o interacionismo no campo linguístico edwiges maria morato

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--- MUSSAUM eams liD RICH, E.; KNIGHT, K. Artificial intelligence. New York: McGraw-Hill , 1991. RUMELHART, D. ; McCLELLAND, J. Parallell distributed processing: explorations in the microstructure of cognition. Cambridge: The MIT Press, v. 2, 1986. SAPORTA, S. Psycholinguistics. A book ojreadings. New York: Holt, Rinehart & Winton, 196\. SMOLENSKY, P. On the proper treatment of connectionism. Behavioral and Brain Sciences, Jl : 1-74, 1988. THAGARD, P. Mind. Introduction to cognitive science. Cambridge: The MIT Press, 1996. WlTIGENSTEIN, L. Philosophical investigations. Oxford : Blackwell, 1953 . .: au 9 '" o INTERACIONISMO NO CAMPO LlNGUISTlCO* Edwiges Maria Morato yo no creo en caminos pero que los hay hay Paulo Leminski Inicialmente, 0 interacionismo em Linguistica significou uma das te6ricas externalistas contra 0 psicologismo que impregnava a ciencia da linguagem nos meados do seculo xx. Assim, num senti do largo do ter- mo, podem ser considerados interacionistas aqueles dominios da Linguistica • Gostaria de agradecer aos que gentilmeote se prontificanlm a ler as primeilllS ve.wes deste texlo. Seodo, como diz a "os pecados lodos meus", <levo i Ingedore G. Koch, Ana Luiza Bustamante Smolka, Adriana Friszman de Laplane e Anna Christina Bcoles 0 melhor do que aqui se fez. Tambem gostaria de mencionar que todas as passagens extraldas de textos em lingua estrangeira foram traduzidas por mim pant PI fins deste capitulo. Ainda que drios des.scs IeXtos j8 CSlejam traduzidos pant 0 portugues, opCei poT traba- ,. com as mais disponlveis, ciancio prefereacia _ originais sempre que posslvcL 0 Icitor e a Iciton IIberIo qual a utilizada ao final do texlo, DIS bibliogr8ficas, e verlo a do ano da original quando da primeira do autor.

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Page 1: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

---MUSSAUM bull eams liD

RICH E KNIGHT K Artificial intelligence New York McGraw-Hill 1991

RUMELHART D McCLELLAND J Parallell distributed processing explorations in

the microstructure of cognition Cambridge The MIT Press v 2 1986

SAPORTA S Psycholinguistics A book ojreadings New York Holt Rinehart amp Winton

196

SMOLENSKY P On the proper treatment of connectionism Behavioral and Brain

Sciences Jl 1-74 1988

THAGARD P Mind Introduction to cognitive science Cambridge The MIT Press 1996

WlTIGENSTEIN L Philosophical investigations Oxford Blackwell 1953

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9

oINTERACIONISMO NO CAMPO LlNGUISTlCO

Edwiges Maria Morato

yo no creo en caminos pero que los hay hay

Paulo Leminski

1INTRODU~AO

Inicialmente 0 interacionismo em Linguistica significou uma rea~ao das posi~oes te6ricas externalistas contra 0 psicologismo que impregnava a ciencia da linguagem nos meados do seculo xx Assim num senti do largo do tershymo podem ser considerados interacionistas aqueles dominios da Linguistica

bull Gostaria de agradecer aos que gentilmeote se prontificanlm a ler as primeilllS vewes deste texlo Seodo como diz a can~lo os pecados lodos meus ltlevo i Ingedore G Villa~ Koch Ana Luiza Bustamante Smolka Adriana Friszman de Laplane e Anna Christina Bcoles 0 melhor do que aqui se fez Tambem gostaria de mencionar que todas as passagens extraldas de textos em lingua estrangeira foram traduzidas por mim pant

PI fins deste capitulo Ainda que drios desscs IeXtos j8 CSlejam traduzidos pant 0 portugues opCei poT trabashycom as ecf~ mais disponlveis ciancio prefereacia _ originais sempre que posslvcL 0 Icitor e a Iciton IIberIo qual a edi~ utilizada ao final do texlo DIS ref~cias bibliogr8ficas e verlo a indi~o do ano da publi~o original quando da primeira ci~ do autor

313 MUSSAUM bull BENTts312

- como a Sociolinguistica a Pragmatica a Psicolinguistica a Semantica Enunshyciativa a Analise da Conversasao a Linguistica Textual a Analise do Discurso - que se pautam por uma posisao externalista a respeito da linguagem isto e que se interessam nao apenas ou tao somente pelo tipo de sistema que ela e mas pelo modo atraves do qual ela se relaciona com seus exteriores teoricos com 0

mundo externo com as condisoes mUltiplas e heterogeneas de sua constituiSlio e funcionamento

Posteriormente 0 interacionismo estabeleceu-se como uma das perspectivas maislrodutivas seja estimulando e marcando de forma explicita as relasoes da Linguistica com outras areas do conhecimento investindo de interesse para 0 camshypo certas categorias como asao outro pratica sociedade cognisao seja promovendo analises pluridisciplinares em torno do fenomeno linguistico e obrigando os linguistas a reftetir de forma sistematica sobre seu proprio objeto

Anosao de interasao mesmo quando concebida de maneira vaga e imprecisa tern sido pesa importante para a compreensao das contingencias e vicissitudes do debate internalismo x externalismo nqmiddot campo da Linguistica ajudando a estabelecer epistemologicaniente as relasoes entre linguagem e exterioridade Para muitos a dimensao empirica que toma como analise situasoes interativas nas quais a linguagem esta de alguma forma concern ida parece ser de fato uma alternativa ao beco sem saida representado peo impasse internalismo x externashylismo ou urna possibilidade de entrever em relasao a ele uma posisao hibrida ainda em construsao Os estudos aquisicionais conversacionais sociolinguisticos discursivos e textuais sao urn born exemplo de lugares privilegiados para esse tipo de empreendimento

Urn dos desafios que se colocam para os que procuram compreender os alshycances e os limites do interacionismo e seus avatares no campo da Linguistica e apreender com profundidade certos postulados dessa perspectiva entre os quais a ideia de que a relavao eptremiddotjnterasao e linguagem (ou entre itlterasao e aquisivao interavao e comunica~pound8 Interavao e cognisao) nao e necessariamente isomorfica

Para perscrutarmos 0 lugar epistemologico reservado a interasao na teorizashySlio sobre a linguagem e entendermos 0 que a Linguistica tern procurado ganhar heuristicamente com essa nosao recorramos - como ponto de partida - a urn conhecido postulado interacionista segundo 0 qual toda asao humana procede de interavao

Entre outras coisas mais ou menos obvias 0 enunciadb acima chama nossa ate~ para 0 fato de que sempre que em Linguistica negligenciamos ou simshyplesmente deixamos de considerar que existe lingua porque existem falantes e que os falantes existem em funsao das alYoes que os instam de varias maneiras

INTRODU~O AUNGuisTICA

e em diferentes niveis de exigencia a pennanecer em relaslio a alguma coisa e na relasao com alguma coisa a analise sobre a linguagem falha de alguma forma isto e se torna necessaria mente parcial ou incompleta

Ao que parece nossa natureza social simplesmente nao permite que escapeshymos a interasao A partir dai entretanto restaria apreender melhor a diversidade de relasoes que se estabelecem no seio de uma determinada interalYlio humanaja que e importante saber se ela e circunstanciada pela relalYao entre interlocutores entre discursos entre semioses co-ocorrentes ou entre moleculas Alem disso poderiamos tambem tentar obter alguma resposta para a seguinte questao se 0

que cham amos interalYao resulta na verdade de uma especie de compilasao de processos diversos existentes no ambito das praticas humanas com base em que termos podemos destacar algum aspecto (como 0 verbal por exemplo) de sua constituilYao e correr 0 risco de apagar por meio de uma OPlYao metodol6shygica ou de urn recorte teorico sua realidade multifacetada caracterizada pela coexistencia de varios processos (sociais psicol6gicos contextuais culturais interpessoais etc) justamente interatuantes

Se nao podemos simplesmente recusar a afirmasao segundo a qual pratishycamente toda alYao humana procede de interasao a mesma disposisao nlio pode ser aplicada com relalYao ao que pode ser entendido em Linguistica por interashycionismo Reconhecendo-se 0 esvaziamento semiintico que passou a partir de urn certo momenta a marcar a expressao uma legilio de termos invocados para predica-Ia ou qualifica-la epistemologicamente surgiu em varias areas de forma nota vel na Linguistica dedicada aos estudos etnograficos bern como ao campo aplicado (voltado para 0 ensino de lingua para 0 estudo das produlYOeS textuais na escola etc) sociointeracionismo interacionismo socio-historico interacionismo construtivista interacionismo discursivo interacionismo simbolico etc Afinal estariamos inapelavelmente as voltas com tantos interacionismos quantas forero possiveis as conceplYoes de interalYao

Superar dicotomias cIassicas (lingua x fala sujeito x objeto competencia x desempenho) nas quais se funda como ciencia e identificar tanto quanto possivel as consequencias teoricas e empiricas do interacionismo para a reftexao em torno da linguagem sao desafios a que a Linguistica tern se proshyposto a partir da insenylio dos elementos reputados desde Ferdinand de Saussure (1857-1913) como heter6clitos no estudo do objeto da ciencia da lingqagem as priticas sociais nas quais a linguagem esta imersa e que a constituem as normas pragmaticas que presidem a utiliza~ao da linguagem as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os falantes os aspectos subjetivos e variaveis da lingua e seu funcionamentoas condilYOes materiais psiquicas e ideol6gicas de

315 MUSSALIM bull BENTe

314

produyao e interpretayao da significayao a existencia de semioses coocorrentes nas pniticas discursivas 0 estatuto do outro no processo de aquisiyao da linshy

guagem pela crianya etc Assim se 0 nosso objetivo for proceder a uma especie de verificayao das

consequencias te6ricas e empiricas da perspectiva interacionista no campo linshyguistico algumas considerayoes iniciais se tornam imprescindiveis Em primeiro lugar e recomendavel supor que entre os termos interayao e interacionismo existem certas distancias semanticas Em segundo lugar e importante admitir que nos defrontamos na atualidade com interacionismos e interacionismos o que requer que saibamos identificar 0 peso epistemologico dado adimensao interacional das ayoes humanas nos estudos da linguagem Finalmente e necesshysario levar em conta que a Linguistica nao e ela mesma um bloco monolitico e que tanto seus dominios internos quanta suas demarcayoes fronteiriyas com outras disciplinas do conhecimento tambem estao a exigir uma arbitragem teoshyrica do tipo interacional Afinal quando surge 0 interacionismo representa urn esforyo pluridisciplinar com vistas ao entendimento das relayoes entre individuo e sociedade I

o que se pretende neste texto e destacar questoes como essas a fim de levanshytar as problematicas te6ricas relevantes no quadro dos estudos interacionais no campo linguistico bern como ipdicar suas consequencias epistemol6gicas mais amp las para a ciencia da linguagem Nao pretendemos pois explorar neste texto um vies exegetico com relayao ao tema nem tampoucO esboyar uma especie de

cartografia dos estudos interacionistas Posto isto comecemos por admitir que falar em Linguistica em interayao

ou em interacionismo e postular determinados modos de existencia ou determishynados modos de funcionamento da linguagem

~=~middot~i~

2 DAS VICISSITUDES DAft~O DE INTERA~EDE INTERACIONISMO

A partir de uma vista dolhos no que professam os autores e as teorias nem sempre foi e e facil discemir as tendencias que se reivindicam ou se reputam interacionistas seja no campo linguistico seja fora dele

No campo da Filosofia por exemplo foi preciso esperar pelo questionamento do dualismo ontologico com Descartes (1596-1650) para que urn interacionismo se colocasse como wna solu~ ou uma altemativa para dualismos classicos como os que envolvem 0 problema corpo x mente ou 0 problema fe x razAo Para Descartes vale lembrar os processos implicados nesses binomios sao pensados

separadamente mas de forma interatuante Certamente muitos outros autores ern Filosofia - como Hobbes Kant Hegel Marx ou Habennas por exemplo _ tambem marcam os estudos interacionistas cada urn asua maneira por terem procurado fugir do beco sem said a de dualismos varios

No ambito da Linguistica muitos sao os trabalhos ou autores que se reivinshydicam interacionistas saibamos ou nao 0 que entendem por interayao muitos sao os trabalhos ou autores que nao reconhecem no interacionismo que professam semelhanyas com essa ou aquela posiyao tambem a ele associada e muitos sao os trabalhos e autores que reputados como interacionistas rejeitam de alguma maneira esse rotulo

Certamente muitas inadequayoes podem ser produzidas quando abrigamos sob a rubrica interacionismo trabalhos ou autores de fato muito distintos Por esse motivo aquilo que chamamos algo genericamente de interacionismo parece ser de fato urn mosaico de inteligibilidades e metodos AMm disso se investirrnos a analise do termo interacionismo de um rigor conceitual e nao a dissociarmos do dominio empirico que 0 caracteriza ou concerne haveremos de perceber que nem sempre 0 (mero) emprego do terrno interayao e suficiente para qualificar determinada reflexao como interacionista

De todo modo longe de ser ou se apresentar como um programa teorico definido no campo linguistico 0 interacionismo tem side capaz de marcar uma disposiyao de tomar a interayao como uma das categorias de amilise dos fatos de linguagem e nao apenas 0 locus onde a linguagem acontece como espetaculo E esta qualidade (ou esta circunstancia ) 0 que tornariajustificavel sua inseryao entre os movimentos teoricos que fazem a ciencia da linguagem avanyar

Eprecisamente por isso que no ponto em que estamos certas questoes deshyvem ser destacadas sendo a delimitayao do conceito de interayao certamente uma delas Se nao for assim dificilmente saberemos identificar diferentes acepyoes do termo quando falamos em dirnensao interacional da linguagem ou quando elevamos a interayao (social) acondiyao de principio explicativo para os fatos de linguagem ou quando postulamos urna Linguistica Interacional

No enfrentamento de seu carater polissemico 0 termo interayao requer que pensemos de alguma forma em urn de seus trayos definidores mais expressivos ligado - como se observa na raiz (inter) - aideia de influencia reciproca em segundo lugar ele nos convida a pensar em algo comparti11ado de forma reflexiva (isto e a a~ao) Porem como bem nota Vion em seu livro La communication verbaJe - Ana~vse des interactions (1992) essa defini~ Dio marca oenhuma diferenya entre trocas conversacionais transa~Oes financeiras jogos amorosos ou lutas de boxe De todo modo ela e capaz de indicar que toda empreitada ou

317

MUSSAUM bull BEIITEs316

ayao do sujeito no mundo se inscreve num quadro social submete-se as regras de gestao historico-cultural nao enunca ideologicamente neutra

Procurando explorar essa quesmo consideremos que 0 que primeiro se evoca nos trabalhos de tradiyao pluridisciplinar sobre interayao ea ideia de ayao conjunta (seja conflituosa seja cooperativa) que coloca em cena dois ou mais individuos sob certas circunstancias que em muito explicam seu proprio decurso Enquanto categoria de analise a interayao permite que se discutam pois a qualidade e a circunstancia da reciprocidade de comportamentos humanos diversos em variados contextos praticas e situayoes

Se a delimitayao acima parte da considerayao de uma complexa rede de relayoes que se estabelecem em tome das ayoes humanas constituidas e marcashydas por condicoes materiais de vida em sociedade ela nao autoriza ou indica a eleiyao de uma (mica qualidade distintiva do fenomeno interativo

A Linguistica no entanto tern se preocupado em delimitar a nocao resershyvando para si a tarefa de analisar especial mente uma parte do fenomeno ou seja a interacao verbal tambem ela algdheterogeneo e historicamente situado como toda interayao Quanto a este ponto todavia alguns linguistas chamam a atenyao para 0 fato de que a ausencia de manifestacao verbal em certas acoes nao elimina a presenca obrigat6ria da linguagem na emergencia de toda forma de percepyao

() Alias parece pouco provavel que 0 desenvolvimento das acoes possa se efetuar de ol~a forma que nao na presenYa permanente de urn controle discursivo inteshyriorizado Nessas condiYoes toda atividade social de qualquer natureza que seja coloca inevitavelmente emjogo mesmo que as vezes de maneira bastante indireta a ordem da 1inguagem (Vion 1992 p 98-99)

Para Kerbrat-Orecchioni num texto em que analisa a inseryao da noyao de interayao naJjnguistica francesa ela nao se constitui como uma das grandes preocupacoes da ilnguistica modema a despeito de vigorosos ape los de um Bakhtin de urn Jakobson ou de alguns outros (1998 p 51)

A quesmo que essa autora se coloca e se parece mo incontestavel que falar

a

e agir (speaking is interacting) de acordo com Gumperz (1982) ou que a interaryao verbal ea realidade fundamental da linguagem de acordo com Bakhtin ([ 1929) 1981) por que a Linguistica se mostrou por tanto tempo reticente quanto a levar a s~rio 0 fato de que a linguagem tern por funryao prime ira a comunicaryao interpess0a1 (cf p 51-2)

A resposta para essa quest3o na verdade nao e t30 complicada como suplte a au1ora Diriamos que 0 fato por ela mencionado ocorre porque muitos Iinguistas

INTRODI(AO AUNGuisrlCA

se nao chegam a contestar seriamente a dimensao interacional da Iinguagem ou a presenca da interayao como elemento constitutivo da linguagem question am a afirmacao segundo a qual a linguagem tern por funyao primordial a comunicacao Uma passagem tomada de urn texto de Carlos Franchi poderia bern resumir essa posiryao que nao ve na comunicacao a marca distintiva da linguagem outros processos semi6ticos sao tambem eles comunicativos

Certamente a linguagem se utiliza como instrumento de comunicaY30 certamente comunicamos por ela aos outros nossas experiencias estabelecemos por-eIa com os outros lacos contratuais por que interagimos enos compreendemos influenciamos os outros com nossas opcoes relativas ao modo peculiar de ver e sentir 0 mundo com decisoes consequentes sobre 0 modo de atuar nele Mas se queremos imaginar esse comportamento como uma aC30 livre e ativa e criadora suscetivel de pelo menos renovar-se ultrapassando as convenYoes e as herancas processo em crise

de quem eagente e nao mero receptaculo da cultura temos enmo que apreende-Ia nessa relaY3o instavel de interioridade e-exterioridade de diaIogo e solil6quio antes de ser para a comunicacao a linguagem epara a elaboraYao e antes de ser mensagem a linguagem e construcao do pensamento e antes de ser veiculo de sentimentos ideias emocoes aspiracoes a linguagem eurn processo criador em que organizamos e informamos as nossas experiencias ( ) 0 funcionalismo tern examinado com detalhes as acoes em que a Iinguagem esti deixando a margem a aC30 que ela e(1977 p 18-9)

Entendida como atividade constitutiva do conhecimento humano a Iinguashygem nao apenas eestruturada pelas circunstancias e referencias do mundo social eao mesmo tempo estruturante do nosso conhecimento e extensao (simb6Iica) de nossa aryao sobre 0 mundo Ou seja podemos dizer da linguagem que ela euma acao humana (ela predica interpreta representa influencia modifica configura contingencia transforma etc) na mesma proporryao em que podemos dizer da ayao humana que ela atua tambem sobre a linguagem

Nessa relacao dialetica de interioridade-exterioridade a linguagem enCODshytea na significaryao sua funcao precipua Com isso reconhece-se que a lingua nao e s6 signo e ayao etrabalho coletivo dos falantes nao esimplesmente urn intennediario entre nosso pensamento e 0 mundo Ha vanos fatores que mobishylizam esta relayao aMm dos concementes ao sistema linguistico propriamente lito (a lingua) as propiiedades biol6gicas e psiquicas de que somos dotados

qualidade das intera~oes humanas 0 valor intersubjetivo da linguagem as CootmgeDcias materiais da vida em sociedade os diferentes universos discursishyvos atraves dos quais agimos e orientamos nossas aryoes no mundo as Dormas

MUSSAUM bull BENTES318

pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem a polissemia existe~te entre lingua e (inter)discurso

Esse ponto de vista sobre a significayao essa prtitica quase-estruturante e sociar (Franchi 1986 p 25) tao caro as correntes enunciativas e discursivas postula que a significayao tern aver reciprocamente com a comunicayao Contudo ainda que ambas mantenham uma estreita relayao entre si e marquem duas formas do sentido urn termo nao pode ser empregado no lugar do outro Implicam difeshyrentes trabalhos linguistico-discursivos e mobilizam diferentes niveis de reflexao sobre as ayoes em curso na interayao Sen do pois duas formas de significancia (cf Benveniste 1966) significayao e comunicayao nao se confundem mas sao indissociaveis nas praticas discursivas

Se uma diferenciayao pode ser estabelecida entre ambas que se encontram intimamente relacionadas nas praticas linguisticas e porque isso po de trazer - pelo menos para a Linguistica - algumas vantagens te6ricas voltadas para o estudo da intersubjetividade das diversas instanciayoes enunciativas e da metliinguagem

Segundo Claudine Norinand (1990 p 334) a comunicayao nos indica que o sujeito tern algo a dizer ou a mostrar a significayao nos indica que 0 sujeito mostra explicita ou implicitamente a mane ira pela qual ele corre 0 risco de intershypretar e ser interpretado de representar ou dar representabilidade as coisas do mundo Essa ponderayao indica que tambem a interayao - e tudo 0 que e afeito a ela - produz senti do 0 sentido eproduyao de interayao 0 outro nos e necessario para sabetmos 0 que estamos a dizer e mais para construirmos 0 senti do daquilo que estamos a dizer Nesse aspecto e que a interayao - enquanto categoria de analise - pode ser urn elemento de distinyao na definiryao do sentido e capital para a compreensao das tarefas interpretativas

Se a nOyao de interayao em Linguistica tern sido elevada acondiyao de principio explicatty~~ttos fatos de linguagem (como veremos na perspectiva bakhtiniana) tambeuroril tern sido reduzida nao raras vezes a uma especie de curinga categorial de varias abordagens heterogeneas que servem a prop6sitos te6ricos e metodol6gicos muito diversos Nesse sentido nao raras vezes ela e considerada em termos de tudo ou nada na analise de objetos e fatos de linguagem

Urn problema que podemos apontar quanto a esse ponto reside na disjunyao entre dado observavel e representayao te6rica se de urn lado dificilmente se pode dettar de considerar de alguma forma as propriedades interativas dos dados linilisticos de outro lado a idealiza~o dos fenomenos linguisticos propria a certas teorias (como as que tomam a interayAo e a cooperayao como habilidades intrinsecas dos sujeitos) acaba por ignorar ou elirninar 0 carater social da interashy

-

-

IIITROD~O AUNGuisTiCA 319

vao1 Assim ou os aspectos interacionais sao praticamente eliminados da teoria

(como ocorre na Semantica Formal ou na Gramatica Gerativa por exemplo) ou diversos conceitos entre eles 0 de comunicayao e 0 de contexto uma vez irnpregshynados de interayao acabam por despojar este termo de urn senti do rnais preciso

Urn outro problema relacionado a esse ponto e que a exemplo do que acontece em outras disciplinas tambem em Linguistica a concepyao de cornushynicayao e facilmente confundida com a de interayao correspondencia que chega mesmo a provocar a revogayao da adesao de autores afinados inicialmente com uma perspectiva interacionista Da complicada e inadvertida vinculayao direta entre esses termos resulta que entre outras coisas a comunicabilidade (isto e a disposiyao para a cooperayao) e tida como uma caracteristica inata dos homens prescindindo pois de qualquer teorizayao mais especifica Nesse contexto a interayao pode e geralmente e pensada praticamente a margem da linguagem isto e a margem de sua ayao constitutiva em relayao a diversas situayoes humanas

Para Kerbrat-Orecchioni 0 fato de_existir ainda hoje urn interesse relatishyvamente minoritario em torno da noyao de interayao entre os Iinguistas se deve a uma especie de denegariio da vocariio comunicativa da linguagem (1998 p 52) explicada pela tradiyao filol6gica pelas dificuldades praticas de analisar _ urn objeto tao variavel e multifacetado pela inseryao da sociologia durkheimiashyna (pouco afeita as preocupayoes interacionistas) na Linguistica ffancesa pela inseryao do interacionismo simb61ico ria Linguistica anglo-saxonica (represenshytada tanto pela Escola de Chicago da qual eexpoente E Goffman quanto pela Analise da Conversayao de que sao fundadores os etnometod610gos H Sacks e E Schegloft) voltado inicialmente a analises da vida cotidiana e fenomenos culturais (como sistemas de parentesco mitos e ritos)

Em boa parte em funyao dessas infiuencias a introduyao definitiva das dimensoes sociais culturais e contextuais na analise de fatos de linguagem fez com que a Linguistica passasse a dirigir seus esfoflos acompreensao de fenomenos comunicativos e de padr6es normativos pr6prios as interayoes 0 ~~rte-americano Erving Goffman (1961) chega mesmo a estabelecer caracterisshyfiCas gerais da interayiio com vistas ao entendimento do que ocorre nas situayOes de comunicayao Chama de interayao nao focalizada a que ocorre em funyao 9a simples presenya de dois individuos e de intera~ao focalizada aquela que inclui a conversayao face a face

Dando sustenta~o ao que veio a ser denominado interacionismo simbOlico ao qUat se associam os nomes dos norte-americanos George Mead e Erving Goffinan shy

-II I Devo esta observ~ 80 colega Heronides de Melo Moura

MUSSAUM bull BENTES

320

a Psicologia

Social e a Etnografia da Comunica~ao viram-se igualmente envolvirlas

com a tematica das rela~oes entre individuo e sociedade Goffman (1973) destaca uma variedade de praticas sociais que se desenshy

vol vern mesmo na ausencia de outras pessoas isto e que ocorrem na ausencia de uma intera~ao social direta que nao se inscrevem noS timites estritos da conversa~ao (como a gesticula~ao e a postura corporal) Para GotTman haveria em todo contexto interativo algo que lhe e propriO construido em fun~ao das particularidades dos sujeitos nele envolvidos e da qualidade de suas intera~5es no curso de uma determinada a~ao

( ) cada participante enlra em uma situayao social portando uma biografiaja rica de interayoes passadas com outros participantes - ou peo menoS com participantes do mesmo tipo do mesmo modo ele vem com um grande conjunto de pressuposiyOes

culturais que presume serem partilhadas (1988 p 197)

Ao final dos anos de 1970 tanto a Etnometodologia quanto outras aborshydagens microssociologicas desenvolvem-se no mundo todo Alguns autores relacionam esse fato ao decinio shy verificado a epoca shy do prestigio de posishyy5es marxistas mais ortodoxas A influencia marcante da Etnometodologia nao deixaria de assinalar de alguma forma a perda de prestigio de uma certa tradiyao sociolog

ica europeia Com isso as questoes valorizadas no campo passam a ser

nao essencialmente as condi~oes materiais e ideologicas em que se dao as rela~ socia is mas sim as que se baseiam em analises micro isto e as que conferem especial aten~o as mudan~as e aoS avan~oS tecnologicos as novas condi~oes de trabalho e intera~ao que vao se colocando para urn mundo em globaliza~ao ao levantamento de competencias e padroes interativos que caracterizam a interayao

entre individuos e grupos sociais etc Coube ao nort~ainericano Harold Garfinkel cunhar 0 termo Etnometodoloshy

gia (1967) para idefitificar a abordagem que procura descrever os processos que caracterizam ou constituem a comunica9ao interpessoal analisando 0 modo como os individuos interagem e se comportam em meio a diferentes situ

a9 0es

especifishycas da vida cotidiana A concep9ao de social que se estabelece aqui se configura a partir da analise do que se produz nas a90es cotidianas e leva em considera~o todo urn sistema de cren9as e modos de agir dos sujeitos em intera9

30

Vigente ate hoje esse enfoque baseado em modelos normativos de a~o inspindos em diferenampes enquadres te6ricos e autores como Garfinkel Habenll8 Schlitz Boudon ou Boltanski prioriza 0 papel dos sujeitos na organiza~o social bern como nas intera90es verbais as estrategias e os savoir-faire comunicativOS a

INlROOU~AUNGuisnCA 321

constru~ao de imagens identitarias a gestao de regras pragmltiticas as interaltoes no mundo do trabalho a institucionalizasao dos espaltos interativos os tipos ou formas gerais de intera~ao etc

o interesse dessa perspectiva de inspirayao motivacional (ou psicologica) se pauta ou se restringe pois a situa~oes especificas que condicionam a comushynicaltao interpessoal Nao e por acaso que as analises dai derivadas privilegiam o que se passa local mente na ayao

Tendo por foco a atividade humana por meio da qual os agentes elaboram Jinhas de conduta em situayoes concretas a Hnometodologia toma-se como ressalta Vion (1992) proxima do interacionismo simbolico inaugurado pelo psishycologo norte-americano George Mead (1863-1931) volta do para a investigayao da genese da subjetividade (mais precisamente do Self) no processo de interayao social Para Mead 0 sujeito (0 Self que corresponde a uma identidade construida socialmente) se constitui enquanto tal na comunicaltao e por ela

A importancia daq~lo que n6s chamamos de comunicayao resIde no fato de que ela fomece uma forma de comportamento em que 0 organismo 0 individuo pode tomar-se urn objelo para si mesmo ( )0 Self sendo urn objeto para si eessencialshymente uma estrutura social e nasce na experiencia social ([1934]1963 p 118-9)

Entretanto como afirrna Vion (1992) se para a interacionisma sirnbolico tanto a qualidade dos process as interativas que produzem e reproduzem as esshytruturas sociais quanta as estruturas em si sao igualmente irnportantes no estudo iIa realidade social para os etnometodologos e a propria a9ao - localmente lnvestigada shy que pode interpretA-Ia (dai a importancia do contexto situacional

bull e da indexicalidade de toda ayao)

No campo saciologico a reayao contra 0 empirismo atribuido as pesquishyetnometodologicas ou contra a possibilidade que elas tern de transfonnar

em metodologos de suas a~Oes algo que seria proprio das analises localmente na ayao nao deixou de ser registrada por varios autores

Phillips

De urn lado a leoria de Garfinkel concebe as praticas que constituem deg trabalho de objetivayao da ordem como metodos que servem para preencher 0 abismo que separa 0 situacional e 0 geral como por exemplo as praticas ad hoeing e principio de et cetera Mas de outro lado as pesquisas efetivamente conduzidas em Etnometodologia colocam luz em wna multidio de outras pniticas de ordens diferentes mas que podem muilo plausivelmcnle e apesar das recome~ da

serem apresentadas como regras seja qual for a generalidade (1978 p 64)

MU5SAUM bull BENItS

322

A chamada Linguistica Interacional mas nao apenas ela deve muito a essas vertentes 0 que e focalizado a partir da delimitayao da nOyao de interashyyaO no campo da Linguistica lnteracional (cf Kerbrat-Orecchioni 1990 1998 Vion 1992 Mondada 19942001) configura urn conjunto de questoes Jigadas a todo tipo de produyao linguistica que e considerada material interativo pnitishycas estrategias e operayoes linguageiras dinamicas de trocas conversacionais comunicayao verbal e nao verbal construyao de valores culturais atividades referenciais e inferenciais realizadas pelos falantes normas pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem etc Esses exemplos-nao exc1uem 0 fato de que todo ato de linguagem e no fundo essencialmente interativo mesmo 0 que nao envolve ayao conjunta ja que uma dimensao dialogica (suposta mesmo na significayao isolada ou unilateral) e base estruturante de todo processo verbal (0 que supoe a existencia de interayao tambem em mono logos soliloquios textos

escritos conferencias discurso interior etc) Arelayao entre linguagem e outros processos cognitivos (pensamento meshy

moria percepyao etc) geqtu desde osanos 1960 muitos estudos no terreno do interacionismo Esta perspectiva na verdade coexiste aepoca com outrasaborshydagens teoricas isto e 0 inatismo e 0 cognitivismo que reservam alinguagem

urn lugar epistemologico distinto Sabe-se que como consequencia do dualismo ontologico a relayao entre

linguagem e pensamento - como de resto todo fenomeno cognitiv~ - foi primeiramente vinculada ao biologico e concebida praticamente amargem da

linguagem e das interayoes sociais Preocupados em reftetir sobre 0 lugar da interayao da crianya com 0 meio

circundante no desenvolvimento linguistico e cognitivo autores como Piaget Vygotsky e Bruner contribuiram de maneira decisiva - cada urn asua maneirashypara 0 entendiment~Aa interayao como um problema te6rico para a Linguistica

Sr _I As abordagiQ5ltonstrutivistas a partir dos trabalhos inspirados na teoria da

ayao do bi61ogo suiyo Jean Piaget - para quem a aquisiyao de conhecimentos resulta de uma troca continua de informa~iio entre a tomada de consciencia da a~ao e a tomado de consciencia do objeto ([1974]1976) - consideram que-a cogniyao humana se define em funyao de estruturas ou esquemas que 0 organisshymo desenvolve em tome de um conjunto de ayOes coordenadas e em funyao da interayao que mantem com 0 meio ambiente deterrninante de forrnas possiveis

de linguagem e de outros sistemas cognitivos Por seu tumo as abordagens interacionistas DO campo psicoliQampUistico conshy

sideram a linguagem urna ayao compartilhada que percorre urn duplo percurso na relayao entre sujeito e realidade intercognitivo (sujeitomundo) e intracognitivo

ImROOUltAO UNGuisTICA 323

(linguagem e outros process os cognitivos) A interayao e a base da construyao do conhecimento e da dupla natureza da linguagem (cognitiva e social) Cogniyao aqui define-se como urn conjunto de varias formas de conhecimento que nao e totalizado ou subsumido por linguagem mas que de alguma forma se encontra sob sua responsabilidade Os processos cognitivos dependentes (assim como a linguagem) da significayao nao sao tornados como comportamentos previsiveis ou aprioristicamente concebidos como se estivessem a margem das rotinas significativas da vida em sociedade Nessa abordagem 0 tipo de relayao que se estabelece entre linguagem e cogniyao e de mutua constitutividade na medida em que supoe que nao lui possibilidades integrais de pensamento ou dominios cognitivos fora da linguagem nem possibilidades de linguagemfora de processos interativos humanos (Morato 1996 p 18)

Tendo em vista que nao recusariam uma ponte conceitual entre 0 biologico e o adquirido socialmente as abordagens que partem da conjugayao dos trabalhos de Piaget e Vygotsky sao muitas vezes tambem chamadas de socioconstrutivisshytas Contudo embora Jrossam ser aproximados sob determinados aspectos 0

construtivismo e 0 interacionismo preconizados respectivamente por Piaget e Vygotsky estiio longe de serem identicos

Para 0 primeiro cumpre lembrar e a inteligencia 0 motor da aquisiyao de linguagem via noyao de desenvolvimento para 0 segundo a linguagem e 0 motor do processo de aquisiyao cognitiva geral via noyao de mediayao (interayiio soshycial) As noyoes de equilibrayao e de intemalizayao respectivamente ocupam um lugar importante para 0 entendimento do desenvolvimento linguistico-cognitivo em uma e em outra abordagem

Resumidamente oque pretende 0 construtivismo de Jean Piaget (1896-1980)

Em sua vasta obra Jean Piaget pautou-se pelo estudo da psicogenese dos processos que respondem pelo desenvolvimento da inteligencia humana Na compreensao da formayao e desenvolvimento dos sistemas cognitivos Piaget postula a existencia de urn processo central de equilibra~iio respons3vel pelos processos de adapta~ao e de organiza~iio Para ele 0 organismo possui um conshyjunto de esquemas de ayao aptos a lidar com 0 mundo circundante uma situayiio que se apresenta como nova pOe 0 organismo em desequilfbrio obrigando-o a adaptar seus esquemas a fim de restaurar 0 equilibrio Esse processo essencial para 0 desenvolvimento cognitivo humano echamado por Piaget de equilibra~ao ([1974]1976)

A partir da descri~o dos mecanismos que subjazem ao sistema cognitivo em desenvolvimento 0 autor identifica res tipos de equilibra~ao 0 que ocorre nas interayoes entre individuos e objetos (objetos de conhecimento objetos de

324 325 MUSSALIM bull BENTES

aprendizagem) 0 que ocorre nas interayoes entre os subsistemas cognitivos e 0 que diz respeito as relayoes sociais que envolvem as interayoes entre os subsisteshymas cognitivos e 0 mundo circundante Como se observa a partir dessa brevissima menyao aos estudos piagetianos a formulayao das considerayoes a respeito do equilibrio cognitivo que ocorre nas inter-relayoes sociais e concebida a partir dos estudos a respeito do equilibrio (intemo) dos sistemas cognitivos individuais

Se de fato Piaget (como a Psicologia cumpre assinalar) nao ignorava que 0 desenvolvimento da linguagem se da na relayao que a crianya mantem com 0 outro (notadamente com a mae) 0 fato de seu interesse estar focalizado no-conhecimento (ou no dominio cognitivo) da crianya implicou uma exc1usao da linguagem do arcabouyo te6rico construtivista (cf Pereira de Castro 200 I)

Por outro lado se sao facultados a linguagem e as interayoes sociais a genese e 0 desenvolvimento cognitivo estaremos as voltas com uma perspectiva denoshyminada sociointeracionismo ou interacionismo sociocultural cujo maior expoente e sem duvida 0 psic610go bielorusso LeY Semyonovich Vygotsky (1896-1934)

Quando se focaliza hoj~ 0 estudo dacogniyao em meio as atividades soshycioculturais dos sujeitos e n~ presenya de uma ordem da linguagem que nao a reduz ao sistema linguistico stricto sensu 0 fato nao deixa d$ representar de shyalguma forma urn legado da abordagem levada a cabo inicialmente por auto res como Vygotsky Varios fenomenos anaJisados no ambito da Linguistica como a construsao da referencia os processos meta 0 discurso interior a indeterminashysao semantica 0 contexto pragmatico das operasoes cognitivas a reflexividade etc ganham maiores contomos expJicativos no dialogo com a perspectiva soshyciocultural da cogniSao humana preconizada por ele e por outros estudiosos nas primeiras decadas do seculo xx Nessa perspeetiva a linguagem tanto por suas propriedades formais quanto discursivas 6 uma forma privilegiada de cognisao

Para Vygotsky e a signifieayao 0 que plasma a relasao do tipo constitutiva

entre linguagem e eo~~o Em suas palavras (

o pensamento niio esomente mediado extemamente pelos signos Ete emediado intemamente pelos sentidos ( ) A comunicaYiio da consciencia pode ser realizada somente indiretamente atraves de um caminho mediado ([1934]1987 p 282)

Segundo ele pr6prio afirma a respeito desse caminho mediado s6 a linguagem poe essd relarao a claro

Ao postular que a Wlidade da rela~o linauasem-cognicao se estabelece enunciativamente isto middot6 nas situarr~s dial6gicas ele identifiea urn continuum entre interioridade e exterioridade ele estabeleee amaneira de Bakhtin uma

INTROOUylO AUNGuisTICA

fronteira dialetica de duas esferas da realidade Sobre isso a prop6sito afirma Bakhtin

A atividade mental tende desde a origem para uma expressao extema plenamente realizada ( ) Vma vez materializada a expressao exerce um efeito reversivo soshybre a atividade mental ela poe-se entiio a estruturar a vida interior a dar-Ihe uma expressiio ainda mais definida e mais estlivel Essa aYiio reversiva da expressao bem formada sobre a atividade mental tem uma importiincia enorme que deve ser sempre considerada Pode-se dizer que nao etanto a expressao que se adapta ao nosso mundo interior mas 0 nosso mundo interior que se adapta as possibilidades de nossa expressao aos seus caminhos e orientaltoes possiveis (1981 p 118)

Sao dois os movimentos te6ricos pretendidos por Vygotsky para apontar a natureza enunciativa da interarrao entre linguagem e mundo social 0 primeiro pode ser apreendido pela descrisao do proeesso de internalizasao em que ooushytro e a fala do outro orientam as avoes da crianya mediando discursivamente a refertncia (0 percurso intercognitivo)

A internalizacao dos processos sociais via linguagem da origem a sua funyao organizadora que por sua vez emerge segundo Vygotsky na relasao entre a fala e a asao no momento em que as duas se deslocam

Vma vez que as crianras aprendem a usar efetivamente a fimYiio planejadora de sua linguagem 0 seu campo psicol6gico muda radicalmente Vma visao q~ futuro e agora parte integrante de suas abordagens ao ambiente imediato ( ) Assim com a ajuda da fala as crian~as adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu pr6prio comportamento (1984 p 29-31)

Internalizando a linguagem do outro preservando em termos intracognishytivos seu papel mediador (e organizador) ao qual submete suas pr6prias arr~s a criaDsa passa da condirrao de interpretada para interprete de estados de coisas dono mundo da dependencia da forma dialogal para a partir da diferenciavao dos papeis enunciativos uma certa autonomia enuneiativa de urna especie de conseiencia dial6giea para uma consciencia monol6gica da dependeneia do extratextual para urn progressivo apagamento da necessidade do eontexto como indispensavel fonte interpretativa

De fato os estudos linguisticos devem muito a essa perspectiva que salieDshyta a socio1enese da linguagem e da cogni~ humana No campo dos estudos aquisicionais por exempl0 Claudia de Lemos num texto intitulado Universais Iinguisticos ou lingua original (1981) reconhece naquele momenta a infIuencia

326 MUSSAlIM bull BEKTfS

de Vygotsky sobre sua reflexao ao se referir ao autor para afinnar que a criayao linguistica em situayoes de input se deve a urn quadro relacional dialetico entre a interayao da crianya com 0 mundo fisico e com 0 mundo social (op cit 37) Com reiayao ainfluencia das reflexoes de Bakhtin em seus estudos sobre os processos aquisicionais vejamos 0 que afinna De Lemos num texto de 1990 intitulado Afumao e 0 destino da palavra alheia tres momentos da reflexao de Bakhtin

Em trabalhos anteriores tentei formular a questao que orienta a minha busca de entendimento daaquisiyao de linguagem como da compreensao da trajetoria pela qual a crianya passa de interpretado pelo outro a interprete do outro de si proprio e de estados de coisas no mundo Recentemente tenho-me dado conta de forma mais aguda que a essa questlio se vincula ada conversao do discurso do outro em discurso proprio ( )Seria a conversao do discurso do outro em discurso proprio uma condiyao para a conversao do discurso proprio em discurso do outro (1990 p 2)

Os temas ligados anOyao de imerayao (inclusive os problemas ou a ausencia de interayao) no campo lingu~tico sao complexos se nao a tomamos sumariashymente como comunicayao conversayao ou troca de infonnayoes Nao menos complexo e 0 debate que a nOyao-de interayao enquanto pratica social coloca em cena 0 que envolve as relacoes entre reflexao e ayao Essa questiio surge para as perspectivas interacionistas sob vanas formas

Como uma extensao das abordagens socioculturais da cognicao humana bern como das abordagens conversacionais de inspiraCao etnografica e tambem como reacao ao cognitivismo classico e alnteligencia Artificial surge nas ultishymas decadas do seculo XX 0 que se convencionou chamar de teoria da acao ou teoria da acao situada cuja unidade de analise e a atividade desenvolvida pelos sujeitos no decurso da interaCao Por este tenno - acao situada (situated action) - entende-se que toda a9lio humana depende estreitamente das circunsshytancias materiais e soqai$rlas quais se dlio assim procura-se a partir dessa noyao nascida no ambito dos(estudos desenvolvidos em Etnometodologia descrever e analisar como os sujeitos planejam e executam suas aCOes no decurso da inshyteracao na qual estiio envolvidos (Suchroan 1987) Nessa perspectiva as acOes sao tidas como social e fisicamente situadas a situacao na qual se dao as ~Oes _ nao redutivel a urn jogo de representafoes mentais previamente objetivadas nos aparelhos cognitivos (Visetti 1989) - e essencial para se compreender 0

que nelas se passa Asiociada bull ~ de ~ situada WD-SC a de cOampDi9lio situada que se

fundamenta na interdependencia da a9lio e da reftexao com base no argumento segundo 0 qual 0 contexto social em que a atividade cognitiva se desenvolve e

I

INlHOouiAo AUNGuisncA 327

parte essencial dessa atividade e nela nao desempenha urn papel apenas coadshyjuvante (Resnick et al 1991) Assim para essa abordagem todo ato cognitivo deve seT visto como uma resposta especifica para urn conjunto de circunstancias A noyao de social aqui nao diz respeito apenas a urn contexto institucional ou situacional no qual se desenvolve uma atividade mas tambem a instrumentos cogshynitivos que utilizamos cotidianamente Vale lembrar que a ideia de instrumentos cognitivos e emprestada de psicologos sovieticos como Leontiev e Vygotsky para quem a linguagem e considerada 0 instrumento cognitivo por excelencia 0

instrumento dos instrumentos

A estruturayao do discurso e a gestiio da interayao esmo entre os objetos de estudo dos que trabalham com 0 conceito de cogniciio situada e se pautam pelo primado da atividade social postulado por Vygotsky Leontiev e Luria - a celeshybre troika da Psicologia Sovietica que nas primeiras decadas do seculo XX dedicou-se a explorar os principios explicativos da natureza social da cognicao humana Esse entendimento esta de alguma fonna presente na concepCao de inshyterayao como atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisicao da linguagem se torna possivel como podemos observar na seguinte passagem de Mondada e Pekarek

A cogniylio pode ser compreendida como situada em dois sentidos de uma parteela pode ser considerada como enraizada na interaltyao social (Rogoff 1990) de outra parte ela pode ser compreendida como estando ancorada nos contextos institucionais e culturais mais largos (Cole 1994 e 1995 Wertsch 1991a e b)a abordagem socioshycultural procura reunfr esses dois aspectos em urn modelo coerente ()Aatividade enquanto processo dinamico situado nas estruturas socio-historicas encontra-se assim apresentada como ponto de partida para 0 estudo do funcionamento mental Nesses termos encontra-se ao mesmo tempo estabelecida a concepylio de cogniyao como pnitica distribuida emergente das atividades locais que nao somente se opOe asua modeliza~o tradicional e individualizante em termos de interioridade e de intencionalidade mas que mais geralmente se recusa aseparaylio entre 0 que relevaria do dominio do desenvolvimento individual cognitivo e autonomo e do que relevaria do dominio da atividade coletiva interativa e social (2000 p 154-5)

Para Mondada e Pekarek 0 estudo da natureza a urn so tempo socio-historica e local das atividades desenvolvidas no interior de situaCOes humanas como a aprendizagem ou a aquisi9lio de linguagem pode redimensionar a maneira pela qual sao compreendidas as relaCoes interpessoais certos valores sociais (como competencia padrOes normativos) detenninadas formas de estruturaCao dos eventos comunicativos maneiras de participary~o dos sujeitos oas comunidades etc (op cit 160)

329 MUSSAlIM bull 8poundNITS 328

Aquestao posta pelas autoras relativa ao entendimento de que as diferentes competencias humanas estao imbricadas nas atividades enos quadros de partishycipayao especificas (p 169) dos sujeitos nao deixa de evocar a discussao entre reflexao e ayao frequente de uma forma ou de outra no interacionismo

o interess~ pelas formas (conscientesinconscientes voluntariasinvoluntashyrias subjetivasintersubjetivas explicitasimplicitas etc) pelas quais os sujeitos apreendem as ayoes nas quais estao envolvidos nao tern deixado de aparecer nos trabalhos dos que se dedicam ao estudo da interayao seja qual for 0 posto de

observayao adotado Como exemplo desse interesse tomemos a postulayao de uma reciprocidade

entre reflexao e ayao a supor e demandar alguma capacidade reflexiva dos sujeitos imersos nas pniticas sociais Esse entendimento presente na obra de sociologos como Max Weber Anthony Giddens ou Norbert Elias tambem se ve por exemplo na introduyao do chissico livro do frances Alain Touraine intitulado Sociaagia

- da a~ao publicado originalmente em 1965 no qual 0 autor sublinha - ~

Uma ayao social s6 existe se em primeiro lugar esta orientada a certos objetivos orientayao que como se sublinhara mais adiante nao deve ser definida em termos de intencentes individuais conscientes se em segundo lugar 0 ator esta situado em sistemas detelayOes sociais se por ultimo a interayao se faz comunicayao grayas ao emprego de sistemas simb6licos dos quais a linguagem e0 mais manifesto ( ) De urn lado a ayao nao pode se definir somente como resposta a uma situayao social e antes de tudo criayao inovayao atribuiyao de sentido ( ) Mas esta ayao naoshypode ser definida independentemente de seu sentido para 0 sujeito (1968 p 19-20)

Arrazoados como 0 acima afinados com uma iniciativa racionalista admishytern ou postulam que os individuos possuem urn conhecimento adequado de seus muodos de a~o agip5P~e forma objetiva e intersubjetiva em rela-ao a eles

Avisao subjeti~i~ta da ayao social se opoem sociologos de orientayao marxista como 0 frances Pierre Bourdieu que critica nos chamados teoricos da ayao (como SchUtz ou Garfinkel por exemplo) uma especie de naturalizayao da capacidade reflex iva dos sujeitos e urna simplificayao do conceito de social ou de rela~s sociais Ou seja ele critica a suposi~ao de que os individuos unishyversalizam suas pr6prias reflexOes sobre a ayao como se fossem propriedades mentais e automatizadas oa propria a~ao e nao nas rela~Oes que as condicionam maacrialmcDie ideologicamente discursivamente

Para Bourdieu essa perspectiva opOe de maneira dicotomica rela~o inteshyleetual e relayao pratica e deixa de levar em conta que a reflexividade (a reflexao

IrmoD~AuNGuisnCA

sobre 0 que fazemos ou estamos a fazer) nao deixa de estar presente nas condutas pniticas - mesmo que ela nao seja uma caracteristica de toda acao mesmo que estejamos sempre condicionados em alguroa medida por restri~oes sociais hisshytori cas ideologicas Para Bourdieu (1980) vale lembrar nos agimos num mundo que impoe sua presen~a com suas urgencias suas coisas aJazer e a dizer suas coisasJeitas para serem ditas que comandam diretamente os gestos ou asJalas semjamais se desdobrar como um espetdculo

Como ressaltam Morato e Bentes em urn artigo no qual discutem - via conceitos de competencia e de lingua legitirna - as maneiras pelas quais a Linshyguistica e interpeada pelo sociologo frances

a critica que se faz a Bourdieu quanto a essa questAo (isto e a que envolve a relayao entre reftexao e ayao) parte do principio de que por estar interessado na ayao que realizam os atores nas praticas socia is ele teria negligenciado a reftexao de que sao capazes para agir socialmente dando pouca impomncia (ou uma importancia menor) as capacidades reftexivas dos sujeitos ou a maneira como eles reftetem sobre suas ayoes (2002 p 33)

Porem 0 proprio Bourdieu sempre procurou afastar essa critica como se VI em Reponses de 1992 oode ele procura ainda mais uma vez esclarecer sua posi~ao em rela~ao ao que evisto por seus criticos como mero determinismo afirmando que 0 habitus essa matriz ideol6gica determinada pela posi~ao soshycial a partir da qual se ve e age no mundo e urn sistema de disposi~ao aberto duIivel mas nao imutavel

Como apontam Morato e Bentes podemos encontrar nessa e em Outras passagens da obra de Bourdieu uma critica ao racionalismo do tipo inatista uma tentativa de supera~ao da dicotomia reflexao-a~ao em suas proprias pondera~oes a respeito da capacidade reflexiva dos sujeitos sobre suas a~oes e a de seus pares

Para Bourdieu (1979) fenomenos sociologicos como a distin~o e 0 habitus impregnam profundamente os psiquismos e os corpos atraves deles podemos observar como as estruturas sociais impregnam as estruturas cognitivas Dai que para a maior parte de nossas ~ nao haveria uma reflexao especial posto que somos tornados de maneira largamente inconsciente pelo jogo social seus pressupostos culturais e suas praticas ou formas de a~o Desde que as estruturas sociais objetivas para ele sao parte integrante da subjetividade e esta participa das primeiras haveria nessa passagem de Bourdieu um movimento de supera~o da distinyao entre reflexao e ayao (2002 p 34)

Se inicialmente a djscus~o sobre as rela~s entre reflexao e a~o projeshytou-se acentuadamente no campo linguistico via Psicologia e via Etnometodoshy

330 331 MUSSAUM bull BHlffS

logia 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas com a introducao de uma concepcao hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmacao de uma ordem social na qual se inscreve a linguagem vista a partir de uma perspectiva dial6gica Uma boa exshypressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da nocao de interacao com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo

Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de interashycao Bakhtin vincula as interacoes verbais as interacoes sociais mais amplas relacionando a nosao nao apenas com as situasoes face a face mas as situasoes enunciativas aos processos dial6gicos aos generos discursivos a dimensao estishyHstica dos generos Na perspectiva bakhtiniana a interacao verbal e a realidade fundamental da Hngua e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa interasao urn modo de produsao social da Hngua

Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem de 9290 texto que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizacao linguistica modema Bakhtin ja reffete sobre 0 problema da interacao empregando em 1925 a expressao interacao verbal face a face em sua obra tcrits sur Ie freudisme Ao analisar a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo social Bakhtin indica 0 lugar da interasao em uma teoria social da enunciayao formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito afirmando que 0

enunciado e 0 produto de uma intera~iio entre locutores e de maneira mais ampla 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu (1980 p 174)

Como podemos perceber a concepyao dial6gico-discursiva de interayao desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiylties rnateriais de produsao e leva em conta fatores de signii~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente isto e constituidos a pahirdos mecanismos e das condisoes de produyao que os mobilizam Para ele lembremos a lingua constitui um processo de evolufiio ininterrupto que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores e o produto desta interasao a enunciasao tern uma estrutura puramente social dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocushytores (1981 p 127)

A prop6sito num capitulo de seu livro Portos de passagem no qual analisa a metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf Bakhtin 1981 p 124) Geraldi assim situa - e ao faze-Io exprime urna sintese da perspectiva diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interasOes entre os sujeitos

INTROoucAO AUNGuisnCA

os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros sua consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste mesmo processo Neste sentido 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn arteslio mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os outros que ela se constitui ( ) As interacOes nao se dao fora de urn contexto social e hist6rico mais amplo na verdade elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos singulares no interior enos limites de uma detenninada form~o social sofrendo as interferencias os controles e as sele90es impostas por esta TambCm nlio sao em relashy930 a estas condi95es inocentes Sao produtivas e hisroricas e como tais acontecendo no interior enos limites do social constroem por sua vez limites novos (1991 p 6) -

Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da Comunicasiio a concepsao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito meramente interpessoal ultrapassa 0 contexto imediato e local de produSiio da significasao ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito voltando-se para os mecanismos de constituisao e determinasao das condutas humanas por sua vez baseados nas condisoes materiais e ideologicas de vida em sociedade Esta concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir modos de pensar modos de sentir)

Critico do que denominou subjetivismo abstrato Bakhtin fOIjou urn construto te6rico critico em relasao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao a consciencia a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao a enunciayao) A nosiio de dialoshygismo tal como postulada por ele explode essa dicotomia

A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completashymente rejeitada 0 centro organizador de toda enuncia9ao de toda expressao nao e interior mas exterior esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ) A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social quer se trate de urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo que coostitui 0 conjuoto das condicOes de vida de uma determinada comunidade linguistica (1981 p 107)

Para Bakhtin e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyaoda linguagem e da constituiyao dos sujeitos como se afirrna em vanas passagens do celebre sexto capitulo (intitulado A intera~ao verbal) de sua obra Marxismo efilosofia da linguagem do qual extraimos 0 trecho abaixo

A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada nem pelo ato psicofishy

MUSSALIM bull BErms332

siol6gico de sua produyao mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes A intera~ao verbal constitui assim a reshyalidade fundamental da lingua C ) Um importante problema decorre dai 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata mas tambem atraves dela 0 contexte social mais amplo Essas relayoes tomam formas diversas e os diversos elementos da situayiio recebem em Jigayao com uma ou outra forma uma significayao diferente (assim os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica) A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981 p 123)

Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados bern como apropria condicao de seu aconshytecimento - Todorov propoe dois tipos de relacao dialogica a interlocucao e a intertextualidade salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo demiddottodo discur~o

() pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser enconshytrado pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984 p 71-2)

o conceito de diaIogo na refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn duplo dialogismo analisado por Authier-Revuz que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade termo usado por Todorov

E urn duplo dialogismo - nao por adisao mas por interdependencia shyque ecolocado na fala a orientasao dialogica de todo discurso entre outros discursos eela mespl3jj~logicamente orientada determinada por este outro discurso especifioo d61teceptor tal como imaginado pelo locutor como condiyiio de compreensiio do primeiro A considerasao da interlocusao como fator consti tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982 p 118-9)

Como bern sublinham os autores acima a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interasao verbal todo ate enunciativo toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de outro como interlocutor e como (inter)discurso 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa na polifonia nos discursos relatados nas diferentes posisoes enunciativas assushy

I~UcAOAUNGulSTICA 333

midas pelos falantes - marca discursivamente a concepcao de sujeito 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros por meio do discurso dos outros por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso

Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982 1995 1998 entre varios outros) sao exemplares em relacao ainfiuencia do dialogismo bakhtiniashyno nos estudos linguistico-discursivos Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa empiricamente apoiados sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo

Uma interessante discussao sobre a intersecsao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994 1997 2001 2002) Trabalhando com nosoes como sujeito estilo genero e heterogeneidade a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma analise dialogica do discurso ou seja

urn conjunto de procedimentos analiticos urn arcabou~ te6rLco que embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002 p 126)

Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin Brait perscruta a nocao sob a perspectiva de uma analise dia16gica do discurso tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos 0 de genero e 0 de estilo

Levando em conta nossos interesses vale a pena destacar as ponderasoes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nosao de interasao Discurso na arte e discurso na vida de 1926 e Marxismo e filosofia da linguagem de 1929 Em relayiio ao primeiro texto no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relasOes entre literatura e sociedade afirma Brait

o conceito de interaljao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade de se pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem Esse caminho que implica o1har para a materialidade verbal e extrashyverbal constitutivas de uma enunciayao de um enunciado concreto reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramaticalinguistica assim como de suas fluidas fronteiras (2002 p 134-5)

Em rela~ao ao segundo texto no qual Bakhtin explicita que a intera~o no diz respeito exclusivamente ao discurso oral surge segundo Brait a

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perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

~

iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

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346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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313 MUSSAUM bull BENTts312

- como a Sociolinguistica a Pragmatica a Psicolinguistica a Semantica Enunshyciativa a Analise da Conversasao a Linguistica Textual a Analise do Discurso - que se pautam por uma posisao externalista a respeito da linguagem isto e que se interessam nao apenas ou tao somente pelo tipo de sistema que ela e mas pelo modo atraves do qual ela se relaciona com seus exteriores teoricos com 0

mundo externo com as condisoes mUltiplas e heterogeneas de sua constituiSlio e funcionamento

Posteriormente 0 interacionismo estabeleceu-se como uma das perspectivas maislrodutivas seja estimulando e marcando de forma explicita as relasoes da Linguistica com outras areas do conhecimento investindo de interesse para 0 camshypo certas categorias como asao outro pratica sociedade cognisao seja promovendo analises pluridisciplinares em torno do fenomeno linguistico e obrigando os linguistas a reftetir de forma sistematica sobre seu proprio objeto

Anosao de interasao mesmo quando concebida de maneira vaga e imprecisa tern sido pesa importante para a compreensao das contingencias e vicissitudes do debate internalismo x externalismo nqmiddot campo da Linguistica ajudando a estabelecer epistemologicaniente as relasoes entre linguagem e exterioridade Para muitos a dimensao empirica que toma como analise situasoes interativas nas quais a linguagem esta de alguma forma concern ida parece ser de fato uma alternativa ao beco sem saida representado peo impasse internalismo x externashylismo ou urna possibilidade de entrever em relasao a ele uma posisao hibrida ainda em construsao Os estudos aquisicionais conversacionais sociolinguisticos discursivos e textuais sao urn born exemplo de lugares privilegiados para esse tipo de empreendimento

Urn dos desafios que se colocam para os que procuram compreender os alshycances e os limites do interacionismo e seus avatares no campo da Linguistica e apreender com profundidade certos postulados dessa perspectiva entre os quais a ideia de que a relavao eptremiddotjnterasao e linguagem (ou entre itlterasao e aquisivao interavao e comunica~pound8 Interavao e cognisao) nao e necessariamente isomorfica

Para perscrutarmos 0 lugar epistemologico reservado a interasao na teorizashySlio sobre a linguagem e entendermos 0 que a Linguistica tern procurado ganhar heuristicamente com essa nosao recorramos - como ponto de partida - a urn conhecido postulado interacionista segundo 0 qual toda asao humana procede de interavao

Entre outras coisas mais ou menos obvias 0 enunciadb acima chama nossa ate~ para 0 fato de que sempre que em Linguistica negligenciamos ou simshyplesmente deixamos de considerar que existe lingua porque existem falantes e que os falantes existem em funsao das alYoes que os instam de varias maneiras

INTRODU~O AUNGuisTICA

e em diferentes niveis de exigencia a pennanecer em relaslio a alguma coisa e na relasao com alguma coisa a analise sobre a linguagem falha de alguma forma isto e se torna necessaria mente parcial ou incompleta

Ao que parece nossa natureza social simplesmente nao permite que escapeshymos a interasao A partir dai entretanto restaria apreender melhor a diversidade de relasoes que se estabelecem no seio de uma determinada interalYlio humanaja que e importante saber se ela e circunstanciada pela relalYao entre interlocutores entre discursos entre semioses co-ocorrentes ou entre moleculas Alem disso poderiamos tambem tentar obter alguma resposta para a seguinte questao se 0

que cham amos interalYao resulta na verdade de uma especie de compilasao de processos diversos existentes no ambito das praticas humanas com base em que termos podemos destacar algum aspecto (como 0 verbal por exemplo) de sua constituilYao e correr 0 risco de apagar por meio de uma OPlYao metodol6shygica ou de urn recorte teorico sua realidade multifacetada caracterizada pela coexistencia de varios processos (sociais psicol6gicos contextuais culturais interpessoais etc) justamente interatuantes

Se nao podemos simplesmente recusar a afirmasao segundo a qual pratishycamente toda alYao humana procede de interasao a mesma disposisao nlio pode ser aplicada com relalYao ao que pode ser entendido em Linguistica por interashycionismo Reconhecendo-se 0 esvaziamento semiintico que passou a partir de urn certo momenta a marcar a expressao uma legilio de termos invocados para predica-Ia ou qualifica-la epistemologicamente surgiu em varias areas de forma nota vel na Linguistica dedicada aos estudos etnograficos bern como ao campo aplicado (voltado para 0 ensino de lingua para 0 estudo das produlYOeS textuais na escola etc) sociointeracionismo interacionismo socio-historico interacionismo construtivista interacionismo discursivo interacionismo simbolico etc Afinal estariamos inapelavelmente as voltas com tantos interacionismos quantas forero possiveis as conceplYoes de interalYao

Superar dicotomias cIassicas (lingua x fala sujeito x objeto competencia x desempenho) nas quais se funda como ciencia e identificar tanto quanto possivel as consequencias teoricas e empiricas do interacionismo para a reftexao em torno da linguagem sao desafios a que a Linguistica tern se proshyposto a partir da insenylio dos elementos reputados desde Ferdinand de Saussure (1857-1913) como heter6clitos no estudo do objeto da ciencia da lingqagem as priticas sociais nas quais a linguagem esta imersa e que a constituem as normas pragmaticas que presidem a utiliza~ao da linguagem as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os falantes os aspectos subjetivos e variaveis da lingua e seu funcionamentoas condilYOes materiais psiquicas e ideol6gicas de

315 MUSSALIM bull BENTe

314

produyao e interpretayao da significayao a existencia de semioses coocorrentes nas pniticas discursivas 0 estatuto do outro no processo de aquisiyao da linshy

guagem pela crianya etc Assim se 0 nosso objetivo for proceder a uma especie de verificayao das

consequencias te6ricas e empiricas da perspectiva interacionista no campo linshyguistico algumas considerayoes iniciais se tornam imprescindiveis Em primeiro lugar e recomendavel supor que entre os termos interayao e interacionismo existem certas distancias semanticas Em segundo lugar e importante admitir que nos defrontamos na atualidade com interacionismos e interacionismos o que requer que saibamos identificar 0 peso epistemologico dado adimensao interacional das ayoes humanas nos estudos da linguagem Finalmente e necesshysario levar em conta que a Linguistica nao e ela mesma um bloco monolitico e que tanto seus dominios internos quanta suas demarcayoes fronteiriyas com outras disciplinas do conhecimento tambem estao a exigir uma arbitragem teoshyrica do tipo interacional Afinal quando surge 0 interacionismo representa urn esforyo pluridisciplinar com vistas ao entendimento das relayoes entre individuo e sociedade I

o que se pretende neste texto e destacar questoes como essas a fim de levanshytar as problematicas te6ricas relevantes no quadro dos estudos interacionais no campo linguistico bern como ipdicar suas consequencias epistemol6gicas mais amp las para a ciencia da linguagem Nao pretendemos pois explorar neste texto um vies exegetico com relayao ao tema nem tampoucO esboyar uma especie de

cartografia dos estudos interacionistas Posto isto comecemos por admitir que falar em Linguistica em interayao

ou em interacionismo e postular determinados modos de existencia ou determishynados modos de funcionamento da linguagem

~=~middot~i~

2 DAS VICISSITUDES DAft~O DE INTERA~EDE INTERACIONISMO

A partir de uma vista dolhos no que professam os autores e as teorias nem sempre foi e e facil discemir as tendencias que se reivindicam ou se reputam interacionistas seja no campo linguistico seja fora dele

No campo da Filosofia por exemplo foi preciso esperar pelo questionamento do dualismo ontologico com Descartes (1596-1650) para que urn interacionismo se colocasse como wna solu~ ou uma altemativa para dualismos classicos como os que envolvem 0 problema corpo x mente ou 0 problema fe x razAo Para Descartes vale lembrar os processos implicados nesses binomios sao pensados

separadamente mas de forma interatuante Certamente muitos outros autores ern Filosofia - como Hobbes Kant Hegel Marx ou Habennas por exemplo _ tambem marcam os estudos interacionistas cada urn asua maneira por terem procurado fugir do beco sem said a de dualismos varios

No ambito da Linguistica muitos sao os trabalhos ou autores que se reivinshydicam interacionistas saibamos ou nao 0 que entendem por interayao muitos sao os trabalhos ou autores que nao reconhecem no interacionismo que professam semelhanyas com essa ou aquela posiyao tambem a ele associada e muitos sao os trabalhos e autores que reputados como interacionistas rejeitam de alguma maneira esse rotulo

Certamente muitas inadequayoes podem ser produzidas quando abrigamos sob a rubrica interacionismo trabalhos ou autores de fato muito distintos Por esse motivo aquilo que chamamos algo genericamente de interacionismo parece ser de fato urn mosaico de inteligibilidades e metodos AMm disso se investirrnos a analise do termo interacionismo de um rigor conceitual e nao a dissociarmos do dominio empirico que 0 caracteriza ou concerne haveremos de perceber que nem sempre 0 (mero) emprego do terrno interayao e suficiente para qualificar determinada reflexao como interacionista

De todo modo longe de ser ou se apresentar como um programa teorico definido no campo linguistico 0 interacionismo tem side capaz de marcar uma disposiyao de tomar a interayao como uma das categorias de amilise dos fatos de linguagem e nao apenas 0 locus onde a linguagem acontece como espetaculo E esta qualidade (ou esta circunstancia ) 0 que tornariajustificavel sua inseryao entre os movimentos teoricos que fazem a ciencia da linguagem avanyar

Eprecisamente por isso que no ponto em que estamos certas questoes deshyvem ser destacadas sendo a delimitayao do conceito de interayao certamente uma delas Se nao for assim dificilmente saberemos identificar diferentes acepyoes do termo quando falamos em dirnensao interacional da linguagem ou quando elevamos a interayao (social) acondiyao de principio explicativo para os fatos de linguagem ou quando postulamos urna Linguistica Interacional

No enfrentamento de seu carater polissemico 0 termo interayao requer que pensemos de alguma forma em urn de seus trayos definidores mais expressivos ligado - como se observa na raiz (inter) - aideia de influencia reciproca em segundo lugar ele nos convida a pensar em algo comparti11ado de forma reflexiva (isto e a a~ao) Porem como bem nota Vion em seu livro La communication verbaJe - Ana~vse des interactions (1992) essa defini~ Dio marca oenhuma diferenya entre trocas conversacionais transa~Oes financeiras jogos amorosos ou lutas de boxe De todo modo ela e capaz de indicar que toda empreitada ou

317

MUSSAUM bull BEIITEs316

ayao do sujeito no mundo se inscreve num quadro social submete-se as regras de gestao historico-cultural nao enunca ideologicamente neutra

Procurando explorar essa quesmo consideremos que 0 que primeiro se evoca nos trabalhos de tradiyao pluridisciplinar sobre interayao ea ideia de ayao conjunta (seja conflituosa seja cooperativa) que coloca em cena dois ou mais individuos sob certas circunstancias que em muito explicam seu proprio decurso Enquanto categoria de analise a interayao permite que se discutam pois a qualidade e a circunstancia da reciprocidade de comportamentos humanos diversos em variados contextos praticas e situayoes

Se a delimitayao acima parte da considerayao de uma complexa rede de relayoes que se estabelecem em tome das ayoes humanas constituidas e marcashydas por condicoes materiais de vida em sociedade ela nao autoriza ou indica a eleiyao de uma (mica qualidade distintiva do fenomeno interativo

A Linguistica no entanto tern se preocupado em delimitar a nocao resershyvando para si a tarefa de analisar especial mente uma parte do fenomeno ou seja a interacao verbal tambem ela algdheterogeneo e historicamente situado como toda interayao Quanto a este ponto todavia alguns linguistas chamam a atenyao para 0 fato de que a ausencia de manifestacao verbal em certas acoes nao elimina a presenca obrigat6ria da linguagem na emergencia de toda forma de percepyao

() Alias parece pouco provavel que 0 desenvolvimento das acoes possa se efetuar de ol~a forma que nao na presenYa permanente de urn controle discursivo inteshyriorizado Nessas condiYoes toda atividade social de qualquer natureza que seja coloca inevitavelmente emjogo mesmo que as vezes de maneira bastante indireta a ordem da 1inguagem (Vion 1992 p 98-99)

Para Kerbrat-Orecchioni num texto em que analisa a inseryao da noyao de interayao naJjnguistica francesa ela nao se constitui como uma das grandes preocupacoes da ilnguistica modema a despeito de vigorosos ape los de um Bakhtin de urn Jakobson ou de alguns outros (1998 p 51)

A quesmo que essa autora se coloca e se parece mo incontestavel que falar

a

e agir (speaking is interacting) de acordo com Gumperz (1982) ou que a interaryao verbal ea realidade fundamental da linguagem de acordo com Bakhtin ([ 1929) 1981) por que a Linguistica se mostrou por tanto tempo reticente quanto a levar a s~rio 0 fato de que a linguagem tern por funryao prime ira a comunicaryao interpess0a1 (cf p 51-2)

A resposta para essa quest3o na verdade nao e t30 complicada como suplte a au1ora Diriamos que 0 fato por ela mencionado ocorre porque muitos Iinguistas

INTRODI(AO AUNGuisrlCA

se nao chegam a contestar seriamente a dimensao interacional da Iinguagem ou a presenca da interayao como elemento constitutivo da linguagem question am a afirmacao segundo a qual a linguagem tern por funyao primordial a comunicacao Uma passagem tomada de urn texto de Carlos Franchi poderia bern resumir essa posiryao que nao ve na comunicacao a marca distintiva da linguagem outros processos semi6ticos sao tambem eles comunicativos

Certamente a linguagem se utiliza como instrumento de comunicaY30 certamente comunicamos por ela aos outros nossas experiencias estabelecemos por-eIa com os outros lacos contratuais por que interagimos enos compreendemos influenciamos os outros com nossas opcoes relativas ao modo peculiar de ver e sentir 0 mundo com decisoes consequentes sobre 0 modo de atuar nele Mas se queremos imaginar esse comportamento como uma aC30 livre e ativa e criadora suscetivel de pelo menos renovar-se ultrapassando as convenYoes e as herancas processo em crise

de quem eagente e nao mero receptaculo da cultura temos enmo que apreende-Ia nessa relaY3o instavel de interioridade e-exterioridade de diaIogo e solil6quio antes de ser para a comunicacao a linguagem epara a elaboraYao e antes de ser mensagem a linguagem e construcao do pensamento e antes de ser veiculo de sentimentos ideias emocoes aspiracoes a linguagem eurn processo criador em que organizamos e informamos as nossas experiencias ( ) 0 funcionalismo tern examinado com detalhes as acoes em que a Iinguagem esti deixando a margem a aC30 que ela e(1977 p 18-9)

Entendida como atividade constitutiva do conhecimento humano a Iinguashygem nao apenas eestruturada pelas circunstancias e referencias do mundo social eao mesmo tempo estruturante do nosso conhecimento e extensao (simb6Iica) de nossa aryao sobre 0 mundo Ou seja podemos dizer da linguagem que ela euma acao humana (ela predica interpreta representa influencia modifica configura contingencia transforma etc) na mesma proporryao em que podemos dizer da ayao humana que ela atua tambem sobre a linguagem

Nessa relacao dialetica de interioridade-exterioridade a linguagem enCODshytea na significaryao sua funcao precipua Com isso reconhece-se que a lingua nao e s6 signo e ayao etrabalho coletivo dos falantes nao esimplesmente urn intennediario entre nosso pensamento e 0 mundo Ha vanos fatores que mobishylizam esta relayao aMm dos concementes ao sistema linguistico propriamente lito (a lingua) as propiiedades biol6gicas e psiquicas de que somos dotados

qualidade das intera~oes humanas 0 valor intersubjetivo da linguagem as CootmgeDcias materiais da vida em sociedade os diferentes universos discursishyvos atraves dos quais agimos e orientamos nossas aryoes no mundo as Dormas

MUSSAUM bull BENTES318

pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem a polissemia existe~te entre lingua e (inter)discurso

Esse ponto de vista sobre a significayao essa prtitica quase-estruturante e sociar (Franchi 1986 p 25) tao caro as correntes enunciativas e discursivas postula que a significayao tern aver reciprocamente com a comunicayao Contudo ainda que ambas mantenham uma estreita relayao entre si e marquem duas formas do sentido urn termo nao pode ser empregado no lugar do outro Implicam difeshyrentes trabalhos linguistico-discursivos e mobilizam diferentes niveis de reflexao sobre as ayoes em curso na interayao Sen do pois duas formas de significancia (cf Benveniste 1966) significayao e comunicayao nao se confundem mas sao indissociaveis nas praticas discursivas

Se uma diferenciayao pode ser estabelecida entre ambas que se encontram intimamente relacionadas nas praticas linguisticas e porque isso po de trazer - pelo menos para a Linguistica - algumas vantagens te6ricas voltadas para o estudo da intersubjetividade das diversas instanciayoes enunciativas e da metliinguagem

Segundo Claudine Norinand (1990 p 334) a comunicayao nos indica que o sujeito tern algo a dizer ou a mostrar a significayao nos indica que 0 sujeito mostra explicita ou implicitamente a mane ira pela qual ele corre 0 risco de intershypretar e ser interpretado de representar ou dar representabilidade as coisas do mundo Essa ponderayao indica que tambem a interayao - e tudo 0 que e afeito a ela - produz senti do 0 sentido eproduyao de interayao 0 outro nos e necessario para sabetmos 0 que estamos a dizer e mais para construirmos 0 senti do daquilo que estamos a dizer Nesse aspecto e que a interayao - enquanto categoria de analise - pode ser urn elemento de distinyao na definiryao do sentido e capital para a compreensao das tarefas interpretativas

Se a nOyao de interayao em Linguistica tern sido elevada acondiyao de principio explicatty~~ttos fatos de linguagem (como veremos na perspectiva bakhtiniana) tambeuroril tern sido reduzida nao raras vezes a uma especie de curinga categorial de varias abordagens heterogeneas que servem a prop6sitos te6ricos e metodol6gicos muito diversos Nesse sentido nao raras vezes ela e considerada em termos de tudo ou nada na analise de objetos e fatos de linguagem

Urn problema que podemos apontar quanto a esse ponto reside na disjunyao entre dado observavel e representayao te6rica se de urn lado dificilmente se pode dettar de considerar de alguma forma as propriedades interativas dos dados linilisticos de outro lado a idealiza~o dos fenomenos linguisticos propria a certas teorias (como as que tomam a interayAo e a cooperayao como habilidades intrinsecas dos sujeitos) acaba por ignorar ou elirninar 0 carater social da interashy

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IIITROD~O AUNGuisTiCA 319

vao1 Assim ou os aspectos interacionais sao praticamente eliminados da teoria

(como ocorre na Semantica Formal ou na Gramatica Gerativa por exemplo) ou diversos conceitos entre eles 0 de comunicayao e 0 de contexto uma vez irnpregshynados de interayao acabam por despojar este termo de urn senti do rnais preciso

Urn outro problema relacionado a esse ponto e que a exemplo do que acontece em outras disciplinas tambem em Linguistica a concepyao de cornushynicayao e facilmente confundida com a de interayao correspondencia que chega mesmo a provocar a revogayao da adesao de autores afinados inicialmente com uma perspectiva interacionista Da complicada e inadvertida vinculayao direta entre esses termos resulta que entre outras coisas a comunicabilidade (isto e a disposiyao para a cooperayao) e tida como uma caracteristica inata dos homens prescindindo pois de qualquer teorizayao mais especifica Nesse contexto a interayao pode e geralmente e pensada praticamente a margem da linguagem isto e a margem de sua ayao constitutiva em relayao a diversas situayoes humanas

Para Kerbrat-Orecchioni 0 fato de_existir ainda hoje urn interesse relatishyvamente minoritario em torno da noyao de interayao entre os Iinguistas se deve a uma especie de denegariio da vocariio comunicativa da linguagem (1998 p 52) explicada pela tradiyao filol6gica pelas dificuldades praticas de analisar _ urn objeto tao variavel e multifacetado pela inseryao da sociologia durkheimiashyna (pouco afeita as preocupayoes interacionistas) na Linguistica ffancesa pela inseryao do interacionismo simb61ico ria Linguistica anglo-saxonica (represenshytada tanto pela Escola de Chicago da qual eexpoente E Goffman quanto pela Analise da Conversayao de que sao fundadores os etnometod610gos H Sacks e E Schegloft) voltado inicialmente a analises da vida cotidiana e fenomenos culturais (como sistemas de parentesco mitos e ritos)

Em boa parte em funyao dessas infiuencias a introduyao definitiva das dimensoes sociais culturais e contextuais na analise de fatos de linguagem fez com que a Linguistica passasse a dirigir seus esfoflos acompreensao de fenomenos comunicativos e de padr6es normativos pr6prios as interayoes 0 ~~rte-americano Erving Goffman (1961) chega mesmo a estabelecer caracterisshyfiCas gerais da interayiio com vistas ao entendimento do que ocorre nas situayOes de comunicayao Chama de interayao nao focalizada a que ocorre em funyao 9a simples presenya de dois individuos e de intera~ao focalizada aquela que inclui a conversayao face a face

Dando sustenta~o ao que veio a ser denominado interacionismo simbOlico ao qUat se associam os nomes dos norte-americanos George Mead e Erving Goffinan shy

-II I Devo esta observ~ 80 colega Heronides de Melo Moura

MUSSAUM bull BENTES

320

a Psicologia

Social e a Etnografia da Comunica~ao viram-se igualmente envolvirlas

com a tematica das rela~oes entre individuo e sociedade Goffman (1973) destaca uma variedade de praticas sociais que se desenshy

vol vern mesmo na ausencia de outras pessoas isto e que ocorrem na ausencia de uma intera~ao social direta que nao se inscrevem noS timites estritos da conversa~ao (como a gesticula~ao e a postura corporal) Para GotTman haveria em todo contexto interativo algo que lhe e propriO construido em fun~ao das particularidades dos sujeitos nele envolvidos e da qualidade de suas intera~5es no curso de uma determinada a~ao

( ) cada participante enlra em uma situayao social portando uma biografiaja rica de interayoes passadas com outros participantes - ou peo menoS com participantes do mesmo tipo do mesmo modo ele vem com um grande conjunto de pressuposiyOes

culturais que presume serem partilhadas (1988 p 197)

Ao final dos anos de 1970 tanto a Etnometodologia quanto outras aborshydagens microssociologicas desenvolvem-se no mundo todo Alguns autores relacionam esse fato ao decinio shy verificado a epoca shy do prestigio de posishyy5es marxistas mais ortodoxas A influencia marcante da Etnometodologia nao deixaria de assinalar de alguma forma a perda de prestigio de uma certa tradiyao sociolog

ica europeia Com isso as questoes valorizadas no campo passam a ser

nao essencialmente as condi~oes materiais e ideologicas em que se dao as rela~ socia is mas sim as que se baseiam em analises micro isto e as que conferem especial aten~o as mudan~as e aoS avan~oS tecnologicos as novas condi~oes de trabalho e intera~ao que vao se colocando para urn mundo em globaliza~ao ao levantamento de competencias e padroes interativos que caracterizam a interayao

entre individuos e grupos sociais etc Coube ao nort~ainericano Harold Garfinkel cunhar 0 termo Etnometodoloshy

gia (1967) para idefitificar a abordagem que procura descrever os processos que caracterizam ou constituem a comunica9ao interpessoal analisando 0 modo como os individuos interagem e se comportam em meio a diferentes situ

a9 0es

especifishycas da vida cotidiana A concep9ao de social que se estabelece aqui se configura a partir da analise do que se produz nas a90es cotidianas e leva em considera~o todo urn sistema de cren9as e modos de agir dos sujeitos em intera9

30

Vigente ate hoje esse enfoque baseado em modelos normativos de a~o inspindos em diferenampes enquadres te6ricos e autores como Garfinkel Habenll8 Schlitz Boudon ou Boltanski prioriza 0 papel dos sujeitos na organiza~o social bern como nas intera90es verbais as estrategias e os savoir-faire comunicativOS a

INlROOU~AUNGuisnCA 321

constru~ao de imagens identitarias a gestao de regras pragmltiticas as interaltoes no mundo do trabalho a institucionalizasao dos espaltos interativos os tipos ou formas gerais de intera~ao etc

o interesse dessa perspectiva de inspirayao motivacional (ou psicologica) se pauta ou se restringe pois a situa~oes especificas que condicionam a comushynicaltao interpessoal Nao e por acaso que as analises dai derivadas privilegiam o que se passa local mente na ayao

Tendo por foco a atividade humana por meio da qual os agentes elaboram Jinhas de conduta em situayoes concretas a Hnometodologia toma-se como ressalta Vion (1992) proxima do interacionismo simbolico inaugurado pelo psishycologo norte-americano George Mead (1863-1931) volta do para a investigayao da genese da subjetividade (mais precisamente do Self) no processo de interayao social Para Mead 0 sujeito (0 Self que corresponde a uma identidade construida socialmente) se constitui enquanto tal na comunicaltao e por ela

A importancia daq~lo que n6s chamamos de comunicayao resIde no fato de que ela fomece uma forma de comportamento em que 0 organismo 0 individuo pode tomar-se urn objelo para si mesmo ( )0 Self sendo urn objeto para si eessencialshymente uma estrutura social e nasce na experiencia social ([1934]1963 p 118-9)

Entretanto como afirrna Vion (1992) se para a interacionisma sirnbolico tanto a qualidade dos process as interativas que produzem e reproduzem as esshytruturas sociais quanta as estruturas em si sao igualmente irnportantes no estudo iIa realidade social para os etnometodologos e a propria a9ao - localmente lnvestigada shy que pode interpretA-Ia (dai a importancia do contexto situacional

bull e da indexicalidade de toda ayao)

No campo saciologico a reayao contra 0 empirismo atribuido as pesquishyetnometodologicas ou contra a possibilidade que elas tern de transfonnar

em metodologos de suas a~Oes algo que seria proprio das analises localmente na ayao nao deixou de ser registrada por varios autores

Phillips

De urn lado a leoria de Garfinkel concebe as praticas que constituem deg trabalho de objetivayao da ordem como metodos que servem para preencher 0 abismo que separa 0 situacional e 0 geral como por exemplo as praticas ad hoeing e principio de et cetera Mas de outro lado as pesquisas efetivamente conduzidas em Etnometodologia colocam luz em wna multidio de outras pniticas de ordens diferentes mas que podem muilo plausivelmcnle e apesar das recome~ da

serem apresentadas como regras seja qual for a generalidade (1978 p 64)

MU5SAUM bull BENItS

322

A chamada Linguistica Interacional mas nao apenas ela deve muito a essas vertentes 0 que e focalizado a partir da delimitayao da nOyao de interashyyaO no campo da Linguistica lnteracional (cf Kerbrat-Orecchioni 1990 1998 Vion 1992 Mondada 19942001) configura urn conjunto de questoes Jigadas a todo tipo de produyao linguistica que e considerada material interativo pnitishycas estrategias e operayoes linguageiras dinamicas de trocas conversacionais comunicayao verbal e nao verbal construyao de valores culturais atividades referenciais e inferenciais realizadas pelos falantes normas pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem etc Esses exemplos-nao exc1uem 0 fato de que todo ato de linguagem e no fundo essencialmente interativo mesmo 0 que nao envolve ayao conjunta ja que uma dimensao dialogica (suposta mesmo na significayao isolada ou unilateral) e base estruturante de todo processo verbal (0 que supoe a existencia de interayao tambem em mono logos soliloquios textos

escritos conferencias discurso interior etc) Arelayao entre linguagem e outros processos cognitivos (pensamento meshy

moria percepyao etc) geqtu desde osanos 1960 muitos estudos no terreno do interacionismo Esta perspectiva na verdade coexiste aepoca com outrasaborshydagens teoricas isto e 0 inatismo e 0 cognitivismo que reservam alinguagem

urn lugar epistemologico distinto Sabe-se que como consequencia do dualismo ontologico a relayao entre

linguagem e pensamento - como de resto todo fenomeno cognitiv~ - foi primeiramente vinculada ao biologico e concebida praticamente amargem da

linguagem e das interayoes sociais Preocupados em reftetir sobre 0 lugar da interayao da crianya com 0 meio

circundante no desenvolvimento linguistico e cognitivo autores como Piaget Vygotsky e Bruner contribuiram de maneira decisiva - cada urn asua maneirashypara 0 entendiment~Aa interayao como um problema te6rico para a Linguistica

Sr _I As abordagiQ5ltonstrutivistas a partir dos trabalhos inspirados na teoria da

ayao do bi61ogo suiyo Jean Piaget - para quem a aquisiyao de conhecimentos resulta de uma troca continua de informa~iio entre a tomada de consciencia da a~ao e a tomado de consciencia do objeto ([1974]1976) - consideram que-a cogniyao humana se define em funyao de estruturas ou esquemas que 0 organisshymo desenvolve em tome de um conjunto de ayOes coordenadas e em funyao da interayao que mantem com 0 meio ambiente deterrninante de forrnas possiveis

de linguagem e de outros sistemas cognitivos Por seu tumo as abordagens interacionistas DO campo psicoliQampUistico conshy

sideram a linguagem urna ayao compartilhada que percorre urn duplo percurso na relayao entre sujeito e realidade intercognitivo (sujeitomundo) e intracognitivo

ImROOUltAO UNGuisTICA 323

(linguagem e outros process os cognitivos) A interayao e a base da construyao do conhecimento e da dupla natureza da linguagem (cognitiva e social) Cogniyao aqui define-se como urn conjunto de varias formas de conhecimento que nao e totalizado ou subsumido por linguagem mas que de alguma forma se encontra sob sua responsabilidade Os processos cognitivos dependentes (assim como a linguagem) da significayao nao sao tornados como comportamentos previsiveis ou aprioristicamente concebidos como se estivessem a margem das rotinas significativas da vida em sociedade Nessa abordagem 0 tipo de relayao que se estabelece entre linguagem e cogniyao e de mutua constitutividade na medida em que supoe que nao lui possibilidades integrais de pensamento ou dominios cognitivos fora da linguagem nem possibilidades de linguagemfora de processos interativos humanos (Morato 1996 p 18)

Tendo em vista que nao recusariam uma ponte conceitual entre 0 biologico e o adquirido socialmente as abordagens que partem da conjugayao dos trabalhos de Piaget e Vygotsky sao muitas vezes tambem chamadas de socioconstrutivisshytas Contudo embora Jrossam ser aproximados sob determinados aspectos 0

construtivismo e 0 interacionismo preconizados respectivamente por Piaget e Vygotsky estiio longe de serem identicos

Para 0 primeiro cumpre lembrar e a inteligencia 0 motor da aquisiyao de linguagem via noyao de desenvolvimento para 0 segundo a linguagem e 0 motor do processo de aquisiyao cognitiva geral via noyao de mediayao (interayiio soshycial) As noyoes de equilibrayao e de intemalizayao respectivamente ocupam um lugar importante para 0 entendimento do desenvolvimento linguistico-cognitivo em uma e em outra abordagem

Resumidamente oque pretende 0 construtivismo de Jean Piaget (1896-1980)

Em sua vasta obra Jean Piaget pautou-se pelo estudo da psicogenese dos processos que respondem pelo desenvolvimento da inteligencia humana Na compreensao da formayao e desenvolvimento dos sistemas cognitivos Piaget postula a existencia de urn processo central de equilibra~iio respons3vel pelos processos de adapta~ao e de organiza~iio Para ele 0 organismo possui um conshyjunto de esquemas de ayao aptos a lidar com 0 mundo circundante uma situayiio que se apresenta como nova pOe 0 organismo em desequilfbrio obrigando-o a adaptar seus esquemas a fim de restaurar 0 equilibrio Esse processo essencial para 0 desenvolvimento cognitivo humano echamado por Piaget de equilibra~ao ([1974]1976)

A partir da descri~o dos mecanismos que subjazem ao sistema cognitivo em desenvolvimento 0 autor identifica res tipos de equilibra~ao 0 que ocorre nas interayoes entre individuos e objetos (objetos de conhecimento objetos de

324 325 MUSSALIM bull BENTES

aprendizagem) 0 que ocorre nas interayoes entre os subsistemas cognitivos e 0 que diz respeito as relayoes sociais que envolvem as interayoes entre os subsisteshymas cognitivos e 0 mundo circundante Como se observa a partir dessa brevissima menyao aos estudos piagetianos a formulayao das considerayoes a respeito do equilibrio cognitivo que ocorre nas inter-relayoes sociais e concebida a partir dos estudos a respeito do equilibrio (intemo) dos sistemas cognitivos individuais

Se de fato Piaget (como a Psicologia cumpre assinalar) nao ignorava que 0 desenvolvimento da linguagem se da na relayao que a crianya mantem com 0 outro (notadamente com a mae) 0 fato de seu interesse estar focalizado no-conhecimento (ou no dominio cognitivo) da crianya implicou uma exc1usao da linguagem do arcabouyo te6rico construtivista (cf Pereira de Castro 200 I)

Por outro lado se sao facultados a linguagem e as interayoes sociais a genese e 0 desenvolvimento cognitivo estaremos as voltas com uma perspectiva denoshyminada sociointeracionismo ou interacionismo sociocultural cujo maior expoente e sem duvida 0 psic610go bielorusso LeY Semyonovich Vygotsky (1896-1934)

Quando se focaliza hoj~ 0 estudo dacogniyao em meio as atividades soshycioculturais dos sujeitos e n~ presenya de uma ordem da linguagem que nao a reduz ao sistema linguistico stricto sensu 0 fato nao deixa d$ representar de shyalguma forma urn legado da abordagem levada a cabo inicialmente por auto res como Vygotsky Varios fenomenos anaJisados no ambito da Linguistica como a construsao da referencia os processos meta 0 discurso interior a indeterminashysao semantica 0 contexto pragmatico das operasoes cognitivas a reflexividade etc ganham maiores contomos expJicativos no dialogo com a perspectiva soshyciocultural da cogniSao humana preconizada por ele e por outros estudiosos nas primeiras decadas do seculo xx Nessa perspeetiva a linguagem tanto por suas propriedades formais quanto discursivas 6 uma forma privilegiada de cognisao

Para Vygotsky e a signifieayao 0 que plasma a relasao do tipo constitutiva

entre linguagem e eo~~o Em suas palavras (

o pensamento niio esomente mediado extemamente pelos signos Ete emediado intemamente pelos sentidos ( ) A comunicaYiio da consciencia pode ser realizada somente indiretamente atraves de um caminho mediado ([1934]1987 p 282)

Segundo ele pr6prio afirma a respeito desse caminho mediado s6 a linguagem poe essd relarao a claro

Ao postular que a Wlidade da rela~o linauasem-cognicao se estabelece enunciativamente isto middot6 nas situarr~s dial6gicas ele identifiea urn continuum entre interioridade e exterioridade ele estabeleee amaneira de Bakhtin uma

INTROOUylO AUNGuisTICA

fronteira dialetica de duas esferas da realidade Sobre isso a prop6sito afirma Bakhtin

A atividade mental tende desde a origem para uma expressao extema plenamente realizada ( ) Vma vez materializada a expressao exerce um efeito reversivo soshybre a atividade mental ela poe-se entiio a estruturar a vida interior a dar-Ihe uma expressiio ainda mais definida e mais estlivel Essa aYiio reversiva da expressao bem formada sobre a atividade mental tem uma importiincia enorme que deve ser sempre considerada Pode-se dizer que nao etanto a expressao que se adapta ao nosso mundo interior mas 0 nosso mundo interior que se adapta as possibilidades de nossa expressao aos seus caminhos e orientaltoes possiveis (1981 p 118)

Sao dois os movimentos te6ricos pretendidos por Vygotsky para apontar a natureza enunciativa da interarrao entre linguagem e mundo social 0 primeiro pode ser apreendido pela descrisao do proeesso de internalizasao em que ooushytro e a fala do outro orientam as avoes da crianya mediando discursivamente a refertncia (0 percurso intercognitivo)

A internalizacao dos processos sociais via linguagem da origem a sua funyao organizadora que por sua vez emerge segundo Vygotsky na relasao entre a fala e a asao no momento em que as duas se deslocam

Vma vez que as crianras aprendem a usar efetivamente a fimYiio planejadora de sua linguagem 0 seu campo psicol6gico muda radicalmente Vma visao q~ futuro e agora parte integrante de suas abordagens ao ambiente imediato ( ) Assim com a ajuda da fala as crian~as adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu pr6prio comportamento (1984 p 29-31)

Internalizando a linguagem do outro preservando em termos intracognishytivos seu papel mediador (e organizador) ao qual submete suas pr6prias arr~s a criaDsa passa da condirrao de interpretada para interprete de estados de coisas dono mundo da dependencia da forma dialogal para a partir da diferenciavao dos papeis enunciativos uma certa autonomia enuneiativa de urna especie de conseiencia dial6giea para uma consciencia monol6gica da dependeneia do extratextual para urn progressivo apagamento da necessidade do eontexto como indispensavel fonte interpretativa

De fato os estudos linguisticos devem muito a essa perspectiva que salieDshyta a socio1enese da linguagem e da cogni~ humana No campo dos estudos aquisicionais por exempl0 Claudia de Lemos num texto intitulado Universais Iinguisticos ou lingua original (1981) reconhece naquele momenta a infIuencia

326 MUSSAlIM bull BEKTfS

de Vygotsky sobre sua reflexao ao se referir ao autor para afinnar que a criayao linguistica em situayoes de input se deve a urn quadro relacional dialetico entre a interayao da crianya com 0 mundo fisico e com 0 mundo social (op cit 37) Com reiayao ainfluencia das reflexoes de Bakhtin em seus estudos sobre os processos aquisicionais vejamos 0 que afinna De Lemos num texto de 1990 intitulado Afumao e 0 destino da palavra alheia tres momentos da reflexao de Bakhtin

Em trabalhos anteriores tentei formular a questao que orienta a minha busca de entendimento daaquisiyao de linguagem como da compreensao da trajetoria pela qual a crianya passa de interpretado pelo outro a interprete do outro de si proprio e de estados de coisas no mundo Recentemente tenho-me dado conta de forma mais aguda que a essa questlio se vincula ada conversao do discurso do outro em discurso proprio ( )Seria a conversao do discurso do outro em discurso proprio uma condiyao para a conversao do discurso proprio em discurso do outro (1990 p 2)

Os temas ligados anOyao de imerayao (inclusive os problemas ou a ausencia de interayao) no campo lingu~tico sao complexos se nao a tomamos sumariashymente como comunicayao conversayao ou troca de infonnayoes Nao menos complexo e 0 debate que a nOyao-de interayao enquanto pratica social coloca em cena 0 que envolve as relacoes entre reflexao e ayao Essa questiio surge para as perspectivas interacionistas sob vanas formas

Como uma extensao das abordagens socioculturais da cognicao humana bern como das abordagens conversacionais de inspiraCao etnografica e tambem como reacao ao cognitivismo classico e alnteligencia Artificial surge nas ultishymas decadas do seculo XX 0 que se convencionou chamar de teoria da acao ou teoria da acao situada cuja unidade de analise e a atividade desenvolvida pelos sujeitos no decurso da interaCao Por este tenno - acao situada (situated action) - entende-se que toda a9lio humana depende estreitamente das circunsshytancias materiais e soqai$rlas quais se dlio assim procura-se a partir dessa noyao nascida no ambito dos(estudos desenvolvidos em Etnometodologia descrever e analisar como os sujeitos planejam e executam suas aCOes no decurso da inshyteracao na qual estiio envolvidos (Suchroan 1987) Nessa perspectiva as acOes sao tidas como social e fisicamente situadas a situacao na qual se dao as ~Oes _ nao redutivel a urn jogo de representafoes mentais previamente objetivadas nos aparelhos cognitivos (Visetti 1989) - e essencial para se compreender 0

que nelas se passa Asiociada bull ~ de ~ situada WD-SC a de cOampDi9lio situada que se

fundamenta na interdependencia da a9lio e da reftexao com base no argumento segundo 0 qual 0 contexto social em que a atividade cognitiva se desenvolve e

I

INlHOouiAo AUNGuisncA 327

parte essencial dessa atividade e nela nao desempenha urn papel apenas coadshyjuvante (Resnick et al 1991) Assim para essa abordagem todo ato cognitivo deve seT visto como uma resposta especifica para urn conjunto de circunstancias A noyao de social aqui nao diz respeito apenas a urn contexto institucional ou situacional no qual se desenvolve uma atividade mas tambem a instrumentos cogshynitivos que utilizamos cotidianamente Vale lembrar que a ideia de instrumentos cognitivos e emprestada de psicologos sovieticos como Leontiev e Vygotsky para quem a linguagem e considerada 0 instrumento cognitivo por excelencia 0

instrumento dos instrumentos

A estruturayao do discurso e a gestiio da interayao esmo entre os objetos de estudo dos que trabalham com 0 conceito de cogniciio situada e se pautam pelo primado da atividade social postulado por Vygotsky Leontiev e Luria - a celeshybre troika da Psicologia Sovietica que nas primeiras decadas do seculo XX dedicou-se a explorar os principios explicativos da natureza social da cognicao humana Esse entendimento esta de alguma fonna presente na concepCao de inshyterayao como atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisicao da linguagem se torna possivel como podemos observar na seguinte passagem de Mondada e Pekarek

A cogniylio pode ser compreendida como situada em dois sentidos de uma parteela pode ser considerada como enraizada na interaltyao social (Rogoff 1990) de outra parte ela pode ser compreendida como estando ancorada nos contextos institucionais e culturais mais largos (Cole 1994 e 1995 Wertsch 1991a e b)a abordagem socioshycultural procura reunfr esses dois aspectos em urn modelo coerente ()Aatividade enquanto processo dinamico situado nas estruturas socio-historicas encontra-se assim apresentada como ponto de partida para 0 estudo do funcionamento mental Nesses termos encontra-se ao mesmo tempo estabelecida a concepylio de cogniyao como pnitica distribuida emergente das atividades locais que nao somente se opOe asua modeliza~o tradicional e individualizante em termos de interioridade e de intencionalidade mas que mais geralmente se recusa aseparaylio entre 0 que relevaria do dominio do desenvolvimento individual cognitivo e autonomo e do que relevaria do dominio da atividade coletiva interativa e social (2000 p 154-5)

Para Mondada e Pekarek 0 estudo da natureza a urn so tempo socio-historica e local das atividades desenvolvidas no interior de situaCOes humanas como a aprendizagem ou a aquisi9lio de linguagem pode redimensionar a maneira pela qual sao compreendidas as relaCoes interpessoais certos valores sociais (como competencia padrOes normativos) detenninadas formas de estruturaCao dos eventos comunicativos maneiras de participary~o dos sujeitos oas comunidades etc (op cit 160)

329 MUSSAlIM bull 8poundNITS 328

Aquestao posta pelas autoras relativa ao entendimento de que as diferentes competencias humanas estao imbricadas nas atividades enos quadros de partishycipayao especificas (p 169) dos sujeitos nao deixa de evocar a discussao entre reflexao e ayao frequente de uma forma ou de outra no interacionismo

o interess~ pelas formas (conscientesinconscientes voluntariasinvoluntashyrias subjetivasintersubjetivas explicitasimplicitas etc) pelas quais os sujeitos apreendem as ayoes nas quais estao envolvidos nao tern deixado de aparecer nos trabalhos dos que se dedicam ao estudo da interayao seja qual for 0 posto de

observayao adotado Como exemplo desse interesse tomemos a postulayao de uma reciprocidade

entre reflexao e ayao a supor e demandar alguma capacidade reflexiva dos sujeitos imersos nas pniticas sociais Esse entendimento presente na obra de sociologos como Max Weber Anthony Giddens ou Norbert Elias tambem se ve por exemplo na introduyao do chissico livro do frances Alain Touraine intitulado Sociaagia

- da a~ao publicado originalmente em 1965 no qual 0 autor sublinha - ~

Uma ayao social s6 existe se em primeiro lugar esta orientada a certos objetivos orientayao que como se sublinhara mais adiante nao deve ser definida em termos de intencentes individuais conscientes se em segundo lugar 0 ator esta situado em sistemas detelayOes sociais se por ultimo a interayao se faz comunicayao grayas ao emprego de sistemas simb6licos dos quais a linguagem e0 mais manifesto ( ) De urn lado a ayao nao pode se definir somente como resposta a uma situayao social e antes de tudo criayao inovayao atribuiyao de sentido ( ) Mas esta ayao naoshypode ser definida independentemente de seu sentido para 0 sujeito (1968 p 19-20)

Arrazoados como 0 acima afinados com uma iniciativa racionalista admishytern ou postulam que os individuos possuem urn conhecimento adequado de seus muodos de a~o agip5P~e forma objetiva e intersubjetiva em rela-ao a eles

Avisao subjeti~i~ta da ayao social se opoem sociologos de orientayao marxista como 0 frances Pierre Bourdieu que critica nos chamados teoricos da ayao (como SchUtz ou Garfinkel por exemplo) uma especie de naturalizayao da capacidade reflex iva dos sujeitos e urna simplificayao do conceito de social ou de rela~s sociais Ou seja ele critica a suposi~ao de que os individuos unishyversalizam suas pr6prias reflexOes sobre a ayao como se fossem propriedades mentais e automatizadas oa propria a~ao e nao nas rela~Oes que as condicionam maacrialmcDie ideologicamente discursivamente

Para Bourdieu essa perspectiva opOe de maneira dicotomica rela~o inteshyleetual e relayao pratica e deixa de levar em conta que a reflexividade (a reflexao

IrmoD~AuNGuisnCA

sobre 0 que fazemos ou estamos a fazer) nao deixa de estar presente nas condutas pniticas - mesmo que ela nao seja uma caracteristica de toda acao mesmo que estejamos sempre condicionados em alguroa medida por restri~oes sociais hisshytori cas ideologicas Para Bourdieu (1980) vale lembrar nos agimos num mundo que impoe sua presen~a com suas urgencias suas coisas aJazer e a dizer suas coisasJeitas para serem ditas que comandam diretamente os gestos ou asJalas semjamais se desdobrar como um espetdculo

Como ressaltam Morato e Bentes em urn artigo no qual discutem - via conceitos de competencia e de lingua legitirna - as maneiras pelas quais a Linshyguistica e interpeada pelo sociologo frances

a critica que se faz a Bourdieu quanto a essa questAo (isto e a que envolve a relayao entre reftexao e ayao) parte do principio de que por estar interessado na ayao que realizam os atores nas praticas socia is ele teria negligenciado a reftexao de que sao capazes para agir socialmente dando pouca impomncia (ou uma importancia menor) as capacidades reftexivas dos sujeitos ou a maneira como eles reftetem sobre suas ayoes (2002 p 33)

Porem 0 proprio Bourdieu sempre procurou afastar essa critica como se VI em Reponses de 1992 oode ele procura ainda mais uma vez esclarecer sua posi~ao em rela~ao ao que evisto por seus criticos como mero determinismo afirmando que 0 habitus essa matriz ideol6gica determinada pela posi~ao soshycial a partir da qual se ve e age no mundo e urn sistema de disposi~ao aberto duIivel mas nao imutavel

Como apontam Morato e Bentes podemos encontrar nessa e em Outras passagens da obra de Bourdieu uma critica ao racionalismo do tipo inatista uma tentativa de supera~ao da dicotomia reflexao-a~ao em suas proprias pondera~oes a respeito da capacidade reflexiva dos sujeitos sobre suas a~oes e a de seus pares

Para Bourdieu (1979) fenomenos sociologicos como a distin~o e 0 habitus impregnam profundamente os psiquismos e os corpos atraves deles podemos observar como as estruturas sociais impregnam as estruturas cognitivas Dai que para a maior parte de nossas ~ nao haveria uma reflexao especial posto que somos tornados de maneira largamente inconsciente pelo jogo social seus pressupostos culturais e suas praticas ou formas de a~o Desde que as estruturas sociais objetivas para ele sao parte integrante da subjetividade e esta participa das primeiras haveria nessa passagem de Bourdieu um movimento de supera~o da distinyao entre reflexao e ayao (2002 p 34)

Se inicialmente a djscus~o sobre as rela~s entre reflexao e a~o projeshytou-se acentuadamente no campo linguistico via Psicologia e via Etnometodoshy

330 331 MUSSAUM bull BHlffS

logia 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas com a introducao de uma concepcao hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmacao de uma ordem social na qual se inscreve a linguagem vista a partir de uma perspectiva dial6gica Uma boa exshypressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da nocao de interacao com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo

Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de interashycao Bakhtin vincula as interacoes verbais as interacoes sociais mais amplas relacionando a nosao nao apenas com as situasoes face a face mas as situasoes enunciativas aos processos dial6gicos aos generos discursivos a dimensao estishyHstica dos generos Na perspectiva bakhtiniana a interacao verbal e a realidade fundamental da Hngua e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa interasao urn modo de produsao social da Hngua

Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem de 9290 texto que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizacao linguistica modema Bakhtin ja reffete sobre 0 problema da interacao empregando em 1925 a expressao interacao verbal face a face em sua obra tcrits sur Ie freudisme Ao analisar a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo social Bakhtin indica 0 lugar da interasao em uma teoria social da enunciayao formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito afirmando que 0

enunciado e 0 produto de uma intera~iio entre locutores e de maneira mais ampla 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu (1980 p 174)

Como podemos perceber a concepyao dial6gico-discursiva de interayao desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiylties rnateriais de produsao e leva em conta fatores de signii~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente isto e constituidos a pahirdos mecanismos e das condisoes de produyao que os mobilizam Para ele lembremos a lingua constitui um processo de evolufiio ininterrupto que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores e o produto desta interasao a enunciasao tern uma estrutura puramente social dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocushytores (1981 p 127)

A prop6sito num capitulo de seu livro Portos de passagem no qual analisa a metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf Bakhtin 1981 p 124) Geraldi assim situa - e ao faze-Io exprime urna sintese da perspectiva diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interasOes entre os sujeitos

INTROoucAO AUNGuisnCA

os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros sua consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste mesmo processo Neste sentido 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn arteslio mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os outros que ela se constitui ( ) As interacOes nao se dao fora de urn contexto social e hist6rico mais amplo na verdade elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos singulares no interior enos limites de uma detenninada form~o social sofrendo as interferencias os controles e as sele90es impostas por esta TambCm nlio sao em relashy930 a estas condi95es inocentes Sao produtivas e hisroricas e como tais acontecendo no interior enos limites do social constroem por sua vez limites novos (1991 p 6) -

Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da Comunicasiio a concepsao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito meramente interpessoal ultrapassa 0 contexto imediato e local de produSiio da significasao ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito voltando-se para os mecanismos de constituisao e determinasao das condutas humanas por sua vez baseados nas condisoes materiais e ideologicas de vida em sociedade Esta concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir modos de pensar modos de sentir)

Critico do que denominou subjetivismo abstrato Bakhtin fOIjou urn construto te6rico critico em relasao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao a consciencia a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao a enunciayao) A nosiio de dialoshygismo tal como postulada por ele explode essa dicotomia

A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completashymente rejeitada 0 centro organizador de toda enuncia9ao de toda expressao nao e interior mas exterior esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ) A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social quer se trate de urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo que coostitui 0 conjuoto das condicOes de vida de uma determinada comunidade linguistica (1981 p 107)

Para Bakhtin e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyaoda linguagem e da constituiyao dos sujeitos como se afirrna em vanas passagens do celebre sexto capitulo (intitulado A intera~ao verbal) de sua obra Marxismo efilosofia da linguagem do qual extraimos 0 trecho abaixo

A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada nem pelo ato psicofishy

MUSSALIM bull BErms332

siol6gico de sua produyao mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes A intera~ao verbal constitui assim a reshyalidade fundamental da lingua C ) Um importante problema decorre dai 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata mas tambem atraves dela 0 contexte social mais amplo Essas relayoes tomam formas diversas e os diversos elementos da situayiio recebem em Jigayao com uma ou outra forma uma significayao diferente (assim os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica) A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981 p 123)

Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados bern como apropria condicao de seu aconshytecimento - Todorov propoe dois tipos de relacao dialogica a interlocucao e a intertextualidade salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo demiddottodo discur~o

() pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser enconshytrado pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984 p 71-2)

o conceito de diaIogo na refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn duplo dialogismo analisado por Authier-Revuz que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade termo usado por Todorov

E urn duplo dialogismo - nao por adisao mas por interdependencia shyque ecolocado na fala a orientasao dialogica de todo discurso entre outros discursos eela mespl3jj~logicamente orientada determinada por este outro discurso especifioo d61teceptor tal como imaginado pelo locutor como condiyiio de compreensiio do primeiro A considerasao da interlocusao como fator consti tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982 p 118-9)

Como bern sublinham os autores acima a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interasao verbal todo ate enunciativo toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de outro como interlocutor e como (inter)discurso 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa na polifonia nos discursos relatados nas diferentes posisoes enunciativas assushy

I~UcAOAUNGulSTICA 333

midas pelos falantes - marca discursivamente a concepcao de sujeito 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros por meio do discurso dos outros por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso

Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982 1995 1998 entre varios outros) sao exemplares em relacao ainfiuencia do dialogismo bakhtiniashyno nos estudos linguistico-discursivos Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa empiricamente apoiados sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo

Uma interessante discussao sobre a intersecsao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994 1997 2001 2002) Trabalhando com nosoes como sujeito estilo genero e heterogeneidade a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma analise dialogica do discurso ou seja

urn conjunto de procedimentos analiticos urn arcabou~ te6rLco que embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002 p 126)

Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin Brait perscruta a nocao sob a perspectiva de uma analise dia16gica do discurso tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos 0 de genero e 0 de estilo

Levando em conta nossos interesses vale a pena destacar as ponderasoes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nosao de interasao Discurso na arte e discurso na vida de 1926 e Marxismo e filosofia da linguagem de 1929 Em relayiio ao primeiro texto no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relasOes entre literatura e sociedade afirma Brait

o conceito de interaljao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade de se pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem Esse caminho que implica o1har para a materialidade verbal e extrashyverbal constitutivas de uma enunciayao de um enunciado concreto reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramaticalinguistica assim como de suas fluidas fronteiras (2002 p 134-5)

Em rela~ao ao segundo texto no qual Bakhtin explicita que a intera~o no diz respeito exclusivamente ao discurso oral surge segundo Brait a

334 335

perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

~

iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

--

346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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Page 3: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

315 MUSSALIM bull BENTe

314

produyao e interpretayao da significayao a existencia de semioses coocorrentes nas pniticas discursivas 0 estatuto do outro no processo de aquisiyao da linshy

guagem pela crianya etc Assim se 0 nosso objetivo for proceder a uma especie de verificayao das

consequencias te6ricas e empiricas da perspectiva interacionista no campo linshyguistico algumas considerayoes iniciais se tornam imprescindiveis Em primeiro lugar e recomendavel supor que entre os termos interayao e interacionismo existem certas distancias semanticas Em segundo lugar e importante admitir que nos defrontamos na atualidade com interacionismos e interacionismos o que requer que saibamos identificar 0 peso epistemologico dado adimensao interacional das ayoes humanas nos estudos da linguagem Finalmente e necesshysario levar em conta que a Linguistica nao e ela mesma um bloco monolitico e que tanto seus dominios internos quanta suas demarcayoes fronteiriyas com outras disciplinas do conhecimento tambem estao a exigir uma arbitragem teoshyrica do tipo interacional Afinal quando surge 0 interacionismo representa urn esforyo pluridisciplinar com vistas ao entendimento das relayoes entre individuo e sociedade I

o que se pretende neste texto e destacar questoes como essas a fim de levanshytar as problematicas te6ricas relevantes no quadro dos estudos interacionais no campo linguistico bern como ipdicar suas consequencias epistemol6gicas mais amp las para a ciencia da linguagem Nao pretendemos pois explorar neste texto um vies exegetico com relayao ao tema nem tampoucO esboyar uma especie de

cartografia dos estudos interacionistas Posto isto comecemos por admitir que falar em Linguistica em interayao

ou em interacionismo e postular determinados modos de existencia ou determishynados modos de funcionamento da linguagem

~=~middot~i~

2 DAS VICISSITUDES DAft~O DE INTERA~EDE INTERACIONISMO

A partir de uma vista dolhos no que professam os autores e as teorias nem sempre foi e e facil discemir as tendencias que se reivindicam ou se reputam interacionistas seja no campo linguistico seja fora dele

No campo da Filosofia por exemplo foi preciso esperar pelo questionamento do dualismo ontologico com Descartes (1596-1650) para que urn interacionismo se colocasse como wna solu~ ou uma altemativa para dualismos classicos como os que envolvem 0 problema corpo x mente ou 0 problema fe x razAo Para Descartes vale lembrar os processos implicados nesses binomios sao pensados

separadamente mas de forma interatuante Certamente muitos outros autores ern Filosofia - como Hobbes Kant Hegel Marx ou Habennas por exemplo _ tambem marcam os estudos interacionistas cada urn asua maneira por terem procurado fugir do beco sem said a de dualismos varios

No ambito da Linguistica muitos sao os trabalhos ou autores que se reivinshydicam interacionistas saibamos ou nao 0 que entendem por interayao muitos sao os trabalhos ou autores que nao reconhecem no interacionismo que professam semelhanyas com essa ou aquela posiyao tambem a ele associada e muitos sao os trabalhos e autores que reputados como interacionistas rejeitam de alguma maneira esse rotulo

Certamente muitas inadequayoes podem ser produzidas quando abrigamos sob a rubrica interacionismo trabalhos ou autores de fato muito distintos Por esse motivo aquilo que chamamos algo genericamente de interacionismo parece ser de fato urn mosaico de inteligibilidades e metodos AMm disso se investirrnos a analise do termo interacionismo de um rigor conceitual e nao a dissociarmos do dominio empirico que 0 caracteriza ou concerne haveremos de perceber que nem sempre 0 (mero) emprego do terrno interayao e suficiente para qualificar determinada reflexao como interacionista

De todo modo longe de ser ou se apresentar como um programa teorico definido no campo linguistico 0 interacionismo tem side capaz de marcar uma disposiyao de tomar a interayao como uma das categorias de amilise dos fatos de linguagem e nao apenas 0 locus onde a linguagem acontece como espetaculo E esta qualidade (ou esta circunstancia ) 0 que tornariajustificavel sua inseryao entre os movimentos teoricos que fazem a ciencia da linguagem avanyar

Eprecisamente por isso que no ponto em que estamos certas questoes deshyvem ser destacadas sendo a delimitayao do conceito de interayao certamente uma delas Se nao for assim dificilmente saberemos identificar diferentes acepyoes do termo quando falamos em dirnensao interacional da linguagem ou quando elevamos a interayao (social) acondiyao de principio explicativo para os fatos de linguagem ou quando postulamos urna Linguistica Interacional

No enfrentamento de seu carater polissemico 0 termo interayao requer que pensemos de alguma forma em urn de seus trayos definidores mais expressivos ligado - como se observa na raiz (inter) - aideia de influencia reciproca em segundo lugar ele nos convida a pensar em algo comparti11ado de forma reflexiva (isto e a a~ao) Porem como bem nota Vion em seu livro La communication verbaJe - Ana~vse des interactions (1992) essa defini~ Dio marca oenhuma diferenya entre trocas conversacionais transa~Oes financeiras jogos amorosos ou lutas de boxe De todo modo ela e capaz de indicar que toda empreitada ou

317

MUSSAUM bull BEIITEs316

ayao do sujeito no mundo se inscreve num quadro social submete-se as regras de gestao historico-cultural nao enunca ideologicamente neutra

Procurando explorar essa quesmo consideremos que 0 que primeiro se evoca nos trabalhos de tradiyao pluridisciplinar sobre interayao ea ideia de ayao conjunta (seja conflituosa seja cooperativa) que coloca em cena dois ou mais individuos sob certas circunstancias que em muito explicam seu proprio decurso Enquanto categoria de analise a interayao permite que se discutam pois a qualidade e a circunstancia da reciprocidade de comportamentos humanos diversos em variados contextos praticas e situayoes

Se a delimitayao acima parte da considerayao de uma complexa rede de relayoes que se estabelecem em tome das ayoes humanas constituidas e marcashydas por condicoes materiais de vida em sociedade ela nao autoriza ou indica a eleiyao de uma (mica qualidade distintiva do fenomeno interativo

A Linguistica no entanto tern se preocupado em delimitar a nocao resershyvando para si a tarefa de analisar especial mente uma parte do fenomeno ou seja a interacao verbal tambem ela algdheterogeneo e historicamente situado como toda interayao Quanto a este ponto todavia alguns linguistas chamam a atenyao para 0 fato de que a ausencia de manifestacao verbal em certas acoes nao elimina a presenca obrigat6ria da linguagem na emergencia de toda forma de percepyao

() Alias parece pouco provavel que 0 desenvolvimento das acoes possa se efetuar de ol~a forma que nao na presenYa permanente de urn controle discursivo inteshyriorizado Nessas condiYoes toda atividade social de qualquer natureza que seja coloca inevitavelmente emjogo mesmo que as vezes de maneira bastante indireta a ordem da 1inguagem (Vion 1992 p 98-99)

Para Kerbrat-Orecchioni num texto em que analisa a inseryao da noyao de interayao naJjnguistica francesa ela nao se constitui como uma das grandes preocupacoes da ilnguistica modema a despeito de vigorosos ape los de um Bakhtin de urn Jakobson ou de alguns outros (1998 p 51)

A quesmo que essa autora se coloca e se parece mo incontestavel que falar

a

e agir (speaking is interacting) de acordo com Gumperz (1982) ou que a interaryao verbal ea realidade fundamental da linguagem de acordo com Bakhtin ([ 1929) 1981) por que a Linguistica se mostrou por tanto tempo reticente quanto a levar a s~rio 0 fato de que a linguagem tern por funryao prime ira a comunicaryao interpess0a1 (cf p 51-2)

A resposta para essa quest3o na verdade nao e t30 complicada como suplte a au1ora Diriamos que 0 fato por ela mencionado ocorre porque muitos Iinguistas

INTRODI(AO AUNGuisrlCA

se nao chegam a contestar seriamente a dimensao interacional da Iinguagem ou a presenca da interayao como elemento constitutivo da linguagem question am a afirmacao segundo a qual a linguagem tern por funyao primordial a comunicacao Uma passagem tomada de urn texto de Carlos Franchi poderia bern resumir essa posiryao que nao ve na comunicacao a marca distintiva da linguagem outros processos semi6ticos sao tambem eles comunicativos

Certamente a linguagem se utiliza como instrumento de comunicaY30 certamente comunicamos por ela aos outros nossas experiencias estabelecemos por-eIa com os outros lacos contratuais por que interagimos enos compreendemos influenciamos os outros com nossas opcoes relativas ao modo peculiar de ver e sentir 0 mundo com decisoes consequentes sobre 0 modo de atuar nele Mas se queremos imaginar esse comportamento como uma aC30 livre e ativa e criadora suscetivel de pelo menos renovar-se ultrapassando as convenYoes e as herancas processo em crise

de quem eagente e nao mero receptaculo da cultura temos enmo que apreende-Ia nessa relaY3o instavel de interioridade e-exterioridade de diaIogo e solil6quio antes de ser para a comunicacao a linguagem epara a elaboraYao e antes de ser mensagem a linguagem e construcao do pensamento e antes de ser veiculo de sentimentos ideias emocoes aspiracoes a linguagem eurn processo criador em que organizamos e informamos as nossas experiencias ( ) 0 funcionalismo tern examinado com detalhes as acoes em que a Iinguagem esti deixando a margem a aC30 que ela e(1977 p 18-9)

Entendida como atividade constitutiva do conhecimento humano a Iinguashygem nao apenas eestruturada pelas circunstancias e referencias do mundo social eao mesmo tempo estruturante do nosso conhecimento e extensao (simb6Iica) de nossa aryao sobre 0 mundo Ou seja podemos dizer da linguagem que ela euma acao humana (ela predica interpreta representa influencia modifica configura contingencia transforma etc) na mesma proporryao em que podemos dizer da ayao humana que ela atua tambem sobre a linguagem

Nessa relacao dialetica de interioridade-exterioridade a linguagem enCODshytea na significaryao sua funcao precipua Com isso reconhece-se que a lingua nao e s6 signo e ayao etrabalho coletivo dos falantes nao esimplesmente urn intennediario entre nosso pensamento e 0 mundo Ha vanos fatores que mobishylizam esta relayao aMm dos concementes ao sistema linguistico propriamente lito (a lingua) as propiiedades biol6gicas e psiquicas de que somos dotados

qualidade das intera~oes humanas 0 valor intersubjetivo da linguagem as CootmgeDcias materiais da vida em sociedade os diferentes universos discursishyvos atraves dos quais agimos e orientamos nossas aryoes no mundo as Dormas

MUSSAUM bull BENTES318

pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem a polissemia existe~te entre lingua e (inter)discurso

Esse ponto de vista sobre a significayao essa prtitica quase-estruturante e sociar (Franchi 1986 p 25) tao caro as correntes enunciativas e discursivas postula que a significayao tern aver reciprocamente com a comunicayao Contudo ainda que ambas mantenham uma estreita relayao entre si e marquem duas formas do sentido urn termo nao pode ser empregado no lugar do outro Implicam difeshyrentes trabalhos linguistico-discursivos e mobilizam diferentes niveis de reflexao sobre as ayoes em curso na interayao Sen do pois duas formas de significancia (cf Benveniste 1966) significayao e comunicayao nao se confundem mas sao indissociaveis nas praticas discursivas

Se uma diferenciayao pode ser estabelecida entre ambas que se encontram intimamente relacionadas nas praticas linguisticas e porque isso po de trazer - pelo menos para a Linguistica - algumas vantagens te6ricas voltadas para o estudo da intersubjetividade das diversas instanciayoes enunciativas e da metliinguagem

Segundo Claudine Norinand (1990 p 334) a comunicayao nos indica que o sujeito tern algo a dizer ou a mostrar a significayao nos indica que 0 sujeito mostra explicita ou implicitamente a mane ira pela qual ele corre 0 risco de intershypretar e ser interpretado de representar ou dar representabilidade as coisas do mundo Essa ponderayao indica que tambem a interayao - e tudo 0 que e afeito a ela - produz senti do 0 sentido eproduyao de interayao 0 outro nos e necessario para sabetmos 0 que estamos a dizer e mais para construirmos 0 senti do daquilo que estamos a dizer Nesse aspecto e que a interayao - enquanto categoria de analise - pode ser urn elemento de distinyao na definiryao do sentido e capital para a compreensao das tarefas interpretativas

Se a nOyao de interayao em Linguistica tern sido elevada acondiyao de principio explicatty~~ttos fatos de linguagem (como veremos na perspectiva bakhtiniana) tambeuroril tern sido reduzida nao raras vezes a uma especie de curinga categorial de varias abordagens heterogeneas que servem a prop6sitos te6ricos e metodol6gicos muito diversos Nesse sentido nao raras vezes ela e considerada em termos de tudo ou nada na analise de objetos e fatos de linguagem

Urn problema que podemos apontar quanto a esse ponto reside na disjunyao entre dado observavel e representayao te6rica se de urn lado dificilmente se pode dettar de considerar de alguma forma as propriedades interativas dos dados linilisticos de outro lado a idealiza~o dos fenomenos linguisticos propria a certas teorias (como as que tomam a interayAo e a cooperayao como habilidades intrinsecas dos sujeitos) acaba por ignorar ou elirninar 0 carater social da interashy

-

-

IIITROD~O AUNGuisTiCA 319

vao1 Assim ou os aspectos interacionais sao praticamente eliminados da teoria

(como ocorre na Semantica Formal ou na Gramatica Gerativa por exemplo) ou diversos conceitos entre eles 0 de comunicayao e 0 de contexto uma vez irnpregshynados de interayao acabam por despojar este termo de urn senti do rnais preciso

Urn outro problema relacionado a esse ponto e que a exemplo do que acontece em outras disciplinas tambem em Linguistica a concepyao de cornushynicayao e facilmente confundida com a de interayao correspondencia que chega mesmo a provocar a revogayao da adesao de autores afinados inicialmente com uma perspectiva interacionista Da complicada e inadvertida vinculayao direta entre esses termos resulta que entre outras coisas a comunicabilidade (isto e a disposiyao para a cooperayao) e tida como uma caracteristica inata dos homens prescindindo pois de qualquer teorizayao mais especifica Nesse contexto a interayao pode e geralmente e pensada praticamente a margem da linguagem isto e a margem de sua ayao constitutiva em relayao a diversas situayoes humanas

Para Kerbrat-Orecchioni 0 fato de_existir ainda hoje urn interesse relatishyvamente minoritario em torno da noyao de interayao entre os Iinguistas se deve a uma especie de denegariio da vocariio comunicativa da linguagem (1998 p 52) explicada pela tradiyao filol6gica pelas dificuldades praticas de analisar _ urn objeto tao variavel e multifacetado pela inseryao da sociologia durkheimiashyna (pouco afeita as preocupayoes interacionistas) na Linguistica ffancesa pela inseryao do interacionismo simb61ico ria Linguistica anglo-saxonica (represenshytada tanto pela Escola de Chicago da qual eexpoente E Goffman quanto pela Analise da Conversayao de que sao fundadores os etnometod610gos H Sacks e E Schegloft) voltado inicialmente a analises da vida cotidiana e fenomenos culturais (como sistemas de parentesco mitos e ritos)

Em boa parte em funyao dessas infiuencias a introduyao definitiva das dimensoes sociais culturais e contextuais na analise de fatos de linguagem fez com que a Linguistica passasse a dirigir seus esfoflos acompreensao de fenomenos comunicativos e de padr6es normativos pr6prios as interayoes 0 ~~rte-americano Erving Goffman (1961) chega mesmo a estabelecer caracterisshyfiCas gerais da interayiio com vistas ao entendimento do que ocorre nas situayOes de comunicayao Chama de interayao nao focalizada a que ocorre em funyao 9a simples presenya de dois individuos e de intera~ao focalizada aquela que inclui a conversayao face a face

Dando sustenta~o ao que veio a ser denominado interacionismo simbOlico ao qUat se associam os nomes dos norte-americanos George Mead e Erving Goffinan shy

-II I Devo esta observ~ 80 colega Heronides de Melo Moura

MUSSAUM bull BENTES

320

a Psicologia

Social e a Etnografia da Comunica~ao viram-se igualmente envolvirlas

com a tematica das rela~oes entre individuo e sociedade Goffman (1973) destaca uma variedade de praticas sociais que se desenshy

vol vern mesmo na ausencia de outras pessoas isto e que ocorrem na ausencia de uma intera~ao social direta que nao se inscrevem noS timites estritos da conversa~ao (como a gesticula~ao e a postura corporal) Para GotTman haveria em todo contexto interativo algo que lhe e propriO construido em fun~ao das particularidades dos sujeitos nele envolvidos e da qualidade de suas intera~5es no curso de uma determinada a~ao

( ) cada participante enlra em uma situayao social portando uma biografiaja rica de interayoes passadas com outros participantes - ou peo menoS com participantes do mesmo tipo do mesmo modo ele vem com um grande conjunto de pressuposiyOes

culturais que presume serem partilhadas (1988 p 197)

Ao final dos anos de 1970 tanto a Etnometodologia quanto outras aborshydagens microssociologicas desenvolvem-se no mundo todo Alguns autores relacionam esse fato ao decinio shy verificado a epoca shy do prestigio de posishyy5es marxistas mais ortodoxas A influencia marcante da Etnometodologia nao deixaria de assinalar de alguma forma a perda de prestigio de uma certa tradiyao sociolog

ica europeia Com isso as questoes valorizadas no campo passam a ser

nao essencialmente as condi~oes materiais e ideologicas em que se dao as rela~ socia is mas sim as que se baseiam em analises micro isto e as que conferem especial aten~o as mudan~as e aoS avan~oS tecnologicos as novas condi~oes de trabalho e intera~ao que vao se colocando para urn mundo em globaliza~ao ao levantamento de competencias e padroes interativos que caracterizam a interayao

entre individuos e grupos sociais etc Coube ao nort~ainericano Harold Garfinkel cunhar 0 termo Etnometodoloshy

gia (1967) para idefitificar a abordagem que procura descrever os processos que caracterizam ou constituem a comunica9ao interpessoal analisando 0 modo como os individuos interagem e se comportam em meio a diferentes situ

a9 0es

especifishycas da vida cotidiana A concep9ao de social que se estabelece aqui se configura a partir da analise do que se produz nas a90es cotidianas e leva em considera~o todo urn sistema de cren9as e modos de agir dos sujeitos em intera9

30

Vigente ate hoje esse enfoque baseado em modelos normativos de a~o inspindos em diferenampes enquadres te6ricos e autores como Garfinkel Habenll8 Schlitz Boudon ou Boltanski prioriza 0 papel dos sujeitos na organiza~o social bern como nas intera90es verbais as estrategias e os savoir-faire comunicativOS a

INlROOU~AUNGuisnCA 321

constru~ao de imagens identitarias a gestao de regras pragmltiticas as interaltoes no mundo do trabalho a institucionalizasao dos espaltos interativos os tipos ou formas gerais de intera~ao etc

o interesse dessa perspectiva de inspirayao motivacional (ou psicologica) se pauta ou se restringe pois a situa~oes especificas que condicionam a comushynicaltao interpessoal Nao e por acaso que as analises dai derivadas privilegiam o que se passa local mente na ayao

Tendo por foco a atividade humana por meio da qual os agentes elaboram Jinhas de conduta em situayoes concretas a Hnometodologia toma-se como ressalta Vion (1992) proxima do interacionismo simbolico inaugurado pelo psishycologo norte-americano George Mead (1863-1931) volta do para a investigayao da genese da subjetividade (mais precisamente do Self) no processo de interayao social Para Mead 0 sujeito (0 Self que corresponde a uma identidade construida socialmente) se constitui enquanto tal na comunicaltao e por ela

A importancia daq~lo que n6s chamamos de comunicayao resIde no fato de que ela fomece uma forma de comportamento em que 0 organismo 0 individuo pode tomar-se urn objelo para si mesmo ( )0 Self sendo urn objeto para si eessencialshymente uma estrutura social e nasce na experiencia social ([1934]1963 p 118-9)

Entretanto como afirrna Vion (1992) se para a interacionisma sirnbolico tanto a qualidade dos process as interativas que produzem e reproduzem as esshytruturas sociais quanta as estruturas em si sao igualmente irnportantes no estudo iIa realidade social para os etnometodologos e a propria a9ao - localmente lnvestigada shy que pode interpretA-Ia (dai a importancia do contexto situacional

bull e da indexicalidade de toda ayao)

No campo saciologico a reayao contra 0 empirismo atribuido as pesquishyetnometodologicas ou contra a possibilidade que elas tern de transfonnar

em metodologos de suas a~Oes algo que seria proprio das analises localmente na ayao nao deixou de ser registrada por varios autores

Phillips

De urn lado a leoria de Garfinkel concebe as praticas que constituem deg trabalho de objetivayao da ordem como metodos que servem para preencher 0 abismo que separa 0 situacional e 0 geral como por exemplo as praticas ad hoeing e principio de et cetera Mas de outro lado as pesquisas efetivamente conduzidas em Etnometodologia colocam luz em wna multidio de outras pniticas de ordens diferentes mas que podem muilo plausivelmcnle e apesar das recome~ da

serem apresentadas como regras seja qual for a generalidade (1978 p 64)

MU5SAUM bull BENItS

322

A chamada Linguistica Interacional mas nao apenas ela deve muito a essas vertentes 0 que e focalizado a partir da delimitayao da nOyao de interashyyaO no campo da Linguistica lnteracional (cf Kerbrat-Orecchioni 1990 1998 Vion 1992 Mondada 19942001) configura urn conjunto de questoes Jigadas a todo tipo de produyao linguistica que e considerada material interativo pnitishycas estrategias e operayoes linguageiras dinamicas de trocas conversacionais comunicayao verbal e nao verbal construyao de valores culturais atividades referenciais e inferenciais realizadas pelos falantes normas pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem etc Esses exemplos-nao exc1uem 0 fato de que todo ato de linguagem e no fundo essencialmente interativo mesmo 0 que nao envolve ayao conjunta ja que uma dimensao dialogica (suposta mesmo na significayao isolada ou unilateral) e base estruturante de todo processo verbal (0 que supoe a existencia de interayao tambem em mono logos soliloquios textos

escritos conferencias discurso interior etc) Arelayao entre linguagem e outros processos cognitivos (pensamento meshy

moria percepyao etc) geqtu desde osanos 1960 muitos estudos no terreno do interacionismo Esta perspectiva na verdade coexiste aepoca com outrasaborshydagens teoricas isto e 0 inatismo e 0 cognitivismo que reservam alinguagem

urn lugar epistemologico distinto Sabe-se que como consequencia do dualismo ontologico a relayao entre

linguagem e pensamento - como de resto todo fenomeno cognitiv~ - foi primeiramente vinculada ao biologico e concebida praticamente amargem da

linguagem e das interayoes sociais Preocupados em reftetir sobre 0 lugar da interayao da crianya com 0 meio

circundante no desenvolvimento linguistico e cognitivo autores como Piaget Vygotsky e Bruner contribuiram de maneira decisiva - cada urn asua maneirashypara 0 entendiment~Aa interayao como um problema te6rico para a Linguistica

Sr _I As abordagiQ5ltonstrutivistas a partir dos trabalhos inspirados na teoria da

ayao do bi61ogo suiyo Jean Piaget - para quem a aquisiyao de conhecimentos resulta de uma troca continua de informa~iio entre a tomada de consciencia da a~ao e a tomado de consciencia do objeto ([1974]1976) - consideram que-a cogniyao humana se define em funyao de estruturas ou esquemas que 0 organisshymo desenvolve em tome de um conjunto de ayOes coordenadas e em funyao da interayao que mantem com 0 meio ambiente deterrninante de forrnas possiveis

de linguagem e de outros sistemas cognitivos Por seu tumo as abordagens interacionistas DO campo psicoliQampUistico conshy

sideram a linguagem urna ayao compartilhada que percorre urn duplo percurso na relayao entre sujeito e realidade intercognitivo (sujeitomundo) e intracognitivo

ImROOUltAO UNGuisTICA 323

(linguagem e outros process os cognitivos) A interayao e a base da construyao do conhecimento e da dupla natureza da linguagem (cognitiva e social) Cogniyao aqui define-se como urn conjunto de varias formas de conhecimento que nao e totalizado ou subsumido por linguagem mas que de alguma forma se encontra sob sua responsabilidade Os processos cognitivos dependentes (assim como a linguagem) da significayao nao sao tornados como comportamentos previsiveis ou aprioristicamente concebidos como se estivessem a margem das rotinas significativas da vida em sociedade Nessa abordagem 0 tipo de relayao que se estabelece entre linguagem e cogniyao e de mutua constitutividade na medida em que supoe que nao lui possibilidades integrais de pensamento ou dominios cognitivos fora da linguagem nem possibilidades de linguagemfora de processos interativos humanos (Morato 1996 p 18)

Tendo em vista que nao recusariam uma ponte conceitual entre 0 biologico e o adquirido socialmente as abordagens que partem da conjugayao dos trabalhos de Piaget e Vygotsky sao muitas vezes tambem chamadas de socioconstrutivisshytas Contudo embora Jrossam ser aproximados sob determinados aspectos 0

construtivismo e 0 interacionismo preconizados respectivamente por Piaget e Vygotsky estiio longe de serem identicos

Para 0 primeiro cumpre lembrar e a inteligencia 0 motor da aquisiyao de linguagem via noyao de desenvolvimento para 0 segundo a linguagem e 0 motor do processo de aquisiyao cognitiva geral via noyao de mediayao (interayiio soshycial) As noyoes de equilibrayao e de intemalizayao respectivamente ocupam um lugar importante para 0 entendimento do desenvolvimento linguistico-cognitivo em uma e em outra abordagem

Resumidamente oque pretende 0 construtivismo de Jean Piaget (1896-1980)

Em sua vasta obra Jean Piaget pautou-se pelo estudo da psicogenese dos processos que respondem pelo desenvolvimento da inteligencia humana Na compreensao da formayao e desenvolvimento dos sistemas cognitivos Piaget postula a existencia de urn processo central de equilibra~iio respons3vel pelos processos de adapta~ao e de organiza~iio Para ele 0 organismo possui um conshyjunto de esquemas de ayao aptos a lidar com 0 mundo circundante uma situayiio que se apresenta como nova pOe 0 organismo em desequilfbrio obrigando-o a adaptar seus esquemas a fim de restaurar 0 equilibrio Esse processo essencial para 0 desenvolvimento cognitivo humano echamado por Piaget de equilibra~ao ([1974]1976)

A partir da descri~o dos mecanismos que subjazem ao sistema cognitivo em desenvolvimento 0 autor identifica res tipos de equilibra~ao 0 que ocorre nas interayoes entre individuos e objetos (objetos de conhecimento objetos de

324 325 MUSSALIM bull BENTES

aprendizagem) 0 que ocorre nas interayoes entre os subsistemas cognitivos e 0 que diz respeito as relayoes sociais que envolvem as interayoes entre os subsisteshymas cognitivos e 0 mundo circundante Como se observa a partir dessa brevissima menyao aos estudos piagetianos a formulayao das considerayoes a respeito do equilibrio cognitivo que ocorre nas inter-relayoes sociais e concebida a partir dos estudos a respeito do equilibrio (intemo) dos sistemas cognitivos individuais

Se de fato Piaget (como a Psicologia cumpre assinalar) nao ignorava que 0 desenvolvimento da linguagem se da na relayao que a crianya mantem com 0 outro (notadamente com a mae) 0 fato de seu interesse estar focalizado no-conhecimento (ou no dominio cognitivo) da crianya implicou uma exc1usao da linguagem do arcabouyo te6rico construtivista (cf Pereira de Castro 200 I)

Por outro lado se sao facultados a linguagem e as interayoes sociais a genese e 0 desenvolvimento cognitivo estaremos as voltas com uma perspectiva denoshyminada sociointeracionismo ou interacionismo sociocultural cujo maior expoente e sem duvida 0 psic610go bielorusso LeY Semyonovich Vygotsky (1896-1934)

Quando se focaliza hoj~ 0 estudo dacogniyao em meio as atividades soshycioculturais dos sujeitos e n~ presenya de uma ordem da linguagem que nao a reduz ao sistema linguistico stricto sensu 0 fato nao deixa d$ representar de shyalguma forma urn legado da abordagem levada a cabo inicialmente por auto res como Vygotsky Varios fenomenos anaJisados no ambito da Linguistica como a construsao da referencia os processos meta 0 discurso interior a indeterminashysao semantica 0 contexto pragmatico das operasoes cognitivas a reflexividade etc ganham maiores contomos expJicativos no dialogo com a perspectiva soshyciocultural da cogniSao humana preconizada por ele e por outros estudiosos nas primeiras decadas do seculo xx Nessa perspeetiva a linguagem tanto por suas propriedades formais quanto discursivas 6 uma forma privilegiada de cognisao

Para Vygotsky e a signifieayao 0 que plasma a relasao do tipo constitutiva

entre linguagem e eo~~o Em suas palavras (

o pensamento niio esomente mediado extemamente pelos signos Ete emediado intemamente pelos sentidos ( ) A comunicaYiio da consciencia pode ser realizada somente indiretamente atraves de um caminho mediado ([1934]1987 p 282)

Segundo ele pr6prio afirma a respeito desse caminho mediado s6 a linguagem poe essd relarao a claro

Ao postular que a Wlidade da rela~o linauasem-cognicao se estabelece enunciativamente isto middot6 nas situarr~s dial6gicas ele identifiea urn continuum entre interioridade e exterioridade ele estabeleee amaneira de Bakhtin uma

INTROOUylO AUNGuisTICA

fronteira dialetica de duas esferas da realidade Sobre isso a prop6sito afirma Bakhtin

A atividade mental tende desde a origem para uma expressao extema plenamente realizada ( ) Vma vez materializada a expressao exerce um efeito reversivo soshybre a atividade mental ela poe-se entiio a estruturar a vida interior a dar-Ihe uma expressiio ainda mais definida e mais estlivel Essa aYiio reversiva da expressao bem formada sobre a atividade mental tem uma importiincia enorme que deve ser sempre considerada Pode-se dizer que nao etanto a expressao que se adapta ao nosso mundo interior mas 0 nosso mundo interior que se adapta as possibilidades de nossa expressao aos seus caminhos e orientaltoes possiveis (1981 p 118)

Sao dois os movimentos te6ricos pretendidos por Vygotsky para apontar a natureza enunciativa da interarrao entre linguagem e mundo social 0 primeiro pode ser apreendido pela descrisao do proeesso de internalizasao em que ooushytro e a fala do outro orientam as avoes da crianya mediando discursivamente a refertncia (0 percurso intercognitivo)

A internalizacao dos processos sociais via linguagem da origem a sua funyao organizadora que por sua vez emerge segundo Vygotsky na relasao entre a fala e a asao no momento em que as duas se deslocam

Vma vez que as crianras aprendem a usar efetivamente a fimYiio planejadora de sua linguagem 0 seu campo psicol6gico muda radicalmente Vma visao q~ futuro e agora parte integrante de suas abordagens ao ambiente imediato ( ) Assim com a ajuda da fala as crian~as adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu pr6prio comportamento (1984 p 29-31)

Internalizando a linguagem do outro preservando em termos intracognishytivos seu papel mediador (e organizador) ao qual submete suas pr6prias arr~s a criaDsa passa da condirrao de interpretada para interprete de estados de coisas dono mundo da dependencia da forma dialogal para a partir da diferenciavao dos papeis enunciativos uma certa autonomia enuneiativa de urna especie de conseiencia dial6giea para uma consciencia monol6gica da dependeneia do extratextual para urn progressivo apagamento da necessidade do eontexto como indispensavel fonte interpretativa

De fato os estudos linguisticos devem muito a essa perspectiva que salieDshyta a socio1enese da linguagem e da cogni~ humana No campo dos estudos aquisicionais por exempl0 Claudia de Lemos num texto intitulado Universais Iinguisticos ou lingua original (1981) reconhece naquele momenta a infIuencia

326 MUSSAlIM bull BEKTfS

de Vygotsky sobre sua reflexao ao se referir ao autor para afinnar que a criayao linguistica em situayoes de input se deve a urn quadro relacional dialetico entre a interayao da crianya com 0 mundo fisico e com 0 mundo social (op cit 37) Com reiayao ainfluencia das reflexoes de Bakhtin em seus estudos sobre os processos aquisicionais vejamos 0 que afinna De Lemos num texto de 1990 intitulado Afumao e 0 destino da palavra alheia tres momentos da reflexao de Bakhtin

Em trabalhos anteriores tentei formular a questao que orienta a minha busca de entendimento daaquisiyao de linguagem como da compreensao da trajetoria pela qual a crianya passa de interpretado pelo outro a interprete do outro de si proprio e de estados de coisas no mundo Recentemente tenho-me dado conta de forma mais aguda que a essa questlio se vincula ada conversao do discurso do outro em discurso proprio ( )Seria a conversao do discurso do outro em discurso proprio uma condiyao para a conversao do discurso proprio em discurso do outro (1990 p 2)

Os temas ligados anOyao de imerayao (inclusive os problemas ou a ausencia de interayao) no campo lingu~tico sao complexos se nao a tomamos sumariashymente como comunicayao conversayao ou troca de infonnayoes Nao menos complexo e 0 debate que a nOyao-de interayao enquanto pratica social coloca em cena 0 que envolve as relacoes entre reflexao e ayao Essa questiio surge para as perspectivas interacionistas sob vanas formas

Como uma extensao das abordagens socioculturais da cognicao humana bern como das abordagens conversacionais de inspiraCao etnografica e tambem como reacao ao cognitivismo classico e alnteligencia Artificial surge nas ultishymas decadas do seculo XX 0 que se convencionou chamar de teoria da acao ou teoria da acao situada cuja unidade de analise e a atividade desenvolvida pelos sujeitos no decurso da interaCao Por este tenno - acao situada (situated action) - entende-se que toda a9lio humana depende estreitamente das circunsshytancias materiais e soqai$rlas quais se dlio assim procura-se a partir dessa noyao nascida no ambito dos(estudos desenvolvidos em Etnometodologia descrever e analisar como os sujeitos planejam e executam suas aCOes no decurso da inshyteracao na qual estiio envolvidos (Suchroan 1987) Nessa perspectiva as acOes sao tidas como social e fisicamente situadas a situacao na qual se dao as ~Oes _ nao redutivel a urn jogo de representafoes mentais previamente objetivadas nos aparelhos cognitivos (Visetti 1989) - e essencial para se compreender 0

que nelas se passa Asiociada bull ~ de ~ situada WD-SC a de cOampDi9lio situada que se

fundamenta na interdependencia da a9lio e da reftexao com base no argumento segundo 0 qual 0 contexto social em que a atividade cognitiva se desenvolve e

I

INlHOouiAo AUNGuisncA 327

parte essencial dessa atividade e nela nao desempenha urn papel apenas coadshyjuvante (Resnick et al 1991) Assim para essa abordagem todo ato cognitivo deve seT visto como uma resposta especifica para urn conjunto de circunstancias A noyao de social aqui nao diz respeito apenas a urn contexto institucional ou situacional no qual se desenvolve uma atividade mas tambem a instrumentos cogshynitivos que utilizamos cotidianamente Vale lembrar que a ideia de instrumentos cognitivos e emprestada de psicologos sovieticos como Leontiev e Vygotsky para quem a linguagem e considerada 0 instrumento cognitivo por excelencia 0

instrumento dos instrumentos

A estruturayao do discurso e a gestiio da interayao esmo entre os objetos de estudo dos que trabalham com 0 conceito de cogniciio situada e se pautam pelo primado da atividade social postulado por Vygotsky Leontiev e Luria - a celeshybre troika da Psicologia Sovietica que nas primeiras decadas do seculo XX dedicou-se a explorar os principios explicativos da natureza social da cognicao humana Esse entendimento esta de alguma fonna presente na concepCao de inshyterayao como atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisicao da linguagem se torna possivel como podemos observar na seguinte passagem de Mondada e Pekarek

A cogniylio pode ser compreendida como situada em dois sentidos de uma parteela pode ser considerada como enraizada na interaltyao social (Rogoff 1990) de outra parte ela pode ser compreendida como estando ancorada nos contextos institucionais e culturais mais largos (Cole 1994 e 1995 Wertsch 1991a e b)a abordagem socioshycultural procura reunfr esses dois aspectos em urn modelo coerente ()Aatividade enquanto processo dinamico situado nas estruturas socio-historicas encontra-se assim apresentada como ponto de partida para 0 estudo do funcionamento mental Nesses termos encontra-se ao mesmo tempo estabelecida a concepylio de cogniyao como pnitica distribuida emergente das atividades locais que nao somente se opOe asua modeliza~o tradicional e individualizante em termos de interioridade e de intencionalidade mas que mais geralmente se recusa aseparaylio entre 0 que relevaria do dominio do desenvolvimento individual cognitivo e autonomo e do que relevaria do dominio da atividade coletiva interativa e social (2000 p 154-5)

Para Mondada e Pekarek 0 estudo da natureza a urn so tempo socio-historica e local das atividades desenvolvidas no interior de situaCOes humanas como a aprendizagem ou a aquisi9lio de linguagem pode redimensionar a maneira pela qual sao compreendidas as relaCoes interpessoais certos valores sociais (como competencia padrOes normativos) detenninadas formas de estruturaCao dos eventos comunicativos maneiras de participary~o dos sujeitos oas comunidades etc (op cit 160)

329 MUSSAlIM bull 8poundNITS 328

Aquestao posta pelas autoras relativa ao entendimento de que as diferentes competencias humanas estao imbricadas nas atividades enos quadros de partishycipayao especificas (p 169) dos sujeitos nao deixa de evocar a discussao entre reflexao e ayao frequente de uma forma ou de outra no interacionismo

o interess~ pelas formas (conscientesinconscientes voluntariasinvoluntashyrias subjetivasintersubjetivas explicitasimplicitas etc) pelas quais os sujeitos apreendem as ayoes nas quais estao envolvidos nao tern deixado de aparecer nos trabalhos dos que se dedicam ao estudo da interayao seja qual for 0 posto de

observayao adotado Como exemplo desse interesse tomemos a postulayao de uma reciprocidade

entre reflexao e ayao a supor e demandar alguma capacidade reflexiva dos sujeitos imersos nas pniticas sociais Esse entendimento presente na obra de sociologos como Max Weber Anthony Giddens ou Norbert Elias tambem se ve por exemplo na introduyao do chissico livro do frances Alain Touraine intitulado Sociaagia

- da a~ao publicado originalmente em 1965 no qual 0 autor sublinha - ~

Uma ayao social s6 existe se em primeiro lugar esta orientada a certos objetivos orientayao que como se sublinhara mais adiante nao deve ser definida em termos de intencentes individuais conscientes se em segundo lugar 0 ator esta situado em sistemas detelayOes sociais se por ultimo a interayao se faz comunicayao grayas ao emprego de sistemas simb6licos dos quais a linguagem e0 mais manifesto ( ) De urn lado a ayao nao pode se definir somente como resposta a uma situayao social e antes de tudo criayao inovayao atribuiyao de sentido ( ) Mas esta ayao naoshypode ser definida independentemente de seu sentido para 0 sujeito (1968 p 19-20)

Arrazoados como 0 acima afinados com uma iniciativa racionalista admishytern ou postulam que os individuos possuem urn conhecimento adequado de seus muodos de a~o agip5P~e forma objetiva e intersubjetiva em rela-ao a eles

Avisao subjeti~i~ta da ayao social se opoem sociologos de orientayao marxista como 0 frances Pierre Bourdieu que critica nos chamados teoricos da ayao (como SchUtz ou Garfinkel por exemplo) uma especie de naturalizayao da capacidade reflex iva dos sujeitos e urna simplificayao do conceito de social ou de rela~s sociais Ou seja ele critica a suposi~ao de que os individuos unishyversalizam suas pr6prias reflexOes sobre a ayao como se fossem propriedades mentais e automatizadas oa propria a~ao e nao nas rela~Oes que as condicionam maacrialmcDie ideologicamente discursivamente

Para Bourdieu essa perspectiva opOe de maneira dicotomica rela~o inteshyleetual e relayao pratica e deixa de levar em conta que a reflexividade (a reflexao

IrmoD~AuNGuisnCA

sobre 0 que fazemos ou estamos a fazer) nao deixa de estar presente nas condutas pniticas - mesmo que ela nao seja uma caracteristica de toda acao mesmo que estejamos sempre condicionados em alguroa medida por restri~oes sociais hisshytori cas ideologicas Para Bourdieu (1980) vale lembrar nos agimos num mundo que impoe sua presen~a com suas urgencias suas coisas aJazer e a dizer suas coisasJeitas para serem ditas que comandam diretamente os gestos ou asJalas semjamais se desdobrar como um espetdculo

Como ressaltam Morato e Bentes em urn artigo no qual discutem - via conceitos de competencia e de lingua legitirna - as maneiras pelas quais a Linshyguistica e interpeada pelo sociologo frances

a critica que se faz a Bourdieu quanto a essa questAo (isto e a que envolve a relayao entre reftexao e ayao) parte do principio de que por estar interessado na ayao que realizam os atores nas praticas socia is ele teria negligenciado a reftexao de que sao capazes para agir socialmente dando pouca impomncia (ou uma importancia menor) as capacidades reftexivas dos sujeitos ou a maneira como eles reftetem sobre suas ayoes (2002 p 33)

Porem 0 proprio Bourdieu sempre procurou afastar essa critica como se VI em Reponses de 1992 oode ele procura ainda mais uma vez esclarecer sua posi~ao em rela~ao ao que evisto por seus criticos como mero determinismo afirmando que 0 habitus essa matriz ideol6gica determinada pela posi~ao soshycial a partir da qual se ve e age no mundo e urn sistema de disposi~ao aberto duIivel mas nao imutavel

Como apontam Morato e Bentes podemos encontrar nessa e em Outras passagens da obra de Bourdieu uma critica ao racionalismo do tipo inatista uma tentativa de supera~ao da dicotomia reflexao-a~ao em suas proprias pondera~oes a respeito da capacidade reflexiva dos sujeitos sobre suas a~oes e a de seus pares

Para Bourdieu (1979) fenomenos sociologicos como a distin~o e 0 habitus impregnam profundamente os psiquismos e os corpos atraves deles podemos observar como as estruturas sociais impregnam as estruturas cognitivas Dai que para a maior parte de nossas ~ nao haveria uma reflexao especial posto que somos tornados de maneira largamente inconsciente pelo jogo social seus pressupostos culturais e suas praticas ou formas de a~o Desde que as estruturas sociais objetivas para ele sao parte integrante da subjetividade e esta participa das primeiras haveria nessa passagem de Bourdieu um movimento de supera~o da distinyao entre reflexao e ayao (2002 p 34)

Se inicialmente a djscus~o sobre as rela~s entre reflexao e a~o projeshytou-se acentuadamente no campo linguistico via Psicologia e via Etnometodoshy

330 331 MUSSAUM bull BHlffS

logia 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas com a introducao de uma concepcao hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmacao de uma ordem social na qual se inscreve a linguagem vista a partir de uma perspectiva dial6gica Uma boa exshypressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da nocao de interacao com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo

Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de interashycao Bakhtin vincula as interacoes verbais as interacoes sociais mais amplas relacionando a nosao nao apenas com as situasoes face a face mas as situasoes enunciativas aos processos dial6gicos aos generos discursivos a dimensao estishyHstica dos generos Na perspectiva bakhtiniana a interacao verbal e a realidade fundamental da Hngua e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa interasao urn modo de produsao social da Hngua

Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem de 9290 texto que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizacao linguistica modema Bakhtin ja reffete sobre 0 problema da interacao empregando em 1925 a expressao interacao verbal face a face em sua obra tcrits sur Ie freudisme Ao analisar a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo social Bakhtin indica 0 lugar da interasao em uma teoria social da enunciayao formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito afirmando que 0

enunciado e 0 produto de uma intera~iio entre locutores e de maneira mais ampla 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu (1980 p 174)

Como podemos perceber a concepyao dial6gico-discursiva de interayao desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiylties rnateriais de produsao e leva em conta fatores de signii~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente isto e constituidos a pahirdos mecanismos e das condisoes de produyao que os mobilizam Para ele lembremos a lingua constitui um processo de evolufiio ininterrupto que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores e o produto desta interasao a enunciasao tern uma estrutura puramente social dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocushytores (1981 p 127)

A prop6sito num capitulo de seu livro Portos de passagem no qual analisa a metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf Bakhtin 1981 p 124) Geraldi assim situa - e ao faze-Io exprime urna sintese da perspectiva diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interasOes entre os sujeitos

INTROoucAO AUNGuisnCA

os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros sua consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste mesmo processo Neste sentido 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn arteslio mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os outros que ela se constitui ( ) As interacOes nao se dao fora de urn contexto social e hist6rico mais amplo na verdade elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos singulares no interior enos limites de uma detenninada form~o social sofrendo as interferencias os controles e as sele90es impostas por esta TambCm nlio sao em relashy930 a estas condi95es inocentes Sao produtivas e hisroricas e como tais acontecendo no interior enos limites do social constroem por sua vez limites novos (1991 p 6) -

Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da Comunicasiio a concepsao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito meramente interpessoal ultrapassa 0 contexto imediato e local de produSiio da significasao ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito voltando-se para os mecanismos de constituisao e determinasao das condutas humanas por sua vez baseados nas condisoes materiais e ideologicas de vida em sociedade Esta concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir modos de pensar modos de sentir)

Critico do que denominou subjetivismo abstrato Bakhtin fOIjou urn construto te6rico critico em relasao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao a consciencia a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao a enunciayao) A nosiio de dialoshygismo tal como postulada por ele explode essa dicotomia

A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completashymente rejeitada 0 centro organizador de toda enuncia9ao de toda expressao nao e interior mas exterior esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ) A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social quer se trate de urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo que coostitui 0 conjuoto das condicOes de vida de uma determinada comunidade linguistica (1981 p 107)

Para Bakhtin e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyaoda linguagem e da constituiyao dos sujeitos como se afirrna em vanas passagens do celebre sexto capitulo (intitulado A intera~ao verbal) de sua obra Marxismo efilosofia da linguagem do qual extraimos 0 trecho abaixo

A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada nem pelo ato psicofishy

MUSSALIM bull BErms332

siol6gico de sua produyao mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes A intera~ao verbal constitui assim a reshyalidade fundamental da lingua C ) Um importante problema decorre dai 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata mas tambem atraves dela 0 contexte social mais amplo Essas relayoes tomam formas diversas e os diversos elementos da situayiio recebem em Jigayao com uma ou outra forma uma significayao diferente (assim os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica) A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981 p 123)

Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados bern como apropria condicao de seu aconshytecimento - Todorov propoe dois tipos de relacao dialogica a interlocucao e a intertextualidade salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo demiddottodo discur~o

() pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser enconshytrado pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984 p 71-2)

o conceito de diaIogo na refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn duplo dialogismo analisado por Authier-Revuz que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade termo usado por Todorov

E urn duplo dialogismo - nao por adisao mas por interdependencia shyque ecolocado na fala a orientasao dialogica de todo discurso entre outros discursos eela mespl3jj~logicamente orientada determinada por este outro discurso especifioo d61teceptor tal como imaginado pelo locutor como condiyiio de compreensiio do primeiro A considerasao da interlocusao como fator consti tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982 p 118-9)

Como bern sublinham os autores acima a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interasao verbal todo ate enunciativo toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de outro como interlocutor e como (inter)discurso 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa na polifonia nos discursos relatados nas diferentes posisoes enunciativas assushy

I~UcAOAUNGulSTICA 333

midas pelos falantes - marca discursivamente a concepcao de sujeito 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros por meio do discurso dos outros por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso

Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982 1995 1998 entre varios outros) sao exemplares em relacao ainfiuencia do dialogismo bakhtiniashyno nos estudos linguistico-discursivos Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa empiricamente apoiados sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo

Uma interessante discussao sobre a intersecsao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994 1997 2001 2002) Trabalhando com nosoes como sujeito estilo genero e heterogeneidade a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma analise dialogica do discurso ou seja

urn conjunto de procedimentos analiticos urn arcabou~ te6rLco que embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002 p 126)

Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin Brait perscruta a nocao sob a perspectiva de uma analise dia16gica do discurso tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos 0 de genero e 0 de estilo

Levando em conta nossos interesses vale a pena destacar as ponderasoes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nosao de interasao Discurso na arte e discurso na vida de 1926 e Marxismo e filosofia da linguagem de 1929 Em relayiio ao primeiro texto no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relasOes entre literatura e sociedade afirma Brait

o conceito de interaljao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade de se pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem Esse caminho que implica o1har para a materialidade verbal e extrashyverbal constitutivas de uma enunciayao de um enunciado concreto reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramaticalinguistica assim como de suas fluidas fronteiras (2002 p 134-5)

Em rela~ao ao segundo texto no qual Bakhtin explicita que a intera~o no diz respeito exclusivamente ao discurso oral surge segundo Brait a

334 335

perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

~

iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

--

346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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317

MUSSAUM bull BEIITEs316

ayao do sujeito no mundo se inscreve num quadro social submete-se as regras de gestao historico-cultural nao enunca ideologicamente neutra

Procurando explorar essa quesmo consideremos que 0 que primeiro se evoca nos trabalhos de tradiyao pluridisciplinar sobre interayao ea ideia de ayao conjunta (seja conflituosa seja cooperativa) que coloca em cena dois ou mais individuos sob certas circunstancias que em muito explicam seu proprio decurso Enquanto categoria de analise a interayao permite que se discutam pois a qualidade e a circunstancia da reciprocidade de comportamentos humanos diversos em variados contextos praticas e situayoes

Se a delimitayao acima parte da considerayao de uma complexa rede de relayoes que se estabelecem em tome das ayoes humanas constituidas e marcashydas por condicoes materiais de vida em sociedade ela nao autoriza ou indica a eleiyao de uma (mica qualidade distintiva do fenomeno interativo

A Linguistica no entanto tern se preocupado em delimitar a nocao resershyvando para si a tarefa de analisar especial mente uma parte do fenomeno ou seja a interacao verbal tambem ela algdheterogeneo e historicamente situado como toda interayao Quanto a este ponto todavia alguns linguistas chamam a atenyao para 0 fato de que a ausencia de manifestacao verbal em certas acoes nao elimina a presenca obrigat6ria da linguagem na emergencia de toda forma de percepyao

() Alias parece pouco provavel que 0 desenvolvimento das acoes possa se efetuar de ol~a forma que nao na presenYa permanente de urn controle discursivo inteshyriorizado Nessas condiYoes toda atividade social de qualquer natureza que seja coloca inevitavelmente emjogo mesmo que as vezes de maneira bastante indireta a ordem da 1inguagem (Vion 1992 p 98-99)

Para Kerbrat-Orecchioni num texto em que analisa a inseryao da noyao de interayao naJjnguistica francesa ela nao se constitui como uma das grandes preocupacoes da ilnguistica modema a despeito de vigorosos ape los de um Bakhtin de urn Jakobson ou de alguns outros (1998 p 51)

A quesmo que essa autora se coloca e se parece mo incontestavel que falar

a

e agir (speaking is interacting) de acordo com Gumperz (1982) ou que a interaryao verbal ea realidade fundamental da linguagem de acordo com Bakhtin ([ 1929) 1981) por que a Linguistica se mostrou por tanto tempo reticente quanto a levar a s~rio 0 fato de que a linguagem tern por funryao prime ira a comunicaryao interpess0a1 (cf p 51-2)

A resposta para essa quest3o na verdade nao e t30 complicada como suplte a au1ora Diriamos que 0 fato por ela mencionado ocorre porque muitos Iinguistas

INTRODI(AO AUNGuisrlCA

se nao chegam a contestar seriamente a dimensao interacional da Iinguagem ou a presenca da interayao como elemento constitutivo da linguagem question am a afirmacao segundo a qual a linguagem tern por funyao primordial a comunicacao Uma passagem tomada de urn texto de Carlos Franchi poderia bern resumir essa posiryao que nao ve na comunicacao a marca distintiva da linguagem outros processos semi6ticos sao tambem eles comunicativos

Certamente a linguagem se utiliza como instrumento de comunicaY30 certamente comunicamos por ela aos outros nossas experiencias estabelecemos por-eIa com os outros lacos contratuais por que interagimos enos compreendemos influenciamos os outros com nossas opcoes relativas ao modo peculiar de ver e sentir 0 mundo com decisoes consequentes sobre 0 modo de atuar nele Mas se queremos imaginar esse comportamento como uma aC30 livre e ativa e criadora suscetivel de pelo menos renovar-se ultrapassando as convenYoes e as herancas processo em crise

de quem eagente e nao mero receptaculo da cultura temos enmo que apreende-Ia nessa relaY3o instavel de interioridade e-exterioridade de diaIogo e solil6quio antes de ser para a comunicacao a linguagem epara a elaboraYao e antes de ser mensagem a linguagem e construcao do pensamento e antes de ser veiculo de sentimentos ideias emocoes aspiracoes a linguagem eurn processo criador em que organizamos e informamos as nossas experiencias ( ) 0 funcionalismo tern examinado com detalhes as acoes em que a Iinguagem esti deixando a margem a aC30 que ela e(1977 p 18-9)

Entendida como atividade constitutiva do conhecimento humano a Iinguashygem nao apenas eestruturada pelas circunstancias e referencias do mundo social eao mesmo tempo estruturante do nosso conhecimento e extensao (simb6Iica) de nossa aryao sobre 0 mundo Ou seja podemos dizer da linguagem que ela euma acao humana (ela predica interpreta representa influencia modifica configura contingencia transforma etc) na mesma proporryao em que podemos dizer da ayao humana que ela atua tambem sobre a linguagem

Nessa relacao dialetica de interioridade-exterioridade a linguagem enCODshytea na significaryao sua funcao precipua Com isso reconhece-se que a lingua nao e s6 signo e ayao etrabalho coletivo dos falantes nao esimplesmente urn intennediario entre nosso pensamento e 0 mundo Ha vanos fatores que mobishylizam esta relayao aMm dos concementes ao sistema linguistico propriamente lito (a lingua) as propiiedades biol6gicas e psiquicas de que somos dotados

qualidade das intera~oes humanas 0 valor intersubjetivo da linguagem as CootmgeDcias materiais da vida em sociedade os diferentes universos discursishyvos atraves dos quais agimos e orientamos nossas aryoes no mundo as Dormas

MUSSAUM bull BENTES318

pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem a polissemia existe~te entre lingua e (inter)discurso

Esse ponto de vista sobre a significayao essa prtitica quase-estruturante e sociar (Franchi 1986 p 25) tao caro as correntes enunciativas e discursivas postula que a significayao tern aver reciprocamente com a comunicayao Contudo ainda que ambas mantenham uma estreita relayao entre si e marquem duas formas do sentido urn termo nao pode ser empregado no lugar do outro Implicam difeshyrentes trabalhos linguistico-discursivos e mobilizam diferentes niveis de reflexao sobre as ayoes em curso na interayao Sen do pois duas formas de significancia (cf Benveniste 1966) significayao e comunicayao nao se confundem mas sao indissociaveis nas praticas discursivas

Se uma diferenciayao pode ser estabelecida entre ambas que se encontram intimamente relacionadas nas praticas linguisticas e porque isso po de trazer - pelo menos para a Linguistica - algumas vantagens te6ricas voltadas para o estudo da intersubjetividade das diversas instanciayoes enunciativas e da metliinguagem

Segundo Claudine Norinand (1990 p 334) a comunicayao nos indica que o sujeito tern algo a dizer ou a mostrar a significayao nos indica que 0 sujeito mostra explicita ou implicitamente a mane ira pela qual ele corre 0 risco de intershypretar e ser interpretado de representar ou dar representabilidade as coisas do mundo Essa ponderayao indica que tambem a interayao - e tudo 0 que e afeito a ela - produz senti do 0 sentido eproduyao de interayao 0 outro nos e necessario para sabetmos 0 que estamos a dizer e mais para construirmos 0 senti do daquilo que estamos a dizer Nesse aspecto e que a interayao - enquanto categoria de analise - pode ser urn elemento de distinyao na definiryao do sentido e capital para a compreensao das tarefas interpretativas

Se a nOyao de interayao em Linguistica tern sido elevada acondiyao de principio explicatty~~ttos fatos de linguagem (como veremos na perspectiva bakhtiniana) tambeuroril tern sido reduzida nao raras vezes a uma especie de curinga categorial de varias abordagens heterogeneas que servem a prop6sitos te6ricos e metodol6gicos muito diversos Nesse sentido nao raras vezes ela e considerada em termos de tudo ou nada na analise de objetos e fatos de linguagem

Urn problema que podemos apontar quanto a esse ponto reside na disjunyao entre dado observavel e representayao te6rica se de urn lado dificilmente se pode dettar de considerar de alguma forma as propriedades interativas dos dados linilisticos de outro lado a idealiza~o dos fenomenos linguisticos propria a certas teorias (como as que tomam a interayAo e a cooperayao como habilidades intrinsecas dos sujeitos) acaba por ignorar ou elirninar 0 carater social da interashy

-

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IIITROD~O AUNGuisTiCA 319

vao1 Assim ou os aspectos interacionais sao praticamente eliminados da teoria

(como ocorre na Semantica Formal ou na Gramatica Gerativa por exemplo) ou diversos conceitos entre eles 0 de comunicayao e 0 de contexto uma vez irnpregshynados de interayao acabam por despojar este termo de urn senti do rnais preciso

Urn outro problema relacionado a esse ponto e que a exemplo do que acontece em outras disciplinas tambem em Linguistica a concepyao de cornushynicayao e facilmente confundida com a de interayao correspondencia que chega mesmo a provocar a revogayao da adesao de autores afinados inicialmente com uma perspectiva interacionista Da complicada e inadvertida vinculayao direta entre esses termos resulta que entre outras coisas a comunicabilidade (isto e a disposiyao para a cooperayao) e tida como uma caracteristica inata dos homens prescindindo pois de qualquer teorizayao mais especifica Nesse contexto a interayao pode e geralmente e pensada praticamente a margem da linguagem isto e a margem de sua ayao constitutiva em relayao a diversas situayoes humanas

Para Kerbrat-Orecchioni 0 fato de_existir ainda hoje urn interesse relatishyvamente minoritario em torno da noyao de interayao entre os Iinguistas se deve a uma especie de denegariio da vocariio comunicativa da linguagem (1998 p 52) explicada pela tradiyao filol6gica pelas dificuldades praticas de analisar _ urn objeto tao variavel e multifacetado pela inseryao da sociologia durkheimiashyna (pouco afeita as preocupayoes interacionistas) na Linguistica ffancesa pela inseryao do interacionismo simb61ico ria Linguistica anglo-saxonica (represenshytada tanto pela Escola de Chicago da qual eexpoente E Goffman quanto pela Analise da Conversayao de que sao fundadores os etnometod610gos H Sacks e E Schegloft) voltado inicialmente a analises da vida cotidiana e fenomenos culturais (como sistemas de parentesco mitos e ritos)

Em boa parte em funyao dessas infiuencias a introduyao definitiva das dimensoes sociais culturais e contextuais na analise de fatos de linguagem fez com que a Linguistica passasse a dirigir seus esfoflos acompreensao de fenomenos comunicativos e de padr6es normativos pr6prios as interayoes 0 ~~rte-americano Erving Goffman (1961) chega mesmo a estabelecer caracterisshyfiCas gerais da interayiio com vistas ao entendimento do que ocorre nas situayOes de comunicayao Chama de interayao nao focalizada a que ocorre em funyao 9a simples presenya de dois individuos e de intera~ao focalizada aquela que inclui a conversayao face a face

Dando sustenta~o ao que veio a ser denominado interacionismo simbOlico ao qUat se associam os nomes dos norte-americanos George Mead e Erving Goffinan shy

-II I Devo esta observ~ 80 colega Heronides de Melo Moura

MUSSAUM bull BENTES

320

a Psicologia

Social e a Etnografia da Comunica~ao viram-se igualmente envolvirlas

com a tematica das rela~oes entre individuo e sociedade Goffman (1973) destaca uma variedade de praticas sociais que se desenshy

vol vern mesmo na ausencia de outras pessoas isto e que ocorrem na ausencia de uma intera~ao social direta que nao se inscrevem noS timites estritos da conversa~ao (como a gesticula~ao e a postura corporal) Para GotTman haveria em todo contexto interativo algo que lhe e propriO construido em fun~ao das particularidades dos sujeitos nele envolvidos e da qualidade de suas intera~5es no curso de uma determinada a~ao

( ) cada participante enlra em uma situayao social portando uma biografiaja rica de interayoes passadas com outros participantes - ou peo menoS com participantes do mesmo tipo do mesmo modo ele vem com um grande conjunto de pressuposiyOes

culturais que presume serem partilhadas (1988 p 197)

Ao final dos anos de 1970 tanto a Etnometodologia quanto outras aborshydagens microssociologicas desenvolvem-se no mundo todo Alguns autores relacionam esse fato ao decinio shy verificado a epoca shy do prestigio de posishyy5es marxistas mais ortodoxas A influencia marcante da Etnometodologia nao deixaria de assinalar de alguma forma a perda de prestigio de uma certa tradiyao sociolog

ica europeia Com isso as questoes valorizadas no campo passam a ser

nao essencialmente as condi~oes materiais e ideologicas em que se dao as rela~ socia is mas sim as que se baseiam em analises micro isto e as que conferem especial aten~o as mudan~as e aoS avan~oS tecnologicos as novas condi~oes de trabalho e intera~ao que vao se colocando para urn mundo em globaliza~ao ao levantamento de competencias e padroes interativos que caracterizam a interayao

entre individuos e grupos sociais etc Coube ao nort~ainericano Harold Garfinkel cunhar 0 termo Etnometodoloshy

gia (1967) para idefitificar a abordagem que procura descrever os processos que caracterizam ou constituem a comunica9ao interpessoal analisando 0 modo como os individuos interagem e se comportam em meio a diferentes situ

a9 0es

especifishycas da vida cotidiana A concep9ao de social que se estabelece aqui se configura a partir da analise do que se produz nas a90es cotidianas e leva em considera~o todo urn sistema de cren9as e modos de agir dos sujeitos em intera9

30

Vigente ate hoje esse enfoque baseado em modelos normativos de a~o inspindos em diferenampes enquadres te6ricos e autores como Garfinkel Habenll8 Schlitz Boudon ou Boltanski prioriza 0 papel dos sujeitos na organiza~o social bern como nas intera90es verbais as estrategias e os savoir-faire comunicativOS a

INlROOU~AUNGuisnCA 321

constru~ao de imagens identitarias a gestao de regras pragmltiticas as interaltoes no mundo do trabalho a institucionalizasao dos espaltos interativos os tipos ou formas gerais de intera~ao etc

o interesse dessa perspectiva de inspirayao motivacional (ou psicologica) se pauta ou se restringe pois a situa~oes especificas que condicionam a comushynicaltao interpessoal Nao e por acaso que as analises dai derivadas privilegiam o que se passa local mente na ayao

Tendo por foco a atividade humana por meio da qual os agentes elaboram Jinhas de conduta em situayoes concretas a Hnometodologia toma-se como ressalta Vion (1992) proxima do interacionismo simbolico inaugurado pelo psishycologo norte-americano George Mead (1863-1931) volta do para a investigayao da genese da subjetividade (mais precisamente do Self) no processo de interayao social Para Mead 0 sujeito (0 Self que corresponde a uma identidade construida socialmente) se constitui enquanto tal na comunicaltao e por ela

A importancia daq~lo que n6s chamamos de comunicayao resIde no fato de que ela fomece uma forma de comportamento em que 0 organismo 0 individuo pode tomar-se urn objelo para si mesmo ( )0 Self sendo urn objeto para si eessencialshymente uma estrutura social e nasce na experiencia social ([1934]1963 p 118-9)

Entretanto como afirrna Vion (1992) se para a interacionisma sirnbolico tanto a qualidade dos process as interativas que produzem e reproduzem as esshytruturas sociais quanta as estruturas em si sao igualmente irnportantes no estudo iIa realidade social para os etnometodologos e a propria a9ao - localmente lnvestigada shy que pode interpretA-Ia (dai a importancia do contexto situacional

bull e da indexicalidade de toda ayao)

No campo saciologico a reayao contra 0 empirismo atribuido as pesquishyetnometodologicas ou contra a possibilidade que elas tern de transfonnar

em metodologos de suas a~Oes algo que seria proprio das analises localmente na ayao nao deixou de ser registrada por varios autores

Phillips

De urn lado a leoria de Garfinkel concebe as praticas que constituem deg trabalho de objetivayao da ordem como metodos que servem para preencher 0 abismo que separa 0 situacional e 0 geral como por exemplo as praticas ad hoeing e principio de et cetera Mas de outro lado as pesquisas efetivamente conduzidas em Etnometodologia colocam luz em wna multidio de outras pniticas de ordens diferentes mas que podem muilo plausivelmcnle e apesar das recome~ da

serem apresentadas como regras seja qual for a generalidade (1978 p 64)

MU5SAUM bull BENItS

322

A chamada Linguistica Interacional mas nao apenas ela deve muito a essas vertentes 0 que e focalizado a partir da delimitayao da nOyao de interashyyaO no campo da Linguistica lnteracional (cf Kerbrat-Orecchioni 1990 1998 Vion 1992 Mondada 19942001) configura urn conjunto de questoes Jigadas a todo tipo de produyao linguistica que e considerada material interativo pnitishycas estrategias e operayoes linguageiras dinamicas de trocas conversacionais comunicayao verbal e nao verbal construyao de valores culturais atividades referenciais e inferenciais realizadas pelos falantes normas pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem etc Esses exemplos-nao exc1uem 0 fato de que todo ato de linguagem e no fundo essencialmente interativo mesmo 0 que nao envolve ayao conjunta ja que uma dimensao dialogica (suposta mesmo na significayao isolada ou unilateral) e base estruturante de todo processo verbal (0 que supoe a existencia de interayao tambem em mono logos soliloquios textos

escritos conferencias discurso interior etc) Arelayao entre linguagem e outros processos cognitivos (pensamento meshy

moria percepyao etc) geqtu desde osanos 1960 muitos estudos no terreno do interacionismo Esta perspectiva na verdade coexiste aepoca com outrasaborshydagens teoricas isto e 0 inatismo e 0 cognitivismo que reservam alinguagem

urn lugar epistemologico distinto Sabe-se que como consequencia do dualismo ontologico a relayao entre

linguagem e pensamento - como de resto todo fenomeno cognitiv~ - foi primeiramente vinculada ao biologico e concebida praticamente amargem da

linguagem e das interayoes sociais Preocupados em reftetir sobre 0 lugar da interayao da crianya com 0 meio

circundante no desenvolvimento linguistico e cognitivo autores como Piaget Vygotsky e Bruner contribuiram de maneira decisiva - cada urn asua maneirashypara 0 entendiment~Aa interayao como um problema te6rico para a Linguistica

Sr _I As abordagiQ5ltonstrutivistas a partir dos trabalhos inspirados na teoria da

ayao do bi61ogo suiyo Jean Piaget - para quem a aquisiyao de conhecimentos resulta de uma troca continua de informa~iio entre a tomada de consciencia da a~ao e a tomado de consciencia do objeto ([1974]1976) - consideram que-a cogniyao humana se define em funyao de estruturas ou esquemas que 0 organisshymo desenvolve em tome de um conjunto de ayOes coordenadas e em funyao da interayao que mantem com 0 meio ambiente deterrninante de forrnas possiveis

de linguagem e de outros sistemas cognitivos Por seu tumo as abordagens interacionistas DO campo psicoliQampUistico conshy

sideram a linguagem urna ayao compartilhada que percorre urn duplo percurso na relayao entre sujeito e realidade intercognitivo (sujeitomundo) e intracognitivo

ImROOUltAO UNGuisTICA 323

(linguagem e outros process os cognitivos) A interayao e a base da construyao do conhecimento e da dupla natureza da linguagem (cognitiva e social) Cogniyao aqui define-se como urn conjunto de varias formas de conhecimento que nao e totalizado ou subsumido por linguagem mas que de alguma forma se encontra sob sua responsabilidade Os processos cognitivos dependentes (assim como a linguagem) da significayao nao sao tornados como comportamentos previsiveis ou aprioristicamente concebidos como se estivessem a margem das rotinas significativas da vida em sociedade Nessa abordagem 0 tipo de relayao que se estabelece entre linguagem e cogniyao e de mutua constitutividade na medida em que supoe que nao lui possibilidades integrais de pensamento ou dominios cognitivos fora da linguagem nem possibilidades de linguagemfora de processos interativos humanos (Morato 1996 p 18)

Tendo em vista que nao recusariam uma ponte conceitual entre 0 biologico e o adquirido socialmente as abordagens que partem da conjugayao dos trabalhos de Piaget e Vygotsky sao muitas vezes tambem chamadas de socioconstrutivisshytas Contudo embora Jrossam ser aproximados sob determinados aspectos 0

construtivismo e 0 interacionismo preconizados respectivamente por Piaget e Vygotsky estiio longe de serem identicos

Para 0 primeiro cumpre lembrar e a inteligencia 0 motor da aquisiyao de linguagem via noyao de desenvolvimento para 0 segundo a linguagem e 0 motor do processo de aquisiyao cognitiva geral via noyao de mediayao (interayiio soshycial) As noyoes de equilibrayao e de intemalizayao respectivamente ocupam um lugar importante para 0 entendimento do desenvolvimento linguistico-cognitivo em uma e em outra abordagem

Resumidamente oque pretende 0 construtivismo de Jean Piaget (1896-1980)

Em sua vasta obra Jean Piaget pautou-se pelo estudo da psicogenese dos processos que respondem pelo desenvolvimento da inteligencia humana Na compreensao da formayao e desenvolvimento dos sistemas cognitivos Piaget postula a existencia de urn processo central de equilibra~iio respons3vel pelos processos de adapta~ao e de organiza~iio Para ele 0 organismo possui um conshyjunto de esquemas de ayao aptos a lidar com 0 mundo circundante uma situayiio que se apresenta como nova pOe 0 organismo em desequilfbrio obrigando-o a adaptar seus esquemas a fim de restaurar 0 equilibrio Esse processo essencial para 0 desenvolvimento cognitivo humano echamado por Piaget de equilibra~ao ([1974]1976)

A partir da descri~o dos mecanismos que subjazem ao sistema cognitivo em desenvolvimento 0 autor identifica res tipos de equilibra~ao 0 que ocorre nas interayoes entre individuos e objetos (objetos de conhecimento objetos de

324 325 MUSSALIM bull BENTES

aprendizagem) 0 que ocorre nas interayoes entre os subsistemas cognitivos e 0 que diz respeito as relayoes sociais que envolvem as interayoes entre os subsisteshymas cognitivos e 0 mundo circundante Como se observa a partir dessa brevissima menyao aos estudos piagetianos a formulayao das considerayoes a respeito do equilibrio cognitivo que ocorre nas inter-relayoes sociais e concebida a partir dos estudos a respeito do equilibrio (intemo) dos sistemas cognitivos individuais

Se de fato Piaget (como a Psicologia cumpre assinalar) nao ignorava que 0 desenvolvimento da linguagem se da na relayao que a crianya mantem com 0 outro (notadamente com a mae) 0 fato de seu interesse estar focalizado no-conhecimento (ou no dominio cognitivo) da crianya implicou uma exc1usao da linguagem do arcabouyo te6rico construtivista (cf Pereira de Castro 200 I)

Por outro lado se sao facultados a linguagem e as interayoes sociais a genese e 0 desenvolvimento cognitivo estaremos as voltas com uma perspectiva denoshyminada sociointeracionismo ou interacionismo sociocultural cujo maior expoente e sem duvida 0 psic610go bielorusso LeY Semyonovich Vygotsky (1896-1934)

Quando se focaliza hoj~ 0 estudo dacogniyao em meio as atividades soshycioculturais dos sujeitos e n~ presenya de uma ordem da linguagem que nao a reduz ao sistema linguistico stricto sensu 0 fato nao deixa d$ representar de shyalguma forma urn legado da abordagem levada a cabo inicialmente por auto res como Vygotsky Varios fenomenos anaJisados no ambito da Linguistica como a construsao da referencia os processos meta 0 discurso interior a indeterminashysao semantica 0 contexto pragmatico das operasoes cognitivas a reflexividade etc ganham maiores contomos expJicativos no dialogo com a perspectiva soshyciocultural da cogniSao humana preconizada por ele e por outros estudiosos nas primeiras decadas do seculo xx Nessa perspeetiva a linguagem tanto por suas propriedades formais quanto discursivas 6 uma forma privilegiada de cognisao

Para Vygotsky e a signifieayao 0 que plasma a relasao do tipo constitutiva

entre linguagem e eo~~o Em suas palavras (

o pensamento niio esomente mediado extemamente pelos signos Ete emediado intemamente pelos sentidos ( ) A comunicaYiio da consciencia pode ser realizada somente indiretamente atraves de um caminho mediado ([1934]1987 p 282)

Segundo ele pr6prio afirma a respeito desse caminho mediado s6 a linguagem poe essd relarao a claro

Ao postular que a Wlidade da rela~o linauasem-cognicao se estabelece enunciativamente isto middot6 nas situarr~s dial6gicas ele identifiea urn continuum entre interioridade e exterioridade ele estabeleee amaneira de Bakhtin uma

INTROOUylO AUNGuisTICA

fronteira dialetica de duas esferas da realidade Sobre isso a prop6sito afirma Bakhtin

A atividade mental tende desde a origem para uma expressao extema plenamente realizada ( ) Vma vez materializada a expressao exerce um efeito reversivo soshybre a atividade mental ela poe-se entiio a estruturar a vida interior a dar-Ihe uma expressiio ainda mais definida e mais estlivel Essa aYiio reversiva da expressao bem formada sobre a atividade mental tem uma importiincia enorme que deve ser sempre considerada Pode-se dizer que nao etanto a expressao que se adapta ao nosso mundo interior mas 0 nosso mundo interior que se adapta as possibilidades de nossa expressao aos seus caminhos e orientaltoes possiveis (1981 p 118)

Sao dois os movimentos te6ricos pretendidos por Vygotsky para apontar a natureza enunciativa da interarrao entre linguagem e mundo social 0 primeiro pode ser apreendido pela descrisao do proeesso de internalizasao em que ooushytro e a fala do outro orientam as avoes da crianya mediando discursivamente a refertncia (0 percurso intercognitivo)

A internalizacao dos processos sociais via linguagem da origem a sua funyao organizadora que por sua vez emerge segundo Vygotsky na relasao entre a fala e a asao no momento em que as duas se deslocam

Vma vez que as crianras aprendem a usar efetivamente a fimYiio planejadora de sua linguagem 0 seu campo psicol6gico muda radicalmente Vma visao q~ futuro e agora parte integrante de suas abordagens ao ambiente imediato ( ) Assim com a ajuda da fala as crian~as adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu pr6prio comportamento (1984 p 29-31)

Internalizando a linguagem do outro preservando em termos intracognishytivos seu papel mediador (e organizador) ao qual submete suas pr6prias arr~s a criaDsa passa da condirrao de interpretada para interprete de estados de coisas dono mundo da dependencia da forma dialogal para a partir da diferenciavao dos papeis enunciativos uma certa autonomia enuneiativa de urna especie de conseiencia dial6giea para uma consciencia monol6gica da dependeneia do extratextual para urn progressivo apagamento da necessidade do eontexto como indispensavel fonte interpretativa

De fato os estudos linguisticos devem muito a essa perspectiva que salieDshyta a socio1enese da linguagem e da cogni~ humana No campo dos estudos aquisicionais por exempl0 Claudia de Lemos num texto intitulado Universais Iinguisticos ou lingua original (1981) reconhece naquele momenta a infIuencia

326 MUSSAlIM bull BEKTfS

de Vygotsky sobre sua reflexao ao se referir ao autor para afinnar que a criayao linguistica em situayoes de input se deve a urn quadro relacional dialetico entre a interayao da crianya com 0 mundo fisico e com 0 mundo social (op cit 37) Com reiayao ainfluencia das reflexoes de Bakhtin em seus estudos sobre os processos aquisicionais vejamos 0 que afinna De Lemos num texto de 1990 intitulado Afumao e 0 destino da palavra alheia tres momentos da reflexao de Bakhtin

Em trabalhos anteriores tentei formular a questao que orienta a minha busca de entendimento daaquisiyao de linguagem como da compreensao da trajetoria pela qual a crianya passa de interpretado pelo outro a interprete do outro de si proprio e de estados de coisas no mundo Recentemente tenho-me dado conta de forma mais aguda que a essa questlio se vincula ada conversao do discurso do outro em discurso proprio ( )Seria a conversao do discurso do outro em discurso proprio uma condiyao para a conversao do discurso proprio em discurso do outro (1990 p 2)

Os temas ligados anOyao de imerayao (inclusive os problemas ou a ausencia de interayao) no campo lingu~tico sao complexos se nao a tomamos sumariashymente como comunicayao conversayao ou troca de infonnayoes Nao menos complexo e 0 debate que a nOyao-de interayao enquanto pratica social coloca em cena 0 que envolve as relacoes entre reflexao e ayao Essa questiio surge para as perspectivas interacionistas sob vanas formas

Como uma extensao das abordagens socioculturais da cognicao humana bern como das abordagens conversacionais de inspiraCao etnografica e tambem como reacao ao cognitivismo classico e alnteligencia Artificial surge nas ultishymas decadas do seculo XX 0 que se convencionou chamar de teoria da acao ou teoria da acao situada cuja unidade de analise e a atividade desenvolvida pelos sujeitos no decurso da interaCao Por este tenno - acao situada (situated action) - entende-se que toda a9lio humana depende estreitamente das circunsshytancias materiais e soqai$rlas quais se dlio assim procura-se a partir dessa noyao nascida no ambito dos(estudos desenvolvidos em Etnometodologia descrever e analisar como os sujeitos planejam e executam suas aCOes no decurso da inshyteracao na qual estiio envolvidos (Suchroan 1987) Nessa perspectiva as acOes sao tidas como social e fisicamente situadas a situacao na qual se dao as ~Oes _ nao redutivel a urn jogo de representafoes mentais previamente objetivadas nos aparelhos cognitivos (Visetti 1989) - e essencial para se compreender 0

que nelas se passa Asiociada bull ~ de ~ situada WD-SC a de cOampDi9lio situada que se

fundamenta na interdependencia da a9lio e da reftexao com base no argumento segundo 0 qual 0 contexto social em que a atividade cognitiva se desenvolve e

I

INlHOouiAo AUNGuisncA 327

parte essencial dessa atividade e nela nao desempenha urn papel apenas coadshyjuvante (Resnick et al 1991) Assim para essa abordagem todo ato cognitivo deve seT visto como uma resposta especifica para urn conjunto de circunstancias A noyao de social aqui nao diz respeito apenas a urn contexto institucional ou situacional no qual se desenvolve uma atividade mas tambem a instrumentos cogshynitivos que utilizamos cotidianamente Vale lembrar que a ideia de instrumentos cognitivos e emprestada de psicologos sovieticos como Leontiev e Vygotsky para quem a linguagem e considerada 0 instrumento cognitivo por excelencia 0

instrumento dos instrumentos

A estruturayao do discurso e a gestiio da interayao esmo entre os objetos de estudo dos que trabalham com 0 conceito de cogniciio situada e se pautam pelo primado da atividade social postulado por Vygotsky Leontiev e Luria - a celeshybre troika da Psicologia Sovietica que nas primeiras decadas do seculo XX dedicou-se a explorar os principios explicativos da natureza social da cognicao humana Esse entendimento esta de alguma fonna presente na concepCao de inshyterayao como atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisicao da linguagem se torna possivel como podemos observar na seguinte passagem de Mondada e Pekarek

A cogniylio pode ser compreendida como situada em dois sentidos de uma parteela pode ser considerada como enraizada na interaltyao social (Rogoff 1990) de outra parte ela pode ser compreendida como estando ancorada nos contextos institucionais e culturais mais largos (Cole 1994 e 1995 Wertsch 1991a e b)a abordagem socioshycultural procura reunfr esses dois aspectos em urn modelo coerente ()Aatividade enquanto processo dinamico situado nas estruturas socio-historicas encontra-se assim apresentada como ponto de partida para 0 estudo do funcionamento mental Nesses termos encontra-se ao mesmo tempo estabelecida a concepylio de cogniyao como pnitica distribuida emergente das atividades locais que nao somente se opOe asua modeliza~o tradicional e individualizante em termos de interioridade e de intencionalidade mas que mais geralmente se recusa aseparaylio entre 0 que relevaria do dominio do desenvolvimento individual cognitivo e autonomo e do que relevaria do dominio da atividade coletiva interativa e social (2000 p 154-5)

Para Mondada e Pekarek 0 estudo da natureza a urn so tempo socio-historica e local das atividades desenvolvidas no interior de situaCOes humanas como a aprendizagem ou a aquisi9lio de linguagem pode redimensionar a maneira pela qual sao compreendidas as relaCoes interpessoais certos valores sociais (como competencia padrOes normativos) detenninadas formas de estruturaCao dos eventos comunicativos maneiras de participary~o dos sujeitos oas comunidades etc (op cit 160)

329 MUSSAlIM bull 8poundNITS 328

Aquestao posta pelas autoras relativa ao entendimento de que as diferentes competencias humanas estao imbricadas nas atividades enos quadros de partishycipayao especificas (p 169) dos sujeitos nao deixa de evocar a discussao entre reflexao e ayao frequente de uma forma ou de outra no interacionismo

o interess~ pelas formas (conscientesinconscientes voluntariasinvoluntashyrias subjetivasintersubjetivas explicitasimplicitas etc) pelas quais os sujeitos apreendem as ayoes nas quais estao envolvidos nao tern deixado de aparecer nos trabalhos dos que se dedicam ao estudo da interayao seja qual for 0 posto de

observayao adotado Como exemplo desse interesse tomemos a postulayao de uma reciprocidade

entre reflexao e ayao a supor e demandar alguma capacidade reflexiva dos sujeitos imersos nas pniticas sociais Esse entendimento presente na obra de sociologos como Max Weber Anthony Giddens ou Norbert Elias tambem se ve por exemplo na introduyao do chissico livro do frances Alain Touraine intitulado Sociaagia

- da a~ao publicado originalmente em 1965 no qual 0 autor sublinha - ~

Uma ayao social s6 existe se em primeiro lugar esta orientada a certos objetivos orientayao que como se sublinhara mais adiante nao deve ser definida em termos de intencentes individuais conscientes se em segundo lugar 0 ator esta situado em sistemas detelayOes sociais se por ultimo a interayao se faz comunicayao grayas ao emprego de sistemas simb6licos dos quais a linguagem e0 mais manifesto ( ) De urn lado a ayao nao pode se definir somente como resposta a uma situayao social e antes de tudo criayao inovayao atribuiyao de sentido ( ) Mas esta ayao naoshypode ser definida independentemente de seu sentido para 0 sujeito (1968 p 19-20)

Arrazoados como 0 acima afinados com uma iniciativa racionalista admishytern ou postulam que os individuos possuem urn conhecimento adequado de seus muodos de a~o agip5P~e forma objetiva e intersubjetiva em rela-ao a eles

Avisao subjeti~i~ta da ayao social se opoem sociologos de orientayao marxista como 0 frances Pierre Bourdieu que critica nos chamados teoricos da ayao (como SchUtz ou Garfinkel por exemplo) uma especie de naturalizayao da capacidade reflex iva dos sujeitos e urna simplificayao do conceito de social ou de rela~s sociais Ou seja ele critica a suposi~ao de que os individuos unishyversalizam suas pr6prias reflexOes sobre a ayao como se fossem propriedades mentais e automatizadas oa propria a~ao e nao nas rela~Oes que as condicionam maacrialmcDie ideologicamente discursivamente

Para Bourdieu essa perspectiva opOe de maneira dicotomica rela~o inteshyleetual e relayao pratica e deixa de levar em conta que a reflexividade (a reflexao

IrmoD~AuNGuisnCA

sobre 0 que fazemos ou estamos a fazer) nao deixa de estar presente nas condutas pniticas - mesmo que ela nao seja uma caracteristica de toda acao mesmo que estejamos sempre condicionados em alguroa medida por restri~oes sociais hisshytori cas ideologicas Para Bourdieu (1980) vale lembrar nos agimos num mundo que impoe sua presen~a com suas urgencias suas coisas aJazer e a dizer suas coisasJeitas para serem ditas que comandam diretamente os gestos ou asJalas semjamais se desdobrar como um espetdculo

Como ressaltam Morato e Bentes em urn artigo no qual discutem - via conceitos de competencia e de lingua legitirna - as maneiras pelas quais a Linshyguistica e interpeada pelo sociologo frances

a critica que se faz a Bourdieu quanto a essa questAo (isto e a que envolve a relayao entre reftexao e ayao) parte do principio de que por estar interessado na ayao que realizam os atores nas praticas socia is ele teria negligenciado a reftexao de que sao capazes para agir socialmente dando pouca impomncia (ou uma importancia menor) as capacidades reftexivas dos sujeitos ou a maneira como eles reftetem sobre suas ayoes (2002 p 33)

Porem 0 proprio Bourdieu sempre procurou afastar essa critica como se VI em Reponses de 1992 oode ele procura ainda mais uma vez esclarecer sua posi~ao em rela~ao ao que evisto por seus criticos como mero determinismo afirmando que 0 habitus essa matriz ideol6gica determinada pela posi~ao soshycial a partir da qual se ve e age no mundo e urn sistema de disposi~ao aberto duIivel mas nao imutavel

Como apontam Morato e Bentes podemos encontrar nessa e em Outras passagens da obra de Bourdieu uma critica ao racionalismo do tipo inatista uma tentativa de supera~ao da dicotomia reflexao-a~ao em suas proprias pondera~oes a respeito da capacidade reflexiva dos sujeitos sobre suas a~oes e a de seus pares

Para Bourdieu (1979) fenomenos sociologicos como a distin~o e 0 habitus impregnam profundamente os psiquismos e os corpos atraves deles podemos observar como as estruturas sociais impregnam as estruturas cognitivas Dai que para a maior parte de nossas ~ nao haveria uma reflexao especial posto que somos tornados de maneira largamente inconsciente pelo jogo social seus pressupostos culturais e suas praticas ou formas de a~o Desde que as estruturas sociais objetivas para ele sao parte integrante da subjetividade e esta participa das primeiras haveria nessa passagem de Bourdieu um movimento de supera~o da distinyao entre reflexao e ayao (2002 p 34)

Se inicialmente a djscus~o sobre as rela~s entre reflexao e a~o projeshytou-se acentuadamente no campo linguistico via Psicologia e via Etnometodoshy

330 331 MUSSAUM bull BHlffS

logia 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas com a introducao de uma concepcao hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmacao de uma ordem social na qual se inscreve a linguagem vista a partir de uma perspectiva dial6gica Uma boa exshypressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da nocao de interacao com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo

Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de interashycao Bakhtin vincula as interacoes verbais as interacoes sociais mais amplas relacionando a nosao nao apenas com as situasoes face a face mas as situasoes enunciativas aos processos dial6gicos aos generos discursivos a dimensao estishyHstica dos generos Na perspectiva bakhtiniana a interacao verbal e a realidade fundamental da Hngua e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa interasao urn modo de produsao social da Hngua

Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem de 9290 texto que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizacao linguistica modema Bakhtin ja reffete sobre 0 problema da interacao empregando em 1925 a expressao interacao verbal face a face em sua obra tcrits sur Ie freudisme Ao analisar a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo social Bakhtin indica 0 lugar da interasao em uma teoria social da enunciayao formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito afirmando que 0

enunciado e 0 produto de uma intera~iio entre locutores e de maneira mais ampla 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu (1980 p 174)

Como podemos perceber a concepyao dial6gico-discursiva de interayao desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiylties rnateriais de produsao e leva em conta fatores de signii~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente isto e constituidos a pahirdos mecanismos e das condisoes de produyao que os mobilizam Para ele lembremos a lingua constitui um processo de evolufiio ininterrupto que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores e o produto desta interasao a enunciasao tern uma estrutura puramente social dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocushytores (1981 p 127)

A prop6sito num capitulo de seu livro Portos de passagem no qual analisa a metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf Bakhtin 1981 p 124) Geraldi assim situa - e ao faze-Io exprime urna sintese da perspectiva diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interasOes entre os sujeitos

INTROoucAO AUNGuisnCA

os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros sua consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste mesmo processo Neste sentido 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn arteslio mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os outros que ela se constitui ( ) As interacOes nao se dao fora de urn contexto social e hist6rico mais amplo na verdade elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos singulares no interior enos limites de uma detenninada form~o social sofrendo as interferencias os controles e as sele90es impostas por esta TambCm nlio sao em relashy930 a estas condi95es inocentes Sao produtivas e hisroricas e como tais acontecendo no interior enos limites do social constroem por sua vez limites novos (1991 p 6) -

Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da Comunicasiio a concepsao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito meramente interpessoal ultrapassa 0 contexto imediato e local de produSiio da significasao ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito voltando-se para os mecanismos de constituisao e determinasao das condutas humanas por sua vez baseados nas condisoes materiais e ideologicas de vida em sociedade Esta concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir modos de pensar modos de sentir)

Critico do que denominou subjetivismo abstrato Bakhtin fOIjou urn construto te6rico critico em relasao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao a consciencia a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao a enunciayao) A nosiio de dialoshygismo tal como postulada por ele explode essa dicotomia

A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completashymente rejeitada 0 centro organizador de toda enuncia9ao de toda expressao nao e interior mas exterior esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ) A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social quer se trate de urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo que coostitui 0 conjuoto das condicOes de vida de uma determinada comunidade linguistica (1981 p 107)

Para Bakhtin e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyaoda linguagem e da constituiyao dos sujeitos como se afirrna em vanas passagens do celebre sexto capitulo (intitulado A intera~ao verbal) de sua obra Marxismo efilosofia da linguagem do qual extraimos 0 trecho abaixo

A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada nem pelo ato psicofishy

MUSSALIM bull BErms332

siol6gico de sua produyao mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes A intera~ao verbal constitui assim a reshyalidade fundamental da lingua C ) Um importante problema decorre dai 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata mas tambem atraves dela 0 contexte social mais amplo Essas relayoes tomam formas diversas e os diversos elementos da situayiio recebem em Jigayao com uma ou outra forma uma significayao diferente (assim os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica) A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981 p 123)

Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados bern como apropria condicao de seu aconshytecimento - Todorov propoe dois tipos de relacao dialogica a interlocucao e a intertextualidade salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo demiddottodo discur~o

() pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser enconshytrado pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984 p 71-2)

o conceito de diaIogo na refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn duplo dialogismo analisado por Authier-Revuz que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade termo usado por Todorov

E urn duplo dialogismo - nao por adisao mas por interdependencia shyque ecolocado na fala a orientasao dialogica de todo discurso entre outros discursos eela mespl3jj~logicamente orientada determinada por este outro discurso especifioo d61teceptor tal como imaginado pelo locutor como condiyiio de compreensiio do primeiro A considerasao da interlocusao como fator consti tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982 p 118-9)

Como bern sublinham os autores acima a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interasao verbal todo ate enunciativo toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de outro como interlocutor e como (inter)discurso 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa na polifonia nos discursos relatados nas diferentes posisoes enunciativas assushy

I~UcAOAUNGulSTICA 333

midas pelos falantes - marca discursivamente a concepcao de sujeito 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros por meio do discurso dos outros por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso

Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982 1995 1998 entre varios outros) sao exemplares em relacao ainfiuencia do dialogismo bakhtiniashyno nos estudos linguistico-discursivos Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa empiricamente apoiados sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo

Uma interessante discussao sobre a intersecsao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994 1997 2001 2002) Trabalhando com nosoes como sujeito estilo genero e heterogeneidade a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma analise dialogica do discurso ou seja

urn conjunto de procedimentos analiticos urn arcabou~ te6rLco que embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002 p 126)

Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin Brait perscruta a nocao sob a perspectiva de uma analise dia16gica do discurso tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos 0 de genero e 0 de estilo

Levando em conta nossos interesses vale a pena destacar as ponderasoes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nosao de interasao Discurso na arte e discurso na vida de 1926 e Marxismo e filosofia da linguagem de 1929 Em relayiio ao primeiro texto no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relasOes entre literatura e sociedade afirma Brait

o conceito de interaljao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade de se pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem Esse caminho que implica o1har para a materialidade verbal e extrashyverbal constitutivas de uma enunciayao de um enunciado concreto reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramaticalinguistica assim como de suas fluidas fronteiras (2002 p 134-5)

Em rela~ao ao segundo texto no qual Bakhtin explicita que a intera~o no diz respeito exclusivamente ao discurso oral surge segundo Brait a

334 335

perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

~

iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

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346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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Page 5: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

MUSSAUM bull BENTES318

pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem a polissemia existe~te entre lingua e (inter)discurso

Esse ponto de vista sobre a significayao essa prtitica quase-estruturante e sociar (Franchi 1986 p 25) tao caro as correntes enunciativas e discursivas postula que a significayao tern aver reciprocamente com a comunicayao Contudo ainda que ambas mantenham uma estreita relayao entre si e marquem duas formas do sentido urn termo nao pode ser empregado no lugar do outro Implicam difeshyrentes trabalhos linguistico-discursivos e mobilizam diferentes niveis de reflexao sobre as ayoes em curso na interayao Sen do pois duas formas de significancia (cf Benveniste 1966) significayao e comunicayao nao se confundem mas sao indissociaveis nas praticas discursivas

Se uma diferenciayao pode ser estabelecida entre ambas que se encontram intimamente relacionadas nas praticas linguisticas e porque isso po de trazer - pelo menos para a Linguistica - algumas vantagens te6ricas voltadas para o estudo da intersubjetividade das diversas instanciayoes enunciativas e da metliinguagem

Segundo Claudine Norinand (1990 p 334) a comunicayao nos indica que o sujeito tern algo a dizer ou a mostrar a significayao nos indica que 0 sujeito mostra explicita ou implicitamente a mane ira pela qual ele corre 0 risco de intershypretar e ser interpretado de representar ou dar representabilidade as coisas do mundo Essa ponderayao indica que tambem a interayao - e tudo 0 que e afeito a ela - produz senti do 0 sentido eproduyao de interayao 0 outro nos e necessario para sabetmos 0 que estamos a dizer e mais para construirmos 0 senti do daquilo que estamos a dizer Nesse aspecto e que a interayao - enquanto categoria de analise - pode ser urn elemento de distinyao na definiryao do sentido e capital para a compreensao das tarefas interpretativas

Se a nOyao de interayao em Linguistica tern sido elevada acondiyao de principio explicatty~~ttos fatos de linguagem (como veremos na perspectiva bakhtiniana) tambeuroril tern sido reduzida nao raras vezes a uma especie de curinga categorial de varias abordagens heterogeneas que servem a prop6sitos te6ricos e metodol6gicos muito diversos Nesse sentido nao raras vezes ela e considerada em termos de tudo ou nada na analise de objetos e fatos de linguagem

Urn problema que podemos apontar quanto a esse ponto reside na disjunyao entre dado observavel e representayao te6rica se de urn lado dificilmente se pode dettar de considerar de alguma forma as propriedades interativas dos dados linilisticos de outro lado a idealiza~o dos fenomenos linguisticos propria a certas teorias (como as que tomam a interayAo e a cooperayao como habilidades intrinsecas dos sujeitos) acaba por ignorar ou elirninar 0 carater social da interashy

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IIITROD~O AUNGuisTiCA 319

vao1 Assim ou os aspectos interacionais sao praticamente eliminados da teoria

(como ocorre na Semantica Formal ou na Gramatica Gerativa por exemplo) ou diversos conceitos entre eles 0 de comunicayao e 0 de contexto uma vez irnpregshynados de interayao acabam por despojar este termo de urn senti do rnais preciso

Urn outro problema relacionado a esse ponto e que a exemplo do que acontece em outras disciplinas tambem em Linguistica a concepyao de cornushynicayao e facilmente confundida com a de interayao correspondencia que chega mesmo a provocar a revogayao da adesao de autores afinados inicialmente com uma perspectiva interacionista Da complicada e inadvertida vinculayao direta entre esses termos resulta que entre outras coisas a comunicabilidade (isto e a disposiyao para a cooperayao) e tida como uma caracteristica inata dos homens prescindindo pois de qualquer teorizayao mais especifica Nesse contexto a interayao pode e geralmente e pensada praticamente a margem da linguagem isto e a margem de sua ayao constitutiva em relayao a diversas situayoes humanas

Para Kerbrat-Orecchioni 0 fato de_existir ainda hoje urn interesse relatishyvamente minoritario em torno da noyao de interayao entre os Iinguistas se deve a uma especie de denegariio da vocariio comunicativa da linguagem (1998 p 52) explicada pela tradiyao filol6gica pelas dificuldades praticas de analisar _ urn objeto tao variavel e multifacetado pela inseryao da sociologia durkheimiashyna (pouco afeita as preocupayoes interacionistas) na Linguistica ffancesa pela inseryao do interacionismo simb61ico ria Linguistica anglo-saxonica (represenshytada tanto pela Escola de Chicago da qual eexpoente E Goffman quanto pela Analise da Conversayao de que sao fundadores os etnometod610gos H Sacks e E Schegloft) voltado inicialmente a analises da vida cotidiana e fenomenos culturais (como sistemas de parentesco mitos e ritos)

Em boa parte em funyao dessas infiuencias a introduyao definitiva das dimensoes sociais culturais e contextuais na analise de fatos de linguagem fez com que a Linguistica passasse a dirigir seus esfoflos acompreensao de fenomenos comunicativos e de padr6es normativos pr6prios as interayoes 0 ~~rte-americano Erving Goffman (1961) chega mesmo a estabelecer caracterisshyfiCas gerais da interayiio com vistas ao entendimento do que ocorre nas situayOes de comunicayao Chama de interayao nao focalizada a que ocorre em funyao 9a simples presenya de dois individuos e de intera~ao focalizada aquela que inclui a conversayao face a face

Dando sustenta~o ao que veio a ser denominado interacionismo simbOlico ao qUat se associam os nomes dos norte-americanos George Mead e Erving Goffinan shy

-II I Devo esta observ~ 80 colega Heronides de Melo Moura

MUSSAUM bull BENTES

320

a Psicologia

Social e a Etnografia da Comunica~ao viram-se igualmente envolvirlas

com a tematica das rela~oes entre individuo e sociedade Goffman (1973) destaca uma variedade de praticas sociais que se desenshy

vol vern mesmo na ausencia de outras pessoas isto e que ocorrem na ausencia de uma intera~ao social direta que nao se inscrevem noS timites estritos da conversa~ao (como a gesticula~ao e a postura corporal) Para GotTman haveria em todo contexto interativo algo que lhe e propriO construido em fun~ao das particularidades dos sujeitos nele envolvidos e da qualidade de suas intera~5es no curso de uma determinada a~ao

( ) cada participante enlra em uma situayao social portando uma biografiaja rica de interayoes passadas com outros participantes - ou peo menoS com participantes do mesmo tipo do mesmo modo ele vem com um grande conjunto de pressuposiyOes

culturais que presume serem partilhadas (1988 p 197)

Ao final dos anos de 1970 tanto a Etnometodologia quanto outras aborshydagens microssociologicas desenvolvem-se no mundo todo Alguns autores relacionam esse fato ao decinio shy verificado a epoca shy do prestigio de posishyy5es marxistas mais ortodoxas A influencia marcante da Etnometodologia nao deixaria de assinalar de alguma forma a perda de prestigio de uma certa tradiyao sociolog

ica europeia Com isso as questoes valorizadas no campo passam a ser

nao essencialmente as condi~oes materiais e ideologicas em que se dao as rela~ socia is mas sim as que se baseiam em analises micro isto e as que conferem especial aten~o as mudan~as e aoS avan~oS tecnologicos as novas condi~oes de trabalho e intera~ao que vao se colocando para urn mundo em globaliza~ao ao levantamento de competencias e padroes interativos que caracterizam a interayao

entre individuos e grupos sociais etc Coube ao nort~ainericano Harold Garfinkel cunhar 0 termo Etnometodoloshy

gia (1967) para idefitificar a abordagem que procura descrever os processos que caracterizam ou constituem a comunica9ao interpessoal analisando 0 modo como os individuos interagem e se comportam em meio a diferentes situ

a9 0es

especifishycas da vida cotidiana A concep9ao de social que se estabelece aqui se configura a partir da analise do que se produz nas a90es cotidianas e leva em considera~o todo urn sistema de cren9as e modos de agir dos sujeitos em intera9

30

Vigente ate hoje esse enfoque baseado em modelos normativos de a~o inspindos em diferenampes enquadres te6ricos e autores como Garfinkel Habenll8 Schlitz Boudon ou Boltanski prioriza 0 papel dos sujeitos na organiza~o social bern como nas intera90es verbais as estrategias e os savoir-faire comunicativOS a

INlROOU~AUNGuisnCA 321

constru~ao de imagens identitarias a gestao de regras pragmltiticas as interaltoes no mundo do trabalho a institucionalizasao dos espaltos interativos os tipos ou formas gerais de intera~ao etc

o interesse dessa perspectiva de inspirayao motivacional (ou psicologica) se pauta ou se restringe pois a situa~oes especificas que condicionam a comushynicaltao interpessoal Nao e por acaso que as analises dai derivadas privilegiam o que se passa local mente na ayao

Tendo por foco a atividade humana por meio da qual os agentes elaboram Jinhas de conduta em situayoes concretas a Hnometodologia toma-se como ressalta Vion (1992) proxima do interacionismo simbolico inaugurado pelo psishycologo norte-americano George Mead (1863-1931) volta do para a investigayao da genese da subjetividade (mais precisamente do Self) no processo de interayao social Para Mead 0 sujeito (0 Self que corresponde a uma identidade construida socialmente) se constitui enquanto tal na comunicaltao e por ela

A importancia daq~lo que n6s chamamos de comunicayao resIde no fato de que ela fomece uma forma de comportamento em que 0 organismo 0 individuo pode tomar-se urn objelo para si mesmo ( )0 Self sendo urn objeto para si eessencialshymente uma estrutura social e nasce na experiencia social ([1934]1963 p 118-9)

Entretanto como afirrna Vion (1992) se para a interacionisma sirnbolico tanto a qualidade dos process as interativas que produzem e reproduzem as esshytruturas sociais quanta as estruturas em si sao igualmente irnportantes no estudo iIa realidade social para os etnometodologos e a propria a9ao - localmente lnvestigada shy que pode interpretA-Ia (dai a importancia do contexto situacional

bull e da indexicalidade de toda ayao)

No campo saciologico a reayao contra 0 empirismo atribuido as pesquishyetnometodologicas ou contra a possibilidade que elas tern de transfonnar

em metodologos de suas a~Oes algo que seria proprio das analises localmente na ayao nao deixou de ser registrada por varios autores

Phillips

De urn lado a leoria de Garfinkel concebe as praticas que constituem deg trabalho de objetivayao da ordem como metodos que servem para preencher 0 abismo que separa 0 situacional e 0 geral como por exemplo as praticas ad hoeing e principio de et cetera Mas de outro lado as pesquisas efetivamente conduzidas em Etnometodologia colocam luz em wna multidio de outras pniticas de ordens diferentes mas que podem muilo plausivelmcnle e apesar das recome~ da

serem apresentadas como regras seja qual for a generalidade (1978 p 64)

MU5SAUM bull BENItS

322

A chamada Linguistica Interacional mas nao apenas ela deve muito a essas vertentes 0 que e focalizado a partir da delimitayao da nOyao de interashyyaO no campo da Linguistica lnteracional (cf Kerbrat-Orecchioni 1990 1998 Vion 1992 Mondada 19942001) configura urn conjunto de questoes Jigadas a todo tipo de produyao linguistica que e considerada material interativo pnitishycas estrategias e operayoes linguageiras dinamicas de trocas conversacionais comunicayao verbal e nao verbal construyao de valores culturais atividades referenciais e inferenciais realizadas pelos falantes normas pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem etc Esses exemplos-nao exc1uem 0 fato de que todo ato de linguagem e no fundo essencialmente interativo mesmo 0 que nao envolve ayao conjunta ja que uma dimensao dialogica (suposta mesmo na significayao isolada ou unilateral) e base estruturante de todo processo verbal (0 que supoe a existencia de interayao tambem em mono logos soliloquios textos

escritos conferencias discurso interior etc) Arelayao entre linguagem e outros processos cognitivos (pensamento meshy

moria percepyao etc) geqtu desde osanos 1960 muitos estudos no terreno do interacionismo Esta perspectiva na verdade coexiste aepoca com outrasaborshydagens teoricas isto e 0 inatismo e 0 cognitivismo que reservam alinguagem

urn lugar epistemologico distinto Sabe-se que como consequencia do dualismo ontologico a relayao entre

linguagem e pensamento - como de resto todo fenomeno cognitiv~ - foi primeiramente vinculada ao biologico e concebida praticamente amargem da

linguagem e das interayoes sociais Preocupados em reftetir sobre 0 lugar da interayao da crianya com 0 meio

circundante no desenvolvimento linguistico e cognitivo autores como Piaget Vygotsky e Bruner contribuiram de maneira decisiva - cada urn asua maneirashypara 0 entendiment~Aa interayao como um problema te6rico para a Linguistica

Sr _I As abordagiQ5ltonstrutivistas a partir dos trabalhos inspirados na teoria da

ayao do bi61ogo suiyo Jean Piaget - para quem a aquisiyao de conhecimentos resulta de uma troca continua de informa~iio entre a tomada de consciencia da a~ao e a tomado de consciencia do objeto ([1974]1976) - consideram que-a cogniyao humana se define em funyao de estruturas ou esquemas que 0 organisshymo desenvolve em tome de um conjunto de ayOes coordenadas e em funyao da interayao que mantem com 0 meio ambiente deterrninante de forrnas possiveis

de linguagem e de outros sistemas cognitivos Por seu tumo as abordagens interacionistas DO campo psicoliQampUistico conshy

sideram a linguagem urna ayao compartilhada que percorre urn duplo percurso na relayao entre sujeito e realidade intercognitivo (sujeitomundo) e intracognitivo

ImROOUltAO UNGuisTICA 323

(linguagem e outros process os cognitivos) A interayao e a base da construyao do conhecimento e da dupla natureza da linguagem (cognitiva e social) Cogniyao aqui define-se como urn conjunto de varias formas de conhecimento que nao e totalizado ou subsumido por linguagem mas que de alguma forma se encontra sob sua responsabilidade Os processos cognitivos dependentes (assim como a linguagem) da significayao nao sao tornados como comportamentos previsiveis ou aprioristicamente concebidos como se estivessem a margem das rotinas significativas da vida em sociedade Nessa abordagem 0 tipo de relayao que se estabelece entre linguagem e cogniyao e de mutua constitutividade na medida em que supoe que nao lui possibilidades integrais de pensamento ou dominios cognitivos fora da linguagem nem possibilidades de linguagemfora de processos interativos humanos (Morato 1996 p 18)

Tendo em vista que nao recusariam uma ponte conceitual entre 0 biologico e o adquirido socialmente as abordagens que partem da conjugayao dos trabalhos de Piaget e Vygotsky sao muitas vezes tambem chamadas de socioconstrutivisshytas Contudo embora Jrossam ser aproximados sob determinados aspectos 0

construtivismo e 0 interacionismo preconizados respectivamente por Piaget e Vygotsky estiio longe de serem identicos

Para 0 primeiro cumpre lembrar e a inteligencia 0 motor da aquisiyao de linguagem via noyao de desenvolvimento para 0 segundo a linguagem e 0 motor do processo de aquisiyao cognitiva geral via noyao de mediayao (interayiio soshycial) As noyoes de equilibrayao e de intemalizayao respectivamente ocupam um lugar importante para 0 entendimento do desenvolvimento linguistico-cognitivo em uma e em outra abordagem

Resumidamente oque pretende 0 construtivismo de Jean Piaget (1896-1980)

Em sua vasta obra Jean Piaget pautou-se pelo estudo da psicogenese dos processos que respondem pelo desenvolvimento da inteligencia humana Na compreensao da formayao e desenvolvimento dos sistemas cognitivos Piaget postula a existencia de urn processo central de equilibra~iio respons3vel pelos processos de adapta~ao e de organiza~iio Para ele 0 organismo possui um conshyjunto de esquemas de ayao aptos a lidar com 0 mundo circundante uma situayiio que se apresenta como nova pOe 0 organismo em desequilfbrio obrigando-o a adaptar seus esquemas a fim de restaurar 0 equilibrio Esse processo essencial para 0 desenvolvimento cognitivo humano echamado por Piaget de equilibra~ao ([1974]1976)

A partir da descri~o dos mecanismos que subjazem ao sistema cognitivo em desenvolvimento 0 autor identifica res tipos de equilibra~ao 0 que ocorre nas interayoes entre individuos e objetos (objetos de conhecimento objetos de

324 325 MUSSALIM bull BENTES

aprendizagem) 0 que ocorre nas interayoes entre os subsistemas cognitivos e 0 que diz respeito as relayoes sociais que envolvem as interayoes entre os subsisteshymas cognitivos e 0 mundo circundante Como se observa a partir dessa brevissima menyao aos estudos piagetianos a formulayao das considerayoes a respeito do equilibrio cognitivo que ocorre nas inter-relayoes sociais e concebida a partir dos estudos a respeito do equilibrio (intemo) dos sistemas cognitivos individuais

Se de fato Piaget (como a Psicologia cumpre assinalar) nao ignorava que 0 desenvolvimento da linguagem se da na relayao que a crianya mantem com 0 outro (notadamente com a mae) 0 fato de seu interesse estar focalizado no-conhecimento (ou no dominio cognitivo) da crianya implicou uma exc1usao da linguagem do arcabouyo te6rico construtivista (cf Pereira de Castro 200 I)

Por outro lado se sao facultados a linguagem e as interayoes sociais a genese e 0 desenvolvimento cognitivo estaremos as voltas com uma perspectiva denoshyminada sociointeracionismo ou interacionismo sociocultural cujo maior expoente e sem duvida 0 psic610go bielorusso LeY Semyonovich Vygotsky (1896-1934)

Quando se focaliza hoj~ 0 estudo dacogniyao em meio as atividades soshycioculturais dos sujeitos e n~ presenya de uma ordem da linguagem que nao a reduz ao sistema linguistico stricto sensu 0 fato nao deixa d$ representar de shyalguma forma urn legado da abordagem levada a cabo inicialmente por auto res como Vygotsky Varios fenomenos anaJisados no ambito da Linguistica como a construsao da referencia os processos meta 0 discurso interior a indeterminashysao semantica 0 contexto pragmatico das operasoes cognitivas a reflexividade etc ganham maiores contomos expJicativos no dialogo com a perspectiva soshyciocultural da cogniSao humana preconizada por ele e por outros estudiosos nas primeiras decadas do seculo xx Nessa perspeetiva a linguagem tanto por suas propriedades formais quanto discursivas 6 uma forma privilegiada de cognisao

Para Vygotsky e a signifieayao 0 que plasma a relasao do tipo constitutiva

entre linguagem e eo~~o Em suas palavras (

o pensamento niio esomente mediado extemamente pelos signos Ete emediado intemamente pelos sentidos ( ) A comunicaYiio da consciencia pode ser realizada somente indiretamente atraves de um caminho mediado ([1934]1987 p 282)

Segundo ele pr6prio afirma a respeito desse caminho mediado s6 a linguagem poe essd relarao a claro

Ao postular que a Wlidade da rela~o linauasem-cognicao se estabelece enunciativamente isto middot6 nas situarr~s dial6gicas ele identifiea urn continuum entre interioridade e exterioridade ele estabeleee amaneira de Bakhtin uma

INTROOUylO AUNGuisTICA

fronteira dialetica de duas esferas da realidade Sobre isso a prop6sito afirma Bakhtin

A atividade mental tende desde a origem para uma expressao extema plenamente realizada ( ) Vma vez materializada a expressao exerce um efeito reversivo soshybre a atividade mental ela poe-se entiio a estruturar a vida interior a dar-Ihe uma expressiio ainda mais definida e mais estlivel Essa aYiio reversiva da expressao bem formada sobre a atividade mental tem uma importiincia enorme que deve ser sempre considerada Pode-se dizer que nao etanto a expressao que se adapta ao nosso mundo interior mas 0 nosso mundo interior que se adapta as possibilidades de nossa expressao aos seus caminhos e orientaltoes possiveis (1981 p 118)

Sao dois os movimentos te6ricos pretendidos por Vygotsky para apontar a natureza enunciativa da interarrao entre linguagem e mundo social 0 primeiro pode ser apreendido pela descrisao do proeesso de internalizasao em que ooushytro e a fala do outro orientam as avoes da crianya mediando discursivamente a refertncia (0 percurso intercognitivo)

A internalizacao dos processos sociais via linguagem da origem a sua funyao organizadora que por sua vez emerge segundo Vygotsky na relasao entre a fala e a asao no momento em que as duas se deslocam

Vma vez que as crianras aprendem a usar efetivamente a fimYiio planejadora de sua linguagem 0 seu campo psicol6gico muda radicalmente Vma visao q~ futuro e agora parte integrante de suas abordagens ao ambiente imediato ( ) Assim com a ajuda da fala as crian~as adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu pr6prio comportamento (1984 p 29-31)

Internalizando a linguagem do outro preservando em termos intracognishytivos seu papel mediador (e organizador) ao qual submete suas pr6prias arr~s a criaDsa passa da condirrao de interpretada para interprete de estados de coisas dono mundo da dependencia da forma dialogal para a partir da diferenciavao dos papeis enunciativos uma certa autonomia enuneiativa de urna especie de conseiencia dial6giea para uma consciencia monol6gica da dependeneia do extratextual para urn progressivo apagamento da necessidade do eontexto como indispensavel fonte interpretativa

De fato os estudos linguisticos devem muito a essa perspectiva que salieDshyta a socio1enese da linguagem e da cogni~ humana No campo dos estudos aquisicionais por exempl0 Claudia de Lemos num texto intitulado Universais Iinguisticos ou lingua original (1981) reconhece naquele momenta a infIuencia

326 MUSSAlIM bull BEKTfS

de Vygotsky sobre sua reflexao ao se referir ao autor para afinnar que a criayao linguistica em situayoes de input se deve a urn quadro relacional dialetico entre a interayao da crianya com 0 mundo fisico e com 0 mundo social (op cit 37) Com reiayao ainfluencia das reflexoes de Bakhtin em seus estudos sobre os processos aquisicionais vejamos 0 que afinna De Lemos num texto de 1990 intitulado Afumao e 0 destino da palavra alheia tres momentos da reflexao de Bakhtin

Em trabalhos anteriores tentei formular a questao que orienta a minha busca de entendimento daaquisiyao de linguagem como da compreensao da trajetoria pela qual a crianya passa de interpretado pelo outro a interprete do outro de si proprio e de estados de coisas no mundo Recentemente tenho-me dado conta de forma mais aguda que a essa questlio se vincula ada conversao do discurso do outro em discurso proprio ( )Seria a conversao do discurso do outro em discurso proprio uma condiyao para a conversao do discurso proprio em discurso do outro (1990 p 2)

Os temas ligados anOyao de imerayao (inclusive os problemas ou a ausencia de interayao) no campo lingu~tico sao complexos se nao a tomamos sumariashymente como comunicayao conversayao ou troca de infonnayoes Nao menos complexo e 0 debate que a nOyao-de interayao enquanto pratica social coloca em cena 0 que envolve as relacoes entre reflexao e ayao Essa questiio surge para as perspectivas interacionistas sob vanas formas

Como uma extensao das abordagens socioculturais da cognicao humana bern como das abordagens conversacionais de inspiraCao etnografica e tambem como reacao ao cognitivismo classico e alnteligencia Artificial surge nas ultishymas decadas do seculo XX 0 que se convencionou chamar de teoria da acao ou teoria da acao situada cuja unidade de analise e a atividade desenvolvida pelos sujeitos no decurso da interaCao Por este tenno - acao situada (situated action) - entende-se que toda a9lio humana depende estreitamente das circunsshytancias materiais e soqai$rlas quais se dlio assim procura-se a partir dessa noyao nascida no ambito dos(estudos desenvolvidos em Etnometodologia descrever e analisar como os sujeitos planejam e executam suas aCOes no decurso da inshyteracao na qual estiio envolvidos (Suchroan 1987) Nessa perspectiva as acOes sao tidas como social e fisicamente situadas a situacao na qual se dao as ~Oes _ nao redutivel a urn jogo de representafoes mentais previamente objetivadas nos aparelhos cognitivos (Visetti 1989) - e essencial para se compreender 0

que nelas se passa Asiociada bull ~ de ~ situada WD-SC a de cOampDi9lio situada que se

fundamenta na interdependencia da a9lio e da reftexao com base no argumento segundo 0 qual 0 contexto social em que a atividade cognitiva se desenvolve e

I

INlHOouiAo AUNGuisncA 327

parte essencial dessa atividade e nela nao desempenha urn papel apenas coadshyjuvante (Resnick et al 1991) Assim para essa abordagem todo ato cognitivo deve seT visto como uma resposta especifica para urn conjunto de circunstancias A noyao de social aqui nao diz respeito apenas a urn contexto institucional ou situacional no qual se desenvolve uma atividade mas tambem a instrumentos cogshynitivos que utilizamos cotidianamente Vale lembrar que a ideia de instrumentos cognitivos e emprestada de psicologos sovieticos como Leontiev e Vygotsky para quem a linguagem e considerada 0 instrumento cognitivo por excelencia 0

instrumento dos instrumentos

A estruturayao do discurso e a gestiio da interayao esmo entre os objetos de estudo dos que trabalham com 0 conceito de cogniciio situada e se pautam pelo primado da atividade social postulado por Vygotsky Leontiev e Luria - a celeshybre troika da Psicologia Sovietica que nas primeiras decadas do seculo XX dedicou-se a explorar os principios explicativos da natureza social da cognicao humana Esse entendimento esta de alguma fonna presente na concepCao de inshyterayao como atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisicao da linguagem se torna possivel como podemos observar na seguinte passagem de Mondada e Pekarek

A cogniylio pode ser compreendida como situada em dois sentidos de uma parteela pode ser considerada como enraizada na interaltyao social (Rogoff 1990) de outra parte ela pode ser compreendida como estando ancorada nos contextos institucionais e culturais mais largos (Cole 1994 e 1995 Wertsch 1991a e b)a abordagem socioshycultural procura reunfr esses dois aspectos em urn modelo coerente ()Aatividade enquanto processo dinamico situado nas estruturas socio-historicas encontra-se assim apresentada como ponto de partida para 0 estudo do funcionamento mental Nesses termos encontra-se ao mesmo tempo estabelecida a concepylio de cogniyao como pnitica distribuida emergente das atividades locais que nao somente se opOe asua modeliza~o tradicional e individualizante em termos de interioridade e de intencionalidade mas que mais geralmente se recusa aseparaylio entre 0 que relevaria do dominio do desenvolvimento individual cognitivo e autonomo e do que relevaria do dominio da atividade coletiva interativa e social (2000 p 154-5)

Para Mondada e Pekarek 0 estudo da natureza a urn so tempo socio-historica e local das atividades desenvolvidas no interior de situaCOes humanas como a aprendizagem ou a aquisi9lio de linguagem pode redimensionar a maneira pela qual sao compreendidas as relaCoes interpessoais certos valores sociais (como competencia padrOes normativos) detenninadas formas de estruturaCao dos eventos comunicativos maneiras de participary~o dos sujeitos oas comunidades etc (op cit 160)

329 MUSSAlIM bull 8poundNITS 328

Aquestao posta pelas autoras relativa ao entendimento de que as diferentes competencias humanas estao imbricadas nas atividades enos quadros de partishycipayao especificas (p 169) dos sujeitos nao deixa de evocar a discussao entre reflexao e ayao frequente de uma forma ou de outra no interacionismo

o interess~ pelas formas (conscientesinconscientes voluntariasinvoluntashyrias subjetivasintersubjetivas explicitasimplicitas etc) pelas quais os sujeitos apreendem as ayoes nas quais estao envolvidos nao tern deixado de aparecer nos trabalhos dos que se dedicam ao estudo da interayao seja qual for 0 posto de

observayao adotado Como exemplo desse interesse tomemos a postulayao de uma reciprocidade

entre reflexao e ayao a supor e demandar alguma capacidade reflexiva dos sujeitos imersos nas pniticas sociais Esse entendimento presente na obra de sociologos como Max Weber Anthony Giddens ou Norbert Elias tambem se ve por exemplo na introduyao do chissico livro do frances Alain Touraine intitulado Sociaagia

- da a~ao publicado originalmente em 1965 no qual 0 autor sublinha - ~

Uma ayao social s6 existe se em primeiro lugar esta orientada a certos objetivos orientayao que como se sublinhara mais adiante nao deve ser definida em termos de intencentes individuais conscientes se em segundo lugar 0 ator esta situado em sistemas detelayOes sociais se por ultimo a interayao se faz comunicayao grayas ao emprego de sistemas simb6licos dos quais a linguagem e0 mais manifesto ( ) De urn lado a ayao nao pode se definir somente como resposta a uma situayao social e antes de tudo criayao inovayao atribuiyao de sentido ( ) Mas esta ayao naoshypode ser definida independentemente de seu sentido para 0 sujeito (1968 p 19-20)

Arrazoados como 0 acima afinados com uma iniciativa racionalista admishytern ou postulam que os individuos possuem urn conhecimento adequado de seus muodos de a~o agip5P~e forma objetiva e intersubjetiva em rela-ao a eles

Avisao subjeti~i~ta da ayao social se opoem sociologos de orientayao marxista como 0 frances Pierre Bourdieu que critica nos chamados teoricos da ayao (como SchUtz ou Garfinkel por exemplo) uma especie de naturalizayao da capacidade reflex iva dos sujeitos e urna simplificayao do conceito de social ou de rela~s sociais Ou seja ele critica a suposi~ao de que os individuos unishyversalizam suas pr6prias reflexOes sobre a ayao como se fossem propriedades mentais e automatizadas oa propria a~ao e nao nas rela~Oes que as condicionam maacrialmcDie ideologicamente discursivamente

Para Bourdieu essa perspectiva opOe de maneira dicotomica rela~o inteshyleetual e relayao pratica e deixa de levar em conta que a reflexividade (a reflexao

IrmoD~AuNGuisnCA

sobre 0 que fazemos ou estamos a fazer) nao deixa de estar presente nas condutas pniticas - mesmo que ela nao seja uma caracteristica de toda acao mesmo que estejamos sempre condicionados em alguroa medida por restri~oes sociais hisshytori cas ideologicas Para Bourdieu (1980) vale lembrar nos agimos num mundo que impoe sua presen~a com suas urgencias suas coisas aJazer e a dizer suas coisasJeitas para serem ditas que comandam diretamente os gestos ou asJalas semjamais se desdobrar como um espetdculo

Como ressaltam Morato e Bentes em urn artigo no qual discutem - via conceitos de competencia e de lingua legitirna - as maneiras pelas quais a Linshyguistica e interpeada pelo sociologo frances

a critica que se faz a Bourdieu quanto a essa questAo (isto e a que envolve a relayao entre reftexao e ayao) parte do principio de que por estar interessado na ayao que realizam os atores nas praticas socia is ele teria negligenciado a reftexao de que sao capazes para agir socialmente dando pouca impomncia (ou uma importancia menor) as capacidades reftexivas dos sujeitos ou a maneira como eles reftetem sobre suas ayoes (2002 p 33)

Porem 0 proprio Bourdieu sempre procurou afastar essa critica como se VI em Reponses de 1992 oode ele procura ainda mais uma vez esclarecer sua posi~ao em rela~ao ao que evisto por seus criticos como mero determinismo afirmando que 0 habitus essa matriz ideol6gica determinada pela posi~ao soshycial a partir da qual se ve e age no mundo e urn sistema de disposi~ao aberto duIivel mas nao imutavel

Como apontam Morato e Bentes podemos encontrar nessa e em Outras passagens da obra de Bourdieu uma critica ao racionalismo do tipo inatista uma tentativa de supera~ao da dicotomia reflexao-a~ao em suas proprias pondera~oes a respeito da capacidade reflexiva dos sujeitos sobre suas a~oes e a de seus pares

Para Bourdieu (1979) fenomenos sociologicos como a distin~o e 0 habitus impregnam profundamente os psiquismos e os corpos atraves deles podemos observar como as estruturas sociais impregnam as estruturas cognitivas Dai que para a maior parte de nossas ~ nao haveria uma reflexao especial posto que somos tornados de maneira largamente inconsciente pelo jogo social seus pressupostos culturais e suas praticas ou formas de a~o Desde que as estruturas sociais objetivas para ele sao parte integrante da subjetividade e esta participa das primeiras haveria nessa passagem de Bourdieu um movimento de supera~o da distinyao entre reflexao e ayao (2002 p 34)

Se inicialmente a djscus~o sobre as rela~s entre reflexao e a~o projeshytou-se acentuadamente no campo linguistico via Psicologia e via Etnometodoshy

330 331 MUSSAUM bull BHlffS

logia 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas com a introducao de uma concepcao hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmacao de uma ordem social na qual se inscreve a linguagem vista a partir de uma perspectiva dial6gica Uma boa exshypressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da nocao de interacao com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo

Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de interashycao Bakhtin vincula as interacoes verbais as interacoes sociais mais amplas relacionando a nosao nao apenas com as situasoes face a face mas as situasoes enunciativas aos processos dial6gicos aos generos discursivos a dimensao estishyHstica dos generos Na perspectiva bakhtiniana a interacao verbal e a realidade fundamental da Hngua e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa interasao urn modo de produsao social da Hngua

Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem de 9290 texto que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizacao linguistica modema Bakhtin ja reffete sobre 0 problema da interacao empregando em 1925 a expressao interacao verbal face a face em sua obra tcrits sur Ie freudisme Ao analisar a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo social Bakhtin indica 0 lugar da interasao em uma teoria social da enunciayao formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito afirmando que 0

enunciado e 0 produto de uma intera~iio entre locutores e de maneira mais ampla 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu (1980 p 174)

Como podemos perceber a concepyao dial6gico-discursiva de interayao desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiylties rnateriais de produsao e leva em conta fatores de signii~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente isto e constituidos a pahirdos mecanismos e das condisoes de produyao que os mobilizam Para ele lembremos a lingua constitui um processo de evolufiio ininterrupto que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores e o produto desta interasao a enunciasao tern uma estrutura puramente social dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocushytores (1981 p 127)

A prop6sito num capitulo de seu livro Portos de passagem no qual analisa a metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf Bakhtin 1981 p 124) Geraldi assim situa - e ao faze-Io exprime urna sintese da perspectiva diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interasOes entre os sujeitos

INTROoucAO AUNGuisnCA

os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros sua consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste mesmo processo Neste sentido 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn arteslio mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os outros que ela se constitui ( ) As interacOes nao se dao fora de urn contexto social e hist6rico mais amplo na verdade elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos singulares no interior enos limites de uma detenninada form~o social sofrendo as interferencias os controles e as sele90es impostas por esta TambCm nlio sao em relashy930 a estas condi95es inocentes Sao produtivas e hisroricas e como tais acontecendo no interior enos limites do social constroem por sua vez limites novos (1991 p 6) -

Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da Comunicasiio a concepsao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito meramente interpessoal ultrapassa 0 contexto imediato e local de produSiio da significasao ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito voltando-se para os mecanismos de constituisao e determinasao das condutas humanas por sua vez baseados nas condisoes materiais e ideologicas de vida em sociedade Esta concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir modos de pensar modos de sentir)

Critico do que denominou subjetivismo abstrato Bakhtin fOIjou urn construto te6rico critico em relasao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao a consciencia a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao a enunciayao) A nosiio de dialoshygismo tal como postulada por ele explode essa dicotomia

A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completashymente rejeitada 0 centro organizador de toda enuncia9ao de toda expressao nao e interior mas exterior esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ) A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social quer se trate de urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo que coostitui 0 conjuoto das condicOes de vida de uma determinada comunidade linguistica (1981 p 107)

Para Bakhtin e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyaoda linguagem e da constituiyao dos sujeitos como se afirrna em vanas passagens do celebre sexto capitulo (intitulado A intera~ao verbal) de sua obra Marxismo efilosofia da linguagem do qual extraimos 0 trecho abaixo

A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada nem pelo ato psicofishy

MUSSALIM bull BErms332

siol6gico de sua produyao mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes A intera~ao verbal constitui assim a reshyalidade fundamental da lingua C ) Um importante problema decorre dai 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata mas tambem atraves dela 0 contexte social mais amplo Essas relayoes tomam formas diversas e os diversos elementos da situayiio recebem em Jigayao com uma ou outra forma uma significayao diferente (assim os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica) A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981 p 123)

Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados bern como apropria condicao de seu aconshytecimento - Todorov propoe dois tipos de relacao dialogica a interlocucao e a intertextualidade salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo demiddottodo discur~o

() pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser enconshytrado pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984 p 71-2)

o conceito de diaIogo na refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn duplo dialogismo analisado por Authier-Revuz que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade termo usado por Todorov

E urn duplo dialogismo - nao por adisao mas por interdependencia shyque ecolocado na fala a orientasao dialogica de todo discurso entre outros discursos eela mespl3jj~logicamente orientada determinada por este outro discurso especifioo d61teceptor tal como imaginado pelo locutor como condiyiio de compreensiio do primeiro A considerasao da interlocusao como fator consti tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982 p 118-9)

Como bern sublinham os autores acima a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interasao verbal todo ate enunciativo toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de outro como interlocutor e como (inter)discurso 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa na polifonia nos discursos relatados nas diferentes posisoes enunciativas assushy

I~UcAOAUNGulSTICA 333

midas pelos falantes - marca discursivamente a concepcao de sujeito 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros por meio do discurso dos outros por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso

Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982 1995 1998 entre varios outros) sao exemplares em relacao ainfiuencia do dialogismo bakhtiniashyno nos estudos linguistico-discursivos Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa empiricamente apoiados sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo

Uma interessante discussao sobre a intersecsao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994 1997 2001 2002) Trabalhando com nosoes como sujeito estilo genero e heterogeneidade a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma analise dialogica do discurso ou seja

urn conjunto de procedimentos analiticos urn arcabou~ te6rLco que embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002 p 126)

Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin Brait perscruta a nocao sob a perspectiva de uma analise dia16gica do discurso tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos 0 de genero e 0 de estilo

Levando em conta nossos interesses vale a pena destacar as ponderasoes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nosao de interasao Discurso na arte e discurso na vida de 1926 e Marxismo e filosofia da linguagem de 1929 Em relayiio ao primeiro texto no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relasOes entre literatura e sociedade afirma Brait

o conceito de interaljao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade de se pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem Esse caminho que implica o1har para a materialidade verbal e extrashyverbal constitutivas de uma enunciayao de um enunciado concreto reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramaticalinguistica assim como de suas fluidas fronteiras (2002 p 134-5)

Em rela~ao ao segundo texto no qual Bakhtin explicita que a intera~o no diz respeito exclusivamente ao discurso oral surge segundo Brait a

334 335

perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

~

iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

--

346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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Page 6: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

MUSSAUM bull BENTES

320

a Psicologia

Social e a Etnografia da Comunica~ao viram-se igualmente envolvirlas

com a tematica das rela~oes entre individuo e sociedade Goffman (1973) destaca uma variedade de praticas sociais que se desenshy

vol vern mesmo na ausencia de outras pessoas isto e que ocorrem na ausencia de uma intera~ao social direta que nao se inscrevem noS timites estritos da conversa~ao (como a gesticula~ao e a postura corporal) Para GotTman haveria em todo contexto interativo algo que lhe e propriO construido em fun~ao das particularidades dos sujeitos nele envolvidos e da qualidade de suas intera~5es no curso de uma determinada a~ao

( ) cada participante enlra em uma situayao social portando uma biografiaja rica de interayoes passadas com outros participantes - ou peo menoS com participantes do mesmo tipo do mesmo modo ele vem com um grande conjunto de pressuposiyOes

culturais que presume serem partilhadas (1988 p 197)

Ao final dos anos de 1970 tanto a Etnometodologia quanto outras aborshydagens microssociologicas desenvolvem-se no mundo todo Alguns autores relacionam esse fato ao decinio shy verificado a epoca shy do prestigio de posishyy5es marxistas mais ortodoxas A influencia marcante da Etnometodologia nao deixaria de assinalar de alguma forma a perda de prestigio de uma certa tradiyao sociolog

ica europeia Com isso as questoes valorizadas no campo passam a ser

nao essencialmente as condi~oes materiais e ideologicas em que se dao as rela~ socia is mas sim as que se baseiam em analises micro isto e as que conferem especial aten~o as mudan~as e aoS avan~oS tecnologicos as novas condi~oes de trabalho e intera~ao que vao se colocando para urn mundo em globaliza~ao ao levantamento de competencias e padroes interativos que caracterizam a interayao

entre individuos e grupos sociais etc Coube ao nort~ainericano Harold Garfinkel cunhar 0 termo Etnometodoloshy

gia (1967) para idefitificar a abordagem que procura descrever os processos que caracterizam ou constituem a comunica9ao interpessoal analisando 0 modo como os individuos interagem e se comportam em meio a diferentes situ

a9 0es

especifishycas da vida cotidiana A concep9ao de social que se estabelece aqui se configura a partir da analise do que se produz nas a90es cotidianas e leva em considera~o todo urn sistema de cren9as e modos de agir dos sujeitos em intera9

30

Vigente ate hoje esse enfoque baseado em modelos normativos de a~o inspindos em diferenampes enquadres te6ricos e autores como Garfinkel Habenll8 Schlitz Boudon ou Boltanski prioriza 0 papel dos sujeitos na organiza~o social bern como nas intera90es verbais as estrategias e os savoir-faire comunicativOS a

INlROOU~AUNGuisnCA 321

constru~ao de imagens identitarias a gestao de regras pragmltiticas as interaltoes no mundo do trabalho a institucionalizasao dos espaltos interativos os tipos ou formas gerais de intera~ao etc

o interesse dessa perspectiva de inspirayao motivacional (ou psicologica) se pauta ou se restringe pois a situa~oes especificas que condicionam a comushynicaltao interpessoal Nao e por acaso que as analises dai derivadas privilegiam o que se passa local mente na ayao

Tendo por foco a atividade humana por meio da qual os agentes elaboram Jinhas de conduta em situayoes concretas a Hnometodologia toma-se como ressalta Vion (1992) proxima do interacionismo simbolico inaugurado pelo psishycologo norte-americano George Mead (1863-1931) volta do para a investigayao da genese da subjetividade (mais precisamente do Self) no processo de interayao social Para Mead 0 sujeito (0 Self que corresponde a uma identidade construida socialmente) se constitui enquanto tal na comunicaltao e por ela

A importancia daq~lo que n6s chamamos de comunicayao resIde no fato de que ela fomece uma forma de comportamento em que 0 organismo 0 individuo pode tomar-se urn objelo para si mesmo ( )0 Self sendo urn objeto para si eessencialshymente uma estrutura social e nasce na experiencia social ([1934]1963 p 118-9)

Entretanto como afirrna Vion (1992) se para a interacionisma sirnbolico tanto a qualidade dos process as interativas que produzem e reproduzem as esshytruturas sociais quanta as estruturas em si sao igualmente irnportantes no estudo iIa realidade social para os etnometodologos e a propria a9ao - localmente lnvestigada shy que pode interpretA-Ia (dai a importancia do contexto situacional

bull e da indexicalidade de toda ayao)

No campo saciologico a reayao contra 0 empirismo atribuido as pesquishyetnometodologicas ou contra a possibilidade que elas tern de transfonnar

em metodologos de suas a~Oes algo que seria proprio das analises localmente na ayao nao deixou de ser registrada por varios autores

Phillips

De urn lado a leoria de Garfinkel concebe as praticas que constituem deg trabalho de objetivayao da ordem como metodos que servem para preencher 0 abismo que separa 0 situacional e 0 geral como por exemplo as praticas ad hoeing e principio de et cetera Mas de outro lado as pesquisas efetivamente conduzidas em Etnometodologia colocam luz em wna multidio de outras pniticas de ordens diferentes mas que podem muilo plausivelmcnle e apesar das recome~ da

serem apresentadas como regras seja qual for a generalidade (1978 p 64)

MU5SAUM bull BENItS

322

A chamada Linguistica Interacional mas nao apenas ela deve muito a essas vertentes 0 que e focalizado a partir da delimitayao da nOyao de interashyyaO no campo da Linguistica lnteracional (cf Kerbrat-Orecchioni 1990 1998 Vion 1992 Mondada 19942001) configura urn conjunto de questoes Jigadas a todo tipo de produyao linguistica que e considerada material interativo pnitishycas estrategias e operayoes linguageiras dinamicas de trocas conversacionais comunicayao verbal e nao verbal construyao de valores culturais atividades referenciais e inferenciais realizadas pelos falantes normas pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem etc Esses exemplos-nao exc1uem 0 fato de que todo ato de linguagem e no fundo essencialmente interativo mesmo 0 que nao envolve ayao conjunta ja que uma dimensao dialogica (suposta mesmo na significayao isolada ou unilateral) e base estruturante de todo processo verbal (0 que supoe a existencia de interayao tambem em mono logos soliloquios textos

escritos conferencias discurso interior etc) Arelayao entre linguagem e outros processos cognitivos (pensamento meshy

moria percepyao etc) geqtu desde osanos 1960 muitos estudos no terreno do interacionismo Esta perspectiva na verdade coexiste aepoca com outrasaborshydagens teoricas isto e 0 inatismo e 0 cognitivismo que reservam alinguagem

urn lugar epistemologico distinto Sabe-se que como consequencia do dualismo ontologico a relayao entre

linguagem e pensamento - como de resto todo fenomeno cognitiv~ - foi primeiramente vinculada ao biologico e concebida praticamente amargem da

linguagem e das interayoes sociais Preocupados em reftetir sobre 0 lugar da interayao da crianya com 0 meio

circundante no desenvolvimento linguistico e cognitivo autores como Piaget Vygotsky e Bruner contribuiram de maneira decisiva - cada urn asua maneirashypara 0 entendiment~Aa interayao como um problema te6rico para a Linguistica

Sr _I As abordagiQ5ltonstrutivistas a partir dos trabalhos inspirados na teoria da

ayao do bi61ogo suiyo Jean Piaget - para quem a aquisiyao de conhecimentos resulta de uma troca continua de informa~iio entre a tomada de consciencia da a~ao e a tomado de consciencia do objeto ([1974]1976) - consideram que-a cogniyao humana se define em funyao de estruturas ou esquemas que 0 organisshymo desenvolve em tome de um conjunto de ayOes coordenadas e em funyao da interayao que mantem com 0 meio ambiente deterrninante de forrnas possiveis

de linguagem e de outros sistemas cognitivos Por seu tumo as abordagens interacionistas DO campo psicoliQampUistico conshy

sideram a linguagem urna ayao compartilhada que percorre urn duplo percurso na relayao entre sujeito e realidade intercognitivo (sujeitomundo) e intracognitivo

ImROOUltAO UNGuisTICA 323

(linguagem e outros process os cognitivos) A interayao e a base da construyao do conhecimento e da dupla natureza da linguagem (cognitiva e social) Cogniyao aqui define-se como urn conjunto de varias formas de conhecimento que nao e totalizado ou subsumido por linguagem mas que de alguma forma se encontra sob sua responsabilidade Os processos cognitivos dependentes (assim como a linguagem) da significayao nao sao tornados como comportamentos previsiveis ou aprioristicamente concebidos como se estivessem a margem das rotinas significativas da vida em sociedade Nessa abordagem 0 tipo de relayao que se estabelece entre linguagem e cogniyao e de mutua constitutividade na medida em que supoe que nao lui possibilidades integrais de pensamento ou dominios cognitivos fora da linguagem nem possibilidades de linguagemfora de processos interativos humanos (Morato 1996 p 18)

Tendo em vista que nao recusariam uma ponte conceitual entre 0 biologico e o adquirido socialmente as abordagens que partem da conjugayao dos trabalhos de Piaget e Vygotsky sao muitas vezes tambem chamadas de socioconstrutivisshytas Contudo embora Jrossam ser aproximados sob determinados aspectos 0

construtivismo e 0 interacionismo preconizados respectivamente por Piaget e Vygotsky estiio longe de serem identicos

Para 0 primeiro cumpre lembrar e a inteligencia 0 motor da aquisiyao de linguagem via noyao de desenvolvimento para 0 segundo a linguagem e 0 motor do processo de aquisiyao cognitiva geral via noyao de mediayao (interayiio soshycial) As noyoes de equilibrayao e de intemalizayao respectivamente ocupam um lugar importante para 0 entendimento do desenvolvimento linguistico-cognitivo em uma e em outra abordagem

Resumidamente oque pretende 0 construtivismo de Jean Piaget (1896-1980)

Em sua vasta obra Jean Piaget pautou-se pelo estudo da psicogenese dos processos que respondem pelo desenvolvimento da inteligencia humana Na compreensao da formayao e desenvolvimento dos sistemas cognitivos Piaget postula a existencia de urn processo central de equilibra~iio respons3vel pelos processos de adapta~ao e de organiza~iio Para ele 0 organismo possui um conshyjunto de esquemas de ayao aptos a lidar com 0 mundo circundante uma situayiio que se apresenta como nova pOe 0 organismo em desequilfbrio obrigando-o a adaptar seus esquemas a fim de restaurar 0 equilibrio Esse processo essencial para 0 desenvolvimento cognitivo humano echamado por Piaget de equilibra~ao ([1974]1976)

A partir da descri~o dos mecanismos que subjazem ao sistema cognitivo em desenvolvimento 0 autor identifica res tipos de equilibra~ao 0 que ocorre nas interayoes entre individuos e objetos (objetos de conhecimento objetos de

324 325 MUSSALIM bull BENTES

aprendizagem) 0 que ocorre nas interayoes entre os subsistemas cognitivos e 0 que diz respeito as relayoes sociais que envolvem as interayoes entre os subsisteshymas cognitivos e 0 mundo circundante Como se observa a partir dessa brevissima menyao aos estudos piagetianos a formulayao das considerayoes a respeito do equilibrio cognitivo que ocorre nas inter-relayoes sociais e concebida a partir dos estudos a respeito do equilibrio (intemo) dos sistemas cognitivos individuais

Se de fato Piaget (como a Psicologia cumpre assinalar) nao ignorava que 0 desenvolvimento da linguagem se da na relayao que a crianya mantem com 0 outro (notadamente com a mae) 0 fato de seu interesse estar focalizado no-conhecimento (ou no dominio cognitivo) da crianya implicou uma exc1usao da linguagem do arcabouyo te6rico construtivista (cf Pereira de Castro 200 I)

Por outro lado se sao facultados a linguagem e as interayoes sociais a genese e 0 desenvolvimento cognitivo estaremos as voltas com uma perspectiva denoshyminada sociointeracionismo ou interacionismo sociocultural cujo maior expoente e sem duvida 0 psic610go bielorusso LeY Semyonovich Vygotsky (1896-1934)

Quando se focaliza hoj~ 0 estudo dacogniyao em meio as atividades soshycioculturais dos sujeitos e n~ presenya de uma ordem da linguagem que nao a reduz ao sistema linguistico stricto sensu 0 fato nao deixa d$ representar de shyalguma forma urn legado da abordagem levada a cabo inicialmente por auto res como Vygotsky Varios fenomenos anaJisados no ambito da Linguistica como a construsao da referencia os processos meta 0 discurso interior a indeterminashysao semantica 0 contexto pragmatico das operasoes cognitivas a reflexividade etc ganham maiores contomos expJicativos no dialogo com a perspectiva soshyciocultural da cogniSao humana preconizada por ele e por outros estudiosos nas primeiras decadas do seculo xx Nessa perspeetiva a linguagem tanto por suas propriedades formais quanto discursivas 6 uma forma privilegiada de cognisao

Para Vygotsky e a signifieayao 0 que plasma a relasao do tipo constitutiva

entre linguagem e eo~~o Em suas palavras (

o pensamento niio esomente mediado extemamente pelos signos Ete emediado intemamente pelos sentidos ( ) A comunicaYiio da consciencia pode ser realizada somente indiretamente atraves de um caminho mediado ([1934]1987 p 282)

Segundo ele pr6prio afirma a respeito desse caminho mediado s6 a linguagem poe essd relarao a claro

Ao postular que a Wlidade da rela~o linauasem-cognicao se estabelece enunciativamente isto middot6 nas situarr~s dial6gicas ele identifiea urn continuum entre interioridade e exterioridade ele estabeleee amaneira de Bakhtin uma

INTROOUylO AUNGuisTICA

fronteira dialetica de duas esferas da realidade Sobre isso a prop6sito afirma Bakhtin

A atividade mental tende desde a origem para uma expressao extema plenamente realizada ( ) Vma vez materializada a expressao exerce um efeito reversivo soshybre a atividade mental ela poe-se entiio a estruturar a vida interior a dar-Ihe uma expressiio ainda mais definida e mais estlivel Essa aYiio reversiva da expressao bem formada sobre a atividade mental tem uma importiincia enorme que deve ser sempre considerada Pode-se dizer que nao etanto a expressao que se adapta ao nosso mundo interior mas 0 nosso mundo interior que se adapta as possibilidades de nossa expressao aos seus caminhos e orientaltoes possiveis (1981 p 118)

Sao dois os movimentos te6ricos pretendidos por Vygotsky para apontar a natureza enunciativa da interarrao entre linguagem e mundo social 0 primeiro pode ser apreendido pela descrisao do proeesso de internalizasao em que ooushytro e a fala do outro orientam as avoes da crianya mediando discursivamente a refertncia (0 percurso intercognitivo)

A internalizacao dos processos sociais via linguagem da origem a sua funyao organizadora que por sua vez emerge segundo Vygotsky na relasao entre a fala e a asao no momento em que as duas se deslocam

Vma vez que as crianras aprendem a usar efetivamente a fimYiio planejadora de sua linguagem 0 seu campo psicol6gico muda radicalmente Vma visao q~ futuro e agora parte integrante de suas abordagens ao ambiente imediato ( ) Assim com a ajuda da fala as crian~as adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu pr6prio comportamento (1984 p 29-31)

Internalizando a linguagem do outro preservando em termos intracognishytivos seu papel mediador (e organizador) ao qual submete suas pr6prias arr~s a criaDsa passa da condirrao de interpretada para interprete de estados de coisas dono mundo da dependencia da forma dialogal para a partir da diferenciavao dos papeis enunciativos uma certa autonomia enuneiativa de urna especie de conseiencia dial6giea para uma consciencia monol6gica da dependeneia do extratextual para urn progressivo apagamento da necessidade do eontexto como indispensavel fonte interpretativa

De fato os estudos linguisticos devem muito a essa perspectiva que salieDshyta a socio1enese da linguagem e da cogni~ humana No campo dos estudos aquisicionais por exempl0 Claudia de Lemos num texto intitulado Universais Iinguisticos ou lingua original (1981) reconhece naquele momenta a infIuencia

326 MUSSAlIM bull BEKTfS

de Vygotsky sobre sua reflexao ao se referir ao autor para afinnar que a criayao linguistica em situayoes de input se deve a urn quadro relacional dialetico entre a interayao da crianya com 0 mundo fisico e com 0 mundo social (op cit 37) Com reiayao ainfluencia das reflexoes de Bakhtin em seus estudos sobre os processos aquisicionais vejamos 0 que afinna De Lemos num texto de 1990 intitulado Afumao e 0 destino da palavra alheia tres momentos da reflexao de Bakhtin

Em trabalhos anteriores tentei formular a questao que orienta a minha busca de entendimento daaquisiyao de linguagem como da compreensao da trajetoria pela qual a crianya passa de interpretado pelo outro a interprete do outro de si proprio e de estados de coisas no mundo Recentemente tenho-me dado conta de forma mais aguda que a essa questlio se vincula ada conversao do discurso do outro em discurso proprio ( )Seria a conversao do discurso do outro em discurso proprio uma condiyao para a conversao do discurso proprio em discurso do outro (1990 p 2)

Os temas ligados anOyao de imerayao (inclusive os problemas ou a ausencia de interayao) no campo lingu~tico sao complexos se nao a tomamos sumariashymente como comunicayao conversayao ou troca de infonnayoes Nao menos complexo e 0 debate que a nOyao-de interayao enquanto pratica social coloca em cena 0 que envolve as relacoes entre reflexao e ayao Essa questiio surge para as perspectivas interacionistas sob vanas formas

Como uma extensao das abordagens socioculturais da cognicao humana bern como das abordagens conversacionais de inspiraCao etnografica e tambem como reacao ao cognitivismo classico e alnteligencia Artificial surge nas ultishymas decadas do seculo XX 0 que se convencionou chamar de teoria da acao ou teoria da acao situada cuja unidade de analise e a atividade desenvolvida pelos sujeitos no decurso da interaCao Por este tenno - acao situada (situated action) - entende-se que toda a9lio humana depende estreitamente das circunsshytancias materiais e soqai$rlas quais se dlio assim procura-se a partir dessa noyao nascida no ambito dos(estudos desenvolvidos em Etnometodologia descrever e analisar como os sujeitos planejam e executam suas aCOes no decurso da inshyteracao na qual estiio envolvidos (Suchroan 1987) Nessa perspectiva as acOes sao tidas como social e fisicamente situadas a situacao na qual se dao as ~Oes _ nao redutivel a urn jogo de representafoes mentais previamente objetivadas nos aparelhos cognitivos (Visetti 1989) - e essencial para se compreender 0

que nelas se passa Asiociada bull ~ de ~ situada WD-SC a de cOampDi9lio situada que se

fundamenta na interdependencia da a9lio e da reftexao com base no argumento segundo 0 qual 0 contexto social em que a atividade cognitiva se desenvolve e

I

INlHOouiAo AUNGuisncA 327

parte essencial dessa atividade e nela nao desempenha urn papel apenas coadshyjuvante (Resnick et al 1991) Assim para essa abordagem todo ato cognitivo deve seT visto como uma resposta especifica para urn conjunto de circunstancias A noyao de social aqui nao diz respeito apenas a urn contexto institucional ou situacional no qual se desenvolve uma atividade mas tambem a instrumentos cogshynitivos que utilizamos cotidianamente Vale lembrar que a ideia de instrumentos cognitivos e emprestada de psicologos sovieticos como Leontiev e Vygotsky para quem a linguagem e considerada 0 instrumento cognitivo por excelencia 0

instrumento dos instrumentos

A estruturayao do discurso e a gestiio da interayao esmo entre os objetos de estudo dos que trabalham com 0 conceito de cogniciio situada e se pautam pelo primado da atividade social postulado por Vygotsky Leontiev e Luria - a celeshybre troika da Psicologia Sovietica que nas primeiras decadas do seculo XX dedicou-se a explorar os principios explicativos da natureza social da cognicao humana Esse entendimento esta de alguma fonna presente na concepCao de inshyterayao como atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisicao da linguagem se torna possivel como podemos observar na seguinte passagem de Mondada e Pekarek

A cogniylio pode ser compreendida como situada em dois sentidos de uma parteela pode ser considerada como enraizada na interaltyao social (Rogoff 1990) de outra parte ela pode ser compreendida como estando ancorada nos contextos institucionais e culturais mais largos (Cole 1994 e 1995 Wertsch 1991a e b)a abordagem socioshycultural procura reunfr esses dois aspectos em urn modelo coerente ()Aatividade enquanto processo dinamico situado nas estruturas socio-historicas encontra-se assim apresentada como ponto de partida para 0 estudo do funcionamento mental Nesses termos encontra-se ao mesmo tempo estabelecida a concepylio de cogniyao como pnitica distribuida emergente das atividades locais que nao somente se opOe asua modeliza~o tradicional e individualizante em termos de interioridade e de intencionalidade mas que mais geralmente se recusa aseparaylio entre 0 que relevaria do dominio do desenvolvimento individual cognitivo e autonomo e do que relevaria do dominio da atividade coletiva interativa e social (2000 p 154-5)

Para Mondada e Pekarek 0 estudo da natureza a urn so tempo socio-historica e local das atividades desenvolvidas no interior de situaCOes humanas como a aprendizagem ou a aquisi9lio de linguagem pode redimensionar a maneira pela qual sao compreendidas as relaCoes interpessoais certos valores sociais (como competencia padrOes normativos) detenninadas formas de estruturaCao dos eventos comunicativos maneiras de participary~o dos sujeitos oas comunidades etc (op cit 160)

329 MUSSAlIM bull 8poundNITS 328

Aquestao posta pelas autoras relativa ao entendimento de que as diferentes competencias humanas estao imbricadas nas atividades enos quadros de partishycipayao especificas (p 169) dos sujeitos nao deixa de evocar a discussao entre reflexao e ayao frequente de uma forma ou de outra no interacionismo

o interess~ pelas formas (conscientesinconscientes voluntariasinvoluntashyrias subjetivasintersubjetivas explicitasimplicitas etc) pelas quais os sujeitos apreendem as ayoes nas quais estao envolvidos nao tern deixado de aparecer nos trabalhos dos que se dedicam ao estudo da interayao seja qual for 0 posto de

observayao adotado Como exemplo desse interesse tomemos a postulayao de uma reciprocidade

entre reflexao e ayao a supor e demandar alguma capacidade reflexiva dos sujeitos imersos nas pniticas sociais Esse entendimento presente na obra de sociologos como Max Weber Anthony Giddens ou Norbert Elias tambem se ve por exemplo na introduyao do chissico livro do frances Alain Touraine intitulado Sociaagia

- da a~ao publicado originalmente em 1965 no qual 0 autor sublinha - ~

Uma ayao social s6 existe se em primeiro lugar esta orientada a certos objetivos orientayao que como se sublinhara mais adiante nao deve ser definida em termos de intencentes individuais conscientes se em segundo lugar 0 ator esta situado em sistemas detelayOes sociais se por ultimo a interayao se faz comunicayao grayas ao emprego de sistemas simb6licos dos quais a linguagem e0 mais manifesto ( ) De urn lado a ayao nao pode se definir somente como resposta a uma situayao social e antes de tudo criayao inovayao atribuiyao de sentido ( ) Mas esta ayao naoshypode ser definida independentemente de seu sentido para 0 sujeito (1968 p 19-20)

Arrazoados como 0 acima afinados com uma iniciativa racionalista admishytern ou postulam que os individuos possuem urn conhecimento adequado de seus muodos de a~o agip5P~e forma objetiva e intersubjetiva em rela-ao a eles

Avisao subjeti~i~ta da ayao social se opoem sociologos de orientayao marxista como 0 frances Pierre Bourdieu que critica nos chamados teoricos da ayao (como SchUtz ou Garfinkel por exemplo) uma especie de naturalizayao da capacidade reflex iva dos sujeitos e urna simplificayao do conceito de social ou de rela~s sociais Ou seja ele critica a suposi~ao de que os individuos unishyversalizam suas pr6prias reflexOes sobre a ayao como se fossem propriedades mentais e automatizadas oa propria a~ao e nao nas rela~Oes que as condicionam maacrialmcDie ideologicamente discursivamente

Para Bourdieu essa perspectiva opOe de maneira dicotomica rela~o inteshyleetual e relayao pratica e deixa de levar em conta que a reflexividade (a reflexao

IrmoD~AuNGuisnCA

sobre 0 que fazemos ou estamos a fazer) nao deixa de estar presente nas condutas pniticas - mesmo que ela nao seja uma caracteristica de toda acao mesmo que estejamos sempre condicionados em alguroa medida por restri~oes sociais hisshytori cas ideologicas Para Bourdieu (1980) vale lembrar nos agimos num mundo que impoe sua presen~a com suas urgencias suas coisas aJazer e a dizer suas coisasJeitas para serem ditas que comandam diretamente os gestos ou asJalas semjamais se desdobrar como um espetdculo

Como ressaltam Morato e Bentes em urn artigo no qual discutem - via conceitos de competencia e de lingua legitirna - as maneiras pelas quais a Linshyguistica e interpeada pelo sociologo frances

a critica que se faz a Bourdieu quanto a essa questAo (isto e a que envolve a relayao entre reftexao e ayao) parte do principio de que por estar interessado na ayao que realizam os atores nas praticas socia is ele teria negligenciado a reftexao de que sao capazes para agir socialmente dando pouca impomncia (ou uma importancia menor) as capacidades reftexivas dos sujeitos ou a maneira como eles reftetem sobre suas ayoes (2002 p 33)

Porem 0 proprio Bourdieu sempre procurou afastar essa critica como se VI em Reponses de 1992 oode ele procura ainda mais uma vez esclarecer sua posi~ao em rela~ao ao que evisto por seus criticos como mero determinismo afirmando que 0 habitus essa matriz ideol6gica determinada pela posi~ao soshycial a partir da qual se ve e age no mundo e urn sistema de disposi~ao aberto duIivel mas nao imutavel

Como apontam Morato e Bentes podemos encontrar nessa e em Outras passagens da obra de Bourdieu uma critica ao racionalismo do tipo inatista uma tentativa de supera~ao da dicotomia reflexao-a~ao em suas proprias pondera~oes a respeito da capacidade reflexiva dos sujeitos sobre suas a~oes e a de seus pares

Para Bourdieu (1979) fenomenos sociologicos como a distin~o e 0 habitus impregnam profundamente os psiquismos e os corpos atraves deles podemos observar como as estruturas sociais impregnam as estruturas cognitivas Dai que para a maior parte de nossas ~ nao haveria uma reflexao especial posto que somos tornados de maneira largamente inconsciente pelo jogo social seus pressupostos culturais e suas praticas ou formas de a~o Desde que as estruturas sociais objetivas para ele sao parte integrante da subjetividade e esta participa das primeiras haveria nessa passagem de Bourdieu um movimento de supera~o da distinyao entre reflexao e ayao (2002 p 34)

Se inicialmente a djscus~o sobre as rela~s entre reflexao e a~o projeshytou-se acentuadamente no campo linguistico via Psicologia e via Etnometodoshy

330 331 MUSSAUM bull BHlffS

logia 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas com a introducao de uma concepcao hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmacao de uma ordem social na qual se inscreve a linguagem vista a partir de uma perspectiva dial6gica Uma boa exshypressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da nocao de interacao com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo

Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de interashycao Bakhtin vincula as interacoes verbais as interacoes sociais mais amplas relacionando a nosao nao apenas com as situasoes face a face mas as situasoes enunciativas aos processos dial6gicos aos generos discursivos a dimensao estishyHstica dos generos Na perspectiva bakhtiniana a interacao verbal e a realidade fundamental da Hngua e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa interasao urn modo de produsao social da Hngua

Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem de 9290 texto que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizacao linguistica modema Bakhtin ja reffete sobre 0 problema da interacao empregando em 1925 a expressao interacao verbal face a face em sua obra tcrits sur Ie freudisme Ao analisar a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo social Bakhtin indica 0 lugar da interasao em uma teoria social da enunciayao formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito afirmando que 0

enunciado e 0 produto de uma intera~iio entre locutores e de maneira mais ampla 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu (1980 p 174)

Como podemos perceber a concepyao dial6gico-discursiva de interayao desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiylties rnateriais de produsao e leva em conta fatores de signii~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente isto e constituidos a pahirdos mecanismos e das condisoes de produyao que os mobilizam Para ele lembremos a lingua constitui um processo de evolufiio ininterrupto que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores e o produto desta interasao a enunciasao tern uma estrutura puramente social dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocushytores (1981 p 127)

A prop6sito num capitulo de seu livro Portos de passagem no qual analisa a metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf Bakhtin 1981 p 124) Geraldi assim situa - e ao faze-Io exprime urna sintese da perspectiva diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interasOes entre os sujeitos

INTROoucAO AUNGuisnCA

os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros sua consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste mesmo processo Neste sentido 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn arteslio mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os outros que ela se constitui ( ) As interacOes nao se dao fora de urn contexto social e hist6rico mais amplo na verdade elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos singulares no interior enos limites de uma detenninada form~o social sofrendo as interferencias os controles e as sele90es impostas por esta TambCm nlio sao em relashy930 a estas condi95es inocentes Sao produtivas e hisroricas e como tais acontecendo no interior enos limites do social constroem por sua vez limites novos (1991 p 6) -

Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da Comunicasiio a concepsao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito meramente interpessoal ultrapassa 0 contexto imediato e local de produSiio da significasao ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito voltando-se para os mecanismos de constituisao e determinasao das condutas humanas por sua vez baseados nas condisoes materiais e ideologicas de vida em sociedade Esta concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir modos de pensar modos de sentir)

Critico do que denominou subjetivismo abstrato Bakhtin fOIjou urn construto te6rico critico em relasao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao a consciencia a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao a enunciayao) A nosiio de dialoshygismo tal como postulada por ele explode essa dicotomia

A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completashymente rejeitada 0 centro organizador de toda enuncia9ao de toda expressao nao e interior mas exterior esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ) A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social quer se trate de urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo que coostitui 0 conjuoto das condicOes de vida de uma determinada comunidade linguistica (1981 p 107)

Para Bakhtin e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyaoda linguagem e da constituiyao dos sujeitos como se afirrna em vanas passagens do celebre sexto capitulo (intitulado A intera~ao verbal) de sua obra Marxismo efilosofia da linguagem do qual extraimos 0 trecho abaixo

A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada nem pelo ato psicofishy

MUSSALIM bull BErms332

siol6gico de sua produyao mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes A intera~ao verbal constitui assim a reshyalidade fundamental da lingua C ) Um importante problema decorre dai 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata mas tambem atraves dela 0 contexte social mais amplo Essas relayoes tomam formas diversas e os diversos elementos da situayiio recebem em Jigayao com uma ou outra forma uma significayao diferente (assim os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica) A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981 p 123)

Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados bern como apropria condicao de seu aconshytecimento - Todorov propoe dois tipos de relacao dialogica a interlocucao e a intertextualidade salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo demiddottodo discur~o

() pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser enconshytrado pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984 p 71-2)

o conceito de diaIogo na refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn duplo dialogismo analisado por Authier-Revuz que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade termo usado por Todorov

E urn duplo dialogismo - nao por adisao mas por interdependencia shyque ecolocado na fala a orientasao dialogica de todo discurso entre outros discursos eela mespl3jj~logicamente orientada determinada por este outro discurso especifioo d61teceptor tal como imaginado pelo locutor como condiyiio de compreensiio do primeiro A considerasao da interlocusao como fator consti tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982 p 118-9)

Como bern sublinham os autores acima a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interasao verbal todo ate enunciativo toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de outro como interlocutor e como (inter)discurso 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa na polifonia nos discursos relatados nas diferentes posisoes enunciativas assushy

I~UcAOAUNGulSTICA 333

midas pelos falantes - marca discursivamente a concepcao de sujeito 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros por meio do discurso dos outros por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso

Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982 1995 1998 entre varios outros) sao exemplares em relacao ainfiuencia do dialogismo bakhtiniashyno nos estudos linguistico-discursivos Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa empiricamente apoiados sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo

Uma interessante discussao sobre a intersecsao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994 1997 2001 2002) Trabalhando com nosoes como sujeito estilo genero e heterogeneidade a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma analise dialogica do discurso ou seja

urn conjunto de procedimentos analiticos urn arcabou~ te6rLco que embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002 p 126)

Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin Brait perscruta a nocao sob a perspectiva de uma analise dia16gica do discurso tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos 0 de genero e 0 de estilo

Levando em conta nossos interesses vale a pena destacar as ponderasoes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nosao de interasao Discurso na arte e discurso na vida de 1926 e Marxismo e filosofia da linguagem de 1929 Em relayiio ao primeiro texto no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relasOes entre literatura e sociedade afirma Brait

o conceito de interaljao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade de se pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem Esse caminho que implica o1har para a materialidade verbal e extrashyverbal constitutivas de uma enunciayao de um enunciado concreto reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramaticalinguistica assim como de suas fluidas fronteiras (2002 p 134-5)

Em rela~ao ao segundo texto no qual Bakhtin explicita que a intera~o no diz respeito exclusivamente ao discurso oral surge segundo Brait a

334 335

perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

~

iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

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346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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Page 7: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

MU5SAUM bull BENItS

322

A chamada Linguistica Interacional mas nao apenas ela deve muito a essas vertentes 0 que e focalizado a partir da delimitayao da nOyao de interashyyaO no campo da Linguistica lnteracional (cf Kerbrat-Orecchioni 1990 1998 Vion 1992 Mondada 19942001) configura urn conjunto de questoes Jigadas a todo tipo de produyao linguistica que e considerada material interativo pnitishycas estrategias e operayoes linguageiras dinamicas de trocas conversacionais comunicayao verbal e nao verbal construyao de valores culturais atividades referenciais e inferenciais realizadas pelos falantes normas pragmaticas que presidem a utilizayao da linguagem etc Esses exemplos-nao exc1uem 0 fato de que todo ato de linguagem e no fundo essencialmente interativo mesmo 0 que nao envolve ayao conjunta ja que uma dimensao dialogica (suposta mesmo na significayao isolada ou unilateral) e base estruturante de todo processo verbal (0 que supoe a existencia de interayao tambem em mono logos soliloquios textos

escritos conferencias discurso interior etc) Arelayao entre linguagem e outros processos cognitivos (pensamento meshy

moria percepyao etc) geqtu desde osanos 1960 muitos estudos no terreno do interacionismo Esta perspectiva na verdade coexiste aepoca com outrasaborshydagens teoricas isto e 0 inatismo e 0 cognitivismo que reservam alinguagem

urn lugar epistemologico distinto Sabe-se que como consequencia do dualismo ontologico a relayao entre

linguagem e pensamento - como de resto todo fenomeno cognitiv~ - foi primeiramente vinculada ao biologico e concebida praticamente amargem da

linguagem e das interayoes sociais Preocupados em reftetir sobre 0 lugar da interayao da crianya com 0 meio

circundante no desenvolvimento linguistico e cognitivo autores como Piaget Vygotsky e Bruner contribuiram de maneira decisiva - cada urn asua maneirashypara 0 entendiment~Aa interayao como um problema te6rico para a Linguistica

Sr _I As abordagiQ5ltonstrutivistas a partir dos trabalhos inspirados na teoria da

ayao do bi61ogo suiyo Jean Piaget - para quem a aquisiyao de conhecimentos resulta de uma troca continua de informa~iio entre a tomada de consciencia da a~ao e a tomado de consciencia do objeto ([1974]1976) - consideram que-a cogniyao humana se define em funyao de estruturas ou esquemas que 0 organisshymo desenvolve em tome de um conjunto de ayOes coordenadas e em funyao da interayao que mantem com 0 meio ambiente deterrninante de forrnas possiveis

de linguagem e de outros sistemas cognitivos Por seu tumo as abordagens interacionistas DO campo psicoliQampUistico conshy

sideram a linguagem urna ayao compartilhada que percorre urn duplo percurso na relayao entre sujeito e realidade intercognitivo (sujeitomundo) e intracognitivo

ImROOUltAO UNGuisTICA 323

(linguagem e outros process os cognitivos) A interayao e a base da construyao do conhecimento e da dupla natureza da linguagem (cognitiva e social) Cogniyao aqui define-se como urn conjunto de varias formas de conhecimento que nao e totalizado ou subsumido por linguagem mas que de alguma forma se encontra sob sua responsabilidade Os processos cognitivos dependentes (assim como a linguagem) da significayao nao sao tornados como comportamentos previsiveis ou aprioristicamente concebidos como se estivessem a margem das rotinas significativas da vida em sociedade Nessa abordagem 0 tipo de relayao que se estabelece entre linguagem e cogniyao e de mutua constitutividade na medida em que supoe que nao lui possibilidades integrais de pensamento ou dominios cognitivos fora da linguagem nem possibilidades de linguagemfora de processos interativos humanos (Morato 1996 p 18)

Tendo em vista que nao recusariam uma ponte conceitual entre 0 biologico e o adquirido socialmente as abordagens que partem da conjugayao dos trabalhos de Piaget e Vygotsky sao muitas vezes tambem chamadas de socioconstrutivisshytas Contudo embora Jrossam ser aproximados sob determinados aspectos 0

construtivismo e 0 interacionismo preconizados respectivamente por Piaget e Vygotsky estiio longe de serem identicos

Para 0 primeiro cumpre lembrar e a inteligencia 0 motor da aquisiyao de linguagem via noyao de desenvolvimento para 0 segundo a linguagem e 0 motor do processo de aquisiyao cognitiva geral via noyao de mediayao (interayiio soshycial) As noyoes de equilibrayao e de intemalizayao respectivamente ocupam um lugar importante para 0 entendimento do desenvolvimento linguistico-cognitivo em uma e em outra abordagem

Resumidamente oque pretende 0 construtivismo de Jean Piaget (1896-1980)

Em sua vasta obra Jean Piaget pautou-se pelo estudo da psicogenese dos processos que respondem pelo desenvolvimento da inteligencia humana Na compreensao da formayao e desenvolvimento dos sistemas cognitivos Piaget postula a existencia de urn processo central de equilibra~iio respons3vel pelos processos de adapta~ao e de organiza~iio Para ele 0 organismo possui um conshyjunto de esquemas de ayao aptos a lidar com 0 mundo circundante uma situayiio que se apresenta como nova pOe 0 organismo em desequilfbrio obrigando-o a adaptar seus esquemas a fim de restaurar 0 equilibrio Esse processo essencial para 0 desenvolvimento cognitivo humano echamado por Piaget de equilibra~ao ([1974]1976)

A partir da descri~o dos mecanismos que subjazem ao sistema cognitivo em desenvolvimento 0 autor identifica res tipos de equilibra~ao 0 que ocorre nas interayoes entre individuos e objetos (objetos de conhecimento objetos de

324 325 MUSSALIM bull BENTES

aprendizagem) 0 que ocorre nas interayoes entre os subsistemas cognitivos e 0 que diz respeito as relayoes sociais que envolvem as interayoes entre os subsisteshymas cognitivos e 0 mundo circundante Como se observa a partir dessa brevissima menyao aos estudos piagetianos a formulayao das considerayoes a respeito do equilibrio cognitivo que ocorre nas inter-relayoes sociais e concebida a partir dos estudos a respeito do equilibrio (intemo) dos sistemas cognitivos individuais

Se de fato Piaget (como a Psicologia cumpre assinalar) nao ignorava que 0 desenvolvimento da linguagem se da na relayao que a crianya mantem com 0 outro (notadamente com a mae) 0 fato de seu interesse estar focalizado no-conhecimento (ou no dominio cognitivo) da crianya implicou uma exc1usao da linguagem do arcabouyo te6rico construtivista (cf Pereira de Castro 200 I)

Por outro lado se sao facultados a linguagem e as interayoes sociais a genese e 0 desenvolvimento cognitivo estaremos as voltas com uma perspectiva denoshyminada sociointeracionismo ou interacionismo sociocultural cujo maior expoente e sem duvida 0 psic610go bielorusso LeY Semyonovich Vygotsky (1896-1934)

Quando se focaliza hoj~ 0 estudo dacogniyao em meio as atividades soshycioculturais dos sujeitos e n~ presenya de uma ordem da linguagem que nao a reduz ao sistema linguistico stricto sensu 0 fato nao deixa d$ representar de shyalguma forma urn legado da abordagem levada a cabo inicialmente por auto res como Vygotsky Varios fenomenos anaJisados no ambito da Linguistica como a construsao da referencia os processos meta 0 discurso interior a indeterminashysao semantica 0 contexto pragmatico das operasoes cognitivas a reflexividade etc ganham maiores contomos expJicativos no dialogo com a perspectiva soshyciocultural da cogniSao humana preconizada por ele e por outros estudiosos nas primeiras decadas do seculo xx Nessa perspeetiva a linguagem tanto por suas propriedades formais quanto discursivas 6 uma forma privilegiada de cognisao

Para Vygotsky e a signifieayao 0 que plasma a relasao do tipo constitutiva

entre linguagem e eo~~o Em suas palavras (

o pensamento niio esomente mediado extemamente pelos signos Ete emediado intemamente pelos sentidos ( ) A comunicaYiio da consciencia pode ser realizada somente indiretamente atraves de um caminho mediado ([1934]1987 p 282)

Segundo ele pr6prio afirma a respeito desse caminho mediado s6 a linguagem poe essd relarao a claro

Ao postular que a Wlidade da rela~o linauasem-cognicao se estabelece enunciativamente isto middot6 nas situarr~s dial6gicas ele identifiea urn continuum entre interioridade e exterioridade ele estabeleee amaneira de Bakhtin uma

INTROOUylO AUNGuisTICA

fronteira dialetica de duas esferas da realidade Sobre isso a prop6sito afirma Bakhtin

A atividade mental tende desde a origem para uma expressao extema plenamente realizada ( ) Vma vez materializada a expressao exerce um efeito reversivo soshybre a atividade mental ela poe-se entiio a estruturar a vida interior a dar-Ihe uma expressiio ainda mais definida e mais estlivel Essa aYiio reversiva da expressao bem formada sobre a atividade mental tem uma importiincia enorme que deve ser sempre considerada Pode-se dizer que nao etanto a expressao que se adapta ao nosso mundo interior mas 0 nosso mundo interior que se adapta as possibilidades de nossa expressao aos seus caminhos e orientaltoes possiveis (1981 p 118)

Sao dois os movimentos te6ricos pretendidos por Vygotsky para apontar a natureza enunciativa da interarrao entre linguagem e mundo social 0 primeiro pode ser apreendido pela descrisao do proeesso de internalizasao em que ooushytro e a fala do outro orientam as avoes da crianya mediando discursivamente a refertncia (0 percurso intercognitivo)

A internalizacao dos processos sociais via linguagem da origem a sua funyao organizadora que por sua vez emerge segundo Vygotsky na relasao entre a fala e a asao no momento em que as duas se deslocam

Vma vez que as crianras aprendem a usar efetivamente a fimYiio planejadora de sua linguagem 0 seu campo psicol6gico muda radicalmente Vma visao q~ futuro e agora parte integrante de suas abordagens ao ambiente imediato ( ) Assim com a ajuda da fala as crian~as adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu pr6prio comportamento (1984 p 29-31)

Internalizando a linguagem do outro preservando em termos intracognishytivos seu papel mediador (e organizador) ao qual submete suas pr6prias arr~s a criaDsa passa da condirrao de interpretada para interprete de estados de coisas dono mundo da dependencia da forma dialogal para a partir da diferenciavao dos papeis enunciativos uma certa autonomia enuneiativa de urna especie de conseiencia dial6giea para uma consciencia monol6gica da dependeneia do extratextual para urn progressivo apagamento da necessidade do eontexto como indispensavel fonte interpretativa

De fato os estudos linguisticos devem muito a essa perspectiva que salieDshyta a socio1enese da linguagem e da cogni~ humana No campo dos estudos aquisicionais por exempl0 Claudia de Lemos num texto intitulado Universais Iinguisticos ou lingua original (1981) reconhece naquele momenta a infIuencia

326 MUSSAlIM bull BEKTfS

de Vygotsky sobre sua reflexao ao se referir ao autor para afinnar que a criayao linguistica em situayoes de input se deve a urn quadro relacional dialetico entre a interayao da crianya com 0 mundo fisico e com 0 mundo social (op cit 37) Com reiayao ainfluencia das reflexoes de Bakhtin em seus estudos sobre os processos aquisicionais vejamos 0 que afinna De Lemos num texto de 1990 intitulado Afumao e 0 destino da palavra alheia tres momentos da reflexao de Bakhtin

Em trabalhos anteriores tentei formular a questao que orienta a minha busca de entendimento daaquisiyao de linguagem como da compreensao da trajetoria pela qual a crianya passa de interpretado pelo outro a interprete do outro de si proprio e de estados de coisas no mundo Recentemente tenho-me dado conta de forma mais aguda que a essa questlio se vincula ada conversao do discurso do outro em discurso proprio ( )Seria a conversao do discurso do outro em discurso proprio uma condiyao para a conversao do discurso proprio em discurso do outro (1990 p 2)

Os temas ligados anOyao de imerayao (inclusive os problemas ou a ausencia de interayao) no campo lingu~tico sao complexos se nao a tomamos sumariashymente como comunicayao conversayao ou troca de infonnayoes Nao menos complexo e 0 debate que a nOyao-de interayao enquanto pratica social coloca em cena 0 que envolve as relacoes entre reflexao e ayao Essa questiio surge para as perspectivas interacionistas sob vanas formas

Como uma extensao das abordagens socioculturais da cognicao humana bern como das abordagens conversacionais de inspiraCao etnografica e tambem como reacao ao cognitivismo classico e alnteligencia Artificial surge nas ultishymas decadas do seculo XX 0 que se convencionou chamar de teoria da acao ou teoria da acao situada cuja unidade de analise e a atividade desenvolvida pelos sujeitos no decurso da interaCao Por este tenno - acao situada (situated action) - entende-se que toda a9lio humana depende estreitamente das circunsshytancias materiais e soqai$rlas quais se dlio assim procura-se a partir dessa noyao nascida no ambito dos(estudos desenvolvidos em Etnometodologia descrever e analisar como os sujeitos planejam e executam suas aCOes no decurso da inshyteracao na qual estiio envolvidos (Suchroan 1987) Nessa perspectiva as acOes sao tidas como social e fisicamente situadas a situacao na qual se dao as ~Oes _ nao redutivel a urn jogo de representafoes mentais previamente objetivadas nos aparelhos cognitivos (Visetti 1989) - e essencial para se compreender 0

que nelas se passa Asiociada bull ~ de ~ situada WD-SC a de cOampDi9lio situada que se

fundamenta na interdependencia da a9lio e da reftexao com base no argumento segundo 0 qual 0 contexto social em que a atividade cognitiva se desenvolve e

I

INlHOouiAo AUNGuisncA 327

parte essencial dessa atividade e nela nao desempenha urn papel apenas coadshyjuvante (Resnick et al 1991) Assim para essa abordagem todo ato cognitivo deve seT visto como uma resposta especifica para urn conjunto de circunstancias A noyao de social aqui nao diz respeito apenas a urn contexto institucional ou situacional no qual se desenvolve uma atividade mas tambem a instrumentos cogshynitivos que utilizamos cotidianamente Vale lembrar que a ideia de instrumentos cognitivos e emprestada de psicologos sovieticos como Leontiev e Vygotsky para quem a linguagem e considerada 0 instrumento cognitivo por excelencia 0

instrumento dos instrumentos

A estruturayao do discurso e a gestiio da interayao esmo entre os objetos de estudo dos que trabalham com 0 conceito de cogniciio situada e se pautam pelo primado da atividade social postulado por Vygotsky Leontiev e Luria - a celeshybre troika da Psicologia Sovietica que nas primeiras decadas do seculo XX dedicou-se a explorar os principios explicativos da natureza social da cognicao humana Esse entendimento esta de alguma fonna presente na concepCao de inshyterayao como atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisicao da linguagem se torna possivel como podemos observar na seguinte passagem de Mondada e Pekarek

A cogniylio pode ser compreendida como situada em dois sentidos de uma parteela pode ser considerada como enraizada na interaltyao social (Rogoff 1990) de outra parte ela pode ser compreendida como estando ancorada nos contextos institucionais e culturais mais largos (Cole 1994 e 1995 Wertsch 1991a e b)a abordagem socioshycultural procura reunfr esses dois aspectos em urn modelo coerente ()Aatividade enquanto processo dinamico situado nas estruturas socio-historicas encontra-se assim apresentada como ponto de partida para 0 estudo do funcionamento mental Nesses termos encontra-se ao mesmo tempo estabelecida a concepylio de cogniyao como pnitica distribuida emergente das atividades locais que nao somente se opOe asua modeliza~o tradicional e individualizante em termos de interioridade e de intencionalidade mas que mais geralmente se recusa aseparaylio entre 0 que relevaria do dominio do desenvolvimento individual cognitivo e autonomo e do que relevaria do dominio da atividade coletiva interativa e social (2000 p 154-5)

Para Mondada e Pekarek 0 estudo da natureza a urn so tempo socio-historica e local das atividades desenvolvidas no interior de situaCOes humanas como a aprendizagem ou a aquisi9lio de linguagem pode redimensionar a maneira pela qual sao compreendidas as relaCoes interpessoais certos valores sociais (como competencia padrOes normativos) detenninadas formas de estruturaCao dos eventos comunicativos maneiras de participary~o dos sujeitos oas comunidades etc (op cit 160)

329 MUSSAlIM bull 8poundNITS 328

Aquestao posta pelas autoras relativa ao entendimento de que as diferentes competencias humanas estao imbricadas nas atividades enos quadros de partishycipayao especificas (p 169) dos sujeitos nao deixa de evocar a discussao entre reflexao e ayao frequente de uma forma ou de outra no interacionismo

o interess~ pelas formas (conscientesinconscientes voluntariasinvoluntashyrias subjetivasintersubjetivas explicitasimplicitas etc) pelas quais os sujeitos apreendem as ayoes nas quais estao envolvidos nao tern deixado de aparecer nos trabalhos dos que se dedicam ao estudo da interayao seja qual for 0 posto de

observayao adotado Como exemplo desse interesse tomemos a postulayao de uma reciprocidade

entre reflexao e ayao a supor e demandar alguma capacidade reflexiva dos sujeitos imersos nas pniticas sociais Esse entendimento presente na obra de sociologos como Max Weber Anthony Giddens ou Norbert Elias tambem se ve por exemplo na introduyao do chissico livro do frances Alain Touraine intitulado Sociaagia

- da a~ao publicado originalmente em 1965 no qual 0 autor sublinha - ~

Uma ayao social s6 existe se em primeiro lugar esta orientada a certos objetivos orientayao que como se sublinhara mais adiante nao deve ser definida em termos de intencentes individuais conscientes se em segundo lugar 0 ator esta situado em sistemas detelayOes sociais se por ultimo a interayao se faz comunicayao grayas ao emprego de sistemas simb6licos dos quais a linguagem e0 mais manifesto ( ) De urn lado a ayao nao pode se definir somente como resposta a uma situayao social e antes de tudo criayao inovayao atribuiyao de sentido ( ) Mas esta ayao naoshypode ser definida independentemente de seu sentido para 0 sujeito (1968 p 19-20)

Arrazoados como 0 acima afinados com uma iniciativa racionalista admishytern ou postulam que os individuos possuem urn conhecimento adequado de seus muodos de a~o agip5P~e forma objetiva e intersubjetiva em rela-ao a eles

Avisao subjeti~i~ta da ayao social se opoem sociologos de orientayao marxista como 0 frances Pierre Bourdieu que critica nos chamados teoricos da ayao (como SchUtz ou Garfinkel por exemplo) uma especie de naturalizayao da capacidade reflex iva dos sujeitos e urna simplificayao do conceito de social ou de rela~s sociais Ou seja ele critica a suposi~ao de que os individuos unishyversalizam suas pr6prias reflexOes sobre a ayao como se fossem propriedades mentais e automatizadas oa propria a~ao e nao nas rela~Oes que as condicionam maacrialmcDie ideologicamente discursivamente

Para Bourdieu essa perspectiva opOe de maneira dicotomica rela~o inteshyleetual e relayao pratica e deixa de levar em conta que a reflexividade (a reflexao

IrmoD~AuNGuisnCA

sobre 0 que fazemos ou estamos a fazer) nao deixa de estar presente nas condutas pniticas - mesmo que ela nao seja uma caracteristica de toda acao mesmo que estejamos sempre condicionados em alguroa medida por restri~oes sociais hisshytori cas ideologicas Para Bourdieu (1980) vale lembrar nos agimos num mundo que impoe sua presen~a com suas urgencias suas coisas aJazer e a dizer suas coisasJeitas para serem ditas que comandam diretamente os gestos ou asJalas semjamais se desdobrar como um espetdculo

Como ressaltam Morato e Bentes em urn artigo no qual discutem - via conceitos de competencia e de lingua legitirna - as maneiras pelas quais a Linshyguistica e interpeada pelo sociologo frances

a critica que se faz a Bourdieu quanto a essa questAo (isto e a que envolve a relayao entre reftexao e ayao) parte do principio de que por estar interessado na ayao que realizam os atores nas praticas socia is ele teria negligenciado a reftexao de que sao capazes para agir socialmente dando pouca impomncia (ou uma importancia menor) as capacidades reftexivas dos sujeitos ou a maneira como eles reftetem sobre suas ayoes (2002 p 33)

Porem 0 proprio Bourdieu sempre procurou afastar essa critica como se VI em Reponses de 1992 oode ele procura ainda mais uma vez esclarecer sua posi~ao em rela~ao ao que evisto por seus criticos como mero determinismo afirmando que 0 habitus essa matriz ideol6gica determinada pela posi~ao soshycial a partir da qual se ve e age no mundo e urn sistema de disposi~ao aberto duIivel mas nao imutavel

Como apontam Morato e Bentes podemos encontrar nessa e em Outras passagens da obra de Bourdieu uma critica ao racionalismo do tipo inatista uma tentativa de supera~ao da dicotomia reflexao-a~ao em suas proprias pondera~oes a respeito da capacidade reflexiva dos sujeitos sobre suas a~oes e a de seus pares

Para Bourdieu (1979) fenomenos sociologicos como a distin~o e 0 habitus impregnam profundamente os psiquismos e os corpos atraves deles podemos observar como as estruturas sociais impregnam as estruturas cognitivas Dai que para a maior parte de nossas ~ nao haveria uma reflexao especial posto que somos tornados de maneira largamente inconsciente pelo jogo social seus pressupostos culturais e suas praticas ou formas de a~o Desde que as estruturas sociais objetivas para ele sao parte integrante da subjetividade e esta participa das primeiras haveria nessa passagem de Bourdieu um movimento de supera~o da distinyao entre reflexao e ayao (2002 p 34)

Se inicialmente a djscus~o sobre as rela~s entre reflexao e a~o projeshytou-se acentuadamente no campo linguistico via Psicologia e via Etnometodoshy

330 331 MUSSAUM bull BHlffS

logia 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas com a introducao de uma concepcao hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmacao de uma ordem social na qual se inscreve a linguagem vista a partir de uma perspectiva dial6gica Uma boa exshypressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da nocao de interacao com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo

Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de interashycao Bakhtin vincula as interacoes verbais as interacoes sociais mais amplas relacionando a nosao nao apenas com as situasoes face a face mas as situasoes enunciativas aos processos dial6gicos aos generos discursivos a dimensao estishyHstica dos generos Na perspectiva bakhtiniana a interacao verbal e a realidade fundamental da Hngua e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa interasao urn modo de produsao social da Hngua

Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem de 9290 texto que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizacao linguistica modema Bakhtin ja reffete sobre 0 problema da interacao empregando em 1925 a expressao interacao verbal face a face em sua obra tcrits sur Ie freudisme Ao analisar a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo social Bakhtin indica 0 lugar da interasao em uma teoria social da enunciayao formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito afirmando que 0

enunciado e 0 produto de uma intera~iio entre locutores e de maneira mais ampla 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu (1980 p 174)

Como podemos perceber a concepyao dial6gico-discursiva de interayao desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiylties rnateriais de produsao e leva em conta fatores de signii~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente isto e constituidos a pahirdos mecanismos e das condisoes de produyao que os mobilizam Para ele lembremos a lingua constitui um processo de evolufiio ininterrupto que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores e o produto desta interasao a enunciasao tern uma estrutura puramente social dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocushytores (1981 p 127)

A prop6sito num capitulo de seu livro Portos de passagem no qual analisa a metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf Bakhtin 1981 p 124) Geraldi assim situa - e ao faze-Io exprime urna sintese da perspectiva diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interasOes entre os sujeitos

INTROoucAO AUNGuisnCA

os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros sua consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste mesmo processo Neste sentido 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn arteslio mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os outros que ela se constitui ( ) As interacOes nao se dao fora de urn contexto social e hist6rico mais amplo na verdade elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos singulares no interior enos limites de uma detenninada form~o social sofrendo as interferencias os controles e as sele90es impostas por esta TambCm nlio sao em relashy930 a estas condi95es inocentes Sao produtivas e hisroricas e como tais acontecendo no interior enos limites do social constroem por sua vez limites novos (1991 p 6) -

Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da Comunicasiio a concepsao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito meramente interpessoal ultrapassa 0 contexto imediato e local de produSiio da significasao ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito voltando-se para os mecanismos de constituisao e determinasao das condutas humanas por sua vez baseados nas condisoes materiais e ideologicas de vida em sociedade Esta concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir modos de pensar modos de sentir)

Critico do que denominou subjetivismo abstrato Bakhtin fOIjou urn construto te6rico critico em relasao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao a consciencia a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao a enunciayao) A nosiio de dialoshygismo tal como postulada por ele explode essa dicotomia

A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completashymente rejeitada 0 centro organizador de toda enuncia9ao de toda expressao nao e interior mas exterior esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ) A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social quer se trate de urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo que coostitui 0 conjuoto das condicOes de vida de uma determinada comunidade linguistica (1981 p 107)

Para Bakhtin e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyaoda linguagem e da constituiyao dos sujeitos como se afirrna em vanas passagens do celebre sexto capitulo (intitulado A intera~ao verbal) de sua obra Marxismo efilosofia da linguagem do qual extraimos 0 trecho abaixo

A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada nem pelo ato psicofishy

MUSSALIM bull BErms332

siol6gico de sua produyao mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes A intera~ao verbal constitui assim a reshyalidade fundamental da lingua C ) Um importante problema decorre dai 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata mas tambem atraves dela 0 contexte social mais amplo Essas relayoes tomam formas diversas e os diversos elementos da situayiio recebem em Jigayao com uma ou outra forma uma significayao diferente (assim os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica) A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981 p 123)

Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados bern como apropria condicao de seu aconshytecimento - Todorov propoe dois tipos de relacao dialogica a interlocucao e a intertextualidade salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo demiddottodo discur~o

() pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser enconshytrado pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984 p 71-2)

o conceito de diaIogo na refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn duplo dialogismo analisado por Authier-Revuz que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade termo usado por Todorov

E urn duplo dialogismo - nao por adisao mas por interdependencia shyque ecolocado na fala a orientasao dialogica de todo discurso entre outros discursos eela mespl3jj~logicamente orientada determinada por este outro discurso especifioo d61teceptor tal como imaginado pelo locutor como condiyiio de compreensiio do primeiro A considerasao da interlocusao como fator consti tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982 p 118-9)

Como bern sublinham os autores acima a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interasao verbal todo ate enunciativo toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de outro como interlocutor e como (inter)discurso 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa na polifonia nos discursos relatados nas diferentes posisoes enunciativas assushy

I~UcAOAUNGulSTICA 333

midas pelos falantes - marca discursivamente a concepcao de sujeito 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros por meio do discurso dos outros por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso

Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982 1995 1998 entre varios outros) sao exemplares em relacao ainfiuencia do dialogismo bakhtiniashyno nos estudos linguistico-discursivos Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa empiricamente apoiados sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo

Uma interessante discussao sobre a intersecsao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994 1997 2001 2002) Trabalhando com nosoes como sujeito estilo genero e heterogeneidade a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma analise dialogica do discurso ou seja

urn conjunto de procedimentos analiticos urn arcabou~ te6rLco que embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002 p 126)

Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin Brait perscruta a nocao sob a perspectiva de uma analise dia16gica do discurso tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos 0 de genero e 0 de estilo

Levando em conta nossos interesses vale a pena destacar as ponderasoes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nosao de interasao Discurso na arte e discurso na vida de 1926 e Marxismo e filosofia da linguagem de 1929 Em relayiio ao primeiro texto no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relasOes entre literatura e sociedade afirma Brait

o conceito de interaljao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade de se pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem Esse caminho que implica o1har para a materialidade verbal e extrashyverbal constitutivas de uma enunciayao de um enunciado concreto reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramaticalinguistica assim como de suas fluidas fronteiras (2002 p 134-5)

Em rela~ao ao segundo texto no qual Bakhtin explicita que a intera~o no diz respeito exclusivamente ao discurso oral surge segundo Brait a

334 335

perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

~

iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

--

346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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324 325 MUSSALIM bull BENTES

aprendizagem) 0 que ocorre nas interayoes entre os subsistemas cognitivos e 0 que diz respeito as relayoes sociais que envolvem as interayoes entre os subsisteshymas cognitivos e 0 mundo circundante Como se observa a partir dessa brevissima menyao aos estudos piagetianos a formulayao das considerayoes a respeito do equilibrio cognitivo que ocorre nas inter-relayoes sociais e concebida a partir dos estudos a respeito do equilibrio (intemo) dos sistemas cognitivos individuais

Se de fato Piaget (como a Psicologia cumpre assinalar) nao ignorava que 0 desenvolvimento da linguagem se da na relayao que a crianya mantem com 0 outro (notadamente com a mae) 0 fato de seu interesse estar focalizado no-conhecimento (ou no dominio cognitivo) da crianya implicou uma exc1usao da linguagem do arcabouyo te6rico construtivista (cf Pereira de Castro 200 I)

Por outro lado se sao facultados a linguagem e as interayoes sociais a genese e 0 desenvolvimento cognitivo estaremos as voltas com uma perspectiva denoshyminada sociointeracionismo ou interacionismo sociocultural cujo maior expoente e sem duvida 0 psic610go bielorusso LeY Semyonovich Vygotsky (1896-1934)

Quando se focaliza hoj~ 0 estudo dacogniyao em meio as atividades soshycioculturais dos sujeitos e n~ presenya de uma ordem da linguagem que nao a reduz ao sistema linguistico stricto sensu 0 fato nao deixa d$ representar de shyalguma forma urn legado da abordagem levada a cabo inicialmente por auto res como Vygotsky Varios fenomenos anaJisados no ambito da Linguistica como a construsao da referencia os processos meta 0 discurso interior a indeterminashysao semantica 0 contexto pragmatico das operasoes cognitivas a reflexividade etc ganham maiores contomos expJicativos no dialogo com a perspectiva soshyciocultural da cogniSao humana preconizada por ele e por outros estudiosos nas primeiras decadas do seculo xx Nessa perspeetiva a linguagem tanto por suas propriedades formais quanto discursivas 6 uma forma privilegiada de cognisao

Para Vygotsky e a signifieayao 0 que plasma a relasao do tipo constitutiva

entre linguagem e eo~~o Em suas palavras (

o pensamento niio esomente mediado extemamente pelos signos Ete emediado intemamente pelos sentidos ( ) A comunicaYiio da consciencia pode ser realizada somente indiretamente atraves de um caminho mediado ([1934]1987 p 282)

Segundo ele pr6prio afirma a respeito desse caminho mediado s6 a linguagem poe essd relarao a claro

Ao postular que a Wlidade da rela~o linauasem-cognicao se estabelece enunciativamente isto middot6 nas situarr~s dial6gicas ele identifiea urn continuum entre interioridade e exterioridade ele estabeleee amaneira de Bakhtin uma

INTROOUylO AUNGuisTICA

fronteira dialetica de duas esferas da realidade Sobre isso a prop6sito afirma Bakhtin

A atividade mental tende desde a origem para uma expressao extema plenamente realizada ( ) Vma vez materializada a expressao exerce um efeito reversivo soshybre a atividade mental ela poe-se entiio a estruturar a vida interior a dar-Ihe uma expressiio ainda mais definida e mais estlivel Essa aYiio reversiva da expressao bem formada sobre a atividade mental tem uma importiincia enorme que deve ser sempre considerada Pode-se dizer que nao etanto a expressao que se adapta ao nosso mundo interior mas 0 nosso mundo interior que se adapta as possibilidades de nossa expressao aos seus caminhos e orientaltoes possiveis (1981 p 118)

Sao dois os movimentos te6ricos pretendidos por Vygotsky para apontar a natureza enunciativa da interarrao entre linguagem e mundo social 0 primeiro pode ser apreendido pela descrisao do proeesso de internalizasao em que ooushytro e a fala do outro orientam as avoes da crianya mediando discursivamente a refertncia (0 percurso intercognitivo)

A internalizacao dos processos sociais via linguagem da origem a sua funyao organizadora que por sua vez emerge segundo Vygotsky na relasao entre a fala e a asao no momento em que as duas se deslocam

Vma vez que as crianras aprendem a usar efetivamente a fimYiio planejadora de sua linguagem 0 seu campo psicol6gico muda radicalmente Vma visao q~ futuro e agora parte integrante de suas abordagens ao ambiente imediato ( ) Assim com a ajuda da fala as crian~as adquirem a capacidade de ser tanto sujeito como objeto de seu pr6prio comportamento (1984 p 29-31)

Internalizando a linguagem do outro preservando em termos intracognishytivos seu papel mediador (e organizador) ao qual submete suas pr6prias arr~s a criaDsa passa da condirrao de interpretada para interprete de estados de coisas dono mundo da dependencia da forma dialogal para a partir da diferenciavao dos papeis enunciativos uma certa autonomia enuneiativa de urna especie de conseiencia dial6giea para uma consciencia monol6gica da dependeneia do extratextual para urn progressivo apagamento da necessidade do eontexto como indispensavel fonte interpretativa

De fato os estudos linguisticos devem muito a essa perspectiva que salieDshyta a socio1enese da linguagem e da cogni~ humana No campo dos estudos aquisicionais por exempl0 Claudia de Lemos num texto intitulado Universais Iinguisticos ou lingua original (1981) reconhece naquele momenta a infIuencia

326 MUSSAlIM bull BEKTfS

de Vygotsky sobre sua reflexao ao se referir ao autor para afinnar que a criayao linguistica em situayoes de input se deve a urn quadro relacional dialetico entre a interayao da crianya com 0 mundo fisico e com 0 mundo social (op cit 37) Com reiayao ainfluencia das reflexoes de Bakhtin em seus estudos sobre os processos aquisicionais vejamos 0 que afinna De Lemos num texto de 1990 intitulado Afumao e 0 destino da palavra alheia tres momentos da reflexao de Bakhtin

Em trabalhos anteriores tentei formular a questao que orienta a minha busca de entendimento daaquisiyao de linguagem como da compreensao da trajetoria pela qual a crianya passa de interpretado pelo outro a interprete do outro de si proprio e de estados de coisas no mundo Recentemente tenho-me dado conta de forma mais aguda que a essa questlio se vincula ada conversao do discurso do outro em discurso proprio ( )Seria a conversao do discurso do outro em discurso proprio uma condiyao para a conversao do discurso proprio em discurso do outro (1990 p 2)

Os temas ligados anOyao de imerayao (inclusive os problemas ou a ausencia de interayao) no campo lingu~tico sao complexos se nao a tomamos sumariashymente como comunicayao conversayao ou troca de infonnayoes Nao menos complexo e 0 debate que a nOyao-de interayao enquanto pratica social coloca em cena 0 que envolve as relacoes entre reflexao e ayao Essa questiio surge para as perspectivas interacionistas sob vanas formas

Como uma extensao das abordagens socioculturais da cognicao humana bern como das abordagens conversacionais de inspiraCao etnografica e tambem como reacao ao cognitivismo classico e alnteligencia Artificial surge nas ultishymas decadas do seculo XX 0 que se convencionou chamar de teoria da acao ou teoria da acao situada cuja unidade de analise e a atividade desenvolvida pelos sujeitos no decurso da interaCao Por este tenno - acao situada (situated action) - entende-se que toda a9lio humana depende estreitamente das circunsshytancias materiais e soqai$rlas quais se dlio assim procura-se a partir dessa noyao nascida no ambito dos(estudos desenvolvidos em Etnometodologia descrever e analisar como os sujeitos planejam e executam suas aCOes no decurso da inshyteracao na qual estiio envolvidos (Suchroan 1987) Nessa perspectiva as acOes sao tidas como social e fisicamente situadas a situacao na qual se dao as ~Oes _ nao redutivel a urn jogo de representafoes mentais previamente objetivadas nos aparelhos cognitivos (Visetti 1989) - e essencial para se compreender 0

que nelas se passa Asiociada bull ~ de ~ situada WD-SC a de cOampDi9lio situada que se

fundamenta na interdependencia da a9lio e da reftexao com base no argumento segundo 0 qual 0 contexto social em que a atividade cognitiva se desenvolve e

I

INlHOouiAo AUNGuisncA 327

parte essencial dessa atividade e nela nao desempenha urn papel apenas coadshyjuvante (Resnick et al 1991) Assim para essa abordagem todo ato cognitivo deve seT visto como uma resposta especifica para urn conjunto de circunstancias A noyao de social aqui nao diz respeito apenas a urn contexto institucional ou situacional no qual se desenvolve uma atividade mas tambem a instrumentos cogshynitivos que utilizamos cotidianamente Vale lembrar que a ideia de instrumentos cognitivos e emprestada de psicologos sovieticos como Leontiev e Vygotsky para quem a linguagem e considerada 0 instrumento cognitivo por excelencia 0

instrumento dos instrumentos

A estruturayao do discurso e a gestiio da interayao esmo entre os objetos de estudo dos que trabalham com 0 conceito de cogniciio situada e se pautam pelo primado da atividade social postulado por Vygotsky Leontiev e Luria - a celeshybre troika da Psicologia Sovietica que nas primeiras decadas do seculo XX dedicou-se a explorar os principios explicativos da natureza social da cognicao humana Esse entendimento esta de alguma fonna presente na concepCao de inshyterayao como atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisicao da linguagem se torna possivel como podemos observar na seguinte passagem de Mondada e Pekarek

A cogniylio pode ser compreendida como situada em dois sentidos de uma parteela pode ser considerada como enraizada na interaltyao social (Rogoff 1990) de outra parte ela pode ser compreendida como estando ancorada nos contextos institucionais e culturais mais largos (Cole 1994 e 1995 Wertsch 1991a e b)a abordagem socioshycultural procura reunfr esses dois aspectos em urn modelo coerente ()Aatividade enquanto processo dinamico situado nas estruturas socio-historicas encontra-se assim apresentada como ponto de partida para 0 estudo do funcionamento mental Nesses termos encontra-se ao mesmo tempo estabelecida a concepylio de cogniyao como pnitica distribuida emergente das atividades locais que nao somente se opOe asua modeliza~o tradicional e individualizante em termos de interioridade e de intencionalidade mas que mais geralmente se recusa aseparaylio entre 0 que relevaria do dominio do desenvolvimento individual cognitivo e autonomo e do que relevaria do dominio da atividade coletiva interativa e social (2000 p 154-5)

Para Mondada e Pekarek 0 estudo da natureza a urn so tempo socio-historica e local das atividades desenvolvidas no interior de situaCOes humanas como a aprendizagem ou a aquisi9lio de linguagem pode redimensionar a maneira pela qual sao compreendidas as relaCoes interpessoais certos valores sociais (como competencia padrOes normativos) detenninadas formas de estruturaCao dos eventos comunicativos maneiras de participary~o dos sujeitos oas comunidades etc (op cit 160)

329 MUSSAlIM bull 8poundNITS 328

Aquestao posta pelas autoras relativa ao entendimento de que as diferentes competencias humanas estao imbricadas nas atividades enos quadros de partishycipayao especificas (p 169) dos sujeitos nao deixa de evocar a discussao entre reflexao e ayao frequente de uma forma ou de outra no interacionismo

o interess~ pelas formas (conscientesinconscientes voluntariasinvoluntashyrias subjetivasintersubjetivas explicitasimplicitas etc) pelas quais os sujeitos apreendem as ayoes nas quais estao envolvidos nao tern deixado de aparecer nos trabalhos dos que se dedicam ao estudo da interayao seja qual for 0 posto de

observayao adotado Como exemplo desse interesse tomemos a postulayao de uma reciprocidade

entre reflexao e ayao a supor e demandar alguma capacidade reflexiva dos sujeitos imersos nas pniticas sociais Esse entendimento presente na obra de sociologos como Max Weber Anthony Giddens ou Norbert Elias tambem se ve por exemplo na introduyao do chissico livro do frances Alain Touraine intitulado Sociaagia

- da a~ao publicado originalmente em 1965 no qual 0 autor sublinha - ~

Uma ayao social s6 existe se em primeiro lugar esta orientada a certos objetivos orientayao que como se sublinhara mais adiante nao deve ser definida em termos de intencentes individuais conscientes se em segundo lugar 0 ator esta situado em sistemas detelayOes sociais se por ultimo a interayao se faz comunicayao grayas ao emprego de sistemas simb6licos dos quais a linguagem e0 mais manifesto ( ) De urn lado a ayao nao pode se definir somente como resposta a uma situayao social e antes de tudo criayao inovayao atribuiyao de sentido ( ) Mas esta ayao naoshypode ser definida independentemente de seu sentido para 0 sujeito (1968 p 19-20)

Arrazoados como 0 acima afinados com uma iniciativa racionalista admishytern ou postulam que os individuos possuem urn conhecimento adequado de seus muodos de a~o agip5P~e forma objetiva e intersubjetiva em rela-ao a eles

Avisao subjeti~i~ta da ayao social se opoem sociologos de orientayao marxista como 0 frances Pierre Bourdieu que critica nos chamados teoricos da ayao (como SchUtz ou Garfinkel por exemplo) uma especie de naturalizayao da capacidade reflex iva dos sujeitos e urna simplificayao do conceito de social ou de rela~s sociais Ou seja ele critica a suposi~ao de que os individuos unishyversalizam suas pr6prias reflexOes sobre a ayao como se fossem propriedades mentais e automatizadas oa propria a~ao e nao nas rela~Oes que as condicionam maacrialmcDie ideologicamente discursivamente

Para Bourdieu essa perspectiva opOe de maneira dicotomica rela~o inteshyleetual e relayao pratica e deixa de levar em conta que a reflexividade (a reflexao

IrmoD~AuNGuisnCA

sobre 0 que fazemos ou estamos a fazer) nao deixa de estar presente nas condutas pniticas - mesmo que ela nao seja uma caracteristica de toda acao mesmo que estejamos sempre condicionados em alguroa medida por restri~oes sociais hisshytori cas ideologicas Para Bourdieu (1980) vale lembrar nos agimos num mundo que impoe sua presen~a com suas urgencias suas coisas aJazer e a dizer suas coisasJeitas para serem ditas que comandam diretamente os gestos ou asJalas semjamais se desdobrar como um espetdculo

Como ressaltam Morato e Bentes em urn artigo no qual discutem - via conceitos de competencia e de lingua legitirna - as maneiras pelas quais a Linshyguistica e interpeada pelo sociologo frances

a critica que se faz a Bourdieu quanto a essa questAo (isto e a que envolve a relayao entre reftexao e ayao) parte do principio de que por estar interessado na ayao que realizam os atores nas praticas socia is ele teria negligenciado a reftexao de que sao capazes para agir socialmente dando pouca impomncia (ou uma importancia menor) as capacidades reftexivas dos sujeitos ou a maneira como eles reftetem sobre suas ayoes (2002 p 33)

Porem 0 proprio Bourdieu sempre procurou afastar essa critica como se VI em Reponses de 1992 oode ele procura ainda mais uma vez esclarecer sua posi~ao em rela~ao ao que evisto por seus criticos como mero determinismo afirmando que 0 habitus essa matriz ideol6gica determinada pela posi~ao soshycial a partir da qual se ve e age no mundo e urn sistema de disposi~ao aberto duIivel mas nao imutavel

Como apontam Morato e Bentes podemos encontrar nessa e em Outras passagens da obra de Bourdieu uma critica ao racionalismo do tipo inatista uma tentativa de supera~ao da dicotomia reflexao-a~ao em suas proprias pondera~oes a respeito da capacidade reflexiva dos sujeitos sobre suas a~oes e a de seus pares

Para Bourdieu (1979) fenomenos sociologicos como a distin~o e 0 habitus impregnam profundamente os psiquismos e os corpos atraves deles podemos observar como as estruturas sociais impregnam as estruturas cognitivas Dai que para a maior parte de nossas ~ nao haveria uma reflexao especial posto que somos tornados de maneira largamente inconsciente pelo jogo social seus pressupostos culturais e suas praticas ou formas de a~o Desde que as estruturas sociais objetivas para ele sao parte integrante da subjetividade e esta participa das primeiras haveria nessa passagem de Bourdieu um movimento de supera~o da distinyao entre reflexao e ayao (2002 p 34)

Se inicialmente a djscus~o sobre as rela~s entre reflexao e a~o projeshytou-se acentuadamente no campo linguistico via Psicologia e via Etnometodoshy

330 331 MUSSAUM bull BHlffS

logia 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas com a introducao de uma concepcao hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmacao de uma ordem social na qual se inscreve a linguagem vista a partir de uma perspectiva dial6gica Uma boa exshypressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da nocao de interacao com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo

Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de interashycao Bakhtin vincula as interacoes verbais as interacoes sociais mais amplas relacionando a nosao nao apenas com as situasoes face a face mas as situasoes enunciativas aos processos dial6gicos aos generos discursivos a dimensao estishyHstica dos generos Na perspectiva bakhtiniana a interacao verbal e a realidade fundamental da Hngua e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa interasao urn modo de produsao social da Hngua

Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem de 9290 texto que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizacao linguistica modema Bakhtin ja reffete sobre 0 problema da interacao empregando em 1925 a expressao interacao verbal face a face em sua obra tcrits sur Ie freudisme Ao analisar a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo social Bakhtin indica 0 lugar da interasao em uma teoria social da enunciayao formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito afirmando que 0

enunciado e 0 produto de uma intera~iio entre locutores e de maneira mais ampla 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu (1980 p 174)

Como podemos perceber a concepyao dial6gico-discursiva de interayao desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiylties rnateriais de produsao e leva em conta fatores de signii~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente isto e constituidos a pahirdos mecanismos e das condisoes de produyao que os mobilizam Para ele lembremos a lingua constitui um processo de evolufiio ininterrupto que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores e o produto desta interasao a enunciasao tern uma estrutura puramente social dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocushytores (1981 p 127)

A prop6sito num capitulo de seu livro Portos de passagem no qual analisa a metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf Bakhtin 1981 p 124) Geraldi assim situa - e ao faze-Io exprime urna sintese da perspectiva diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interasOes entre os sujeitos

INTROoucAO AUNGuisnCA

os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros sua consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste mesmo processo Neste sentido 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn arteslio mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os outros que ela se constitui ( ) As interacOes nao se dao fora de urn contexto social e hist6rico mais amplo na verdade elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos singulares no interior enos limites de uma detenninada form~o social sofrendo as interferencias os controles e as sele90es impostas por esta TambCm nlio sao em relashy930 a estas condi95es inocentes Sao produtivas e hisroricas e como tais acontecendo no interior enos limites do social constroem por sua vez limites novos (1991 p 6) -

Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da Comunicasiio a concepsao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito meramente interpessoal ultrapassa 0 contexto imediato e local de produSiio da significasao ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito voltando-se para os mecanismos de constituisao e determinasao das condutas humanas por sua vez baseados nas condisoes materiais e ideologicas de vida em sociedade Esta concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir modos de pensar modos de sentir)

Critico do que denominou subjetivismo abstrato Bakhtin fOIjou urn construto te6rico critico em relasao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao a consciencia a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao a enunciayao) A nosiio de dialoshygismo tal como postulada por ele explode essa dicotomia

A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completashymente rejeitada 0 centro organizador de toda enuncia9ao de toda expressao nao e interior mas exterior esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ) A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social quer se trate de urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo que coostitui 0 conjuoto das condicOes de vida de uma determinada comunidade linguistica (1981 p 107)

Para Bakhtin e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyaoda linguagem e da constituiyao dos sujeitos como se afirrna em vanas passagens do celebre sexto capitulo (intitulado A intera~ao verbal) de sua obra Marxismo efilosofia da linguagem do qual extraimos 0 trecho abaixo

A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada nem pelo ato psicofishy

MUSSALIM bull BErms332

siol6gico de sua produyao mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes A intera~ao verbal constitui assim a reshyalidade fundamental da lingua C ) Um importante problema decorre dai 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata mas tambem atraves dela 0 contexte social mais amplo Essas relayoes tomam formas diversas e os diversos elementos da situayiio recebem em Jigayao com uma ou outra forma uma significayao diferente (assim os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica) A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981 p 123)

Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados bern como apropria condicao de seu aconshytecimento - Todorov propoe dois tipos de relacao dialogica a interlocucao e a intertextualidade salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo demiddottodo discur~o

() pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser enconshytrado pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984 p 71-2)

o conceito de diaIogo na refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn duplo dialogismo analisado por Authier-Revuz que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade termo usado por Todorov

E urn duplo dialogismo - nao por adisao mas por interdependencia shyque ecolocado na fala a orientasao dialogica de todo discurso entre outros discursos eela mespl3jj~logicamente orientada determinada por este outro discurso especifioo d61teceptor tal como imaginado pelo locutor como condiyiio de compreensiio do primeiro A considerasao da interlocusao como fator consti tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982 p 118-9)

Como bern sublinham os autores acima a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interasao verbal todo ate enunciativo toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de outro como interlocutor e como (inter)discurso 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa na polifonia nos discursos relatados nas diferentes posisoes enunciativas assushy

I~UcAOAUNGulSTICA 333

midas pelos falantes - marca discursivamente a concepcao de sujeito 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros por meio do discurso dos outros por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso

Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982 1995 1998 entre varios outros) sao exemplares em relacao ainfiuencia do dialogismo bakhtiniashyno nos estudos linguistico-discursivos Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa empiricamente apoiados sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo

Uma interessante discussao sobre a intersecsao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994 1997 2001 2002) Trabalhando com nosoes como sujeito estilo genero e heterogeneidade a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma analise dialogica do discurso ou seja

urn conjunto de procedimentos analiticos urn arcabou~ te6rLco que embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002 p 126)

Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin Brait perscruta a nocao sob a perspectiva de uma analise dia16gica do discurso tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos 0 de genero e 0 de estilo

Levando em conta nossos interesses vale a pena destacar as ponderasoes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nosao de interasao Discurso na arte e discurso na vida de 1926 e Marxismo e filosofia da linguagem de 1929 Em relayiio ao primeiro texto no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relasOes entre literatura e sociedade afirma Brait

o conceito de interaljao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade de se pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem Esse caminho que implica o1har para a materialidade verbal e extrashyverbal constitutivas de uma enunciayao de um enunciado concreto reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramaticalinguistica assim como de suas fluidas fronteiras (2002 p 134-5)

Em rela~ao ao segundo texto no qual Bakhtin explicita que a intera~o no diz respeito exclusivamente ao discurso oral surge segundo Brait a

334 335

perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

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iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

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346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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Page 9: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

326 MUSSAlIM bull BEKTfS

de Vygotsky sobre sua reflexao ao se referir ao autor para afinnar que a criayao linguistica em situayoes de input se deve a urn quadro relacional dialetico entre a interayao da crianya com 0 mundo fisico e com 0 mundo social (op cit 37) Com reiayao ainfluencia das reflexoes de Bakhtin em seus estudos sobre os processos aquisicionais vejamos 0 que afinna De Lemos num texto de 1990 intitulado Afumao e 0 destino da palavra alheia tres momentos da reflexao de Bakhtin

Em trabalhos anteriores tentei formular a questao que orienta a minha busca de entendimento daaquisiyao de linguagem como da compreensao da trajetoria pela qual a crianya passa de interpretado pelo outro a interprete do outro de si proprio e de estados de coisas no mundo Recentemente tenho-me dado conta de forma mais aguda que a essa questlio se vincula ada conversao do discurso do outro em discurso proprio ( )Seria a conversao do discurso do outro em discurso proprio uma condiyao para a conversao do discurso proprio em discurso do outro (1990 p 2)

Os temas ligados anOyao de imerayao (inclusive os problemas ou a ausencia de interayao) no campo lingu~tico sao complexos se nao a tomamos sumariashymente como comunicayao conversayao ou troca de infonnayoes Nao menos complexo e 0 debate que a nOyao-de interayao enquanto pratica social coloca em cena 0 que envolve as relacoes entre reflexao e ayao Essa questiio surge para as perspectivas interacionistas sob vanas formas

Como uma extensao das abordagens socioculturais da cognicao humana bern como das abordagens conversacionais de inspiraCao etnografica e tambem como reacao ao cognitivismo classico e alnteligencia Artificial surge nas ultishymas decadas do seculo XX 0 que se convencionou chamar de teoria da acao ou teoria da acao situada cuja unidade de analise e a atividade desenvolvida pelos sujeitos no decurso da interaCao Por este tenno - acao situada (situated action) - entende-se que toda a9lio humana depende estreitamente das circunsshytancias materiais e soqai$rlas quais se dlio assim procura-se a partir dessa noyao nascida no ambito dos(estudos desenvolvidos em Etnometodologia descrever e analisar como os sujeitos planejam e executam suas aCOes no decurso da inshyteracao na qual estiio envolvidos (Suchroan 1987) Nessa perspectiva as acOes sao tidas como social e fisicamente situadas a situacao na qual se dao as ~Oes _ nao redutivel a urn jogo de representafoes mentais previamente objetivadas nos aparelhos cognitivos (Visetti 1989) - e essencial para se compreender 0

que nelas se passa Asiociada bull ~ de ~ situada WD-SC a de cOampDi9lio situada que se

fundamenta na interdependencia da a9lio e da reftexao com base no argumento segundo 0 qual 0 contexto social em que a atividade cognitiva se desenvolve e

I

INlHOouiAo AUNGuisncA 327

parte essencial dessa atividade e nela nao desempenha urn papel apenas coadshyjuvante (Resnick et al 1991) Assim para essa abordagem todo ato cognitivo deve seT visto como uma resposta especifica para urn conjunto de circunstancias A noyao de social aqui nao diz respeito apenas a urn contexto institucional ou situacional no qual se desenvolve uma atividade mas tambem a instrumentos cogshynitivos que utilizamos cotidianamente Vale lembrar que a ideia de instrumentos cognitivos e emprestada de psicologos sovieticos como Leontiev e Vygotsky para quem a linguagem e considerada 0 instrumento cognitivo por excelencia 0

instrumento dos instrumentos

A estruturayao do discurso e a gestiio da interayao esmo entre os objetos de estudo dos que trabalham com 0 conceito de cogniciio situada e se pautam pelo primado da atividade social postulado por Vygotsky Leontiev e Luria - a celeshybre troika da Psicologia Sovietica que nas primeiras decadas do seculo XX dedicou-se a explorar os principios explicativos da natureza social da cognicao humana Esse entendimento esta de alguma fonna presente na concepCao de inshyterayao como atividade sociocognitiva a partir da qual a aquisicao da linguagem se torna possivel como podemos observar na seguinte passagem de Mondada e Pekarek

A cogniylio pode ser compreendida como situada em dois sentidos de uma parteela pode ser considerada como enraizada na interaltyao social (Rogoff 1990) de outra parte ela pode ser compreendida como estando ancorada nos contextos institucionais e culturais mais largos (Cole 1994 e 1995 Wertsch 1991a e b)a abordagem socioshycultural procura reunfr esses dois aspectos em urn modelo coerente ()Aatividade enquanto processo dinamico situado nas estruturas socio-historicas encontra-se assim apresentada como ponto de partida para 0 estudo do funcionamento mental Nesses termos encontra-se ao mesmo tempo estabelecida a concepylio de cogniyao como pnitica distribuida emergente das atividades locais que nao somente se opOe asua modeliza~o tradicional e individualizante em termos de interioridade e de intencionalidade mas que mais geralmente se recusa aseparaylio entre 0 que relevaria do dominio do desenvolvimento individual cognitivo e autonomo e do que relevaria do dominio da atividade coletiva interativa e social (2000 p 154-5)

Para Mondada e Pekarek 0 estudo da natureza a urn so tempo socio-historica e local das atividades desenvolvidas no interior de situaCOes humanas como a aprendizagem ou a aquisi9lio de linguagem pode redimensionar a maneira pela qual sao compreendidas as relaCoes interpessoais certos valores sociais (como competencia padrOes normativos) detenninadas formas de estruturaCao dos eventos comunicativos maneiras de participary~o dos sujeitos oas comunidades etc (op cit 160)

329 MUSSAlIM bull 8poundNITS 328

Aquestao posta pelas autoras relativa ao entendimento de que as diferentes competencias humanas estao imbricadas nas atividades enos quadros de partishycipayao especificas (p 169) dos sujeitos nao deixa de evocar a discussao entre reflexao e ayao frequente de uma forma ou de outra no interacionismo

o interess~ pelas formas (conscientesinconscientes voluntariasinvoluntashyrias subjetivasintersubjetivas explicitasimplicitas etc) pelas quais os sujeitos apreendem as ayoes nas quais estao envolvidos nao tern deixado de aparecer nos trabalhos dos que se dedicam ao estudo da interayao seja qual for 0 posto de

observayao adotado Como exemplo desse interesse tomemos a postulayao de uma reciprocidade

entre reflexao e ayao a supor e demandar alguma capacidade reflexiva dos sujeitos imersos nas pniticas sociais Esse entendimento presente na obra de sociologos como Max Weber Anthony Giddens ou Norbert Elias tambem se ve por exemplo na introduyao do chissico livro do frances Alain Touraine intitulado Sociaagia

- da a~ao publicado originalmente em 1965 no qual 0 autor sublinha - ~

Uma ayao social s6 existe se em primeiro lugar esta orientada a certos objetivos orientayao que como se sublinhara mais adiante nao deve ser definida em termos de intencentes individuais conscientes se em segundo lugar 0 ator esta situado em sistemas detelayOes sociais se por ultimo a interayao se faz comunicayao grayas ao emprego de sistemas simb6licos dos quais a linguagem e0 mais manifesto ( ) De urn lado a ayao nao pode se definir somente como resposta a uma situayao social e antes de tudo criayao inovayao atribuiyao de sentido ( ) Mas esta ayao naoshypode ser definida independentemente de seu sentido para 0 sujeito (1968 p 19-20)

Arrazoados como 0 acima afinados com uma iniciativa racionalista admishytern ou postulam que os individuos possuem urn conhecimento adequado de seus muodos de a~o agip5P~e forma objetiva e intersubjetiva em rela-ao a eles

Avisao subjeti~i~ta da ayao social se opoem sociologos de orientayao marxista como 0 frances Pierre Bourdieu que critica nos chamados teoricos da ayao (como SchUtz ou Garfinkel por exemplo) uma especie de naturalizayao da capacidade reflex iva dos sujeitos e urna simplificayao do conceito de social ou de rela~s sociais Ou seja ele critica a suposi~ao de que os individuos unishyversalizam suas pr6prias reflexOes sobre a ayao como se fossem propriedades mentais e automatizadas oa propria a~ao e nao nas rela~Oes que as condicionam maacrialmcDie ideologicamente discursivamente

Para Bourdieu essa perspectiva opOe de maneira dicotomica rela~o inteshyleetual e relayao pratica e deixa de levar em conta que a reflexividade (a reflexao

IrmoD~AuNGuisnCA

sobre 0 que fazemos ou estamos a fazer) nao deixa de estar presente nas condutas pniticas - mesmo que ela nao seja uma caracteristica de toda acao mesmo que estejamos sempre condicionados em alguroa medida por restri~oes sociais hisshytori cas ideologicas Para Bourdieu (1980) vale lembrar nos agimos num mundo que impoe sua presen~a com suas urgencias suas coisas aJazer e a dizer suas coisasJeitas para serem ditas que comandam diretamente os gestos ou asJalas semjamais se desdobrar como um espetdculo

Como ressaltam Morato e Bentes em urn artigo no qual discutem - via conceitos de competencia e de lingua legitirna - as maneiras pelas quais a Linshyguistica e interpeada pelo sociologo frances

a critica que se faz a Bourdieu quanto a essa questAo (isto e a que envolve a relayao entre reftexao e ayao) parte do principio de que por estar interessado na ayao que realizam os atores nas praticas socia is ele teria negligenciado a reftexao de que sao capazes para agir socialmente dando pouca impomncia (ou uma importancia menor) as capacidades reftexivas dos sujeitos ou a maneira como eles reftetem sobre suas ayoes (2002 p 33)

Porem 0 proprio Bourdieu sempre procurou afastar essa critica como se VI em Reponses de 1992 oode ele procura ainda mais uma vez esclarecer sua posi~ao em rela~ao ao que evisto por seus criticos como mero determinismo afirmando que 0 habitus essa matriz ideol6gica determinada pela posi~ao soshycial a partir da qual se ve e age no mundo e urn sistema de disposi~ao aberto duIivel mas nao imutavel

Como apontam Morato e Bentes podemos encontrar nessa e em Outras passagens da obra de Bourdieu uma critica ao racionalismo do tipo inatista uma tentativa de supera~ao da dicotomia reflexao-a~ao em suas proprias pondera~oes a respeito da capacidade reflexiva dos sujeitos sobre suas a~oes e a de seus pares

Para Bourdieu (1979) fenomenos sociologicos como a distin~o e 0 habitus impregnam profundamente os psiquismos e os corpos atraves deles podemos observar como as estruturas sociais impregnam as estruturas cognitivas Dai que para a maior parte de nossas ~ nao haveria uma reflexao especial posto que somos tornados de maneira largamente inconsciente pelo jogo social seus pressupostos culturais e suas praticas ou formas de a~o Desde que as estruturas sociais objetivas para ele sao parte integrante da subjetividade e esta participa das primeiras haveria nessa passagem de Bourdieu um movimento de supera~o da distinyao entre reflexao e ayao (2002 p 34)

Se inicialmente a djscus~o sobre as rela~s entre reflexao e a~o projeshytou-se acentuadamente no campo linguistico via Psicologia e via Etnometodoshy

330 331 MUSSAUM bull BHlffS

logia 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas com a introducao de uma concepcao hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmacao de uma ordem social na qual se inscreve a linguagem vista a partir de uma perspectiva dial6gica Uma boa exshypressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da nocao de interacao com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo

Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de interashycao Bakhtin vincula as interacoes verbais as interacoes sociais mais amplas relacionando a nosao nao apenas com as situasoes face a face mas as situasoes enunciativas aos processos dial6gicos aos generos discursivos a dimensao estishyHstica dos generos Na perspectiva bakhtiniana a interacao verbal e a realidade fundamental da Hngua e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa interasao urn modo de produsao social da Hngua

Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem de 9290 texto que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizacao linguistica modema Bakhtin ja reffete sobre 0 problema da interacao empregando em 1925 a expressao interacao verbal face a face em sua obra tcrits sur Ie freudisme Ao analisar a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo social Bakhtin indica 0 lugar da interasao em uma teoria social da enunciayao formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito afirmando que 0

enunciado e 0 produto de uma intera~iio entre locutores e de maneira mais ampla 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu (1980 p 174)

Como podemos perceber a concepyao dial6gico-discursiva de interayao desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiylties rnateriais de produsao e leva em conta fatores de signii~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente isto e constituidos a pahirdos mecanismos e das condisoes de produyao que os mobilizam Para ele lembremos a lingua constitui um processo de evolufiio ininterrupto que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores e o produto desta interasao a enunciasao tern uma estrutura puramente social dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocushytores (1981 p 127)

A prop6sito num capitulo de seu livro Portos de passagem no qual analisa a metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf Bakhtin 1981 p 124) Geraldi assim situa - e ao faze-Io exprime urna sintese da perspectiva diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interasOes entre os sujeitos

INTROoucAO AUNGuisnCA

os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros sua consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste mesmo processo Neste sentido 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn arteslio mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os outros que ela se constitui ( ) As interacOes nao se dao fora de urn contexto social e hist6rico mais amplo na verdade elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos singulares no interior enos limites de uma detenninada form~o social sofrendo as interferencias os controles e as sele90es impostas por esta TambCm nlio sao em relashy930 a estas condi95es inocentes Sao produtivas e hisroricas e como tais acontecendo no interior enos limites do social constroem por sua vez limites novos (1991 p 6) -

Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da Comunicasiio a concepsao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito meramente interpessoal ultrapassa 0 contexto imediato e local de produSiio da significasao ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito voltando-se para os mecanismos de constituisao e determinasao das condutas humanas por sua vez baseados nas condisoes materiais e ideologicas de vida em sociedade Esta concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir modos de pensar modos de sentir)

Critico do que denominou subjetivismo abstrato Bakhtin fOIjou urn construto te6rico critico em relasao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao a consciencia a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao a enunciayao) A nosiio de dialoshygismo tal como postulada por ele explode essa dicotomia

A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completashymente rejeitada 0 centro organizador de toda enuncia9ao de toda expressao nao e interior mas exterior esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ) A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social quer se trate de urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo que coostitui 0 conjuoto das condicOes de vida de uma determinada comunidade linguistica (1981 p 107)

Para Bakhtin e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyaoda linguagem e da constituiyao dos sujeitos como se afirrna em vanas passagens do celebre sexto capitulo (intitulado A intera~ao verbal) de sua obra Marxismo efilosofia da linguagem do qual extraimos 0 trecho abaixo

A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada nem pelo ato psicofishy

MUSSALIM bull BErms332

siol6gico de sua produyao mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes A intera~ao verbal constitui assim a reshyalidade fundamental da lingua C ) Um importante problema decorre dai 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata mas tambem atraves dela 0 contexte social mais amplo Essas relayoes tomam formas diversas e os diversos elementos da situayiio recebem em Jigayao com uma ou outra forma uma significayao diferente (assim os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica) A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981 p 123)

Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados bern como apropria condicao de seu aconshytecimento - Todorov propoe dois tipos de relacao dialogica a interlocucao e a intertextualidade salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo demiddottodo discur~o

() pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser enconshytrado pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984 p 71-2)

o conceito de diaIogo na refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn duplo dialogismo analisado por Authier-Revuz que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade termo usado por Todorov

E urn duplo dialogismo - nao por adisao mas por interdependencia shyque ecolocado na fala a orientasao dialogica de todo discurso entre outros discursos eela mespl3jj~logicamente orientada determinada por este outro discurso especifioo d61teceptor tal como imaginado pelo locutor como condiyiio de compreensiio do primeiro A considerasao da interlocusao como fator consti tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982 p 118-9)

Como bern sublinham os autores acima a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interasao verbal todo ate enunciativo toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de outro como interlocutor e como (inter)discurso 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa na polifonia nos discursos relatados nas diferentes posisoes enunciativas assushy

I~UcAOAUNGulSTICA 333

midas pelos falantes - marca discursivamente a concepcao de sujeito 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros por meio do discurso dos outros por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso

Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982 1995 1998 entre varios outros) sao exemplares em relacao ainfiuencia do dialogismo bakhtiniashyno nos estudos linguistico-discursivos Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa empiricamente apoiados sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo

Uma interessante discussao sobre a intersecsao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994 1997 2001 2002) Trabalhando com nosoes como sujeito estilo genero e heterogeneidade a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma analise dialogica do discurso ou seja

urn conjunto de procedimentos analiticos urn arcabou~ te6rLco que embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002 p 126)

Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin Brait perscruta a nocao sob a perspectiva de uma analise dia16gica do discurso tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos 0 de genero e 0 de estilo

Levando em conta nossos interesses vale a pena destacar as ponderasoes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nosao de interasao Discurso na arte e discurso na vida de 1926 e Marxismo e filosofia da linguagem de 1929 Em relayiio ao primeiro texto no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relasOes entre literatura e sociedade afirma Brait

o conceito de interaljao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade de se pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem Esse caminho que implica o1har para a materialidade verbal e extrashyverbal constitutivas de uma enunciayao de um enunciado concreto reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramaticalinguistica assim como de suas fluidas fronteiras (2002 p 134-5)

Em rela~ao ao segundo texto no qual Bakhtin explicita que a intera~o no diz respeito exclusivamente ao discurso oral surge segundo Brait a

334 335

perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

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iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

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346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

REFERbIaAs BIBUOGRAFIcAs

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AUTHIER-REVUZ J Heterogeneite montree et heterogeneite constitutive elements pour une approche de lautre dans Ie discours DRALJI 26 91-1511982

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MUSSAUM Bums

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Page 10: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

329 MUSSAlIM bull 8poundNITS 328

Aquestao posta pelas autoras relativa ao entendimento de que as diferentes competencias humanas estao imbricadas nas atividades enos quadros de partishycipayao especificas (p 169) dos sujeitos nao deixa de evocar a discussao entre reflexao e ayao frequente de uma forma ou de outra no interacionismo

o interess~ pelas formas (conscientesinconscientes voluntariasinvoluntashyrias subjetivasintersubjetivas explicitasimplicitas etc) pelas quais os sujeitos apreendem as ayoes nas quais estao envolvidos nao tern deixado de aparecer nos trabalhos dos que se dedicam ao estudo da interayao seja qual for 0 posto de

observayao adotado Como exemplo desse interesse tomemos a postulayao de uma reciprocidade

entre reflexao e ayao a supor e demandar alguma capacidade reflexiva dos sujeitos imersos nas pniticas sociais Esse entendimento presente na obra de sociologos como Max Weber Anthony Giddens ou Norbert Elias tambem se ve por exemplo na introduyao do chissico livro do frances Alain Touraine intitulado Sociaagia

- da a~ao publicado originalmente em 1965 no qual 0 autor sublinha - ~

Uma ayao social s6 existe se em primeiro lugar esta orientada a certos objetivos orientayao que como se sublinhara mais adiante nao deve ser definida em termos de intencentes individuais conscientes se em segundo lugar 0 ator esta situado em sistemas detelayOes sociais se por ultimo a interayao se faz comunicayao grayas ao emprego de sistemas simb6licos dos quais a linguagem e0 mais manifesto ( ) De urn lado a ayao nao pode se definir somente como resposta a uma situayao social e antes de tudo criayao inovayao atribuiyao de sentido ( ) Mas esta ayao naoshypode ser definida independentemente de seu sentido para 0 sujeito (1968 p 19-20)

Arrazoados como 0 acima afinados com uma iniciativa racionalista admishytern ou postulam que os individuos possuem urn conhecimento adequado de seus muodos de a~o agip5P~e forma objetiva e intersubjetiva em rela-ao a eles

Avisao subjeti~i~ta da ayao social se opoem sociologos de orientayao marxista como 0 frances Pierre Bourdieu que critica nos chamados teoricos da ayao (como SchUtz ou Garfinkel por exemplo) uma especie de naturalizayao da capacidade reflex iva dos sujeitos e urna simplificayao do conceito de social ou de rela~s sociais Ou seja ele critica a suposi~ao de que os individuos unishyversalizam suas pr6prias reflexOes sobre a ayao como se fossem propriedades mentais e automatizadas oa propria a~ao e nao nas rela~Oes que as condicionam maacrialmcDie ideologicamente discursivamente

Para Bourdieu essa perspectiva opOe de maneira dicotomica rela~o inteshyleetual e relayao pratica e deixa de levar em conta que a reflexividade (a reflexao

IrmoD~AuNGuisnCA

sobre 0 que fazemos ou estamos a fazer) nao deixa de estar presente nas condutas pniticas - mesmo que ela nao seja uma caracteristica de toda acao mesmo que estejamos sempre condicionados em alguroa medida por restri~oes sociais hisshytori cas ideologicas Para Bourdieu (1980) vale lembrar nos agimos num mundo que impoe sua presen~a com suas urgencias suas coisas aJazer e a dizer suas coisasJeitas para serem ditas que comandam diretamente os gestos ou asJalas semjamais se desdobrar como um espetdculo

Como ressaltam Morato e Bentes em urn artigo no qual discutem - via conceitos de competencia e de lingua legitirna - as maneiras pelas quais a Linshyguistica e interpeada pelo sociologo frances

a critica que se faz a Bourdieu quanto a essa questAo (isto e a que envolve a relayao entre reftexao e ayao) parte do principio de que por estar interessado na ayao que realizam os atores nas praticas socia is ele teria negligenciado a reftexao de que sao capazes para agir socialmente dando pouca impomncia (ou uma importancia menor) as capacidades reftexivas dos sujeitos ou a maneira como eles reftetem sobre suas ayoes (2002 p 33)

Porem 0 proprio Bourdieu sempre procurou afastar essa critica como se VI em Reponses de 1992 oode ele procura ainda mais uma vez esclarecer sua posi~ao em rela~ao ao que evisto por seus criticos como mero determinismo afirmando que 0 habitus essa matriz ideol6gica determinada pela posi~ao soshycial a partir da qual se ve e age no mundo e urn sistema de disposi~ao aberto duIivel mas nao imutavel

Como apontam Morato e Bentes podemos encontrar nessa e em Outras passagens da obra de Bourdieu uma critica ao racionalismo do tipo inatista uma tentativa de supera~ao da dicotomia reflexao-a~ao em suas proprias pondera~oes a respeito da capacidade reflexiva dos sujeitos sobre suas a~oes e a de seus pares

Para Bourdieu (1979) fenomenos sociologicos como a distin~o e 0 habitus impregnam profundamente os psiquismos e os corpos atraves deles podemos observar como as estruturas sociais impregnam as estruturas cognitivas Dai que para a maior parte de nossas ~ nao haveria uma reflexao especial posto que somos tornados de maneira largamente inconsciente pelo jogo social seus pressupostos culturais e suas praticas ou formas de a~o Desde que as estruturas sociais objetivas para ele sao parte integrante da subjetividade e esta participa das primeiras haveria nessa passagem de Bourdieu um movimento de supera~o da distinyao entre reflexao e ayao (2002 p 34)

Se inicialmente a djscus~o sobre as rela~s entre reflexao e a~o projeshytou-se acentuadamente no campo linguistico via Psicologia e via Etnometodoshy

330 331 MUSSAUM bull BHlffS

logia 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas com a introducao de uma concepcao hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmacao de uma ordem social na qual se inscreve a linguagem vista a partir de uma perspectiva dial6gica Uma boa exshypressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da nocao de interacao com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo

Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de interashycao Bakhtin vincula as interacoes verbais as interacoes sociais mais amplas relacionando a nosao nao apenas com as situasoes face a face mas as situasoes enunciativas aos processos dial6gicos aos generos discursivos a dimensao estishyHstica dos generos Na perspectiva bakhtiniana a interacao verbal e a realidade fundamental da Hngua e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa interasao urn modo de produsao social da Hngua

Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem de 9290 texto que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizacao linguistica modema Bakhtin ja reffete sobre 0 problema da interacao empregando em 1925 a expressao interacao verbal face a face em sua obra tcrits sur Ie freudisme Ao analisar a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo social Bakhtin indica 0 lugar da interasao em uma teoria social da enunciayao formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito afirmando que 0

enunciado e 0 produto de uma intera~iio entre locutores e de maneira mais ampla 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu (1980 p 174)

Como podemos perceber a concepyao dial6gico-discursiva de interayao desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiylties rnateriais de produsao e leva em conta fatores de signii~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente isto e constituidos a pahirdos mecanismos e das condisoes de produyao que os mobilizam Para ele lembremos a lingua constitui um processo de evolufiio ininterrupto que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores e o produto desta interasao a enunciasao tern uma estrutura puramente social dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocushytores (1981 p 127)

A prop6sito num capitulo de seu livro Portos de passagem no qual analisa a metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf Bakhtin 1981 p 124) Geraldi assim situa - e ao faze-Io exprime urna sintese da perspectiva diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interasOes entre os sujeitos

INTROoucAO AUNGuisnCA

os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros sua consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste mesmo processo Neste sentido 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn arteslio mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os outros que ela se constitui ( ) As interacOes nao se dao fora de urn contexto social e hist6rico mais amplo na verdade elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos singulares no interior enos limites de uma detenninada form~o social sofrendo as interferencias os controles e as sele90es impostas por esta TambCm nlio sao em relashy930 a estas condi95es inocentes Sao produtivas e hisroricas e como tais acontecendo no interior enos limites do social constroem por sua vez limites novos (1991 p 6) -

Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da Comunicasiio a concepsao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito meramente interpessoal ultrapassa 0 contexto imediato e local de produSiio da significasao ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito voltando-se para os mecanismos de constituisao e determinasao das condutas humanas por sua vez baseados nas condisoes materiais e ideologicas de vida em sociedade Esta concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir modos de pensar modos de sentir)

Critico do que denominou subjetivismo abstrato Bakhtin fOIjou urn construto te6rico critico em relasao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao a consciencia a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao a enunciayao) A nosiio de dialoshygismo tal como postulada por ele explode essa dicotomia

A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completashymente rejeitada 0 centro organizador de toda enuncia9ao de toda expressao nao e interior mas exterior esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ) A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social quer se trate de urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo que coostitui 0 conjuoto das condicOes de vida de uma determinada comunidade linguistica (1981 p 107)

Para Bakhtin e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyaoda linguagem e da constituiyao dos sujeitos como se afirrna em vanas passagens do celebre sexto capitulo (intitulado A intera~ao verbal) de sua obra Marxismo efilosofia da linguagem do qual extraimos 0 trecho abaixo

A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada nem pelo ato psicofishy

MUSSALIM bull BErms332

siol6gico de sua produyao mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes A intera~ao verbal constitui assim a reshyalidade fundamental da lingua C ) Um importante problema decorre dai 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata mas tambem atraves dela 0 contexte social mais amplo Essas relayoes tomam formas diversas e os diversos elementos da situayiio recebem em Jigayao com uma ou outra forma uma significayao diferente (assim os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica) A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981 p 123)

Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados bern como apropria condicao de seu aconshytecimento - Todorov propoe dois tipos de relacao dialogica a interlocucao e a intertextualidade salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo demiddottodo discur~o

() pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser enconshytrado pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984 p 71-2)

o conceito de diaIogo na refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn duplo dialogismo analisado por Authier-Revuz que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade termo usado por Todorov

E urn duplo dialogismo - nao por adisao mas por interdependencia shyque ecolocado na fala a orientasao dialogica de todo discurso entre outros discursos eela mespl3jj~logicamente orientada determinada por este outro discurso especifioo d61teceptor tal como imaginado pelo locutor como condiyiio de compreensiio do primeiro A considerasao da interlocusao como fator consti tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982 p 118-9)

Como bern sublinham os autores acima a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interasao verbal todo ate enunciativo toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de outro como interlocutor e como (inter)discurso 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa na polifonia nos discursos relatados nas diferentes posisoes enunciativas assushy

I~UcAOAUNGulSTICA 333

midas pelos falantes - marca discursivamente a concepcao de sujeito 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros por meio do discurso dos outros por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso

Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982 1995 1998 entre varios outros) sao exemplares em relacao ainfiuencia do dialogismo bakhtiniashyno nos estudos linguistico-discursivos Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa empiricamente apoiados sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo

Uma interessante discussao sobre a intersecsao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994 1997 2001 2002) Trabalhando com nosoes como sujeito estilo genero e heterogeneidade a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma analise dialogica do discurso ou seja

urn conjunto de procedimentos analiticos urn arcabou~ te6rLco que embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002 p 126)

Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin Brait perscruta a nocao sob a perspectiva de uma analise dia16gica do discurso tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos 0 de genero e 0 de estilo

Levando em conta nossos interesses vale a pena destacar as ponderasoes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nosao de interasao Discurso na arte e discurso na vida de 1926 e Marxismo e filosofia da linguagem de 1929 Em relayiio ao primeiro texto no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relasOes entre literatura e sociedade afirma Brait

o conceito de interaljao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade de se pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem Esse caminho que implica o1har para a materialidade verbal e extrashyverbal constitutivas de uma enunciayao de um enunciado concreto reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramaticalinguistica assim como de suas fluidas fronteiras (2002 p 134-5)

Em rela~ao ao segundo texto no qual Bakhtin explicita que a intera~o no diz respeito exclusivamente ao discurso oral surge segundo Brait a

334 335

perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

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iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

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346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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Page 11: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

330 331 MUSSAUM bull BHlffS

logia 0 vies filos6fico ou sociol6gico dessa discussao recebe novos contomos te6ricos a partir da influencia e do prestigio da obra de Mikhail Mikhailovitch Bakhtin (1895-1975) entre os linguistas com a introducao de uma concepcao hist6rico-discursiva de sujeito e da afirmacao de uma ordem social na qual se inscreve a linguagem vista a partir de uma perspectiva dial6gica Uma boa exshypressao de uma teoria social forte aplicada ao entendimento da nocao de interacao com inffuencia decisiva em vanos dominios e tendencias te6ricas da Linguistica e sem duvida representada por Bakhtin e seu Circulo

Diferentemente da perspectiva comunicacional ou psicol6gica de interashycao Bakhtin vincula as interacoes verbais as interacoes sociais mais amplas relacionando a nosao nao apenas com as situasoes face a face mas as situasoes enunciativas aos processos dial6gicos aos generos discursivos a dimensao estishyHstica dos generos Na perspectiva bakhtiniana a interacao verbal e a realidade fundamental da Hngua e 0 discurso 0 modo pe10 qual os sujeitos produzem essa interasao urn modo de produsao social da Hngua

Embora seja sua obra Marxismo e filospfia cia linguagem de 9290 texto que representa urn verdadeiro i~pacto na teorizacao linguistica modema Bakhtin ja reffete sobre 0 problema da interacao empregando em 1925 a expressao interacao verbal face a face em sua obra tcrits sur Ie freudisme Ao analisar a consulta psicanaiftica enquanto genero de discUrsQ e enquanto microcosmo social Bakhtin indica 0 lugar da interasao em uma teoria social da enunciayao formulando uma perspectiva discursiva de signa e de sujeito afirmando que 0

enunciado e 0 produto de uma intera~iio entre locutores e de maneira mais ampla 0 produto de toda con juntura social complexa na qual ele nasceu (1980 p 174)

Como podemos perceber a concepyao dial6gico-discursiva de interayao desenvolvida por Bakhtin parte de suas condiylties rnateriais de produsao e leva em conta fatores de signii~QNerbais e nao verbais concebidos disctirsivamente isto e constituidos a pahirdos mecanismos e das condisoes de produyao que os mobilizam Para ele lembremos a lingua constitui um processo de evolufiio ininterrupto que se realiza atraves da interafiio verbal social dos locutores e o produto desta interasao a enunciasao tern uma estrutura puramente social dada pela situa~iio historica mais imediata em que se encontram os interlocushytores (1981 p 127)

A prop6sito num capitulo de seu livro Portos de passagem no qual analisa a metodologia bakhtiniana proposta para 0 estudo da linguagem (cf Bakhtin 1981 p 124) Geraldi assim situa - e ao faze-Io exprime urna sintese da perspectiva diaIetica do autor - 0 espa90 no qual se dao as interasOes entre os sujeitos

INTROoucAO AUNGuisnCA

os sujeitos se constituem como tais amedida que interagem com os outros sua consciencia e seu conhecimento de mundo resultam como produto deste mesmo processo Neste sentido 0 sujeito esocialja que a Iinguagem nao e0 trabalho de urn arteslio mas trabalho social e hist6rico seu e dos outros e epara os outros e com os outros que ela se constitui ( ) As interacOes nao se dao fora de urn contexto social e hist6rico mais amplo na verdade elas se tornam possiveis enquanto acontecimentos singulares no interior enos limites de uma detenninada form~o social sofrendo as interferencias os controles e as sele90es impostas por esta TambCm nlio sao em relashy930 a estas condi95es inocentes Sao produtivas e hisroricas e como tais acontecendo no interior enos limites do social constroem por sua vez limites novos (1991 p 6) -

Diferentemente do que ocorre na Etnometodologia ou na Etnografia da Comunicasiio a concepsao de social aqui ultrapassa 0 que acontece no ambito meramente interpessoal ultrapassa 0 contexto imediato e local de produSiio da significasao ultrapassa 0 conceito psicol6gico de sujeito voltando-se para os mecanismos de constituisao e determinasao das condutas humanas por sua vez baseados nas condisoes materiais e ideologicas de vida em sociedade Esta concepyiio de social tambem ultrapassa a sociologia durkheimiana porque nao opoe 0 individuo ao que etido como urn exterior a ele (modos de agir modos de pensar modos de sentir)

Critico do que denominou subjetivismo abstrato Bakhtin fOIjou urn construto te6rico critico em relasao adicotomia entre 0 intemo (a cogniyao a consciencia a vida mental) e 0 extemo (0 ato de expressao a enunciayao) A nosiio de dialoshygismo tal como postulada por ele explode essa dicotomia

A teoria da expressao subjacente ao subjetivismo individualista deve ser completashymente rejeitada 0 centro organizador de toda enuncia9ao de toda expressao nao e interior mas exterior esta situado 00 meio social que envolve 0 individuo ( ) A enuncia~ao enquanto tal eurn puro produto da intera9aO social quer se trate de urn ato de fala detenninado pela situa9aO imediata ou pelo cootexto mais amplo que coostitui 0 conjuoto das condicOes de vida de uma determinada comunidade linguistica (1981 p 107)

Para Bakhtin e a interayao verbal 0 lugar emblematico de produyaoda linguagem e da constituiyao dos sujeitos como se afirrna em vanas passagens do celebre sexto capitulo (intitulado A intera~ao verbal) de sua obra Marxismo efilosofia da linguagem do qual extraimos 0 trecho abaixo

A verdadeira substincia da Iiogua nAo econstituida por urn sistema abstrato de fonnas linguisticas nem pela eounci~o monol6gica isolada nem pelo ato psicofishy

MUSSALIM bull BErms332

siol6gico de sua produyao mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes A intera~ao verbal constitui assim a reshyalidade fundamental da lingua C ) Um importante problema decorre dai 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata mas tambem atraves dela 0 contexte social mais amplo Essas relayoes tomam formas diversas e os diversos elementos da situayiio recebem em Jigayao com uma ou outra forma uma significayao diferente (assim os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica) A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981 p 123)

Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados bern como apropria condicao de seu aconshytecimento - Todorov propoe dois tipos de relacao dialogica a interlocucao e a intertextualidade salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo demiddottodo discur~o

() pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser enconshytrado pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984 p 71-2)

o conceito de diaIogo na refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn duplo dialogismo analisado por Authier-Revuz que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade termo usado por Todorov

E urn duplo dialogismo - nao por adisao mas por interdependencia shyque ecolocado na fala a orientasao dialogica de todo discurso entre outros discursos eela mespl3jj~logicamente orientada determinada por este outro discurso especifioo d61teceptor tal como imaginado pelo locutor como condiyiio de compreensiio do primeiro A considerasao da interlocusao como fator consti tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982 p 118-9)

Como bern sublinham os autores acima a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interasao verbal todo ate enunciativo toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de outro como interlocutor e como (inter)discurso 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa na polifonia nos discursos relatados nas diferentes posisoes enunciativas assushy

I~UcAOAUNGulSTICA 333

midas pelos falantes - marca discursivamente a concepcao de sujeito 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros por meio do discurso dos outros por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso

Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982 1995 1998 entre varios outros) sao exemplares em relacao ainfiuencia do dialogismo bakhtiniashyno nos estudos linguistico-discursivos Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa empiricamente apoiados sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo

Uma interessante discussao sobre a intersecsao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994 1997 2001 2002) Trabalhando com nosoes como sujeito estilo genero e heterogeneidade a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma analise dialogica do discurso ou seja

urn conjunto de procedimentos analiticos urn arcabou~ te6rLco que embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002 p 126)

Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin Brait perscruta a nocao sob a perspectiva de uma analise dia16gica do discurso tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos 0 de genero e 0 de estilo

Levando em conta nossos interesses vale a pena destacar as ponderasoes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nosao de interasao Discurso na arte e discurso na vida de 1926 e Marxismo e filosofia da linguagem de 1929 Em relayiio ao primeiro texto no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relasOes entre literatura e sociedade afirma Brait

o conceito de interaljao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade de se pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem Esse caminho que implica o1har para a materialidade verbal e extrashyverbal constitutivas de uma enunciayao de um enunciado concreto reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramaticalinguistica assim como de suas fluidas fronteiras (2002 p 134-5)

Em rela~ao ao segundo texto no qual Bakhtin explicita que a intera~o no diz respeito exclusivamente ao discurso oral surge segundo Brait a

334 335

perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

~

iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

--

346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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Page 12: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

MUSSALIM bull BErms332

siol6gico de sua produyao mas pelo fenomeno social da intera~ao verbal realizada atraves da enuncia~iio ou das enunciayoes A intera~ao verbal constitui assim a reshyalidade fundamental da lingua C ) Um importante problema decorre dai 0 estudo das rela~oes entre a interayao concreta e a situayiio extralinguistica - nao s6 a situayao imediata mas tambem atraves dela 0 contexte social mais amplo Essas relayoes tomam formas diversas e os diversos elementos da situayiio recebem em Jigayao com uma ou outra forma uma significayao diferente (assim os elos que se estabelecem com os diferentes elementos de uma situayao de comunicayao artistica diferem dos de uma comunicayiio cientifica) A comunicayao verbal niio podeni jamais ser compreendida e explicada fora desse vinculo com a situayao concreta A comunica~ao verbal entrela~-se inextricavelmente aos outros tipos de comunicayao e cresce com eles sobre 0 terreno comum da situa~ao de produyao (1981 p 123)

Ao se referir aos dois loci da dialogia - termo amplo pelo qual Bakhtin se reporta arelayao entre enunciados bern como apropria condicao de seu aconshytecimento - Todorov propoe dois tipos de relacao dialogica a interlocucao e a intertextualidade salientando que a especificidade do dialogo e definida a partir do dialogismo constitutivo demiddottodo discur~o

() pode haver uma variayao no locus onde 0 discurso do outro pode ser enconshytrado pode ser 0 objeto do qual falamos ou 0 destinatirio de nossas considerayoes ([1981]1984 p 71-2)

o conceito de diaIogo na refiexao bakhtiniana pode tambem ser articulado em termos de urn duplo dialogismo analisado por Authier-Revuz que prefere falar em interdiscurso em vez de intertextualidade termo usado por Todorov

E urn duplo dialogismo - nao por adisao mas por interdependencia shyque ecolocado na fala a orientasao dialogica de todo discurso entre outros discursos eela mespl3jj~logicamente orientada determinada por este outro discurso especifioo d61teceptor tal como imaginado pelo locutor como condiyiio de compreensiio do primeiro A considerasao da interlocusao como fator consti tutivo do discurso adiciona urn parametro aproduyiio do discurso no campo do interdiscurso (1982 p 118-9)

Como bern sublinham os autores acima a concepyiio de interayiio como constitutiva da natureza dial6gica da linguagem (relativa a todo tipo de interasao verbal todo ate enunciativo toda condiyiio ou forma de existencia da linguagem) associa-se a uma ideia de outro como interlocutor e como (inter)discurso 0 dialogismo bakhtiniano - que podemos observar na heterogeneidade enunciativa na polifonia nos discursos relatados nas diferentes posisoes enunciativas assushy

I~UcAOAUNGulSTICA 333

midas pelos falantes - marca discursivamente a concepcao de sujeito 0 sujeito e interpelado e reconhecido socialmente por meio dos outros por meio do discurso dos outros por meio de discursos outros que constituem 0 seu proprio discurso

Os trabalhos da francesa Jacqueline Authier-Revuz (1982 1995 1998 entre varios outros) sao exemplares em relacao ainfiuencia do dialogismo bakhtiniashyno nos estudos linguistico-discursivos Seus estudos sobre a heterogeneidade enunciativa empiricamente apoiados sao uma boa expressao das produtivas possibilidades teoricas do conceito de dialogismo

Uma interessante discussao sobre a intersecsao das n~Oes de interayao e de dialogismo no pensamento bakhtiniano e trayada por Beth Brait (1994 1997 2001 2002) Trabalhando com nosoes como sujeito estilo genero e heterogeneidade a autora analisa a inseryao de Bakhtin no campo dos estudos enunciativos pelo vies de uma analise dialogica do discurso ou seja

urn conjunto de procedimentos analiticos urn arcabou~ te6rLco que embora niio formando urn corpo acabado de conceitos e formas de aplicayao esta articulado no conjunto das obras de Mikhail Bakhtin e seu drculo independentemente da discussao a respeito da autoria individual de cad a trabalho (2002 p 126)

Focalizando a tematica da interayao no Circulo de Bakhtin Brait perscruta a nocao sob a perspectiva de uma analise dia16gica do discurso tendo por base uma discussao em tome de dois conceitos 0 de genero e 0 de estilo

Levando em conta nossos interesses vale a pena destacar as ponderasoes da autora com respeito a dois dos textos de Bakhtin que focalizam a nosao de interasao Discurso na arte e discurso na vida de 1926 e Marxismo e filosofia da linguagem de 1929 Em relayiio ao primeiro texto no qual Bakhtin se refere anatureza interativa das relasOes entre literatura e sociedade afirma Brait

o conceito de interaljao nlio apenas se instala de mane ira definitiva na conce~o de linguagem que vai originar 0 que estamos denominando analise dia16gica do discurso mas vai anunciar tambem a possibilidade e mesmo a necessidade de se pensar formas discursivas e estilo a partir desse componente fundamental da linguagem Esse caminho que implica o1har para a materialidade verbal e extrashyverbal constitutivas de uma enunciayao de um enunciado concreto reinstaura a discusslio a respeito da estilistica e da gramaticalinguistica assim como de suas fluidas fronteiras (2002 p 134-5)

Em rela~ao ao segundo texto no qual Bakhtin explicita que a intera~o no diz respeito exclusivamente ao discurso oral surge segundo Brait a

334 335

perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

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iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

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346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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Page 13: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

334 335

perspectiva do outro enquanto discurso e interdiscurso enquanto constitutivo linguagem na medida em que 0 autor situa 0 texto impresso ou suas diferenes-- formas de produ~ao circula~ao e recep93o em diferentes esferas como resposta outras intera~6es da mesma natureza e ao mesmo tempo como decorrente de Ilm~ estilo ou de urn confronto de estilos ou problemas cientificos por exemplo caracteristica dialogica da linguagem sera evidentemente estendida para qualquerisi(1 enuncia~ao para todas as formas de intera~ao verbal refor~ando a ideia de que necessidade de diferenciar e ao mesmo tempo de integrar sem identificar a situi_ ~ao especifica em que se da a intera~ao e que enecessariamente integrante dessa intera~ao e nao simplesmente sua causa de urn contexto historico cultural e social mais amplo (2002 p 144-5)

o que se destaca nessas passagens e que a associaYao entre intera~o genero discursivo e estilo demanda amilises de enunciados concretos concebidos no interior de diversas situaYoes de enunciacao A pertinencia e a funcionalidade da articulacao teorico-metodologica da analise dialogica do discurso de acordo com Brait podem ser reconhecidas em ~orpora falados e escritos extraidos de diferentes praticas discursiv-as como os que constituem 0 material de estudo de projetos coletivos como 0 NURC (Norma Urbana Culta) e 0 PGPF (Projeto Gramltitica do Portugues falado)

3 AINTERA~AO COMO UMA QUESTAO PARA AUNGuiSTlCA OU AINTERA~AO COMO PARlE DA TEORIZA~O

SOBRE ALlNGUAGEM

Desde 0 inicio do contato com 0 interacionismo 0 problema para a Linshyguistica passa a ser a delimita~o dos fen6menos reunidos em tomo do termo interacao Nem sempre as teorias linguisticas parecem (querer) dar conta ou sao compativeis com a 9~s~0 da intera~o E isso talvez ocorra em fun~o do peso da tradi~o filosoficaJil analise de exemplos pre-fabricados da falta de interesse por atividades comunicativas amargem de enunciados fcisticos ou da considerashyyao de urna no~o de contexto quase behaviorista isto e desconectacta de todo contexto interenunciativo (Vion 1992 p 14)

As exigencias formais de analise no campo da pesquisa cientifica parecem ter levado a Linguistica a limitar a nocao de interayao restringindo sellS interesses a principio ainteracaQ verbal (cf Kerbrat-Orecchioni 1990)

Em seus textos $1edicados a tra~ urn panorama das abordagens interashycionistas em Linguistica Kerbrat-Orecchioni (1990 1996 1998) nlio deixa de assinalar ao lade das contribuicoes te6ricas trazidas aarea pela noclio de inte-

AUNGuisTlCA

ra~o suas contribuicoes programltiticas dentre elas a prioridade do disCUISO oral a reabilitacao do empirismo descritivo a identificaYao de fatos tidos como relevantes para a analise da realizacao interativa a consideracao de elementos nao verbais e do contexto situacional a arbitragem interdisciplinar no tratamento da Iinguagem em funcionamento

Historicamente como assinalamos na seyao precedente a nocao de interacao surge como categoria de analise para os linguistas a partir dos anos 1960 de mashyneira associada aos movimentos teoricos que influenciam a ciencia da linguagem Ate ai a disposicao para tratar fen6menos comunicacionais interacionais inforshymacionais era ainda algo incipiente e parecia reservada ao empenho de teoricos como 0 grande linguista russo Roman Ossipovitch Jakobson (1896-1982) que promovia ja ametade do seculo xx 0 melhor encontro entre 0 estruturalismo eo funcionalismo no interior da Linguistica

A inc1usao ou retomada da dimensao social e situacional apos 0 furor gerashytivista bem como a forte inser~o dos estudos sociolinguisticos e da Etnografia da Comunicacao - via trabalhos de Hymes e Gumperz - no panorama dos estudos sobre a linguagem nesse periodo orientaram a Linguistica ern direcao aos fenomenos cornunicacionais 0 que se ve na decada seguinte e a confirmacao dessa tendencia em especial no campo das abordagens enunciativas e pragmltitishycas centradas nas atividades linguageiras e nas pniticas dos sujeitos em interaYao entre si com a linguagern e corn 0 mundo social Se estas abordagens - rnuitas centradas na significacao linguistica intema - dao conta da interayao contudo eoutro problema que vem se colocando para a Linguistica

Na vertente pragmaticista como se observa na Pragmatica Conversacional ou na Teoria dos Atos de Fala a nocao de interacao eabordada de maneira seshymelhante adas abordagens pluridisciplinares que se firmarn aepoca por meio do contato da Linguistica com conceitos extraidos do interacionismo simb6lico de Goffinan da Fenomenologia de SchUtz ou da Etnometodologia de Garfinkel (ViOD 1992) Muito do que chamamos hoje de Pragmctica Conversacional e de

Analise da Conversacao e em parte derivado desses movimentos interdisciplinares realizados ja nos anos 1960 pautados pela preocupa~o coma descricao da a~o e poT urna visao comunicacional ltIe linguagem

Definida sumariamente como estudo da linguagem enquanto ato a Pragmashytica inscreve-se no interacionismo a partir do foeo sobre a linguagem tomada ela mesma como urna forma de a~o(cf Kerbrat-Orecchioni 2001 p 1)

Caracterizando tipos de investii~ bastante distintos esse interesse pela dimenslio interacional da linguagem conjuga questOes que variam de uma aborshydagem mais estritamente linguistica do componente pragmatico (cf Berrendoner

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

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iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

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346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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Page 14: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

337 MUSSALIM bull BENTES336

1981) as abordagens comunicacionais argumentativas e textuais (cf Austin 1962 Bruner 1975 Ducrot 1980 Sperber e Wilson 1986 Van Dijk 1992) as abordagens discursivas (Maingueneau [1986] 1996 [1987] 1989) e as pragmaticas conversacionais (cf Kerbrat-Orecchionni 1990 1996 2001 Bange 1992 Vion 1992 Mondada 1994 2001)

Para a linguista suilYa Lorenza Mondada cujos traba1hos se inscrevem em uma Linguistica Interacional inspirada na Analise da ConversalYao e na Etnomeshytodologiao estudo da dimensao interacional da linguagem deve reconhecer em primeiro lugar que a interalYao tern urn

papel constitutivo nao apenas nas praticas dos falantes e das falantescomo tambem na estruturalYao dos recursos linguisticos em segundo lugar se cria a exigencia de procedimentos de trabalho de campo que contrastam com as maneiras de fazer da linguistica de gabinete que operam com urn determinado tipo de dados - proshyvenientes de atividades de interalYao registradas em seu contexte social cotidiano - que contribuem para uma redefinilYao possivel do objeto da linguistica em tcrceiro lugar se faz neces~3ria uma analise interacional que conceba urn modelo das pnlticas situadas das p(ssoas baseado em categorias descritivas que permitam dar conta de fenomenos dinamicos e emergentes (2001 p 62)

Segundo Mondada acertadamente nao basta trabalhar com dados surgidos da transcri9iio de intera90es orais para Jazer linguistica interacionaf (p 62) Para ela e fundamental uma metodologia de trabalho consistente em rel3IYao ao corpo-teorico que procure integrar 0 pesquisador nos grupos observados de forma a nao prejudicar a autenticidade das atividades registradas nem tampouco apagar a indexicalidade propria de toda atividade incluida a de quem investiga ou eliminar a figura social do pesquisador em campo que deve interagir enquanto participante que contribui para a organiza9iio interacional das atividades sociais em um contexto dado Uk 63)

~ - ) -~ A chamada LirigUiStica Interacional tern com os trabalhos de Garfinkel e com

a Etnometodologia urn forte vinculo disciplinar Disso rltsulta entre outros aspecshytos a preocupalYao te6rica e metodol6gica com a indexicalizalYiio de toda alYiio bern como 0 primado da atividade enquanto uma realizalYao situada e coletiva

A a-rao econsiderada como organizada de maneira localmente situada e end6gena peos atores que coordenam entre ees a interayiio ajustando de forma reconhecive sUBs condutas aos seus parceiros eao contexto Esta concepyiio niio exc1ui que haja normas peo contrario cia ~ra sempre que esw do invocadas de modo local e reflexivo no curso da a-rao que eas nlio determinam mas permitem a uma 86 vez a interpreta-rao e a avaia-rao das expectativas normativas e morais bern

ItfT~O Po UNGUisncA

como a adequalYao aos detalhes do que se passa (Heritage 1984 ch 4) (Mondada e Pekarek 2000 p 161)

Os procedimentos derivados da Etnometodologia poderiam segundo as autoras tratar de maneira adequada tanto a indexicalidade quanto a indetermishynayao das alYoes sociais das quais a intera9iio conversacional euma das mashynifesta90es prototipicas (p 162) Contudo ha os que se mostram desconfiados como a sociologa francesa Nicole Ramognino do poder analitico da pnitica de indexicalizalYao comum aEtnometodologia Ela considera a proposito que nem sempre ha adequ3IYao entre intencionalidade da ayiio e produyiio linguistica (1999)

Considerando que enquanto disciplina a Linguistica Interacional se firma a partir das ultimas decadas do seculo XX tendo por base uma renovalYiio do interesse pelos estudos orais documentados e registrados em diversas situalYoes sociais Mondada elenca quatro tendencias gerais que favorecem 0 crescente interesse pela nOlYao de inter3IYao em Linguistica Resumidamente sao e1as segundo a autora (2001 p 62-3) shy

a) 0 surgimento das gramaticas do uso oral

b) 0 estabelecimento de corpora orais autenticos sociolinguisticamellte diversificados

c) 0 interesse da Sociolinguistica Interacional da Pragmatica e da Analise do Discurso pela interalYao verbal

d) a difusao da Analise Conversacional de inspirayao etnometodol6gica

No Br~il sao muitos os que se afinam com a perspectiva interacional dentre os quais podemos destacar como exemplares no campo dos estudos conversacionais e textuais os trabalhos pioneiros de Ingedore Grunfeld Villaya Koch e de LuizAntonio Marcuschi A partir de uma abordagem interacionista de base sociocognitiva ambos tem conferido urn estatuto interacional aos processhysos conversacionais e textuais que analisam como a conversayao face a face 0

processamento textua~ a referencialYiio a construlYiio de objetos de discurso etc

A perspectiva sociocognitiva Ii qual podemos associar entre outros autores como Mondada (1994 2001) Salomao (1999) Marcuschi (2003a 2003b) ou Koch (2002) tern se tornado nos ultimos tempos uma resposta produtiva Ii pershygunta sobre 0 pa~l do uso social da linguagem na constru~ilo do conhecimento Como afirma Marcuschi

Hoje entra com aguma forya na ceoa te6rica nas investiga~ sobre cogniylio a ideia de situar 0 foco mais nas atividades de CODstru~o do conhecimento e

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

~

iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

--

346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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Page 15: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

339 MUSSALIM bull BENTES 338

menos nas atividades de processamento tal como se fez nas decadas de 1970e 1980 no campo da Psicologia Experimental quando se considerava a cogniyao no nivel do individuo Ao analisar as atividades de construyao pode-se ter uma visao mais clara de como emergem nas pniticas publicas as propriedades da cogniyao e assim captar 0 dinamismo dos processos que dao origem a estruturas conceituais tao complexas como as metaforas metonimias ironias idiomatismos polissemias indeterminiwao referencial deiticos anaforas etc chegando apropria noyao de contexto ( ) A explicayao caminha na direyao das atividades linguisticas situadas e nao das estruturas da lingua descarnadas de seus usuarios Esse e 0 caminho que vai do codigo para a cogniyao e neste percurso tudo indica que-o conhecimento seja urn produto das interayoes sociais e nao de uma mente isolada e individual A cogniyao passa a ser vista como uma construyao social e nlio individual de modo que para uma boa teoria da cogniylio precisamos alem de uma teoria linguistica tambem de uma teoria social (2003a 01)

Segundo essa perspectiva enas interayoes sociais (as ayoes sociocognitivas) que emergem as significayoes Nesse ambito importa salientar como pr6prias da construyao do sentido a escassez do sl~njficante bern como a existencia de semioses coocorrentes (cf Salomao 1999) Segundo Marcuschi em outro texto

(2003b)

Vista como atividade sociointerativa situada a lingua nlio e uma forma de represhysentar a realidade Assim e na interayao (seja com urn texto ou urn outro individuo) que emergem os sentidos numa especie de ayao coletiva 0 que permite dizer que as relayoes que possibilitam a continuidade tematica e a progressao referencial no texto fazendo surgir coerencia e coesividade nao sao propriedades intrinsecas apenas Coesao e coerencia nao se esgotam nas propriedades lexico-gramaticais imanentes a lingua enquanto c6digo nem no texto enquanto artefato Embora as relayoes Jexico-gramaticais continuem cruciais requerem-se ainda atividades linguisticas cognj~~~~e interacionais integradas e convergentes que permitam 0

acesso aconstrucabde sentidos partilhados (v Beaugrande 1997)

o interacionismo reivindicado por essa perspectiva se deixa conhecer tamshybern em inumeros trabalhos desenvolvidos em todo 0 Pais que sao de acordo com Marcuschi abrigados sob a egide de uma linha interpretativa das diversidades e das dinamicas textuais produzidas tanto em termos monoautorais quanto em coautoria Centrada na descriyao e amilise de estrategias textuais-discursivas da fa1a e da escrita essa perspectiva nio torna as categorias linguisticas como dadas a priori mas como construidas interativamente e sensiveis aos fatos culturais

(2000 p 34)

INTRODUltAO UNGuiSTICA

No que conceme amane ira como a interayao surge como lugar e modo de funcionamento da linguagem especialmente no que diz respeito amaneira como 0

sentido econstruido nas atividades textuais-discursivas as reftexoes de Marcuschi aproximam-se em muito da linha teorica desenvolvida por Ingcdore Koch

Em sua obra A inter-ariio pea linguagem de 1993 Koch defende uma concepyao de linguagem como

interaylio alYao interindividual e portanto social Por meio dela realizam-se no interior de situayoes sociais ayoes linguisticas quelllodificam tais situayoes atrashyyeS da prodUlao de enunciados dotados de sentido e organizados de acordo com a gramatica de uma lingua (ou variedade de lingua) (p 66)

A linguagem nao esta Ii gada aayao ou ao outro ela ea ayao A linguagem incorpora 0 outro e as circunstiincias sociais da interayao como sells elementos constitutivos

A vertente sociocognitiva dos estudos conversacionais e textuais procura introduzir a questiio do Sujeito na teorizayao sobre a Iingllagem focalizando as multiplas atividades psicossociais que desenvolvem os participantes de uma interayao e salientando a maneira como eles explicita ou implicitamente atuam com e na linguagem Assinalando a concepyao de sujeito nas teorias sociointeshyracionais Koch afirrna que elas

nao deixam de reconhecer a existencia de urn sujeito planejadororganizador que em sua interrelayao com outros sujeitos vai construir urn texto sob a influencia de uma complexa rede de fatores entre os quais a especificidade da situayao 0

jogo de imagens reciprocas as crenyas convicy5es atitudes dos interactantes os conhecimentos (supostamente) partilhados as expectativas mutuas as normas e convenyOes socioculturais (1997 p 7)

Nessa sua obra 0 texto e a construriio dos sentidos a autora define 0 papel reservado aos sujeitos nas_atiYidades cognitivo-textuais bern como aprofunda a petSpectiva interacional na discussao de questoes ligadas ao processamento sociocognitivo de textos com base na teoria da atividade verbal desenvolvida inicialmente pelo psic6logo sovietico Alexander N Leontiev A propOsito Koch elenca nesse livro algumas das principais estrategias do processamento textual a partir de uma coocepyiio de linguagem como atividade

a) estrategias cognitivas (eotendendo-se estrategia como uma instrucento global para cada escolha a serleita no curso da ariio)

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

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iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

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346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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Page 16: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

340 141 MUSSAUM bull BErms

b) estrategias sociointeracionais (entre as quais as relativas a realizalj30 dos diversos tipos de atos de fala as de preservaljao de face - facework - as que envolvem uso das formas de atenua930 as de polidez as de negocialj30 as de atribuilj30 de causas aos mal-entendidos)

c) estrategias textualizadoras (Organizalj30 de informalj30 de referencialjiio de forrilulaljao de balancearnento entre explicito e irnplicito) (1997 p29-34)

Mais recentemente coincidindo com seu interesse mais especifico pela cogniljao e sua constituiljao textual-interativa Koch aborda a questao da interaljao num sentido mais amplo tendo por base a amilise de atividades desenvolvidas pelos sujeitos nas pniticas linguisticas por meio de determinadas estrategias (cognitivas textuais e sociointeracionais) de processamento textual

Em seu mais recente livro Desvendando os segredos do texto (2002) ao analisar 0 processamento textual Koch indica a maneira pela qual a perspec1iva interacional que adota nao apenas preve cOfuo tambem investe as aljoes dos sushyjeitos sobre a lingua e 0 sentido de uma natureza sociocognitiva Tomemos urn trecho extraido dessa sua obra na qual define 0 texto como fruto de urn processo extremamente complexo de interalj30 e construljao social de conhecimento e de lingua gem

Os textos como forrnas de cogniyao social perrnitem ao homem organizar cogshynitivamente 0 mundo E eem raziio dessa capacidade que sao tambem excelentes meios de intercomunicayao bern como de produyiio preservayao e transmissao do saber Deterrninados aspectos de Dossa realidade social so sao criados por meio da representayao dessa realidade e so assim adquirem validade e relevancia social de tal modo que os textos nao apenas tornam 0 conhecimento visivel mas na realidade sociocognitivament~lKtstente (op cit 157) ~ r-~

Nao apenas a conceplj30 de interaljao de a9lio e de cogniyao mas tambem a de sujeito e de sua rela9lio com a linguagem marcam os interesses da perspecshytiva sociocognitiva postulada por entre outros Marcuschi e Koch no campo da Analise da Conversayao e da Linguistica Textual

Urn outro campo de estudos linguisticos que no Brasil tern se desenvolvido a partir da discussao sobre a interay30 ou 0 interacionismo e0 que se dedica aaquisi~ da lioguagem pela crian~a Nele reencontramos urna coocepyao sociocultural de cogoiyao de linguagem e de sujeito tomadas especial mente de Bakhtin e de Vygotsky autores para os quais a ioterayao constitui uma

INTROOU~O AUNGuisTICA

dimens30 humana que sem se Iimitar ao linguistico implica de todo modo a ordem da linguagem

As linhas teoricas gerais do interacionismo no campo congregam de fato estudos bastante heterogeneos entre si (como os inspirados nos trabalhos de Piaget WaHon Vygotsky e Bruner entre outros) e incluem os estudos relativos afala da mae dirigida acrianya acontinuidade entre 0 chamado periodo pre-Iinguistico ao propriamente linguistico arelalj30 entre estruturas da ayao e estruturas Iinguisshyticas as sequencias interacionais entre crianya e seu interlocutor aos aspectos pragmliticos eou discursivosilo desenvolvimento da linguagem

Fugindo das limitayoes impostas tanto pelo behaviorismo quanta pelo inatismo chomskiano ou pelo construtivismo piagetiano no tocante aquestao das relayoes entre lingua e sujeito os estudos pioneiros desenvolvidos por Claudia de Lemos e colaboradores tern de forma original e critica colocado em evidencia desde os anos 1970 a perspectiva interacionista

o interacionismo n~mpo dos estudos dos processos aquisicionais inscreve seus interesses nos fen6menos que constituem a aquisiyao da linguagem pela crianya em relaljao com 0 mundo social com 0 outro e com a propria lingua Nessa perspectiva interayao e 0 espayo dial6gico no qual as significaljoes se constituemmiddote se objetivam no qual os sujeitos de vern responder pelos sentidos provocados ou mobilizados pela Iinguagern 0 fen6meno linguistico ou a unishydade de analise privilegiada e0 diaIogo esse lugar de inserroo da criama na linguagern Os dados anal is ados sao os que se apresentam como urn indicio de urn processo instaurado pela relayao da criaoya com a linguagem (De Lemos 198219861990 19922001)

A respeito das teses centrais do sociointeracionismo no campo psicolinguisshytico mais precisamente nos estudos aquisicionais Pereira de Castro em texto recente assim reafirma os interesses da area

De fato se texto e diatogo sao considerados como unidade de analise e este e0

caso do dialogo para 0 interacionismo em aquisiyao de linguagem a fala da crianya esta ai para mostrar os efeitos da imprevisihilidade da lingua sobre 0 faIante A heshyterogeneidade desta fala que se mostra tanto pelos erros quanta pelos enunciados ins6litos quanta pelo retorno de fragmentos de enunciados do adulto dao prova disto (2001 p 63)

Em urn texto intitulado Sobre 0 interacionismo escrito como afirma a autora em nota para ser faado para ser mais um depoimento que urn artigo cientifico De Lemos reflete sobre os equivocos produzidos pelo termo interashy

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

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iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

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346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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MUSSAUM Bums

348

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Page 17: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

MUSSALIM bull BENTES342

cionismo e sobre 0 percurso evolutivo da questao da interarao e do estatuto do outro em seu proprio trabalho

se nunea foi feito nenhum gesto no sentido de desloear esse rotulo eliminando assim o pretexto que ele ofere cia para que se ignorassem as questoes de viirias ordens que os trabalhos interacionistas punham em discussao penso agora retroativamente que foi por causa do outro ( ) 0 outro ainda que redefinido despojado do saber que Ihe era suposto como interprete da crianya ali permanecia como lugar primordial de inseryao da crianya no funcionamento da lingua Enfim que outro nome dar a esse empreendimento que visa a lingua que se instancia na fala da crianya atraves de uma outra fala de uma fala que a significa como falante (1999 p 14)

Em seu texto Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa dafala da crianra analisando as mudanras observadas na fala da crianra a partir do momenta em que se aproxima da fala do adulto De Lemos salienta a redefinirao de outro em sua teorizarao mats recente

Pensar 0 sujeito como efeito 9a linguagem equivale pois literal mente a subverter uma concepyiio de sujeito enquanto posicionado face alinguagem como objeto de conhecimento a ser aprendido ou construido Ou em outras palavras a considerar a crianya enquanto corpo pulsional como capturada pelo funcionamento da lingua na qual e signifieada por urn outro como falante antes mesmo de 0 ser Nesse sentido pode-se dizer que essa captura tern 0 efeito de coloca-Ia em uma estrutura em que comparece 0 outro como instancia de interpretayiio e 0 Outro como dep6sito e rede de significantes (2001 p 28-9)

Obscurecendo-se no percurso da teorizarao 0 termo s6cio frequentemente associ ado ao interacionismo desenvolvido por De Lemos e colaboradores cede lugar aobservarao ~rel~roes mantidas entre a crianra e a lingua bern como Ii irruprao da PsicamHisecti Como posto de observarao dos fenomenos aquisicionais

JIi as abordagens enunciativas ou discursivas nao sao consideradas ou nao se reivindicam - pelo menos explicita-ou diretamente - abordagens interacioshynistas E issoa despeito por exemplo da enunciarao ser definida como atividade (cf Benveniste 1974 p 80) ou de estar ligada Ii n~o de intersubjetividade de interiocurao de argumentarao ou de serem focalizados no campo das Teorias EnunciativaS e no daAnlilise do Discurso conceitos bakhtinianos como dialogisshymo polifonia aenero discursivo estilo De qualquer modo os temas bakhtinianos incluindo a discussao antissubjetivista de sujeito e de discurso interior podem ser encontrados no programa dos estudos interacionistas em Linguistica

INTROD~O AlINGuisnCA 343

Cornentando a inserrao de Bakhtin na Linguistica nas ultirnas decadas do seculo XX Faraco afirma logo no inicio de sell texto Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas

Na minha participayao procurei problematizar a inclusao de Bakhtin na categoria de precursor entendida essa designayao no sentido estrito do pensador que disse antes e que serviu de ponto de partida para elaborayoes posteriores tendo sido nelas suficientemente diluido e transmudado que so Ihe resta 0 chamado valor hist6rico ( ) Ora estamos longe de uma situayao como essa quando se trata de discutir 0

lugar de Bakhtin no conjunto dos estudos do discurso Eobvio que ele disse antes muitas das coisas que se veio a dizer depois Ocorre porem que os p6steros quanshydo comeyaram a dizer desconheciam aquele ja-dito de forma que nao partiram diretamente dele ( ) Parece claro que a relayao que se estabelece com Bakhtin nesse processo de reordenayao de uma concepyao te6rica de discurso eantes de interlocuyao produtiva do que de precursoridade (200) p 28-29)

Urn exemplo da interlocu9ao aludida por Faraco e a repercussao dos trabashyhos de Bakhtin - sobretudo em tomo da norao de interarao - no campo dos estudos rnetateoricos

Referindo-se a trajetoria do grupo de pesquisa em Linguistica Aplicada l0 qual pertence Roxane Rojo trara urn panorama expressivo da inseryao dos estudos bakhtinianos sobretudo os relativos aTeoria dos Generos do Discurso no campo do ensino de linguas

Os mencionados pesquisadores em LA deslocaram sua discussao para a revisao das versOes da noyao de interayao que figuram nos trabalhos de Vygotsky e dos vygotskianos e para as vantagens que uma releitura desta noyao a partir da postura bakhtiniana pudesse trazer para 0 campo do ensino-aprendizagem de linguagem (2001 p 170)

Focalizando sua discussao nas noroes (vygotskianas) de ZPD (Zona Proxishymal de Desenvolvimento) e de intemalizarao 0 grupo de pesquisadores chegou a identificar tres vertentes interpretativas do trabalho feito no campo aplicado uma primeira chamada cognitivista centrada no aspecto intrapessoal uma segunda chamada interacionista centrada no aspecto interpessoal e uma terceira chamada discursiva que tende a mio dissociar interafiio discurso e conhecimento e cuja base de analise eessencialmente a Iinguagem (e mio a (iriter)afiio ou os conceilos) (p 171)

Duas conce~s de interarAo sao extraidas dessa analise Uma que toma a interarilo como afiio conjunta interpessoal entre individuos enfocados de

~

iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

--

346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

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Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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___ Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas In BRAIT B (Org) Estudos enunciatilOS no Brasil- histarias e perspectivas Campinas Pontes Fapesp 2001

FRANCHI C Linguagem - atividade constitutiva Almanaque 5 9-27 1977

___ Reflexoes sobre a hip6tese da modularidade da mente Boletim da Abralin 8 63-76 1986

GARFINKEL H Studies in ethnometodology Englewood Cliffs Prentice-Hall 1967

GERALD W Portos de passagem Sao Paulo Martins Fontes 1991

GOFFMAN E Encounters two studies in the sociology of interaction Indianopolis Bobs-Merril1961

___ La mise en scene de la vie quotidienne Paris Editions de Minuit 1973

___ Les moments et leurs hommes Paris Le SeuivEditions de Minuit 1988

GRlCE P L6gica e conversayao In DASCAL M (Org) Fundamentos metodolOgicos da linguistica Campinas Ed do Autor 1982 v IV

GUMPERZ 1 Discourse strategies Cambridge Cambridge University Press 1982

KERBRAT-ORECCHIONI CUs interactions verbales Paris Armand Colin 1990 v I

___ La conversation Paris Seuil 1996

__ La notion dinteraction en lingujstique origines apports bilan Langue FrOllfllise

ll8 51-67 1998

351

MUSSAUM bull BENTEs350

KERBRAT-ORECCHIONI C Les acles de langage dans Ie discours - Iheorie etfonc

tionnemenl Paris Nathan 200

KOCH I G V A inler-Gliio pea linguagem Sao Paulo Contexto 1993

___ 0 texto e a constru9iio dos sentidos Sao Paulo Contexto 1997

___ Desvendando os segredos do texlO Sao Paulo Cortez 2002

MAINGUENEAU D Novas tendencias em analise do discurso Campinas Pontes 1989

___ Elementos de linguistica para 0 texto literario Sao Paulo Martins Fontes 1996

MARCUSCHI L A Dafala para a escrila atividades de retextualizayao Sao Paulo

Cortez 2000

___ Do codigo para a cogni9iio 0 processo referencial como atividade cognitiva

2003a (Mimeografado)

___ Perplexidades e perspectivas da Linguistica na virada do milenio 2003b

(Mimeografado)

MEAD G H L esprit Ie soi et la societe Paris PUF 1963

MONDADA L Verbalisation de Iespace etfarication du savoir approche linguistique

de la construction des objets de discours Lausanne Universite de Lausanne 1994

__ Por una linguistica interaccional Discurso y Sociedad 3 (3) 61-90 2001

MONDADA L PEKAREK S Interaction sociale et cognition situee queIs modeles

pour la recherche surlacquisition des langues AILE 12 147-1742000

MORATO E M Linguagem e cognifiio as reflexoes de L S Vygotsky sobre a ayao

reguladora da linguagem Sao Paulo Plexus 1996

MORATO E M ~ENr~~ C Das interven~ de Bourdieu no campo da Linguistica

reflexoes sobre competncla e lingua legitima Horizontes 20 31-48 2002

NORMAND C La quadrature du sens Paris PUF 1990

PEREIRA DE CASTRO M F A argumentayiio na fala da crianya entre fatos de lingua

e de discurso Linguistica 13 61-802001

PIAGET J A equilibrGfiio das estruturas cogniivas Rio de Janeiro Zahar 1976

PHILLIPS 1 Some problems in locating practices Sociology J2 (1) 1978

RAMOGNINO N Linguistique et sociologie un point de we methodologique Socioshy

logie et Societes XXXI (I) 1999

INTRODUltAO AuNGuisnCA

RESNICK L B LEVINE 1 M TEASLEY S D Perspectives on Socially shared cognition American Psychological Association Washington 199

ROJO R H R A teoria dos generos em Bakhtin construindo uma perspectiva enunciativa para 0 ensino de compreensao e produyao de textos na escola In BRAIT B (Org) Esshy

tudos emmciativos no Brasil- historias e perspectivas Campinas PonteslFapesp 2001

SALOMA-O M A questlio da construyao do sentido e a revisao da agenda dos estudos da linguagem Veredas 3(1) 61-79 1999

SCHNAIDERMAN B Bakhtin 40 graus (uma experiencia brasileira com a sua obra) In BRAIT B (Org) Bakhtin dialogismo e construriio do senido Campinas Editora da Unicamp 1997

SPERBER D WILSON D Relevance Communication and cognition Oxford Basil Blackwell 1986

SUCHMAN L A Plans and situated actions - the problem ofhumanmachine comshymunication Cambridge Cambridge University Press 1987

TODOROV T Mikhail Bakhtin the dialogical principle Manchester Manchester University Press 1984

TOURAINE A Sociologia de la accion Barcelona Ariel 1968

THOMPSON 1 B Prefacio In BOURDIEU P Langage etpOuvoir symbolique Paris Seuil200

VAN DIlK T Cogniriio discurso e interacento Sao Paulo Contexto 1992

VISEITI Y-M Critique du livre de LucyA Suchman Plans and situated actions _ The problem of human Imachine communicationlntelectica 7 67-96 1989

VION R La communication verbale-analysedes interactions Paris Hachette 1992

VYGOTSKY L S Aformafiio social do mente Sao Paulo Martins Fontes 1984

--- Thinking and speaking Problems ofgeneral psychology The collected works oJL S Vygotsky New York Pleoun Press 1987 v I

Page 18: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

iNTRO~AuNGuisnCA 345MUSSAUM bull BENT[S344

um cingulo estritamente psicologico e pragmatico outra que se traduz seja em discurso seja em enunciayao determinada pelas situQloes socio-historicas de produroo dos enunciados e pelos generos dos discursos em circularoo sociaf (p 172)

Optando pela ultima vertente 0 grupo de pesquisadores a que Rojo se refeTe passou a desUlcar algumas implicayoes para a releitura que fazia de Vygotsky e tambem para 0 campo de ensino-aprendizagem em gera Quanto a este ultimo ponto 0 investimento do grupo passou a seT a elaborasao de pniticas didciticas que visassem a socioconstrwoo dos diversos modos de discurso escrito (generos) negociada na interaroo () informada por uma situaroo de produroo clara explicita e se possivel real ou realista (p174)

Voltando seus esforsos para 0 processo de-ensino-aprendizagem 0 grupo retomou os conceitos vygotskianos com os quais trabalhava inicialmente para abordar a interaroo como circularoo de discursos (enunciaroo) e a internalishyzaroo como apropriaroo de discurS6lrem circularoo (p 174) Nesse contexto a Teoria dos Generos do Discurso de Bakhtin associada aos trabalhos de estudiosos voltados para as atividades de formayao eou educayiio a partir de uma perspectiva qualificada como interacionismo sociodiscursivo (cf Bronckart 1998) serviu para estabelecer urn middotIiame entre a composiyao te6rica e a pnHica

Dessa forma Iluma quarta etapa de sua hist6ria (Ie constituisao de grupo envolvido tanto com a reflexao vygotskiana quanta com a bakhtiniana a meta passou a ser uma interven9iio pnitica no ambiente educacional com enfoque na interaroo de sala de aula como circularoo de generos escolares do discurso e nos diversos aspectos envolvidos em refer as teorias psicolinguisticas de aquishysiroo e processamento da lingriagem em termos enunciativos (p 181)

Nota-se pois por meio desse breve relato a maneira pela qual as reflexoes de Bakhtin a respejtpd~terasao intervindo na trajet6ria te6rica e pnitica desse grupo de pesquisa rii~~tram-se ferteis para os que procuram explorar uma teoria social forte no ambito dos estudos da linguagem

Na verdade as influencias das reflexOes de Bakhtin podem ser vistas em vashyrios campos dos estudos sobre a linguagem como tantas publicayOes organizadas em tomo de temas bakbtinianos (e do Circulo de Bakbtin) no exterior e no Brasil deixam entrever (cf Brait 1997 Barros amp Fiorin 1994 Faraco et al 1988)

Para os prop6sitos deste texto e importante salientar que estudos oriundos da Analise da Conv~o das teorias enuociativas da LinampUistica Textual e da AnAlise do Discurso rompem com a perspectiva algo programatica es~ada nos anos 1960 elevando com peso te6rico distinto a interayao acondisao de

principio explicativo dos fatos de linguagem E isso se da pela inclusao no quashydro te6rico geral desses domini os da Linguistica da nosiio de interayiio como parte da exp1icasao para a questiio do sentido Eprecisamente este 0 enfoque digno de nota de uma perspectiva trazida aLinguistica pelo vies do dialogismo postulado por Bakhtin

Na apresentasiio de uma coletiinea organizada por Beth Brait em 1997 que trasa urn rico panorama da influencia e da recepyao das reflexoes de Bakhtin no Brasil (e na Franya) Boris Schnaiderman reflete sobre a (aparente) inconsistencia dos dados biograficos existentes ou disponiveis de Bakhtin e sobre a coexistenshycia neste de um homem religioso e um manisa dialogando entre st Esse comentario aliado a uma crescente disposisao da comunidade cientifica de enshycarar pressupostos e metodos bakhtinianos na analise dos mais diversos objetos (relativos aTeoria Literana aLinguistica aPintura aPedagogia aArquitetura etc) indica a fecundidade de suas ideias mas indica tambem que a recepyao de seus trabalhos salienta uma especie de dialogismo echtico que se tomou ainda mais soberano do que aquele que Schnaiderman identificou na vida e na obra do pensador russo E0 que se observa em relayao ao interacionismo - tambem ec1etico - praticado no heterogeneo campo linguistico que tern de forma proshydutiva bebido de sua fonte

40 INTERACIONISMO NO CAMPO UNGUisnco PREIDTO EREMNDICA~O

-Como pondera John B Thompson no prefacio aediyao americana do livro

Langage et pouvoir symbolique de Pierre Bourdieu

emais comodo todavia observar de maneira geral que a linguagem e a vida social sao inextricavelmente ligadas que aprofundar esta observaltao de uma maneira rigorosa e conciudente (iOOl p 7)

Em parte esse comentario resume 0 espirito da critica aos estudos inlerashycionistas no campo linguistico Eis 0 primeiro ponto que poderiamos levantar ao final de nossa explanayao geral sobre 0 interacionismo em Linguistica que pOe em relevo uma questiio de ordem mais conceitual que diz respeito Ii propria definiysecto de interayao e requer que pensemos na mane ira pela qual a Linguistica tern acolhido termos e conceitos emprestados de outras searas como outro social sujeito asao

Quem procura fazer ainda que uma breve inspessecto te6rica da n09iio de interayao facilmente percebeni porque se hesita tanto em definir as fronteiras

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346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

REFERbIaAs BIBUOGRAFIcAs

AUSTIN J L How 10 do things with words Oxford Oxford Press 1962

AUTHIER-REVUZ J Heterogeneite montree et heterogeneite constitutive elements pour une approche de lautre dans Ie discours DRALJI 26 91-1511982

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MUSSAUM Bums

348

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BRAIT B As voies bakhtinianas e 0 dialogo inconcuso In BARROS DL P FlORIN J L (Orgs) Dia[ogismo polijonia intertextualidode Sao Paulo Edusp 1994

Bakhtin e a natureza constitutivamente dial6gica da linguagem In BRAIT Bshy~Bakhtin dialogismo e constru~iio do sentido Caropinas Editora da Unicamp 1997

Alteridade dialogismo heterogeneidade nem sempre 0 outro e0 mesmo In BRAiT B (Org) Estudos enunciativos no Brasil- historias e perspectivas Campinas

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Interayao geIierO eestilo In PRET D (Org) Intera~iio naala e na escrita

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DE LEMOS C T G Universais linguisticos ou lingua original Cadernos PUC 9

15-411981 _Sobre aquisiylo de linguagem e sell (dilema) pecado original Boletim do Abralin

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INTROOUYO AUNGuisTICA 349

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_ _ _ A funyao e 0 destino da palavra alheia tres momentos da reflexao de Bakhtin Anais do V Encontro da ANPOLL 1990

___ Los processos metaf6ricos y metonimicos como mecanismos de cambio Subsshytratum I (1) 121-1351992

___ Sobre 0 interacionismo Letras de Hoje 34 (3) 11-16 1999

___ Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa da fala da crianya Linshygzlistica 13 23-60 200 I

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FARACO C Bakhtin a invasao silenciosa e a rna leitura In FARACO C A BRAIT 8 TEZZA C (Orgs) Uma introdu~iio a Bakhtin 10inville Editora Hatier

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351

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KOCH I G V A inler-Gliio pea linguagem Sao Paulo Contexto 1993

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MAINGUENEAU D Novas tendencias em analise do discurso Campinas Pontes 1989

___ Elementos de linguistica para 0 texto literario Sao Paulo Martins Fontes 1996

MARCUSCHI L A Dafala para a escrila atividades de retextualizayao Sao Paulo

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__ Por una linguistica interaccional Discurso y Sociedad 3 (3) 61-90 2001

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MORATO E M ~ENr~~ C Das interven~ de Bourdieu no campo da Linguistica

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NORMAND C La quadrature du sens Paris PUF 1990

PEREIRA DE CASTRO M F A argumentayiio na fala da crianya entre fatos de lingua

e de discurso Linguistica 13 61-802001

PIAGET J A equilibrGfiio das estruturas cogniivas Rio de Janeiro Zahar 1976

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INTRODUltAO AuNGuisnCA

RESNICK L B LEVINE 1 M TEASLEY S D Perspectives on Socially shared cognition American Psychological Association Washington 199

ROJO R H R A teoria dos generos em Bakhtin construindo uma perspectiva enunciativa para 0 ensino de compreensao e produyao de textos na escola In BRAIT B (Org) Esshy

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SALOMA-O M A questlio da construyao do sentido e a revisao da agenda dos estudos da linguagem Veredas 3(1) 61-79 1999

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TOURAINE A Sociologia de la accion Barcelona Ariel 1968

THOMPSON 1 B Prefacio In BOURDIEU P Langage etpOuvoir symbolique Paris Seuil200

VAN DIlK T Cogniriio discurso e interacento Sao Paulo Contexto 1992

VISEITI Y-M Critique du livre de LucyA Suchman Plans and situated actions _ The problem of human Imachine communicationlntelectica 7 67-96 1989

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VYGOTSKY L S Aformafiio social do mente Sao Paulo Martins Fontes 1984

--- Thinking and speaking Problems ofgeneral psychology The collected works oJL S Vygotsky New York Pleoun Press 1987 v I

Page 19: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

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346 MLSSAUM bull BEllIES

do interacionismo Mio eapenas a relalYao entre individuo e sociedade ou entre reftexao e aIYao ou entre linguagem e cognisao ou entre locutor e interlocutor que por vezes nos parece vaga ou incoerente na realidade e a imprecisao ou falta de clareza na conceplYao dos dois termos que constituem essas relalYoes 0

que esta a nos confundir Se nao resolvermos esse problema em primeiro lugar dificilmentemiddot haveremos de entender as relalYoes a que se alude acima

o segundo ponto que poderfamos levantar diz respeito a necessidade de reftetirmos sobre 0 lugar epistemolagico reservado it linguagem em meio a outros elementos que constituem 0 que chamamos interaIYao (interaIYao social interaIYao verbal interaIYao interpessoal) Em outras palavras a identificaIYao da conceplYao de linguagem e de social no ambito de urn determinado construto tearico e essenshycia I para a identificaIYao do tipo de interacionismo que se reivindica ou proclama

o terceiro ponto a ser destacado incide sobre 0 ganho heuristico trazido pela nOIYao de interaIYao it Linguistica Se a reftexao sobre interaIYao tern jogado luz ~re varios aspectos da linguagem e seu funcionamento tern condiIY6es tambem de atuar no amadurecimento da teorizalYao linguistica a respeito de certas questoes-fetiche encontradas tradicionalmente no campo como as que concernem acompetencia a reftexividade a significaIYao Esse e alias urn ponto que merece ser ainda aprofundado

Finalmente urn Uftimo ponto a ser levantado destaca uma questao que no fundo nao eapenas programatica valeria a pena falarmos em Linguistica Interashycional em dimensao interacional dos fatos de linguagem ou em uma perspectiva interacionista da linguagem e processos afeitos a ela

A resposta a essa questao depende pelo menos em parte do fato de conshysiderarmos que se encontram ou nao bern definidas ou justificadas as bases conceituais e metodol6gicas de uma Linguistica Interacional Depende ainda de como analisamospf~o de que 0 interacionismo em Linguistica e reivindicado tanto por trabalh6~t(jiJe-partem de uma conceplYao interacional de linguagem para a qual a interasao marca de vanas maneiras 0 evento linguistico quanta por aqueles que partem de uma concepsao que eleva a interaIYao acondisao explicativa da linguagem

Se h3 no primeiro caso 0 perigo de resvalannos no positivismo das inteshyra~oes tomadas apenas in situ (cf Ramognino 1999) nao baveria no segundo caso 0 perigo de nos prendermos a uma visao sociologizante dos fatos de linguashygem De certo modo vinculado a essa questiio estA 0 fato de que as situa90es ou pniticas com linguagem nAo apresentam 0 mesmo grau de interatividade Sobre isso a prop6sito assinala Kerbrat-Orecchioni

INTRODU~O II UNGUisllCA 347

A abordagem interacionista privilegia naturalmente sem por outro lado excluir as outras formas de prodwiio discursiva aquelas que apresentam 0 mais forte grau de interatividade como as conversal(oes sso quer dizer que esta nova abordagem impoe ao linguista novas prioridades (999 p 55)

Ao que parece uma abordagem que se recame interacionista no campo linguistico nao pode negligenciar esse aspecto sob 0 perigo de nao analisar os fatos de linguagem de maneira relevante (isto e seletiva) e imaginar - de maneira inadvertida e generica - a partir dai que todas as pniticas e situasoes sao igualmente interativas (tanto uma conversalYao face a face quanta urn culto evangelico ou urn romance escrito ou urn bate-papo na Internet por exemplo)

Seja ocupando uma posilYao central ou uma posilYao periferica na teorizaIYao sobre a linguagem a discussao sobre interaIYao nos estudos linguisticos responde em boa parte pela manutenIYao da Linguistica na agenda dos debates cientificos de nossa epoca Dessa maneira ela significa a possibilidade de urn recentramento da Lingufstica sobre seu proprio objeto (Kerbrat-Orecchioni 1998 p 64)

Longe de ameaIYar a Linguistica a nOIYaO de interaIYao pode mesmo faze-Ia avanIYar nao a impedindo de cercar-se sempre de seu objeto isto e a linguagem Eisso 0 que em essencia procuramos mostrar neste texto apenas introdutario e sempre provisario com relayiio ao entendimento da interaIYao enquanto problema te6rico (evolutivo) para a Linguistica

Concluindo cumpre observaT que este texto nao teve por objetivo satisfazer tOOas as expectativas em geral suscitadas em relayao as expianaIYoes abrangentes mas sim abordar com algurn detalhe a discussao que se projeta no campo linshyguistico em torno da interasao destacando limites e alcances do interacionismo para a ciencia da linguagem Esse propasito e de certo modo modesto mas nao cbega a seT limitado

Se deste estudo puder ser extraido algum proveito uma premissa ao menos do interacionismo bakhtiniano - a melhor resposta para as questoes com as quais fechamos este texto - tern sido reafirmada uma vez que a refiexao como a linguagem e a vida e dial6gica e responsiva por natureza

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981 BOURDIEU P Le sens pratique Paris Editions de Minuit 1980

_ Reponses Pour une antropOlogie reflexive Paris Seuil 1992

BRAIT B As voies bakhtinianas e 0 dialogo inconcuso In BARROS DL P FlORIN J L (Orgs) Dia[ogismo polijonia intertextualidode Sao Paulo Edusp 1994

Bakhtin e a natureza constitutivamente dial6gica da linguagem In BRAIT Bshy~Bakhtin dialogismo e constru~iio do sentido Caropinas Editora da Unicamp 1997

Alteridade dialogismo heterogeneidade nem sempre 0 outro e0 mesmo In BRAiT B (Org) Estudos enunciativos no Brasil- historias e perspectivas Campinas

pontesIFapesp2001 I- -~

Interayao geIierO eestilo In PRET D (Org) Intera~iio naala e na escrita

~etos PARALELOS - NURCSP 5 125-157 2002

BRONCKART l-P Prefacio In MACHADO A R 0 diOrio de leituras a introduyao

de um novo instrumento na escola Sao Paulo Martins Fontes 1998

BRUNER J The ontogenesis ofspeecb acts Journal oChild Language 2 1-201975

DE LEMOS C T G Universais linguisticos ou lingua original Cadernos PUC 9

15-411981 _Sobre aquisiylo de linguagem e sell (dilema) pecado original Boletim do Abralin

3 97-126 1982

INTROOUYO AUNGuisTICA 349

DE LEMOS C T G Interacionismo e aquisiyao de linguagem DELTA 2 (2) 231 48 1986

_ _ _ A funyao e 0 destino da palavra alheia tres momentos da reflexao de Bakhtin Anais do V Encontro da ANPOLL 1990

___ Los processos metaf6ricos y metonimicos como mecanismos de cambio Subsshytratum I (1) 121-1351992

___ Sobre 0 interacionismo Letras de Hoje 34 (3) 11-16 1999

___ Sobre 0 estatuto linguistico e discursivo na narrativa da fala da crianya Linshygzlistica 13 23-60 200 I

DUCROT O Les mots du discours Paris Editions de Minuit 1980

FARACO C Bakhtin a invasao silenciosa e a rna leitura In FARACO C A BRAIT 8 TEZZA C (Orgs) Uma introdu~iio a Bakhtin 10inville Editora Hatier

___ Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas In BRAIT B (Org) Estudos enunciatilOS no Brasil- histarias e perspectivas Campinas Pontes Fapesp 2001

FRANCHI C Linguagem - atividade constitutiva Almanaque 5 9-27 1977

___ Reflexoes sobre a hip6tese da modularidade da mente Boletim da Abralin 8 63-76 1986

GARFINKEL H Studies in ethnometodology Englewood Cliffs Prentice-Hall 1967

GERALD W Portos de passagem Sao Paulo Martins Fontes 1991

GOFFMAN E Encounters two studies in the sociology of interaction Indianopolis Bobs-Merril1961

___ La mise en scene de la vie quotidienne Paris Editions de Minuit 1973

___ Les moments et leurs hommes Paris Le SeuivEditions de Minuit 1988

GRlCE P L6gica e conversayao In DASCAL M (Org) Fundamentos metodolOgicos da linguistica Campinas Ed do Autor 1982 v IV

GUMPERZ 1 Discourse strategies Cambridge Cambridge University Press 1982

KERBRAT-ORECCHIONI CUs interactions verbales Paris Armand Colin 1990 v I

___ La conversation Paris Seuil 1996

__ La notion dinteraction en lingujstique origines apports bilan Langue FrOllfllise

ll8 51-67 1998

351

MUSSAUM bull BENTEs350

KERBRAT-ORECCHIONI C Les acles de langage dans Ie discours - Iheorie etfonc

tionnemenl Paris Nathan 200

KOCH I G V A inler-Gliio pea linguagem Sao Paulo Contexto 1993

___ 0 texto e a constru9iio dos sentidos Sao Paulo Contexto 1997

___ Desvendando os segredos do texlO Sao Paulo Cortez 2002

MAINGUENEAU D Novas tendencias em analise do discurso Campinas Pontes 1989

___ Elementos de linguistica para 0 texto literario Sao Paulo Martins Fontes 1996

MARCUSCHI L A Dafala para a escrila atividades de retextualizayao Sao Paulo

Cortez 2000

___ Do codigo para a cogni9iio 0 processo referencial como atividade cognitiva

2003a (Mimeografado)

___ Perplexidades e perspectivas da Linguistica na virada do milenio 2003b

(Mimeografado)

MEAD G H L esprit Ie soi et la societe Paris PUF 1963

MONDADA L Verbalisation de Iespace etfarication du savoir approche linguistique

de la construction des objets de discours Lausanne Universite de Lausanne 1994

__ Por una linguistica interaccional Discurso y Sociedad 3 (3) 61-90 2001

MONDADA L PEKAREK S Interaction sociale et cognition situee queIs modeles

pour la recherche surlacquisition des langues AILE 12 147-1742000

MORATO E M Linguagem e cognifiio as reflexoes de L S Vygotsky sobre a ayao

reguladora da linguagem Sao Paulo Plexus 1996

MORATO E M ~ENr~~ C Das interven~ de Bourdieu no campo da Linguistica

reflexoes sobre competncla e lingua legitima Horizontes 20 31-48 2002

NORMAND C La quadrature du sens Paris PUF 1990

PEREIRA DE CASTRO M F A argumentayiio na fala da crianya entre fatos de lingua

e de discurso Linguistica 13 61-802001

PIAGET J A equilibrGfiio das estruturas cogniivas Rio de Janeiro Zahar 1976

PHILLIPS 1 Some problems in locating practices Sociology J2 (1) 1978

RAMOGNINO N Linguistique et sociologie un point de we methodologique Socioshy

logie et Societes XXXI (I) 1999

INTRODUltAO AuNGuisnCA

RESNICK L B LEVINE 1 M TEASLEY S D Perspectives on Socially shared cognition American Psychological Association Washington 199

ROJO R H R A teoria dos generos em Bakhtin construindo uma perspectiva enunciativa para 0 ensino de compreensao e produyao de textos na escola In BRAIT B (Org) Esshy

tudos emmciativos no Brasil- historias e perspectivas Campinas PonteslFapesp 2001

SALOMA-O M A questlio da construyao do sentido e a revisao da agenda dos estudos da linguagem Veredas 3(1) 61-79 1999

SCHNAIDERMAN B Bakhtin 40 graus (uma experiencia brasileira com a sua obra) In BRAIT B (Org) Bakhtin dialogismo e construriio do senido Campinas Editora da Unicamp 1997

SPERBER D WILSON D Relevance Communication and cognition Oxford Basil Blackwell 1986

SUCHMAN L A Plans and situated actions - the problem ofhumanmachine comshymunication Cambridge Cambridge University Press 1987

TODOROV T Mikhail Bakhtin the dialogical principle Manchester Manchester University Press 1984

TOURAINE A Sociologia de la accion Barcelona Ariel 1968

THOMPSON 1 B Prefacio In BOURDIEU P Langage etpOuvoir symbolique Paris Seuil200

VAN DIlK T Cogniriio discurso e interacento Sao Paulo Contexto 1992

VISEITI Y-M Critique du livre de LucyA Suchman Plans and situated actions _ The problem of human Imachine communicationlntelectica 7 67-96 1989

VION R La communication verbale-analysedes interactions Paris Hachette 1992

VYGOTSKY L S Aformafiio social do mente Sao Paulo Martins Fontes 1984

--- Thinking and speaking Problems ofgeneral psychology The collected works oJL S Vygotsky New York Pleoun Press 1987 v I

Page 20: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

----

~

MUSSAUM Bums

348

AUTHIER-REVUZ J Ces mots qui ne vonl pas de soi Boucles reflexives et non-coinshy

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ras

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_ Marxismo e filosojia da linguagem Sao Paulo Hucitec 1981

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Paulo Edusp 1994 BENVENISTE E Problemes de linguislique generale 1 Paris Gallimard 1966

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Bakhtin e a natureza constitutivamente dial6gica da linguagem In BRAIT Bshy~Bakhtin dialogismo e constru~iio do sentido Caropinas Editora da Unicamp 1997

Alteridade dialogismo heterogeneidade nem sempre 0 outro e0 mesmo In BRAiT B (Org) Estudos enunciativos no Brasil- historias e perspectivas Campinas

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Interayao geIierO eestilo In PRET D (Org) Intera~iio naala e na escrita

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15-411981 _Sobre aquisiylo de linguagem e sell (dilema) pecado original Boletim do Abralin

3 97-126 1982

INTROOUYO AUNGuisTICA 349

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_ _ _ A funyao e 0 destino da palavra alheia tres momentos da reflexao de Bakhtin Anais do V Encontro da ANPOLL 1990

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___ Bakhtin e os estudos enunciativos no Brasil algumas perspectivas In BRAIT B (Org) Estudos enunciatilOS no Brasil- histarias e perspectivas Campinas Pontes Fapesp 2001

FRANCHI C Linguagem - atividade constitutiva Almanaque 5 9-27 1977

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GERALD W Portos de passagem Sao Paulo Martins Fontes 1991

GOFFMAN E Encounters two studies in the sociology of interaction Indianopolis Bobs-Merril1961

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GRlCE P L6gica e conversayao In DASCAL M (Org) Fundamentos metodolOgicos da linguistica Campinas Ed do Autor 1982 v IV

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___ La conversation Paris Seuil 1996

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351

MUSSAUM bull BENTEs350

KERBRAT-ORECCHIONI C Les acles de langage dans Ie discours - Iheorie etfonc

tionnemenl Paris Nathan 200

KOCH I G V A inler-Gliio pea linguagem Sao Paulo Contexto 1993

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MARCUSCHI L A Dafala para a escrila atividades de retextualizayao Sao Paulo

Cortez 2000

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SALOMA-O M A questlio da construyao do sentido e a revisao da agenda dos estudos da linguagem Veredas 3(1) 61-79 1999

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Page 21: O interacionismo no campo linguístico   edwiges maria morato

351

MUSSAUM bull BENTEs350

KERBRAT-ORECCHIONI C Les acles de langage dans Ie discours - Iheorie etfonc

tionnemenl Paris Nathan 200

KOCH I G V A inler-Gliio pea linguagem Sao Paulo Contexto 1993

___ 0 texto e a constru9iio dos sentidos Sao Paulo Contexto 1997

___ Desvendando os segredos do texlO Sao Paulo Cortez 2002

MAINGUENEAU D Novas tendencias em analise do discurso Campinas Pontes 1989

___ Elementos de linguistica para 0 texto literario Sao Paulo Martins Fontes 1996

MARCUSCHI L A Dafala para a escrila atividades de retextualizayao Sao Paulo

Cortez 2000

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2003a (Mimeografado)

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(Mimeografado)

MEAD G H L esprit Ie soi et la societe Paris PUF 1963

MONDADA L Verbalisation de Iespace etfarication du savoir approche linguistique

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MORATO E M ~ENr~~ C Das interven~ de Bourdieu no campo da Linguistica

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PIAGET J A equilibrGfiio das estruturas cogniivas Rio de Janeiro Zahar 1976

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tudos emmciativos no Brasil- historias e perspectivas Campinas PonteslFapesp 2001

SALOMA-O M A questlio da construyao do sentido e a revisao da agenda dos estudos da linguagem Veredas 3(1) 61-79 1999

SCHNAIDERMAN B Bakhtin 40 graus (uma experiencia brasileira com a sua obra) In BRAIT B (Org) Bakhtin dialogismo e construriio do senido Campinas Editora da Unicamp 1997

SPERBER D WILSON D Relevance Communication and cognition Oxford Basil Blackwell 1986

SUCHMAN L A Plans and situated actions - the problem ofhumanmachine comshymunication Cambridge Cambridge University Press 1987

TODOROV T Mikhail Bakhtin the dialogical principle Manchester Manchester University Press 1984

TOURAINE A Sociologia de la accion Barcelona Ariel 1968

THOMPSON 1 B Prefacio In BOURDIEU P Langage etpOuvoir symbolique Paris Seuil200

VAN DIlK T Cogniriio discurso e interacento Sao Paulo Contexto 1992

VISEITI Y-M Critique du livre de LucyA Suchman Plans and situated actions _ The problem of human Imachine communicationlntelectica 7 67-96 1989

VION R La communication verbale-analysedes interactions Paris Hachette 1992

VYGOTSKY L S Aformafiio social do mente Sao Paulo Martins Fontes 1984

--- Thinking and speaking Problems ofgeneral psychology The collected works oJL S Vygotsky New York Pleoun Press 1987 v I