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9º Colóquio de Moda Fortaleza (CE) - 2013 O EMPREGO DE CORANTES DE ORIGEM NATURAL EM PRODUTOS TÊXTEIS DE MODA The Use of Dyes of Natural Origin in Fashion Textiles Products Janice Rodrigues Mestre, Universidade de São Paulo, Brasil [email protected] Resumo O presente artigo aborda a utilização dos corantes de origem natural e amazônica, com formulações menos agressivas, em artigos do vestuário de moda para tentar conter, ao menos, em parte, os danos que a indústria têxtil, uma das maiores poluidoras do meio ambiente, tem causado no mundo e contribuir para a afirmação de uma moda genuinamente brasileira pela utilização de recursos próprios. Palavras Chave: Corantes, Sustentabilidade, Moda. Abstract This article discusses the use of dyes of natural and Amazon origin with less aggressive formulations in articles fashion clothing to try to contain, at least in part, the damage that the textile industry, one of the biggest polluters of the environment, has caused in the world and contribute to the affirmation of a true brazilian fashion by using their own resources. Keywords: Dyes, Sustainability, Fashion. 1 Introdução Em relação ao contexto mundial atual, cercado de inseguranças quanto ao futuro da vida na Terra, Papanek (2007) afirma que a insustentabilidade que paira sobre o ambiente e o equilíbrio ecológico é evidente e que só haverá a continuidade do planeta, caso as formas de como lidar com o mesmo sejam mudadas, ou seja, há a necessidade de preservação real e de novas formas de consumo, fabricação e reciclagem dos produtos, as quais fazem parte da sustentabilidade, conforme apontam Manzini e Vezzoli: O conceito de sustentabilidade ambiental refere-se às condições sistêmicas segundo as quais, em nível regional e planetário, as atividades humanas

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9º Colóquio de Moda – Fortaleza (CE) - 2013

O EMPREGO DE CORANTES DE ORIGEM NATURAL EM PRODUTOS TÊXTEIS

DE MODA The Use of Dyes of Natural Origin in Fashion Textiles Products

Janice Rodrigues Mestre, Universidade de São Paulo, Brasil

[email protected]

Resumo

O presente artigo aborda a utilização dos corantes de origem natural e amazônica, com formulações

menos agressivas, em artigos do vestuário de moda para tentar conter, ao menos, em parte, os

danos que a indústria têxtil, uma das maiores poluidoras do meio ambiente, tem causado no mundo e

contribuir para a afirmação de uma moda genuinamente brasileira pela utilização de recursos

próprios.

Palavras Chave: Corantes, Sustentabilidade, Moda.

Abstract

This article discusses the use of dyes of natural and Amazon origin with less aggressive formulations

in articles fashion clothing to try to contain, at least in part, the damage that the textile industry, one of

the biggest polluters of the environment, has caused in the world and contribute to the affirmation of a

true brazilian fashion by using their own resources.

Keywords: Dyes, Sustainability, Fashion.

1 Introdução

Em relação ao contexto mundial atual, cercado de inseguranças quanto ao

futuro da vida na Terra, Papanek (2007) afirma que a insustentabilidade que paira

sobre o ambiente e o equilíbrio ecológico é evidente e que só haverá a continuidade

do planeta, caso as formas de como lidar com o mesmo sejam mudadas, ou seja, há

a necessidade de preservação real e de novas formas de consumo, fabricação e

reciclagem dos produtos, as quais fazem parte da sustentabilidade, conforme

apontam Manzini e Vezzoli:

O conceito de sustentabilidade ambiental refere-se às condições sistêmicas

segundo as quais, em nível regional e planetário, as atividades humanas

9º Colóquio de Moda – Fortaleza (CE) - 2013

não devem interferir nos ciclos naturais em que se baseia tudo o que a

resiliência do planeta permite e, ao mesmo tempo, não devem empobrecer

seu capital natural, que será transmitido às gerações futuras (2008, p. 27).

Da sustentabilidade também faz parte o desenvolvimento sustentável do

planeta, que “deve satisfazer às necessidades da geração presente sem

comprometer as necessidades das gerações futuras” (CLARO; CLARO; AMÂNCIO,

2008, p. 289), tal definição destacando a visão de longo prazo, um dos princípios

mais relevantes da sustentabilidade, pela importância dada aos interesses das

futuras gerações.

Este desenvolvimento sustentável vai ao encontro das necessidades de

preservação do mundo, com um padrão digno de sobrevivência no aspecto

ambiental, sendo que, no projeto dos produtos, a consideração do ciclo de vida dos

mesmos, o que vai desde a extração da matéria-prima indo até o pós-descarte, é de

extrema importância, pois tal produto não será maléfico ao meio ambiente.

Porém, além do aspecto ambiental, o desenvolvimento sustentável visa o

equilíbrio entre as esferas, social, econômica e cultural, o que vem sendo buscado

por iniciativas brasileiras como o Imaginário Pernambucano, um projeto de extensão

da Universidade Federal de Pernambuco o qual engloba a produção de cerâmica e

artigos de moda e, de acordo com Ullmann (2013), valoriza o potencial cultural e

produtivo da população, promove o associativismo e meios para que as atividades

econômicas se firmem e possibilitem um meio de vida sustentável.

Deste exemplo se entende que o desenvolvimento sustentável abarca o

trabalho, em conjunto, de diversas áreas do conhecimento como a econômica,

social, científica, cultural e do design, dando uma maior garantia de saúde, conforto

e conhecimento, sem destruir o planeta como um todo, pois se o mesmo for extinto,

não haverá mais recursos para mover a economia, segundo Veiga (2010).

Partindo destes pressupostos, com a intenção de agregar um mecanismo a

mais às iniciativas existentes, como a que foi mencionada acima e outras

relacionadas ao design de moda, para reforçar a sustentabilidade e assim a

continuidade da vida na terra, está o presente trabalho que propõe a utilização de

substratos de plantas e frutos amazônicos como corantes em materiais têxteis

voltados para o vestuário de moda, sem o acréscimo de grandes quantidades de

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substâncias agressivas ao meio ambiente, além de reforçar a moda nacional pelo

uso de elementos brasileiros.

Isto é traduzido pela consolidação, através da pesquisa teórica e

experimental, de corantes com composição química dentro dos padrões

sustentáveis, como exemplo daqueles certificados pelo IBD1 (Associação de

Certificação Instituto Biodinâmico), para tentar minimizar os inúmeros danos

ambientais causados pela indústria têxtil, e, assim, ao menos em parte, substituir os

corantes sintéticos, os quais são tóxicos e maléficos ao meio ambiente.

No tocante aos danos, os mesmos vêm ocorrendo por uma série de fatores,

como a contaminação das águas próximas as fabricas pela fase de beneficiamento

têxtil que, por envolver diversos processos como o “alvejamento, tingimento,

acabamento e estamparia” (SANTOS, 1997, p. 6) do tecido já pronto, necessitam da

utilização de diversas substâncias tóxicas, sendo os seus resíduos expelidos em

grandes quantidades e difíceis de serem eliminados da natureza.

2 Metodologia

Para alcançar os resultados esperados, o que se iniciou com uma pesquisa

bibliográfica sobre as contribuições teóricas existentes sobre a temática em questão,

foi necessário o cumprimento das quatro etapas seguintes:

1a etapa: Obtenção de corantes naturais das plantas amazônicas, ou seja, da

polpa do açaí (Euterpe oleracea), da casca do tronco da árvore da andiroba (Carapa

guianensis Aubl.), da polpa do fruto do jenipapo (Genipa americana L.), da casca do

tronco da árvore da mamorana (Pachira aquatica Aubl.), das sementes do urucum

(Bixa orellana L.) e do cipó da verônica (Dalbergia subcymosa Ducke).

2a etapa: Escolha dos substratos têxteis, ou seja, meia-malha composta de

98% algodão e 2% elastano, e do tecido PT (pronto para tingir) com ligamento sarja,

100% algodão; deu-se preferência as fibras com algodão pela sua origem vegetal.

3a etapa: Análise da potencialidade de aplicação dos corantes nos substratos

estudados, ou seja, verificação do índice de solidez dos corantes à lavagem em

condições específicas como a abrasividade para se estimar a durabilidade do

beneficiamento do substrato têxtil, além da solidez à luz.

1Inspeções e Certificações Agropecuárias e Alimentícias. É Considerada a maior certificadora da América Latina

em relação a produtos orgânicos. http://www.ibd.com.br/pt/QuemSomos.aspx.

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4a etapa: Produção de cartela de cores, uma coleção de roupas e artigos de

vestuário com os tecidos tingidos.

A cartela de cores foi produzida com as cores resultantes dos tingimentos

com os corantes.

No tocante a coleção e aos artigos do vestuário, estes foram elaborados

como forma de validar os resultados experimentais do presente estudo; como o

objetivo principal é o uso dos corantes no vestuário de moda, alguns destes foram

aplicados nas peças confeccionadas, as quais foram projetadas em um estágio junto

ao curso de Design de Moda, da Universidade Técnica de Lisboa, envolvendo

pesquisa teórica e de imagens, definição da temática e criação de uma coleção,

modelagem das peças escolhidas e elaboração das peças-piloto das mesmas para a

posterior confecção.

2.1 Parte Experimental

2.1.1 Extração

Como forma de obter os corantes das partes das plantas adequadas para

tanto, realizou-se o seguinte processo:

a) Pesagem e secagem na estufa (43ºC) para a retirada da umidade do

urucum (21,1 g), da andiroba (24 g), do jenipapo (25 g), da mamorana (22 g)

e da verônica (23,6 g), para posterior trituração, exceto do açaí (29,1 g) o

qual, em forma de polpa, foi levado ao microondas para o descongelamento

e, assim, passar para a forma pastosa;

b) Imersão dos elementos em uma solução com etanol e em outra com água,

para verificar qual seria o procedimento com o melhor resultado, na

quantidade de 200 mL, por 24 h, sendo, depois, tais soluções dissolvidas no

liquidificador, da marca Cemaf, filtradas e postas em recipientes individuais.

Após prévio tingimento por esgotamento na máquina HT ALT-I, da empresa

Mathis, com bandeiras de 5,5 g em Sarja pronta para tingir, percebeu-se que os

melhores resultados advieram dos corantes extraídos com álcool, o que levou a

continuar com esta extração para os outros experimentos.

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2.1.2 Experimentação nº1

Este processo consistiu em três banhos também com o tingimento por

esgotamento na máquina HT ALT-I, em bandeiras de meia-malha com 5,5 g, sendo

as mesmas lavadas ao final dos três banhos e os mesmos realizados das seguintes

formas:

1º Banho: 5 mL de Detergente Aniônico e 45 mL de Água Destilada, com

subida de temperatura durante 20 min até 80ºC, mantendo-se esta

temperatura por 10 min.

2º Banho: 0,25 g de Aluminato de Potássio e 75 mL de Água Destilada, por 30

min a 60ºC.

3º Banho: 10 mL de Corante e 40 mL de Água Destilada, com a manutenção

a frio, por 10 min, subindo a temperatura, durante outros 10 min até 60ºC,

sendo inserido, posteriormente, 2,25 g de Cloreto de Sódio dissolvido em 10

mL de Água Destilada, com subida de temperatura até 90ºC, por 20 min.

Em relação aos produtos químicos usados nos banhos dos tingimentos, se-

gundo Barros (2013), as quantidades são adotadas pela empresa Donacor, a

fornecedora da receita do presente experimento, sendo que as mesmas foram

determinadas, após testes prévios, para serem aplicadas ao urucum, corante

utilizado pela empresa supracitada para o tingimento dos produtos da Malharia

Martins, de Divinópolis, Minas Gerais (informação pessoal)2.

2.1.3 Experimentação nº 2

Com o intuito de aprimorar os bons resultados e melhorar o que não foram tão

bem sucedidos, continuou-se com a experimentação anterior, testando-se a mesma

em triplicata, ou seja, 10 mL, 15 mL e 25 mL de corante para verificar a variação da

reação dos mesmos nas fibras, ou seja, se a quantidade original de corante estaria

influenciando nos resultados e se as outras quantidades poderiam contribuir para os

melhoramentos dos mesmos.

Neste momento houve o acréscimo de mais um banho, no qual se utilizou o

fixador catiônico para corantes diretos Sugrafix FCD, fabricado pela empresa Sugra

Produtos Químicos, na medida de 2,5 mL do mesmo para 47,5 mL de água destilada

perfazendo um total de 50 mL de solução, por 30 min a 40ºC.

2BARROS, N. Donacor. Mensagem recebida por [email protected]. em 26 de Fevereiro de 2013.

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2.1.4 Testes de Solidez da cor

a) Solidez da cor à lavagem doméstica e comercial

Este teste foi realizado com o tecido meia-malha, previamente tingido, na

quantidade de três tiras de tecido para cada extrato corante, exceto o urucum, com

duas amostras, no equipamento HT ALT-I (Mathis), da seguinte forma: colocaram-se

as amostras tingidas, inseridas entre dois tecidos para formar uma espécie de

sanduíche composto por um tecido multifibras, a amostra com corante e um tecido

em malha, em uma caneca individual e, dentro destas últimas, esferas metálicas

para simular a ação mecânica das lavagens, sendo a movimentação necessária das

canecas obtida através de mecanismo específico da máquina.

Tais procedimentos se deram conforme a ABNT NBR ISO 105-C06: 2010 –

Ensaios de solidez da cor: Parte C-06: Solidez da cor à lavagem doméstica e

comercial, do Comitê Brasileiro de Têxteis e do Vestuário (CB-17).

Após o processo acima, com as amostras lavadas e secas, passou-se para a

avaliação da alteração da cor pela amostra e o índice de transferência dos corantes

para um tecido testemunha multifibras.

Esta avaliação foi feita comparando-se as amostras originais do tecido

multifibras, composto por diacetato, algodão, poliamida, poliéster, acrílico e lã, e as

testadas, através da leitura espectofotômetro Konica Minolta 2500d, usando como

referência as escalas cinzas AATCC com variação 1 a 5, de acordo com a ABNT

NBR ISO 105-A03:2006 – Ensaios de solidez da cor. Parte A03: Escala Cinza para

avaliação de transferência da cor.

b) Solidez da cor à luz

O teste de solidez da cor à luz, para o qual foram utilizadas seis amostras de

tecido tingido, correspondendo uma para cada tipo de corante, teve como base a

ABNT NBR ISO 105-B02: 2007 – Ensaios de solidez da cor: Parte B-02: Solidez de

cor à luz artificial: Ensaio da lâmpada de desbotamento de arco de xenônio.

O ensaio em questão se realizou da seguinte forma, ou seja, as amostras de

tecido para o teste foram expostas à luz artificial, nas condições prescritas, em

conjunto com uma escala de azul, tais procedimentos ocorridos dentro de uma

cabine de luz denominada Xenotest 150 S+, fabricada pela empresa Atlas Material

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Test Tecnology, com determinadas condições de temperatura e umidade internas,

sendo mensurada a degradação das amostras a cada 4 horas; após isto a solidez da

cor foi avaliada por comparação da degradação da cores da amostras com o

encontrado nas amostras correspondentes da escala azul.

2.1.5 Elaboração da coleção e tingimento das peças confeccionadas

Em relação à coleção elaborada, para a mesma utilizou-se dos elementos

empregados em uma coleção convencional: pesquisa de imagens para o painel de

ambiência e consequente elaboração do mesmo, definição da cartela de cores,

desenhos dos croquis da coleção e dos desenhos técnicos com a ferramenta para

desenho vetorial Corel Draw, sendo que após isto houve a confecção das peças

escolhidas e o tingimento.

No que concerne a este tingimento, o mesmo foi feito de acordo com os

moldes da experimentação nº2, visto ter tido bons resultados experimentais com a

meia-malha.

Já em relação às quantidades dos corantes (verônica e urucum para as

blusas e andiroba e jenipapo para as calças), dos produtos químicos e da água

(H20), estas foram empregadas proporcionalmente ao peso das peças (170 g as

blusas e 240 g as calças) e o processo de tingimento ocorreu em uma máquina de

lavar da marca Trinox, através do tingimento convencional e do tie dye, a qual se

caracteriza “por áreas tingidas e não tingidas ao longo do tecido” (LEVINBOOK,

2008, p. 41), através de amarrações na fibra impedindo que o corante penetre no

material.

3OResultados e Discussão

Os resultados das experimentações com os corantes estão expostos no

painel a seguir:

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Painel 1 – a) Resultados na experimentação nº1;

b) Resultados na experimentação nº2 Fonte: Arquivo Pessoal

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3.1 Experimentação nº1

Neste experimento, com exceção dos tingimentos com a verônica e o urucum,

os quais apresentaram uma menor uniformidade, todos os outros apresentaram boa

qualidade visual, ou seja, uniformidade na pigmentação, além de corresponderem a

uma cartela de cores variada e passível de ser utilizada em produtos de moda

(Painel 1, a).

Esses ótimos resultados levaram, então, a continuar com o presente método

para o desenvolvimento de novos testes e aplicação nas peças de roupas

escolhidas para representar o presente estudo.

Neste momento é necessário mencionar que a malharia Donacor, possui a

certificação do IBD (Matrícula MG 180/1) para usar a receita de tingimento do

presente experimento, o que atesta que os tais tingimentos podem ser considerados

sustentáveis e, portanto, não agressivos à natureza, pois as quantidades de

substâncias químicas utilizadas, são certificadas, como foi mencionado acima, e,

portanto, estão dentro dos parâmetros aceitáveis para não trazerem malefícios ao

meio ambiente.

3.2 Experimentação nº 2

Em relação a esta fase (Painel 1, b), não houve uma variação tão significativa

com a utilização de 15 mL e 25 mL de corante, em relação aos 10 mL iniciais, o que

não justificou haver a mudança da quantidade estabelecida de corante para o banho

do experimento anterior, visto que a intenção foi dar a primazia a menor quantidade

de corante possível, para condizer com sua qualidade de sustentável; com a

quantidade de 10 mL o material foi otimizado, visto que houve o emprego de menos

matéria-prima com um bom resultado final.

3.3 Testes de solidez da Cor

Os resultados dos testes de solidez da cor às lavagens e à luz, os quais

correspondem aos graus (notas) dados para cada experimentação, vêm

mensurados no painel seguinte:

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Painel 2 – a) Resultados de transferência quanto à lavagem doméstica e comercial; b) Resultados do teste de solidez a luz (T:Tempo / G: Grau)

Fonte: Arquivo Pessoal

a) Solidez da cor à lavagem doméstica e comercial

Após a secagem das amostras que passaram pela máquina de tingimento,

ocorreu a leitura das mesmas no espectrofotômetro, sendo, então, os graus de

solidez mensurados, no tocante aos corantes, como mostra o painel 2, a.

Em virtude dos resultados acima, concluiu-se que, em relação à solidez à

lavagem, ou seja, da transferência do corante para outras fibras, os corantes objetos

do presente trabalho estão aptos para serem empregados no uso de produtos

têxteis de moda, devido à satisfatoriedade desses resultados, ou seja, a maioria

obteve resultado 5 que é considerado como bom, pois esta nota só é dada quando

não há a percepção da “diferença da cor entre os corpos-de-prova ensaiados e o

material original” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2006),

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significando que praticamente ou não houve transferência da coloração para o tecido

testemunha.

Já quanto aos que obtiveram os resultados 2-3, 3-4 e 4-5 significa que houve

uma avaliação intermediária, ou seja, a prova está “mais próxima do contraste

situada a meio termo” (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS,

2006), o que também é um bom índice de solidez; mesmo que nas fibras do

algodão, diacetato e poliamida, integrantes do tecido multifibras, tenha havido

transferência de urucum em maior quantidade, a partir da nota 3, o corante pode ser

considerado comercial, segundo Popoola (2000).

b) Solidez da cor à luz

Após o devido tempo de exposição à luz para a feitura dos testes, as

amostras foram analisadas visualmente, recebendo notas, as quais corresponderam

aos graus de solidez, sendo colocadas no painel 2, b.

Pode-se afirmar, em relação aos resultados destes testes, que apesar de a

mamorana, a verônica e a andiroba terem obtido os maiores graus, o açaí o grau

intermediário e o urucum e o jenipapo terem recebidos os menores graus, todos os

corantes podem ser utilizados, o que é fundamentado por vários motivos.

Primeiramente, pelos ótimos resultados dos testes de solidez à lavagem,

depois por que existem soluções como o tie dye, um tingimento com amarrações

que evitam que o corante penetre em algumas partes do tecido, causando, assim,

efeitos diferenciados e caso haja o desbotamento do tecido, a estética do mesmo

não será alterada, visto fazer parte do conceito do tipo de tingimento em questão.

Além disto, dentro do contexto de produtos sustentáveis, existe o público-alvo

do mesmo, ou seja, os consumidores conscientes, os quais, de acordo com uma

pesquisa realizada pelo instituto Akatu3, mostram esta consciência mais apurada na

forma de agir, pois “têm cuidados com o desperdício, a origem dos produtos que

compram, o planejamento de compras de alimentos, entre outros” (FRANCO, 2013).

Em relação a esta consciência, destaca-se a busca pela informação sobre as

empresas e os seus respectivos produtos, o que os leva a aceitarem com mais

facilidade um produto que ainda é considerado caro e que contenha corantes de

origem natural com solidez mais baixa, pois o que estão adquirindo também é um

3O Instituto Akatu é uma organização não governamental sem fins lucrativos que trabalha pela conscientização e

mobilização da sociedade para o Consumo Consciente. http://www.akatu.org.br/institucional/OAkatu.

9º Colóquio de Moda – Fortaleza (CE) - 2013

conceito de uma vida mais saudável que, dentre outras coisas, está baseada em

comprar utensílios produzidos de forma menos danosa ao meio ambiente, sendo

que esse cunho natural fornece um valor especial ao produto, segundo Foltram

(2013).

Outra justificativa, baseia-se no fato de que, já que o problema está na luz,

para certos tipos de corantes, deve-se escolher, quanto a aplicação dos mesmos,

segmentos de roupas em que este contato não será tão intenso, como roupas

usadas por bebês, de acordo com Picolli (2008), moda íntima e roupas para o

ocasiões noturnas.

Não menos importante que as alegações anteriores, primando-se pelos

cuidados adequados com as peças tingidas, se estará mantendo a qualidade das

mesmas como a secagem a sombra, não misturar as peças na lavagem, lavar do

avesso e até 40ºC, etc., segundo Aranha (2013).

3.4 Detalhes da coleção e os produtos confeccionados

Realização: Universidade Técnica de Lisboa (Curso de Design de Moda);

Nome da coleção: “Navegar é preciso, ser sustentável também é”: em

alusão aos rios que banham a ilha do Combú, local de onde as matérias-primas

para os corantes são retiradas, as canoas, o principal meio de transporte desta

localidade e a sustentabilidade;

Material: Sarja PT 100% algodão e a meia-malha de algodão, com 98%

algodão e 2% elastano, visto terem fibras naturais em sua composição;

Composição: 6 conjuntos (6 blusas, sendo que 1 também pode ser um

vestido curto, 3 saias, 2 calças e 1 bermuda), 2 vestidos e mais 2 casacos;

Estação e Uso: Verão e ocasiões menos formais;

Público-alvo: Mulheres, de 20 a 25 anos, femininas, que tenham um estilo

de vida mais saudável;

Detalhes: Tingimento em tie dye, o qual é um tingimento bastante eficaz

quanto aos resultados, no tocante a corantes naturais, principalmente pelo fato de

que se algum corante não apresentar boa solidez, como ele não é um tingimento

uniforme, o uso do corante não estará prejudicado, o uso dos botões em algumas

peças (inspiração nas sementes do açaí) e detalhes de tecidos de outras cores,

em prol do reaproveitamento das sobras de outras peças.

9º Colóquio de Moda – Fortaleza (CE) - 2013

A seguir, as imagens dos dois produtos confeccionados.

(A) (B)

Figura 1 – Produtos confeccionados com a aplicação de corantes naturais: a) blusa (urucum)

e calça (jenipapo); b) blusa (verônica) e calça (andiroba). Fonte: Arquivo Pessoal

4 Considerações finais

Como considerações finais, se diz, primeiramente, que o mesmo conseguiu

cumprir o objetivo principal, ou seja, os corantes de origem natural e amazônica

podem ser realmente utilizados em têxteis de moda, reforçando, então, os

mecanismos dos quais esta moda pode se utilizar para tornar a sustentabilidade

uma realidade cada vez mais possível, refletindo isto em uma maneira diferenciada

de viver e produzir, o que inclui pensar no ciclo de vida dos produtos e nas formas

equilibradas de lidar com cada etapa do mesmo, trazendo, então, inovações na área

sustentável como os corantes e os produtos do presente trabalho.

9º Colóquio de Moda – Fortaleza (CE) - 2013

Em segundo lugar, o resultado das experimentações foi satisfatório pela

combinação da qualidade natural das matérias-primas, associada a uma

metodologia eficaz para o tingimento, o que provocou corantes com boa solidez;

mesmo os que não alcançaram um patamar tão bom podem ser utilizados visto que

tais corantes tendo o respaldo de serem menos danosos ao meio ambiente devem

ser aproveitados explorando-se a criatividade, através do tie dye, ou utilizando em

seguimentos do vestuário os quais não necessitem tanto da exposição à luz.

Em terceiro lugar, apesar das substâncias químicas utilizadas nos banhos dos

tingimentos serem sintéticas, as quantidades são permitidas, como se demonstrou

na discussão dos resultados, pois estão dentro dos limites do que é considerado

sustentável, tanto que possuem certificação para serem usadas e, assim, são

perfeitamente aceitáveis no tingimento dos têxteis de moda.

Em quarto lugar, a quantidade dos banhos do processo de tingimento foi

aquela considerada eficiente para processo em questão, além de que o total de

água empregada não foi excessivo, assim como os resíduos expelidos após esse

processo.

Por fim, pesquisas como esta podem contribuir para que, em breve, a moda

brasileira tenha a sua identidade solidificada, haja vista que neste trabalho se

enfatizou o uso de corantes com matérias-primas regionais, o que pode reforçar as

características para que um produto seja reconhecido como nacional.

5 Referências

ARANHA, Flávia. Como conservar peças tinturadas com corantes naturais. Disponível em: <http//: flaviaaranha.com>. Acesso em: 23 abr. 2013.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 105-A03: Têxteis – Ensaios de solidez da cor – Parte A03: Escala cinza para avaliação da transferência da cor. Rio de Janeiro, 2006.

CLARO, P. B. O.; CLARO, D. P.; AMÂNCIO, R. Entendendo o conceito de sustentabilidade nas organizações. Revista de Administração da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 43, n. 4, p. 289-300, 2008.

FOLTRAM, R. Cores da Floresta. Ciência hoje, Rio de Janeiro, n. 291, abr. 2012. Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2012/291/cores-da-floresta>. Acesso em 22 fev. 2013.

9º Colóquio de Moda – Fortaleza (CE) - 2013

FRANCO, M. Akatu mostra perfil atual de consumidores conscientes. Disponível em: <http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/atitude/akatu-mostra-perfil-atual-consumidores-conscientes-613419.shtml>. Acesso em: 11 fev. 2013. LEVINBOOK, M. Design de superfície: Técnicas e processos em estamparia têxtil para produção industrial. 2008. 105p. Dissertação (Mestrado em Design) –Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2008. MANZINI, E.; VEZZOLI, C. O Desenvolvimento de Produtos Sustentáveis: os requisitos ambientais dos produtos industriais. Tradução de Astrid de Carvalho. 1ª ed. 2ª reimpr. São Paulo: Edusp, 2008.

PAPANEK, V. Arquitectura e Design. Ecologia e Ética. Lisboa: Edições 70, 2007.

284p.

PICOLLI, H. H. Determinação do Comportamento Tintorial de Corantes Naturais em Substrato de Algodão. 2008, 189p. Dissertação (Mestrado em Engenharia Química) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.

POPOOLA, A.V. Comparative Fastness Assessment Performance of Cellulosic Fibers Dyed Using Natural Colorants. Journal of Applied Polymer Science, New Jersey, v. 77, p. 752–755, 2000. ULLMANN, C. Imaginário Pernambucano. Disponível: <http://abcdesign.com.br/por-area/sustentabilidade/imaginario-pernambucano/>. Acesso em: 06 fev. 2013.

SANTOS, S. Impacto Ambiental causado pela indústria têxtil. Universidade Federal de Santa Catarina. In: XVII Encontro Nacional de Engenharia de Produção, 1997, Anais do XVII Encontro Nacional de Engenharia de Produção Universidade Federal de Santa Catarina, Gramado (SC), 1997, p. 1-8.

VEIGA, J. E. Sustentabilidade: a legitimação de um novo valor. São Paulo: Senac, 2010. 6 Agradecimentos

À Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo

apoio financeiro ao projeto e a Universidade de São Paulo (USP) pelo apoio

intelectual e físico para a realização das experimentações.