o tabaco no rs

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  • 5/24/2018 O Tabaco no RS

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE CINCIAS ECONMICAS

    DEPARTAMENTO DE CINCIAS ECONMICAS

    RENATA DE LACERDA ANTUNES BORGES

    O tabaco no Rio Grande do Sul: anlise da cadeia agroindustrial e dos possveis

    impactos das polticas derivadas da Conveno-Quadro para o Controle do Tabaco

    sobre a economia fumageira

    PORTO ALEGRE - RS2011

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    RENATA DE LACERDA ANTUNES BORGES

    O tabaco no Rio Grande do Sul: anlise da cadeia agroindustrial e dos possveis

    impactos das polticas derivadas da Conveno-Quadro para o Controle do Tabaco

    sobre a economia fumageira

    Trabalho de concluso submetido aoCurso de Graduao em Economia, daFaculdade de Cincias Econmicas daUFRGS, como quesito parcial paraobteno do ttulo de Bacharel emCincias Econmicas.

    Orientador: Prof. Dr. Leonardo Xavier daSilva.

    PORTO ALEGRE - RS2011

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    RENATA DE LACERDA ANTUNES BORGES

    O tabaco no Rio Grande do Sul: anlise da cadeia agroindustrial e dos possveis

    impactos das polticas derivadas da Conveno-Quadro para o Controle do Tabaco

    sobre a economia fumageira

    Trabalho de concluso submetido aoCurso de Graduao em Economia, daFaculdade de Cincias Econmicas daUFRGS, como quesito parcial paraobteno do ttulo de Bacharel emCincias Econmicas.

    Orientador: Prof. Dr. Leonardo Xavier da

    Silva.

    Aprovado em: Porto Alegre, ______ de _____________ de 2011.

    ____________________________________________________Prof. Dr. Leonardo Xavier da SilvaUniversidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

    ____________________________________________________Prof. Dr. Paulo Dabdab WaquilUniversidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

    ____________________________________________________Prof. Dr. Sabino da Silva Porto JniorUniversidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS

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    AGRADECIMENTOS

    Os meus agradecimentos vo para os meus pais, Nelson e Maria, ao meu padrasto,

    Nilo, aos meus irmos, Diogo e Thiago, e ao Luam pelo o amparo, pacincia e amor queme dedicam sempre. Agradeo tambm a minha cadela, Vida, que agenta e compartilha

    todos os dias as variaes do meu humor. No posso deixar de agradecer s minhas

    amigas, Caroline, Cristina e Ktia, pelos anos maravilhosos de convvio e amizade que,

    com certeza, fizeram com que o meu aprendizado fosse muito mais agradvel.

    Tambm gostaria de agradecer ao professor Leonardo Xavier da Silva por todos os

    ensinamentos, cientficos ou no, transmitidos nos dois anos de convivncia, de pesquisa e

    elaborao do trabalho de concluso. Aproveito para agradecer a Pr-Reitoria de Pesquisada UFRGS pelo apoio financeiro durante o perodo que fui bolsista. Agradeo, tambm,

    aos professores Sabino Porto Jr. e Paulo Waquil por aceitarem participar desse momento

    importante da minha formao acadmica.

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    RESUMO

    O objetivo do trabalho analisar a cadeia agroindustrial do tabaco no estado do Rio

    Grande do Sul e os impactos do novo contexto internacional causado pela Conveno-

    Quadro para o Controle do Tabaco sobre a economia do fumo gacha. O trabalho usa

    como metodologia uma reviso bibliogrfica da literatura acerca das cadeias

    agroindustriais e de trabalhos empricos que auxiliam na interpretao histrica do tabaco e

    caracteriza sua atual configurao, alm de analisar possveis efeitos de polticas pblicas

    sobre o produto da cadeia fumageira. Como resultados da anlise, podemos dizer que as

    principais microrregies gachas produtoras do fumo so Santa Cruz do Sul, Pelotas e

    Camaqu; a relao entre os agentes produtivos da cadeia do fumo regido por contratos e

    pelo Sistema Integrado de Produo, o que gera uma situao de dependncia financeira,

    comercial e tecnolgica com as fumageiras; o mercado do fumo oligopsnico;

    predomina as empresas de capital estrangeiro; e a produo brasileira de cigarros

    destinada ao consumo interno enquanto que a produo de folhas in natura tem como

    destino o comrcio externo. Como concluses, os modelos gerados pelas variveis

    crdito, produtores e rea plantadamostram que para que se tenha um bom desempenho

    das polticas de diversificao de culturas necessrio diminuir essas variveis em pelo

    menos 30%, porm os projetos da Embrapa e de Dom Feliciano/RS j em vigor no RioGrande do Sul possuem o potencial de reduzir em, aproximadamente, 2% o volume

    produzido de fumo no Estado.

    Palavras-chaves: Cadeia agroindustrial. Tabaco. Conveno-Quadro para o Controle doTabaco. Rio Grande do Sul. Economia do fumo.

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    ABSTRACT

    The objective of this work is to analyze the tobacco agro industrial chain in the

    state of Rio Grande do Sul and the impacts of the new international context caused by the

    Framework Convention on Tobacco Control on the economics of tobacco in this State. Thepaper uses as methodology a bibliographic review of the literature about the agro industrial

    chains and empirical studies that help the historical interpretation of tobacco and

    characterizes its present configuration, in addition to examining possible effects of public

    policies on the product in the chain. As conclusions, we can say that the main Rio Grande

    do Suls regions that producing tobacco are Santa Cruz do Sul, Pelotas and Camaqua; the

    relationship between the actors of the chain is governed by contracts and the Integrated

    Production System, and that creates a situation of financial and trade dependence with the

    industry of the tobacco; the tobacco market is oligopsonic; predominates the foreign capital

    companies; and the brazilian production of cigarettes is for the domestic consumption

    while the production the tobacco in natura is destined to foreign trade. The models

    generated by the variablescredit, producers and planted areashow that to have a good

    performance of the policies of diversification crops is necessary to reduce these variables

    at least 30%, but the projects from EMBRAPA and Dom Feliciano/RS already in force in

    the state of Rio Grande do Sul have the potential to reduce by, approximately, 2% of the

    volume produced of tobacco in the state.

    Keywords:Agro industrial chain. Tobacco. Framework Convention on Tobacco Control.Rio Grande do Sul. Tobacco economy.

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1:Esquema das operaes de cadeias de produo agroindustrial. .......................... 6

    Figura 2: Emprego de defensivos em culturas selecionadas Brasil 2006 (kg deingrediente ativo por hectare) .............................................................................................. 24

    Figura 3: Distribuio da ocupao fundiria da propriedade rural fumicultora sul-

    brasileira (% da rea total). .................................................................................................. 25

    Figura 4: Mercados compradores do tabaco produzido no sul do Brasil 2010 (% do

    volume total exportado). ...................................................................................................... 34

    Figura 5:Consumo per capita mundial de cigarros2010................................................ 35

    Figura 6:Cadeia Agroindustrial do Tabaco ....................................................................... 37

    Figura 7:Polticas pblicas direcionadas para a Agricultura Familiar que colaboram com o

    Programa Nacional de Diversificao em reas cultivadas com tabaco. ............................ 49

    Grfico1: Evoluo das reas plantadas e colhidas do estado do Rio Grande do Sul1999

    a 2009. ................................................................................................................................. 18

    Grfico 2:Evoluo do nmero de famlias produtoras de fumo no sul do Brasil (1999-

    2010). ................................................................................................................................... 27

    Grfico 3:Correlograma dos resduos ao quadrado do Modelo 5...................................... 82

    Grfico 4:Histograma dos resduos do Modelo 5. ............................................................. 82

    Grfico 5:Plotagem dos resduos do Modelo 5. ................................................................ 83

    Grfico 6:Correlograma dos resduos ao quadrado do Modelo 7...................................... 83

    Grfico 7:Histograma dos resduos do Modelo 7. ............................................................. 83

    Grfico 8: Plotagem dos resduos do Modelo 7. ................................................................ 84

    Grfico 9:Correlograma dos resduos ao quadrado do Modelo 9...................................... 84

    Grfico 10:Histograma dos resduos do Modelo 9. ........................................................... 84

    Grfico 11: Plotagem dos resduos do Modelo 9. .............................................................. 85

    Quadro 1:Tipos de agrotxicos e pragas que controlam. .................................................. 21

    Quadro 2:Agrotxicos liberados para a cultura do fumo no Brasil2005. ..................... 21

    Quadro 3:Principais mquinas e equipamentos utilizados no cultivo de fumo. ............... 23

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1: Produo Agrcola de Santa Cruz em 1864. ....................................................... 15

    Tabela 2:Ranking de 2009 dos dez maiores municpios produtores de fumo, sua produo

    e a microrregio que pertencem........................................................................................... 18

    Tabela 3:Rendimento mdio (kg/ha) da produo de tabaco no Estado do Rio Grande do

    Sul1999 a 2009. ............................................................................................................... 18

    Tabela 4:Produtos qumicos utilizados no cultivo do fumo no municpio de Santa Cruz do

    Sul em 2009 e sua frequncia. ............................................................................................. 22

    Tabela 5:Produo de propriedades fumicultoras no sul do Brasil. .................................. 26

    Tabela 6:Evoluo da produo do tabaco no estado do Rio Grande do Sul2000 a 2009.

    ............................................................................................................................................. 31

    Tabela 7: Produo e Consumo de Cigarros no Brasil - 20072009 ................................ 36

    Tabela 8:Tabela resumo das aes das Partes da CQCT sobre o combate ao tabagismo

    passivo. ................................................................................................................................ 41

    Tabela 9:Ranking dos maiores produtores e exportadores mundiais de tabaco da safra

    2008/2009. ........................................................................................................................... 53

    Tabela 10: Sries temporais completas do volume (t), crdito (capital, em Reais),

    produtores (famlias produtoras) e rea plantada (hectares) de 1985 a 2010. ..................... 65

    Tabela 11:Resultados dos testes bsicos para a validao do modelo de regresso. ........ 68

    Tabela 12: Dados para produtores, rea plantada, capital e volume no ano de 2009;

    simulaes de baixas de 10 a 50% dessas variveis; e os resultados de volume produzido

    gerados pelos modelos 5, 7 e 9. ........................................................................................... 69

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    SUMRIO

    RESUMO

    ABSTRACT

    LISTA DE ILUSTRAES

    LISTA DE TABELAS

    INTRODUO ................................................................................................................... 1

    APRESENTAO E APLICAES DO CONCEITO DE CADEIASAGROINDUSTRIAIS ......................................................................................................... 4

    2.1 Cadeias Agroindustriais .......................................................................................... 42.2 Evidncias empricas de anlise quantitativa de cadeias produtivas da economia...... 7

    A CULTURA DO FUMO ................................................................................................. 10

    3.1 Histrico da produo do fumo ............................................................................ 10

    3.2 Principais regies produtoras de fumo no estado do Rio Grande do Sul (RS) ..... 173.3 Estrutura da cadeia do tabaco brasileira ............................................................... 19

    3.3.1 Fornecedores de fatores e insumos ................................................................ 193.3.2 Fumicultores .................................................................................................. 243.3.3 Indstria fumageira: usinas de beneficiamento ............................................. 283.3.4 Indstria de cigarros ...................................................................................... 323.3.5 Mercado consumidor do tabaco em folha e seus derivados e Importao decigarros ........................................................................................................................33

    CONVENO-QUADRO PARA O CONTROLE DO TABACO ............................... 38

    4.1 Discusses anteriores Conveno-Quadro para o Controle do Tabaco .................. 384.2 Caracterizao e as Aes Pblicas das partes para a introduo dos artigos daConveno-Quadro para o Controle do Tabaco .............................................................. 404.3 Polticas administrativas e legislativas do Brasil para a introduo da CQCT no pas......................................................................................................................................... 45

    POLTICAS DE COMBATE AO TABACO E SEUS IMPACTOS SOBRE ACADEIA DO TABACO .................................................................................................... 48

    5.1 Projetos para Diversificao das reas com tabaco no Rio Grande do Sul .......... 485.2 Situao atual das polticas de diversificao de culturas no Mundo ................... 53

    5.2.1 Argentina ............................................................................................................ 545.2.2 China .............................................................................................................. 555.2.3 Estados Unidos da Amrica ........................................................................... 565.2.4 ndia ............................................................................................................... 575.2.5 Indonsia ........................................................................................................ 595.2.6 Itlia ............................................................................................................... 605.2.7 Malawi ........................................................................................................... 605.2.8 Turquia .......................................................................................................... 615.2.9 Zimbbue ....................................................................................................... 62

    5.3 Possveis impactos da CQCT sobre a produo de tabaco no Rio Grande do Sul:uma abordagem baseada em modelos de regresso......................................................... 63

    5.3.1 Apresentao do modelo de regresso........................................................... 66

    5.3.2 Anlise dos resultados dos modelos de regresso .............................................. 67CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................ 72

    REFERNCIAS ................................................................................................................ 74

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    APNDICE A - Forma matemtica dos doze modelos estimados por MnimosQuadrados atravs do software Eviews 5. ....................................................................... 80

    ANEXO A Correlogramas dos resduos ao quadro, grficos de normalidade eplotagens dos resduos dos modelos 5, 7 e 9 gerados pelo software Eviews 5. ............. 82

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    INTRODUO

    A planta do fumo originria das Amricas e surgiu nos vales orientais da Bolvia.

    Atravs de migraes, difundiu-se chegando, tambm, ao Brasil. Portanto, calcados em

    autores que defendem essa teoria histrica, podemos afirmar que antes mesmo da chegada

    dos colonizadores o fumo j fazia parte do cotidiano dos habitantes nativos do Brasil. A

    propagao do tabaco pelo mundo, segundo Nardi (1996), ocorreu por meio de

    deslocamentos de marinheiros que faziam uso do fumo, tambm houve a propagao com

    o fumo usado como ornamentao em jardins europeus e por crenas de usos medicinais.

    Inicialmente, o cultivo do tabaco era do tipo escuro e as primeiras reas que o

    cultivaram, no Brasil, foram as faixas litorneas dos estados de Pernambuco e Bahia. A

    partir de 1751, essa solancea passou a ser utilizada para o pagamento do comrcio de

    escravos, alm de abastecer o mercado europeu e interno. Com essa evoluo do mercado

    tabaqueiro, comearam a surgir as primeiras fbricas de rap e depois a de charutos e, por

    fim, as indstrias de cigarros que colaboraram com a queda das fbricas de charutos e com

    a ascenso do uso de fumos claros.

    A imigrao alem foi um grande propulsor da atividade fumageira nos estados do

    Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Entre os motivos, est a tradio teuta em

    agriculturas em pequenas reas e de tcnicas mais elaboradas para trabalhar com a terra.Aps 1918, h o incio do Sistema Integrado de Produo (SIP) que, segundo SindiTabaco

    (2011), proporciona vantagens para produtores; como a garantia de venda da produo,

    para empresas; como a garantia do fornecimento; e para clientes, como a qualidade do

    produto garantida.

    A Organizao Mundial da Sade (OMS) preocupada com a expanso do

    tabagismo no mundo comea, em 1970, debates nas suas assembleias sobre esse tema, que

    evoluram para a criao do acordo internacional de combate ao tabaco, a Conveno-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT). Elaborado em 2003, primeiramente, foi

    assinado por 168 pases e, hoje, conta com 172 pases-membros e trata de restries ao

    produto em todas as suas etapas de confeco, nos seus 38 artigos divididos em 11 partes.

    Esses membros so obrigados a enviar relatrios para a OMS relatando suas polticas e

    conquistas no combate ao tabagismo em seus territrios.

    No Brasil, os rgos governamentais j aprovaram leis, decretos, instrues

    normativas e resolues com o objetivo de cumprir com as obrigaes acordadas no textoda conveno. O Ministrio do Desenvolvimento Agrrio (MDA) o grande responsvel

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    pelo cumprimento dos artigos 17 e 18 que se referem, especificamente, produo de

    tabaco em sua fase agrcola. Para isso, criou o Programa de Diversificao de Culturas do

    Fumo, em 2005, que conta com a colaborao de associaes, cooperativas, universidades,

    prefeituras e outros programas do governo federal para cumprir com seus objetivos

    (BRASIL, 2011g).Segundo o World Bank (1999), so cinco os principais fatores que impossibilitam a

    migrao dos produtores da produo de fumo para outra cultura: (1) preo do fumo,

    relativamente, estvel possibilitando maiores condies de planejamento, alm da garantia

    de compra pelas fumageiras; (2) fornecimento gratuito de assistncia e orientaes

    tcnicas; (3) indstria fumageira se posiciona como avalizadora dos produtores junto s

    instituies financeiras; (4) tabaco pouco perecvel se comparado com outros produtos;

    (5) indstria se compromete em transportar e comercializar o fumo. E, para completar,Dorneles (2009) destaca que os produtores so frgeis, descapitalizados e possuem baixa

    qualificao tcnica para bancar essa reconverso sem apoio do governo.

    A cultura do fumo possui grande importncia scio-econmica no Brasil e envolve

    interesses de vrios agentes de produo como: fumicultores, indstria fumageira,

    entidades ligadas sade, entidades ligadas ao setor ambiental e o Governo. A produo

    do fumo, no pas, caracterizada pelo emprego intensivo e elevado valor de produo,

    alm, claro, de ser uma importante fonte de receita para os governos federal e estadual

    (Konzen e Rohr, 1988).

    A atividade fumageira na safra 2009/2010, segundo dados da Afubra (2011) na

    regio sul-brasileira, envolveu 185.160 mil famlias produtoras, sendo 25% destas no

    possuem terra e trabalham em regime de parceira, cultivando uma rea total de 370.830 mil

    hectares que produziu 687.180 mil toneladas de folha de tabaco com produtividade por

    hectare de 1.853 kg (Afubra, 2011). O valor de produo gerado foi de R$ 4.384.208.400 e

    uma renda per capita de R$ 9.630,00. Segundo o Anurio Brasileiro do Tabaco (2010), se a

    rea ocupada pelo tabaco fosse destinada a outras culturas/atividades a renda gerada seria

    de 705 milhes de reais, o que representa R$ 3,7 bilhes inferior obtida com o fumo.

    Nessa ltima safra, o sul do Brasil foi responsvel por 96% da produo nacional e a renda

    do tabaco representou 64% do valor produzido em cada propriedade (Afubra, 2011).

    O Brasil ocupa o segundo lugar no ranking dos maiores produtores de tabaco e o

    primeiro lugar no ranking dos maiores exportadores. Em 2009, foram exportados 672 mil

    toneladas da folha, gerando um valor de US$ FOB 3.020 milhes, que corresponde a 2%

    do total das exportaes brasileiras (Afubra, 2011). Segundo SindiTabaco (2011), os

    motivos que propiciaram essa liderana so: produo de grandes volumes, diversidade nos

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    tipos de tabaco, alta qualidade da folha, integridade do produto, Sistema Integrado de

    Produo, servios diferenciados e regulamentados pela ISO e o mercado domstico.

    A partir desta identificao inicial da cadeia do tabaco e da CQCT, temos como

    objetivo deste trabalho analisar sua estrutura, sua dinmica e os possveis impactos

    provocados pela aplicao de polticas derivadas da conveno sobre a economiatabaqueira, especialmente a gacha. Para isso, o trabalho far uso de uma reviso

    bibliogrfica que auxiliar na descrio e interpretao histrica do tabaco, bem como de

    sua atual configurao, e na compreenso do tratado internacional que vem transformando

    o ambiente desse setor no Pas e internacionalmente.

    A caracterizao da cultura do fumo ser baseada no estudo das cadeias

    agroindustriais, que foi desenvolvido, primeiramente, por Goldberg e Davis (1957). E os

    possveis impactos causados pela introduo das medidas CQCT na cadeia fumageira serocaptados por modelos de regresses mltiplas com dados de rea, produtores e crdito.

    Este trabalho foi dividido em seis partes. Alm desta introduo, a segunda parte

    faz uma reviso terica das cadeias agroindustriais e dos trabalhos empricos que

    analisaram quantitativamente as relaes das cadeias agroindustriais na economia

    utilizando, muitas vezes, metodologias diversas para demonstrar os impactos de suas

    mudanas. No terceiro item apresentado um histrico sobre a cultura do fumo, relatando

    seus antecedentes, delimitao da rea de estudo, que ser o estado do Rio Grande do Sul,

    e uma caracterizao completa das partes que compe a cadeia do tabaco. Na quarta parte

    feito um relato sobre a evoluo dos debates que envolvem o tabagismo na OMS e uma

    caracterizao dos princpios norteadores e artigos do texto da Conveno-Quadro para o

    Controle do Tabaco (CQCT). Na quinta parte sero abordadas as polticas de

    diversificao de culturas introduzidas no Brasil e no Mundo, uma anlise para buscar o

    melhor modelo de regresso mltipla para os dados de sries temporais (volume, capital,

    produtores e rea) e uma simulao de possveis cenrios advindos com as polticas

    brasileiras de diversificao. A sexta parte coloca algumas consideraes finais sobre o

    tema.

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    APRESENTAO E APLICAES DO CONCEITO DE CADEIAS

    AGROINDUSTRIAIS

    Para atender ao propsito da pesquisa, este captulo trata de caracterizar os

    elementos norteadores das cadeias agroindustriais. Aliado a isso, h a descrio deexperincias empricas do uso do conceito de cadeia de produo.

    2.1Cadeias Agroindustriais

    Na anlise cientfica h diferentes configuraes agroindustriais1, porm no

    presente trabalho optou-se por empregar a estrutura analtica baseada nas cadeias

    agroindustriais ou filires. A razo para essa escolha que se pode compreender, a partirdesse conceito, os segmentos envolvidos na produo, transformao e comercializao do

    produto agropecurio, at chegar ao consumidor final (Farina, 1997). Leite (1996) 2apud

    Oashi (1999) diz que o estudo das cadeias produtivas fornece informaes com elementos

    dinmicos aos agentes pblicos e/ou privados na hora da tomada de decises.

    O conceito de cadeias agroindustriais surgiu na Frana e na Inglaterra na dcada de

    1930. Ray Goldberg e John Davis foram os precursores na anlise de filire sob um

    enfoque agroalimentar. Para eles, cadeia agroindustrial seria uma sequncia de operaes

    fsicas, tecnicamente complementares, relacionadas com a produo, distribuio e

    consumo (Zylberstajn, 2000).

    Apesar das discusses j existirem nos Estados Unidos e na Europa, s a partir dos

    anos 1980 o conceito de cadeia produtiva passou a ser discutida nos meios acadmicos,

    empresariais e polticos no Brasil. Os motivos que levaram a essa renovao dos estudos

    do agronegcio nacional podem ser: abertura comercial; desregulamentao de vrias

    cadeias agroindustriais; a importncia da agroindstria na balana comercial; exigncia de

    produtos mais elaborados e qualificados devido concorrncia externa; e exigncia de

    prticas mais eficientes na logstica nacional (Oliveira, 2011).

    Muitos estudos surgiram com o intuito de definir o conceito de cadeias de

    produo, entre eles temos Morvan (1985) 3apud Zylberstajn (2000, p.9):

    1 Configuraes tais como: complexos agroindustrais (CAIs), cluster, supply chain management (SCM),sistemas agroalimentares (SAGs).2

    LEITE, L. et. Al. Estudo da cadeia produtiva como subsdio para pesquisa e desenvolvimento doagronegcio.Fortaleza: EMBRAPA, 1996.3MORVAN, Y. F il ire de production, in fondaments deconomie industrielle econmica.pp. 199-231.1985.

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    Cadeia uma sequncia de operaes que conduzem produode bens. Sua articulao amplamente influenciada pela fronteirade possibilidades ditadas pela tecnologia e definida pelasestratgias dos agentes que buscam a maximizao dos seus lucros.As relaes entre os agentes so de interdependncia oucomplementariedade e so determinadas por foras hierrquicas.

    Em diferentes nveis de anlise a cadeia um sistema, mais oumenos capaz de assegurar sua prpria transformao.

    Alguns pesquisadores do Programa de Estudos dos Negcios do Sistema

    Agroindustrial (PENSA), da Universidade de So Paulo (USP), definem filirecomo uma

    soma de operaes de produo, logstica e de comercializao. Etapas essas necessrias

    para que a matria-prima de base (indstria a montante) se transforme no produto que

    possa ser utilizado pelo consumidor final, seja este um particular ou uma organizao

    (indstria a jusante) (Salto, Figueiredo e Batalha, 1999).O enfoque tradicional de cadeias agroindustrias considera trs subsistemas: de

    produo, de industrializao e de comercializao/consumo. O primeiro engloba o estudo

    da indstria de insumos e produo agropastoril que fornecem a matria prima para que o

    processo de produo avance; o segundo focaliza a transformao agroindustrial do

    produto bruto em produto final destinado ao consumo, estocagem e transporte; o terceiro

    permite o estudo das foras de mercado (distribuio e venda) (Zylberstajn, 2000; Oliveira,

    2011). Os agentes de produo que compem a cadeia produtiva esto ligados por umconjunto de relaes mercantis e no-mercantis que fazem parte de uma estrutura

    organizacional e institucional (Carvalho Jnior, 1995).

    Uma cadeia de produo constituda a partir da identificao do produto final.

    Depois as operaes tcnicas, comerciais e logsticas so definidas de jusante

    (comercializao/consumidor final) a montante (produo de matria-prima/empresas

    agrcolas) (Oliveira, 2011). Abaixo, a figura 1 mostra a lgica de encaminhamento das

    operaes de uma cadeia de produo agroindustrial.

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    Figura 1:Esquema das operaes de cadeias de produo agroindustrial.Fonte:Oliveira, 2011.

    Segundo Oliveira (2011, p.18), a literatura descreve cinco principais utilizaes

    para o conceito de cadeia de produo, so eles: 1. Metodologia de diviso setorial do

    sistema produtivo; 2. Formulao e anlise de polticas pblicas e privadas; 3. Ferramenta

    de descrio tcnico-econmica; 4. Metodologia de anlise da estratgia das firmas; 5.

    Ferramenta de anlise das inovaes tecnolgicas e apoio a tomada de deciso em novas

    tecnologias.

    Para a anlise econmica de indstrias agrcolas e alimentares (IAA), Combris &

    Nefussi (1984) 4citados por Takitane e Souza (1995), avaliam que o conceito de cadeias

    agroindustriais bastante til, pois delimitam trs problemas distintos, a saber: insero da

    agricultura em economias industrializadas, processamento de alimentos e desenvolvimento

    das relaes capitalistas no campo. Devido interdependncia e complementariedade dos

    diferentes nveis da cadeia produtiva, interessante analisar de que maneira e com que

    intensidade modificaes em um estgio podem se propagar em toda a filire. Entre as

    causas dessas possveis perturbaes podem ser mudanas nas quantidades de matrias-

    primas disponveis em decorrncia de motivos de ordem econmica, tecnolgica ou

    poltica (Carvalho Jnior, 1995).

    4 COMBRIS, Pierre; NEFUSSI, J. Leconcept dagro-alimentaire: intret et limites. Economie Rurale. n.160, p. 22-27, mars/avr. 1984.

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    2.2 Evidncias empricas de anlise quantitativa de cadeias produtivas da economia

    A seguir iremos descrever alguns trabalhos empricos que serviram de base e

    inspirao para esse trabalho. Eles buscam explicar os impactos econmicos de um setor

    na economia como um todo ou estabelecer uma relao entre os vrios setores da economia

    seja em mbito regional, nacional ou internacional. Porm, importante salientar que esse

    no o objetivo do presente trabalho, j que vamos explicar como possveis mudanas em

    variveis que influenciam a produo da cadeia do tabaco podem impactar a prpria

    produo fumageira, sem relao com outros setores ou agentes produtivos da economia.

    Outro ponto importante a ser esclarecido, que a descrio terica da Conveno-Quadro

    para o Controle do Tabaco e a caracterizao da cadeia produtiva do tabaco tero captulos

    prprios de discusso e caracterizao.

    Souza (1997) publicou a pesquisa Projeo e regionalizao da matriz de insumo-

    produto: impacto do aumento da produo de gros no RS e no Brasil no ano 2000 que

    tinha como objetivo avaliar qual o impacto que um aumento da produo de gros na

    ordem de 6 e 30 milhes, provocaria no produto e emprego no estado gacho e em mbito

    nacional no ano 2000. Para fazer esse exerccio, o autor utilizou a matriz de insumo-

    produto brasileira e a metodologia de projeo e regionalizao de matrizes. Os impactos

    desses aumentos de produo de gros provocariam na economia brasileira um aumento de

    1,15% do PIB e na economia gacha uma elevao de 7,32%. Porm, o autor ressaltou que

    isso possvel se o governo adotar uma poltica de juros mais baixos e estimular novas

    prticas de manejo do solo. Com esse aumento da gerao de renda, o nvel de vida da

    populao rural melhoraria consideravelmente.

    O estudo de cadeias produtivas foi, tambm, realizado por Colle (1998) no trabalho

    intitulado A cadeia produtiva do trigo no Brasil: contribuio para a gerao de emprego e

    renda. A pesquisa analisou as caractersticas da cadeia produtiva do trigo no pas,

    descrevendo a evoluo da produo, consumo e gerao de emprego e renda. Para mediras relaes inter-setoriais e quantificar o nmero de empregos gerados nessa cadeia

    produtiva foi utilizada a matriz insumo-produto que apontou como resultados a

    necessidade de se ampliar o cultivo do cereal, pois uma atividade que absorve bastante

    mo-de-obra e, portanto, reduz o xito rural (Colle, 1998).

    Fochezatto e Porto Jr., em 1999, publicaram o trabalho A cadeia da economia do

    Vale do Rio Pardo um exerccio de insumo-produto. Essa pesquisa apresenta uma

    anlise da cadeia produtiva do Vale do Rio Pardo no estado do Rio Grande do Sul, que seapresenta pouco diversificada e, portanto, vulnervel a alguns setores da economia, dentre

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    os quais podemos citar a fumicultura. A metodologia adotada foi uma adaptao simples

    da matriz-insumo nacional para o mbito regional. Uma constatao que vai de encontro ao

    que as entidades ligadas indstria do tabaco publicam e baseiam seus argumentos que o

    setor fumageiro no o setor mais dinmico na gerao de emprego e renda da regio,

    ficando atrs de setores como os: metalrgico, madeireiro e de vesturio (Fochezatto ePorto Jr., 1999).

    Podemos citar, tambm, a dissertao O impacto da legislao vigente sobre a

    indstria da erva-mate chimarro na regio do Alto Uruguai, de Santos (2002), que teve

    como objetivo verificar se a legislao vigente era um entrave ou no para o

    funcionamento de dez empresas da cadeia de erva-mate situadas no Alto Uruguai no estado

    do RS. Nesta pesquisa utilizou-se a aplicao de questionrios para essas empresas do setor

    e realizou-se uma pesquisa bibliogrfica, de registros escritos e de relatrios. A conclusoque a autora chega que, para as empresas entrevistadas, a legislao no um empecilho

    para o andamento das firmas, porm como h falta de fiscalizao de seu cumprimento as

    que obedecem ficam em desvantagem competitiva em relao as que negligenciam as

    normas (Santos 2002).

    O trabalho Os impactos dos novos acordos de livre comrcio sobre o mercado de

    arroz no Brasil: um modelo de alocao espacial e temporal, de Alvim (2003), estudou os

    reflexos dos novos acordos de livre comrcio sobre o mercado de arroz em regies

    arrozeiras no Brasil e no Mundo. Para isso, simulou cenrios que estariam sob a influncia

    dos acordos internacionais de livre comrcio com o objetivo de quantificar as variveis

    como: volume produzido e consumido, fluxos de comrcio, preos de equilbrio e

    excedentes do produtor e consumidor. O modelo utilizado foi o de Equilbrio Parcial, pois

    com ele possvel uma compreenso do comportamento do mercado de arroz frente s

    alteraes em termos de polticas comerciais (Alvim, 2003, p. 108). A principal concluso

    que o autor dessa tese chega que a melhor estratgia para os produtores de arroz

    brasileiros se associar ao governo do pas na posio a favor do livre comrcio o que vai

    de encontro s posies defendidas pelas entidades representativas dos produtores de arroz.

    O artigo de Conte e Ferreira Filho (2007), denominado Substituio de fatores

    produtivos na produo de soja no Brasil, teve como objetivo identificar a estrutura da

    demanda de fatores de produo da soja, caracterizar a interdependncia desse mercado e

    analisar as possibilidades de substituio dos recursos no processo produtivo da sojicultura

    nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Gois, Paran e Rio Grande do Sul. A

    metodologia adotada foi a estimao da funo de custo, que estabelece que as

    informaes economicamente relevantes referentes ao processo de produo podem ser

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    obtidas a partir da funo custo (Conte e Ferreira Filho, 2007, p.477), atrav s da forma

    funcional flexvel translog (analisa o custo de produo como funo dos preos dos

    insumos e da quantidade produzida). As principais concluses que o estudo chega so:

    despesas com capital e produtos qumicos representam as maiores parcelas dos custos

    dessa produo, 67%; elasticidades-preos diretas indicam demanda inelstica dos fatores;elasticidades-preos cruzadas mostraram complementaridade entre mo-de-obra e capital;

    as elasticidades de Allen apontaram substituio entre a maior parte dos fatores de

    produo de soja, principalmente entre qumicos e mo-de-obra; e na elasticidade de

    Morishima, capital e mo-de-obra so complementares quando o preo de capital varia e

    substitutos quando varia o preo da mo-de-obra.

    Em 2009, Satolo e Bacchi publicaram o trabalho Dinmica das flutuaes na

    produo de cana-de-acar que tinha como finalidade explicar quais os verdadeirosestmulos que predominam na produo sucroalcooleira no Brasil, porm dando nfase ao

    estado de So Paulo. Os autores fizeram uso da metodologia VEC estrutural, o qual torna

    possvel a estimao dos impactos de choques de oferta e demanda nas variveis do

    modelo. Os principais resultados que a pesquisa encontrou que o aumento de rea

    cultivada com cana-de-acar, em So Paulo, no perodo de interveno estatal no

    explicado por choques de oferta nem de demanda. Aps, esse perodo, ocorreu a

    liberalizao do setor, e para este momento, a pesquisa concluiu que o preo da cana foi a

    varivel que mais explicou o crescimento da produo (choques de oferta).

    Podemos citar, ainda, o trabalho Dficit habitacional e impactos econmicos do

    programa Minha Casa Minha Vida no Rio Grande do Sul, de Drum (2010), que teve

    como objetivo avaliar os impactos diretos, indiretos e induzidos sobre emprego e renda de

    uma possvel reduo do dficit habitacional no RS, provocado pelo programa Minha Casa

    Minha Vida do governo federal. Para alcanar suas metas foi utilizada a metodologia da

    matriz insumo-produto, que possui grande importncia para o planejamento econmico e

    serviu para comparar os impactos dessa poltica no estado gacho (Drum, 2010). Para o

    autor, o setor imobilirio ser o grande propulsor da economia brasileira e comprova que

    quanto maiores os investimentos na rea de habitao, maiores sero os benefcios

    advindos.

    Enfim, os trabalhos descritos acima nos mostram uma gama de possibilidades que

    podem existir para tentarmos explicar a dinmica econmica das cadeias agroindustriais e

    suas ligaes com a economia em geral. Os mesmo contribuem, assim, para a construo

    do mtodo de anlise do objeto abordado no presente trabalho.

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    A CULTURA DO FUMO

    Com o objetivo de entender melhor como funciona e como se comporta a cadeia do

    tabaco optamos, nesse captulo, por realizar um estudo sobre a origem do fumo e descrever

    a relao dos agentes produtivos envolvidos nessa cadeia de produo, desde osfumicultores at os consumidores do produto final os cigarros. Tambm, identificamos

    quais as principais regies produtoras da folha no estado do Rio Grande do Sul.

    3.1Histrico da produo do fumo

    Na literatura, existem dois grupos de autores que especulam sobre qual a origem do

    fumo: o primeiro, composto por Vogt (1997) e Collins e Hawks Jnior (1993), defende aideia de que a planta surgiu no territrio Asteca e Maia; e o segundo acredita que a folha

    originria dos vales orientais dos Andes bolivianos e difundiram-se atravs de migraes

    indgenas, inclusive para o Brasil.

    Esse segundo grupo parece ser o mais convincente e abrangente em relao

    questo de territrio. Como autores que fazem parte dessa corrente, podemos citar: Costa

    (2007), Souza Cruz (2001), Nardi (1996) e Seffrin (1985). Resumindo a linha de raciocnio

    dos autores supracitados, podemos dizer que o fumo uma planta originria das Amricas,provavelmente dos vales orientais aborgines que se espalhou pela Amrica Central e

    depois chegou ao Brasil atravs de migraes indgenas e foi descoberta pelos europeus em

    1492.

    No incio, as principais formas de uso da solancea eram: cachimbo na Amrica do

    Norte ou cigarros feitos de folhas secas enroladas na Amrica Central e na Amrica

    Meridional. No Brasil, o fumo, alm do carter sagrado quando usado nos rituais

    religiosos, tinha uma origem mtica (Silva, 2002) e foi bastante importante para as tribos

    dos tupis-guaranis, sobretudo daqueles grupos que viviam pela costa brasileira que tambm

    os cultivavam (Nardi, 1996). Enfim, podemos dizer que o fumo era parte do cotidiano dos

    habitantes americanos antes mesmo da chegada dos europeus e, portanto, qualquer um

    deles que entrasse em contato com as tribos indgenas descobriria a planta, assim como

    aconteceu com companheiros de Cristovo Colombo quando chegaram a Ilha de Cuba em

    1492 e com Cabral no Brasil em 1500, os quais encontraram ndios cultivando e usando o

    tabaco (Nardi, 1996).

    O incio do cultivo do fumo datado de 1531, no Haiti, realizado pelos espanhis

    com sementes originrias do Mxico, chegou a Cuba em 1580 e depois foi s Guianas e ao

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    Brasil (Silva, 2002). Segundo Collins e Hawks Jnior (1993), os colonizadores espanhis

    desde a sua chegada em solo americano se dedicaram a produo para exportao do

    tabaco ao Velho Mundo e a Holanda seria a principal responsvel pela expanso do tabaco

    para a sia e Oriente Mdio devido ao seu carter de intermediria comercial. Logo, essa

    atividade passou a ser importante para os cofres pblicos dos pases produtores eexportadores, assim como passou a participar decisivamente na balana comercial dessas

    naes (Souza Cruz, 2001).

    Porm, para Nardi (1996), o principal propagador do fumo pelo mundo est ligado

    ao fator social e completa dizendo que o aspecto comercial apenas foi consequncia. Essa

    propagao ocorreu de duas formas: a primeira foi um movimento realizado pelos

    marinheiros e soldados que viajavam pelas rotas das ndias Ocidentais com o fumo nos

    bolsos como forma de ajudar a passar o tempo e descansar; o segundo foi o movimentodirecionado Europa com a finalidade de utilizar a planta para ornamentao e medicina.

    Tambm houve a propagao realizada por Jean Nicot que introduziu o hbito do uso do

    fumo nas cortes francesas e nas naes europeias.

    Para o estudo da Souza Cruz (2001), a expanso mundial do uso do tabaco se deu

    devido ligao entre Portugal e o Brasil. Por volta de 1530, Lus de Gis levou da ento

    colnia sementes da planta que, no momento, acreditava-se que tinha poderes medicinais

    capazes de curar dores de cabea, males do estmago e lceras cancerosas. Com isso, o

    tabaco foi se espalhando da Holanda para: Alemanha, Rssia e toda a sia. Depois se

    espalhou pela Grcia, Hungria e Polnia. E estima-se que em meados do sculo XVII o

    mundo inteiro j havia entrado em contato com o tabaco.

    Os portugueses, no Brasil, conseguiam o fumo, assim como outros produtos

    exticos, dos ndios por meio de permuta durante os trs primeiros quartos do sculo XVI.

    Porm, como os ndios nem sempre estavam dispostos a realizar essa troca, surgiu a

    necessidade de que fossem criadas as primeiras lavouras de tabaco formadas pelos colonos.

    No incio, essa produo seria para o consumo prprio, porm devido ao aumento da

    procura pelo fumo na Europa logo, apareceram compradores para o excedente dessa

    produo.

    No perodo colonial brasileiro, o fumo iniciou-se sendo cultivado na faixa litornea,

    principalmente nas reas que hoje so os estados de Pernambuco e Bahia. O tipo produzido

    era o escuro para a fabricao do rap, dos cigarros e dos charutos e se tornou o segundo

    produto de maior importncia no perodo colonial (Silva, 2002). No princpio, a produo

    era basicamente domstica e s a partir de 1751 que os produtores aumentaram a sua

    capacidade produtiva, assim o fumo passou a ter trs destinos importantes. O primeiro era

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    o comrcio de escravos com a frica (Costa da Mina), no qual eram utilizadas folhas de

    terceira qualidade como moeda de troca, esse comrcio chegou a representar 30% das

    exportaes do tabaco brasileiro no perodo colonial. O segundo destino era para abastecer

    o comrcio europeu, sendo esse o destino da produo de folhas de melhores qualidades; e

    terceiro destinado para o comrcio interno (Souza Cruz, 2001).O estado da Bahia foi o bero da produo fumageira e manteve-se sob liderana

    at o incio da dcada de 1950. No perodo colonial, as reas destinadas no estado baiano

    produo de fumo eram chamadas de Campos da Cachoeira que engloba as regies de

    Cachoeira, Feira de Santana, So Gonalo dos Campos, So Pedro da Muritiba, Outeiro

    Redondo e Santo Estevo do Jacupipe. Eram reas de pequenos povoados e foram

    fundadas no final do sculo XVI (Nardi, 1996). Aps a dcada de 1960, a fumicultura

    baiana entra em declnio, passando para, em 2002, o quinto lugar no ranking da produonacional e para o segundo lugar em importncia na produo nordestina, perdendo para

    Alagoas (Mesquita e Oliveira, 2003).

    No estado de Pernambuco, h relatos de que o fumo era cultivado do rio So

    Francisco at a cidade de Natal, porm com a invaso holandesa essa cultura foi alvo de

    pouca ateno, no se desenvolvendo o tanto que a regio teria como potencial. O estado

    de Minas Gerais, por sua vez, chegou a ser a segunda maior regio fumageira do Brasil,

    responsvel pelo abastecimento do mercado interno, porm foi ultrapassada pela produo

    do estado do Rio de Janeiro que se desenvolveu nas regies de Ilha Grande e Parati e no

    estado de So Paulo na Ilha de So Sebastio (Nardi, 1996).

    As primeiras indstrias fumageiras que surgiram foram as fbricas de rap, logo

    aps o alvar de D. Joo VI liberando a instalao de indstrias no territrio brasileiro em

    1808. Porm, essas fbricas no resistiram introduo de charutos nos mercados e, com

    isso, foram substitudas por fbricas desse novo produto. Em 1842, os alemes de So

    Leopoldo do Sul, que haviam se unido para fabricar charutos, j comercializavam 21,2 mil

    unidades mensais do produto, alcanando altos lucros (Souza Cruz, 2001).

    A produo de cigarros teve incio no sculo XX, nos estados de So Paulo, Rio de

    Janeiro e Rio Grande do Sul, e colaborou com a queda do consumo de charutos e

    consequentemente a falncia de muitas dessas fbricas. As fbricas de cigarros estavam

    divididas em dois processos: as que desfiavam o fumo e as que o beneficiavam para a

    exportao. Em 1880, em Pelotas, j havia uma manufatura de fumo (Souza Cruz, 2001).

    Segundo Afubra (2001), o ano de 1918 pode ser considerado um marco para o tabaco, pois

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    foi quando se instalou a primeira indstria de processamento de fumo no Brasil, assim

    como a instalao de estufas que proporcionaram a introduo dos fumos claros5.

    A vinda de imigrantes alemes para as Amricas pode ser atribuda s questes

    como o processo de desagregao da propriedade feudal, incio da industrializao alem,

    restries religiosas e pssimas condies econmicas e polticas. Os primeiros imigranteschegaram em 1824 para colonizar as terras onde hoje est situada a cidade de So

    Leopoldo e desde o incio os produtores dessa regio j empenhavam-se em plantar

    sementes de fumo de alto padro (Souza Cruz, 2001; Costa, 2007).

    Os objetivos que norteavam a imigrao para o sul do pas eram diferentes daqueles

    do centro do Brasil. Segundo Costa (2007, p. 7), o principal objetivo sulista era

    proporcionar uma sedentarizao, na qual estes pudessem constituir uma agricultura

    voltada para o mercado interno, ocupao provincial, e a formao de uma classe depequenos e mdios proprietrios no ligados, poltica e ideologicamente, aos interesses dos

    grandes estancieiros.

    A colnia de Santa Cruz foi a primeira a ser fundada, em 1850, pelo governo da

    Provncia de So Pedro (hoje Rio Grande do Sul) com os objetivos, segundo Vogt (1997)

    de povoar a recm aberta estrada que ligava a cidade de Rio Pardo com Cruz Alta e

    assegurar que as mercadorias chegassem ao porto de Porto Alegre atravs de Rio Pardo.

    Em 1849, Santa Cruz recebeu a primeira leva de imigrantes alemes, os quais receberam as

    terras situadas na encosta inferior da serra, na depresso central, que tinham, em mdia, 77

    hectares. Aps a Lei de Terras de 1850, os lotes no eram mais doados e sim vendidos,

    tendo o imigrante um prazo de cinco anos para realizar o pagamento da terra e dos

    insumos6que recebiam (Costa, 2007).

    Na microrregio fumicultora de Santa Cruz do Sul, o cultivo do fumo foi

    implantado, primeiramente, na cidade de Santa Cruz do Sul e depois irradiou para as

    colnias de Venncio Aires, Candelria, Sobradinho e Cachoeira (distrito de Agudo)

    (Spies, 2000). Uma questo importante a ser respondida nesse momento : como Santa

    Cruz do Sul tornou-se especializada em fumo?

    Para Vogt (1997) e Costa (2007), iniciou com a questo de no poder concorrer

    com os produtores das regies que possuam portos, estradas, enfim, meios de escoar sua

    produo sem grandes custos j que as culturas produzidas possuam baixo valor agregado,

    condies essas que Santa Cruz do Sul no gozava. Depois tiveram fatores como: cultivo

    5Tipo de fumo utilizado para a produo de cigarros.6Esses insumos eram: sementes, instrumentos de trabalho e dinheiro que recebiam como ajuda de viagem ede custos.

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    do tabaco ser mais rentvel que o cultivo do feijo, do milho, da batata, da banha, entre

    outros; qualidade da folha plantada, que era o Havana, Lngua-de-vaca e Crioulo; e o

    transporte facilitado devido forma simples como se podia acondicionar o produto mesmo

    com condies de estradas no satisfatrias. Apesar de ter havido tentativas anteriores

    fracassadas de plantar fumos claros em solo baiano, s a partir de 1870 que comeou aplantao desse tipo de fumo, como oAmarelinho, importado da China e, em 1920, o fumo

    tipo Virgnia, mas j em solo gacho na cidade de Santa Cruz do Sul (Souza Cruz, 2001).

    Esse fato pode ser explicado por pelo menos dois motivos: condies edafoclimticas e

    tcnicas conhecidas pelos imigrantes.

    Segundo essa mesma fonte, os alemes no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina

    foram os responsveis pelo impulso da transformao da regio sul-brasileira em maior

    produtora de tabaco do pas, pois trouxeram para a regio tcnicas mais elaboradas e tiposde fumos escuros at ento desconhecidas como:flor branca;flor roxa;fumo pinho; entre

    outros. A estrutura das terras em minifndios e a organizao da lavoura e do comrcio so

    outros fatores favorveis que contriburam ainda mais para o desenvolvimento dessa

    cultura. Para Vogt (1997), a cultura do tabaco pode ser considerada como uma das mais

    importantes contribuies dos imigrantes teutos para a economia gacha. Em 1870, o

    tabaco j era o principal produto da economia local de Santa Cruz e j se podia notar sua

    especializao no cultivo do fumo.

    Apesar dessa especializao, a policultura era absolutamente necessria e foi a base

    da riqueza econmica regional, pois ela garantia a subsistncia dos produtores no prprio

    lote, j que muitas das propriedades ficavam isoladas, sem um comrcio prximo e

    precrios meios de transportes (Vogt, 1997). Isso obrigou os colonos criao de uma

    economia de subsistncia que lhes provessem desde alimentos at roupas e utenslios

    (Spies, 2000). E, ao contrrio do que Vogt (1997) afirma, a regio de Santa Cruz do Sul,

    em meados do sculo XIX, ainda era uma regio diversificada. Conforme pode ser visto na

    tabela 1 e pela declarao de Bartholomay (1992) 7ao Conselho Municipal de Santa Cruz

    retirados do trabalho de Spies (2000):

    na agricultura intensiva ou, melhor, na policultura que repousa abase da riqueza econmica de Santa Cruz. No se conhecem aquias grandes lavouras em que so exploradas em larga escala asculturas de um nico produto: nem o permitiria a configuraotopogrfica do solo do municpio, nem recompensa teria o trabalhoem que o machado precisa desbravar os matos como preparo

    preliminar para o amanho das terras. Assim, por fora das

    7BARTHOLOMAY, Gaspar. Mensagem apresentada ao Conselho Municipal de Santa Cruz.Santa Cruzdo Sul: Typographia Lamberts & Riedl, 1922.

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    circunstncias, sendo a agricultura intensiva a nica praticvelproveitosamente no municpio, tambm esse modo de cultiv-latalvez o mais racional e conveniente para o nosso Estado. Comefeito, sendo to instveis as condies climatrias do Rio Grande eno menos variveis as qualidades do seu solo, no j de distrito

    para distrito, mas, muitas vezes, mesmo dentro de distncia

    limitada, esse modo de explorar a agricultura no ser tambm omais racional e remunerador? A prosperidade dos municpioscoloniais como Santa Cruz parece responder pela afirmativa(Bartholomay, 1922, p. 110 apud Spies, 2000).

    Tabela 1: Produo Agrcola de Santa Cruz em 1864.

    Produto Quantidade

    Milho 100.000 alqueiresFeijo 32.000 alqueires

    Batatas 10.000 alqueiresErvilhas 520 alqueiresCevada 290 alqueiresArroz 200 alqueiresTrigo 100 alqueiresCanas 800.000 psFumo 17.300 arrobasAlgodo 20 arrobasleo e linhaa 2.000 medidas

    Fonte:Spies (2000) - retirado do Relatrio apresentado pelo presidente da provncia de So Pedro do RioGrande do Sul, Dr. Espiridio Eloy de Barros Pimentel, na 4 sesso da 11 legislatura da Assemblia

    Provincial. Porto Alegre: Typographia do Correio do Sul, 1864 p.86.

    S a partir de 1860 que se inicia uma economia de mercado na regio de Santa Cruz

    do Sul, devido insero do comrcio e do artesanato. Em 1872, j havia instalaes de

    atividades artesanais como: moinhos, ferrarias, alfaiatarias, sapatarias, engenho de erva,

    fbricas de cordas, de sabo, de velas, de tamancos, de charutos, de tijolos, de aguardente,

    de cerveja e padarias conforme Krause (1994) 8apud Spies (2000).

    Porm, com o surgimento da indstria e do comrcio urbano a fabricao domstica

    foi sendo substituda pelos produtos industrializados que eram de melhor qualidade e de

    menores preos. Com isso, o artesanato dividiu-se em dois ramos: o fornecimento dos

    artigos necessrios vida local e a transformao dos produtos agrcolas para torn-los

    exportveis (Spies, 2000).

    Em 1918, a British American Tobacco (BAT) instalou-se em Santa Cruz do Sul e

    trouxe consigo novas tcnicas de produo tanto na indstria, com inovaes tecnolgicas

    no beneficiamento do fumo, como na produo agrcola, com o uso de adubos e mtodo de

    8 KRAUSE, Silvana. Economia, poltica e religio em Santa Cruz do Sul na Repblica Velha.Dissertao de Mestrado. Porto Alegre: UFRGS, 1991.

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    secagem das folhas em estufa. A partir de 1918, podemos dizer que foi um perodo

    marcado pela concentrao e consolidao da indstria de fumo na regio santa-cruzense e

    implanta-se o Sistema Integrado de Produo (SIP), elemento que hoje levantado como

    um dos principais instrumentos que levaria a produo de fumo ao sucesso (Spies, 2000).

    A produo de fumo cresceu 106%, segundo Vogt (1997), no estado do Rio Grandedo Sul com um aumento de 64,5% da rea cultivada no perodo de 1915 a 1930. Aps esse

    perodo de auge, a fumicultura passou por uma crise que durou 20 anos, no ps - Segunda

    Guerra Mundial, pois o nvel de estoque mundial estava alto o que provocou uma queda

    das exportaes. A partir de 1956, incentivado pelas polticas do presidente Juscelino

    Kubitschek atravs do Plano de Metas, o capital local comea a perder espao para o

    capital internacional no setor fumageiro e a regio, consequentemente, passa a depender do

    capital oligopolista multinacional (Spies, 2000).Por fim, de acordo com Seffrin (1995), na dcada de 1960 j se podia perceber uma

    tendncia a monocultora em Santa Cruz do Sul e um processo de dependncia dessa regio

    e dos produtores ao tabaco. Como resumo dos principais motivos que levaram a

    especializao regional, podemos destacar, de acordo com Spies (2000):

    Poltica de crdito rural: antes de 1965, os produtores se uniam s empresas

    fumageiras para que essas financiassem a produo e a compra dos insumos

    necessrios. Aps 1965 houve a criao do Sistema Nacional de Crdito Rural,

    direcionando 40% do crdito para o custeio da produo fumageira no Rio Grande do

    Sul;

    O preo do fumo superior aos demais produtos agrcolas;

    Garantia de comercializao por parte do produtor de toda a sua produo ao final da

    safra para as empresas fumageiras;

    Assistncia tcnica oferecida pelas empresas aos produtores;

    Melhoria nos meios de transportes;

    Adaptao aos minifndios e utilizao intensiva da mo-de-obra familiar;

    Cobertura contra granizo, vendaval e queima de estufa pelo seguro oferecido pela

    Associao dos Fumicultores do Brasil (Afubra), o que reduz os riscos ao agricultor;

    Entrada de empresas multinacionais, na regio, que trouxeram inovaes no sistema

    de produo, o que provocou melhorias na qualidade e produtividade do fumo

    regional.

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    3.2Principais regies produtoras de fumo no estado do Rio Grande do Sul (RS)

    A Fundao de Economia e Estatstica (FEE) divide o estado do RS em

    Mesorregio, Microrregio e Conselhos Regionais de Desenvolvimento (Coredes), com o

    objetivo de tornar as anlises territoriais mais eficientes. Neste trabalho, optamos peladenominao de microrregies que, segundo a FEE, definida como:

    (...) parte das mesorregies que apresentam especificidades quanto organizao do espao. Essas especificidades referem-se estrutura deproduo, agropecuria, industrial, extrativismo mineral ou pesca. Aorganizao do espao microrregional tambm identificada pela vida derelaes em nvel local, isto , pela interao entre as reas de produo elocais de beneficiamento e pela distribuio de bens e servios deconsumo freqente. Assim, a estrutura da produo para identificao dasmicrorregies considerada em sentido totalizante, envolvendo aproduo propriamente dita, distribuio, troca e consumo, incluindoatividades urbanas e rurais. (FEE DADOS, 2011).

    Dentre as 35 microrregies existentes no Estado, percebemos que a produo do

    fumo est presente em todas. Porm, prioritariamente em 10 delas, que so: Cachoeira do

    Sul, Camaqu, Frederico Westphalen, Guapor, Lajeado-Estrela, Pelotas, Restinga Seca,

    So Jernimo, Soledade e Santa Cruz do Sul. Essas regies produzem, desde 1999, cerca

    de 90% da produo fumageira total do estado.

    A quantidade produzida de fumo, segundo a FEE (2011), no estado, em 2009, foi

    de 443.813 mil toneladas. A microrregio de Santa Cruz do Sul a que possui maior

    importncia na produo dessa cultura, seguida por Camaqu e Pelotas. As trs regies

    citadas foram responsveis por 56,08% de toda a produo da folha do estado em 2009.

    Os municpios que mais se destacaram nos ltimos dez anos so: Agudo, Arroio do

    Tigre, Camaqu, Candelria, Canguu, Dom Feliciano, Santa Cruz do Sul, Vale do Sol,

    Venncio Aires. A tabela 2 mostra os dez maiores municpios produtores, a quantidade

    produzida por eles e a microrregio que pertencem:

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    Tabela 2:Ranking de 2009 dos dez maiores municpios produtores de fumo, sua produoe a microrregio que pertencem.

    Municpios Qtd. Produzida (t) Microrregio

    Venncio Aires 25.200 Santa Cruz do Sul

    So Loureno do Sul 19.550 PelotasCandelria 19.360 Santa Cruz do Sul

    Camaqu 17.600 Camaqu

    Canguu 17.255 Pelotas

    Santa Cruz do Sul 16.673 Santa Cruz do Sul

    Vale do Sol 14.575 Santa Cruz do Sul

    Dom Feliciano 13.595 Camaqu

    Arroio do Tigre 13.338 Santa Cruz do Sul

    Agudo 12.050 Restinga Seca

    Fonte:Elaborada pela autora a partir de FEE DADOS (2011).

    A partir da listagem acima, podemos perceber que os municpios pertencentes

    microrregio de Santa Cruz do Sul produzem 20,09% do total do estado gacho e Pelotas e

    Camaqu, com duas cada, produzem, juntas, 15,32% do total.

    A tabela 3 ilustra os valores dos rendimentos mdios e o grfico 1 mostra a

    evoluo das reas plantadas e colhidas:

    Tabela 3:Rendimento mdio (kg/ha) da produo de tabaco no Estado do Rio Grande doSul1999 a 2009.1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

    Rendimentomdio (kg/ha) 2.020 2.029 2.008 2.066 1.642 2.110 1.780 1.945 2.060 2.066 2.008

    Fonte:FEE DADOS (2011).

    Grfico1: Evoluo das reas plantadas e colhidas do estado do Rio Grande do Sul1999

    a 2009.Fonte:FEE DADOS (2011).

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    Em relao s reas plantadas e colhidas, percebemos, a partir da tabela e do

    grfico acima, que houve uma tendncia de crescimento at atingir o pico em 2006, a partir

    da houve quedas sucessivas at 2008. Em 2009, as duas variveis tiveram um sensvel

    aumento. Porm, ao pegarmos a varivel rendimento mdio (kg/ha) de 2006 a 2008percebemos um movimento contrrio, pois em 2008 foi alcanado o valor mximo do

    perodo analisado, o que nos mostra um alto aproveitamento das terras cultivadas pelo

    tabaco.

    3.3Estrutura da cadeia do tabaco brasileira

    Nesse momento, iremos descrever a cadeia do tabaco, pois para entender melhor asua dinmica necessrio compreender como se relacionam e interagem os agentes

    produtivos nela envolvidos. O primeiro agente a ser descrito ser os fornecedores de

    fatores e insumos, depois passaremos para os fumicultores e usinas de beneficiamento.

    Aps, falaremos sobre a indstria de cigarros e em seguida a exportao da folha in natura

    e a importao de cigarros; e, para finalizar, falaremos sobre logstica de distribuio e

    comercializao do produto final (cigarro) at ao mercado consumidor.

    3.3.1 Fornecedores de fatores e insumos

    A cadeia do tabaco acontece de forma integrada, atravs do chamado SIP, que

    apontado como o principal responsvel pelo sucesso, bom desempenho e crescimento do

    setor fumageiro no Brasil e no Mundo. Essa integrao acontece atravs de relaes

    financeiras, de produo e compra/venda, sendo os contratos o principal meio de ligao.

    Suas relaes so regidas por contratos estabelecidos entre as partes e esto presentes em

    todas as etapas de produo da referida cadeia de produo.

    Como primeira evidncia da forma integrada de composio da cadeia produtiva do

    tabaco est o capital financeiro. A integrao empresa-produtor acontece na pr-safra, no

    qual feito um financiamento para bancar os custos de fornecimento de mudas, sementes,

    adubos, corretivos e equipamentos necessrios a produo do fumo. Esses insumos so

    fornecidos e definidos pelas grandes empresas integradoras e os emprstimos so feitos

    juntos s instituies bancrias, como Banco do Brasil, por influncia e intermdio das

    companhias fumageiras que avalizam o financiamento obtido pelos produtores agrcolas.

    Conforme descrito por Silva (2002), o contrato de financiamento entre o fumicultor e o

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    banco realizado pelos orientadores agrcolas, agentes produtivos vinculados indstria

    do tabaco que, entre outras atribuies9, cuidam da parte burocrtica do pedido de recursos.

    A contrapartida que os agricultores, na prtica, acabam por perder o poder de

    gerenciar os recursos obtidos nos bancos, algo feito pelas fumageiras, pois esse

    financiamento no chega ao fumicultor, indo direto as empresas, por conta dos insumosfornecidos e pagamento do seguro feito junto Afubra contra eventos da natureza.

    Segundo Silva (2002), as empresas fumageiras planejam a produo total do

    complexo ao controlar o tipo e a quantidade de insumos recebidos e utilizados pelos

    fumicultores, sendo esses certificados e direcionados ao uso na fumicultura, o que gera

    uma especializao das atividades da cadeia fumageira. A justificativa usada para esse

    controle a necessidade de manter o padro tecnolgico e a qualidade final da folha

    (Vargas, Santos Filho, Alievi, 1999). Porm, o que se pode notar que dessa forma afumageira consegue controlar a oferta do produto e, tambm, manter seus preos em

    patamares que lhe assegurem vultosos lucros.

    Esses insumos, que so escolhidos de acordo com as especificidades das terras e

    caractersticas definidas pelo interesse comercial da fumageira, podem ser comprados da

    indstria de insumo que pertencem a terceiros ou de capital prprio. Como exemplos de

    empresas fumageiras que tambm so proprietrias de indstria de insumos, temos: a

    Phillip Morris do Brasil S/A que dona da PROFIGEN, uma empresa especializada em

    gentica e na produo de sementes do tabaco (Anurio Brasileiro do Tabaco, 2009); e a

    Souza Cruz que possui um Centro de Melhoramento de Fumo (CMF), em Rio Negro (PR),

    onde desenvolve novas variedades de fumo e busca melhorar a qualidade, produtividade e

    resistncia a pragas e doenas (Souza Cruz, 2011). Essa relao empresa-indstria de

    insumo tambm outra evidncia da forma integrada que trabalha a cadeia do tabaco.

    O uso dos agrotxicos acontece em todas as etapas do processo de cultivo do fumo.

    O mtodo mais utilizado para cultivar o tabaco o sistema floating(fluente), no qual as

    sementes so semeadas em bandejas de poliestireno e colocadas em uma espcie de piscina

    de lona, ficando todo o perodo na gua, onde so aplicados os agrotxicos. Depois do

    crescimento das mudas, elas so transplantadas para a terra, solo este que preparado com

    adubao, qumica, esterco e mais uma aplicao de defensivos agrcolas, que so

    utilizados com o objetivo de inibir o crescimento de ervas daninhas, as quais podem

    prejudicar ou diminuir o bom desenvolvimento das folhas de tabaco. Durante o

    crescimento dos ps de fumo efetuada a capina e mais uma aplicao de agrotxicos,

    agora com a finalidade de deixar a terra sem matos o que diminui o trabalho de uma nova

    9Tipo de vnculo: empregatcio. Sobre essas outras atribuies, ver Silva (2002).

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    limpeza. Aps a poda, que a quebra das flores e dos brotos necessria para que as folhas

    cresam e fiquem grossas, aplicado um herbicida, para evitar que novos brotos e flores se

    desenvolvam nas plantas (Troian et alii, 2009). Nesse momento, um insumo largamente

    utilizado o salitre do Chile ou nitrato de potssio (Silva, 2002). O quadro 1 mostra quais

    os agrotxicos que so utilizados na plantao do fumo e as pragas que combatem:

    Agrotxicos Pragas Agrotxicos Pragas

    Acaricidas caros HerbicidasErvas

    daninhasAvicidas Aves Inseticidas Insetos

    Bactericidas Bactrias Larvicidas LarvasCarrapaticidas Carrapatos Molusquicidas MoluscosColumbicidas Pombos Nematicidas VermesCupinicidas Cupins Piolhicidas PiolhosFormicidas Formigas Predacidas Vertebrados

    Fungicidas Fungos Purguicidas Pulgas

    Quadro 1:Tipos de agrotxicos e pragas que controlam.

    Fonte:Heemann (2009) adaptado a partir de Almeida (1995).

    Abaixo, o Quadro 2 especifica quais so os defensivos agrcolas utilizados nas

    lavouras de fumo, caracterizados por seus nomes comerciais, sua toxidade, sustncia ativa

    e seus respectivos fabricantes:

    Marca Comercial Substncia Ativa Toxicidade Fabricante

    Acefato Fersol 750 SP Acefato IV Fersol Indstria e Comrcio Ltda.

    Cefanol Acefato III Sipcam Agro S.A.

    Dimetoato CE Dimetoato I Milenia Agro Cincias S.A.

    Doser Clorpirifos II DowElanco

    Lorsban 480 BR Clorpirifos II Basf S.A.

    Mentox 600 CE Paration metlico I Fersol/Prentiss Qumica Ltda.

    Nufos 480 CE Clorpirifos III Cheminova Brasil Ltda.

    Orthene 750 BR Acefato IV Hokko/Arysta Life ScienceDiafuran 50 Carbofuran I Hokko/Arysta Life Science

    Furadan 350 SC Carbofuran I FMC Agricultural Products

    Furadan 50 G Carbofuran I FMC Agricultural Products

    Marshal 50 G Carbofuran III FMC Agricultural Products

    Ralzer 50 GR Carbofuran I Fersol Indstria e Comrcio Ltda.

    Sevin 480 SC Carbaryl II Rhodia-Agro S.A.

    Sevin 850 PM Carbaryl II Rhodia-Agro S.A.

    Lebaycid 500 Fenthion II Bayer S.A.

    Quadro 2:Agrotxicos liberados para a cultura do fumo no Brasil2005.Fonte:Elaborado por Carvalho Jnior, Binotto e Pereira(2005), a partir de DESER (2005).

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    Nota: A toxidade dos agrotxicos, conforme nomenclatura utilizada na tabela acima classifica em quatro classes: (I) extremamente txico; (II) altamente txico; (III)mediamente txico; e (IV) muito pouco txico (Carvalho Jnior, Binotto e Pereira, 2005).

    Uma informao importante, captada a partir desse quadro, a predominncia de

    empresas multinacionais no fornecimento de agrotxicos. Diante desta conjuntura, infere-se que, primeiro, h uma relao contratual entre as companhias fumageiras, que

    encontram empresas fornecedoras de insumos agrcolas de perfil similar, ou seja,

    aliceradas em capital multinacional. A Matriz Insumo-Produto do Vale do Rio Pardo

    (RS), de 1996, mostra que 54,43% dos insumos utilizados pelo setor fumageiro so

    importados. Segundo Spies (2000), a internalizao da produo destes insumos na Regio

    seria invivel dado que o setor exige altos investimentos iniciais e a escala de produo

    seria incompatvel com a demanda regional.Outras empresas fornecedoras de insumos so: Basf (plstico), Klabin (substrato),

    Potabrasil (sulfato de potssio), Serrana (fertilizantes), SQM (fertilizante), Adubos Trevo,

    EPS (bandejas) (Silva, 2002).

    A tabela 4 indica quais so os produtos qumicos utilizados no cultivo do tabaco no

    municpio de Santa Cruz do Sul e sua freqncia, de acordo com uma pesquisa de campo

    realizada por Heemann (2009).

    Tabela 4:Produtos qumicos utilizados no cultivo do fumo no municpio de Santa Cruzdo Sul em 2009 e sua frequncia.

    Produtos qumicos Frequncia

    Adubo 100,00%Uria 100,00%Calcrio 100,00%Herbicida Gamit 97,12%Inseticida - Orthene 81,73%Herbicida Boral 54,81%Herbicida Roundup 53,85%Inseticida - Confidor 53,85%Inseticida Actara 22,12%Inseticida Decis 12,50%Inseticida Karate 28,80%Inseticida - Lorsban 19,20%Fungicida Rovral 19,20%Fungicida - Antracol 9,60%Fungicida - Ridomil 9,60%

    Fonte:Heemann (2009).

    Os ativos utilizados na produo do fumo so, basicamente, os mesmos em todas as

    unidades produtivas e, na sua maioria, so considerados altamente especficos, o que

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    acarretaria altos custos de transao caso houvesse uma quebra contratual. Como exemplo

    de alguns destes ativos temos: as estufas, que constituem um alto investimento e tm como

    nica finalidade a curagem e secagem do fumo em folha; as sementes (Virgnia e Burley),

    especficas para o cultivo do fumo, no tendo outras aplicaes; as tecedeiras, que servem

    para atar o fumo antes de coloc-lo para secar nas estufas, que no possuem outras funesfora da cultura do fumo; entre outros (Barrero et alii, 2003). No quadro 3, esto as

    principais mquinas e os equipamentos utilizados no cultivo do fumo:

    Adubadeira ManualAleirador (trao animal)Aleirador (trao mecnica)AradoBalana mecnica 100 kgBandeja semeadora de fumo

    Bandejas isopor para mudasCarreto (puxado por trator)CarroaEnxadaFoiceGrade (18 discos - trao mecnica)Grade de trao animalPlantadeira ManualPrensa para fumoPulverizador 200 litros (traomecnica/animal)Pulverizador costal 5 litrosPulverizador costal 10 litrosPulverizador costal 20 litrosPulverizador manual (a gasolina)Rolo-faca (trao animal)TratorTecedeira com esteiraTecedeira de duas varas

    Quadro 3:Principais mquinas e equipamentos utilizados no cultivo de fumo.

    Fonte:Heemann (2009).

    O estudo de Troian et alii (2009) mostra que a maioria dos produtores agrcolas

    pesquisados considerava o uso de agrotxicos benfico e necessrio para a produo da

    solancea, pois alm de aumentar a produtividade poupa mo-de-obra. Portanto, os autores

    concluem que a questo do dinheiro aparece em primeiro lugar na escala de valores dos

    fumicultores entrevistados, em detrimento da sade.

    Como resultado de presses exercidas pela sociedade atravs de campanhas

    antitabagistas, que exaltam os j comprovados malefcios do cigarro provocados aos seus

    usurios, aos chamados fumantes passivos e, tambm, aos produtores de fumo, a

    indstria do tabaco vem reduzindo os nveis de toxidade do cultivo da folha. O Anurio

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    Brasileiro do Tabaco (2009) considerou o fumo a cultura comercial que menos consome

    agrotxicos no Brasil. A figura 2 ilustra a posio do tabaco no ranking do uso de

    defensivos agrcolas, por parte de culturas ditas comerciais:

    Figura 2: Emprego de defensivos em culturas selecionadas Brasil 2006 (kg deingrediente ativo por hectare)

    Fonte:SindiTabaco (2011).

    Os dados expressam que a cultura da ma a que mais usa defensivos agrcolas. A

    queda no uso dos agrotxicos (ou, ingredientes ativos), caiu, na cultura do tabaco, de 6,6

    kg/ha, em 1990, para 1,3 kg/ha, na safra 2008/09. Porm, importante salientar que h

    outras culturas comerciais no listadas pela figura e, tambm, no h uma descrio sobrequal os tipos de ingredientes ativos usados, se so mais ou menos txicos que os demais.

    Enfim, diante da descrio feita percebemos uma sincronia entre as empresas

    fumageiras e o fornecimento de insumos de acordo com o referencial tecnolgico proposto

    por elas para alcanar seus objetivos de mercado, como o controle da quantidade produzida

    e consequentemente estoques e preos.

    3.3.2 Fumicultores

    A caracterstica do fumicultor da regio sul do Brasil de possuir pequena

    propriedade e, em sua maioria, de origem alem, conforme j vimos anteriormente. As

    regies de ocupao teuta que se destacaram na especializao do cultivo e manufatura do

    fumo em folha foi Santa Cruz do Sul (RS), que ganhou o ttulo de capital do fumo (Vogt,

    1997). Quando a indstria fumageira adere ao modo de produo capitalista ocorre

    melhoria na qualidade da folha e, portanto, gera um aumento da demanda pelo fumo. Esse

    processo provoca a necessidade de se ampliar as reas destinadas ao plantio do tabaco em

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    detrimento quelas ocupadas pelos produtos de subsistncia do produtor e sua famlia

    (Spies, 2000).

    A figura 3 descreve a diviso da propriedade do produtor, que, na safra de

    2009/2010, tinha tamanho mdio de 16,3 hectares sendo 2,69 hectares, ou 16,5% da rea,

    utilizados para o cultivo da folha no sul do Brasil (SindiTabaco, 2011).

    Figura 3: Distribuio da ocupao fundiria da propriedade rural fumicultora sul-brasileira (% da rea total).

    Fonte:SindiTabaco (2011).

    Ao comparar com os dados da safra 2008/2009, vimos que houve um aumento nas

    reas destinadas ao cultivo do tabaco, de mata nativa e de mata reflorestada e diminuio

    das reas: de audes e reas de descanso; de pastagens; de cultivos de outras culturas e de

    milho. Essa ltima, principalmente, mostra a especificidade da produo e a situao de

    dependncia do fumicultor para com a cultura do tabaco. A tabela 5 detalha a produo de

    uma propriedade fumicultora do sul do pas:

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    Tabela 5:Produo de propriedades fumicultoras no sul do Brasil.

    CULTURA HECTARES PLANTADOS %PRODUO (kg) VALOR (R$)

    Arroz 0,16 1,0 990 554,00

    Batatinha 0,04 0,3 251 341,00

    Cebola 0,02 0,1 146 150,00

    Feijo 0,39 2,4 616 832,00

    Tabaco 2,68 16,5 4.974 31.734,00

    Horti-frutigranjeiros 0,13 0,8 1.077 646,00

    Mandioca 0,08 0,5 2.003 901,00

    Milho 3,01 18,5 14.529 4.068,00

    Soja 0,45 2,8 1.097 625,00Outras 0,14 0,8 1.087 652,00

    Audes 0,15 0,9 - -

    rea em descanso 1,03 6,3 - -

    Mata Nativa 2,61 16,0 - -

    Mata reflorestada 1,68 10,3 - -

    Pastagens 3,72 22,8 - -

    SUB-TOTAL 16,3 100 20.770 40.503,00

    CRIAES Kg R$

    Aves, bovinos, sunos, peixes, etc. 8.300 8.788,00

    TOTAL GERAL 35.070 49.291,00

    Fonte:Afubra (2011).

    Inferindo da tabela acima podemos confirmar a nossa hiptese de que h uma alta

    dependncia a monocultura do fumo, essa agricultura se configura como a principal fonte

    de renda dos fumicultores, pois responsvel por 64,38% do valor total produzido em uma

    propriedade mdia de 16,3 hectares, enquanto que as demais culturas e atividades, quando

    produzidos excedentes, respondem pelos outros 35,62%.De acordo com dados do SindiTabaco (2011), podemos ver que o nmero de

    famlias produtoras vem seguindo uma tendncia positiva, nos ltimos 40 anos, saindo de

    94.840, em 1980, para 185.160 na safra 2009/2010. Em 2006, atingiu-se o pico, chegou a

    196.952 o nmero de famlias produtoras, nos dois anos posteriores houve uma ligeira

    queda e nos ltimos dois anos houve uma oscilao entre queda e subida, conforme mostra

    o grfico 2. Esse auge do nmero de famlias produtoras envolvidas na cultura pode ser

    entendido como resultado da expanso que o setor fumageiro estava passando no perodo

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    sendo os principais motivos o sucesso do SIP e tambm a avanos tecnolgicos (Anurio

    Brasileiro do Tabaco, 2007).

    Grfico 2:Evoluo do nmero de famlias produtoras de fumo no sul do Brasil (1999-

    2010).Fonte:Elaborado pela prpria autora a partir de SindiTabaco (2011).

    A mo-de-obra utilizada na produo do fumo, no sul do Brasil, tem por tradio

    ser de origem familiar, o tamanho mdio de uma famlia produtora de 4,7 membros,

    sendo que 2,9 trabalham na produo de fumo; 0,9 so independentes; e 0,9 so menores

    (crianas e colegiais). Na safra 2009/2010, a renda per capita/famlia foi de R$ 9.630,00 e

    totalizou 1.251.640 pessoas que dependem do tabaco. Sendo que dessas 648.270 so

    adultos que trabalham na lavoura do tabaco e 402.370 de pessoas contratadas para

    empregos sazonais, principalmente durante a colheita do fumo (Afubra, 2011).

    Dados da ltima safra mostram que a cultura do tabaco est presente em 719

    municpios na regio sul do Brasil, envolvendo 138.150 propriedades que produziram

    687.180 toneladas de fumo. Como j vimos, houve perda na produtividade por hectare em

    relao safra de 2008/2009, porm no houve diminuio na renda per capita, pois o

    preo mdio do tabaco aumentou de R$ 5,90 para R$ 6,34 (Afubra, 2011).

    A relao de compra e venda entre os fumicultores e as empresas fumageiras

    tambm regida pelo SIP e outra forma de integrao entre os elos produtivos da cadeia

    do tabaco. A relao acontece atravs de um contrato entre as partes, no qual a empresa se

    compromete em comprar toda a produo daquela safra e o produtor se compromete em

    vender somente para ela. Diante desse quadro, podemos perceber que esse tipo de contrato

    gera pouco oportunismo por parte dos agricultores em infligirem as regras contratadas,

    pois gerar mais malefcios do que benefcios.

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    Para concluir, segundo Buainain et alli10apud Souza (2009, p.08-09) os motivos

    que levam os produtores a aderirem ao SIP so fatores microeconmicos e sistmicos:

    (...) os fatores micro dizem respeito s caractersticas dos fumicultores doSul do pas, que so pequenos agricultores familiares, com baixo nvel deinstruo, que tm na produo de tabaco a principal, e quase sempre,

    nica, fonte de renda monetria. So descapitalizados e necessitam decrdito para custear gastos com a produo. Tm elevada averso aorisco, em particular o associado perda da pequena propriedade (...). Ascaractersticas sistmicas relevantes (...) dizem respeito ao funcionamentoimperfeito dos mercados de crdito, produtos agrcolas e insumos, quecomo conhecido, oferecem elevadas dificuldades para a insero dosagricultores familiares, em geral, e dos agricultores pobres e sem terra,em particular (...) tambm se conhecem as incertezas que caracterizam osmercados de produtos agrcolas, sujeitos s restries associadas dependncia da natureza, aleatoriedade climtica e variaes daconjuntura econmica.

    Alm disso, existem os entraves das prprias caractersticas da produo do fumo.Entre outros, podemos citar a falta de polticas pblicas ou do mercado aos agricultores

    para amenizar possveis riscos associados produo e comercializao de produtos

    agrcolas e o difcil acesso aos insumos que, para isso, dependem de recursos monetrios

    (crdito) que no esto disponveis facilmente para a maioria dos agricultores familiares.

    3.3.3 Indstria fumageira: usinas de beneficiamento

    Devido ao aumento da integrao da agricultura local economia nacional e

    estrangeira, principalmente ao sucesso do processo produtivo do fumo; ao processo de

    acumulao de capitais nas mos de alguns comerciantes monopolizadores; e melhorias na

    infraestrutura das rodovias, ferrovias e comunicaes fez surgir em Santa Cruz do Sul um

    processo de industrializao. De um lado, desenvolveram-se as agroindstrias de

    beneficiamento do fumo. De outro, iniciaram-se as instalaes de novas unidades fabris

    com maior aparato tecnolgico (Lima, 2000).

    Como j mencionado, em 1918 houve a instalao da Souza Cruz j sob o controle

    acionrio da empresa inglesa British American Tobacco (BAT) em Santa Cruz do Sul.

    Com o objetivo de se tornar competitiva frente aos produtos importados, devido ao trmino

    da Primeira Guerra Mundial, a empresa introduziu novas tcnicas de produo industrial

    (com inovaes tecnolgicas no beneficiamento do fumo) e de produo agrcola (com a

    introduo do fumo tipo Virgnia, que acabou tornando-se o principal tipo de fumo do

    mercado mundial; uso de adubos e secagem das folhas em estufas) (Spies, 2000). No

    10 BUAINAIN, A. M. et ali. Organizao e funcionamento do mercado de fumo no sul do Brasil.Campinas: Relatrio de pesquisa, dez./2005.

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    mesmo ano, seis estabelecimentos beneficiadores do fumo se uniram para formar a

    Companhia de Fumos Santa Cruz, devido necessidade de se fortalecerem, tambm, para

    enfrentar a competio e novas exigncias dos mercados (Silva e Tillmann, 2009).

    A partir dos anos sessenta e setenta, houve um processo de entrada de capital

    multinacional no Brasil que proporcionou um ciclo de concentrao do mercado do fumoem poucas empresas. A fumicultura da regio sul brasileira virou, nesse perodo, uma nova

    fonte de abastecimento de tabaco para o mundo devido aos problemas polticos que os

    pases produtores tradicionalmente da folha estavam enfrentando, como Moambique e

    Zimbbue (Vogt, 1997). Como explicitado em Vogt (1997, p. 128): a produo tabaqueira

    gacha, at meados da dcada de 60, destinava-se majoritariamente ao mercado interno

    (...). Era o fumo de secagem em galpo, especialmente o nordestino, que compunha o

    grosso das exportaes brasileiras. Nos anos 1970, a regio de Santa Cruz do Sul emunicpios adjacentes possuam o maior parque industrial do fumo do mundo, o que

    proporcionou regio uma competitividade internacional (Vogt, 1997).

    No final dos anos 1970 e nos anos 1980, devido hegemonia do capital

    internacional na economia regional percebeu-se um aumento significativo da produtividade

    da lavoura de fumo, uma dinamizao no ramo agrofumageiro e uma especializao

    produtiva do fumo. Os complexos agroindustriais so formados por uma interligao de

    compra e venda entre as indstrias fornecedoras para a agricultura (a montante), a

    agricultura e as agroindstrias processadoras de produtos agrcolas (a jusante) (Spies,

    2000, p. 77).

    Nos anos noventa, a cadeia agroindustrial fumageira do sul do Brasil era fundada

    em grandes grupos empresariais, que estavam ligados produo, compra e

    beneficiamento do produto, alm da fabricao de cigarros. Em 1994, eram quatro

    empresas que controlavam o setor do fumo no sul do Brasil: British American Tobacco,

    Dibrell Brothers Inc., Monk Austin Inc. e Universal Leaf, sendo a primeira de capital

    anglo-americano e as demais de capital norte-americano (Vogt, 1997).

    Apesar de haver novos rearranjos na estrutura dos mercados desse setor, podemos

    dizer que atualmente as indstrias de beneficiamento continuam com uma estrutura de

    mercado estruturada em oligoplio (Silva e Tillmann, 2009). Hoje cinco empresas

    concentram os negcios da cadeia tabaqueira. A Souza Cruz S/A subsidiria da British

    American Tobacco (BAT); Phillip Morris Brasil; Universal Leaf Corporation, Alliance

    One Brasil Exportadora de Tabacos Ltda., originada de uma sequncia de fuses da Dibrell

    Brothers Inc. e Monk Austin Inc. e Japan Tobacco Internacional (JTI).

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    Podemos dizer que as relaes comerciais entre os fumicultores e a indstria

    fumageira brasileira so caracterizadas por um oligopsnio, ou seja, poucas empresas

    compradoras e vrios produtores ofertantes. Essa lgica de mercado faz com que os

    oligopsonistas tenham um poder de mercado, pois podem manipular os preos e

    quantidades de acordo com as suas pretenses.As usinas de beneficiamento, claro, tambm fazem parte do SIP e possuem vrias

    funes na cadeia produtiva do fumo, que so: fornecedoras de insumos aos produtores,

    avalizadoras de financiamentos perante aos bancos, transportadoras do fumo da

    propriedade do produtor s usinas, receptoras do fumo para beneficiamento, exportadora

    da folha in natura e/ou fabricante de cigarros e varejista do produto j acabado, como

    veremos depois.

    As usinas de beneficiamento da Souza Cruz S/A esto localizadas em Santa Cruzdo Sul (RS), Blumenau (SC), Rio Negro (PR) e Patos (PB) e se relacionam de maneira

    integrada com 40 mil fumicultores (DESER, 2010). A capacidade de processamento da

    usina de Santa Cruz do Sul (RS) de 120 mil toneladas/ano; de Blumenau (SC) de 55 mil

    toneladas/ano e em Rio Negro (PR) de 60 mil toneladas/ano (Souza Cruz, 2011). A sua

    produo de fumo, em 2009, foi de 169.566 toneladas e desse total exportou,

    aproximadamente, 69% (DESER, 2010).

    A Phillip Morris est localizada na cidade de Santa Cruz do Sul (RS) e em 2010,

    pela primeira vez na sua histria, comprou contratos da Universal Leaf Tobaccos e

    Alliance One e, portanto, passa a ter 17 mil produtores na regio sul-brasileira integrados

    empresa. Com isso, a subsidiria brasileira passa a fornecer insumos para outras unidades

    da empresa e se torna responsvel por cerca de 10% da demanda global de tabaco em folha

    (DESER, 2010). Portanto, a empresa est iniciando um processo de verticalizao de seus

    processos, como