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O Fotojornalismo do Big Picture: notícias contadas por
fotografias
Eje temático: Escenarios Digitales
Autores
Anna Letícia Pereira de Carvalho
Resumen
Estudar a fotografia é importante porque ela está relacionada com o
desenvolvimento da sociedade e porque é apropriada por diversas disciplinas, como a
história, a sociologia, a antropologia, a arquitetura, dentre outras. Podemos enxergar o
mundo através de diversas óticas e uma dela é perceber a fotografia como dispositivo de
comunicação.
O artigo teve como objetivo geral um estudo no campo da Comunicação, mais
especificamente da Cultura Visual e do Fotojornalismo, através da reflexão e análise
referente ao objeto ainda pouco estudado, que são as imagens fotojornalísticas
propagadas por um suporte virtual. Foi feito um recorte de imagens do site Big Picture,
que tem como finalidade contar notícias através de fotografias, com a função de produzir
informação imagética na Internet.
O site Big Picture é um exemplo de como os dispositivos imagéticos atuais
precisam ser observados pois procuram produzir uma nova experiência sensitiva para o
espectador. A exploração de mecanismos que contribuam para esse novo caminho faz
com que os diálogos com outras mídias ou mesmo com a bagagem do espectador se
multiplique. A fotografia se insere nesse caso. Ela é presença forte na expansão das
manifestações contemporâneas, onde cada vez mais as imagens se tornam experiências
de interação entre o dispositivo e o observador.
A partir daí, podemos citar o diferencial do site boston.com/bigpicture, cujo nome,
“foto grande”, explica metaforicamente a sua intenção. As imagens aqui não são apenas
acompanhamentos, elas são as notícias. São, em sua maioria, imagens digitais em alta
resolução mostradas já em tamanho grande e funcionam como dispositivos de
informação, uma vez que possuem a intenção de chamar a atenção dos leitores para elas
e não, necessariamente para os textos. São imagens provenientes de vários locais da
Internet, como as fotos da agência internacional de notícias Reuters e o site Gettyimage.
Todos os dias vemos uma seleção de aproximadamente 30 fotos que narram os fatos que
marcaram e que construíram notícias. Guerras urbanas, eventos naturais, festas
populares, figuras populares, tudo isso de modo a tentar inovar num novo suporte, mas
calcado na tradição do fotojornalismo.
Nesse sentido foi desenvolvido um estudo que abrange a Cultura Visual e nova
era da informação, representada pela Internet, de modo a verificar os impactos desse
novo suporte no cenário da Comunicação e, principalmente, como se dá a veiculação de
imagens jornalísticas nesse meio.
Através dessa pesquisa, acreditamos que foi possível refletir sobre o papel da
imagem como construtora de uma nova cultura na sociedade atual que abre caminho para
novos sistemas de significados que estão presentes dentro da globalização e,
consequentemente, na sociedade da informação. A reflexão permite o aumento do
espaço teórico no que se refere à análise de imagens e a recepção midiática dentro de
um contexto histórico-cultural. O estudo de imagens é, portanto, necessário para o
entendimento das representações na atualidade e para o crescimento de novas propostas
teóricas que tenham em pauta esse tipo de investigação.
Desarrollo
1. Introdução
Na história do jornalismo, a fotografia se apresenta como um dos elementos
principais da produção jornalística. Na era digital, percebe-se que a fotografia vem
passando por transformações que se referem à estética e à linguagem, já que a imagem
de imprensa não mais pertence somente à linearidade do papel, mas também aos novos
suportes digitais onde presenciamos possibilidades de interação e observação.
A fotografia utilizada nos meios digitais como suporte de informação imagética é o
alvo deste artigo, pois percebemos que a produção fotojornalística na web, apesar de
partir de padrões tradicionais, vem tentando construir uma nova maneira de disponibilizar
conteúdo visual no ambiente ilimitado da internet. Buscamos neste trabalho entender as
dinâmicas envolvidas no processo jornalístico visual online de modo a compreender como
as narrativas se aplicam à fotografia que pretende ser de imprensa. Consideramos o
fotojornalismo como um produto que pode gerar conhecimento, provocar sensibilização,
contextualizar e incitar um olhar demorado. Não pretendemos construir uma fórmula de
veiculação de imagens jornalísticas, mas desenvolver um debate acerca de como a
fotografia jornalística vem arquitetando o seu espaço no mundo digital para que a sua
dimensão informativa seja percebida e observada.
O site fotojornalístico Big Picture, do jornal The Boston Globe surgido em 2008, é
um exemplo de como os dispositivos imagéticos procuram produzir uma nova experiência
sensitiva para o espectador. A exploração de mecanismos que contribuem para esse
caminho novo faz com que os diálogos com outras mídias ou mesmo com a bagagem do
espectador se multipliquem. A fotografia se insere neste caso. Ela é presença forte na
expansão das manifestações contemporâneas, na qual, cada vez mais as imagens se
tornam experiências de interação entre o dispositivo e o observador.
2. Big Picture
No contexto de inovações dos suportes das mídias surge o site Big Picture1,
criado e administrado pelos editores de fotografia do jornal The Boston Globe2, com o
objetivo de publicar fotografias para contar notícias mundiais. Criado em 2008, por Alan
Taylor, o blog teve em seus primeiros 20 dias mais de 1,5 milhão de visualizações. Ele
surge como uma quebra de paradigma na comunicação imagética via internet, uma vez
que traz coberturas fotográficas de grande formato, sob a ótica do fotojornalista.
Dois aspectos chamam a atenção para este fotoblog3: além de estar relacionado a
um veículo de imprensa (o jornal The Boston Globe), é também o pioneiro em publicação
de imagens em alta resolução. Em tempos de aumento e expansão da banda larga e com
a variedade de meios de se conectar à rede, esta convergência digital é uma alternativa
para o uso do fotojornalismo na internet. O Big Picture reúne e organiza fotografias de
várias origens e gera novas formas de conteúdo, apresentando fotorreportagens e
ensaios, remidiatizando-as para um tema em comum com o objetivo de alcançar novos
eixos de audiência e visibilidade.
A maioria das imagens são provenientes de Agências de Notícias como a
Associated Press, Reuters, e Getty Image, outras vêm de fontes oficiais, como a Nasa, e
outras de fotógrafos que queiram dividir suas fotografias com o Big Picture. As
reportagens fotográficas são geralmente postadas às segundas, quartas e sextas-feiras,
sempre acompanhadas com legendas explicativas. Cada publicação, atualmente, tem
1 Http://www.boston.com/bigpicture 2 Jornal estadounidense de Boston, Massachusetts e pertencente ao The New York Times Company desde 1993.
Foi lançado na internet em 1995 e está no ranking dos 10 webjornais com maior prestígio na América. Está
sediado no endereço www.boston.com. 3 Fotoblog é um derivado do "weblog". O weblog é como um diário de anotações ou memórias online. O
fotoblog tem a mesma definição, porém, é composto apenas de fotos e legendas. Uma característica
importante do fotoblog é a interatividade: outras pessoas podem inserir comentários sobre a imagem que foi
enviada (Fonte: http://fotoblog.uol.com.br/stc/faq_geral.html#1).
cerca de 30 fotos de várias agências de notícias reunindo diversos pontos de vista sobre
o fato publicado ou, em alguns casos, somente com um.
Um fotoblog como o Big Picture está inserido num contexto cultural particular,
onde a forma como a mensagem é transmitida é aliada a um conjunto de profissionais
que encaram a unidade jornalística como uma maneira de atender às regras impostas
pela instituição e ao público ao qual o jornal se destina, criando assim, um discurso
característico do veículo.
Nas tendências atuais de propagar informação, a proposta do blog Big Picture
torna-se interessante por mostrar um olhar sobre um mesmo tema apresentando
fotografias de diversas agências, do público ou mesmo de um único fotógrafo. No entanto,
para apreender a capacidade de comunicação do fotoblog é necessário o
amadurecimento do olhar de quem acessa. O Big Picture é, portanto, um objeto para
novas reflexões sobre o impacto das fotografias na mídia online, que corresponde a um
campo novo, em pleno desenvolvimento mas que, todavia, é um objeto expressivo e
capaz de gerar fortes impactos na sociedade.
3. A Fotografia na Cultura Visual
André Rouillé, professor na Université de Paris VIII, nos fala que a fotografia “só
foi imagem de poder enquanto pôde ficar em sintonia com o sistema, os valores e os mais
emblemáticos fenômenos da sociedade industrial: a máquina, as grandes cidades e esta
extraordinária rede que as interliga, a estrada de ferro” (ROUILLÉ, 2009, p. 48). O autor
observa atentamente o caminho histórico e teórico por qual a fotografia passou até os dias
atuais e critica a indicialidade, afirmando que a teoria que coloca a fotografia como traço
do real apenas seguiu uma visão de cunho ideológico e não leva em consideração a
utilização da fotografia em seus diferentes contextos. Para o historiador, a fotografia é
mais do que um efeito luminoso, ela é um processo.
Ele nomeia, ainda, duas grandes funções da fotografia: a fotografia-documento e a
fotografia-expressão. Para Rouillé (2009), o status de documento foi originado a partir da
crença de que a fotografia funciona como prova, pois contém a relação direta com o
referente. A discussão acerca desse status culminou na abertura do pensamento e deu
origem ao que o autor chama de “fotografia-expressão”:
A fotografia-expressão exprime o acontecimento, mas não o representa.
Levaremos em consideração, aqui, a hipótese segundo a qual a passagem
do documento-designação para documento-expressão repercute na
fotografia como um fenômeno mais global: a passagem de um mundo de
substâncias, de coisas e de corpos, para um mundo de acontecimentos,
de incorporais. A passagem de uma sociedade industrial para uma
sociedade da informação. A sociedade da informação, que se estende ao
ritmo das redes digitais de comunicação, age profundamente sobre o
conjunto das atividades, particularmente sobre as práticas e as imagens
fotográficas, segundo processos muitas vezes subterrâneos e silenciosos,
mas que colaboram para o esgotamento da fotografia-documento.
(ROUILLÉ, 2009, p. 137)
A condição de reprodutibilidade da fotografia e sua rapidez de produção atuam
como condicionantes da mediação, de modo que os conteúdos fotográficos ficam, muitas
vezes, perdidos dentre tantas imagens. A reprodução por si só já retira a imagem
fotográfica de seu contexto original e, dependendo de seu uso, pode ser encarada de
diferentes formas. A fotografia, assim, sendo passível de reprodução e edição, ganha o
terreno do jornalismo por sua condição eficiente, substituindo em muitos casos as
gravuras e ilustrações outrora utilizadas. O fotojornalismo foi, portanto, o impulso que a
fotografia recebeu para se firmar como essencial à sociedade industrial.
O fotojornalismo provoca o que Rouillé (2009) chama de “crise da verdade”4, pois
os limites entre a fotografia como documento e a fotografia como expressão se fundem e
se distorcem, fazendo com que a noção do real representado seja relacionado
principalmente à designação. Desse modo, a aderência não é direta e, portanto, se
considera todas as outras imagens que operam na constituição da cultura visual
seguindo, em sua maioria, regimentos estéticos.
Com base nisso, o dispositivo fotográfico funciona como modelo de comunicação
e transmissão que se dá não somente pelas fotografias-documentos, mas também por
qualquer elemento da ordem visual, inclusive relacionados à fotografia-expressão de
modo a criar contradições e desmentir a ilusão anteriormente proposta. Para Rouillé
(2009), a fotografia-expressão assume um caráter indireto. O site Big Picture, ao misturar
imagens que podem ser consideradas por muitos de ordem direta (notícias instantâneas
com a estética do testemunho) com imagens da ordem indireta (ensaios, fotorreportagens,
etc) desmistifica os clichês e propõe um novo método de reconhecimento da
representação e parte para “jogos infinitos das interferências e das distâncias”. (ROUILLÉ,
2009, p. 159)
Sempre prestigiamos a fotografia como um complemento da notícia escrita ou
reportagem e a atenção dada ao webfotojornalismo só se baseava em pequenas imagens
no layout dos sites, algumas com a possibilidade de serem um hiperlink para a mesma
imagem em tamanho maior. A imagem não deixa de ter o seu passado impresso, ela
ainda precisa de uma contextualização, uma regra do fotojornalismo que não leva em
consideração o suporte, como afirma Buitoni (2009):
4 A crise da verdade manifesta-se no interior da fotografia documental, destruindo seus valores fundamentais
e distorcendo seus limites. A imagem não remete mais de maneira direta e unívoca à coisa, mas a uma outra
imagem; ela se inscreve em uma série, sem origem definida, na cadeia interminável das cópias. O mundo
dissolve-se dentro dessas séries infinitas. Instala-se a dúvida, e confundem-se os limites entre o verdadeiro e o
falso (...). Ao contrário do que pode ser dito, a fotografia documental não teve como sua função principal
representar o real, nem de torná-lo verdadeiro ou falso, mas, de designá-lo, de ordenar o visual. (HORN,
2012, p. 6).
Ao analisarmos jornais na web, temos a impressão de que o panorama
pós-tecnologia digital ainda não foi suficientemente assumido pelos
formatos jornalísticos presentes na rede. Os modos de ver e de ler estão
ainda muito próximos do que acontece no jornalismo impresso
convencional. (BUITONI, 2009, p. 223)
O site Big Picture apresenta um diferencial. As imagens sequenciadas provocam
uma narrativa que acontece pela visão da publicação como um todo ou na junção de
apenas algumas imagens. Elas apresentam vividamente notícias, fotorreportagens e
ensaios, uma vez que as fotografias já aparecem na interface do site em tamanho grande
também. Não temos como ignorar a plasticidade das fotografias, que representa um dos
modelos de utilização de fotografias digitais na internet e um caminho para as
possibilidades do uso de fotografia nesse novo suporte, pois o aprofundamento das
notícias é dado pelas imagens.
A capacidade de mutação das imagens contemporâneas nos faz pensar numa
complexidade imagética, uma vez que o fluxo de produção envolve imagens e suas
mutações em diversas ordens: fotografias, montagens, narrativas, interações, etc;
processos que tornam a reflexão de Català (2005)5, fundamentais para o entendimento da
representação na cultura atual. Para ele, o cenário de produção de imagens equivale a
uma cultura visual, visto que as imagens se manifestam na forma de uma ecologia do
visível.
O pesquisador procura distanciar o conceito de imagem do conceito de texto, dado
que o fluxo temporal expressado pelas imagens compreende algo além da informação
puramente verbal. Para Català (2005), a imagem é também produto da imaginação e os
fenômenos da cultura visual vêm para unir o conceito de imagens ao conceito de texto, de
5 Joséph M. D. Català é pesquisador da Universidade Autônoma de Barcelona.
modo a redefiní-lo:
O texto, evidentemente, qualifica e raciocina de forma mais poderosa e
incisiva que quaisquer imagens, mas estas, em contrapartida, permitem
uma imediata visualização das complexidades que os textos contém, e o
faz de uma maneira que a disposição dura e linear da língua escrita se vê
impossibilitada de administrar (exceto nos novos hipertextos, que, ao fim e
depois, são em muitos sentidos um expoente a mais do exercício de
conversação do texto em imagem que promove o computador). (CATALÀ,
2005, p. 69)6
O estudioso, desta maneira, concebe a noção de imagem complexa como aquela
que privilegia operações estéticas características da subjetividade e da emoção, de modo
a atentar para formas que não estejam relacionadas à mimese. Na epistemologia da
imagem complexa, ele determina que a imagem tradicional esteja relacionada à ciência e
à objetividade. Nestas, a imagem não provoca reflexão no observador passivo. A imagem
tradicional é transparente, mimética, ilustrativa e espectatorial o que mostra como durante
a história da imagem, esta sempre esteve relacionada à objetividade e ao realismo. Essa
visualidade científica na cultura visual, todavia, pode ser desmentida pela imagem
complexa (CATALÀ, 2005).
A imagem complexa se relaciona com a arte e com a subjetividade, uma vez que
ela é opaca e exige um olhar demorado. Além disso, Català (2005) a entende como
positiva, reflexiva e interativa, pois a imagem complexa deve ser exposta e permitir
ampliar a visão do observador ativo. A complexidade aparece na reflexão e forma, o que o
pesquisador chama de visualidade pós-científica.
Diante dessas constatações, pode-se dizer que o pesquisador desenvolve um
6 Trecho livremente traduzido pela autora do artigo.
conceito epistemológico que tem como fundamento trazer interrogações acerca da
imagem e como ela pode se tornar complexa. Partindo disso, há que se levar em
consideração também a ação do observador e como ele investe o olhar sobre as imagens
complexas. Este olhar ativo é chamado de “mirada”, resultado da articulação entre o olhar
investido sobre a imagem e a imagem, ou seja, uma “mirada” complexa.
A ativação da “mirada” complexa resulta no entendimento das imagens e a relação
delas com as dimensões subjetivas e objetivas, no espaço e no tempo e no pensamento
que provêm dessas articulações de modo a entender as consequências epistemológicas
provenientes da imagem complexa. A “mirada" se desenvolve no pensamento imagético,
ou seja, na capacidade de não só pensar sobre as imagens, mas também pensar com
elas.
A complexidade visual pode ser encontrada em diversos produtos imagéticos e
audiovisuais, especialmente quando o produto passa por alguma articulação que interfira
no espaço e no tempo, e quando permite ao observador interagir com ele. A mistura de
produtos de origens diferentes (fotografias, vídeos, multimídia, etc) também pode ser um
caminho para a complexidade visual, visto que os produtos ultrapassam os artifícios
estéticos individuais, o que, por sua vez, estimula a produção de sentido.
O conceito de “imagem complexa” desenvolvido por Català (2005), nos ajuda a
refletir sobre essa capacidade do fotojornalismo e o seu processo representativo. Isso
porque o estudioso propõe uma noção diferenciada de leitura do mundo por meio de
imagens. Ele usa a noção de complexidade de Edgar Morin7 para mostrar que é possível
investir o olhar sobre as imagens, de modo a perceber que elas possuem profundidade e
7 Pesquisador emérito do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). Formado em Direito, História
e Geografia, realizou estudos em Filosofia, Sociologia e Epistemologia. É considerado um dos principais
pensadores sobre a complexidade. Fonte: http://www.edgarmorin.org.br/vida.php
são carregadas não só de objetividade, mas também de subjetividade.
A simultaneidade com que vemos as imagens no mundo nos mostra que é
necessário um processo de imersão para, somente assim, conseguirmos entendê-las
complexamente. Dessa forma, é possível pensar como as imagens estão presentes na
construção de conhecimento.
As imagens complexas têm presença importante na comunicação digital e virtual
porque nesses mecanismos pode-se explorar as diversas possibilidades de conexões
entre as imagens, de modo que o grau de complexidade nos ajuda a perceber as imagens
em vários níveis.
Català (2011) abre o caminho pelo qual é preciso levar em consideração o
conjunto de imagens, como elas se relacionam e transmitem intenções para outras
imagens. Nessa “ecologia da imagem”, como ele diz, tudo está se inter-relacionando e os
modos de percepção estão sendo alterados por causa dessa constelação imagética. A era
da visão trouxe a diferença entre ver e olhar. O olhar se torna atento e descobridor dessas
várias camadas e as imagens são fluidas, modernas e possuem, sem dúvida, diversas
superfícies.
É importante notar que, considerar a ecologia da imagem é pensar principalmente
na fotografia-expressão, pois enquanto a fotografia-documento possui o seu lugar no
mundo das coisas, a fotografia-expressão atua sobre o conjunto de elementos que
envolve os fatos jornalísticos, as redes digitais, as informações em tempo reais, a
originalidade e criatividade daqueles que a produzem. A fotografia-expressão representa
dialeticamente a razão e a emoção e se dá também pela possibilidade de articulação de
diversas imagens, ou seja, pode se dar através de uma ecologia do visível. Isso não
implica que a fotografia-documento não possa constituir também uma ecologia.
O conceito de fotografia-expressão cunhado por Rouillè (2009) está diretamente
relacionado ao conceito de imagem complexa de Català (2005) pois, para ambos, a
fotografia pode carregar elementos antes dispensados pela fotografia-documento, tais
como a dimensão poética, a subjetividade do autor e a existência do Outro em relação ao
dispositivo fotográfico. A fotografia-expressão e a imagem complexa contribuem para o
processo de representação e as reflexões originadas a partir desses conceitos buscam o
sentido da imagem e não a coisa a qual ela se refere.
Ambos os estudiosos refletem sobre as estratégias visuais que são encontradas
nas imagens atuais, estratégias as quais envolvem também as dimensões espacial e
temporal e estão relacionadas aos processos mentais de reconhecimento e memória. Se
aplicarmos esses conceitos ao fotojornalismo, aqui estudado, poderemos perceber que a
utilização da imagem como forma de expressão e conotação contribui para a
humanização do jornalismo, o que por sua vez, apreende a complexidade do fato
divulgado.
É importante ressaltar que o consumo de imagens jornalísticas é cotidiano e
essencial e que a vida na sociedade capitalista gira em torno da compra de produtos,
tanto do ponto de vista do consumo quando da ideologia, mas a diferenciação da imagem
ilustrativa para a imagem complexa, aquela que possui camadas de leituras, torna o
consumo diferenciado, já que o alvo pode ser tanto o espectador comum tanto aquele que
está preparado para ler as imagens culturalmente.
4. O fluxo editorial e a “fotografia-expressiva-jornalística”
Para além do uso da tecnologia, fotografar na era da internet sob a égide do
fotojornalismo é comunicar, o que por sua vez é trocar informações, emoções, ou mesmo
dividir conhecimento. O trabalho do fotógrafo já entra cada vez mais num sistema em que
a concepção da imagem resulta do trabalho de diversos profissionais.
O fotojornalismo estabelece uma maneira própria de comunicação entre o
observador e o mundo. Ele apresenta a versão dos fatos, apesar de não ser considerado
a verdadeira testemunha de um acontecimento. Sua ação comunicativa só é efetiva
quando estabelece uma relação com o imaginário social, pois, a partir do fotojornalismo
podemos construir visualidades que potencializam o imaginário e isso se dá através do
discurso visual.
As fotografias ocupam posições de destaque em alguns jornais e até mesmo já
se destacam em primeira página, isso porque elas podem possuir mais força do que os
textos dentro da dimensão jornalística. Elas têm o poder de sensibilização, ou seja,
atingem os indivíduos no nível da estética e da emoção. Também possuem a dimensão
informativa e, na contemporaneidade, estamos acostumados a ver o mundo através de
imagens. Em muitos casos, as fotos tomam o lugar do verbal, porém, percebe-se que
apesar do entendimento das simbologias presentes nas fotografias, poucos a reconhecem
como um modelo de pensamento, costumam enxergá-las apenas como factuais, como
índices. Antes de ser publicada a fotografia jornalística passa pelo processo de edição. É
publicada aquela que ganhou o privilégio de ser escolhida dentre tantas outras do mesmo
fato. Essa seleção passa pelo caminho que leva em consideração a linha editorial do
jornal ou webjornal e geralmente ocupa a função de representar uma notícia
imageticamente. Além disso, em muitos casos, a fotografia é escolhida pela sua
relevância factual, ou seja, algumas fotografias são publicadas por serem
caracteristicamente “testemunhas” de um fato. No entanto, a arbitrariedade da edição
ainda domina a publicação e toda a decisão é parcial, porque envolve um suporte
ideológico em que a qualidade e o comportamento são ditados anteriormente. A edição
legitima o poder existente nos meios de comunicação, que por sua vez, também leva em
consideração aquilo que mais agrada ao público, o que será visto e discutido.
A fotografia publicada é resultado de um pensamento complexo do editor. Os
ensaios e fotorreportagens como do site Big Picture resgatam fotografias de diversos
canais e, por meio do sequenciamento e junção delas, formam painéis, narrativas e
olhares sobre acontecimentos que são preparados pelo editor para atrair o público
consumidor desse tipo de pensamento imagético. As fotografias publicadas representam
estados de reconhecimento, dos quais as imagens servem como catalisadoras de um
evento, tornando-os reais, tornando-os passíveis de serem acreditados.
De forma geral, a edição é o processo pelo qual uma obra recebe corte,
substituição, deslocamento, inserção, reorganização e padronização no estilo da editoria.
A edição é, portanto, um dos procedimentos que singularizam o jornalismo, o tratamento
final das informações obtidas e o mecanismo que o jornal utiliza para selecionar e
organizar conteúdos com o intuito de formar uma narrativa, de modo hierarquizado e
seguindo a linha editorial. No caso do Big Picture, a edição também expressa a visão
estética no conteúdo imagético.
Fotos impressionantes resultam em pautas sólidas. Editores de fotografia
em revistas, jornais, agências ou sites leem atentamente listas de notícias
para determinar quais são apropriadas para informações pictóricas, quais
precisam de uma ilustração ou elemento gráfico e quais não precisam de
nenhum trabalho artístico. Com o pessoal e recursos limitados - a maioria
dos jornais, revistas e sites se encaixam nessa categoria - editores
devem optar por cobrir artigos ou matérias de primeira página com certa
dose de interesse visual imagético. (KOBRÉ, 2011, p. 126)
A estrutura da fotografia jornalística não é isolada, ela é sempre acompanhada de
um texto (título, notícia e legenda), de outras fotografias e da interface do suporte onde se
encontra. O modo como o fotojornalismo é exposto representa muito sobre a edição do
jornal, sobre a estética para sensibilização do usuário e os modelos de pensamento
envolvidos nessas constituições. As legendas que participam dessa esfera de
comunicação ampliam a informação, já que a contextualização é determinante para a
compreensão da fotografia jornalística. Pode-se pensar que a legendagem é algo fácil de
se fazer, no entanto, reduzir a fotografia em poucas palavras é um processo difícil, visto
que a legenda deve complementar e aprofundar a leitura da imagem.
Algumas mudanças têm mostrado procedimentos diferentes de se utilizar a
fotografia no meio digital e isso envolve desde a sua origem, até o modo como ela é
empregada no espaço visual do suporte online. O Big Picture se diferencia também de
outros modelos de utilização de imagens da imprensa no que se refere à qualidade das
imagens. Nele, explora-se a riqueza de detalhes, as cores, as texturas, as sombras e o
degradé, fazendo com que as fotografias tenham participação fundamental dentro da
cultura jornalística.
Em fotoblogs como o Big Picture, a maioria das imagens provém de agências de
notícias. Observa-se, então, a terceirização dos serviços fotográficos, a qual mostra que a
formação do discurso está mais intimamente relacionado ao editor, uma vez que seu
papel é unir as fotografias das agências com as notícias relacionadas ao acontecimento
original. Logo, podemos perceber que os ensaios e fotorreportagens presentes no nosso
objeto de estudo ocorrem devido à prática da reprodução de notícias e à tentativa de
expansão da mesma por meio de imagens.
A equipe de edição tem papel fundamental na formação da narração, pois ela
busca nos bancos de dados e nas agências de notícias as fotografias que serão
utilizadas, faz o tratamento das imagens quando necessário, as seleciona e as sequencia,
de modo a mantê-las coerentes com a notícia e com a linha editorial do meio. O resultado
disso é o processo criativo jornalístico com a união de texto, imagem e interface, já que as
escolhas feitas pelos editores constituem redes de pensamentos complexos que
determinam o percurso editorial e as relações comunicativas provenientes do processo de
criação.
A edição fotográfica obedece a diversos parâmetros originados da linha editorial,
que incluem os critérios de noticiabilidade; os critérios estéticos, presentes na plasticidade
dos elementos visuais, e como isso interfere na narrativa e no discurso visual; as opções
políticas e sociais das empresas de comunicação; a relevância das narrativas noticiosas
frente ao público-alvo do meio de comunicação; os valores culturais e morais da
representação fotográfica, uma vez que a fotografia produz a visibilidade do outro; a
escolha por uma imagem que transmite emoção ou o máximo de informação, já que a
seleção da imagem relaciona-se com a característica da notícia e dos critérios de
noticiabilidade, por outro lado, pode-se escolher uma imagem que emocione ou outra que
assuma a noção de testemunho e de fidelização do assunto proposto.
No fundo, a representação de um instante de um acontecimento está
praticamente sujeita à utopia: com exceção de algumas imagens em que
se cultiva o aleatório (instantâneos fotográficos automáticos, em
intervalos regulares, por exemplo), esse instante é sempre escolhido em
virtude do sentido a exprimir, depende da fabricação. A doutrina do
instante pregnante, por sua insistência sobre a significação de conjunto
da imagem, detaca esse caráter fabricado, reconstituído, sintético, do dito
„instante‟ representado – que só é obtido de fato por justaposição mais ou
menos hábil de fragmentos pertencentes a instantes diferentes. Tal é o
modo habitual de representação do tempo na imagem pintada: ela retém,
para cada uma das zonas significantes do espaço, um momento (“o
momento mais favorável”), e opera depois por síntese, por colagem, por
montagem. (AUMONT, 2004, p. 235)
A partir disso, podemos entender que cada imagem possui um sentido e ao
serem colocadas em conjunto adquirem um sentido coletivo, em que a individualidade de
cada imagem, a partir da relação com outras imagens, origina a história ou a narrativa que
se pretende passar. O coletivo cria um novo conceito pelo sequenciamento das imagens
fotográficas, como acontece no Big Picture.
A produção terceirizada e o processo coletivo jornalístico estão ligados à questão
de autoria e de autenticidade. Antes os fotógrafos queriam ter seus nomes relacionados à
produção, mas sites como o Big Picture (apesar de manterem os nomes dos fotógrafos),
além de não produzirem material próprio, utilizam os materiais de terceiros sob outra
ótica. Estamos num momento em que é possível colher imagens de diversas
procedências e montar novos quadros, novas narrativas e painéis. Antigamente, havia
mais necessidade de ter o domínio sobre a produção de imagens, fator este que está
enfraquecido atualmente. A apropriação se tornou parte do processo jornalístico e tem
total relação com o cenário cultural contemporâneo.
O ato de fotografar aliado a união de diversas fotografias sob um mesmo guarda-
chuva editorial é determinante para a transmissão da mensagem visual do Big Picture. As
etapas deste processo ressignificam o uso da imagem fotográfica. Trabalhamos no
sentido do amadurecimento do olhar; daí a necessidade de promover novas reflexões
sobre o impacto da fotografia na mídia online – um campo novo em pleno
desenvolvimento com grandes possibilidades expressivas. O imediato, o instantâneo não
precisam mais ser privilegiados, pois pode-se abrir uma porta à experimentação. Além
disso, a compreensão fotográfica tem ampliados seus níveis de sensibilidade e de
narrativização, fazendo com que todos os elementos da construção fotojornalística se
tornem importantes. O meio, os recursos utilizados, o aspecto formal, a estética
fotográfica e a observação formam, portanto, a base para a intenção primordial do
fotojornalismo: contar histórias.
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