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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II – ALAGOINHAS/ BAHIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL
CLAUDIA ZILMAR DA SILVA CONCEIÇÃO
O LOCAL DO CORDEL NA ESCOLA
Alagoinhas - BA
31 de março de 2016
CLAUDIA ZILMAR DA SILVA CONCEIÇÃO
O LOCAL DO CORDEL NA ESCOLA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Crítica Cultural do
Departamento de Educação – DEDC II da
UNEB como requisito à obtenção do título de
mestre em Crítica Cultural.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Magno Santos Gomes
Alagoinhas - BA
31 de março de 2016
FICHA CATALOGRÁFICA
Biblioteca do Campus II / Uneb
Bibliotecária: Iza Christina P. de A. Costa - CRB: 5/1042
C744e Conceição, Claudia Zilmar da Silva. O local do cordel na escola./ Claudia Zilmar da Silva Conceição –
Alagoinhas, 2016.
115f. il.
Dissertação – (Mestrado em Crítica Cultura) – Universidade do Estado
da Bahia. Departamento de Educação. Campus II.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Magno Santos Gomes.
1. Língua portuguesa – Estudo e ensino. 2. Literatura de cordel –
Leitura e interpretação. I. Gomes, Carlos Magno Santos. II. Universidade
do Estado da Bahia. Departamento de Educação. III. Título.
CDD 371.90981
O LOCAL DO CORDEL NA ESCOLA
CLAUDIA ZILMAR DA SILVA CONCEIÇÃO
Esta dissertação foi julgada para obtenção do título Mestre em Crítica Cultural. Área de
concentração em Letras e aprovada em sua forma final pelo curso de Pós-Graduação em
Crítica Cultural da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) Campus II.
_____________________________________________
Prof. Dr. Carlos Magno Santos Gomes
Orientador
_____________________________________________
Prof. Dr. Osmar Moreira dos Santos
Coordenador do Pós-Crítica
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Prof. Dr. Carlos Magno Santos Gomes (UNEB)
Presidente da Banca
_____________________________________________
Profª. Drª. Maria de Fátima Berenice da Cruz (UNEB)
Examinador interno
_____________________________________________
Profª. Drª. Anélia Montechiari Pietrani (UFRJ)
Examinador Externo
SUPLENTES
_____________________________________________
Profª. Drª. Jeane de Cassia Nascimento Santos (UFS)
_____________________________________________
Profª. Drª. Jailma dos Santos Pedreira Moreira (UNEB)
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço a Deus por ter-me concedido a oportunidade de fazer o
mestrado.
Ao professor Carlos Magno Gomes, que aceitou me orientar. Sem suas sugestões claras,
acompanhadas de disposição e comprometimento esta dissertação não seria verdadeiramente
possível.
À direção, coordenação e alunos do centro territorial do agreste baiano, que gentilmente se
prontificaram a oferecer dados para esta pesquisa.
Ao professor e cordelista Antônio Carlos Barreto, sempre à disposição em divulgar o cordel.
Ao meu filho Gustavo, grande inspiração e luz na minha vida.
À minha mãe, presença e ajuda constante.
Aos colegas do pós-crítica, em especial a Sheila, Erika, Gislene e Sílvia Marinho, pelo
companheirismo, amizade e pelas sugestões relativas ao meu trabalho.
RESUMO
Esta dissertação traz uma reflexão sobre o ensino de literatura nas aulas de língua portuguesa
a partir da leitura e interpretação de textos da literatura de cordel. Com isso, pretendemos
propor um método que valorize as especificidades desse gênero literário, levando em conta a
formação do leitor. Para tanto, propomos o respeito à cultura do educando com o intuito de
ampliar o horizonte deste como leitor crítico. Nesse sentido, sugerimos a introdução da
cultura popular como parte dos conteúdos significativos que despertam o interesse e a
motivação dos leitores em conhecer a diversidade cultural dos textos artísticos, produzidos em
seu contexto. Metodologicamente, exploramos conceitos de cultura popular e literatura de
cordel, propostos por Abreu, Cascudo, Kupper e Zumthor. Quanto ao ensino de literatura,
exploramos os métodos propostos por Cereja, Zilberman, Martins, Gomes e Rouxel. Para
tanto, sugerimos e discutimos sobre cultura popular, representada na literatura de cordel, por
entender que o cordel pode ser significativo para o educando e ser capaz de formar o leitor por
trazer uma linguagem mais simples, sem elitismo e por ser uma poesia cantada, que pode
suscitar uma reação estética no educando, Assim, no primeiro capítulo desta dissertação,
trazemos a problemática da capacidade leitora dos alunos do ensino básico e a discussão de
considerar a cultura do educando como uma das saídas para a formação do leitor. No segundo
capítulo, abordaremos o ensino de literatura a partir da intervenção com o cordelista Antônio
de Oliveira Barreto, em que utilizaremos, como corpus, os seus próprios cordéis, que, entre
outros temas, abordam também a temática etnicorracial. No terceiro capítulo, com base nessa
experiência, propomos quatro oficinas como prática educacional de intervenção, nas quais
elucidaremos a literatura de cordel como um instrumento pedagógico útil para suscitar a
reação estética, a voz, a performance e o modelo de leitura cultural proposto por Gomes
(2012), resultando na formação leitora do educando.
Palavras-chave: Leitura. Literatura de cordel. Performance.
ABSTRACT
Current dissertation analyzes the teaching of literature in Portuguese Language classes by
reading and interpreting texts derived from Cordel Literature (sung folk novels). A method
that valorizes the specificities of the literary genre is proposed and investigated while taking
into account reader's formation. A deep respect for the culture of the students is proposed for
their formation as critical readers. Consequently, popular culture should be included in the
curriculum as a meaningful content that would interest and motivate readers to have an in-
depth knowledge of the cultural diversity of artistic texts produced and their context. The
method employed comprises concepts of popular culture and Cordel Literature proposed by
Abreu, Cascudo, Kupper and Zumthor. The methods proposed by Cereja, Zilberman, Martins
Gomes and Rouxel will be applied in the case of the teaching of literature. Popular culture,
represented in Cordel Literature, will be envisaged and discussed, since this type of popular
literature may be highly significant to students. In fact, it is able to train the reader since it
introduces a simpler language, without any sophistication. Since it is sung poetry it may elicit
an aesthetic response in the student. The first chapter of current dissertation investigates the
problem of the reading capacity of primary school students, and discusses student's culture as
the basis for reader's formation. The second chapter comprises the teaching of literature
through the tests of the singing poet Antonio de Oliveira Barreto whose poetry will form the
corpus of the literature. Among several items, the poet deals with ethnic and racial themes.
Based on the above experience, the third chapter proposes four workshops as an educational
practice of intervention in which Cordel Literature is underscored as a useful pedagogical tool
for the emergence of aesthetic response, voice, performance and cultural reading model
proposed by Gomes (2012), which results in the reading formation of the subject.
Keywords: Reading. Cordel literature. Performance.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 9
1 A LITERATURA DE CORDEL COMO UMA PROPOSTA
EDUCATIVA ..................................................................................................... 16
1.1 A CRISE DA LEITURA NO AMBIENTE ESCOLAR ..................................... 16
1.2 UMA REFLEXÃO DE CULTURA PERPASSANDO PELA LITERATURA
DE CORDEL ....................................................................................................... 23
1.2.1 Conceituando cultura por meio das marcas do cordel .................................. 23
1.2.2 A literatura de cordel no contexto brasileiro .................................................. 29
1.2.3 O cordel e a leitura cultural ............................................................................ 31
1.3 A LITERATURA DE CORDEL EM TEMPOS DE CULTURA DE MASSA ..... 36
2 A ARTE CORDELISTA TECENDO UM EDUCADOR .............................. 40
2.1 LITERATURA DE CORDEL EM SALA DE AULA: UMA
POSSIBILIDADE DE MATERIALIZAÇÃO DO CURRÍCULO
MULTICULTURAL ........................................................................................... 40
2.2 ENTRE CORDELISTA E PROFESSOR: OS SUJEITOS QUE COMPÕEM
ESSE CENÁRIO ................................................................................................. 43
2.3 ANTÔNIO BARRETO, CORDELISTA FOLKMIDIÁTICO ........................... 45
2.3.1 A oficina e o modelo cultural de leitura .......................................................... 52
2.3.2 Performance, recepção do cordel ..................................................................... 58
3 FORMAÇÃO DO LEITOR: A PERFORMANCE DO CORDEL .............. 65
3.1 A FORMAÇÃO DO LEITOR E O CORDEL .................................................... 71
3.1.1 A performance em foco ..................................................................................... 78
3.1.2 A formação crítica do leitor .............................................................................. 81
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 87
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 91
ANEXOS ............................................................................................................ 98
ANEXO A – Foto das etapas da pesquisa ........................................................... 99
ANEXO B – Planos das vivências ...................................................................... 105
ANEXO C – Questionários ................................................................................. 111
ANEXO D – Termo de consentimento livre esclarecido .................................... 113
9
INTRODUÇÃO
A escolha inicial pelo trabalho, com cordel, justifica-se na busca aos arquivos da
memória, ao tentar trazer à cultura popular imagens simbólicas e representativas da minha
infância, pois meu pai era um exímio leitor de cordel, mesmo não tendo completado o ensino
básico, mas lia muito bem e lia vorazmente os folhetos de cordel.
Já tinha uma pessoa certa na feira, todo sábado ele comprava um folheto e, aos
domingos, primeiro, ele lia sozinho e, quando entendia que algum nos servia, nos chamava e
fazia a leitura oral. Eram histórias diversas, que iam desde a “carestia”, juros altos, histórias
engraçadas, até lições de moral, em que as pessoas desonestas eram atormentadas pelo diabo.
Ficávamos morrendo de medo de o diabo agir em nossas vidas, se fizéssemos algo errado.
Assim, eu e meus irmãos fomos introduzidos nas primeiras leituras por meio do cordel.
Entretanto, aos poucos, íamos percebendo a escassez de pontos de venda dos cordéis,
o que resultou em um grande distanciamento meu com essa literatura. Anos depois, já
professora do ensino fundamental, tive contato com a obra de Patativa do Assaré, em forma
de livro, não mais em folhetos, mas com os mesmos elementos característicos do cordel.
Voltaram-me à memória lembranças da infância e percebi que o cordel poderia ser um
excelente agenciador de incentivo à leitura, já que traz marcas muito fortes da oralidade,
aproximando-se muito da linguagem dos jovens, além de emanar de uma cultura à qual o
educando pertence.
Inicialmente, partimos da constatação de que a leitura de literária tem se tornado cada
vez mais escassa no âmbito escolar, pois, na aula de língua portuguesa, o foco é apenas
resumos, compilações que levem o aluno a um conhecimento mínimo para fazer o ENEM,
ocorrendo, muitas vezes, o esquecimento de levar nosso aluno a um letramento literário tão
importante nessa fase da vida que é a adolescência, como pontua o próprio documento das
Orientações Curriculares Nacionais. Esse “letramento literário [concebido] como estado ou
condição de quem não apenas é capaz de ler poesia ou drama, mas dele se apropria”
(BRASIL, 2006, p. 55). Assim, essa apropriação da leitura não está acontecendo de forma
efetiva nas escolas, e a crise escolar torna-se eminente.
Essa crise escolar podemos reportar à tradição historiográfica no ensino da literatura
no Brasil, datada em meados do século XIX e que se estende até os dias de hoje. O fato de
não haver,naquela época curso de Letras, o ensino de língua portuguesa, em nível secundário,
tomava muitas vezes o enfoque do ensino superior, fosse pelo caráter científico, fossepelo
10
discurso didático histórico. Assim, o espaço da sala de aula confundia-se com o espaço
acadêmico, inclusive pela forte influência do positivismo do século XIX (CEREJA, 2004).
Essa transposição da produção científica para sala de aula faz com que o educando
desmotive-se com o estudo da literatura, e, consequentemente, a sua formação de leitor acaba
sendo comprometida, gerando um desconforto do jovem com a substituição da leitura da obra
literária por fragmentos de textos literários, informações bibliográficas dos autores e fatos
históricos que tenham acontecido no mesmo período literário estudado.
Sabemos que a escola, ainda, é a principal instituição responsável pelo agenciamento
da capacidade leitora dos indivíduos na sociedade moderna, mas tem falhado na sua ação
precípua que é ensinar a ler e escrever. Logo, percebemos que a escola continua ainda presa a
um currículo arcaico, mesmo que os Parâmetros Curriculares Nacionais condenem o mero
ensino de historiografia da literatura, mas essa prática continua tendo ênfase nos livros
didáticos e ainda encontramos muitos professores adeptos dessa prática.
A leitura, na escola, ainda está presa à representação da literatura canônica, e, como é
sabido, essa literatura é pertencente à burguesia. Portanto, se ler é atribuir significados, logo,
pressupõe-se uma reconstrução do texto que nos é representado, é inscrever-se na experiência
vivida. O que se observa é que os textos trabalhados na escola estão muito distantes do
universo dos alunos. Por essa razão, os alunos pertencentes às camadas populares da
sociedade não avançam nos estudos porque não conseguem dar significado ao que lhes é
atribuído. Por mais que se fale em diversidade na academia, por mais que isso possa parecer
repetitivo, a escola continua tradicional. Estamos recebendo alunos do século XXI com a
escola presa ao século XX, pois a sala de aula é o espaço de variedades múltiplas, com tipos
de sujeitos diversificados, consequentemente, práticas culturais distintas.
Segundo Gadotti (2006), a deterioração da educação e, em particular, da escola pública
deve-se ao total descaso que a burguesia nutre pela democratização da cultura, e o educador
não deve ficar esperando, acomodado, que aquela tome as rédeas da situação, pois “esperar
que a burguesia realize uma concepção popular de educação (uma verdadeira “escola para
todos”) é cair na ilusão da ideologia liberal, como já nos advertia Marx, no século passado,
em sua crítica ao programa de Gotha” (GADOTTI, 2006, p. 113).
Uma das lições do marxismo foi justamente chamar a atenção para a categoria da
“totalidade” na análise. Validar a socialização dos conteúdos escolares como a única função
da escola é anular as diferentes culturas e outros saberes. Portanto, a escola, por ser um lugar
de produção de saberes, é também um espaço de circularidade cultural, a relação circular
ocorre quando há diálogo com outras culturas e saberes, pois a cultura popular, ao ser
11
introduzida na escola, permite ao educando essa possibilidade de dialogicidade com outros
saberes e culturas, importantes na aquisição dos conhecimentos que serão fundamentais para o
aprendizado.
Por conseguinte, a proposta é justamente não negar ao aluno a experiência com o
cânone. É necessário que o educando tenha experiências com práticas de uma literatura mais
complexa, que favoreça várias reflexões, mas que também o educador considere o contato
com outras leituras, pertencentes ao contexto do educando, e promova a ampliação do
horizonte deste como leitor, assim, parece-nos ser o melhor caminho a seguir.
Dizer que os alunos não leem é generalizar demais, pois o que eles não leem são as
leituras impostas pela escola, contudo o educador não as considera. É justamente onde está o
grande ato falho dos professores: pensar que o aluno entra vazio de conhecimentos em sala de
aula. Os mesmos carregam, consigo, uma carga de conhecimento pela interação com as outras
pessoas de um grupo social, como pais, amigos, avós e que deve ser considerado pela escola.
Assim, o principal trabalho do professor, que visa formar um novo olhar em seus alunos, é o
de ressignificar esses saberes experienciados, trazê-lo para o espaço da sala de aula de forma a
ser somado com os demais conteúdos vistos pelo sistema educacional como primordial, para
ser considerado um sujeito letrado.
Logo, o professor deve estimular seus alunos a ressignificarem o conhecimento
comum, desconstruindo o saber fechado e estático por um conhecimento aberto e dinâmico. O
segredo para isso: a politização do educando, ou seja, fazer perguntas sobre aquilo que já está
estabelecido. Se as respostas forem verdadeiras, o conhecimento será fortalecido, caso
contrário, novos conceitos serão formulados. Nas palavras de Bachelard (1996, p. 24):
“oferecer enfim à razão razões para evoluir”.
Dessa forma, propomos levar, para sala de aula, a cultura popular por trazer o discurso
dos pobres, das minorias, dos excluídos, por meio do cotidiano, que, muitas das vezes, é
marcado por escassez de bens materiais. Segundo Santos (2008), a questão da escassez
aparece como central, pois as classes subalternas não têm condições financeiras de participar,
plenamente, da cultura de massas. Porém, a cultura dos pobres, por ser baseada no território,
no trabalho e no cotidiano, ganha a força necessária para defender-se do impacto da cultura de
massa. Por conta da escassez de materiais, essa cultura produz seus bens, ainda de forma
muito artesanal, mas torna-se uma força, pois produz símbolos de grande expressividade,
manifestados na fala, na música, na poesia e no cordel também.
Não podemos esquecer que a cultura de massas também produz símbolos, mas estes
estão a serviço do poder e do mercado, sempre estão sendo substituídos para não parecerem
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envelhecidos. Os símbolos da cultura popular são reveladores do próprio movimento da
sociedade e da verdade, não podendo ficar de fora do chão da escola, já que essa é a cultura
pertencente ao aluno da escola pública que também tem o direito de ver sua cultura e sua fala
valorizadas na escola.
Dada a amplitude do problema, esta pesquisa parte de algumas questões norteadoras:
Como não privar o educando da experiência com o cânone, sem contudo hierarquizar? Como
organizar em sala de aula essa polifonia de discursos? Como tornar significativa a leitura
escolar? Como trabalhar a cultura do educando? Por que a arte verbal é tão desconsiderada no
ambiente escolar? Por que não optar por um currículo multicultural? Tais especulações
configuram-se na discussão desta pesquisa.
Dessa forma, a proposta é levar a cultura popular, representada na literatura de cordel,
para a sala de aula por ser uma literatura produzida por pessoas oriundas do próprio contexto
do educando. Ao longo dos anos esta sofreu algumas mudanças, mas sua estrutura continua a
mesma. Antes, era veículo de lazer e informação, hoje, tem um perfil mais reivindicatório,
social e político, por isso continua importante, pois os cordelistas mostram a verdadeira
situação do povo. Situação esta muito mais significativa para o educando porque falará do
meio deste.
A partir dessa inquietação, em levar a cultura popular para sala de aula, houve a
preocupação em procurar a participação dos sujeitos pesquisados na análise do processo deste
estudo, que nos levou a buscar a abordagem qualitativa como norteadora do trabalho
desenvolvido, visto que não pretendemos estudar o fenômeno educativo de maneira
descontextualizada, de forma a descaracterizar o processo.
Assim, elucidado o problema da crise na formação leitora dos educandos, elaboramos
um plano de ação, que se baseou em objetivos, em um processo de acompanhamento, no
controle da ação planejada e no relato concomitante desse processo. A partir da oficina
ministrada pelo cordelista Antônio Barreto, avaliamos a sua execução, verificamos os
resultados da ação e estabelecemos o planejamento e a execução da nova ação que seria a
aplicabilidade da literatura de cordel em quatro oficinas não mais com a presença do
cordelista, e sim com a do pesquisador, para em seguida avaliar os resultados alcançados. Esta
pesquisa é um contínuo de planejamento, execução e avaliação da ação, ou seja, “uma
sequência espiral reiterada de análise, pesquisa de fatos, conceituação, elaboração de planos
de ação, realização desses planos, seguida de avaliação, pesquisa de fatos novos e repetição
do ciclo espiral de atividades”(CHIZZOTTI, 2011, p. 81). Em resumo, nossa pesquisa é
denominada de pesquisa-ação.
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Segundo Ayala (2013), para pesquisar em cultura popular, não basta ter em mente
procedimentos teóricos e metodológicos, é preciso muito mais do que isso, é preciso
comprazer-se com a cultura e atribuir-lhe valor e sentido. Para fazermos uma abordagem
crítica do popular, é imprescindível adotar elementos metodológicos que se oponham à
unilateriedade do processo, a fim de não reduzirmos os sujeitos em meros sujeitos-objeto, mas
também termos cuidado para não valorizar, sobremaneira, a subjetividade, “de modo a se
aproximar da perspectiva que se firmou no Romantismo, equivalente à busca da alma do
povo, uma constante inconsciente que uniria e nivelaria todos, conservando algo de exótico”
(AYALA; AYALA, 2003, p. 104).
Desde os primórdios da escola, a fala do aluno nunca foi valorizada, a oralidade é
sempre entendida como se a escrita fosse superior àquela . Pensamos que a espontaneidade da
fala pode fruir várias criações, e a escrita normatizará, codificará esses dados, que, mesmo
assim, não abarcariam todos os atos realizados pela linguagem.
A defesa pela valorização da oralidade, na sala de aula, objetiva, em primeiro lugar,
uma reinterpretação dos cordéis que eram uma forma de transmissão de conhecimento do
passado, quando os jograis e menestréis transmitiam de forma lúdica e encantadora. Pois
conhecimentos que atualmente esclarecem tanto os processos quanto os objetos da
aprendizagem da língua escrita e as relações evidenciam que privilegiar uma ou algumas
facetas (o oral ou o escrito), subestimando ou ignorando outras, parece ser um equívoco, um
descaminho no ensino e aprendizagem.
O segundo seria a performance, tão esquecida em sala de aula, e o cordel, por ser uma
obra performática, remete para a sala de aula essa experiência, esse diálogo sem dominante
nem dominado, uma livre troca. A transmissão de boca a ouvido traz vida ao texto, opera o
texto, todavia é a performance que “constitui o locus emocional em que o texto vocalizado se
torna arte e donde procede e se mantém a totalidade das energias que constituem a obra viva.
Esse é, em parte, um locus qualitativo, zona operatória da função fantasmática” (ZUMTHOR,
1993, p. 222).
O terceiro objetivo versa, justamente, pelo cerne das nossas discussões que é a leitura,
mas não simplesmente de forma mecânica e decodificada, e sim uma leitura crítica, cultural,
que possa ser concretizada por meio de vários suportes, seja escrito ou oral. O que vale, então,
ressaltar é que a construção da capacidade leitora está diretamente ligada à vivência do sujeito
para que possa atribuir significado a qualquer expressão simbólica ou não.
O recorte inicial da pesquisa será a literatura de cordel do século XXI, por
compreendermos que tratar de textos mais recentes será mais significativo para o estudante da
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atualidade sem, de forma alguma, menosprezar os grandes mestres pioneiros do cordel. Esta
literatura do século XXI não pode, de jeito algum, desvincular da cultura de massas, que a
influenciou enormemente. Partimos do princípio de que, na segunda metade do século XX,
houve uma significativa migração, interna, dos moradores da zona rural para a zona urbana.
Esses novos moradores da zona urbana fazem parte do grande contingente de pobres, que, por
sua vez, gera uma cultura popular, mais voltada para os problemas urbanos que, de alguma
maneira, em termos políticos e sociais, torna-se bem mais crítica, consciente da sua situação.
A esse cenário é somada à onipresença da indústria cultural que, de algum modo,
entrelaça-se com a cultura popular, bem como com seus sistemas de comunicação. A esse
imbricamento dos sistemas de comunicação, com elementos folclóricos, Luiz Beltrão (1967)
denominou folkcomunicação e mais tarde Joseph Luyten (1971) denominou de folkmídia a
utilização de elementos da folkcomunicação com a mídia e vice-versa. Esses conceitos serão
enfatizados no nosso trabalho por considerar a influência, sobremaneira, da indústria cultural
nos dias atuais.
Sendo assim, optamos por estudar a literatura de cordel do século XXI, em especial,
um de seus autores, Antônio Oliveira Barreto. Nascido na cidade de Santa Bárbara, Bahia,
cursou Letras em Salvador, na Universidade Católica do Salvador (UCSAL), na qual
expandiu seus conhecimentos sobre o cordel por meio do incentivo da professora Edilene
Matos que fazia pesquisa sobre Cuíca de Santo Amaro, outro grande cordelista de Salvador do
século XIX.
Assim, no primeiro capítulo desta dissertação, trazemos a problemática da capacidade
leitora dos alunos do ensino básico e a discussão de considerar a cultura do educando como
uma das saídas para a formação do leitor. Para tanto, sugerimos e discutimos sobre cultura
popular, representada na literatura de cordel, por entender que o cordel pode ser significativo
para o educando por trazer uma linguagem mais próxima a do aluno, e, por ser uma poesia
cantada, “os ritmos poéticos, puros efeitos vocais, transmitem-se e viajam sem que intervenha
necessariamente a natureza da linguagem formalizada”(ZUMTHOR, 1993, p. 151).
No segundo capítulo, abordaremos o ensino de literatura a partir do descentramento
cultural ao “valorizar a cultura trazida do aluno, qualquer que ela seja; e, a partir daí, fazê-lo
entender a diversidade cultural”(ZILBERMAN, 2008, p. 116). Nesse sentido, traremos a
cultura popular, representada na literatura de cordel, a partir da oficina ministrada pelo
cordelista Antônio Carlos de Oliveira Barreto, a qual utilizará como corpus os cordéis deste,
que priorizarão a temática etnicorracial.
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Desse modo, no terceiro capítulo, por entendermos que fundamentar o saber docente
na práxis (ação-reflexão-ação) é “impor um novo paradigma epistemológico capaz de
emancipar e autonomizar não só o educador, mas, olhando-se a si e à própria autonomia,
possibilitar a autêntica emancipação dos educandos” (GHEDIN, 2002, p. 135). Dessa forma,
propomos quatro oficinas como prática educacional de intervenção, nas quais elucidaremos a
literatura de cordel como um instrumento pedagógico útil para suscitar a reação estética, a
voz, a performance e o modelo de leitura cultural, proposto por Gomes (2012, p. 169),
“pautado na forma como a identidade afro-brasileira foi/é representada e como o leitor atual
pode revisar os preconceitos e os estereótipos impostos pela ótica do colonizador e mantidos
pela cultura brasileira”. Além de fomentarmos o diálogo da literatura de cordel com outras
artes, tais como a dança, pintura, produção de vídeo, que enfatizarão a performance.
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1 A LITERATURA DE CORDEL COMO UMA PROPOSTA EDUCATIVA
Ao propormos uma reflexão sobre leitura e escola, não podemos deixar de abordar o
ensino de literatura hoje. Ensinar literatura brasileira atualmente, ou a brasileira e a
portuguesa, com base na simples descrição de seus estilos de época, de suas gerações, autores
e obras mais representativos, tornou-se algo tão corriqueiro e comum no ambiente escolar
que, para muitos educadores, pensar uma prática de ensino diferente dessa se torna
praticamente inviável, principalmente no que tange ao livro didático que se transformou no
grande sustentáculo da educação por funcionar como um manual a ser seguido pelo professor.
Contudo, à medida que as pesquisas em leitura avançam, novas perspectivas de ensino
são enfatizadas, pela necessidade de se dar conta da complexidade cultural do mundo
contemporâneo. Por conseguinte, o ensino de literatura já não pode se ater unicamente ao
estudo de autores e obras, é preciso voltar-se para o papel do leitor como pessoa individual e
social. Nesse contexto, este capítulo se propõe a fazer uma discussão sobre o ensino de
literatura nos dias atuais e propor a inserção da cultura popular, representada pela literatura de
cordel.
1.1 A CRISE DA LEITURA NO AMBIENTE ESCOLAR
A introdução da história da literatura nas escolas, datada desde o século XIX, rompeu
com a tradição clássico-humanista de ensino, centrada nos estudos da retórica e da poética e
que há mais de 150 anos preconiza a consciência de uma cultura com matrizes clássicas.
Segundo Cereja (2004), os primeiros estudos literários que procuram dar conta das relações
entre literatura e sociedade são de 1870, organizados por um grupo de intelectuais, que, além
de atuarem na imprensa como críticos, foram membros do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, da Academia Brasileira de Letras e, por sua vez, davam aulas no Colégio Pedro II,
modelo de ensino brasileiro da época.
Dessa forma, não é de estranharmos que o ensino brasileiro da época fosse um misto
de historiografia e sociologia da literatura. Contudo, apesar de mais de um século, o ensino de
literatura continua quase o mesmo, pois muitas práticas de ensino, hoje, têm raízes no modelo
de docência construído no século XIX, principalmente por restringir a literatura à “expressão
da cultura brasileira” e pela imposição de classificar autores e obras em gerações e fases
(CEREJA, 2004).
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Já no século XX assistimos a uma constante desvalorização do professor com perdas
salariais, este, por sua vez, viu-se obrigado a aumentar a sua carga horária, sem tempo de
preparar suas aulas. Surge, na década de 1970, o manual didático que norteou a linha teórica e
a metodológica a serem seguidas nas aulas de literatura.
Como já preconizava Walter Benjamin (1983), em seu artigo “A obra de arte na era da
reprodutibilidade técnica”, há uma corrida desenfreada pela difusão em série de bens culturais
para satisfazer os anseios de um público cada vez mais ávido por novas leituras, que, por sua
vez, aciona uma nova indústria: a da cultura. A escola contribuiu bastante para essa nova
indústria, pois, como é sabido, a leitura propiciou muitos ganhos ao mercado das editoras, ou
seja, a leitura de livros tornou-se o meio mais aceito de se adquirir a cultura.
Consequentemente, o iluminismo gera uma visão errônea da função da cultura ao colocar no
topo o livro como seu elemento imediatista.
É necessário tecermos esses esclarecimentos, concernentes à leitura, deixando claro
que não é a prática de ler, mas a política que envolve sua expansão que deve ser questionada
quando se fala de leitura.
Nessa medida, o indivíduo, ao alfabetizar-se, ingressa-se na cultura dominante, por
intermédio dos livros que são produzidos para atender aos interesses da burguesia. Segundo
Zilberman (1987), a criança depende muito do adulto para ajudá-la a decodificar o mundo a
sua volta e, quando adulta, não tem instrumentos intelectuais suficientes para questionar a
ideologia do colonizador, encontrada no livro didático, que tende a incorporar, pacificamente,
a cultura do dominador.
O que acontece com esse indivíduo, depois que adquire a habilidade de ler, tornando-
se alfabetizado, traduz muitas vezes a crise na escola, pois pode ser explicado o motivo de
muitos estudantes permanecerem no meio do caminho, ou seja, afastam-se de qualquer leitura,
principalmente dos livros, porque foram mal-alfabetizados ou porque a mensagem que foi
veiculada no livro não foi significativa.
Segundo Ezequiel Theodoro da Silva (2009), depois da Revolução de 1964, é que os
livros, aqui no Brasil, tornaram-se cada vez mais imprescindíveis na escola e, por isso, “vão
sendo editados maciçamente a fim de responder a uma demanda altamente previsível, a um
mercado altamente rendoso, lucrativo e certo” (SILVA, E. T., 2009, p. 40). Por conseguinte, a
escola adquire mais livros e os alunos não os leem. Instaura-se, assim, uma crise de leitura,
consequentemente, uma crise da escola, pois esta ainda é o local de aprendizado da leitura.
Destarte, o livro didático passa a ser o sustentáculo da educação e a escola, mesmo a
pública nunca esteve tão abastada de livros. Entretanto a magnitude da crise da educação
18
leitora é gritante. Já a partir da década de 60, “começou-se a dar sinais de que o modelo
educativo, que havia sido concebido para os setores minoritários da população, resultava
inoperante e ineficaz para enfrentar uma escola de massas” (COLOMER, 2007, p. 21). Assim
sendo, alunado passeia entre livros, contudo não os lê.
Com um olhar mais apurado, percebemos a manobra do governo de restringir, acabar
com todo pensamento crítico nas escolas. Segundo Ezequiel Theodoro da Silva (2009), temos,
assim, duas vítimas do sistema: o professor e o aluno. O professor, por ganhar pouco, foi
obrigado a aumentar sua carga horária para receber um pouco mais. E aí surge o grande
problema: sem tempo para preparar aulas, acaba aceitando livros e manuais que surgem, com
absoluta rapidez. A consequência dessa ação resulta na falta de envolvimento do estudante
com a leitura do livro didático, que desconhece como fazer uma reflexão crítica para essa
situação.
A leitura literária tem se tornado cada vez mais rarefeita no âmbito escolar como
trazem as Orientações Curriculares Nacionais, pois, na aula de literatura, as leituras vão se
convertendo em simulacros: apenas resumos, compilações, algumas informações sobre os
autores, cronologia literária e alguma teoria sobre gêneros, ou seja, conhecimento mínimo
para se realizar as avaliações e o ENEM (BRASIL, 2006). No ensino fundamental, “tem a
função de sustentar a formação do leitor e, no ensino médio, integra esse leitor à cultura
literária brasileira, constituindo-se, em alguns currículos, uma disciplina à parte da Língua
Portuguesa” (COSSON, 2009, p. 20). Entretanto as leituras do cânone nacional, propostas
pela escola, há muito tempo, já não despertam a atenção dos estudantes.
Teresa Colomer (2007), em seu livro “Andar entre livros”, explica que os professores
têm predileção por textos informativos, por serem fáceis de entender e de controlar ante as
sutilezas que são exigidas das leituras literárias. E o que, talvez, seja o mais chocante é que
essa crença também é compartilhada pelos pais de diferentes classes sociais, que não viam
interesse em seus filhos perderem tempo com divagações. Logo, aproximando-se das regiões
com pequenos índices de alfabetização, que no nosso caso específico é o Nordeste, a literatura
é vista como algo supérfluo e abissalmente distante das necessidades da maior parte da
população.
Nesse entrelaçamento entre o ensino de língua e literatura, o professor acaba
suprimindo o ensino de literatura. Com essa mudança, o ensino da leitura e da escrita passa a
se configurar de forma técnica, não introduzindo melhora alguma, “é possível afirmar que a
restrição escolar da literatura não parece ter sido benéfica para a formação linguística dos
alunos” (COLOMER, 2007, p. 36). A literatura constitui uma excelente fonte de
19
compreendermos os mecanismos linguísticos, além de ser um instrumento de cultura e uma
fonte de prazer.
Aludimos, assim, que a escola precisa encerrar essa cultura de ter apenas como sua
única fonte de saber o livro didático, é preciso unir os conteúdos selecionados pela escola com
o mundo vivido do estudante. “Somente assim as aprendizagens escolares poderão ganhar o
estatuto de significativas, equilibrando, em termos de programas, os elementos da cultura
elaborada com a história dos grupos de estudantes”(SILVA, A. T., 2009, p. 45). Corroborando
esse pensamento, Gomes (2011) pontua:
Nesse processo, em que leitura e sociedade não podem ser desvinculadas, a literatura
assume um papel fundamental, pois, a partir do contato com o texto, o gosto pela
leitura pode ser despertado como uma prática de reflexão social. Assim, o convite à
reflexão social pode ser uma das saídas para associar leitura, prazer e formação da
consciência crítica do leitor (GOMES, 2011, p. 28).
É preciso colocar a leitura como um andaime para uma efetiva reflexão social que leve
o educando à formação e ao exercício da cidadania. Trata-se, então, de “ver a obra em uma
cultura ativa não só no seio da literatura, mas na relação literatura/realidade” (ROUXEL,
2013a, p. 159), pois a forma como a literatura está sendo trabalhada na escola apenas fortalece
a resistência do alunado perante o texto literário.
Outro ponto que também deve ser considerado é a leitura subjetiva dos alunos, em que
somos levados a pensar na proposta de Umberto Eco, e retomada por Rouxel (2013a), na qual
faz a distinção entre “utilizar refere-se à esfera privada e à pesquisa de uma significação para
si; interpretar é uma atividade da vida social e implica a busca de uma significação senão
universal ao menos consensual na comunidade cultural onde foi produzida a obra”
(ROUXEL, 2013a, p. 152). Utilizarmos nos remeter à nossa memória pessoal é uma leitura
privada; interpretar pede certo conhecimento sobre literatura, é a cisão entre “direitos do
texto” e “direitos do leitor”, explicitados por Tauveron (2013), que coloca que “os direitos do
texto são sempre confundidos com os “direitos do professor”, cuja interpretação é explicitada
à sua maneira, ou seja, não respeita o limite do texto” (TAUVERON, 2013, p. 120), de sorte
que os direitos dos leitores são limitados pelos direitos do texto, pois muitas interpretações
podem ser desprendidas do texto, mas é preciso o professor perceber até que ponto o texto
comporta essas interpretações. Contudo os professores, na ânsia de defender os “direitos do
texto”, muitas vezes acabam rejeitando algumas interpretações dos alunos por pensarem que
estes não são capazes.
20
Dessa forma, utilizar e interpretar podem ser usados concomitantemente sem prejuízo
para o leitor, que pode interpretar o texto sem contudo deixar de sonhar, sentir o texto
próximo do seu universo para depois favorecer as abordagens interpretativas que figuram do
espaço social. Talvez seja um dos motivos de o educando se afastar tanto da leitura literária,
por não ter sua subjetividade, a sua vivência, relacionada com o que está sendo lido.
Presenciamos um distanciamento do que é preconizado nos livros didáticos e a
realidade do estudante, que, na sua grande maioria, são pessoas de classes sociais
desfavorecidas com uma cultura oral muito forte. É nesse público, em especial, que
precisamos incentivar a leitura crítica, como uma forma de empoderamento, ao levar o
“cidadão a compreender as raízes históricas das contradições e a buscar, pela ação concreta,
uma sociedade em que os benefícios do trabalho produtivo e, portanto, da riqueza nacional
não sejam privilégios de uma minoria” (SILVA, E. T., 2009, p. 24). Em suma, precisamos
formar cidadãos críticos.
É importante frisarmos que seria um contrassenso reivindicar uma leitura crítica,
restringindo-a aos livros. Isso implica alijar, da experiência de leitura, os milhares de jovens
que não costumam ter, na escrita, sua referência cotidiana.
Ampliar a noção de leitura pressupõe transformações na visão de mundo em geral e na
de cultura em particular. Isso porque estamos presos a um conceito de cultura muito
ligado à produção escrita, geralmente provinda do trabalho de letrados. A realidade,
entretanto, nos apresenta inúmeras manifestações culturais originárias das camadas
mais ignorantes do povo e cuja força significativa as tem feito perdurar por séculos.
Daí a necessidade de se compreender tanto a questão da leitura quanto a da cultura
para além dos limites que as instituições impuseram (MARTINS, 2006, p. 29).
Vista dessa forma, a leitura passa a ser compreendida como “expressões formais e
simbólicas, não importando por meio de que linguagem” (MARTINS, 2006, p. 30). É
preconizado que o ato de ler pode ser escrito ou pode ser por qualquer outro meio de
expressão humana, como a oralidade, que, por sua vez, pode ser dimensionada ao contexto
histórico.
Segundo Rouxel (2013a), foi constatado que, dentre a “cultura literária escolar”, as
obras que mais despertaram paixão são aquelas do espaço privado do indivíduo, o que leva a
“redefinir a „cultura literária‟ em termos de espaço simbólico pessoal, caracterizado pela
heterogeneidade das referências. As obras consideradas „menores‟ podem ter um papel
importante na vida de uma pessoa” (ROUXEL, 2013a, p. 169).
Corroborando esse pensamento, Cosson (2009) nos diz que na leitura do texto literário
encontramos o senso de nós mesmos e da comunidade a que pertencemos, e nos incentiva a
21
desejar e a expressar o mundo por nós mesmos. Dessa forma, o texto adquire muito mais
valor significativo quando parte da nossa realidade, e, a partir daí, incorpora-se a alteridade
sem anular sua própria identidade.
É imprescindível compreendermos que todos os textos são válidos porque sempre
podemos identificar uma diferença que os torna plural, e essa pluralidade deve ser valorizada
na escola, pois crescemos como leitores à medida que partimos de leituras cada vez mais
complexas. Sendo que o papel do professor é trabalhar a partir do que aluno já conhece para
aquilo que ele desconhece, a fim de ampliar seus horizontes de leitura, tornando-se, assim, um
leitor proficiente (COSSON, 2009, p. 35).
Necessário se faz repensarmos o processo educativo dentro e fora da sala de aula,
implicando na urgência em trabalhar de forma rizomática1 em que são expostas as práticas de
leitura e escrita atreladas às culturas que se proliferam na sociedade, enfim, aos modos de
vida. Que as leituras na sala de aula não sejam apenas as do livro didático, e que outras
leituras possam adentrar o espaço escolar, pois sabemos que há uma parcela de culpa do
professor, pois este “não tem o senso do fracasso justamente porque se acha um mestre. Quem
ensina manda” (BACHELARD, 1996, p. 24).
Logo, alguns educadores estereotipam o aluno como um sujeito vazio de
conhecimentos quando sabemos que os educandos carregam, consigo, uma carga de
conhecimentos acumulada durante sua vida extraclasse, “não se trata, de adquirir uma cultura
experimental, mas sim de mudar de cultura experimental, de derrubar obstáculos já
sedimentados pela vida cotidiana” (BACHELARD, 1996, p. 23). Desse pensamento podemos
lançar luz para outro olhar acerca dessa realidade:
Logo, toda cultura científica deve começar, como será longamente explicado, por
uma catarse intelectual e afetiva. Resta então, a tarefa mais difícil: colocar a cultura
científica em estado de mobilização permanente, substituir o saber fechado e estático
por um conhecimento aberto e dinâmico, dialetizar todas as variáveis experimentais,
oferecer enfim à razão razões para evoluir (BACHELARD, 1996, p. 24).
Deleuze e Guatari (1995) corroboram a noção de conhecimento aberto e dinâmico, ao
afirmar que a aprendizagem se efetua por meio do “múltiplo” e não a partir de uma lógica
binária. A perspectiva é a de construir uma teoria de multiplicidades, sendo que o primeiro
1 Conceito criado por Deleuze e Guattari (1995), para explicar o princípio de multiplicidade, que denuncia as
pseudomultiplicidades arborescentes. Trata-se da constituição de um pensamento que se efetua por meio do
múltiplo, e não a partir de uma lógica binária e dualista, resultante da dicotomia. O rizoma não é um sistema
hierárquico, pois está sempre no meio, por onde cresce e transborda, sem remeter a uma unidade ou dela
derivar.
22
conceito criado para propor essa teoria é o de “rizoma”, feito de direções móveis, sem início
nem fim, mas apenas um meio, por onde cresce e transborda, sem remeter a uma unidade ou
dela derivar. Esse “olhar rizomático” deverá, então, funcionar como uma caixa de ferramentas
aberta para dar outra dinâmica ao ensino na contemporaneidade.
Um ensino que potencialize o diálogo multicultural, que traga para escola não somente
a cultura valorizada, canônica, mas também as culturas locais, populares e a cultura de
massas, para torná-las objetos de estudo e crítica e proporcionar um diálogo aos
textos/enunciados/discursos das diversas culturas locais com os textos da cultura valorizada.
“Assim, a escola formará um cidadão flexível, protagonista e multicultural em sua cultura”
(ROJO, 2009, p. 115).
Nesse contexto, e por compreendermos a sala de aula como um espaço aberto,
percebemos a importância em utilizar a literatura de cordel, um gênero marginalizado pela
hegemonia da cultura científica do conhecimento. “Trata-se de uma „leitura oral‟ ou auditiva,
muito distinta da leitura silenciosa do letrado, tanto dos modos de difusão e aquisição do que
se lê. Porque ler para os habitantes da cultura oral é escutar, mas essa escuta é sonora”
(BARBERO, 2003, p. 160). É uma escuta que pode ser percebida por meio dos risos,
gargalhadas, aplausos, vaias etc.
Leitura, enfim, na qual o ritmo não marca o texto, mas o grupo, e na qual o lido
funciona não como ponto de chegada e fechamento de sentido, mas, ao contrário,
como ponto de partida, de reconhecimento e colocação em marcha da memória
coletiva, uma memória que acaba refazendo o texto em função do contexto,
reescrevendo-o ao utilizá-lo para falar do que o grupo vive (BARBERO, 2003,
p. 160).
Ao tornar o cordel um importante operador simbólico para os estudantes da escola
pública, ao trazer uma linguagem com marcas fortes da oralidade próximo da linguagem
falada das pessoas do convívio social dos educandos, os educadores devem primar “por
ensino que una, de maneira objetiva e dinâmica, os conteúdos culturais valiosos, que a escola
tem que incentivar, com o mundo vivido pelos estudantes” (SILVA, E. T., 2009, p. 45).
Assim, é mister questionar o porquê da ausência do cordel no ambiente escolar, sobretudo no
contexto nordestino, onde ele surgiu e se legitimou.
Nesse sentido, é válido dizer que o trabalho, com textos diversificados, possibilita o
encontro com outras identidades. Mas trazer o cordel para um estudo na perspectiva do ensino
da língua portuguesa pode propiciar um desenquadramento da imagem que temos do sertanejo
nordestino, das questões sociais, políticas e culturais que vivenciamos, uma vez que a
23
literatura de cordel possui uma linguagem autônoma e potente, por trazer marcas muito fortes
da oralidade, e por isso aproxima-se mais da linguagem do aluno, que tem uma vida social
fora da escola que precisa ser considerada.
1.2 UMA REFLEXÃO DE CULTURA PERPASSANDO PELA LITERATURA DE
CORDEL
1.2.1 Conceituando cultura por meio das marcas do cordel
Conceituar a cultura, sem tropeçar nos grandes nomes da antropologia, seria
impossível, pois o termo anthropos deriva do grego e significa “estudo do homem” ou
“ciência do homem”. Logo, “torna-se uma das disciplinas mais especializadas e ao mesmo
tempo uma das mais gerais” (MELO, 1986, p. 20), uma vez que é esse campo da ciência que
estuda as origens, o desenvolvimento, as semelhanças e as diferenças das sociedades
humanas.
Os precursores dos estudos sobre cultura são Bronislaw Malinowski e Franz Boas que
estabelecem as bases da etnografia intensiva, que determina que o trabalho de campo deve
partir de hipóteses científicas e, consequentemente, confere autoridade ao etnógrafo. O
trabalho de campo de Malinowski era considerado “intensivo”, pois ele ficava muito tempo
observando dada comunidade, envolvia-se totalmente a ponto de ser criada a expressão
“observação participante”, usada para definir seu método (KLINGER, 2012).
Ao percorrer os caminhos da história, a qual apresenta uma narrativa contínua das
marcas culturais do homem, designadas por normas, costumes, tradições, leis, conhecimento,
crença, arte e várias outras aptidões e hábitos adquiridos pelo indivíduo, como membro de
uma sociedade. Contudo esses elementos não podem ser considerados homogêneos, já que
não podemos conceber a uniformidade entre as diversas culturas. Ao acreditar que existe uma
“evolução uniforme, toda estrutura perde sua fundamentação” (BOAS, 2005, p. 42). Esses
autores baseavam seus trabalhos na “experiência” que, ao longo dos anos, foi sofrendo
modificações.
A partir dos anos 1980, com o texto de Cliford Geertz, “A interpretação das culturas”,
em que afirma que a etnografia é uma ficção e considera a cultura documento de atuação
pública porque o significado também o é, sendo assim, não consiste numa identidade oculta.
Propõe um conceito mais especializado e, teoricamente, mais poderoso, essencialmente
24
semiótico, assumindo a cultura, numa concepção werberiana, como “teias de significados”
que amarram o homem.
O conceito de cultura que eu defendo, e cuja utilidade os ensaios abaixo tentam
demostrar, essencialmente semiótico. Acreditando, como Marx Weber, que o
homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo
a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência
experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do
significado. É justamente uma explicação que eu procuro, ao construir expressões
sociais enigmáticas na sua superfície. Todavia, essa afirmativa, uma doutrina numa
cláusula, requer por si mesma uma explicação (GEERTZ, 1989, p. 15).
Geertz (1989) observa que a cultura não é um poder, mas um contexto, dentro do qual
os signos interpretáveis podem ser descritos de forma inteligível. Acrescenta que as
descrições das culturas devem ser calculadas de acordo com as construções que os diversos
povos apresentam por meio da vida que levam, alertando para o cuidado que se deve ter com
a abordagem hermética das coisas que não se preocupa com o comportamento, tratando
cultura como sistema simbólico tão somente, com o isolamento de seus elementos. É por meio
do fluxo do comportamento, ou da ação social, que as diversas formas culturais encontram
articulação.
A partir dos estudos desse etnógrafo, ocorre a segunda grande “virada linguística”
(pós-moderna) que desconstrói a primeira, que aconteceu no estruturalismo. A antropologia
pós-moderna não terá mais como seu objeto a cultura observada, mas sim a representação
dessa cultura, que implica “o reconhecimento de que, na antropologia, não se trata do “mundo
dos outros” mas do mundo “entre nós e os outros”. Nesta visão a cultura é relacional”
(KLINGER, 2012, p. 72).
O outro não é mais o “primitivo”, a antropologia não é mais a única a estudar a
cultura, pois, ao mesmo tempo em que seu campo de atuação se amplia, outras disciplinas
também passam a estudar a cultura, como a sociologia, estudos culturais e crítica literária.
Com o passar dos anos, o campo dos estudos culturais foi se ampliando, “abarcando o estudo
da relação entre as gerações, dos jovens com a instituição escolar, das diferentes subculturas
urbanas e das práticas culturais que definem a recepção dos meios massivos na classe
operária; ao que somaram a variável de gênero e etnia”(KLINGER, 2012, p. 79).
Um importante desafio é dado aos estudos culturais. Cultura, nessa ótica, “inclui belas
artes, literatura e conhecimentos, as matérias regulares do currículo das ciências humanas,
mas abrange também as artes negras, da mídia, os esportes e a cultura popular - costumava ser
denominada de folclore e arte proletária” (KUPPER, 2002, p. 290).
25
Nesse enfoque inicial, os estudos culturais partem da resistência representada pela
cultura popular, conforme Kupper, a qual trazemos para sala de aula do ensino básico, por
entender que uma das formas de transmissão da cultura é pela educação, como atesta:
[...] a cultura é transmitida por intermédio da educação e da mídia, e eles se
preocupam com o fato de que os multiculturalistas estejam entrincheirados em
posições de poder em muitas escolas, universidades, jornais e estações de TV, onde
são colocados de forma estratégica para fomentar a ideia de diferença (KUPPER,
2002, p. 296).
Cultura popular, que “é própria e espontânea de um povo, refletindo suas
particularidades regionais e recuperando a tradição e os valores autênticos de um dado grupo
social” (COTRIM; MIRNA, 2010, p. 353). Essa é uma das mais genéricas definições de
cultura popular, mas constatamos que a utilização do termo popular, entre os estudiosos da
área, tem gerado grandes discordâncias. Segundo Hall:
No decorrer da grande transição para o capitalismo agrário e, mais tarde, na
formação e no desenvolvimento do capitalismo industrial, houve uma luta mais ou
menos contínua em torno da cultura dos trabalhadores, das classes trabalhadoras e
dos pobres. Este fato deve constituir o ponto de partida para qualquer estudo, tanto
da base da cultura popular quanto de suas transformações. As mudanças no
equilíbrio e nas relações das forças sociais ao longo dessa história se revelam,
frequentemente, nas lutas em torno da cultura, tradições e formas de vida das classes
populares (HALL, 2003, p. 247).
A partir da polifonia, que se encontra atrelada ao conceito de cultura, os estudos
culturais possibilitam a problematização e a compreensão do que é culturalmente humano,
criando condições de novos diálogos entre os conceitos socioculturais que se propagam no
contexto contemporâneo. Esse cenário implica em um descentramento da noção de cultura,
esta nomenclatura abandona o centro das discussões, passando a permear, ou mesmo a
visibilizar, as margens silenciadas que são representados pela cultura popular.
A cultura popular, sob sua forma especificamente moderna, a partir do final do século
XIX e começo do século XX, passa por uma reorganização na forma de operar o capital e da
influência da estrutura da indústria cultural, associada às novas tecnologias e aos novos
acordos de trabalhos. A dominação cultural é tão forte que assim se posiciona Stuart Hall:
Afirmar que essas formas impostas não nos influenciam equivale a dizer que a
cultura do povo pode existir como um enclave isolado, fora do circuito de
distribuição do poder cultural e das relações de força cultural. Não acredito nisso.
Creio que há uma luta contínua e necessariamente irregular e desigual, por parte da
cultura dominante, no sentido de desorganizar e reorganizar constantemente a
cultura popular; para cercá-la e confinar suas definições e formas dentro de uma
26
gama mais abrangente de formas dominantes. Há pontos de resistência e também
momentos de superação. Esta é a dialética da luta cultural (HALL, 2003, p. 255).
As mudanças no equilíbrio e nas relações sociais justificam-se pelo interesse que o
capital tinha na cultura das classes populares, consequentemente, a tradição popular passa a
ser o local de resistência do povo. Dessa forma, explica-se por que a tradição é mal-
interpretada como “um produto conservador, retrógado e anacrônico/luta e resistência – mas
também naturalmente, apropriação e expropriação” (HALL, 2003, p. 248). Assim sendo, Hall
insiste que o essencial em uma definição de cultura popular são “as relações que colocam a
„cultura popular‟ em uma tensão contínua (de relacionamento, influência e antagonismo) com
a cultura dominante” (HALL, 2003, p. 257). Trata-se de uma definição que parte da dialética
cultural e da constatação de dominantes e dominados. É com esse pensamento de luta cultural
que trazemos a cultura popular, representada na literatura de cordel, para a sala de aula como
uma ferramenta capaz de operacionar práticas cotidianas que descortinem as relações culturais
e sociais, propagadas pela cultura hegemônica no cenário educacional.
De acordo com Luyten (2007), é na Europa Medieval, nos três famosos pontos de
peregrinação: Roma, Santa Sé e Jerusalém, a Terra Santa, que se dá inicio à literatura popular,
onde se concentravam poetas nômades, agindo como jornalistas, ao contar novidades,
aventuras e bravuras por meio de seus poemas; textos em que se confundiam as marcas do
oral e do escrito. “Esses núcleos vão se tornar fontes de produção de cultura regional,
transportada para o resto da Europa por intermédio dos menestréis, trovadores e jograis, três
categorias de poetas andarilhos” (LUYTEN, 2007, p. 21). Esses poetas iam de palácio em
palácio, levando as notícias e também alegria com seus versos bem rimados.
Segundo Zumthor (1993), não podemos negar a importância dos recitadores e cantores
profissionais na formação de línguas poéticas românicas e germânicas e, talvez, de sistemas
de versificação. O nomadismo dos intérpretes contribuiu para a constituição de idiomas
comuns, transcendendo os dialetos locais e as poéticas, vocalmente transmitidas, dessa forma
“reatualizada, reescutada, mais e melhor do que teria podido a escrita” (ZUMTHOR, 1993,
p. 71).
Nas sociedades atuais a escrita constitui um bem cultural que legitima, comanda,
„faz e desfaz‟, promovendo inclusão e exclusão social; entretanto, mesmo assim,
considerando o valor intrínseco da escrita, a oralidade continua sendo o referencial
maior. Especialmente em territórios rurais, mas também nos urbanos, a oralidade
constitui-se o canal de comunicação mais produtivo nas interações do cotidiano,
assim como o meio mais efetivo de transmissão das tradições culturais provenientes
dos saberes locais (PEREIRA, 2013, p. 143).
27
Zumthor (2010), em seu livro “Introdução a poesia oral”, distingue os tipos de
oralidade: oralidade primária, seria a proveniente de uma cultura sem nenhum contato com a
escrita; a oralidade mista, quando a influência da escrita é considerada parcial (como nas
massas analfabetas); oralidade segunda, que pertence a uma cultura letrada; e por último, uma
oralidade mediatizada. “Quanto à oralidade mediatizada, na situação atual e, talvez,
provisória, ela coexiste com a terceira, a segunda e mesmo, em algumas regiões afastadas com
a primeira espécie” (ZUMTHOR, 2010, p. 36).
Por muitos anos a literatura de cordel se configurou como pertencente a uma oralidade
mista, pois até analfabetos compravam os folhetos, desejando alguém para ler, e foi uma
literatura que serviu como jornal ao disseminar as notícias, que demoravam a chegar a vários
cantos do Nordeste. Hoje, temos um cordel mais mediatizado que transita no rádio, televisão e
internet.
Registramos, também, a importância que o teórico suíço atribui à contribuição
sensorial própria da voz e do corpo do intérprete, cujo texto não é mais letra apenas, e sim o
jogo de um indivíduo. Ele elege cinco operações a que um texto poético é submetido em uma
sociedade que conhece a escritura (a produção, a comunicação, a recepção, a conservação e a
repetição). Assim, quando a comunicação e a recepção, eventualmente a produção, coincidem
no tempo, trata-se de uma performance. “Quando um poeta ou seu intérprete canta ou recita
(seja o texto improvisado, seja memorizado), sua voz, por si só, lhe confere autoridade”
(ZUMTHOR, 1993, p. 19). Assim, à palavra oralidade prefere vocalidade.
No seu livro, “Performance, Recepção, Leitura”, Zumthor (2000) deixa claro que a
noção de literatura é demarcada historicamente e refere-se à civilização europeia, entre os
séculos XVII ou XVIII e hoje. Logo, distingue a literatura da ideia de poesia, “que é para
mim a de uma arte da linguagem humana independente de seus modos de concretização e,
fundamentada nas estruturas antropológicas mais profundas” (ZUMTHOR, 2000, p. 12)
Nessa perspectiva, ele elegeu o adjetivo poesia vocal, afastando-se da expressão “literatura
oral”.
Levando-se em conta o significado da palavra “literatura”, que quer dizer “escritos”
(latim literatura, de litera, letra do alfabeto), percebemos que não há nenhuma ligação com a
arte oral, pois existe uma etimologia a ser considerada. Ainda que a “erudição produziu no
passado conceitos monstruosos como literatura oral” (ONG, 1998, p. 20), hoje esse termo está
sendo eliminado aos poucos e as apresentações orais estão sendo consideradas como
vocalizações, pois nenhum termo, ainda, atende, satisfatoriamente, a uma herança oral.
Assim, temos os folhetos, embora escritos, é na voz que encontram sua interlocução.
28
Os folhetos de oito páginas são destinados ao tratamento de assuntos do cotidiano,
de fatos jornalísticos e a reprodução de desafios e pelejas. Já as histórias de valentia
e de esperteza, assim como as narrativas amorosas, devem ocupar os folhetos
maiores, com 16 ou mais páginas. Essa relação entre tema e número de páginas
serve também para dar nome às produções: chama-se de romance as narrativas em
verso com 16 páginas ou mais e de folheto as brochuras de oito páginas em que se
reproduzem desafios e ou se relatam fatos do cotidiano (ABREU, 2006, p. 64).
Quase todos os cordelistas fazem poemas com seis versos de sete sílabas métricas, ou
seja, sextilhas com versos setissílabos. Esses versos eram denominados de redondilha, uma
tradição que vem da poesia medieval. Os versos de cinco sílabas métricas recebe o nome de
redondilha menor e os de sete sílabas métricas, redondilha maior, que é a estrutura estrófica
mais utilizada pelos cordelistas. São comuns também as estrofes com sete versos (septilhas).
Um bom cordelista tem que saber fazer boas rimas e seguir as regras. Quando fizer poemas
com sextilhas, o segundo, o quarto e o sexto versos deverão rimar, os outros ficam livres. Nas
estrofes de sete versos haverá uma rima no segundo, quarto e sétimo versos, outra no quinto e
sétimo versos, e outra no quinto e sexto versos. Tomemos como exemplo o poema de Cuíca
de Santo Amaro, intitulado “Olhe Cosme e Damião”, que descreve a ação da polícia que
costumava aparecer em duplas, em Salvador.
Gritam aqueles que votaram
Veja que situação!!!
Na feira sobe a farinha
Na venda sobe o feijão
Quando o povo reclama
Lá vem Cosme e Damião
Vejamos a última estrofe de “O cachorro dos mortos”, de Leandro Gomes de Barros,
que traz um exemplo da rima da poesia septilha:
L -eitor, não levantei falso,
E -screvi o que se deu,
A -quele grande sucesso
N -a Bahia aconteceu,
D -a forma que o velho cão
R -olou morto sobre o chão.
O -nde o seu senhor morreu.
Precisa haver uma semelhança sonora, o que é esperado da rima, além de manter uma
relação de sentido. Para o cordelista, o importante é ser fiel a três aspectos: rima, métrica e
oração. O que é denominado de oração nada mais é do que a coerência e a coesão dos fatos
narrados, não podem ser frases soltas, só considerando as rimas. É preciso que o poema e o
contexto não se afastem do seu público, ou seja, que façam sentido para quem está ouvindo.
29
Vale dizer que esses poetas, por tratarem de assuntos do seu meio, por sinal,
desprestigiado por uma elite dominante, nem sempre tiveram sua autoria reconhecida
oficialmente. O que levou a muitas confusões, pois quem comercializava geralmente colocava
seu nome resultando, hoje, em uma grande preocupação nos estudiosos da literatura popular
para atribuir autoria aos cordéis.
Muitos autores, para evitar dúvidas, colocam seus nomes na última estrofe dos
poemas, na forma de acrósticos, contudo esse costume transformou-se em uma composição
poética que caracteriza essa produção literária. Atualmente, a escolha dos cordéis, por autoria,
facilita muito o trabalho do professor ao escolher determinado autor para trabalhar.
1.2.2 A literatura de cordel no contexto brasileiro
No Brasil, a literatura de cordel chegou até nós no final do século XIX e início do XX,
por meio das caravelas portuguesas e logo foi muito bem aceita. No Nordeste floresceu de
forma extraordinária, por meio do homem simples do povo que produzia, imprimia e vendia
seus próprios produtos, nas feiras e mercados, no lugar em que os cordelistas cantavam e
recitavam suas poesias.
O primeiro poeta a imprimir suas poesias no Brasil foi Leandro Gomes de Barros
(1865-1918), que é considerado o pai do cordel, e alguns estudiosos chegam a afirmar que ele
tem mais de mil poemas escritos, tendo vários livros sobre esse grande cordelista,
principalmente pela qualidade de seus versos. Outro grande nome é João Martins de Athayde
(1880-1959), que também escrevia poesias, mas destacou-se mais por ser um dos maiores
editores do Norte e Nordeste.
Segundo Luyten (2007), nessa época a poesia popular era o único veículo de
informação e formação, pois, quando as sociedades são iletradas, recorre-se à memória e a
tendência é ordenar toda mensagem em forma poética, porquanto o ritmo das frases e a
semelhança das partes iniciais e finais facilitam a memorização. Hoje, com o êxodo rural, os
antigos lavradores e camponeses tornaram-se marginais, favelados, habitantes de periferia,
porém “trouxeram a sua cultura e, como baluarte, a poesia popular, um dos esteios da
expressão do homem brasileiro” (LUYTEN, 2007, p. 70). Temos um cordel, agora mais
urbano, mais politizado, em que as classes subalternas se movem de baixo para cima,
fazendo-se cada vez mais visibilizadas. Por esse motivo o cordel continua importante nos dias
atuais, porque são pessoas do povo que o constroem, mostrando, de forma poética, a
verdadeira situação do homem do povo.
30
Também existe outra composição poética muito utilizada no Nordeste. São os
chamados “repentes”, verdadeiros improvisos executados, na hora, por um cantador ou em
duplas que deixam a plateia encantada com a rapidez com que criam os versos. Quando
acontece de haver mais poetas, temos os desafios, nos quais os vencedores são aqueles que
conseguem rimar por mais tempo, são as tradicionais pelejas. “No caso de pelejas brasileiras,
não é só a habilidade de responder ao colega, versejando, mas principalmente acompanhar o
outro através de diversos ritmos” (LUYTEN, 2007, p. 48).
Como exemplo forte de autor que bebeu na fonte da cultura popular, temos Ariano
Suassuna que encontra o protagonista para sua obra “O auto da compadecida” no cordel
“Palhaçadas de João Grilo”, de João Ferreira de Lima (1932). Segundo Marco Haurélio
(2010), a obra baseia-se em três folhetos distintos, dois deles do grande mestre cordelista,
Leandro Gomes. O primeiro é“ O cavalo que defecava dinheiro”, em que aparece a figura do
espertalhão que consegue enganar um duque invejoso. O outro cordel é “O dinheiro (O
testamento do cachorro)”, que cita dois personagens que praticam o pecado da simonia: o
padre e o bispo. O terceiro cordel é “O castigo da soberba”, de autoria desconhecida. “A
história traz os matizes do imaginário medieval que impregna a obra de Gil Vicente, outra
evidente fonte de Suassuna. Maria (Nossa Senhora) é a advogada, Jesus o Juiz e o Diabo o
acusador” (HAURÉLIO, 2010, p. 70).
Outro autor que busca inspiração na cultura popular é Mário de Andrade, grande nome
do modernismo brasileiro, “que em suas „viagens etnográficas‟ pelo Brasil, para conhecer os
jeitos dos brasileiros, suas palavras, sua entonação, elaborou vários trabalhos resultados desse
interesse pela cultura popular” (ABREU, 2006, p. 55). Por conseguinte, muitos outros nomes
da literatura, considerada universal, também buscam suas fontes no popular, que é tido como
marginal ou apenas comercial. O contrário também acontece, ou seja, muitos cordelistas
transformam, em versos, os grandes clássicos. Como cordéis que recontam Iracema, de José
Alencar; A escrava Isaura, de Bernardo Guimarães; Romeu e Julieta, de William
Shakespeare; e tantos outros.
Confirma-se, assim, a existência de uma circularidade entre o erudito e o popular que
emergem de maneira muito simples. Na sala de aula o educando pode ter acesso aos clássicos,
bem como à cultura local. Mas, para que isso aconteça, é necessário que haja a provocação e o
trabalho do professor de literatura, em sala de aula, é a peça-chave para propiciar o olhar para
os textos, de forma multifacetada.
31
1.2.3 O cordel e a leitura cultural
Partimos do princípio de que as práticas de leituras estão situadas dentro de um
contexto social e institucional, mas não podemos perder de vista que esse contexto é diferente
daquele das instituições de codificação. Nesse sentido, o modelo de
decodificação/codificação, de Stuart Hall, deve ser considerado por pontuar que os textos
culturais trazem significados para o indivíduo. Por conseguinte, a leitura, a decodificação de
textos de cordel, não deve ser vista apenas como uma manifestação cultural, tampouco como
um canal de ideologias, mas sim como produtora de sentidos, que pode ser aceita, negociada e
até mesmo rejeitada.
Tendo em conta de que esse modelo pressupõe três posições hipotéticas de
decodificação de leitura: a primeira seria a preferencial, por ter uma forma determinante, a
mensagem é decodificada segundo os critérios de quem detém o poder: “leia-me dessa
forma”; a segunda versão é negociada quando a mensagem entra em negociação com as
condições de adaptação e oposição às “condições locais”; finalmente, a leitura de oposição em
que as pessoas entendem a mensagem mas contestam. Esse modelo demonstra,
principalmente, que o processo de decodificação não é homogêneo, e que se pode ler de
formas diferentes (HALL, 2003, p. 357).
Segundo Hall (2003), as nossas leituras surgem da família em que fomos criados, do
nosso local de trabalho, das instituições a que pertencemos e de outras práticas. Poderíamos,
então, entendê-las como “comunidades interpretativas”, termo cunhado por David Morley
(1980) que parte do compartilhamento de alguns referenciais de decodificação para depois os
contrastar uns com os outros, pois não se trata de uma leitura subjetiva: “ela é compartilhada;
possui uma expressão institucional; relaciona-se com o fato de que você é parte de uma
instituição” (HALL, 2003, p. 357).
Nessa perspectiva, o modelo cultural de leitura, proposto por Gomes (2012), é de
grande pertinência para o professor de literatura, por ser “pautado em uma pedagogia
interdisciplinar de leitura, na qual as estruturas estético-culturais do texto não podem ficar de
fora da abordagem” (GOMES, 2012, p. 168). Na contemporaneidade não podemos mais
definir literatura apenas como objeto estético-artístico, por compreendermos que trabalhar o
contexto do educando não só contribui para o exercício de uma democracia plena, mas
também garante a aquisição da cidadania, que pode ser conquistada dia após dia, a depender,
é claro, do esforço do educador em propiciar esse encontro do texto com o universo do aluno.
32
Corroborando esse pensamento, Zumthor (2000) explicita que os professores se
prevaleciam de sua boa “consciência histórica, mas não imaginavam que essa consciência
tivesse uma história. Tratar de textos levava muitas vezes a descrever contextos”
(ZUMTHOR, 2000, p. 97). Não podemos perder de vista que o texto é um espaço plural, pois
o contexto do autor também é levado em conta, assim como o próprio texto e o novo olhar do
leitor politizado.
Esse modelo visa à efetivação da leitura crítica, ao levar o educando, por meio da
recepção dos textos, a uma valorização das questões identitárias, propiciando uma ação
política, voltada para grupos excluídos ou que sejam discriminados, como negros, mulheres,
índios, entre outros, que foram marginalizados ao longo dos anos. Isso implica em uma
retomada à história e ao questionamento da cultura hegemônica, que não os acolheu. Isso
posto, o modelo de leitura cultural parte da alteridade, ao fazer diferentes abordagens sobre
exclusão, levando o educando a repensar o seu pertencimento identitário.
Por consequência, entendemos que a literatura de cordel pode favorecer a leitura
cultural, por trazer uma linguagem mais próxima à do povo e que também carrega, em seu
bojo, ideologias, estereótipos, preconceitos e visões de mundo e da época em que foi
produzida.
Segundo Ana Cristina Marinho e José Helder Pinheiro Alves (2012, p. 126), qualquer
metodologia no trabalho com o cordel pressupõe um envolvimento afetivo com a cultura
popular. Pensar elementos metodológicos para trabalhar com a literatura de cordel subentende
afastar-se da ideia, preconceituosa, que preconiza a unilateralidade do processo educativo e
não aceita a dialeticidade que envolve toda prática educativa e social. Consequentemente, o
cordel favorece a valorização das experiências locais. “Descobri-las, dar-lhes visibilidade é
uma tarefa da maior importância na formação leitora e cultural de nossos alunos”
(MARINHO; ALVES; 2012, p. 127).
Os autores também colocam que uma metodologia que se apropria do cordel apenas
como objeto de observação ou fonte de informação é inadequada para o ensino básico. O
cordel deve ser o fio condutor da cultura da qual ele emana, assim, torna-se significativo para
o aluno.
Podemos destacar, como uma das primeiras atividades, a leitura em voz alta, pois o
cordel é uma poesia cantada e, a partir disso, amplia-se a experiência de leitura, abrindo-se o
espaço para a leitura significativa. Além de ser instrumento de entreternimento e de
informação, o cordel tem acentuado caráter de denúncia das injustiças sociais.
33
No momento em que a leitura é vista como reflexão social, o cordel pode ser
evidenciado como uma agência de leitura e politização, por trazer uma linguagem com marcas
da oralidade próxima da linguagem dos jovens e de seus contextos locais, propiciando, assim,
uma leitura efetiva. Essa concepção de leitura torna-se legítima e, pelo fato de fazer sentido e
de ser significativa para os educandos, também pode ser produtiva para lançar novos olhares
sobre as leituras escolares.
No cordel não se pode dissociar música de poesia, pois o ritmo já faz parte do formato
dessa poesia. Cantar era uma forma de agrupar as pessoas. “Os civilizados abandonaram essa
regra infalível de aproximação psicológica, preparação simpática, envolvimento fraternal. Por
isso nunca mais houve conferência com resultado duradouro” (CASCUDO, 1984, p. 366). A
poesia cantada tinha essa mágica de unir as pessoas e era ouvida, repetida, de modo a fixarem
na memória, e as pessoas aprendiam, cantando e dançando. “Pela vida, outras fórmulas
surgem e se impõem, categoricamente, como resumos de regras de ação social. Assimilamos
todo esse „corpus‟ educacional sem jamais vermos sua autorização provando a
indispensabilidade” (CASCUDO, 1984, p. 366). Ninguém consegue provar que o cordel não
possa ser um instrumento pedagógico eficaz, ao contrário, cada vez mais encontramos
exemplos fortes do aporte pedagógico que as composições populares promovem.
Como exemplo do aporte pedagógico do cordel podemos citar o trabalho da
historiadora Ivone da Silva Ramos Maya (2012), que compilou uma sequência de obras de
Leandro Gomes de Barros (cordelista paraibano – 1865-1918 – considerado o “Pai do Cordel”
no Brasil) e descobriu uma relíquia ao perceber que aquelas poesias retratavam a história da
primeira república. De posse dessas poesias, reuniu-as por ordem de acontecimentos,
mostrando a história recontada por meio da fala do poeta como uma espécie de contraponto ao
que se costuma afirmar sobre o período, ou seja, um “emudecimento” do popular. Vejamos o
cordel “O imposto e a fome”:
O imposto disse a fome:
– Collega, vamos andar,
Vamos ver pobre gemer
E o rico se queixar
A tarde está suculenta,
O governo nos sustenta
Nós podemos passeiar.
Este novo presidente,
Vôtes, credo, eu dou-lhe figa,
Este Hermes da Fonseca
Jurou acabar com a secca
Vae tudo encher a barriga.
34
Disse a fome – ah! Meu colega,
No governo do Peçanha,
A desgraça vae a pique,
Fartura contra façanha,
Acaba-se até a secca...
E quando entrar o Fonseca
Já vê que a miséria apanha.
(BARROS apud MAYA, 2012, p. 101)
Esse poema foi lançado em 1909 por Leandro Gomes de Barros que coloca, em cena,
dois personagens que tecem comentários a respeito da situação do país e da política
econômica, enfatizando a arrecadação de impostos. Ainda ironizam a administração de Nilo
Peçanha e de Hermes da Fonseca, por meio da polifonia criada pelos personagens, que
demonstram todo o descrédito com o governo que está massacrando o povo com juros altos.
Através da interseção entre poesia e história, o educando pode entender o contexto
político da primeira república por meio da alegoria e da estética. Até os dias de hoje, os
cordelistas buscam suas temáticas nos fatos políticos, artísticos, lendários, folclóricos ou
pitorescos da vida e fazem suas poesias sem muito elitismo ou formalidades. Nesse exemplo
específico, pode-se fazer um trabalho conjunto entre professores de história e língua
portuguesa, como a própria autora coloca: “a literatura não é o real, mas reproduz o verossímil
que aconteceu, deixando para o historiador o ofício de reproduzir os fatos e checar as fontes,
mesmo que estas muitas vezes sejam contraditórias” (MAYA, 2012, p. 27). Assim, a obra do
poeta de cordel é uma ferramenta pedagógica importante para trabalharmos os acontecimentos
por ele presenciados e perpetuados por meio de seus poemas e que revelariam a voz inaudível
do povo, valorizando, também, o aprender intercultural, contribuindo com a
interdisciplinaridade.
Logo, o cordel representa a materialização das narrativas dos sujeitos, possibilitando o
direito de fala aos silenciados, marginalizados pela grande hegemonia, o cordel, assim como
as narrativas orais, fortalece-se com o advento dos estudos culturais, impulsionando-nos a
levar esse fazer poético a lugares antes nunca imaginados, como a academia e as salas de aula
do ensino básico.
[...] o cordel um discurso poético narrativo de autoria marcada (não coletiva), não
vemos porque ele não possa ser enquadrado dentro do conceito amplo e
fenomenológico de literatura como expressão identitária de um grupo específico de
produtores e leitores. Ou seja, uma literatura feita por homens e mulheres reais, a
partir de circunstâncias históricas e materiais concretas em um determinado tempo e
lugar (OLIVEIRA, 2012, p. 16).
35
São muitas suposições para que essa exploração não ocorra, mas, por hora, destacamos
o fato de ser escrito de forma oralizada, e com termos regionais, e por uma minoria
considerada como de margem: o sertanejo nordestino. Entretanto, quando esses termos
regionais são utilizados por autores consagrados, são aceitos. “O popular só costuma ter
espaço nas aulas de literatura, quando filtrado por um erudito; só costuma ter espaço como
„estilização culta‟” (ABREU, 2006, p. 57). O resultado desse quadro é caótico para os
educandos que passam a ter uma recepção passiva, e reprodutora, desses textos, desvinculados
da realidade deles.
Sabemos que o ensino de língua portuguesa e literatura sempre primou pelo
formalismo, consequentemente, a escolha dos textos, a serem trabalhados em sala de aula,
sempre foram aqueles pertencentes à chamada grande literatura, como se esta não fosse “algo
particular e historicamente determinado, mas sim um bem comum ao ser humano, que deve
ser lido por todos e lido da mesma maneira” (ABREU, 2006, p. 58). Prevalece na escola a
ideia de que os escritos dos grandes mestres não são passíveis de questionamentos.
Esse pensamento limitado sobre o ensino gerou um grande preconceito com as
composições populares. Os educadores em suas aulas abordam os clássicos, mesmo sabendo
da existência de escritores na mesma cidade, que têm textos escritos com a mesma qualidade,
entretanto muitas vezes acham inapropriado abordá-los na classe.
A simples constatação de que muitos autores consagrados buscaram inspiração nas
composições culturais pode causar estranheza a muitas pessoas que insistem em erguer um
muro, separando a literatura, dita “culta”, da popular. Não sabendo que muitos grandes
autores buscam sua inspiração nos escritos dos homens simples da zona rural, nos “causos”
dos contadores de histórias do Nordeste, que têm habilidade com as palavras, vão recontando
e passando essas histórias de geração a geração apenas perpetuada por meio da memória.
Além dos cordelistas que, para cada assunto novo, um verso também farão.
Nessa perspectiva, é possibilitado a nós ver e ler os versos dessa literatura, de acordo
aos princípios levantados por Ivan Cavalcanti Proença (1977) em sua obra intitulada “A
Ideologia do Cordel”, na qual nos apresenta uma ideologia implícita nesta literatura, visto que
os versos presentes na literatura de cordel nos remetem a uma reconstrução/ressignificação
das marcas que representam a força de uma cultura e se tornam uma literatura popular por
contestar, protestar, algo de direito de um grupo marginalizado em detrimento da hegemonia
de uma classe minoritária que se julga superior.
36
1.3 A LITERATURA DE CORDEL EM TEMPOS DE CULTURA DE MASSA
A constatação de que não há uma cultura popular íntegra, sem influência alguma da
indústria cultural, levou Adorno (1994), no seu livro intitulado “A indústria cultural
(reconsiderada)”, a abandonar o termo cultura de massas por “indústria cultural”, a fim de
excluir o pensamento de que seja “uma cultura surgindo espontaneamente das próprias
massas, em suma, da forma contemporânea da arte popular” (ADORNO, 1994, p. 93).
A opção pela nomenclatura indústria cultural está aquém dos elementos produzidos e
consumidos por uma classe social, classe esta que se tornou a maioria da população. O que
Adorno (1994) nos propõe com esse conceito é uma noção crítica de que os produtos
produzidos e consumidos na contemporaneidade quebram a lógica estabelecida pelo conceito
de “cultura maior” versus “cultura menor” (a velha relação dominantes/dominados), o que
está agora em questão é o que o mercado dita.
Ainda, seguindo as perspectivas de Adorno (1994), a indústria cultural submete a arte
e os bens culturais aos interesses do capitalismo contemporâneo, consequentemente, a arte
passa a ser apenas uma mercadoria, outro produto qualquer, pronta para ser comercializada,
assunto configurado com Horkheimer, quando escrevem o texto “A dialética do
esclarecimento”, no qual ambos fazem duras críticas ao iluminismo, “que estimulou o
desenvolvimento dessa razão controladora e instrumental que predomina na sociedade
contemporânea” (COTRIM; MIRNA, 2010, p. 280). É a indústria cultural e da diversão
formatando a homogeneização dos comportamentos, a massificação das pessoas. Na visão
desses autores, a classe operária não tem como escapar do consumismo.
Os consumidores são os operários e os empregados, fazendeiros e pequenos
burgueses. A totalidade das instituições existentes os aprisiona de corpo e alma a
ponto de sem resistência sucumbirem diante de tudo o que lhes é oferecido
(ADORNO; HORKHEIMER, 2006, p. 16).
Benjamin (1983) difere de Adorno e Horkheimer, por mostrar-se mais otimista e por
ter escrito primeiro o texto “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, no qual
demonstra que a arte levada às massas pode tornar-se politizada, por meio da reprodução em
série. Apesar da diferença de pensamento desses estudiosos, percebemos uma grande
preocupação em tecer fios que levem a uma teoria crítica da sociedade. Desdobra-se, assim,
uma revolução cultural, em que o dominante e o dominado desfrutam dos mesmos bens de
37
consumo, a cultura de massa e a cultura popular estão tão próximas, e o que as separa nada
mais é que uma linha tênue.
Demasiadamente abrangentes e ao mesmo tempo esquemáticos, além de terem sido
desde o início controvertidos quanto a sua amplitude e profundidade, estes conceitos
e os fenômenos que recobrem são hoje atravessados em todas as direções por linhas
de forças que passam de um a outro anulando as fronteiras que um dia talvez os
separaram e irrigando-os com novos traços que os distorcem até os tornarem
irreconhecíveis (COELHO, 2011, p. 201).
Tratando-se de cultura popular, não podemos deixar de abordar o termo folclore, que
em geral é usado de forma pejorativa. Segundo Ayala e Ayala (2003), essa depreciação tem
base nas manifestações culturais populares que eram descritas como arcaicas e anacrônicas,
algo já superado.
Esse termo foi criado em 1846 por W. J. Thomas, que quer dizer folk, “povo”, e lore,
“saber” e, segundo o próprio Thomas, referia-se a um “saber tradicional de um povo”, ou seja,
o folclore seria uma manifestação do passado no presente, indo mais além, diríamos que seria
um estudo sobre práticas culturais desaparecidas. Contudo devemos analisar a cultura popular
“como parte de um contexto cultural e social mais amplo. Enfatiza-se a ideia de que cultura
popular deve ser entendida em termos atuais e não como simples sobrevivência” (AYALA;
AYALA, 2003, p. 32). Portanto, a cultura popular expressa os modos de vida e interesses das
classes dominadas. Porém também internaliza os interesses das classes dominantes.
Diante desse deslocamento, mobilizado pela noção de cultura, cabe aqui um
questionamento: como se configura a literatura de cordel, na tensão promovida pelo trânsito
entre cultura popular/cultura de massa?
Na década de 1930, a influência maior foi a do rádio. O povo, que antes escutava a
cantoria de cordel em feiras, passou a escutar em rádios (SANTOS, 2007 apud JHAN, 2011,
p. 18). Nos anos 1960, surgiu a televisão com força total, influenciando, sobremaneira, o
cordel, até mesmo invadindo a televisão e o cinema, com “O Auto da Compadecida”, de
Ariano Suassuna.
Já nos anos de 1960, Luiz Beltrão, por perceber esse entrelaçamento cada vez maior
entre cultura popular e de massa, cunhou o termo folkcomunicação para referir-se à literatura
de cordel na contemporaneidade, isto é, sistema de comunicação por meio de fenômenos
folclóricos, e Luyten (2007) apresenta o termo folkmídia.
Hoje em dia, estamos mais interessados em como um sistema de comunicação
utiliza o outro, já que é impossível alguém se manter isolado diante da onipresença
38
da também chamanda Indústria Cultural. Chamamos, assim de folkmídia a utilização
de elementos da folkcomunicação pela mídia e vice-versa (LUYTEN, 2007, p. 8).
Esses novos conceitos – folkcomunicação e folkmídia – são totalmente assimilados
pelo cordel, tornando-se um dos seus elementos construtivos, uma vez que o cordel
ressignifica a forma de ser visibilizado, ao ser abarcado pela cultura de massas, permitindo o
envolvimento dos novos meios de comunicação.
Podemos ler a literatura de cordel nos dias, como uma forma híbrida, mesclada. Essa
mescla dá-se por conseguinte, na forma como a cultura de massas aborda o cordel
(criando por exemplo, novelas de televisão como a novela „Cordel Encantado‟ da
Rede Globo, ou programas de rádio como o citado programa de Assis Ângelo na
Rádio Capital de São Paulo denominado „São Paulo, Capital Nordeste‟ e que vai ao
ar todos os sábados), e como o cordel, por sua vez, aborda a cultura de massas
(JHAN, 2011, p. 21).
O cordel aborda a cultura de massas quando se apropria de elementos da indústria
cultural, pois a literatura de cordel, no seu sentido mais tradicional, refere-se apenas aos
contatos do homem do povo com seu semelhante e, numa progressão mais recente, pode
influir ou ser influenciada pela mídia (LUYTEN, 2007).
Na atualidade, temos uma literatura de cordel comprometida em passar informação ao
povo, como Luiz Beltrão (1967) denominou de folkcomunicação, ou como Joseph Luyten
(1971) a definiu como folkmídia, sem perder de vista a arte com suas estrofes e rimas que
continuam retratando as experiências, anseios, costumes e vicissitudes de um povo que quer
ser ouvido e sentir-se identificado na poesia.
O cordel da época de Leandro Gomes, até os dias de hoje, continua sendo apreciado
pelo povo simples, sem muita instrução acadêmica. Consequentemente, o cordelista tem a
função precípua de captar o que o povo quer ouvir, mesmo que seja influenciado pela
indústria cultural. Como nos propõe o cordelista cearense, Klevisson Viana:
O fato de utilizar um recurso como a Internet para veicular este tipo de literatura não
faz com que ela deixe de ser popular. Porque, hoje, a Internet está se tornando um
veículo popular. É apenas mais um meio que não descaracteriza esta literatura. O
que descaracteriza o cordel é escrever errado e não obedecer às regras da métrica,
rima e oração. O cordel pode estar em CD, rádio, televisão, e continuar cordel, assim
como pode virar peça de teatro ou cinema (VIANA, 2010 apud JHAN, 2011, p. 55).
Com a influência da modernidade, por meio da indústria cultural é que percebemos a
pertinência de utilizar o cordel em sala de aula, em pleno século XXI, por ser uma linguagem
mais próxima à dos grupos populares, pois os cordelistas, desde os mais antigos até os mais
39
atuais, sempre faz suas poesias depois de “conversar com seus leitores-de-carne-e-osso, dia
após dia [...] permite conhecer suas opiniões, seus modos de ver a vida, suas preferências
literárias” (ABREU, 2006, p. 65).
40
2 A ARTE CORDELISTA TECENDO UM EDUCADOR
Este capítulo apresenta a oficina do cordelista Antônio Carlos Oliveira Barreto, na
qual buscou valorizar as especificidades do cordel, levando em conta a representação do
negro. Dessa forma, a abordagem sobre a cultura negra deve permear a sala de aula,
principalmente nas aulas de artes, português e história, porque a lei preconiza como
obrigatórias essas disciplinas.
Logo, “ao priorizar a revisão histórica da representação do negro, o professor está
promovendo a formação de leitores críticos e capazes de mudar sua realidade com a
eliminação dos preconceitos e estereótipos raciais que circulam na cultura brasileira”
(GOMES, 2012, p. 173). Implica-se, assim, um leitor que reconheça a diferença, perceba que
seu mundo, a sua cultura são traduzidos a partir da cultura do outro, por meio do outro, isto é,
ter consciência da alteridade é o início da criticidade.
2.1 LITERATURA DE CORDEL EM SALA DE AULA: UMA POSSIBILIDADE DE
MATERIALIZAÇÃO DO CURRÍCULO MULTICULTURAL
Com o advento dos estudos culturais, foi possibilitada uma materialização polifônica
ao conceito de cultura, posicionando-se contra o elitismo e conservadorismo da direita, assim
como contra o dogmatismo e o reducionismo da esquerda stalinista, contra o logocentrismo,
passando a valorizar as práticas culturais das subalternidades.
Nesta tradição, exemplificada pela obra de F. R. Leavis, a cultura era identificada,
exclusiva e estreitamente, com as chamadas „grandes obras‟ da literatura e das artes
em geral. Nessa visão burguesa e elitista, a cultura era intrinsecamente privilégio de
um grupo restrito de pessoas: havia uma incompatibilidade fundamental entre
cultura e democracia (SILVA, 2011, p. 131).
Com esse descentramento da noção de cultura, essa nomenclatura deixa o centro,
passando a permear, ou mesmo a visibilizar, as margens silenciadas, movimentação esta
promovida pelos estudos culturais, pois “nesse momento, a Cultura, com letra maiúscula é
substituída por culturas no plural” (CEVASCO, 2008, p. 38). Assim, a noção de cultura passa
a ser entendida/interpretada de acordo com a experiência vivida por qualquer grupo humano.
O que está em questão, ou mesmo o que fica centralizado, é a noção de cultura numa
perspectiva simbólica, facultando ao sujeito diversas interpretações, implicando uma junção
de culturas, o que vivenciamos no contexto contemporâneo – o multiculturalismo.
41
[...] o, multiculturalismo representar a crítica mais recente e mais americana da
ideologia do establishment. Ele ecoa os discursos anteriores de dissensão que
estiveram em voga no campus, exigindo o fortalecimento cultural dos fracos e a sua
emancipação (KUPER, 2002, p. 295).
De acordo com essa perspectiva acima, proposta por Kuper, é apresentada a nós uma
noção de multiculturalismo nesse mesmo viés, pois se caracteriza como um reflexo dos
diversos grupos humanos que, mediante as suas lutas ambientais e históricas, visibilizam o
potencial criativo que seria uma característica comum de todo ser humano. “As diferenças
culturais seriam apenas a manifestação superficial de características humanas mais profundas.
Os diferentes grupos culturais se tornariam igualados por sua comum humanidade” (SILVA,
2011, p. 86).
Com esse descentramento cultural perpassando por todas as esferas sociais, como
pensar e agir em sala de aula? Para materializar essa noção de cultura, no espaço escolar, é
preciso desenvolver uma ação que possibilite desconstruir o que está institucionalizado no
sistema escolar. Sendo assim, o currículo multiculturalista, representado na literatura de
cordel, sugere descrever essa literatura como uma ferramenta capaz de operacionar práticas
cotidianas que descortinem as relações sociais e culturais propagadas pela cultura hegemônica
no cenário educacional, levando em consideração que “a relação entre cultura e currículo, nas
visões tradicionais, são pautadas na concepção de cultura estáticas e essencializada” (PERES,
2010, p. 35).
Ao apropriar-se da cultura como prática de significação, aquela será construída por
maneiras de compreender e tornar compreensível o mundo social, no qual cada sujeito
vivencia a realidade, totalmente pautado na sua realidade cotidiana. Tomando como base a
literatura de cordel, a diferença de um povo é avaliada negativamente como o “diferente”,
sendo oposta à cultura do outro, tido como o “não diferente”.
Cabe então pensar se o trabalho do professor de língua portuguesa, em sala, reproduz
(ou não) o discurso hegemônico ao utilizar apenas aqueles que se destacam por apresentar
uma escrita dominante, do ponto de vista eurocêntrico. Assim, será possível pensar outra
prática pedagógica para além dos ditames e dos encarceramentos impostos por quem ainda
acredita que uma cultura se sobrepõe a outra e não considera que antes, porém, elas se
circularizam, inter-relacionam-se e se conectam entre si.
A partir desse entendimento crítico, as demandas por um currículo multicultural
tornam-se urgentes por fazer uma ligação de conteúdos e experiências vividas por classes
oprimidas nesta época contemporânea de pluralidade cultural, na qual se denuncia o caráter
42
excludente da escola e do currículo tradicional, que estariam reproduzindo as desigualdades,
ao trabalhar com uma única cultura totalmente distante da realidade dos alunos.
[...] o multiculturalismo não surgiu no campo da educação. Foi e é expressão de
reivindicações, contemplado por políticas com diferentes enfoques e abrangências,
que invadiram o campo educacional. Na educação, o currículo multicultural não
significa necessariamente a inclusão de assuntos e tópicos apenas ligados a povos,
culturas e povos, culturas e grupos. Trata-se de uma visão em que nossos próprios
alunos sejam percebidos em sua diversidade, em que não desejemos trabalhar com
turmas homogêneas, mas sim que valorizemos a pluralidade de habilidades e
competências dos alunos, a diversidade de sotaques e dialetos, a multiplicidades de
saberes e das identidades étnicas, raciais, culturais, linguísticas, religiosas e outras
(CANEN; OLIVEIRA; ASSIS, 2009, p. 67).
Sendo assim, a obra do cordelista se configura como uma ferramenta pedagógica de
fundamental relevância para o professor de língua portuguesa, pois por meio desta há uma
possibilidade de se trabalhar os acontecimentos presenciados pelo poeta, e perpetuados por
meio de seus poemas, e que revelam a voz inaudível do povo.
Por não se limitar à estrutura poética, como faz a literatura historicizada que
vivenciamos em salas de aula, o cordel nos possibilita ir além, discutir e desconstruir a sua
ideologia. Ivan Cavalcanti Proença (1977) diz que da não ideologia, que envolve os textos de
literatura de cordel, é que emerge, exatamente, a sua ideologia. O teórico atribui a esse fator o
nome de “ideologias internas”, que não estão ausentes, mas subjacentes nas temáticas
aparentemente despretensiosas, próprias das narrativas fantásticas e pitorescas e afirma:
O cordel compõe, enquanto epifenômeno, um quadro histórico-cultural mais global,
e sua caracterização é ponto inicial para leituras ditas científicas. Deve ser visto em
seu contexto, através da tensão, relacionamento íntimo, que existe entre
criadores/meio ambiente (PROENÇA, 1977, p. 57).
Um estudo como este possibilita uma reflexão em torno da prática crítico-pedagógica
do professor de língua portuguesa e a potência da literatura de cordel como reveladora de
outros atores sociais que, em todos os âmbitos e, principalmente, em sala de aula, por ser um
espaço de discussão e aprendizado, precisam ser visibilizados.
Logo, o que vivenciamos, atualmente, é uma justaposição de povos e de culturas que
se comungam a todo instante, e, no que concerne à sala de aula, é inviável nos determos
apenas em uma noção de cultura, pois a noção de multiculturalismo nos permite ter um
currículo que visibiliza as diversas vozes que permeiam a sala de aula. Ao se apropriar da
literatura de cordel como ferramenta pedagógica, seremos capazes de operacionar a
desconstrução do currículo tradicional, imposto pelo sistema escolar.
43
Sabemos que essas práticas diferenciadas não acontecem de forma simples, caberá,
portanto, à escola e ao professor, dar espaço em suas aulas, para que outras linguagens sejam
introduzidas para discussão, considerando o contexto, que permita várias possibilidades de
leitura de uma realidade, que mostre esse espelhamento, essa descoberta do outro. Para tanto,
sugerimos uma possibilidade, entre tantas, para trabalhar outras linguagens: as oficinas de
cordéis em que a performance do cordelista é evidenciada. De sorte que, a partir da
performance, podemos reverberar a leitura subjetiva do educando com o “jogo literário” e o
“prazer das palavras” que suscitam o prazer estético. Assim, na seção seguinte, mostraremos
os fundamentos teóricos e metodológicos da aula-performance, ou seja, da oficina ministrada
por Antônio Barreto, e sua viabilidade no processo de ensinar.
2.2 ENTRE CORDELISTA E PROFESSOR: OS SUJEITOS QUE COMPÕEM ESSE
CENÁRIO
Esta pesquisa teve como foco principal a formação do leitor por meio da relevância de
experiências culturais, estéticas e artísticas por meio do cordel, em que reverberamos a voz e a
performance em sala de aula.
Trata-se de uma pesquisa-ação que pressupõe uma tomada de consciência, “tanto dos
investigados como dos investigadores dos problemas próprios e dos fatos que o determinam
para estabelecer os objetivos e as condições da pesquisa, formulando os meios de superá-los”
(CHIZZOTI, 2011, p. 77), ou seja, o próprio pesquisador assume os papéis de pesquisador e
de participante, sinalizando a “emergência dialógica da consciência dos sujeitos, na direção de
mudança de percepção e de comportamento”(GHEDIN, 2011, p. 216).
Considerando a importância da inclusão do cordel no ensino de literatura, organizamos
e desenvolvemos uma pesquisa com alunos do ensino básico de uma escola na cidade de
Alagoinhas-BA.
O desenvolvimento da oficina depende também da temática que é um elemento
norteador, de fundamental importância, porque verificará a “densidade metafórica”, ou seja, o
envolvimento dos participantes na discussão do tema. Dessa forma, em novembro de 2014,
foi organizado o V Encontro da Consciência Negra, um evento anual, que é realizado no
Campus II (UNEB), firmando-se como uma das atividades do programa de Pós-Graduação
em Crítica Cultural. Nesse ano houve uma inovação com a proposta da UNEB nas escolas, em
que foram realizadas oficinas organizadas por alunos do mestrado em crítica cultural, nas
escolas de educação básica na cidade de Alagoinhas/BA, a fim de abordar uma temática
44
amplamente discutida no contexto atual – implementação da lei 10.639/2003 – cujo ensino da
cultura e história afro-brasileira passa a ser obrigatório. Por conseguinte, o professor de língua
portuguesa deve preocupar-se com a formação do educando, enquanto leitor, levando-o a
desenvolver o senso crítico sobre as questões identitárias. “Dessa forma, as identidades pós-
modernas não podem ser vistas sem a opressão das modernas, nem as etnicorraciais não
podem ser lidas sem os conflitos raciais impostos pelo colonizador”(GOMES, 2012, p. 172).
O primeiro procedimento que fizemos foi encaminhar a proposta da oficina à comissão
científica do evento, o qual aprovou por considerar o cumprimento dos requisitos relativos ao
aporte do referencial teórico, objetivos, metodologias e instrumentos da pesquisa. Em seguida,
convidamos o cordelista Antônio de Oliveira Barreto, deixando-o cônscio da temática
concernente às relações etnicorraciais a qual intitulamos “Recontando as marcas da negritude
na Literatura de Cordel”.
A escolha pelo cordelista Antônio Barreto foi pelo fato de ele ser professor de língua
portuguesa e por ter vários cordéis voltados para a educação. A sua produção é muito vasta,
tendo mais de 200 folhetos de cordéis publicados. Faz palestras, oficinas em escolas públicas
e particulares, universidades e outras instituições, além de participar de colóquios, seminários,
congressos e festivais de poesia e cultura, tendo se apresentado na Colômbia, Paraguai e
França. Publicou dois livros de poesia: Uns versus outros e Flores de umburana. Fez
adaptação do conto de Machado de Assis - A cartomante - para o cordel, pela editora Nova
Alexandria. Publicou três cordéis ilustrados, em parceria com Antonio Cedraz: “O cravo
brigou com a rosa”, “Atirei o pau no gato” e “Pai Francisco entrou na roda”. Também
publicou outros cordéis ilustrados: “Se essa rua fosse minha”, “A dança dos animais e
Folclore de norte a sul do Brasil”. Em seu curso de licenciatura em Letras, pela Universidade
Católica do Salvador, recebeu a orientação da professora Edilene Matos que, nos idos da
década de 1980, já o influenciava por meio de sua pesquisa sobre Cuíca de Santo Amaro,
outro grande cordelista de Salvador.
A escola escolhida foi o Colégio Centro Territorial de Educação do Agreste Baiano,
que também já tinha uma programação com palestras e várias atividades programadas a fim
de levar o educando a uma maior tomada de consciência com relação ao verdadeiro
significado de ser negro. E, assim, nossa oficina somou com as outras atividades do colégio
com o objetivo de fomentar conhecimento e reflexão das relações etnicorraciais e das ações
afirmativas em prol da consciência negra, além de promover a valorização da cultura popular.
A turma escolhida tinha 18 alunos na faixa etária de 17 anos a22 .
45
A pesquisa-ação sugere sempre a concomitância entre “pesquisa e ação e ação e
pesquisa [...] a fim de caracterizar a concomitância, a intercomunicação e
interfecundidade”(GHEDIN; FRANCO, 2011, p. 236). Assim, a partir da reflexão da oficina
do cordelista, planejamos quatro oficinas a serem realizadas no Centro Territorial de
Educação Profissionalizante do Agreste de Alagoinhas da rede púbica estadual para nosso
lócus de investigação, a mesma escola que recebeu o cordelista Antônio Barreto. A turma
escolhida foi o primeiro ano do ensino básico com 19 alunos matriculados, mas 14
frequentam a escola assiduamente; a faixa etária varia de 15 a 45 anos.
Na primeira vivência objetivamos que o educando tivesse contato com diversos
cordéis para possibilitar a fruição, cuja busca é a sensibilização. Entendemos que a educação
estética permite tornar-se mais humano, isso não quer dizer que a fruição seja puro prazer.
“Ela nos obriga a uma investigação da obra, a penetrar em suas camadas, deslizando entre
porão e o sótão das palavras, mas nossa disposição frente ao texto difere” (OLIANI;
NEITZEL, 2010, p. 97).
Na segunda vivência, depois do primeiro contato do educando com os cordéis, o
objetivo central era a leitura em voz alta. É aproveitar toda carga musical que o cordel
proporciona para reverberar a voz e a performance, é sentir o texto através da vocalização e
do corpo.
Assim, depois dessa percepção dos sentimentos despertados pelas vivências
anteriores, buscamos na terceira vivência a tomada de consciência, ou seja, objetivamos
levar o educando a uma atitude crítica em relação aos valores subjacentes a sua cultura.
Na última vivência visamos explorar as várias possibilidades dos desenhos e pinturas
suscitadas pelo cordel, pois consideramos que no fazer artístico também desenvolve-se a
reação estética. “[...] a base da reação estética são as emoções suscitadas pela arte e por nós
vivenciadas com toda realidade e força, mas emcontram a sua descarga naquela atividade da
fantasia que sempre requer de nós a percepção da arte” (VYGOTSKY, 2001, p. 272).
Considerar o fator artístico também é importante para o desenvolvimento do jovem.
2.3 ANTÔNIO BARRETO, CORDELISTA FOLKMIDIÁTICO
Na cultura popular de Salvador, começa a ser conhecido dos educadores baianos um
poeta, professor e cordelista, que constrói, em um espaço de relações e confrontos entre as
culturas valorizadas e populares, com fortes raízes africanas, poesias articuladas e amarradas,
no conjunto de utilização de instrumentos, que identificam seu povo no passado até os dias
46
atuais. Publicou seu primeiro cordel em 2004, intitulado “O discurso do caipira”, por
incentivo de seus amigos também cordelistas. Publicou, também, vários livros infantis.
A obra poética de Antônio Carlos de Oliveira Barreto revela seu comprometimento
com a educação e com sua comunidade. Nos seus mais de 100 cordéis publicados,
percebemos o respeito à estrutura da tradição cordelista e acrescenta, muitas vezes nos seus
versos, o elemento da denúncia social de forma lúdica e divertida.
Nas palavras do cordelista, há o reconhecimento de que a poesia tornou-se a marca de
sua experiência como educador, por exercer o ofício de professor há mais de 20 anos em
escola pública, na qual se orgulha em trabalhar com pessoas mais “simples”.
Fundamentalmente, a noção de pertencimento cultural é muito forte, pois, além de primar pela
questão estética do cordel, busca outras funções no corpus social. Sua maior influência vem
de sua cidade natal, Santa Bárbara, onde, ainda criança, frequentava a feira para ouvir os
vários repentistas e cordelistas que apareciam por lá, performatizando e vendendo o cordel.
Dentre estes, tínhamos o Dadinho, Antônio Alves e Azulão da Paraíba. Esse contato
determinou muito sua história como cordelista.
Podemos perceber o quanto a performance é marcante e determinante na vida de uma
pessoa, para tanto ilustraremos com o trabalho de Richard Bauman (2008), no artigo “A
poética do Mercado Público: gritos de vendedores no México e em Cuba”. O autor enfatiza
que a mistura da poética com o comércio, isto é, as propagandas orais dos vendedores nas
ruas e mercados são direcionadas mais para o ouvido do que para os olhos dos fregueses em
potencial. Os mercados públicos são cenas de performance cultural: “eventos destacados;
intensificados e participativos nos quais o valor é materializado e colocado em exibição”
(BAUMAN, 2008, p. 6). Por meio da performance é mais fácil convencer, encantar, pelas
funções referenciais ou fáticas (contato) ou retóricas que são subordinadas à sistematização
poética do texto.
Claro que essa realidade está muito distante da atualidade, remetemo-nos aos
mercados públicos da metade do século XIX para pensarmos que há uma diferença
significativa entre os gritos dos vendedores dos mercados e das ruas, com a propaganda
comercial moderna, por causa das diferentes relações de produção, distribuição e consumo.
Por conseguinte, a análise dos meios mais tradicionais de anunciar os produtos à venda nos
convida a pensar as relações entre as palavras, coisas e trocas na vida social, ou seja, há todo
um engajamento visual, auditivo, olfativo, tátil, espacial, cognitivo e comportamental com a
mercadoria, assim como um engajamento social com os vendedores, em uma relação de troca,
a performance é todo um jogo de sedução e envolvimento (BAUMAN, 2008).
47
Até mais ou menos a década de 1970, o ambiente propício para cantar e declamar
cordel era nas feiras populares, tínhamos esse contato tão direto com os gritos dos feirantes, a
troca de conversas, a interlocução era muito aflorada. A partir dessa década, muitos
estudiosos do cordel previam a sua morte, pois o cordel passou por uma fase de
emudecimento, já não víamos cordelistas nas feiras e ruas, a ponto de o eminente folclorista
Sílvio Romero dizer que o cordel já fazia parte do passado. Mas, felizmente, essas suposições
pessimistas não se concretizaram, pois o cordel ressurgiu e se adaptou ao mundo globalizado.
Atualmente, o mundo globalizado já não permite essa dinâmica performática tão
intensa e participativa, como acontecia nos mercados, praças e ruas, porém o cordel resistiu a
essas transformações e volta fazendo parte da folkmídia. Hoje, o público que gosta de escutar
e ler cordel está presente nas universidades, nas escolas públicas e particulares, feiras de
livros etc. e é nesse ambiente urbano que Antônio Barreto tem recitado, feito palestras e
oficinas de cordel. Assim, podemos designá-lo como um cordelista folkmidiático.
Somente “a poesia” resistiu à pressão das novas tecnologias, mas deixou de reivindicar
o antigo modo de comunicação performancial que era considerado, desde então, próprio da
“cultura popular”, e acabou sendo transportada a materialidade do livro para que
permaneçam, assim, dois elementos: “a presença do leitor, reduzido à solidão, e uma ausência
que, na intensidade da demanda poética, atinge o limite do tolerável” (ZUMTHOR, 2000,
p. 68).
Nesse sentido, deve ser considerada, no espaço escolar, a leitura subjetiva dos alunos,
de forma que somos levados a pensar na proposta de Umberto Eco, e retomada por Rouxel
(2013a), na qual faz a distinção entre utilizar e interpretar: “utilizar refere-se à esfera privada
e à pesquisa de uma significação para si; interpretar é uma atividade da vida social e implica a
busca de uma significação senão universal ao menos consensual na comunidade cultural onde
foi produzida a obra” (ROUXEL, 2013a, p. 152). Ao utilizar o texto, remetemo-nos à nossa
memória pessoal, é uma leitura privada; interpretar pede certo conhecimento sobre literatura,
é a cisão entre “direitos do texto” e “direitos do leitor”, explicitados por Tauveron (2013), que
coloca que os direitos do texto são sempre confundidos com os “direitos do professor”, cuja
interpretação é explicitada à sua maneira, ou seja, não respeita o limite do texto
(TAUVERON, 2013, p. 120). Os direitos dos leitores são limitados pelos direitos do texto,
pois muitas interpretações podem ser desprendidas dele, mas é preciso o professor perceber
até que ponto o texto comporta essas interpretações. Contudo os professores, na ânsia de
defender os “direitos do texto”, muitas vezes, acabam rejeitando algumas interpretações dos
alunos por considerarem que estes não são capazes de estabelecer comunicação própria.
48
Utilizar e interpretar podem ser utilizados concomitantemente, sem prejuízo para o
leitor, que pode interpretar o texto sem, contudo, deixar de sonhar, sentir o texto próximo do
seu universo para depois favorecer as abordagens interpretativas que figuram do espaço
social. Talvez seja um dos motivos de o educando se afastar tanto da leitura literária, não ter
sua subjetividade, a sua vivência relacionadas com o que está sendo lido, consequentemente,
não consegue performatizar de forma mais espontânea.
Bauman (2008) identifica três concepções de performance que transitam nos trabalhos
antropológicos e na teoria social moderna. A primeira concepção enfoca a performance como
evento especial, marcado por rituais, festivais, feiras, espetáculos etc. Esses eventos
sãodenominados, na literatura, de “performances culturais” em que os significados de uma
sociedade são corporificados e recebem uma forma simbólica.
A segunda concepção enfoca a performatividade a partir do filósofo da linguagem, J.
L. Austin, que defende a ideia de que, além da comunicação de significados, todos os
enunciados têm força de ação. Esta força Austin denominou de “força ilocucionária” de um
enunciado. Quando todos enunciados têm efeito, eles fazem as coisas acontecer, resultando
em “efeitos perlocucionários”.
A terceira concepção tem enfoque maior na comunicação habilidosa que nada mais é
que a poética da performance, com ênfase na forma linguística, na função social e no
significado cultural, ou seja, levar em conta como os atores sociais usam a linguagem para a
vida em sociedade. Essa concepção é muito importante, pois toda expressão linguística é
social e polifuncional, logo, toda poética é performática.
Segundo Zumthor (2000), o impacto dos meios tecnológicos sobre a vocalidade é
comparável à escrita, por três de seus aspectos: 1. abole a presença de quem traz a voz; 2. sai
do puro presente cronológico, porque a voz que transmitem é reiterável; 3. pela sequência de
manipulações que os sistemas de registro permitem hoje, os media tendem a apagar as
referências espaciais da voz viva, tornando-se um espaço artificialmente composto. Em
contrapartida, esses mesmos media diferem da escrita, simplesmente porque o que eles
transmitem é transmitido pelo ouvido (e eventualmente pela vista), mas não pode ser
decifrado como um conjunto codificado da linguagem, porque é um retorno forçado da voz. A
mídia retira da performance toda sensualidade. No rádio (o disco ou o cassete) só aparece
aquilo que é auditivo. No caso da televisão, ou do cinema, só a vista funciona, o que falta
nesses casos é a tatilidade, pois não há a presença física real.
Outro fator que é perdido com os media é a “corporeidade, o peso, o calor, o volume
real do corpo, do qual a voz é apenas expansão” (ZUMTHOR, 2000, p. 16), uma vez que, na
49
situação performancial, a presença corporal do ouvinte e do intérprete é presença plena,
carregada da força sensorial. Assim, a obra performatizada é diálogo, mesmo que, muitas
vezes, um único participante tenha a palavra: diálogo sem dominado e dominante, o que
importa é a troca porque a poesia vocal exige o contato do calor, da sociabilidade. “A
performance é uma realização poética plena: as palavras nela são tomadas num conjunto
gestual, sonoro, circunstancial tão coerente (em princípio) que, mesmo se distinguem mal
palavras e frases, esse conjunto como tal faz sentido” (ZUMTHOR, 2005, p. 87).
Da mesma maneira, a poesia oral comporta mais regras do que a escrita. Nas
comunidades de predominância oral, ela constitui, normalmente, uma arte muito mais
elaborada do que a escrita. Na intenção de deixar claro essas nuances, Zumthor (2010) faz
uma distinção entre obra, texto e poema:
A obra é aquilo que é comunicado poeticamente, aqui e neste momento: texto,
sonoridades, ritmos, elementos visuais; o termo contempla a totalidade de fatores da
performance. O poema é o texto e, neste caso, a melodia da obra sem levar em conta
outros fatores. O texto, enfim, vai ser a sequência linguística percebida
auditivamente, e cujo sentido global não é redutível à soma dos efeitos particulares
produzidos por seus componentes que se percebem sucessivamente (ZUMTHOR,
2010, p. 84).
Dessa forma, o texto se torna arte no ambiente emocional, manifestado em
performance, constituindo, assim, a obra viva que faz de uma comunicação oral um objeto
poético, dando-lhe uma identidade social, que, ao ser performatizada, seduz o ouvinte por
inteiro; já a poesia mediatizada deixa insensível alguma parte do sujeito.
A obra poética é, desta forma, o fruto da conjunção de um lado textual e de uma
ação sociocultural, um e outro formalizados de acordo com uma estética. Uma
tensão se instaura entre as realizações possíveis. Desta forma, a ação vocal conduz
quase sempre a um afrouxamento das compressões textuais, ela deixa emergir os
traços de um saber selvagem, emanado da faculdade linguareira, senão da fonia
como tal, no calor de relação interpessoal (ZUMTHOR, 2005, p. 144).
Temos assim, um jogo em que a poesia vocalizada transforma-se em arte no centro de
sua existência em um grupo social, porque a performance também depende de um contexto,
assim como dos elementos visuais, gestuais, auditivos e táteis. É um momento único, o aqui e
agora que é levado em consideração.
De acordo com Cohen (2002), a arte da performance tem sido estudada
exaustivamente no exterior, por meio de ensaios e artigos, mas só a partir de 1982 que as
pesquisas acadêmicas têm se dedicado ao estudo sobre a arte da performance aqui no Brasil.
O público brasileiro associava qualquer improviso como uma expressão anárquica, que visava
50
escapar de limites disciplinantes, e sua atuação poderia ser em qualquer ambiente alternativo.
Na verdade, essas características são mais próprias do que se entendia apenas como
improviso, existe toda uma preparação, claro que o improviso existe, mas em uma escala bem
menor.
A performance é um evento único inerente a um contexto específico, construída pelos
participantes, é também um ato comunicativo, mas como categoria difere-se dos outros atos
de fala, essencialmente por sua função expressiva ou poética, ou seja, nem todos os atos de
comunicação são performances, no sentido “performático”. A performance distingue-se de
outras situações por meio da dominância da função poética.
O que difere os estudos de performance dos estudos clássicos do rito não são os
eventos a ser analisados mas uma alteração no direcionamento do olhar. Enquanto as
análises mais clássicas do rito resultaram principalmente em interpretações do
conteúdo semântico dos símbolos, as de performance chamam atenção para o
temporário, o emergente, a poética, a negociação de expectativas e a sensação de
estranhamento do cotidiano (LANGDON, 2006, p. 168).
O olhar não cotidiano chama a atenção da performance, em que se faz necessário,
também, abordar a questão da hibridez dessa linguagem: para muitos, a performance
pertenceria muito mais à família das artes plásticas, por ser uma evolução dinâmico-espacial
dessa arte estática; outros consideram que a performance pertence apenas à arte cênica, no
momento em que defendem a ideia de que o artista é o sujeito e o objeto de sua arte.
Contudo a performance está ontologicamente unida a um movimento maior, uma
forma diferente de encarar a vida; a live art, que é arte viva, arte ao vivo, movimento de
ruptura que veio dessacralizar a arte, tirá-la da sua função meramente estética (COHEN,
2002). Nessa nova maneira de encarar a arte há rupturas na arte, música e literatura. Na
música, silêncio e ruídos passam a ser aceitos como forma musical; nas artes plásticas o
artista passa a ser sujeito e objeto de sua obra; no teatro há uma quebra com o formalismo. E,
finalmente, aonde queremos chegar que é a literatura:
Na literatura, podem se mencionar tanto experiências empíricas, como a proposta
surrealista da escrita automática, em que vale o jorro, o fluxo e não a construção
formal, quanto experiências altamente elaboradas, como as de James Joyce que em
Ulisses, por exemplo, procura reproduzir o fluxo vital da emoção e do pensamento e
narra a epopeia de um cidadão absolutamente comum (COHEN, 2002, p. 39).
Esse movimento é dialético, pois tira a arte de uma posição sacra e inatingível e busca
a ritualização dos atos comuns da vida. Dessa forma, Antônio Barreto performatiza e produz
seus poemas como um cidadão comum, preocupado com os problemas à sua volta, ao fazer de
51
suas oficinas e palestras um meio de divulgar seus folhetos, apesar de utilizar-se também da
internet para divulgar seus trabalhos, onde tem um blog. Ele atribui sua maior vendagem
depois que performatiza nas oficinas e palestras, para as quais é sempre convidado. Sua
performance também está muito relacionada com a sala de aula, pela vivência no seu
cotidiano como educador e cordelista.
Nesse movimento de compreender os outros e a si mesmo, a participar da vida coletiva
e da vida em sociedade, foi que pensamos, entre tantas possibilidades, em participar de uma
oficina pedagógica, ministrada por Antônio Barreto, por colocar um elemento novo que é a
performance, tão esquecida na escola. Desse modo, tentaremos demonstrar a sua relevância.
“O nome oficina está ligado à ideia de trabalho, num constante fazer e refazer, onde a
construção do conhecimento passa pela atividade intelectual, manual e social, através da
valorização do trabalho em grupo” (PAZINI, 1997, p. 39).
Nesse sentido, buscamos compreender o conhecimento sobre o humano-social, o
humano-educacional, a partir da oficina na qual os sentidos são produzidos e procurados e os
significados são construídos. Assim, desses sentidos e significados é “que se alimenta nosso
conhecer e são eles que traduzem as mudanças dinâmicas no campo social, no campo
educacional, cuja compreensão pode trazer uma aproximação do real mais condizente com as
formas humanas de representar, pensar, agir, situar-se” (GATTI; ANDRÉ, 2011, p. 29).
De acordo com essa concepção ampliada de educação humanista, o convívio social
passa a ter importância fundamental por englobar a dignidade pessoal e o respeito pelos
direitos humanos, de forma a favorecer as relações interpessoais, estimular a criatividade e
desenvolver as capacidades de empreendimento endógenas. Assim, valorizamos a
aprendizagem com as oficinas pedagógicas porque “acreditamos, como Vygotsky e
pedagogos neovygotskyanos, que a aprendizagem é construída na interação de sujeitos
cooperativos que têm objetivos comuns” (KLEIMAN, 1997, p. 10). Só quando aceitamos e
respeitamos a cultura do aluno é que estamos realmente praticando a verdadeira educação
multicultural, que deverá ser capaz de dar respostas aos imperativos da integração mundial e
às necessidades específicas das comunidades locais, rurais, urbanas ou habitante de outro país.
Para que seja realmente possível uma educação pluralista, é necessário repensar os objetivos,
de forma a basear-se sempre na filosofia humanista, que tem como princípio dotar a
humanidade da capacidade de dominar seu próprio desenvolvimento.
52
2.3.1 A oficina e o modelo cultural de leitura
A presente oficina se apropria de fundamentos teóricos em torno das questões
etnicorraciais, fundamentadas na lei nº 10.639/03, a qual torna obrigatórios o estudo e a
valorização da cultura e história afro-brasileira. Somada a esse quadro, trazemos a literatura
de cordel, como uma forma de, também, valorizar a cultura popular. Dessa forma, iniciamos
os trabalhos em uma turma do terceiro ano do ensino médio, composta por 18 alunos, com
faixa etária entre 16 e 19 anos.
Antônio Barreto fez sua apresentação (Foto 1) e iniciou explicitando que a palavra
cordel refere-se à corda, e, nessa época, os poetas costumavam pendurar esses folhetos na
corda com o intuito de estes ficarem expostos para serem comercializados. Quanto ao seu
surgimento, chegaram até nós por meio dos colonizadores e rapidamente se espalhou por todo
o país, mas no Nordeste fincou raízes por encontrar o trabalhador da zona rural, homem de
vida simples e pacata, sem muita instrução, porque não existiam muitas escolas na zona rural.
Um dos motivos de o cordel ter se espalhado tão rapidamente nessa região foi justamente por
ser uma leitura sem muito rebuscamento e com rimas. Nesse momento, começa a tocar na
gaita e no pandeiro a música “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga. Em seguida, declama um
cordel que fez em homenagem ao seu tio-avô, por ter dito uma expressão que o marcou: Caí
na lapa do mundo e a Patativa do Assaré por ser um grande representante do Nordeste.
Montê no lombo da vida
Ainda pequininim
Abracê papai, mamãe
Minha avô, e meu padim
Caí na lapa do mundo
E segui feliz sozinho.
Se abriu toda pra mim
A portêra do destino.
Disparê pela estrada
E não me senti mufino.
O Sol disse: – Eu te esquento
A lua disse: – Vem que eu te ensino
Logo eu escutê o sino
Badalando na capela
Era a Morte esfomeada
Abrindo sua janela
Num fiquê istrumecido
Diante da fome dela.
Mas a morte era banguela
Nem sequer me assusto
Ela disse: – Esse poeta
Tá virado num istopô
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Eu vou percurá um cabra
Bem medroso e sofredô.
Meu cavalo disparô
Sem temer assombração.
Num trecho bem conhecido
Encontrê a depressão
Dê um tapa em sua venta
E joguê ela no chão. [...]
Bem distante do sertão
Lá na curva da amargura
Vi ali na minha frente
A tal da Dona Loucura:
Dê uma tijolada nela
E enterrê na sepultura.
Encontrê com a ternura
De mão dada com o amor
O ciúme me espiava
A paixão aberta em frô.
E a mardade quereno
Enganar o trovador.
Entonce peço um favor
Te assossega mundo cão
Chega de tanto ciúme
Apego, complicação...
Não me venha com Problema
O meu nome é Solução
(BARRETO, 2008, p. 1-8)
A plateia, composta por adolescentes, aplaudiu muito. Percebemos o interesse na
presença corporal do leitor de “literatura”. Nesse contexto, Zumthor (2000) interroga sobre o
funcionamento, as modalidades e o efeito das transmissões individuais e, assim, coloca:
Considero com efeito a voz, não somente nela mesma, mas (ainda mais) em sua
qualidade de emanação do corpo e que sonoramente, o representa de forma plena.
Um certo número de realidades e de valores, assim revelados, aparece identicamente
envolvidos na prática da leitura literária. Daí o lugar central que dou à ideia de
performance (ZUMTHOR, 2000, p. 28).
Quanto à forma de analisarmos as frases ou a versificação, a melodia ou a mímica do
intérprete, tudo é muito mais dinâmico quando utilizamos a performance para a leitura
literária. Zumthor (2005) narra que, quando teve a impressão que deu um mau curso, muito
raramente, era por causa do conteúdo, geralmente por causa da performance. E, nos anos em
que esteve como professor, o que mais o deixava alegre era perceber os alunos que entravam
na sala, arrastando os pés, pois era um curso obrigatório, supostamente tedioso, e que seria
desafiador convencê-los do quão interessante era o seu discurso, demonstrado por meio do
54
jogo do gesto, da voz, pela habilidade de contar histórias (ZUMTHOR, 2005, p. 45). Importa
reconhecer que uma poesia, puramente cantada, é tão importante quanto aquela que é
acompanhada por instrumento. Quando ocorre o fator instrumental, acrescido do fator vocal,
isso potencializa o emotivo da melodia.
Ao dar continuidade à oficina e para adentrar a temática (em questão) sobre
consciência negra, Antônio Barreto pede que os alunos prestem bem atenção no cordel que ele
recitará. O que o cordelista faz é o que Langdon (1999) denomina de Keying, que são atos
performativos, momentos de ruptura do fluxo normal para chamar a atenção dos participantes.
Essa chamada indica que não é para interpretar a mensagem, e sim criar expectativas sobre os
atos a seguir. Na nossa tradição, na narrativa oral, a expressão “Era uma vez” prepara os
ouvintes para um momento performático. Outro exemplo clássico dessa abertura são os
momentos de piada. Uma pessoa, quando inicia a piada, diz: “Você sabe aquela do
português?” A essa abertura da piada, o grupo prepara-se para a performance. Assim, do
chamado para prestar atenção, Barreto inicia o cordel intitulado: “O patinho feio nas ondas da
internet”. Colocaremos algumas estrofes.
O patinho feio estava
Solitário no jardim,
De repente apareceu
A garota Yasmim.
Ela disse: eu me enganava
Ao pensar que era feio,
Mas você é muito lindo!
Vou lhe dar o meu email;
No domingo ele enviou
Uma mensagem singela,
Dizendo que estava louco
Para encontrar com ela.
O namoro prosseguiu
E logo estavam casados,
Hoje estão em harmonia
Vivendo bem amparados.
Yasmin, sua esposa,
Se formou em professora,
Já deu a luz a dois “patinhos”
E quer ser uma doutora.
Os filhinhos do casal
São de cores diferentes:
Pois os pais de Yasmim
São dois afrodescendentes
Essa história que narrei
Tem sabor de quero mais...
55
Então dê prosseguimento
E mostre que é capaz!!!
(BARRETO, 2009, p. 1-8)
Neste cordel, Barreto, ao declamar, utilizou-se muito dos gestos, tentou imitar a voz
do Pato Donald, levando o público às gargalhadas. O que nos leva a trazer a reflexão de
Benjamim e Contagem (1996), ao se referir aos gestos, à entonação, à microgestualidade que
fornecem informações complementares e acrescentam nuances à oralidade, de forma a
completarem as informações que ficariam empobrecidas, se reduzidas somente ao plano
linguístico. Entretanto a gestualidade e outros sistemas paralinguísticos, utilizados pelos
contadores, são expressões próprias da cultura de seu grupo e de sua personalidade, por onde
se exerce uma função primária do indivíduo e do grupo, que faz de toda poesia transmitida
pela voz um fenômeno sócio-discursivo irredutível ao que nós chamamos “literatura”
(ZUMTHOR, 2005, p. 146).
Assim, após a sua performance, o cordelista pergunta à turma sobre o final da história.
Como seria a vida dessa mãe com um filho branco e outro negro? Ambos teriam as mesmas
oportunidades? A diferença deles seria um problema? Nese momento a turma já está mais
solta pelas risadas e começa a falar sobre o preconceito racial, e todos são unânimes em
afirmar que o racismo existe.
O cordelista faz outra provocação, ao perguntar sobre a lei 10.639/2003, e a grande
maioria também não tem muito conhecimento sobre a lei, nem a forma correta da sua
aplicabilidade. Nesse momento precisamos de ações mais concretas para a verdadeira
efetivação da lei.
Os movimentos sociais, as lutas da comunidade negra exigem da escola
posicionamento e a adoção de práticas pedagógicas que contribuam para a superação
do racismo e da discriminação [...] é necessária uma formação político-pedagógica
que subsidie um trabalho efetivo com a questão racial na instituição escolar. Boa
vontade só não basta! (GOMES, 1995, p. 188-189).
A reflexão de Gomes leva à constatação de que ainda existem dois aspectos que
inviabilizam a efetivação da lei 10.396: a demanda de profissionais qualificados para tratar
das questões da cultura africana e afro-brasileira e material didático adequado que trate dessas
questões, de forma a superar o preconceito e a discriminação sociorracial, no contexto escolar.
Situação essa que o próprio cordelista também relatou que, na escola onde atua, há 22
anos, percebe que esse tema não é discutido, e que, quando havia trabalhos sobre os negros,
os alunos, na sua grande maioria, só abordavam famosos como Gilberto Gil, Mandela, Zumbi,
56
e a situação real do negro, trabalhador, pobre, dos dias atuais não era retratada. Assim, ele
teve a ideia de falar dessa lei nos seus versos, que, apesar de ser uma lei direcionada para
educação, ele, como professor, percebe que não é discutida no ambiente escolar. Nesse
instante, o cordelista inicia o cordel, dessa vez intitulado “Discutindo a lei 10.639 na sala de
aula”:
Nesta longa caminhada,
de Cabral até o momento,
muitas coisas foram escritas
sem nenhum credenciamento
assim as grandes verdades
caíram no esquecimento
Já se foram os jesuítas,
não há mais Inquisição,
não existem coronéis,
nem palmatória na mão,
ditadura nunca mais
e adeus a escravidão.
Foi pensando nisso então
que a chamada Lei Mil
Seiscentos e Trinta e Nove
valorosa e varonil
há muito foi sancionada
em nosso querido Brasil.
Nosso presidente Lula
dia 9 de janeiro
do ano dois mil e três
com seu gesto altaneiro
sanciona esta Lei
para o povo brasileiro.
Essa Lei estabelece,
no âmbito da Educação,
o ensino obrigatório
nas escolas da Nação
a História e Cultura-Afro
sem nenhuma restrição.
Então cabe à escola
no currículo adotar
a Cultura Africana
e a todos ensinar:
a riqueza que possui
esse povo exemplar.
Daí todo o professor
habilidoso e sutil
esclarece aos seus alunos
a não ter postura hostil,
impedindo que o racismo
prevaleça no Brasil.
57
Dentro da sala de aula,
cabe então aos professores
gerar sempre bons debates
estimulando os valores,
esclarecendo a verdade
sobre os colonizadores.
Temos que rever a História,
que a muito nos engana,
excluindo os africanos
de uma forma bem tirana:
enfatizando a cultura
europeia e “americana”
Se os alunos desde cedo
forem conscientizados,
que os afro-descendentes
precisam ser respeitados:
vão notar que esses heróis
deixaram grandes legados
Não é só o acarajé,
a cocada, o abará,
capoeira, caruru,
candomblé, o vatapá,
samba de roda, ebó,
axé-music, abadá:
a cultura africana
possui muito mais valia:
nas artes, religião,
na linguística, economia,
na música, na política
no teatro e na poesia
(BARRETO, 2007, p.1-8)
A turma foi muito receptiva com esse cordel, ao demostrar, por meio de aplausos,
assovios e gritos. Alguns disseram que foi muito bom saber que a cultura africana deve ser
abordada nas aulas, pois alguns entendiam que essa temática só deveria ser abordada na
Semana da Consciência Negra. O poeta mostra-se extremamente conhecedor da realidade que
o cerca, ao afirmar que cabe à escola brasileira discutir a questão racial, tratar da tensão
existente entre colonizado e colonizador, de forma que possamos desinstitucionalizar as
normas estabelecidas, presentes no sistema escolar, quando nos apresentam as questões
etnicorraciais de modo folclorizado.
Nesse contexto, o caminho de construção de identidades afro-brasileiras está
bastante comprometido, pois os possíveis referenciais são invisibilizados, apagados
da memória histórica, ou desautorizados mediante qualificações como „cultura
folclórica‟, „arte popular‟, „culto animista‟ e assim por diante (NASCIMENTO,
2003, p. 152).
58
O comentário de Nascimento deixa muito claro que cultura e educação, no Brasil, não
caminham juntas. Na escola, a visão que nos é transmitida sobre a cultura do negro,
geralmente, é descaracterizada e se resume a algumas palavras que foram incorporadas ao
vocabulário, à dança e a comidas típicas. Além de não ouvirmos referências ao verdadeiro
sentido dos cultos aos orixás. A escola desistoriciza a cultura e não enfatiza a resistência dos
africanos que foram trazidos como escravos para o Brasil. Entretanto devemos deixar claro
que essa descaracterização da cultura negra não acontece somente na escola, acontece também
na sociedade (GOMES, 1995).
2.3.2 Performance, recepção do cordel
A oficina de Barreto flui de forma muito participativa e com muita aceitação dos
cordéis. Por vezes, quando estamos em presença de uma manifestação poética vocal que
parece chegar de um “outro caminho cultural nós a percebemos como exótica, minoritária,
marginal, mas ela proporciona um prazer que, no mais, pode resultar dessa própria diferença;
e, se há prazer, uma função se cumpre e cabe a nós identificá-la”(ZUMTHOR, 2005, p. 85).
Constatamos a importância da teoria da recepção ao enfatizar que o texto não é o único
elemento do fenômeno literário, mas é também a reação do leitor e que, por conseguinte, é
preciso explicar o texto a partir dessa reação. “O texto e o leitor interagem a partir de uma
construção do mundo e algumas convenções compartilhadas”(COLOMER, 2003, p. 96).
Dessa forma, o argumento de que os textos utilizados na escola não devem ser avaliados
apenas pelos seus méritos literários vai ganhando força, pois os textos devem ser avaliados,
também, pela oportunidade que se oferece para discutir, comparar, encantar, favorecer a
introspecção e a comunicação.
A comunicação entre o intérprete e o seu público está cada vez maior, podemos dizer
que é pelo fato de que, em toda prática da poesia oral, o papel do executante conta mais que o
do compositor, pois “manifesto na performance, contribui mais para determinar as reações
auditivas, corporais, afetivas do auditório, a natureza e a intensidade do seu prazer”
(ZUMTHOR, 2010, p. 236). Assim, Antônio Barreto explicita que, para adentrar no mundo
do cordel, é preciso, em primeiro lugar, saber a origem da palavra cordel, que chegou até nós
por meio dos colonizadores portugueses, e a palavra cordel corresponde, no Brasil, à corda.
Na Idade Média, os poetas costumavam pendurar os folhetos em cordas para serem
comercializados, chegando ao Brasil já com essa denominação. Para se fazer um bom cordel,
59
é preciso ter ritmo, oração e rima e o cordelista leva em consideração esses três elementos,
como em uma pirâmide, um depende do outro.
Oracionar significa construir versos de modo coerente e que a informação seja precisa,
pois a oração é a construção sintática das palavras nos versos para que o outro compreenda o
que você diga, porque pode-se fazer um cordel só rimado sem se dizer nada (Foto 2).
O cordelista continua sua exposição, reportando-se à estrofe mais simples de quatro
versos, denominada de quadra que era utilizada desde a chegada dos portugueses aqui ao
Brasil. Contudo os poetas paraibanos e pernambucanos resolveram introduzir mais dois
versos, denominando-os de sextilhas. Após a explicação sobre as rimas, o cordelista propõe
uma revisão para ver se os alunos realmente aprenderam. Foi utilizado um jogo denominado
advinhas, (faz parte do folclore brasileiro) muito utilizado para treinar o raciocínio rápido,
consiste em adivinhar a última palavra da quadra. Os educandos são convidados a mostrarem
a igualdade dos sons no final destes versos:
Nestas quadras de cordel
Teste seu conhecimento
Force bem a sua memória
Mostre todo o seu talento.
Aproveite esse momento
E deixe de conversinhas
Leia atenciosamente
Completando as adivinhas
No final tem gabarito
Então não vale pescar
Queira conferir depois
De se auto avaliar.
Os partícipes da oficina ficaram muito animados para completar a quadra, de forma
descontraída e muito vibrante. Todos queriam participar da brincadeira e pediam cada vez mais
quadras. Zumthor (2000) ilustra muito bem esse encantamento com a brincadeira, quando faz
uma evocação de lembranças da sua infância em Paris, e diz que, naquela época, as ruas dessa
cidade eram animadas por numerosos cantadores de rua, e ele tinha seus cantos preferidos.
Ora, o que percebíamos dessas canções? Éramos quinze ou vinte troca pernas em
trupe ao redor de um cantor. Ouvia-se uma ária, melodia muito simples, para que na
última copla pudéssemos retomá-la em coro. Havia um texto, em geral muito fácil,
que se podia comprar por alguns trocados, impresso grosseiramente em folhas
volantes. Além disso, havia o jogo. O que nos havia atraído era o espetáculo. Um
espetáculo que me prendia, apesar da hora de meu trem que avançava e me fazia
correr em seguida até a Estação do Norte (ZUMTHOR, 2000, p. 28).
60
Passados 60 anos, o autor lembra que havia o grupo, o riso das meninas, as vendedoras
saíam de suas lojas ao final da tarde e os barulhos do mundo. Pode compreender que aquele
prazer que sentia é o que se denomina de “literatura”. Quando lembra da forma da canção do
camelô, de outrora, podia analisar as frases ou a versificação, a melodia ou a mímica do
intérprete. “Essa redução constitui um trabalho pedagógico útil e talvez necessário, mas, de
fato (no nível em que o discurso é vivido), ele nega a existência da forma. Essa, com efeito, só
existe na performance” (ZUMTHOR, 2000, p. 29).
Algo que também chama a atenção nas lembranças da infância de Zumthor (o grupo, o
riso das meninas, os barulhos do mundo) é o aprender a viver juntos, aprender a viver com os
outros. Uma vez que a descoberta de si perpassa, necessariamente, pela descoberta do outro,
transmitir ao educando conhecimento sobre diversidade, desde a mais tenra infância, é uma
das maneiras de aprender a conviver com o outro. Talvez, de caráter axiomático, a oficina
pedagógica constitui uma excelente abordagem didático-metodológica integralizadora.
Aprender e ensinar através de oficinas pedagógicas representa a busca de vivências
com propostas alternativas para diferenciadas aprendizagens. Representa uma
metodologia de ensino que pode ser dinâmica, motivadora à aprendizagem pela
contextualização aos saberes do cotidiano e contrapontos de conhecimentos
socializados, além das inter-relações experienciadas, entre outras possibilidades
interdisciplinares (ANTUNES, 2012, p. 35).
A oficina continua a todo vapor e os alunos cada vez mais empolgados, pedindo
quadras para completar, quando mais uma quadra é lançada:
Qual é o queijo Juquinha
Que sofre tanto coitado
Eu já sei o nome dele
Deve ser queijo ralado
A participação dos alunos foi muito intensa, e, para facilitar que alcancem o objetivo,
o cordelista diz que é um adjetivo, até que um acerta. Diante desse quadro, pensamos que uma
das causas de resistência à leitura provenha da falta de leitura coletiva nas sociedades
contemporâneas. Segundo Colomer (2007), antes, participar do folclore oral da coletividade,
saber que todo mundo sabia os mesmos poemas e canções dava a sensação de possuir um
instrumento que se harmonizava com o entorno. Hoje, temos a leitura autônoma e silenciosa
que proporcionou um isolamento em relação ao grupo social imediato. “A percepção da
leitura como uma atividade de “marginalização” das formas habituais de socialização (a
música, o esporte, etc.) se acentua mais na adolescência e contribui para seu repúdio”
61
(COLOMER, 2007, p. 144). Continuando com a oficina, a brincadeira parece ter interessado
bem a turma e todos são solicitados a escreverem uma quadra. Imediatamente um aluno diz:
A fome tá aumentando
E não dá pra segurar
Tá um cheiro de acarajé
Mas vai vim mungunzá.
Pela comemoração da Semana da Consciência Negra, a escola levou uma “baiana”
para vender acarajé. O fato a que o aluno refere-se é de que o acarajé será vendido, mas o que
ele comerá é o mungunzá, que é de graça, por ser da merenda escolar. Assim, a turma ratifica
o que o colega diz com gestos e aplausos e Antônio Barreto pega o pandeiro e começa a tocar
e cantar o cordel feito pelo aluno, sendo acompanhado por todos em total sintonia, vale à pena
ler integralmente a explicitação de Zumthor (2005):
O ouvinte engajado na performance contracena, seja de modo consciente ou não,
com o executante ou o intérprete que lhe comunica o texto. Estabelece-se uma
reciprocidade de relações entre o intérprete, o texto, o ouvinte, o que provoca, num
jogo comum, a interação de cada um desses três elementos com outros dois. Por
isso, quando, na poesia oral, quem a diz ou o cantor emprega o „eu‟, a função
espetacular da performance confere a esse pronome pessoal uma ambiguidade que o
dilui na consciência do ouvinte: „eu‟ é ele, que canta ou recita, mas sou eu, somos
nós: produz-se uma impessoalização da palavra que permite àquele que escuta captar
muito facilmente por conta própria aquilo que o outro canta na primeira pessoa. O
poder identificador (se assim posso nomeá-lo) da performance é infinitamente maior
que o da escrita. Tal é, sem margem de dúvida, a razão que levou os moralistas do
passado a condenar o teatro, diziam, subleva as paixões e leva a ações irracionais,
nefastas, portanto. A performance comporta um efeito profundo na economia afetiva
e, pode ocasionar grandes perturbações emotivas no ouvinte, envolvido nessa luta
travada pela voz, para não dizer de adoção (ZUMTHOR, 2005, p. 93).
Quando o autor coloca que o ouvinte também contracena, isso seria uma performance
na qual participa verdadeiramente de forma comprometida, em que este se sente convidado a
interagir com o intérprete. Essa relação com o ouvinte surge com uma veracidade particular
que requer confiança e participação e torna-se um jogo.
Depois de algumas quadras serem cantadas, o poeta diz que irá ensinar a eles uma
técnica bem fácil de entender versos heptassílabos (07 sílabas métricas), ou redondilha maior,
que fazem parte ainda de algumas produções em verso como o cordel (LUYTEN, 2007,
p. 54). Recorda-se de que estava fazendo uma oficina de cordel na cidade de Nilo Peçanha, no
início de sua carreira, quando os participantes estavam com muita dificuldade de entender
esses versos. De repente, por intuição, pensou na sena de “az” (peça do jogo de dominó),
62
podendo explicar esses versos ao visualizar esta peça do jogo, e assim colocou no quadro
(Foto 3).
Antônio Barreto afirma que, seguindo essa técnica, a pessoa aprende rapidamente a
fazer estrofes com versos heptassílabos, com possibilidade de também tornar-se um
cordelista. O necessário é prestar atenção a cada ponto que corresponde a uma sílaba.
O autor conta que utiliza essa técnica, que construiu por meio da intuição, sempre que
vai fazer oficina, para explicar os versos heptassílabos, e percebe que os participantes das
oficinas entendem melhor depois que ele coloca a sena de “az” no quadro. Assim, coloca no
quadro uma estrofe com esses versos e faz a demonstração, lendo devagar, para que todos
percebam que cada sílaba realmente fica em um ponto, se ultrapassar ou terminar antes, a
pessoa terá a certeza de que não é o verso estudado.
Ao Antonio Frederico
De Castro Alves: louvor
Por ter sido nosso vate
De grandeza e valor
Que com sua maestria
Colocou a poesia
Nas alturas do condor
Depois dá sequência a esse mesmo cordel com uma leitura lenta e apontando para os
pontos, de forma que se perceba que não se pode ultrapassar a sena de az. Começa também a
falar de Castro Alves e a importância deste na literatura brasileira, e, como muitos já tinham
ouvido falar desse autor, a interação foi maior. Seguem algumas estrofes do poema lido.
Foi durante o Romantismo
Na terceira geração
Que o Poeta dos Escravos
Teve sua ascenção
Entoando a sua voz
Enfretando todo o algoz
Que se opunha à abolição
Influenciado então
Pelo escritor francês
O famoso Victor Hugo
Outro bardo de avidez
Castro Alves a ficar
Conhecido além-mar
Pelos versos de alvitez
Navio negreiro nos traz
As lembranças do passado...
Um poema em que o vate
Denuncia o mal legado
Onde o colonizador desnutrido de amor
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Fez o negro escravizado
O Gondoleiro do amor
É um marco de ternura
Nas tempestades da vida
Tudo, tudo é ruptura...
Se pensarmos no eterno
Vem as lágrimas do inverno
A fazer sua varredoura
(BARRETO, 2013, p. 1-8)
Depois da explicação sobre a estrutura do cordel, foi solicitado aos alunos que
formassem grupos e que ilustrassem livremente, nas telas (Foto 4), algo que ficou marcado na
oficina, momento alto de participação, pois todos pegaram rápido o material disponibilizado e
iniciaram a criação com tinta guache, lápis de cera e telas.
Enquanto os alunos pintavam, ele aproveitou para falar das xilogravuras, a capa que
acompanhava os cordéis, feita de maneira artesanal, muitas vezes pelos próprios poetas. No
início, logo que os cordéis chegaram ao Brasil, a capa continha apenas o título da obra, só a
partir de 1930 é que se começou a comercializar as capas com xilogravuras.
Na atualidade, o próprio Antônio Barreto digita, no word, o texto já revisado e envia
para a gráfica. Cumpre à gráfica fazer a arte final e a impressão com a quantidade e cor
solicitadas pelo cordelista. A ilustração geralmente é feita por um xilogravurista ou artista
plástico, escaneada e enviada com o cordel. Alguns cordelistas produzem e editam os seus
cordéis no computador, para isso basta dominar o corel draw e ter uma impressora. Mas ele
prefere a gráfica, pois considera a edição própria um processo muito trabalhoso. Constata-se,
assim, que a editoração dos folhetos continua a mesma do século passado, na qual o
compositor é, ao mesmo tempo, editor e vendedor. Essa tripla função ainda traz vantagem
para esses poetas, pois “a definição do que seja um folheto de cordel tem a ver não só com os
versos e as rimas, mas com a forma material”(ABREU, 2006, p. 62).
Segundo Marinho e Alves (2012), o mais imprescindível dessas atividades é que a
literatura de cordel seja percebida como uma produção cultural de grande valor e que é
importante ser conhecida e integrada à experiência de vida de nossas novas gerações. Assim,
o professor deve ter sempre em mente que o folheto não deve servir apenas como mero relato
informativo. O mais relevante é perceber como o poeta se posiciona diante da história,
elucidando o caráter ficcional e cultural.
A oficina termina com a demonstração das telas pintadas (Foto 5), nas quais foi
retratado o que foi significativo para cada grupo. Aludimos que, ao pensar o ensino de
literatura, não podemos deixar de fora a leitura subjetiva e, a partir daí, desenvolvermos a
64
competência estética do leitor, ou seja, “sua aptidão para reagir ao texto, para estar atento às
repercussões que a obra suscita nele mesmo e a exprimi-los” (ROUXEL, 2014, p. 25).
Ensinar literatura com essa visão requer sair do formalismo, é perceber que a
experiência estética repousa no uso particular da linguagem reverberada pela emoção. É a
função poética da linguagem, a música, a performance que desencadeiam o prazer estético. O
cordel pode cumprir essa missão ao suscitar a sensibilidade e o imaginário dos estudantes
confrontados com a fonte de suas identidades enquanto leitores (ROUXEL, 2014). É o ensino
de literatura formando leitores ativos que buscam suas identidades por meio da experiência
estética.
Constatamos que o ensino multiculturalista, representado na literatura de cordel, é uma
ferramenta capaz de operacionar práticas cotidianas que descortinam as relações sociais,
etnicorraciais e culturais, propagadas pela cultura hegemônica, no ambiente educacional “nos
conduzem a reconsiderar o corpus da literatura ensinada, para abri-los a outras literaturas:
literatura popular, literatura infanto-juvenil, literatura pós-colonial, literatura francófona e
literatura estrangeira” (ROUXEL, 2013b, p. 29). Pois sabemos que o valor das obras é muito
relativo, pelo fato de serem avaliadas e investidas de significações variadas por diferentes
grupos culturais.
Mas a via de acesso à literatura é justamente a entrada no jogo literário que conduz à
experiência estética que pode ser reverberada por meio da performance, ao constituir o locus
emocional em que o texto vocalizado se torna arte, pois a performance é jogo. “Para o breve
tempo do jogo, afasta-se assim a ameaça latente do real; o dado compacto da experiência
estratifica-se, os elementos dobram-se à minha própria fantasia, este blefe”(ZUMTHOR,
1993, p. 240). Na sala de aula, esse jogo pode levar os participantes a gozarem desse
espetáculo livre de sanções, a partir das oficinas que promovem a integração e cooperação.
65
3 FORMAÇÃO DO LEITOR: A PERFORMANCE DO CORDEL
Neste capítulo apresentaremos uma proposta de vivências de literatura de cordel para o
ensino médio por entendê-la como uma ferramenta pedagógica que requer um profissional
dentro das perspectivas reflexivas. Um professor que reflita a sua práxis, perceba os saberes
que circulam em sua sala de aula, de modo que esses saberes contemplem os conteúdos que
serão trabalhados, de forma a trilhar novos caminhos, novas rotas ao configurar um lugar para
o cordel no cenário educativo, assim como a literatura canônica. Assim foram pensadas as
oficinas, que intitulamos vivências de literatura de cordel.
Faremos uso do termo “vivências”, para os fins das discussões realizadas neste
capítulo, apesar de saber que experiência é um termo correlato. Mas “concordamos com
Vigotski, que a vivência é algo mais pleno, mais integral, que envolve o ser humano em sua
plenitude, [...] na inter-relação entre o que é próprio da história pessoal e as características da
situação propiciada pelo meio, quando se experiencia algo” (SHLINDWEIN, 2010, p. 35), ou
seja, na vivência lidamos com os laços da personalidade e a situação representada na vivência.
Nessa perspectiva, organizamos quatro vivências que se constituíram em nossa
escolha para intervenções com os alunos do ensino médio. A saber: a recepção do cordel, a
leitura em voz alta e a performance, a formação do leitor crítico e a pintura de telas, baseadas
nos cordéis e nas vivências. Deixamos claro que todas as atividades foram respaldadas por
teorias e planos estrategicamente elaborados a fim de levar em consideração o contexto social
do grupo e a subjetividade nas escolhas temáticas.
Como parte desse processo, objetivamos que nossas intervenções possam transformar
o sentido que os professores e os educandos atribuem ao ensino de literatura. Nossa proposta
pretende fomentar o prazer estético e a performance por meio do cordel, articulando com a
formação crítica do leitor.
Planejamos promover vivências com literatura de cordel, por considerarmos a hipótese
da formação do leitor na perspectiva estética, artística, cultural e social. Ou seja, mobilizar o
olhar, o sentir para a ampliação do horizonte de expectativas do leitor do ensino médio para
apreciação, para degustação, na perspectiva de um desenvolvimento humano em seu sentido
lato.
Nesse caminho, a literatura passa a ser vista como um fenômeno comunicativo, ou
seja, a teoria da recepção nos diz que o texto não é o único elemento do fenômeno literário,
mas temos também a reação do leitor e, por extensão, precisamos explicar o texto a partir
dessa reação, proveniente da interação do texto e o leitor. Ou seja, a partir de uma imagem da
66
realidade, que Iser (1979) classificou como “repertório” e que se acrescenta à existência de
“estratégias” utilizadas na compreensão do texto que se constituem na base funcional da
leitura. O leitor como protagonista nos faz pensar que a leitura é um ato subjetivo, entretanto,
segundo Colomer (2003), o texto está repleto de elementos não ditos, que o leitor vai
preenchendo, mas esses espaços não se oferecem à imaginação arbitrária. “O texto implica um
“leitor modelo”, mas o prevê como um “leitor cooperativo”, e, nesta antecipação, o autor
escolheu desde uma língua [...] até uma competência interpretativa que não apenas pressupõe,
como o texto se encarrega de construir através de suas pistas”(COLOMER, 2003,p. 96). A
aplicação dessa linha de análise pressupõe que tudo que está escrito é o que os autores
imaginam sobre seus jovens leitores por meio de conhecimentos e comportamentos sociais e
culturais. Geralmente isso se aplica à literatura infantojuvenil.
Por conseguinte, no ensino médio, o confronto com a complexidade das obras do
passado, que é exigido pelos programas oficiais, leva muitas vezes o jovem leitor a afastar-se
das obras literárias. Segundo Rouxel (2013b), é nesse momento que a inventividade do
professor é requisitada para elaborar um dispositivo capaz de interpelar os alunos.
Nesse sentido, sugerimos as vivências de literatura de cordel por ser outro objeto
semiótico que pode ser articulado com obras da literatura canônica e “porque toda vivência
artística, de qualquer grupo, comunica uma experiência peculiar do mundo. É preciso ouvir a
experiência do outro não como menor, ou menos universal, mas como diferente” (ALVES,
2013, p. 36), além de reverberarar performance, visto que, como os próprios documentos
oficiais preconizam, “a leitura precisa ser prazerosa, atendendo às necessidades e aos
interesses de quem lê” (BAHIA, 2005, p. 112).
O prazer é visto como o mais alto valor do espírito, “pois é ao mesmo tempo alegria e
signo: o signo de uma vitória de e sobre a vida, esta vitória que nos faz humanos”
(ZUMTHOR, 2000, p. 109). Mas como proporcionar esse prazer na sala de aula? Isso nos
leva a pensar na escolarização da leitura literária que por sua vez está atrelada à pedagogia por
se ater a estratégias e técnicas didáticas, relacionadas às práticas inerentes à sala de aula que
podem determinar para qual direção podem voltar nossos desejos, ou seja, determinam uma
política cultural que está por trás das ações. É nesse sentido “que propor uma pedagogia é
formular uma visão política” (GIROUX; SIMON, 2013, p.113).
Isso sugere a intervenção de uma pedagogia crítica por entendermos a cultura popular
como a representação de “não só um contraditório terreno de luta, mas também um importante
espaço pedagógico em que são levantadas relevantes questões sobre os elementos que
organizam a base da subjetividade e da experiência do aluno” (GIROUX; SIMON, 2013,
67
p. 110). Dessa forma, a introdução da cultura popular, norteada por uma pedagogia crítica nas
aulas de língua portuguesa, pode favorecer a reconstrução da imaginação social em prol da
liberdade humana. Uma pedagogia crítica favorece o diálogo e as experiências dos alunos a
fim de que sejam incorporadas formas de expressões populares que afirmem a diferença e
modos de vida diferentes à cultura dominante. É reconhecer que a leitura deve ser contextual.
Dessa forma, sugerimos que o primeiro olhar do professor que aceite aplicar essa
proposta é estar voltado para a própria cultura local e para a valorização da identidade
individual e social de sua região. Contudo sem esquecer que estamos imersos na era da
informação e somos controlados pelas telas dos computadores e da televisão. Sobre esse
tema, Guy Debord, em sua obra A sociedade do espetáculo, entende que se trata da
sociedade do espetáculo, cujas imagens têm influenciado enormemente as pessoas a ponto
de determinar a opinião pública nos últimos anos. Nesse contexto, “a cultura visual impera
em nosso mundo e as imagens têm sido referência de „verdade‟ para a população”
(FERNANDES, 2005, p. 373). Contudo essas “verdades”, ou seja, essas informações, são
transmitidas de forma muito rápida, num nível superficial, ou seja, a mídia com toda sua
função informacional consistiria, portanto, em nos ajudar a esquecer o passado, o sentimento
da história.
Em contrapartida, as narrativas, hoje, são fragmentadas e a relação entre literatura e a
história não pode mais ser pensada “como a primeira descrevendo o imaginário e a segunda
à realidade. Nos discursos de uma e de outra há elementos reais e fantasiosos. Por tudo isso,
a História não pode ser considerada como a única fonte de informação dos fatos”
(FERNANDES, 2005, p. 379). Nesse sentido, diversas narrativas trazem diferentes
contribuições para a interpretação dos acontecimentos históricos.
Com esse bombardeio de informação e imagens do início do século XXI, cabe à
escola propor estratégias de valorização da cultura das comunidades locais. Aí entra a
literatura de cordel que, por tratar de temas inerentes a dada cultura, pode ampliar o
conhecimento do leitor ao levá-lo a fazer uma reflexão crítica sobre o tema abordado, tomar
consciência histórica, social e refletir sobre sua própria identidade. A cultura oral é
fundamental para uma revisão das identidades das comunidades que preservam a narrativa
oral como uma forma para dessacralizar a história oficial.
Ao contrário do texto escrito, o texto oral raramente está isolado, mas “sempre
inserido num discurso, como mensagem em situação” (SANTOS, 1995, p. 39). Por esse
motivo, Ildelette Muzart Fonseca dos Santos opta por conceituar essa literatura como
etnotexto, que designa
68
[...] o discurso que um grupo social, uma coletividade, elabora sua própria cultura,
na diversidade de seus componentes, e através do qual reforça ou questiona sua
identidade. Este etnotexto propõe assim uma verdadeira leitura cultural do texto
literário, leitura que representa, ao mesmo tempo, a afirmação de uma posse, como
bem cultural do grupo, e uma posição crítica e interpretativa, pelo confronto entre
o passado e o presente das práticas comunitárias da percepção poética (SANTOS,
1995, p. 39).
Ainda que contrariando as teorias que “insistem em ver no oral a infância da
literatura e na escritura o desembocar e diluição da tradição oral” (SANTOS, 1995, p.37),
percebemos o quanto o folheto pode participar da dinâmica cultural, de forma a realimentar
e renovar a força da oralidade, pois, mesmo na era informatizada, o mundo atual tem
buscado os antigos rituais de leitura. Segundo Eneida MariaSouza (2007):
[...] rituais de leitura, através de recitações coletivas, de gravações intermediáticas,
uma forma de preservar o espírito gregário, tão em baixa nos centros urbanos.
Ganha-se em exposição democrática do objeto poético, perdendo, felizmente, o
caráter aristocrático que regia a fruição sofisticada e restrita da poesia. Os salões
reservados às performances ligadas às belles-lettres cedem lugar a um espaço onde
se reúnem os intérpretes da palavra dita em voz alta, com a presença de
interlocutores (SOUZA, 2007, p. 87).
Essa socialização da leitura é denominada por Colomer (2007) de leitura
compartilhada que “estabelece um caminho a partir da recepção individual até a recepção no
sentido de uma comunidade cultural que a interpreta e avalia. A escola é o contexto de relação
onde se constrói essa ponte e se dá às crianças a oportunidade de atravessá-la” (COLOMER,
2007, p. 147). A intenção é criar espaços de leitura compartilhada nas turmas, para apreciar e
construir um sentido entre todos os leitores.
Os estudiosos da área já assinalaram que o sentimento de pertencer a uma
“comunidade interpretativa” é a maneira basilar de desfrutar de formas literárias mais
elaboradas. Nesse sentido é que se buscou levar para a sala de aula a literatura de cordel,
“embora escrita, é na voz que encontra o seu grande instrumento de comunicação e recepção”
(ALVES, 2013, p. 40). Assim, a partir da participação da oficina do cordelista Antônio
Barreto, relatada no segundo capítulo, percebemos uma recepção muito favorável com o
cordel. Daí a proposta de o professor promover vivências de literatura de cordéis, mesmo não
sendo um cordelista. É reverberar a leitura em voz alta, tanto a do professor quanto do
educando. Nas palavras de Tardif (2002):
[...] o ensino é uma atividade linguística, discursiva, que se define essencialmente
em sua relação com um público, um auditório [...]. Isso implica um certo arsenal de
competências por parte do professor: teatralização, capacidade de exercer sua
69
autoridade, habilidades de comunicação, etc. Esta última pista de trabalho está
atualmente no centro das pesquisas sobre argumentação, sobre a pragmática, a
psicossociologia da persuasão e a análise do discurso. Ela nos parece
particularmente interessante e promissora, na medida em que permite sair dos
enfoques mentalistas e cognitivos e situar o professor em “seu ambiente natural”: a
linguagem pública na interação com o outro (TARDIF, 2002, p. 222).
Em suma, o professor relaciona-se com um público, logo, a performance faz parte da
sua rotina. Corroborando esse pensamento, Zumthor (2005) coloca que o seu desafio maior
era convencer os alunos do interesse do seu curso. E assim se lançava no jogo de convencê-
los numa plateia que acreditava nele, e esta era sua sala de aula.
Nessa proposta o professor deve incentivar a performance do educando por meio da
vocalização e encenação dos cordéis, ou seja,“transformar os alunos em atores, isto é, em
parceiros da interação pedagógica parece-nos ser a tarefa em torno da qual se articulam e
ganham sentido todos os saberes do professor” (TARDIF, 2002, p. 221).
A questão que colocamos é: Em que medida se pode aplicar a noção de performance à
percepção plena de um texto literário? Zumthor (2000) responde que há uma convergência
profunda entre performance e poesia, à medida que ambas aspiram à qualidade de rito. É a
ritualização da linguagem, e, para o texto ser reconhecido por poético (literário) ou não, isso
“depende do sentimento que nosso corpo tem. Necessidade para produzir seus efeitos; isto é,
para nos dar prazer. É este, a meu ver, um critério absoluto. Quando não há prazer – ou ele
cessa – o texto muda de natureza” (ZUMTHOR, 2000, p.35).
Segundo Zumthor (2000), a performance é, então, um dos melhores momentos da
recepção, é quando o enunciado é recebido. Assim, afirma de forma reiterada que a recepção
se produz em circunstância psíquica privilegiada: performance ou leitura. É então e tão
somente que o sujeito, ouvinte ou leitor, encontra a obra e a encontra de maneira pessoal. Essa
consideração deixa íntegra a teoria da recepção, mas lhe acrescenta uma “dimensão que lhe
modifica o alcance e o sentido. Ela aproxima, de algum modo, da ideia de catarse, proposta
(em um contexto totalmente diferente) por Aristóteles” (ZUMTHOR, 2000, p. 52).
A partir dessa concepção, propomos que a organização pedagógica das vivências leve
em consideração a interação entre os processos intelectivos e a sensibilidade estética que a
poesia suscita a fim de promover o desenvolvimento humano integral. Assim, trazemos uma
explicitação de Vigotski (1998) sobre a catarse defendida por Aristóteles.
Mas, apesar da imprecisão de seu conteúdo e da manifesta recusa à tentativa de
esclarecer o seu significado no texto de Aristóteles, ainda assim supomos que
nenhum outro termo, dentre os empregados até agora na psicologia, traduz com tanta
plenitude e clareza o fato, central para a reação estética, de que as emoções
70
angustiantes e desagradáveis são submetidas a certa descarga, à sua destruição e
transformação em contrários, é de que a reação estética como tal se reduz, no fundo,
a essa catarse, ou seja, à complexa transformação de sentimentos. Ainda sabemos
muito pouco de fidedigno sobre o próprio processo da catarse, mas mesmo assim
conhecemos o essencial, isto é, sabemos que a descarga da energia nervosa que
constitui a essência de todo sentimento, realiza-se nesse processo em sentido oposto
ao habitual, e que a arte assim, se transforma em um poderosíssimo meio para
atingir as descargas de energia nervosa mais úteis e importantes (VIGOTSKI, 1998,
p. 270).
Essas descargas podem ser reverberadas nas vivências a fim de possibilitar reações
estéticas pelas expressões verbais e corporais, no momento em que o educando faz a leitura em
voz alta do cordel de sua escolha e também o que escuta, será afetado por uma espécie de catarse,
de sorte que, ao receber a informação, a comunicação, o indivíduo sofrerá necessariamente uma
transformação indelevelmente. Assim, o conceito de Jauss, o de horizonte de expectativas, que
implica um acordo entre a oferta e a demanda, texto e leitura, que, segundo Zumthor (2000),
provoca o surgimento da apropriação pelo leitor que é denominado de concretização. “O que
produz a concretização de um texto dotado de uma carga poética são, indissoluvelmente ligadas
aos efeitos semânticos, as transformações do próprio leitor, transformações percebidas em geral
como emoção pura” (ZUMTHOR, 2000, p. 52).
Entendemos que, por meio da emoção, fruição, o educando possa ampliar sua
capacidade de reflexão e percepção. “A fruição nasce da relação. O eu, o outro e o mundo”
(OLIANI; NEITZEL, 2010, p. 97). O educador, ao propiciar a leitura e a escuta dos cordéis,
está promovendo o acesso ao conhecimento e aos bens culturais através das vias sensíveis do
ser humano.
Acreditamos que o cordel, além de reverberar a sensibilidade, pode também formar o
leitor crítico, pois, segundo Zumthor (2000), o texto poético, na nossa cultura, sempre
comporta um elemento informativo (salvo raras exceções). E, assim, cria uma rede
epistemológica que a poesia atravessa e integra mais ou menos imperfeitamente, a saber:
“sensação-percepção-conhecimento-domínio do mundo” (ZUMTHOR, 2000, p. 81), ou seja,
o ouvir, a visão não servem apenas de órgãos de registro, são órgãos de conhecimento, e o
sujeito é colocado no mundo para escutar, inferir, opinar, formar a sua criticidade. Essa
ampliação de horizontes implica a formação do leitor.
Importa clarificarmos mais uma vez que o cordel é produzido em um meio cultural e
como tal retratará o que está sendo discutido nesse meio, a partir de uma apreensão,
intensamente concreta, do real, do particular, mas essa apreensão se faz acompanhar de uma
recomposição dos elementos percebidos, em virtude de analogias diversas, do sensível, da
comoção e também do cômico.
71
O que hoje presenciamos entre os professores de história e literatura é essa
necessidade de saber como dizer, porque o saber parte de uma experiência que falta articular
em discurso, pois o “saber procede de uma confrontação comovente com o objeto, de um
esboço de diálogo” (ZUMTHOR, 2000, p. 101). É preciso pensar o ensino não apenas como
transposição de saberes científicos, pois o “que esta sociedade espera de nós, pesquisadores, é
a produção de um saber lúdico” (ZUMTHOR, 2000, p. 81). É o que esperamos: que essa
proposta de vivências de cordel possa articular os saberes e conhecimentos, de forma lúdica e
prazerosa.
3.1 A FORMAÇÃO DO LEITOR E O CORDEL
O ensino escolar desde as suas origens teve uma relação muito forte com os livros, e,
nesse viés, houve uma corrida dos programas oficiais em abastecer as escolas de livros e
organizar bibliotecas. Aqui, no Brasil, houve realmente uma política eficaz que abasteceu as
escolas públicas de livros, mas em contrapartida com os exames oficiais percebemos que a
atividade leitora do alunado está abaixo da média exigida pelo MEC.
É inquestionável que o desinteresse pela leitura ocorre nos jovens ainda enquanto estão na
escola. No entanto é preciso lembrar que, em qualquer hipótese, “a escola só atua sobre as leituras
que se realizam em seu âmbito, com todas as condições e limitações que isto implica”
(COLOMER, 2007, p. 47). Por esse motivo a proposta de vivências de literatura de cordel prima
em começar a construir a formação leitora a partir das leituras feitas integralmente em classe.
José Helder Pinheiro Alves (2015) aponta três fatores para utilizarmos o poema em sala de aula,
que estendemos ao cordel, por ser também uma poesia, a saber:
Primeiro, pela extensão, que favorece uma leitura minimamente detida no espaço de
uma ou duas aulas. Segundo, é possível o acesso a vários poemas de um mesmo
poeta ou poetisa ou ainda a poemas de poetas que abordem um mesmo tema sem
demandar um tempo maior como o da leitura de um romance. O tempo maior seria o
da releitura e do debate compartilhado. Terceiro, por ter um investimento mais
efetivo sobre a linguagem, ele permite, em certo nível, a percepção que os
formalistas russos chamavam de literariedade (ALVES, 2015, p. 156).
Essa literariedade pode ser encontrada em vários cordéis, dependerá da escolha do
professor, que implica um profissional reflexivo que se preocupa em dar sentido e significado
ao seu fazer em dado contexto, ou seja, refletir sobre os “conteúdos trabalhados, as maneiras
como se trabalha, como se coloca perante aos educandos, perante ao sistema social, político,
econômico, cultural é fundamental para se chegar à produção de um saber fundado na
72
experiência”(GHEDIN, 2002, p. 135). Desse modo, o próprio educador adquire uma
autonomia que possibilitará a emancipação dos educandos, tornando-os livres e conscientes
do seu estar no mundo.
Cabe ainda tecer uma observação: essa proposta não é para privar o aluno de ter contato
com os clássicos, como as narrativas e contos, pelo contrário devemos a todo momento oportuno
incentivá-los a lê-los, mas, como é sabido, a leitura integral dos romances só pode ser efetivada no
espaço privado. De sorte que a leitura do cordel em sala de aula pode desencadear essa vontade,
curiosidade de ampliar os horizontes deles para leituras mais densas.
Essa proposta se iniciou por meio de um questionário diagnóstico que permitiu
observar as características do indivíduo e da turma investigada. Foram organizadas quatro
perguntas fechadas e, no final das vivências, uma pergunta aberta. A pesquisa é de cunho
qualitativo, no entanto precisamos quantificar esses dados e organizá-los em gráficos com o
intuito de termos uma visão geral da turma. Abordaremos alguns indicadores levantados pelo
questionário. Com relação ao ato de ler, chegamos aos seguintes indicadores:
Gráfico 1 – Ler para você
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Os indicadores nos mostram que o grupo de estudante investigado considera a leitura
importante, entre outras coisas, porque amplia o convívio com outras pessoas.
Indiscutivelmente, foi muito bom saber que nenhum aluno desconsiderou a importância da
leitura. Investigando-a agora na escola perguntamos o que poderia ser necessário para o
entendimento de alguns textos mais densos:
73
Gráfico 2 – Qual atividade você considera que poderia ser usada para auxiliar no entendimento do texto?
Fonte: Arquivo pessoal da pesquisadora.
Interessante notar que os indicadores mais escolhidos pelos alunos são justamente aqueles
ligados às vias sensoriais: o ver e o escutar. O que já soma um indicativo para o professor
reconhecer que “o olhar, o ouvir, o sentir e o perceber voltam-se para o estranhamento, adotando
posturas inquiridoras, questionadoras, inconformistas e/ou transformadoras” (SCHINDWEIN,
2010, p. 32).
As duas perguntas seguintes referem-se à literatura de cordel. A primeira foi se os alunos
já tinham conhecimento sobre o cordel, a turma toda respondeu que sim, o que já sinalizou a
contextualização do objeto estudado com o mundo vivido pelos alunos. A segunda questão foi se
eles tinham interesse em utilizá-lo em sala de aula. Vejamos:
Gráfico 3 – Você gostaria de utilizar o cordel em sala de aula?
Fonte: arquivo da pesquisadora.
Conforme o gráfico 3, a maioria da turma acatou a ideia das vivências de literatura de
cordel, mas alguns alunos ficaram em dúvida quanto à utilização do cordel em sala. Assim se
74
posicionou uma aluna: “O cordel é legal, mas não é uma leitura pra se fazer na escola, não tem nada
a ver com os assuntos daqui. Se for usar corre o risco de virar uma bagunça na sala” (aluna A).
Diante da assertiva da aluna, pensamos que “a tarefa do professor é uma tarefa social e
política extremamente complexa, exigindo do professor ações e decisões imediatas,
observações atentas aos fenômenos emergentes e implícitos no seu fazer” (SCHLINDWEIN,
2010, p. 44). Nesse momento, precisamos explicitar a literariedade do cordel, que os versos
de cordel geralmente possuem versos de sete sílabas ou de seis, rimados e organizados em
quadras com metáforas belíssimas, e que muitos grandes poetas, considerados cânones,
utilizam essa forma, a exemplo de Mário de Andrade. Mas, quando as pessoas sabem de
antemão que o autor é uma pessoa simples, não conhecida, a primeira atitude é menosprezar,
não sabendo que muitos poetas populares, “diferentemente do que muitos pensam, não têm
vocabulário limitado às palavras do cotidiano e ao mundo concreto.
Ao contrário, assim como os demais poetas, eles têm um interesse acentuado pelas
palavras raras, utilizando esse conhecimento, por exemplo, nas pelejas e desafios” (ABREU,
2006, p. 56). É importante essa discussão em sala de aula porque o aluno do ensino médio entende
e espera uma postura crítica do professor. E deixar claro para o educando que “não há obras boas
e ruins em definitivo. O que há são escolhas – e o poder daqueles que as fazem. Literatura não é
apenas uma questão de gosto: é uma questão política” (ABREU, 2006, p. 112).
Essas discussões devem estar sempre dentro de um clima de empatia, que vem sendo
apontada há muito “como uma característica essencial dos pesquisadores que realizam trabalho de
campo. Ela se constitui num dos princípios básicos da fenomenologia, que está nas raízes dos
estudos qualitativos” (ANDRÉ, 2012, p. 62). Estabelecido um clima de descontração e confiança,
é possível “negociar” as ações de intervenção para se adequar às possibilidades concretas do
contexto e dos educandos. Corroborando esse pensamento, Rouxel (2013b) elucida que
A importância do clima estabelecido no interior da comunidade interpretativa (a classe,
o professor) é enfatizada: um contexto onde reinam a confiança, o respeito e a escuta
mútuos é propício ao encontro com textos literários – e é mesmo determinante. Permite
(ao mesmo tempo em que é fruto dele) o ensino de „atitudes‟ que constituem, um
„terceiro saber‟. Disponibilidade ao texto e desejo de literatura são fenômenos
construídos, decorrentes tanto dos domínios cognitivos quanto afetivos. As pesquisas
atuais em literatura e em antropologia cultural se interessam pelas emoções e pelos
laços que elas tecem com a cognição. E é sobre a emoção e a intelecção que se
constroem a relação estética e a literatura. Pela leitura sensível da literatura, o sujeito
leitor se constrói e constrói sua humanidade (ROUXEL, 2013b, p. 31-32).
Estabelecidas as negociações com a turma, devemos considerar que a aprendizagem
escolar deve transcender ao conhecimento puramente científico, pois deve haver o encontro
75
entre a emoção e a intelecção. Assim, propomos que o primeiro contato do grupo com o
objeto literário seja a partir da fruição de modo a suscitar a sensibilização. Segundo Barthes
(2003):
Texto de fruição: aquele que põe em estado de perda, aquele que desconforta (talvez
até certo enfado). Faz vacilar as bases históricas, culturais, psicológicas, do leitor, a
consistência de seus gestos, de seus valores e de suas lembranças, faz entrar em crise
sua relação com a linguagem (BARTHES, 2003, p. 22).
Nesse movimento de suscitar a sensibilidade dos sujeitos, escolhemos o cordel “As
proezas de João Grilo”, de João Martins de Athayde. Seguem algumas estrofes:
João Grilo foi um cristão
que nasceu antes do dia
criou-se sem formosura
mas tinha sabedoria
e morreu antes da hora
pelas artes que fazia.
Na noite que João nasceu
houve um eclipse na lua
e detonou um vulcão
que ainda continua
naquela noite correu
um lobisomem na rua.
Porém João Grilo criou-se
pequeno, magro e sambudo
as pernas tortas e finas
a boca grande e beiçudo
no sítio onde morava
dava notícia de tudo.
Um dia a mãe de João Grilo
foi buscar água à tardinha
deixou João Grilo em casa
e quando deu fé lá vinha
um padre pedindo água
nessa ocasião não tinha.
João disse: só tem garapa:
disse o padre: d‟onde é?
João Grilo lhe respondeu:
é do engenho Catolé;
disse o padre: pois eu quero
João levou uma coité.
O padre bebeu e disse:
oh! Que garapa boa!
João Grilo disse: quer mais?
o padre disse: e a patroa
não brigará com você?
João disse: tem uma canoa.
João trouxe outra coité
naquele mesmo momento
disse ao padre: beba mais
não precisa acanhamento
na garapa tinha um rato
estava podre e fedorento.
O padre disse: menino
tenha mais educação
e porque não me disseste?
oh! Natureza do cão!
pegou a dita coité
arrebentou-a no chão.
João Grilo disse: danou-se!
misericórdia, São Bento!
com isso mamãe se dana
me pague mil e quinhentos
essa coité, seu vigário
é de mamãe mijar dentro!
O padre deu uma popa
disse para o sacristão:
esse menino é o diabo
em figura de cristão;
meteu o dedo na guela
quase vomita o pulmão
(ATAYDE apud MARINHO; ALVES,
2012, p. 67).
A leitura em voz alta, feita pelo professor, provocou um estado de concentração, e
percebíamos o interesse em não perder o fio condutor da história. “O texto recebido pelo ouvido
gera a consciência comum, do mesmo modo como a linguagem cria a sociedade que a fala”
76
(ZUMTHOR, 1993, p. 155). Exerce-se aí a função social da obra poética que está ligada à ação
da voz.
Concluída a leitura, os alunos afirmavam que se tratava do mesmo personagem de o
Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, mesmo a mais nova da turma, com 15 anos,
passando pela de 28, a de 40, a de 52 e os demais, entre 17 a 20, todos com faixa etária
diferente, ficaram encantados em saber que a obra baseava-se em três cordéis distintos, afinal
esclarecimentos e discussões sobre o texto são salutares. A maneira ativa e interessada com
que a turma se posicionou vem apenas confirmar que o “aluno da escola pública não é apático
e desinteressado como afirmam alguns” (ANDRÉ, 2012, p. 72). O que parece ser mais viável
é que descubramos formas diferentes de trabalhar com eles. Nesse viés, Cruz (2012) também
defende que é necessário criar práticas alternativas de leitura literária na escola e apresenta
três ações comunicativas para a leitura do texto literário:
Introspecção – o leitor ao tomar posse do texto literário, absorve o contexto escrito,
cria empatia e se enxerga nele;
Imagem visiva – a absorção do contexto literário leva o leitor a reconstruí-lo
imageticamente conforme os seus códigos culturais e todo acervo de leituras
anteriormente adquirido;
Interlocução – se configura numa ação que se manifesta no instante em que o leitor
estabelece no âmbito do texto, uma interação crítica e, de pronto, atua com o autor e o
contexto ficcional; o que chamamos de processo triádico, isto é, há uma interlocução
entre a tríade textual: autor/leitor/contexto ficcional (CRUZ, 2012, p. 165).
Essas três ações contribuem para a formação do leitor, cuja efetivação é realizada,
quando há um diálogo entre leitor, texto e contexto, estabelecendo, assim, uma atividade
cultural que leva a leitura a um ato político.
A interlocução, a imagem visiva foram imediatas com esse texto, pois os sujeitos da
pesquisa lembravam o tempo todo do filme e como foi significativo, para os educandos,
perpassar por eventos da vida como religião, terra inóspita, esperteza de algumas pessoas.
Segundo Rouxel (2013b), o texto lido em classe não aparece imediatamente no
discurso dos alunos, aparece mais durante as trocas, quando se estabelece(m) o(s) texto(s) da
classe. Logo, os alunos se aventuraram mais nas intervenções, o que resulta em interpretações
ricas e mais argutas. Nesse movimento da leitura que foi provocado, a reflexão já se faz sobre
o ato léxico, e não mais sobre o texto propriamente dito, pois as competências do leitor
começam a se esboçar. É nesse momento que a sagacidade do professor, que é adquirida com
a experiência, deve ser acionada a fim de não evitar os erros dos alunos, pois são necessários
para o seu aprendizado (ROUXEL, 2013b). Asssim, o professor pode levar o aluno a
77
reconhecer a metalinguagem (personagem, metáfora, trama, termos regionais, significado de
outras palavras).
A partir do momento em que percebemos total envolvimento dos educandos com o
texto, e como alguns alunos citaram o nome do autor, resolvemos falar sobre sua morte por
meio do cordel “A chegada de Ariano Suassuna no céu”, de Klevisson Viana e Mestre Bule-
Bule. Seguem algumas estrofes:
Nos palcos do firmamento
Jesus concebeu um plano
De montar um espetáculo
Para Deus Pai Soberano
E, ao lembrar de um dramaturgo,
Mandou buscar Ariano
Jesus mandou-lhe um convite,
Mas Ariano não leu.
Estava noutro idioma,
Ele num canto esqueceu,
Nem sequer observou
Quem foi que lhe escreveu.
Jesus, já perdendo a calma,
Apelou pra outro suporte.
Para cumprir a missão
Autorizou Dona Morte:
-- Vá buscar o escritor,
Mas vê se não erra o corte!
A morte veio ao País
Como turista estrangeiro,
Achando que o Brasil
Era só Rio de janeiro.
No rastro de Suassuna,
Sobrou pra Ubaldo Ribeiro.
Quando chegou lá no Céu
Com o escritor baiano,
Cristo lhe deu uma bronca:
-- Já foi baldado o meu plano.
Pedi um da Paraíba
E você trouxe um baiano.
João Ubaldo é talentoso,
Porém não escreve tudo.
“Viva o Povo Brasileiro”
É sua obra de estudo,
Mas quero peça de humor,
Que o Céu tá muito sisudo.
A morte colonizada,
Pensando em lhe agradar,
Uma faixa com uma frase
Ele mandou preparar,
Dizendo: “Welcome Ariano”,
Mas ele não quis entrar.
Vendo a tal faixa, Ariano
Ficou muito revoltado.
Começou a passar mal,
Pediu pra ser internado
E a morte foi lhe seguindo
Para ver o resultado.
Eu não sei se Ariano
Morreu de raiva ou de medo.
Que era contra estrangeirismo,
Isso nunca foi segredo.
Certo é que a morte o matou
Sem lhe tocar com um dedo.
Jesus explicou seus planos
De fazer uma companhia
De teatro e ele era
O escritor que queria
Para escrever suas peças,
Enchendo o Céu de alegria.
Na peça de Ariano
Só participa alma pura.
Ariano virou santo,
Corrigiu sua postura,
Lá no Céu ganhou o título
Padroeiro da cultura
(VIANA; BULE-BULE, 2014).
As questões do ouvir, do observar atento estavam atreladas à emoção. Percebíamos
isso nas fisionomias dos alunos e na fala de uma aluna: “É tão difícil falar sobre a morte, mas
dessa forma foi tão comovente e envolvente, que eu não sabia se ria ou não com a morte do
autor do auto da compadecida” (aluna b).
78
Consideramos que as vivências com o cordel pode promover o processo dialético com
a catarse. Para Vigotski, a catarse proporciona a descarga das tensões, das emoções
angustiantes para a transformação de sentimentos. De forma que o cordel lido cumpriu sua
função, provocando uma reação estética por meio da emoção.
Interessante notar como o prazer pela leitura deve ser precedido pela leitura em voz
alta, pois os educandos participaram ativamente do cordel lido, fazendo inferências lógicas e
muitos não sabiam que o autor do Auto da Compadecida já havia falecido.
Assim, a primeira parte da proposta é tornar o cordel desejável, suscitar a emoção e
curiosidade, que deve levar em conta uma pedagogia mais sensível, deixando claro que não
queremos romantizar o ato pedagógico, mas tentar buscar formas de sensibilizar o educando.
3.1.1 A performance em foco
A segunda parte da proposta versa sobre a leitura em voz alta de forma a elucidar a
performance por entender que “a ausência de espaço na escola para a arte de contar e a arte de
ouvir é responsável direta pelo desinteresse da criança e do adolescente pela leitura”
(MARTINS, 2012, p. 148). Sua reflexão coincide com a de Zumthor (2005), ao apontar que a
voz pode aproximar o educador do educando, criando uma empatia propícia ao aprendizado.
Entendemos por poesia esta pulsão do ser na linguagem, que aspira a fazer brotar
séries de palavras que escapam misteriosamente, tanto ao desgaste do tempo, como à
dispersão no espaço: parece que existe no fundo dessa pulsão uma nostalgia da voz
viva. Toda palavra poética aspira a dizer-se, a ser ouvida, a passar por essas vias
corporais que são as mesmas pelas quais se absorvem – e eu volto a isso, porque é
uma analogia profunda – a alimentação, a bebida: como meu pão e digo meu poema,
e você escuta meu poema, da mesma forma que escuta ruídos da natureza. E essas
palavras que minha voz leva entre nós são táteis. Eu insisto na palavra. Quando
falamos cara a cara diante dessa mesa, temos em relação um ao outro um sentimento
muito forte de proximidade, sentimos, percebemos o volume de carne e de vida de
onde emana nossa voz. Quando se trata de uma voz poética, é claro que temos aí
umas das mais altas funções do discurso (ZUMTHOR, 2005, p. 69).
O ouvinte, quando “interpelado”, intervém, tornando-se um dos componentes
fundamentais da poesia vocal. No momento em que fazemos a leitura em voz alta, alguém
escuta, deixando-se captar pela voz do outro e efetivando a função social da voz.
Assim, propomos que o educador faça a primeira leitura em voz alta, como exemplo,
escolhemos o cordel “Maria Bonita: a musa de Lampião”, de Antônio Barreto. Seguem
algumas estrofes:
79
Para fazer um cordel
Nas notas do coração
Eu enviei um email
Para outra dimensão
Destinado a Maria
A musa de Lampião.
Logo veio a permissão
Lá do espaço sideral
Em que Maria Bonita
Em perfeito alto-astral
Respondeu dizendo sim
Dando assim seu aval.
Adorei a sua ideia
De poder cordelizar
Minha vida aí na Terra
De uma forma popular
Pois então fique à vontade
Saiba que vou concordar.
Mil novecentos e onze
Por um anjo enviada
No dia 8 de março
Inicio de sua jornada
Uma data em que a mulher
É na terra consagrada.
Aos 15 anos casou-se
Com neném – o sapateiro
Mas a menina buscava
Um especial parceiro.
Eis que surge Lampião
O seu amor verdadeiro.
A seguir outra missão
Ela pôs o pé na estrada
Deixou tudo para trás
E teve a sorte selada:
Primeira voz feminina
No cangaço incorporada.
Pelo trato respeitoso
Maria se destacava
Distribuia dinheiro
E a muitos ajudava
Sobretudo o povo pobre
Que dela necessitava.
Ao lado de Lampião
8 anos de aventura
Uma mescla de amor
De mistério e de bravura:
A Bahia e Pernambuco
Na mais bela partitura.
Mas não somos tão eternos,
Tudo tem começo e fim
Um dia nos despedimos
Nas asas de um querubim
Pois então Maria Bonita
Foi morar noutro jardim...
Na grota de Angico enfim
Deu-se a batalha final
Em vinte e oito de julho (1938)
Não mais o bem e o mal
Pois Maria e Lampião
Seguiram no mundo astral
(BARRETO, 2010).
Os alunos pareciam bem atentos à leitura, alguns se posicionaram que já ouviram
falar da personagem. É importante ouvir os alunos, conversar sobre seus posicionamentos
perante o texto. Logo, a criação de uma empatia é muito importante na intervenção. “Uma
arte, tomando forma e vida social por meio da voz humana, só tem eficácia caso se estabeleça
uma relação bastante estreita entre: intérprete e auditório: aí está um dado fundamental, que se
prende às estruturas da linguagem humana” (ZUMTHOR, 1993, p. 227-228).
Torna-se pertinente também colocarmos que o professor reflete “quando „olha‟ para o
ensino e observa como ele aconteceu, reconstruindo, reordenando e/ou recapturando os
eventos, as emoções e as realizações – é como se fosse um processo pelo qual um profissional
aprende pela experiência” (PERES, 2010, p. 58). Logo, ao participar da oficina do cordelista
Antônio Barreto, foi possível percebermos que o educando recebeu muito bem o cordel por
meio da utilização de instrumentos musicais. Contudo o professor que não utiliza esses
instrumentos pode levar alguma mídia. Nesse caso específico fizemos uso do vídeo de curta
80
duração “O matuto no cinema”, de Jessier Quirino, a fim de observarmos a musicalidade e a
forma com que um cordelista profissional lê o cordel.
O vídeo era cômico, o que tornou a experiência muito animada. Nas palavras de
Huizinga (2000), o homem não é apenas homo faber, „fabricador de instrumento‟, talvez, no
mesmo nível de Homo sapiens, a expressão Homo ludens merece um lugar em nossa
nomenclatura de destaque, pois a vida também é jogo e diversão. Assim, depois da leitura do
professor e do contato com o vídeo, é hora de solicitarmos que o educando também leia em
voz alta o cordel. Sugerimos, antes de tudo, um movimento de identificação: buscamos os
temas mais próximos, o que mais nos agrada. Nesse viés, sugerimos levar para a sala de aula
vários cordéis de autores diversos, de modo a colocarmos à disposição dos educando para as
devidas escolhas e posterior leitura em voz alta. Essa abordagem preocupa-se com o íntimo
dos alunos, pois é “[...] a partir das leituras subjetivas que se pode negociar significados
compartilhados” (ROUXEL, 2013a, p. 162).
Inicialmente, é natural que eles fiquem receosos em decidir, já que geralmente é o
professor que escolhe os textos que o aluno lerá na sala de aula. As preferências foram
diversas: uma aluna optou por “Água: fonte da vida”, segunda a aluna, ela se lembrou da
escassez da água; outra preferiu o cordel “ABC do HIV”, justificou que tem um conhecido
que tem essa doença; outra preferiu o cordel “Nas ondas da internet”, porque, segundo a
mesma, “todo mundo agora tem que está conectado”. Outros optaram pela temática
etnicorracial: “Zumbi”, “Casa grande e senzala”, “Castro Alves”, de Antônio Barreto.
Os alunos ficaram mais animados para ler por ser um cordel da sua escolha e, assim,
foram lendo ao mesmo tempo em que riam, cada um ia gradativamente aumentando o tom da
voz, à medida que percebia que a turma acompanhava. A leitura em voz alta foi basilar para
chamar a atenção dos demais participantes. Segundo Zumthor (2005):
Quanto à presença, não somente a voz, mas o corpo inteiro está lá, na performance.
O corpo, por sua própria materialidade, socializa a performance, de forma
fundamental. Aliás, a voz exerce no grupo uma função; e esta não é estritamente
interpessoal, como pode ser na conversação. O desejo profundo da voz viva, que
está na origem da poesia, se direciona para a coletividade dos que preenchem o
espaço onde ressoa a voz (ZUMTHOR, 2005, p. 84).
É importante observarmos que, àproporção que o sujeito vai ficando mais solto,
começa a gesticular, a se apropriar da voz com mais firmeza. A espontaneidade expressiva é
tão marcante que se percebe claramente a ligação entre gesto e palavra, denominada de
“verbo-motor” dentro de uma perspectiva performancial (ZUMTHOR, 2005, p. 147). A
81
presença forte do “verbo-motor” na performance é tão marcante que a apropriação do texto
estabelece-se claramente já na leitura em voz alta. Quanto a isso, uma aluna se posiciona: “o
cordel é como ouvir uma música para nossos ouvidos. É uma sensação muito boa. A leitura
em voz alta faz com que as pessoas entendam melhor e ajuda a enriquecer a escrita e a fala,
nos tornando mais cultos” (aluna C).
À medida que os educandos vão lendo, vão percebendo as rimas, o ritmo. Nas palavras
de Huizinga (2000, p. 97), “A ordenação rítmica ou simétrica da linguagem, a acentuação
eficaz pela rima ou pela assonância, o disfarce deliberado do sentido, a construção sutil das
frases, tudo isto poderia consistir-se em outras tantas manifestações do espírito lúdico”.
Dentro desse contexto, Teixeira e Leal (2013) posicionam-se:
[...] pensando a ludicidade como princípio formativo, defendemos a idéia de
que as atividades lúdicas se façam presentes na sala de aula como elementos
estruturantes do processo de ensinar e desencadeadores de aprendizagens
significativas – aquelas em que o ser humano precisa integrar suas
capacidades de pensar, agir e sentir, sem hipertrofiar o que a escola, com
toda sua tradição iluminista, hipertrofiou por séculos --a dimensão
intelectual, em detrimento do sentimento, do saber sensível, da intuição e da ação sobre o mundo
(TEIXEIRA; LEAL, 2013, p. 51).
Quando o educador perceber o envolvimento do aluno com o cordel, passa-se à parte
prática de identificação da parte estrutural do cordel. É preciso esclarecer que um bom cordel
necessita de boas rimas. Quanto ao uso das sextilhas, o segundo, o quarto e o sexto versos
deverão rimar; no caso das septilhas, a rima será com o segundo, quarto e sétimo versos.
Quanto à oração, também é importante dizer que é aquilo que os eruditos denominam de
coerência e coesão, que não pode ser qualquer rima, é preciso haver um encadeamento lógico
da frase, de forma harmoniosa, e tentar explicitar de forma bem rimada a metrificação. O
entendimento das especificidades do cordel ficam bem mais claras quando o educando
vivencia a fruição do cordel, primeiro. Claro que nas vivências seguintes sempre é bom
retomar de forma sempre contextualizada.
3.1.2 A formação crítica do leitor
A terceira etapa dessa proposta é a possibilidade de formar um leitor crítico e
proficiente a partir da literatura de cordel. Entendemos que, a partir da performance e da
reação estética, o leitor seja capaz de uma tomada de consciência. Segundo Schlindwein
82
(2010), a tomada de consciência pela via da sensibilidade estética se trata de uma experiência
particular para cada leitor em formação e também para o professor. E, considerando essa
vivência em particular, isso permitirá ao educando “ampliar a sua atitude crítica em relação
aos valores subjacentes à cultura da qual faz parte, que lhe servem como referência –
constituindo sua ética – muitas vezes de forma implícita e menos consciente”
(SCHINDWEIN, 2010, p. 41). Essa tomada de consciência leva o educando gradativamente à
sua formação como leitor crítico.
Dessa forma, entendemos a leitura como um ato interacional e de compreensão do
mundo, mas então cabe a pergunta: O que se entende por leitor crítico? Para Helena Brandão
e Guaraciaba Michiletti, o leitor crítico
não é apenas um decifrador de sinais, mobiliza seus conhecimentos para dar
coerência às possibilidades do texto;
é cooperativo, já que deve promover uma reconstrução de mundo, a partir das
indicações que o texto lhe oferece;
é produtivo, na medida em que, ao refazer o percurso do autor, transforma-se em
co-enunciador;
é, assim, sujeito do processo de leitura e não objeto (BRANDÃO; MICHILETTI,
1997, p. 18).
Baseando-se nesse perfil, alguns professores podem pensar que não será possível
formar o leitor critíco por meio do cordel. Entretanto, segundo Teresa Colomer (2007), a
presença da leitura e escrita de poesia, que estendemos ao cordel, resulta na evolução do
ensino literário a favor do acesso dessacralizado ao texto e da participação ativa do aluno. “E
constitui, também, um claro exemplo da relação entre o aprendizado literário e linguístico,
entre o ir e vir da leitura à escrita e da escrita à oral, entre o aprendizado em outras esferas do
conhecimento” (COLOMER, 2007, p. 177). É acolher o aspecto lúdico e incidir na
experiência do prazer como motivação para a interpretação da realidade. Nessa perspectiva, o
cordel também pede um leitor politizado. Segundo Gomes:
[...] antes de ser politizado, o leitor deve ser capaz de entender as especificidades do
texto literário. Para esse tipo de leitura que prioriza a questão de „como‟ os
elementos culturais estão representados, o conceito de „leitor estético‟ torna-se
fundamental, pois o texto necessita de uma leitura que interprete os significados
estéticos como sociais e relacione o texto a suas heranças culturais (GOMES, 2010,
p. 31-32).
O autor, ao relacionar o texto a suas heranças culturais, alude ao “leitor cultural” que
interpreta as distintas formas de representação da realidade, descobre a alteridade a partir de
como a identidade dos personagens foi representada esteticamente, emergindo a consciência
83
dos direitos universais da humanidade: o direito à liberdade; o direito das mulheres, das
etnias, da cultura, de orientação sexual; ou de os estrangeiros serem tratados sem
discriminação; o direito de qualquer pessoa ser respeitada em sua diferença.
Nessa perspectiva, o cordel funciona como uma agência de socialização cultural e
cabe ao professor no momento da escolha compatibilizar diferentes critérios de avaliação.
Segundo Colomer (2007), cabe perguntar-se desde quando o tema do qual trata determinado
texto determina sua qualidade artística. Nesse ponto, é preciso considerar o cordel dentro de
suas especificidades, não só escolher pela temática.
No mesma linha, nossa terceira vivência estética foi com o intuito de discutir a questão
de etnia por perceber que na vivência anterior muitos alunos escolheram cordéis que
abordavam essa questão. Mas o professor é livre para fazer suas escolhas mediante
negociações com a turma. Assim, levamos o cordel “Mestre Bimba: capoeira, vida e emoção”,
de Antônio Barreto.
É no século XVI
Que essa arte então decola
Através dos africanos
Que chegavam de Angola
E mais tarde a capoeira
Se transforma numa escola.
Nos engenhos de açúcar
Surge essa tradição
Misturando dança e música
Com muita descontração.
Era assim que os escravos
Buscavam sua proteção.
Essas lutas ocorriam
Dentro do “capoeirão”
Eram terrenos baldios
Ao lado da plantação.
Daí a origem do nome
Capoeira desde então.
Até o ano de trinta(1930)
A prática era proibida
A polícia repressora
Fazia sempre batida
Para afastar os escravos
Dessa arte tão luzida.
Justo em 1900
Na capital da Bahia
Engenho Velho de Brotas
Nosso mestre então nascia
Em 23 de novembro
Para nos dar alegria.
Mestre Bimba muito atento
Bela atitude tomou:
De pronto a Getúlio Vargas
A capoeira mostrou
E o presidente então
No ato se apaixonou!
O Presidente Getúlio
Logo deu o seu aval
Transformando a capoeira
Em esporte nacional
Patrimônio valioso
De tradição cultural.
Quando Bimba aprimorou
O seu grande aprendizado
Ao palácio do governo
O seu método foi levado
A Juracy Magalhães
Que aprovou seu legado
Foi então que Juracy
O interventor baiano
permitiu que Mestre Bimba
Levasse avante o seu plano
De ensinar capoeira
Livre de censura e dano.
Mestre Bimba ganhou fama
No Brasil e além mar
Foi documentado por
Luiz Fernando Goulard
Com um filme que exalta
A obra desseavatar
(BARRETO, 2011, p. 1-8).
84
O movimento dessa vivência se deu por meio de ler, ouvir e sensibilizar os alunos
para com o objeto literário que se deu por meio de falas que contextualizavam o autor e a
obra. Afinal, a obra nasce dentro de um contexto e de uma época. “Quando o receptor é de um
outro tempo histórico e/ou de um outro espaço cultural, pode acontecer que esses elementos
não consigam se organizar no seu espírito a ponto de que um sentido seja constituído
nele”(PINO; NEITZEL; SCHLINDWEIN, 2010, p. 136).
Os alunos desta pesquisa encontraram sentido no cordel pelo fato de se tratar de um
personagem vivido há décadas passadas, mas a atividade esportiva é contemporânea e foi
capaz de gerar sentido e avanços interpretativos. As falas abaixo indicam a responsabilidade
do professor, desde a escolha do cordel até a dinâmica de leitura. Vejamos:
Isso é verdade mesmo, meu avô conta que quando era jovem fazia capoeira, e as
pessoas achavam que ele era malandro, e aprendia na rua com os colegas mais
velhos hoje eu quero aprender, mas é pago; não posso pagar (aluna D).
A atividade de leitura em voz alta ajudou bastante no desenvolvimento das ideias,
imaginação; faz com que as pessoas entendam melhor e ajuda enriquecer a escrita e
a fala nos tornando mais cultos (aluna C).
Parece até que a capoeira era só coisa de negão. Foi bom saber a origem da capoeira
pois não sabia. Aqui a gente só fala de capoeira na semana do folclore ou na semana
da consciência negra (aluna E).
O processo de escuta foi basilar para promover a apreciação e a interação do cordel
por ativar a percepção do sujeito, considerando os aspectos sensíveis. “Ao lidar com a
emoção, a poesia deve permitir ao leitor sentir o mundo de maneiras distintas, seja por meio
do medo, da alegria, da estranheza, da ternura, do desespero, etc.” (PINO; NEITZEL;
SCHLINDWEIN, 2010, p. 129).
Ao despertar emoções, os sujeitos começam a fazer inferências a respeito do cordel. A
interpretação começa a ser construída. Mas, apesar de toda obra estar aberta a significações,
ela tem um sentido que é comum a todo sujeito. É o que Tauveron (2013) explicita como
sendo os “direitos do texto e direitos dos novos leitores”. Nesse sentido, a mediação do
professor é fundamental.
Nessa vivência, em particular, as interpretações dos educandos foram muito
pertinentes, pois, segundo Gomes (1995), a escola pouco fala sobre o caráter de luta que
possui a capoeira e, por desistoricizar a cultura, o educando pouco conhecimento tem da
resistência dos africanos que foram trazidos para cá como escravos e de toda sua história de
luta contra a escravidão.
85
Na sequência, outros alunos fizeram a leitura de outros cordéis com a mesma temática,
a saber: “Discutindo a lei 10.639 na sala de aula”, “Casa grande e senzala”, de Antônio
Barreto, e o cordel “A Resistência Negra”, de Varneci Santos do Nascimento. Essas leituras
foram sempre mediadas com muito diálogo. Dessa forma, entendemos que o uso da voz e da
educação estética pode ser pensado como um instrumento também para tratar a questão da
diversidade racial. Nas palavras de Souza:
[...] o professor, ao atribuir a devida importância à voz de um aluno que se
sente discriminado, pode favorecer a competência deste em relação ao uso
da palavra oral e escrita. Nesses casos, tanto o aluno negro como o não-
negro ganham a oportunidade de, literalmente, tomar a palavra como algo
vivo, ressuscitá-la para o questionamento e a problematização tão
necessários para a vida em sociedade (SOUZA, 2001, p. 180).
A reflexão de Souza nos leva a pensar que esse movimento pode ser a chave para
sustentar o combate da desigualdade social e contribuir para a formação de cidadãos
conscientes e críticos. É dar voz à criança e ao jovem, e o cordel pode estimulá-los cada vez
mais a perceber que o seu discurso faz parte de um contexto sociocultural, de forma a levá-los
a olhar a si próprios e ao outro como “produtor e reprodutor de cultura” (SOUZA, 2001,
p.181). É buscar uma maior sensibilidade para com o mundo em volta.
Para finalizarmos, propomos que a última vivência seja planejada com o intuito de
enfocar as artes visuais. Para tanto, explicitaremos a origem das capas dos cordéis, que era
feita de forma muito artesanal e denominada de xilogravura, e que na atualidade fica a critério
do cordelista, que na sua maioria já recorre aos moldes tecnológicos.
Na sequência, propomos colocar à disposição dos educandos: lápis de cor, tinta, tela,
cartolina e pincel, a fim de produzirem uma capa de cordel ou que pintassem de forma livre o
que mais ficou de significativo para eles depois das vivências. Objetivamos, assim,
possibilitar o exercício da imaginação. “Com efeito, o processo imagético do homem é um
fenômeno subjetivo, algo que faz parte da atividade íntima do sujeito, mesmo se a fonte
geradora de imagens no cérebro humano seja a realidade externa” (PINO, 2006, p. 35). É
interessante notar, através das telas em anexo, que, mesmo com um estímulo externo, é no
íntimo que se busca a imaginação. Uma aluna escreveu:
O cordel é como ouvir uma música para nossos ouvidos. É uma sensação muito boa.
A leitura em voz alta faz com que as pessoas entendam melhor e ajuda a enriquecer
a escrita e a fala, nos tornando mais cultos.
Outra atividade legal foi a pintura da tela, pois explorou o lado artístico de cada um
que fica escondido e até nós mesmos não sabemos que eles existem, como no meu
86
caso que não sabia pintar e no fim o desenho ficou bem legal. Seria bom ter mais
atividades como essa, além de entreter, estamos crescendo e enriquecendo a nossa
vida e conhecimentos (Aluna E).
Temos a certeza de que proporcionar experiências estéticas com o cordel por meio da
socialização da literatura ampliou a construção da atividade leitora e enriqueceu seus
universos culturais. Essa perspectiva em relação à escola conduz a propor as vivências de
literatura de cordel primeiro porque foi demonstrado nos questionários que todos tinham
conhecimento sobre o objeto literário, embora alguns entendessem que não era uma leitura
pertinente na escola.
Nesse sentido, falta ao professor uma vivência reflexiva que lhe permita reconhecer
que o local do cordel é na escola. “A reflexão sobre a prática constitui o questionamento da
prática, e um questionamento efetivo inclui intervenções e mudanças. Para isto há de se ter,
antes de tudo, de algum modo, algo que desperte a problematicidade desta
situação”(GHEDIN, 2002, p. 129), ou seja, o pressuposto para a reflexão é o questionamento
e autoquestionamento. É perceber que as produções culturais produzidas no seu entorno
podem ser levadas para a sala de aula.
87
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que pudemos perceber, nesta pesquisa, é que as práticas de ensino de literatura no
ensino médio são as mesmas há mais de um século, e dentro desse ciclo fica o professor
amarrado aos autores do livro e a alguns manuais didáticos. O ensino de literatura ficou
reduzido à descrição de obras, autores e estilos de época.
No entanto podemos vislumbrar uma saída: considerar o processo reflexivo no ensino
de forma a “proporcionar a si e a toda a educação um caminho metodológico que possibilite a
formação de cidadãos autônomos (GHEDIN, 2002, p. 146). Nesse sentido, a instauração do
processo reflexivo-crítico possibilita a construção de novos horizontes de ação.
Se é possível que a educação do presente seja aquela que propicie, no ensino,
espaços de reflexão crítica criativa, como condição necessária à socialização e à
humanização, ela implica, também, um novo horizonte de compreensão do sentido
da existência humana e de todas as sua relações sociopolíticas. Significa que
precisamos recolocar o lugar das coisas diante de novas perspectivas. Se a
essencialidade do processo educativo situa-se na reflexão, como horizonte de
autocompreensão, a possibilidade da cidadania ocorre na mesma proporção em que
tal processo possa ser instaurado, através do ensino(GHEDIN, 2002, p. 146).
Dessa reflexão, somos induzidos à certeza de que considerar a cultura do educando do
ensino básico é a mola propulsora essencial da educação literária das novas gerações, ao
considerar a reflexão crítica. Os estudiosos já assinalaram que o sentimento de pertencer a
uma “comunidade interpretativa” é uma das diretrizes fundamentais para se chegar a formas
literárias mais densas.
No primeiro capítulo nos centramos, na escola, nos leitores e na cultura do educando,
com o objetivo de valorizar a literatura de cordel por ser conhecida pela comunidade
estudantil. No segundo, entramos na escola com a participação de um cordelista para refletir
sobre a forma pela qual se pode ativar o contato do educando com o cordel.
O simples fato de dar-se conta de que os textos são compartilhados por toda a
comunidade já envolve o leitor em formação, e saber que o lido em classe é conhecido dos
seus pais cria laços entre a escola e as famílias. Isso corresponde à ideia de que se melhora a
autoimagem do educando “sobre sua cultura de origem e permite aos pais, que
frequentemente não dominam o idioma oficial escrito, participarem no processo de
aprendizagem de seus filhos” (COLOMER, 2007, p. 150); e aqui não há dúvida: conhecer
também o autor dos textos que eles estavam lendo foi um encantamento para os educandos.
88
Outro dado que encantou muito os educandos foi o fator instrumental que se
acrescentou ao vocal, pois o poeta fez uso dos instrumentos (pandeiro e gaita). Os educandos
se mostraram muito à vontade com o pandeiro, por ser um instrumento muito conhecido entre
eles, como alguns afirmaram que já experimentaram tocar. A interlocução foi muito ativa, a
qual exprimiam por meio de palmas e risos. “A instrumentação tem um sentido próprio, que
vem se somar aos valores da voz, ao sentido das palavras, no potencial evocativo ou emotivo
da melodia” (ZUMTHOR, 2005, p. 76). Percebíamos que os educandos foram tocados pela
melodia, pelo ritmo dos versos e pelo texto também. No mínimo, o que podemos ressaltar foi
a interlocução, uma recepção facilmente indentificável ao receberem o cordel e a integração à
sua própria tomada de consciência.
Como essa vivência ocorreu no mês de novembro, na semana estavam acontecendo
palestras e atividades diárias sobre a consciência negra. A nossa temática não poderia ser
diferente, e, assim como explicitamos no segundo capítulo, os cordéis versaram sobre a
temática das relações etnicorraciais. De sorte que aludimos, no decorrer da dissertação, à
pertinência de o professor sempre se pautar na leitura cultural, e, assim, o cordelista Antônio
Barreto, por ser também professor, busca sempre fazer a intersecção entre o estético e político
de forma a não só formar leitores, mas parte também da preocupação de como esses leitores
estão sendo formados criticamente.
Segundo Gomes (2012), o leitor passa a ser um coautor dos sentidos dos textos,
podendo intervir a partir do seu campo social. Isso foi percebido claramente no debate em sala
de aula, quando os alunos participaram, trazendo vários posicionamentos favoráveis aos
direitos humanos, nas falas destes percebíamos o quanto era valorizada a alteridade. Era
sempre falando de si e do outro. O conhecimento do preconceito, pela ótica do colonizador,
também potencializou uma análise crítica do estudante. Dois indicadores importantes nessa
vivência foram percebidas: que a performance e a voz do cordelista podem aguçar a
sensibilidade e, consequentemente, a formação do leitor pode se dar por meio do acesso aos
bens culturais.
No terceiro capítulo, propusemos experienciar a literatura de cordel no ensino básico,
sem a presença do cordelista. Nossa intenção principal era demonstrar que o professor,
mesmo não sendo um cordelista, pode também utilizar-se do cordel. Nesse sentido, as
vivências com literatura de cordel cumpriram sua função com os educandos em que a busca
do conhecimento pôde se dar por meio do acesso aos bens culturais. Mas as nossas vivências,
além de estarem engajadas com o contexto buscamos ampliar a capacidade de fruição,
reflexão, percepção, criticidade por meio da voz e da performance.
89
Assim, a nossa proposta é que o primeiro contato seja apenas com a intenção de criar “o
gosto” por essa literatura, alguns relataram o quanto é bom ouvi-la, pois o ritmo, as rimas se
assemelham a uma música. Na segunda etapa da vivência, fizemos a leitura em voz alta e
convidamos os alunos a participaram. Uma das alunas registrou no seu depoimento escrito: “O
cordel nos ajudou muito a entender os assuntos que lemos, ajudou também a nos comunicar com
as pessoas. Quando lemos em voz alta vamos tirando a vergonha e o medo de se soltar” (aluna F).
Buscamos indícios de transformações, sinalizados nos depoimentos dos educandos na
última vivência, e percebemos que a leitura em voz alta do cordel, cuja performance foi
elucidada, possibilitou senti-lo, deixar-se afetar e ter a capacidade de criar significações. “O
efeito vocal dá uma impressão de presença que se impõe, preenchendo um espaço tão material
quanto semântico, em detrimento das impressões de fugacidade de renovação, de duração, que
demarcam nossa percepção no tempo” (ZUMTHOR, 2005, p. 82). Entendemos a voz que
emana da presença de quem está lendo ser tão intensa de forma a atingir os sentidos de quem
ouve a ponto de o efeito temporal ser atenuado.
Por conseguinte, a voz é presença, assim, a performance é presente, que Zumthor
(2005) denomina como um “ato pelo qual um discurso poético é comunicado por meio da voz
e, portanto, percebido pelo ouvido”(ZUMTHOR, 2005, p. 87). A impressão que tivemos com
as vivências foi justamente perceber como o ouvir foi capaz de interpelar o educando a fazer
parte da performance, pois, quando alguém para para ouvir a poesia, começa-se a gerar um
significado, algo é suscitado. Não só os alunos que ouvem são interpelados, mas o que está
lendo também é afetado pela sua própria voz. Zumthor (2005) ilustra que, quando um pastor
canta, sozinho, nos países de montanhas altas, não tem nenhum ouvinte a seu lado. No
entanto, na verdade, ele tem um ouvinte: a própria montanha, cuja beleza o canto exalta.
A transmissão do cordel na nossa vivência supunha a presença física simultânea do
que lia e a do que escutava, o que implicava uma imediaticidade, uma troca muito rápida:
olhares, gestos. O que nos faz pensar que, se fosse apenas a leitura silenciosa do poema, a
leitura se tornaria muda e solitária, por uma ruptura em relação ao corpo, e a presença do aqui
e agora, ou seja, a presença espaço-temporal, é elemento que também auxilia a recepção.
Utilizamos um vídeo de curta duração para demonstrar a recitação de um cordel por
um cordelista profissional. Segundo Zumthor (2005), estamos caminhando para uma
oralidade nova, graças ao audiovisual, aos meios eletrônicos, não se exige mais a presença
física, mas esta permanece unida à visualidade. Assim, as vivências superaram nossas
expectativas, pois os educandos riam muito do vídeo e, depois da leitura feita pela professora,
sentiram-se mais à vontade para também ler seus cordéis.
90
Dessa forma, é perfeitamente possível o professor proporcionar ao educando vivências
com o cordel, é preciso, antes de tudo, refletir criticamente, colocar-se no contexto de uma
ação, na história da situação, participar em uma atividade social e tomar postura ante os
problemas, dirigindo-se à elaboração de processos sistemáticos de crítica para uma
reformulação de sua teoria e sua prática (GHEDIN, 2002).
A partir da reflexão da prática, constituiu-se um questionamento que, para se efetivar,
incluiu intervenções, em que pudemos constatar que o aluno lê, mas o que lhe dá prazer, o que
é conhecido para eles. Assim, com relação à vivência da formação crítica do leitor em que
utilizamos cordéis de cunho social e político, percebemos nas falas dos educandos que a
convivência com o cordel lhes permitiu experimentar, por meio dos sentidos, sentimentos de
estranhamento, alteridade, revolta, tomada de consciência e, mais importante, identificar no
objeto estético a possibilidade de por meio dele construir conhecimento, ou seja, revisamos a
história do negro, abordamos o preconceito racial por meio do cordel, sempre considerando os
posicionamentos dos alunos.
No final das vivências os alunos buscaram, de forma muito consciente e participativa
por meio do fazer artístico e da fruição, elementos que possibilitassem a imaginação e, para
isso, registraram, em forma de desenho, ideias e signos que o exercício da imaginação tinha
propiciado por meio da experiência com o cordel. A atividade proporcionou muita
descontração. Assim, posiciona-se uma aluna: “Adorei a pintura, achei algo super diferente.
Nunca acontece na sala de aula, e todo mundo gosta. Consegui até desenhar a mão livre e
ficou legal. Deveria sempre ter atividades assim” (aluna G).
Dessa colocação transborda a compreensão de que, por meio do caráter lúdico da
literatura, o entendimento do leitor amplia-se para além dos sentidos dos textos. Dessa forma,
sem nenhuma pretensão de impor um método como detentor de verdades ou determinar uma
didática, essa proposta permite traçar alguns indicadores de que a vivência com literatura de
cordel pode transformar a ação docente. Nossa pesquisa tem indicado que o trabalho com o
cordel, por meio da leitura em voz alta e da performance, pode desenvolver o fator estético de
forma a permitir a reação estética, que por sua vez causa o estranhamento. “Ao estranhar a
realidade e percebê-la com mais cautela, o professor se permite ouvir o aluno, de forma que
os limites da intersubjetividade passam a ser mais valorizados” (SCHLINDWEIN, 2010,
p. 46). Por essa linha de pensamento, acreditamos que seja possível formar leitores críticos na
escola, é acreditar que a socialização, o compartilhamento da literatura podem ser início da
ampliação de expectativas do leitor.
91
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99
ANEXO A – Foto das etapas da pesquisa
Foto 1 – Cantando a música Asa Branca, Luiz Gonzaga
Oficina de Antônio Barreto – 27/11/2014
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Foto 2 – Explicação dos elementos que compõem o cordel
Oficina de Antônio Barreto
Fonte: Arquivo pessoal.
100
Foto 3 – Explicitação de versos heptassílabos
Oficina de Antônio Barreto – 27/11/2014
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Foto 4 – Alunos pintando as telas
Oficina de Antônio Barreto – 27/11/2014
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
101
Foto 5 – Telas pintadas pelos alunos
Oficina de Antônio Barreto
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Foto 6 – Exposição dos cordéis para escolha dos alunos na vivência
Vivências de literatura de cordel com a pesquisadora
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
102
Foto 7 – A professora explicando a estrutura do cordel
Vivências de literatura de cordel – 24/11/2015
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
Foto 8 – Alunos pintando as telas
Vivências de literatura de cordel – 26/11/2015
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
103
Foto 9 – Aluna escolhendo o cordel cuja leitura fará em voz alta
Vivências de literatura de cordel – 23/11/2015
Fonte: Arquivo da pesquisadora.
104
Foto 10 – Outra aluna escolhendo os cordéis
Vivências de literatura de cordel – 23/11/2015
Fonte: Arquivo da pesquisadora
105
Foto 11 – Telas pintadas pelos alunos da vivência
Vivências de literatura de cordel – 26/11/2015
Fonte: Arquivo da pesquisadora
107
ANEXO B – Planos das vivências
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL
PÓSCRITICA / DEDC II ALAGOINHAS
PLANO DA VIVÊNCIA
Oficina: A literatura de cordel adentrando a sala de aula - Anexo
Aulas – 01 e 02 Data: 23/11/15
Tema:
Introdução à literatura de cordel
Objetivo:
Sensibilizar através dos cordéis
Perceber que o cordel também configura-se como uma Literatura.
Metodologia:
Depois de um bate-papo, solicitar aos alunos que respondam a um questionário;
exposição participada sobre o cordel;
leitura do cordel: As proezas de João Grilo, João Martins de Athayde e A chegada de Ariano
Suassuna no ceú, de Klevisson Viana e Mestre Bule-Bule.
Recursos:
Xerox, data-show.
Avaliação:
Participação nas reflexões e interação dos discentes durante a aula.
Referência
HAURÉLIO, Marco. Breve História da Literatura de Cordel. São Paulo: Claridade, 2010,
p. 70.
LUYTEN, Joseph Maria. O que é literatura de cordel. São Paulo. Brasiliense. 2007.
MARINHO, Ana Cristina; PINHEIRO, Helder. O cordel no cotidiano escolar. São Paulo:
Cortez, 2012.
MAYA, Ivone da Silva Ramos. O povo de papel: a sátira política na literatura de cordel.
Rio de janeiro: Garamond, 2012.
108
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL
PÓSCRITICA / DEDC II ALAGOINHAS
PLANO DA VIVÊNCIA
Vivência cordelista
Aulas – 03 e 04 Data: 24/11/15
Tema:
Leitura em voz alta dos folhetos de cordel.
Objetivos:
Perceber o ritmo do cordel e as diferentes entonações;
performatizar os cordéis.
Metodologia:
Apresentação de cordéis de vários autores diferentes;
assistir a um filme de curta duração, de Jessier Quirino, O matuto no cinema;
teatralização dos cordéis;
exposição participada sobre a estrutura do cordel.
Recursos:
Xerox, folhetos.
Avaliação:
Trabalhar as entoações de modo adequado ao performatizar.
Referência
Cordéis de Patativa do Assaré, Antônio Barreto, Luzia Sena, Arievaldo Viana e Varneci
Santos do Nascimento.
109
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL
PÓSCRITICA / DEDC II ALAGOINHAS
PLANO DE AULA
Vivência cordelista
Aulas – 05 e 06 Data: 25/11/15
Tema:
Literatura de cordel e as relações etnicorraciais
Objetivo:
Refletir o percurso construtivo da produção da literatura de cordel e a temática etnicorracial.
Metodologia:
Leitura em voz alta dos cordéis que abordam a temática negra e posterior discussão sobre o
tema.
Recursos:
Xerox, data-show, folhetos.
Avaliação:
Participação nas reflexões e interação dos discentes durante a aula;
performance.
Referências:
BARRETO, Antônio. Mestre Bimba: Capoeira, vida e emoção. Edições Akadicadikum.
Salvador: 2011.
BARRETO, Antônio. Discutindo a lei 10.639 na sala de aula. Edições Akadicadikum.
BARRETO, Antônio. Zumbi: Símbolo de Liberdade. Edições Akadicadikum, Salvador: 2008.
NASCIMENTO, Varneci Santos. A resistência Negra. Guarabira, PB: 2006.
110
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL
PÓSCRITICA / DEDC II ALAGOINHAS
PLANO DE AULA
Vivência: a literatura de cordel pelo viés artístico
Aulas – 07 e 08 Data: 26/11/15
Tema:
Pintura de telas: tema livre e sobre as vivências
Objetivos:
Perceber a literatura de cordel como uma produção estética, cultural e artística;
ilustrar livremente as narrativas dos cordéis.
Metodologia:
Discutir sobre a temática dos cordéis;
retratar o que foi vivenciado nas oficinas por meio da vocalidade e da pintura;
responder a uma questão aberta sobre as vivências.
Recursos:
Xerox, folhetos, telas, guache, cartolina, pincel.
Avaliação:
Criar a partir da temática dos cordéis.
Referência
111
ANEXO C – Questionários
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL
PÓSCRITICA / DEDC II ALAGOINHAS
Questionário aplicado aos alunos do 1º ano do ensino médio do Colégio Centro
Territorial do Agreste Baiano
1. Ler para você
a. É importante porque amplia o convívio com outras pessoas;
b. Não é importante porque existem outros meios mais comuns para receber informações
(televisão, internet etc);
c. É importante porque proporciona prazer;
d. Não é importante porque não acrescenta saberes.
2. Você considera que outras atividades poderiam ser usadas para auxiliar o entendimento do
texto, tais como:
a. vídeos;
b. conversa com os autores dos livros;
c. teatralização do texto;
d. leitura em voz alta.
3. Você já ouviu falar em cordel?
a. Não;
b. Sim.
4. Você gostaria de utilizá-lo em sala de aula?
a. Sim;
b. Não;
c. Talvez.
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PÓSCRITICA / DEDC II ALAGOINHAS
Ficha de avaliação das vivências de literatura de cordel
Prezado estudante,
Muito obrigada pela acolhida, receptividade e principalmente disponibilidade. Estarei sempre
à disposição para possíveis esclarecimentos. Hoje, convido você a avaliar o que ficou de
positivo e/ou negativo depois desses nossos encontros.
Deixe sua contribuição!
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ANEXO D – Termo de consentimento livre esclarecido
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL
PÓSCRITICA / DEDC II ALAGOINHAS
Termo de consentimento livre esclarecido
Eu, _______________________________________________aluno(a) do primeiro ano do
ensino médio, do Centro Territorial de Educação profissional do Agreste de Alagoinhas,
autorizo a professora Cláudia Zilmar da Silva Conceição a utilizar minha imagem e produções
referente às oficinas cordelista, ministrada pela mesma, em uma pesquisa de mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural, junto a Universidade do Estado da Bahia,
acerca da formação leitora no ensino médio.
Estou ciente de que as produções serão despersonalizados e minha identidade será mantida em
sigilo.
Alagoinhas, 23 de novembro de 2015.
______________________________________
Assinatura por extenso
Como tenho menos de 18 anos, meu responsável legal também assina o documento.
Eu, _____________________________________________, residente na cidade
de________________, no Estado da_________________, assino a cessão de direitos da
produção do aluno acima identificado, desde que seja preservado o sigilo como manda o
Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, resolução 196/96 versão 2012.
Alagoinhas, ________________________ de 2015.
__________________________________________
Assinatura por extenso
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL
PÓSCRITICA / DEDC II ALAGOINHAS
TERMO DE COMPROMISSO PARA COLETA DE DADOS EM ARQUIVOS
Título do projeto: O local do cordel na escola
Pesquisador responsável: Claudia Zilmar da Silva Conceição
Orientador: Carlos Magno Gomes
Instituição/Departamento: Universidade do Estado da Bahia/DEDC II
Telefones para contato: (75) 999339590 ou 3421 2961
A pesquisadora do projeto acima declara estar ciente das normas, resoluções e leis
brasileiras as quais normatizam a utilização de documentos para coleta de dados identificados
e na impossibilidade de obtenção do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE),
devido a óbitos de informantes assume o compromisso de:
I. Preservar a privacidade dos sujeitos, cujos dados serão coletados;
II. Assegurar que as informações serão utilizadas única e exclusivamente para
execução do projeto em questão;
III. Assegurar que as informações obtidas serão divulgadas de forma anônima, não
sendo usadas iniciais ou quaisquer outras indicações que possam identificar os
sujeitos da pesquisa.
Alagoinhas, 01 de novembro de 2015.
NOME DA EQUIPE EXECUTORA ASSINATURAS
Claudia Zilmar da Silva Conceição
Carlos Magno Gomes (orientador)
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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CRÍTICA CULTURAL
PÓSCRITICA / DEDC II ALAGOINHAS
TERMO DE CONFIDENCIALIDADE
Título do projeto: O local do cordel na escola
Pesquisador responsável: Claudia Zilmar da Silva Conceição
Orientador: Profº.Drº. Carlos Magno Gomes
Instituição/Departamento: Universidade do Estado da Bahia/DEDC II
Local da coleta de dados: Centro de EducaçãoTerritorial do Agreste baiano
A pesquisadora do projeto O local do cordel na escola se compromete a preservar a
privacidade dos sujeitos da pesquisa, cujos dados serão coletados através de questionários,
utilizando gravações, filmagens. A pesquisadora também concorda com a utilização dos dados
única e exclusivamente para a execução do presente projeto. A divulgação das informações só
será realizada de forma anônima e sendo os dados coletados, bem como os Termos de
Consentimento Livre Esclarecido e o termo de compromisso de Coleta mantidos sob a guarda
do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural do Departamento de Educação, Campus
II, da Universidade do Estado da Bahia, por um período de (cinco anos), sob a
responsabilidade do professor Carlos Magno Gomes. Após este período os dados serão
destruídos.
Alagoinhas, 01 de novembro de 2015.
NOME DA EQUIPE EXECUTORA ASSINATURAS
Claudia Zilmar da Silva Conceição
Carlos Magno Gomes (orientador)