimido, substitudo ou suplantado, consultar Arnaud (1999).

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    O reconhecimento dos direitos das chamadas minorias tem se tornado palco de acirradasdisputas, sobretudo em funo das enormes dificuldades operacionais de implement-los. O universalismo jurdico tem rivalizado com o particularismo das situaes. NoEstado de So Paulo, uma deficiente auditiva conseguiu na Justia o direito de ter umaintrprete de Libras (lngua brasileira de sinais) na sala de aula (Folha de So Paulo, 28

    de junho de 2008. p.C4). As dificuldades de garantir tal direito parte da prpriaSecretaria Estadual da Educao, que alega que o cargo de intrpretes de Libras aindano foi criado.

    As reflexes sobre a noo de pluralismo jurdico eram realizadas em espaos nodogmticos por envolverem dimenses outras de uma discusso jurdica. Os debatesmais sistematizados em torno dessa noo foram realizados por socilogos do direito.Dentre os trabalhos, ver Gurvitch (1946) e Carbonnier (1978).

    No interior das reflexes jurdicas, vale destacar o trabalho de Bobbio sobre pluralismojurdico. O autor procura distinguir os ordenamentos jurdicos no estatais do estatal(Bobbio, 1999, 164). A despeito de coloc-los no mesmo plano, numa concepoaparentemente dialtica, procuram dot-los dos mesmos elementos caracterizadores dosordenamentos estatais, cuja forma e rigidez so elementos imprescindveis para a suaexistncia. Tal entendimento de matiz nitidamente positivista do que seria ordenamento

    jurdico tende a levar ao processo de absoro, da recusa ou indiferena doordenamento estatal em relao ao no estatal, sobretudo por no possurem esseselementos caracterizadores, o que lhes retira a condio de ordenamento jurdico.

    J Santos procura identificar os contextos em que aparece o pluralismo jurdico. Almdo contexto colonial, onde se verifica o direito do Estado colonizador em face dodireito tradicional, temos as situaes em que os Estados adotam o direito europeucomo instrumento de modernizao e de consolidao do poder; as situaes derevoluo social, onde um direito tradicional entra em conflito com o direitorevolucionrio; e as situaes em que os povos so submetidos ao direito doconquistador (Santos, 1988, 64-78).

    Wolkmer (2001).

    As reflexes sobre a noo de pluralismo jurdico procuram explicitar diferentessituaes. Para Faria, as limitaes do direito positivo que se relevam incapazes desuperar os problemas decorrentes do desenvolvimento e expanso do capitalismo, fazemergir espaos infra e supra legais, sendo que os primeiros sem interferncia e ossegundos com interferncia dos Estados (Faria, 2002, 60-78).

    A despeito do resultado da anlise que se preocupa em identificar a unidade plural dasociedade, importante destacar o trabalho do Reale no mbito do direito, pois esse

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    autor reafirma o fato de que somos substancialmente uma sociedade plural quesomente pode ser compreendida mediante uma srie de fatores e circunstncias que seinterligam de maneira complementar e dinmica. (Reale, 2001, 23). Alis, essa anlisede que somos uma sociedade plural, j havia sido anunciada em um outro perodo

    pelo mesmo autor (Reale, 1963).

    Silva (2007, 143).

    No contexto das discusses, vale retomar a polmica gerada em torno da morte daConstituio Dirigente, nos moldes desenhados por Canotilho, a respeito da necessidadede se repensar a Constituio Federal de 1988 para alm dos esquemas comumenteacionados, sobretudo numa poca de cidadanias mltiplas e mltiplos de cidadania.

    Para esse constitucionalista portugus pensar o direito a partir desses esquemas seriaprejudicial ao prprio cidado.

    J no final do sculo XIX e incio do sculo XX h toda uma literatura jurdica arespeito do tema, da dificuldade das leis frente os fatos. Entre os autores, consultar:Geny (1899); Morin (1945); Cruet (2003).

    A propsito da necessidade do direito enquadrar as situaes para encontrar a suanatureza jurdica, vale a pena ver as discusses em torno do mutiro se se trata dequal espcie de contrato. Aps discorrer sobre as situaes que envolveria o que foidesignado como mutiro, Freitas Marcondes chega a seguinte concluso: podemosconcluir que o mutiro uma conveno consuetudinria de trabalho, sinalagmtica,onerosa, `sui generis, tendo por fundamento o solidarismo humano. (FreitasMarcondes, 1949, 112). Alm desse, outros exemplos tambm poderiam ser perfilados.A respeito do enquadramento jurdico do faxinal, no Estado do Paran, ver: GevaerdFilho (1986).

    Para Warat, a expresso senso comum terico dos juristas designa as condiesimplcitas de produo, circulao e consumo das verdades nas diferentes prticas deenunciao e escritura do Direito. Trata-se de um neologismo proposto para que se

    possa contar com um conceito operacional que sirva para mencionar a dimensoideolgica das verdades jurdicas. (Warat, 1994, 13).

    Miaille (1994, 37-42).

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    Em que pese necessidade de uma anlise mais rigorosa de como tem sido aparticipao nos processos judiciais em curso no Supremo Tribunal Federal, observa-se que esse Tribunal mudou de posio, pois tem se empenhado em assumir um papelmais ativo, quando da apreciao de questes polticas de ampla repercusso nacional.Trata-se de uma preocupao coadunada a uma tendncia na ordem jurdica mundial.

    Ela se relaciona necessidade de criar procedimentos que possibilitem um maiornmero de subsdios para fundamentar as decises. O julgamento das clulas tronco,por exemplo, levou a realizao da primeira audincia pblica na histria do STF paradiscutir esse tema (Folha de So Paulo, 10 de agosto de 2008. A12).

    Silva (2007, 143).

    De forma antagnica as reflexes de Silva, onde o direito assume posio central naresoluo dos conflitos, temos a postura de Wald e Martins, que buscam afastar esse

    papel. Para esses autores: enquanto o processo judicial uma espcie de guerra queafasta as partes, a arbitragem tenta manter as relaes entre elas de modo que possamcontinuar a atuar em conjunto nos contratos de longo prazo, quer como fornecedores,quer como clientes. (Wald; Martins, 2006). Sobre a discusso da substituio dosmodelos jurdicos do modelo do conflito pelo modelo do consenso - importanterefletir as concluses de Nader. Para essa autora, a substituio dos modelos conflitivos

    para os de harmonia, no significa que esse ltimo seja benigno. O modelo de harmonia,pelo contrrio, tem sido um poderoso instrumento de controle social, exatamente pelofato de aceitarmos a harmonia como benigna (Nader, 1994).

    Ranciere chama ateno para o fato de o reino do direito sempre o reino de umdireito. (Ranciere, 1996, 110).

    Almeida enfatiza o fato de que os movimentos sociais na regio Amaznica vm seconsolidando fora dos marcos tradicionais dos Sindicatos, incorporando critrios

    tnicos, que expressam a diversidade de formas de existncia coletiva (Almeida, 2006,21-26).

    O processo vivenciado por esses grupos sociais de promover a luta jurdica localizadase encontra em sintonia com o conjunto de reflexes jurdicas a respeito da democracia

    participativa. Para Bonavides, trata-se de introduzir uma nova legitimidade, cujabase seria o cidado (Bonavides, 2008). Alis, para Sen, o exerccio dos direitospolticos fundamental s pessoas, no sentido de garantir a participao, a reivindicaoe formulao de propostas. Os direitos polticos no so apenas fundamentais para

    demandar respostas polticas, mas tem um papel construtivo na conceituao dasnecessidades (Sen, 2000, 173-187).

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    Embora o sistema de consulta e participao estejam previstos na Conveno n.169 daOIT, esses procedimentos no so adotados pelos diversos rgos pblicos, quando darealizao de atividade que possa atingir direta ou indiretamente os povos e

    comunidades tradicionais. Percebe-se que os procedimentos so realizados ou no,consoante vontade do titular do rgo.

    Em 10 de julho de 2007, as Comisses de Meio Ambiente e DesenvolvimentoSustentvel, de Direitos Humanos e Minorias e da Amaznia, Integrao Nacional e deDesenvolvimento Regional realizaram uma Audincia Pblica, na Cmara dosDeputados para discutir o PL n.213/ 2007, que dispe sobre a proteo da derrubada de

    palmeiras de babau nos estados do Maranho, Piau, Tocantins, Par, Gois e matoGrosso., apresentado pelo Dep. Domingos Dutra. Essa audincia somente foi realizadaem virtude de um requerimento pessoal do referido deputado. O Regimento Interno daCmara dos Deputados no consta de nenhum artigo que determine a realizao de

    audincia pblica em caso de projetos de lei que possam atingir povos e comunidadestradicionais.

    Recentemente foi aprovado o PL n.231/ 2007, no Estado do Tocantins, que dispesobre a proibio da queima, derrubada e do uso predatrio das palmeiras de babau eadota outras providncias. Em 2007, a rede puxiro, no Estado do Paran, conseguiuaps a realizao de uma audincia pblica, a aprovao do Projeto de Lei n.477/ 07,que dispe sobre o Sistema Faxinal e o processo de reconhecimento dos faxinalensesno Estado do Paran.

    Em Curitiba, os ciganos da Associao de Preservao da Cultura Cigana (APRECI)conseguiram da Prefeitura Municipal a outorga de permisso e uso de uma rea para aimplementao do Memorial da Cultura Cigana, segundo o Decreto n.889/ 2004. interessante observar que o art.6 do referido Decreto determina a vigncia do contrato

    por um perodo de 90 (noventa) dias, perodo exguo se levado em considerao osobjetivos contidos no Decreto. Na verdade, o ento Prefeito Municipal empurrou o

    problema para o prximo prefeito, que dever adotar as medidas jurdicas, em funo do

    termino do contrato.

    No mbito desse processo, vale destacar o Decreto de 27 de dezembro de 2004, quecria a Comisso Nacional de Desenvolvimento Sustentvel das ComunidadesTradicionais e d outras providncias; e o Decreto n.6.040, de 7 de fevereiro de 2007,que institui a Poltica Nacional de Desenvolvimento Sustentvel dos Povos eComunidades Tradicionais.

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    Na Comarca de So Lus Gonzaga, no Estado do Maranho, o MP do Estado propsuma ao civil pblica, com pedido de liminar, proibindo a derrubada de palmeiras de

    babau. Tal ao originou-se de uma representao da Secretaria da Mulher doSindicato de Trabalhadores Rurais de So Lus Gonzaga.

    No Estado do Paran, a partir de representaes formuladas pelos faxinalenses juntoao Ministrio Pblico do Estado, foram propostas duas aes civis pblicas, com pedidode liminar, proibindo o cercamento de uma parte da rea do faxinal. No Seminrio deDireitos tnicos e Coletivos, que foi realizado na sede da Fundao Escola doMinistrio Pblico do Estado do Paran, entre os dias 19-20 de agosto de 2008, orepresentante do MP se disps atuar conjuntamente na defesa dos direitos dos povos ecomunidades tradicionais do Estado.

    A prtica de elaborar e propor dispositivos legais tm sido utilizados indistintamente em

    funo de interesses diversos, que nem sempre esto explicitados. Na cidade deManaus, determinados indivduos que se autodefinem caboclos conseguiramaprovao de dois projetos de lei, no mbito municipal e estadual (Lei n. 3.140, de 28de junho de 2007), instituindo o dia do caboclo, que comemorado em 24 de junho. interessante observar que a designao caboclo, reivindicada enquanto critrio deidentidade, utilizada para reforar o poder de determinados polticos conservadores daregio.

    Tem-se observado uma preocupao dos movimentos sociais, portadores de identidade,em ocupar os espaos do legislativo municipal. Tal preocupao se faz presente emvrios segmentos sociais. Segundo levantamento divulgado pela Associao Brasileirade Gays, Lsbicas, bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), pelo menos 134candidatos nas eleies deste ano se declaram gays, lsbicas, travestis ou aliados domovimento (Folha de So Paulo, 16 de agosto de 2008. p.A6).

    A presente reflexo fez um recorte proposital, priorizando uma leitura a partir dasquestes jurdicas. Este perodo marcado por um intenso processo de mobilizao

    poltica dos trabalhadores rurais em torno da Reforma Agrria.

    No mbito de atuao do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babau(MIQCB) existem pelo menos 14 (quatorze) leis aprovadas, que tratam de regulamentaro acesso e uso das palmeiras de babau. Ver: Shiraishi Neto (2006).

    Vale destacar, tambm, a Lei n. 145, de 11 de dezembro de 2002, que dispe sobre aco-oficializao das Lnguas Nhengatu, Tukano, Baniwa Lngua Portuguesa, nomunicpio de So Gabriel da Cachoeira, Estado do Amazonas. A esse respeito, consultar

    Almeida (2007).

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    A Cmara Municipal de Antonio Gonalves, no Estado da Bahia, aprovou o projeto delei n.04/ 2005, que cria a lei de licuri livre ou lei do ouricuri, sua preservao,extrativismo e comercializao. copiosa os projetos e as leis aprovadas pela rede

    puxiro, no Estado do Paran.

    A esse respeito, interessante observar os projetos de lei, que foram apresentados eaprovados nas Cmaras Municipais pelas chamadas quebradeiras de coco babau. Ograu de organizao e mobilizao est expresso no contedo da lei aprovada, enquantoa Lei de Lago do Rodrigues garante o livre acesso e uso, a de Praia Norte, condiciona.A ttulo de exemplo, comparar o artigo 1 da Lei n.32/ 1999, do municpio do Lago doRodrigues, no Estado do Maranho, com o artigo 1 da Lei n.49/ 2003, do municpio dePraia Norte, Estado do Tocantins. Artigo 1 da Lei n.32/ 1999: As palmeiras de

    babau existentes no municpio de Lago dos Rodrigues, Estado do Maranho, so delivre acesso e usodas populaes extrativistas que as exploram em regime de economiafamiliar e comunitria. G.N Artigo 1 da Lei n.49/ 2003: As palmeiras de coco

    babau existentes no Municpio de Praia Norte TO, sero de propriedades e

    responsabilidades dos proprietrios das terras, e na medida do possvel podero serexploradas pelas quebradeiras de coco babau e suas famlias, que devero explorar emregime de economia familiar e comunitria, ficando a efetivao de caeiras dentro dasterras de particulares , e caso destas vierem a existir danos aos pastos e natureza, osresponsveis pela tragdia, juntamente com o segmento organizado ao qual pertence,devero ser punidos nos termos da lei. G.N