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25.449
Capítulo 5
O FANTASMA DA ESCASSEZ
5.1 O fim da era do petróleo “fácil”
Como qualquer recurso natural não-renovável, o petróleo se
esgotará um dia, caso seja extraído incessantemente. De acordo com
o BP Statistical Review of World Energy 20111, as reservas provadas de
petróleo existentes no mundo somam 1,5 trilhão de barris. No ritmo
atual de consumo, de 87 milhões de barris diários ou 32 bilhões
anuais, a humanidade levaria 45 anos até consumir a última gota de
petróleo, caso novas descobertas não ampliem as reservas. Esses
dados deveriam ser suficientes para causar uma sensação de alívio
quanto às possibilidades de manutenção, ainda por muito tempo,
dos atuais padrões de consumo de energia – se deixarmos de lado, é
claro, a preocupação com o impacto ambiental do dióxido de
carbono, o CO2, o principal gás causador do aquecimento global,
cujas emissões provêm, principalmente, do consumo de petróleo e
carvão.
O otimismo desaparece diante da constatação de que as reservas
originais de petróleo – um recurso natural não renovável, sempre é
bom lembrar – ficaram depositadas no fundo da terra durante
dezenas de milhões de anos, sob as mais variadas formas, nem todas
1 BP, BP Statistical Review of World Energy 2011, p.6.
2
de acesso fácil ou economicamente viável, mesmo com as modernas
tecnologias disponíveis. A primeira metade do volume disponível
correspondia às maiores reservas, com petróleo de melhor
qualidade e menos obstáculos à exploração. Esgotada a era do
“petróleo fácil”, a indústria mundial de energia se vê obrigada a
recorrer, cada vez mais, a fontes de petróleo situadas em locais
perigosos (como o litoral do Golfo do México, onde os furacões
tornam a exploração impraticável durante uma parte do ano),
ambientalmente sensíveis (como os campos petrolíferos situados na
Reserva Nacional da Natureza no Ártico, no estado do Alasca) e de
acesso muito difícil (o caso das reservas brasileiras na camada
submarina do pré-sal), além do chamado “petróleo não-
convencional”, como as areias betuminosas do Canadá, em que o
óleo, misturado a outros minerais, só pode ser extraído com um
enorme dispêndio de energia (e de dinheiro).
Com o consumo da metade remanescente dos estoques globais de
petróleo aumentando a um ritmo que oscila entre 1,3% e 2% ao ano,
acentua-se o desequilíbrio estrutural do mercado petroleiro, que se
expressa em uma demanda que cresce mais depressa do que a
oferta. No documento intitulado Facing the Hard Truths about Energy
(“Encarando as Verdades Difíceis sobre Energia”), o Conselho
Nacional de Petróleo (NPC, na sigla em ingês), principal entidade
corporativa das empresas petroleiras estadunidenses, advertia em
2007 que “a oferta global de petróleo e gás natural de fontes
3
convencional (...) dificilmente alcançará (...) o aumento da demanda
nos próximos 25 anos”. De acordo com o relatório, assinado por 174
entre os maiores especialistas mundiais em energia, a existência de
uma vasta quantidade de hidrocarbonetos no subsolo do planeta
não impedirá que uma combinação de “desafios complexos” e
“incertezas globais” venha provocar, em um prazo relativamente
curto, o esgotamento dos “suprimentos energéticos suficientes,
confiáveis e econômicos dos quais a população (estadunidense)
depende”2.
Entre esses desafios, o NPC enfatiza a alta da demanda em
decorrência da extraordinária expansão econômica dos países em
2 NATIONAL PETROLEUM COUNCIL. Facing Hard Truths about Energy – A Comprehensive View to 2030 on
Global Oil and Natural Gas. 2007. Disponível www.npc.org
4
desenvolvimento. Esses países, cuja população em 2030 representará
80% do total mundial, estão atingindo agora o ponto em que a
riqueza individual e o consumo de energia começam a se acelerar.
Um dado expressivo, citado no documento, é o rápido crescimento
da frota de carros na China. Embora esse número tenha mais do que
dobrado entre 2000 e 2006, ainda existe apenas 1 automóvel para
cada 40 chineses, enquanto nos EUA essa proporção é de 1 para
cada duas pessoas. Não é de estranhar, portanto, que as vendas de
automóveis na China estejam se expandindo em ritmo vertiginoso.
Em 2005, o país ultrapassou o Japão com o segundo maior mercado
de carros privados no mundo, com a venda de 5,9 milhões de
veículos, e a previsão é que a China se tornará o líder mundial em
2020, à frente dos EUA.
Outros fatores, além dos automóveis, estão impulsionando o
consumo de energia na China. Por exemplo, a construção de
arranha-céus, uma das expressões mais espetaculares do
crescimento do país. A cidade de Xangai tem atualmente 5 mil
arranha-céus, o quase dobro da quantidade existente em Nova York.
Esses edifícios, que estão sendo construídos aos milhares por todo o
país, são equipados com sistemas de ar-condicionado e uma
infinidade de aparelhos elétricos, o que implica um intenso
consumo de energia. Na Índia, os indicadores não ficam muito atrás:
crescimento econômico anual de mais de 7% na última década, mais
de 1 milhão de carros vendidos por ano – e todos os demais fatores
5
que, no terreno energético, se traduzem em uma expansão acelerada
do consumo. A Índia, a Malásia, a Indonésia, a África do Sul e a
Turquia, entre outros, devem somar-se aos países industrializados e
elevar a demanda global a níveis insustentáveis. Segundo as
previsões da AIE, a demanda por energia primária vai aumentar
entre 2007 e 2030 da seguinte forma: 76% nos dez países que
compõem a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean)3;
88,64% no Oriente Médio; 94,26% na China e 116,30% na Índia4.
Conclui-se que o centro da nova ordem energética mundial vai
migrar para o leste em função dos fluxos de suprimentos a partir do
Oriente Médio, Eurásia e África, e da demanda dos países asiáticos,
em uma guinada que poderá alterar as lógicas de segurança da
ordem internacional.
3 Vietnã, Camboja, Laos, Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas, Cingapura, Bornéu...
4 INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, 2009, p.76.
6
5.2 O desequilíbrio estrutural entre oferta e demanda de energia
primária
De onde virão os recursos necessários para atender a busca por
suprimentos de energia cada vez maiores? A AIE prevê que todo o
aumento na oferta de petróleo nos próximos vinte anos ficará por
conta dos integrantes da Organização dos Países Exportadores de
7
Petróleo (Opep), pois a maior parte dos fornecedores que não
participam da Opep já atingiram seu ponto máximo (“pico”) de
produção.
A pergunta fundamental é se a produção de petróleo será
suficiente para acompanhar um aumento da demanda estimado
pela AIE, numa cifra conservadora, em 20 milhões de barris diários5.
O consumo mundial atingiu em 2007 o recorde de 85 milhões de
barris diários, caindo no ano seguinte em função da crise econômica.
Em 2009 a produção total de “combustíveis líquidos” – aí incluídos
os biocombustíveis, o gás natural liquefeito (GNL) e o óleo extraído
das areias betuminosas do Canadá – foi de 83,8 milhões de barris
diários. Em 2010, o consumo voltou a disparar, atingindo um novo
recorde de 87,4 milhões de barris diários, em um aumento de 3,1%
em relação a 20096. Resta indicar qual será a fonte dos suprimentos
que faltam para fechar a conta ao longo das próximas duas décadas.
O aporte previsto para o Brasil depois que as reservas do pré-sal
estiverem produzindo em seu ritmo máximo – cerca de 5 milhões de
barris diários em 2020, segundo a Petrobras – é relativamente
modesto diante dos volumes astronômicos em jogo. As expectativas
convergem para o desempenho dos países do Golfo Pérsico nas
próximas décadas, com a possibilidade de aumento significativo na
5 Um relatório da Shell de 2005, The Outlook for Energy: A 2030 View, projetava uma demanda de 120
mb/d em 2030, ou seja, quase o dobro do aumento da demanda estimado pela AIE em 2009. A própria
AIE, em edições anteriores do World Energy Outlook, fazia previsões de consumo com cifras muito mais
elevadas, reduzindo-as drasticamente sem uma explicação detalhada. Críticos da AIE, como o autor
estadunidense Michael T. Klare, entre outros, acusam a agência de manipular as previsões de oferta e
demanda para atender às conveniências dos governos a ela vinculados. 6 DUDLEY, Bob. Energy in 2010 – a strong rebound. Londres: BP, 2011, p.3.
8
produção do Iraque e, eventualmente, também do Irã, dependendo
de fatores políticos. A empresa estatal saudita, Saudi Aramco,
garante que tem condições de elevar sua produção de 9 milhões de
barris diários para 15 milhões até 2015, mantendo esses patamar
pelos cinqüenta anos seguintes. Mas persistem muitas dúvidas
quanto às chances de que essa promessa possa ser cumprida. Em
relação ao petróleo da Arábia Saudita, circulam as avaliações mais
desencontradas – desde especulações sobre a existência de reservas
gigantescas mantidas em sigilo pelos governantes locais, até
prognósticos sombrios como o formulado pelo banqueiro
estadunidense Matthew Simmons, autor de um livro em que acusa a
monarquia saudita de ocultar a iminente exaustão dos maiores
poços de petróleo operantes no país7. A falta de transparência no
setor petroleiro internacional veio à tona, de forma escandalosa, em
2005, quando a direção da Royal Dutch Shell admitiu que a
empresa, uma das maiores do mundo, tinha falsificado os dados
sobre suas reservas provadas de petróleo e gás natural em 2002,
aumentando-as em 41% (o equivalente a 5,6 bilhões de barris de
petróleo) a fim de elevar o valor das ações8.
5.3 A teoria do “pico do petróleo”
7 SIMMONS, Matthew R.. Twilight in the Desert: The Coming Saudi Oil Shock and the World Economy. New
York: Wiley, 2005.
8 “Shell inflated reserves by 41%”, The New York Times, 8 de março de 2005, acesso na internet em
http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=940DEFDE1F3DF93BA35750C0A9639C8B63 .
9
Ao contrário do que se pode imaginar, o petróleo não está
acabando. Existe no subsolo do planeta um volume suficiente para
abastecer a economia, com folga, ainda por três ou quatro décadas,
caso sejam mantidas as taxas de consumo atuais. O desafio reside
em atender aos pré-requisitos técnicos e econômicos para trazer à
tona esses recursos a tempo de impedir o tão temido crunch
(contração), isto é, o momento em que a oferta será incapaz de
atender à demanda, o que provocará um choque nos preços dos
combustíveis, causando transtornos econômicos de grandes
proporções.
O risco de escassez, negado pelo establishment até a segunda
metade da década passada, hoje é consensual, incorporado nos
relatórios das empresas petroleiras e de organismos oficiais como a
AIE. Ganha espaço, entre os estudiosos, a ideia de que os esforços
para ampliar a extração nos poços de petróleo se deparam com uma
realidade geológica inexorável: os limites físicos à exploração de
qualquer recurso mineral não-renovável, finito por definição. O
mundo estaria, assim, perto a atingir o “pico” da produção
petroleira, um ponto limite a partir do qual os volumes obtidos
deverão permanecer estagnados por certo tempo – o chamado
plateau – e em seguida declinar de um modo inexorável.
A teoria do “pico do petróleo”, elaborada na década de 1950 pelo
geofísico estadunidense Marion King Hubbert (1903-1989), sustenta
que a extração em qualquer campo de petróleo segue,
10
inevitavelmente, uma curva em forma de sino. Numa representação
gráfica desse fenômeno, a linha que corresponde à produção se
eleva rapidamente na medida em que se desenvolve a exploração e,
depois que a metade das reservas já foram retiradas, inicia uma
queda até o ponto em que o empreendimento se torna inviável. Em
1956, Hubbert previu que a produção de petróleo na área territorial
dos Estados Unidos9 atingiria o pico em 1970 – o que, de fato,
ocorreu, dando grande credibilidade ao seu método de cálculo. Na
segunda metade da década de 1990, um grupo de geólogos aplicou
a teoria de Hubbert à produção mundial de petróleo e concluiu que
ela caminhava para atingir o pico num prazo bastante curto10. Na
visão desses analistas, a atual produção petroleira está concentrada
em campos maduros, envelhecidos, nos quais a extração de recursos
adicionais se torna cada vez mais cara devido à necessidade de
dispositivos mecânicos e químicos para retirar o líquido
remanescente. Além disso, os teóricos do “pico do petróleo”
apontam uma tendência inevitável de declínio nas novas
descobertas petrolíferas, uma vez que as jazidas maiores e mais
rentáveis já teriam sido exploradas, restando apenas os campos
menores e/ou de acesso mais difícil.
Esse duplo fenômeno – declínio da produção nos poços existentes
e queda no ritmo das descobertas – tem sido confirmado nos
9 Excluindo o Alasca, o Havaí e as reservas marítimas, inexploradas na época.
10 DEFFEYES, Kenneth. Hubbert’s Peak: The Impending World Oil Shortage. Princeton (NJ): Princeton
University Press, 2001.
11
relatórios da AIE e em outras pesquisas, realçando os sinais de
alarme quanto ao “pico do petróleo”. Cerca de 50% da atual
produção mundial de petróleo provém de 116 campos “gigantes”.
Cada um deles produz mais de 100 mil barris por dia. Todos, com
exceção de quatro, foram descobertos há mais de 25 anos, e muitos
deles apresentam sinais de declínio na capacidade. A lista dos que
se encontram em queda ou logo deverão declinar inclui três dos
chamados super-gigantes: os campos de Ghawar, na Arábia Saudita,
de Cantarell, no México, e de Burgan, no Kuwait – três campos
enormes com um rendimento combinado (em 2006) de 8,2 milhões
de barris diários, cerca de 10% da produção mundial.
O declínio desses grandes campos é especialmente preocupante
quando se considera que, para estabilizar a produção mundial, é
necessário que cada barril extraído de uma reserva existente seja
substituído pela mesma quantidade de petróleo em algum novo
campo11. Mas isso não está acontecendo. Na sua maioria, os campos
petrolíferos de maior porte atualmente em operação foram
descobertos na década de 1970. Na década seguinte apenas dois
foram achados e a última grande descoberta antes do pré-sal
brasileiro ocorreu em 2003: o campo de Kashagan, no Cazaquistão,
com capacidade de 450 mil barris diários12.
11
KLARE, Michael T. Rising Powers, Shrinking Planet – The New Geopolitics of Energy. New York:
Metropolitan Books, 2008, p.37). 12
No entanto, em maio de 2012 o campo de Kashagan ainda não havia iniciado sua produção.
12
A relação entre o consumo mundial de petróleo e o volume das
novas reservas descobertas tem se mantido constante nos últimos
quinze anos em torno de 2 para 1. Quanto ao declínio dos campos
existentes, os dados divulgados na edição de 2008 do World Energy
Outlook são assustadores. De acordo com esse relatório da AIE, um
estudo detalhado de 800 campos de petróleo no mundo, incluindo
54 super-gigantes (com reservas de mais de 5 bilhões de barris),
revelou que, na sua grande maioria, eles já atingiram o pico de
produção e agora estão declinando num ritmo duas vezes maior do
que havia sido calculado numa avaliação anterior, feita apenas dois
anos antes13.
Para compensar o declínio nas descobertas de petróleo, a única
solução é encontrar, com urgência, novas fontes de suprimento. De
acordo com os cálculos da AIE, o mundo precisará, apenas para
manter o consumo de petróleo nos níveis atuais, agregar a cada três
anos novas capacidades produtivas equivalentes aos atuais
suprimentos da Arábia Saudita, ou seja, algo como 9 milhões de
barris diários. A crise econômica mundial não cancelou esse desafio,
conforme o economista-chefe da AIE, Fatih Birol, deixou claro em
entrevista ao jornal The Independent, em agosto de 200914. Segundo
Birol, o mundo terá de encontrar seis novas Arábias Sauditas para
dar conta da demanda esperada até 2030 – ou quatro, apenas para
atender à demanda atual.
13
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). World Energy Outlook 2008. Paris, 2008. 14
“Oil Supplies Are Running Out Fast”, Steve Connor, The Independent, Londres, 5 de agosto de 2009.
13
5.4. O declínio dos investimentos em energia
Em oposição aos adeptos da teoria do “pico do petróleo”, outra
corrente de analistas sustenta que as razões para a escassez estão
situadas acima do chão e não abaixo dele. O especialista Daniel
Yergin avalia que a capacidade de produção de combustíveis
poderá aumentar mais 20% nos próximos dez anos, desde que – aí
está o nó da questão, no seu ponto de vista – sejam feitos todos os
investimentos necessários15. De acordo com a AIE, o capital
necessário para atender à demanda por energia projetada até 203016,
chega a US$ 26 trilhões, o que representa um gasto de US$ 1,1
trilhão (1,4% do PIB mundial) por ano, em média. Os especialistas
encaram esse desafio com ceticismo. Numa formulação típica entre
os porta-vozes do establishment da energia, o Conselho Nacional de
Petróleo dos EUA (NPC) menciona a incerteza que envolve “o
potencial da indústria em superar os riscos múltiplos e crescentes,
incluindo o acesso às áreas promissoras para extração, a taxa e o
timing do investimento, o desenvolvimento da tecnologia e a
expansão da infra-estrutura”17.
Como se constata, os problemas são, em parte, políticos, e na outra
parte, econômicos. É consensual entre os analistas, inclusive os que
15 YERGIN, Daniel, Energy Under Stress. In: CAMPBELL, Kurt M.; PRICE, Jonathon, The Global Politics of
Energy. Washington: The Aspen Institute, 2008, p.23.
16INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, 2009, p. 43. 17
NATIONAL PETROLEUM COUNCIL, 2007.
14
priorizam as explicações geológicas, que o prolongado período de
energia barata, entre 1985 e 2003, quando o preço do petróleo
permaneceu abaixo dos US$ 20 por barril, provocou uma drástica
retração dos investimentos. As empresas, diante da baixa
lucratividade no setor, minimizaram as prospecções e se
concentraram em expandir seus ativos por meio da compra de
concorrentes mais débeis. A retomada dos investimentos, nos anos
de expansão acelerada da demanda, a partir de 2003, sofreu um
novo baque com a crise de 2008, que afetou a capacidade de
financiamento das empresas e diminuiu as suas expectativas de
lucro, devido à abrupta queda dos preços. De acordo com a AIE, a
desaceleração dos projetos pode ter conseqüências gravíssimas para
o abastecimento de energia nos próximos anos, sobretudo quando se
consideram os prazos extensos necessários para a realização dos
empreendimentos no setor18.
Mas a decisão de investir é determinada também por fatores
políticos, além dos cálculos financeiros. As reservas mundiais de
petróleo e de gás natural estão concentradas em países não-
integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e relativamente imunes à influência dos EUA e
seus aliados, ao menos nos assuntos de energia. Mais de 77% das
reservas provadas de petróleo se situam em países da Opep e outras
5,6% pertencem à Rússia19. Entre os grandes exportadores do grupo
18
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY, 2009, p.43. 19
BP, 2011.
15
chamado de não-Opep, a maioria já atingiu o seu pico de produção,
como o México e a Noruega, e outros devem chegar a esse ponto em
breve. Os EUA, durante muito tempo o maior exportador mundial,
passaram por um longo período de declínio das reservas e
atualmente experimentam uma modesta ampliação, mas a um
altíssimo custo ambiental. As projeções da AIE para o período que
vai até 2030 indicam que a produção de petróleo de países não-
Opep permanecerá estagnada no seu conjunto, mesmo com as
futuras contribuições do pré-sal brasileiro. Caberá, portanto, aos
integrantes da Opep fornecer todo o volume adicional de
suprimentos necessário para atender à expansão da demanda.
5.5 A estratégia da “máxima extração”
Na perspectiva das IOCs e dos governos ocidentais, o principal
objetivo das políticas energéticas é garantir uma oferta de
combustíveis no mercado internacional em volumes cada vez
maiores, de modo a atender ao projetado aumento da demanda
durante as próximas décadas até que a chamada “transição
energética” se realize, com a substituição do petróleo por outras
fontes de energia. Essa meta é formulada no texto que define a
estratégia oficial estadunidense para o setor: o documento National
Energy Policy (“Política Nacional de Energia”), divulgado em maio
de 2001 pelo governo do presidente George W. Bush e em vigor até
16
hoje no que refere às suas implicações para a política externa20. Os
EUA passaram então a se guiar pelo que o cientista político Michael
T. Klare denominou de “estratégia da máxima extração”. Trata-se,
na essência, de um esforço de longo prazo das autoridades
estadunidenses em ampliar seu controle sobre as reservas de
hidrocarbonetos existentes no exterior ou, ao menos, persuadir os
governos dos países dotados de recursos energéticos a permitir os
investimentos estrangeiros necessários para aumentar a produção e
expandir as exportações21.
A “estratégia da máxima extração” tem como foco o Golfo Pérsico
e o Norte da África, área geopolítica onde se concentram 2/3 das
reservas provadas de petróleo. Na ocasião do lançamento da
National Energy Policy, o indispensável aumento da oferta de
combustível daquela região esbarrava em sérios obstáculos políticos,
dos quais o mais grave era a presença de Saddam Hussein, um
inimigo ostensivo dos EUA, à frente do governo do Iraque, país que
possui a quarta maior reserva petrolífera do mundo, superado
apenas pela Arábia Saudita, pela Venezuela e pelo Irã22. A política
de segurança estadunidense para o Golfo Pérsico a partir de então
mostra perfeita coerência com os objetivos estabelecidos pela Casa
Branca para o setor energético: garantir a estabilidade da monarquia
saudita (ameaçada pelo islamismo radical), assumir o controle do
20
ESTADOS UNIDOS, The White House. Reliable, Affordable, and Environmentally Sound Energy for
America’s Future – Report of the National Energy Policy Development Group, 16 de maio de 2001. 21
KLARE, Michael T. Blood and Oil: The Dangers and Consequences of America’s Growing Dependency on
Imported Petroleum. New York: Metropolitan Books, Henry and Holt Company, 2004, p.83. 22
BP, 2011.
17
petróleo iraquiano (o que implicava eliminar o governo de Saddam)
e exercer a máxima pressão sobre a teocracia iraniana.
A invasão do Iraque em 2003 e posterior ocupação daquele país
deve ser interpretada a partir dos interesses estadunidenses
vinculados com a energia23. Embora até hoje as novas autoridades
iraquianas ainda não tenham alcançado plenamente as premissas da
governabilidade, o fato é que a ação militar afastou um rival
incômodo dos EUA na disputa pela hegemonia no Golfo Pérsico e
trouxe o Iraque de volta ao mercado internacional24. No primeiro
ano da ocupação, a produção petroleira iraquiana caiu pela metade:
dos 2,1 milhões de barris diários no último ano do regime de
Saddam (2002) para míseros 1,3 milhões, em 2003. Mas a extração
tem progredido aos poucos e em 2010 já alcançava 2,5 milhões de
barris diários, um pouco abaixo dos 2,6 milhões produzidos em
200025. Muitos analistas acreditam que os depósitos de petróleo no
subsolo do Iraque estão subestimados – com técnicas modernas de
prospecção, seria possível agregar de 45 bilhões a 100 bilhões de
barris às reservas conhecidas. Se essa hipótese estiver correta, o país
poderia fornecer ao mercado global um suprimento adicional de 6
milhões de barris diários a 8 milhões, adiando o temido “pico do
petróleo”.
23
Ver, a esse respeito, FUSER, Igor, Petróleo e Poder: o envolvimento militar dos Estados Unidos no
Golfo Pérsico, São Paulo, Editora Unesp. 2008. 24
Durante a maior parte do período entre as duas guerras contra os Estados Unidos (1990-91 e 2003), o
Iraque era autorizado a comercializar sua produção mediante um estrito controle internacional, nos termos
do esquema denominado “petróleo por comida”. 25
BP, 2011, p.8.
18
Tudo isso, por enquanto, são suposições. De concreto, constata-se
que o Iraque permanece em estado de permanente turbulência, com
frequentes atentados contra oleodutos e outras instalações
petroleiras. Ainda assim, a expectativa do Departamento de Energia
dos EUA é que o país consiga elevar sua produção de petróleo em
mais 4 a 5 milhões de barris diários até 2017, tornando-se um dos
quatro maiores exportadores mundiais26.
5.6 A instabilidade dos preços
O preço do petróleo não depende apenas do mecanismo da oferta
e da demanda real dos combustíveis, mas também da percepção dos
investidores em relação a todo um conjunto de variáveis
econômicas. Na atualidade, as cotações são determinadas em grande
medida pelos mercados financeiros internacionais, o que inclui a
compra de contratos futuros, em um processo altamente
especulativo. Desde 2000, a tendência de perda do valor do dólar
estadunidense fez com que muitos investidores se refugiassem na
compra de matérias-primas como o petróleo, criando um mercado
virtual onde diariamente se comercializa muito mais petróleo do
que realmente se produz.
Entre as variáveis que influem na definição do preço do petróleo
se destacam: a) a saúde da economia mundial, que determina em
26
ESTADOS UNIDOS, U.S.Energy Information Administration – Independent Statistics and Analysis.
Country Analysis Brief – Iraq. Disponível em, http://www.eia.doe.gov/emeu/cabs/Iraq/Oil.html .
19
grande medida a demanda real por petróleo; b) os negócios nas
bolsas de valores em torno de contratos futuros, commodities etc; c)
fenômenos climáticos como furacões, invernos muito longos ou
verões mais quentes do que o habitual; d) conflitos militares ou risco
de atentados terroristas que afetem o abastecimento de
combustíveis; e) a descoberta de novas reservas de hidrocarbonetos;
f) o nível de declínio das reservas existentes; g) decisões da Opep em
relação aos níveis de produção real; h) as políticas de conservação
das reservas adotadas por estados produtores; i) decisões estatais
em relação aos impostos cobrados pela produção e comercialização
de petróleo e derivados; j) mudanças jurídicas que envolvam maior
ou menor intervenção estatal na atividade petroleira.
A projeção de alta contínua dos preços do petróleo se explica pelo
descompasso entre a demanda mundial por energia, que cresce em
ritmo acelerado, e a capacidade de oferta, cuja expansão se vê
limitada por fatores geológicos, econômicos, tecnológicos e políticos.
Durante o período anterior ao colapso financeiro de agosto de 2008,
a percepção de uma iminente escassez petróleo, somada aos
movimentos especulativos no mercado de commodities, causou uma
disparada nas cotações. O preço médio do barril de petróleo saltou
de US$ 66 o barril em 2006 para US$ 72 no ano seguinte e manteve a
tendência ascendente no primeiro semestre de 2008 até o recorde de
US$ 147, em julho, quando então despencou, por efeito da eclosão
da crise financeira mundial, para menos de US$ 30. Mas logo o
20
petróleo recuperou seu valor de mercado, alcançando US$ 70 no
final de 2009 e beirando a casa dos US$ 100 no início de 2012.
As previsões sobre o preço do petróleo são sempre muito
arriscadas, dado o alto grau de imprevisibilidade que caracteriza
esse mercado, em que as cotações sobem e descem como numa
montanha-russa. Para o Brasil, a capacidade de antever o
comportamento das cotações nos próximos anos e décadas adquire
uma importância estratégica diante do volume gigantesco dos
investimentos necessários para viabilizar a extração das reservas do
pré-sal. Os sinais, nesse sentido, mostram-se bastante promissores.
Se, como indicam as estimativas, as cotações atuais do petróleo já
são suficientes para tornar rentável a exploração comercial do pré-
sal, pode-se projetar a obtenção de uma renda petroleira de alto
valor monetário no caso de se confirmar a tendência de
intensificação da demanda global por recursos energéticos, tal como
apontam as análises especializadas disponíveis.
Um bom indicador é o estudo publicado em 2008 por dois
diretores da prestigiada empresa de consultoria McKinsey, Diana
Farell e Ivo Bozon. Eles afirmam que os preços do petróleo nunca
mais voltarão aos níveis baixos da década de 199027. Isso, por três
motivos. O primeiro é que uma parcela cada vez maior das reservas
a serem exploradas se situa em lugares de acesso remoto. O segundo
27
FARELL, Diana; BOZON, Ivo. Demand-Side Economics: The Case for a New Energy Policy Direction.
In: In: CAMPBELL, Kurt M.; PRICE, Jonathon, The Global Politics of Energy, p.44-61. Washington: The
Aspen Institute, 2008, p.51.
21
motivo é que outra parcela importante do petróleo existente está sob
o controle de governos nacionalistas, como o da Venezuela e o da
Rússia, que reivindicam participação crescente nos lucros. Esses dois
fatores elevam os custos da exploração, que são repassados aos
consumidores. Finalmente – o terceiro motivo apontado no estudo
da McKinsey –, os países exportadores, sobretudo os integrantes da
Opep, já perceberam que a economia mundial é capaz de se adaptar
a patamares de preços bem mais elevados do que o vigente até 2003
e, por isso, se sentem estimulados a manter as cotações acima dos
valores que seriam definidos apenas pela lei da oferta e da procura.