objectos de in-form-aÇÃo. notas para uma discussÃo ... · como o homem se constitui no mundo,...

7
OBJECTOS DE IN-FORM-AÇÃO. NOTAS PARA UMA DISCUSSÃO FENOMENOLÓGICA DO DESIGN DE COMUNICAÇÃO 1 Sara Velez Estêvão Universidade da Beira Interior LabCom Abstract In the progression of the dematerialization of information technology, media on which rests in large extent our contemporary social structure, we can situate the design of communication, supported by such technologies as the last means of giving form and make apparent the information. This phenomenon, its ubiquity and its important intervention in the processes of communication, would, in principle, make clear the character of activity of public effect of Communication Design, and the resulting ethical dimension. In this context, I propose the study Communication Design and the way it in- forms our world experience, unfolding arguments to clarify and demonstrate the validity of this perspective. In particular, it will propose to discuss the possibility of understanding Communication Design as a mediator of action, our action in the world, in order to better assess and highlight the condition of his mediation. Palavras-chave Teoria do Design, Design de Comunicação, Mediação, Fenomenologia Na progressão da desmaterialização das tecnologias de informação, meios nos quais assenta em grande medida a nossa estrutura social contemporânea, podemos situar o design da comunicação, suportada por 1 Este artigo foi originalmente publicado em PAIVA, F.; MOURA, C. (Orgs.), (2011). DESIGNA 2011 – Proceedings: A Esperança Projectual, Covilhã: Serviços Gráficos da Universidade da Beira Interior, pp. 279-283.

Upload: others

Post on 01-Nov-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: OBJECTOS DE IN-FORM-AÇÃO. NOTAS PARA UMA DISCUSSÃO ... · como o homem se constitui no mundo, como “realiza a sua existência”, ... percepção transforma o que percepcionamos

OBJECTOS DE IN-FORM-AÇÃO.

NOTAS PARA UMA DISCUSSÃO FENOMENOLÓGICA DO DESIGN DE COMUNICAÇÃO1

Sara Velez Estêvão Universidade da Beira Interior

LabCom

Abstract

In the progression of the dematerialization of information technology, media

on which rests in large extent our contemporary social structure, we can

situate the design of communication, supported by such technologies as the

last means of giving form and make apparent the information. This

phenomenon, its ubiquity and its important intervention in the processes of

communication, would, in principle, make clear the character of activity of

public effect of Communication Design, and the resulting ethical dimension.

In this context, I propose the study Communication Design and the way it in-

forms our world experience, unfolding arguments to clarify and demonstrate

the validity of this perspective. In particular, it will propose to discuss the

possibility of understanding Communication Design as a mediator of action,

our action in the world, in order to better assess and highlight the condition

of his mediation.

Palavras-chave

Teoria do Design, Design de Comunicação, Mediação, Fenomenologia

Na progressão da desmaterialização das tecnologias de informação, meios

nos quais assenta em grande medida a nossa estrutura social

contemporânea, podemos situar o design da comunicação, suportada por

1 Este artigo foi originalmente publicado em PAIVA, F.; MOURA, C. (Orgs.), (2011). DESIGNA 2011 – Proceedings: A Esperança Projectual, Covilhã: Serviços Gráficos da Universidade da Beira Interior, pp. 279-283.

Page 2: OBJECTOS DE IN-FORM-AÇÃO. NOTAS PARA UMA DISCUSSÃO ... · como o homem se constitui no mundo, como “realiza a sua existência”, ... percepção transforma o que percepcionamos

SARA VELEZ ESTÊVÃO 2

BOND_ BIBLIOTECA ON-LINE DE DESIGN

tais tecnologias, como o meio último de dar forma e tornar aparente a

informação. Este fenómeno, a sua ubiquidade e a sua importante

intervenção nos processos de comunicação, tornaria, em princípio, evidente

o carácter de actividade de efeito público do Design de Comunicação, bem

como a dimensão ética daí decorrente. Neste contexto, propõe-se o estudo

do Design de Comunicação enquanto in-formador da nossa vivência no

mundo, desenvolvendo argumentos que permitam esclarecer e demonstrar

a validade desta perspectiva. Em particular, propor-se-á à discussão a

possibilidade de se entender o Design de Comunicação como mediador da

acção, da nossa acção no mundo, como forma de melhor aferir e evidenciar

a condição da sua mediação.

Os dois textos aqui colocados em contraponto, não obstante as suas

origens e épocas distintas, servem o propósito de sustentar os argumentos

para o estudo do Design de Comunicação como mediador da acção. O

primeiro texto Tecnopólis: A vida Pública dos Artefactos Tecnológicos de

Peter Paul Verbeek (2006:1105-25), enquadrará o problema da mediação

dos artefactos em geral. Nele o autor propõe a “contribuição activa do papel

da tecnologia na reformulação da vida pública” como meio de resolver a

“crise da cidade”, sugerindo a concepção de artefactos moralizadores da

acção e da vida pública. Recusando as perspectivas que encaram a

tecnologia como um meio neutro, ou, inversamente, como “fontes de

alienação” destruidoras da existência humana, Verbeek utiliza o conceito de

mediação tecnológica “para revelar como as tecnologias contribuem

activamente para moldar as acções e experiências dos homens” (idem:

939). Esta é uma abordagem fenomenológica, no sentido em que é

entendido que o homem e o seu mundo são co-determinados entre si,

constituindo-se mutuamente, não sendo possível negar a inter-relação entre

os homens e a realidade. A perspectiva fenomenológica é usada no seu

artigo como um “enquadramento para a análise da influência da tecnologia

no comportamento humano. Nesta mesma relação entre homens e mundo,

os artefactos tecnológicos podem desempenhar um papel mediador”

(ibidem:1112). Recorrendo a conceitos explorados por Don Ihde e Bruno

Latour, devedores, por sua vez, dos conceitos seminais de Husserl,

Heidegger e Ponty, o autor distingue duas direcções fenomenológicas para

classificar a relação de mediação entre os seres humanos e a realidade, já

anteriormente aprofundadas na sua obra What Things Do (2008). Em cada

uma destas direcções, “mediação da percepção” e “mediação da acção”, a

Page 3: OBJECTOS DE IN-FORM-AÇÃO. NOTAS PARA UMA DISCUSSÃO ... · como o homem se constitui no mundo, como “realiza a sua existência”, ... percepção transforma o que percepcionamos

OBJECTOS DE IN-FORM-AÇÃO 3

BOND_ BIBLIOTECA ON-LINE DE DESIGN

relação homem-mundo é caracterizada a partir de diferentes perspectivas. A

fenomenologia assente na percepção, hermenêutica, direcciona-se para a

forma como o mundo, a realidade, se apresenta ao homem e pode ser

interpretada, enquanto na mediação da acção, esta perspectiva

fenomenológica assente na praxis, existencial, direcciona-se para a forma

como o homem se constitui no mundo, como “realiza a sua existência”,

como actua, em contraponto com a perspectiva hermenêutica. Parte-se, no

texto, para a caracterização da mediação da percepção, da noção de

“Técnicas hermenêuticas” incluídas numa fenomenologia da técnica

proposta por Don Ihde (1990:80-97), esta mediação tecnológica da

percepção transforma o que percepcionamos da realidade ampliando e

reduzindo determinados aspectos. Observando uma árvore por meio de

uma câmara de infravermelhos perdem-se muitas das características

observadas a olho nu, mas ganha-se a observação de outras

características, o que de outra forma não seria possível. A esta mediação

Ihde chama intencionalidade tecnológica, no entanto, para Ihde, ela também

depende da interpretação das tecnologias que é feita pelos seres humanos.

A realidade é assim mediada pelos instrumentos, mas igualmente pela

interpretação que se faz deles e da informação que apresentam, sendo por

isso, co-definida (Verbeek, 2006: 1114-15).

Verbeek recorre ao conceito de “guião” de Bruno Latour (1992) para

caracterizar a mediação da acção pelas tecnologias. O guião será a forma

como é constituído um artefacto a fim de intervir na acção de quem o utiliza

ou com ele se depara. Pode ser comparável à intencionalidade tecnológica

já referida para a mediação da percepção. É referido o exemplo de uma

lomba na estrada que pressiona os condutores a abrandar, sob pena

provocar um solavanco e de danificar o automóvel (2006: 1115-16). Infere-

se, portanto, que a mediação da percepção se entende ser feita por

sugestão, enquanto a mediação da acção será exercida por imposição.

Verbeek distingue assim o tipo de objectos que medeiam a percepção

daqueles que medeiam a acção, excluindo desta última os objectos de

design de comunicação.

“os objectos medeiam a acção enquanto coisas materiais, não enquanto

signos imateriais. Um sinal de trânsito obriga as pessoas a abrandarem de

forma bastante diferente, se é que alguma vez o faz. Não descartamos um

copo de plástico porque tal esteja inscrito no seu manual de instruções,

mas porque fisicamente não suporta ser lavado várias vezes. A influência

Page 4: OBJECTOS DE IN-FORM-AÇÃO. NOTAS PARA UMA DISCUSSÃO ... · como o homem se constitui no mundo, como “realiza a sua existência”, ... percepção transforma o que percepcionamos

SARA VELEZ ESTÊVÃO 4

BOND_ BIBLIOTECA ON-LINE DE DESIGN

da tecnologia sobre a acção é de natureza não linguística. Os objectos

conseguem exercer influência enquanto coisas materiais e não apenas

enquanto portadoras de sentido” (idem:1116).

O problema da intervenção do Design de Comunicação na acção aparece

em The Legibility of the World: A Project of Graphic Design de Abraham

Moles (1989[1986]:119-129) sob um entendimento utilitário do papel do

design. Moles discute neste texto o design gráfico, especificamente aquilo

que hoje entendemos como design de ambientes gráficos no qual se inclui a

sinalética, como a actividade que daria legibilidade a um mundo em que de

outra forma teríamos dificuldade em orientar-nos. Assim, para ele as coisas

gráficas são muitas vezes o eixo de diálogo entre o homem e o mundo, tal

como o é a tecnologia em Verbeek e outros autores da filosofia da

tecnologia. Neste caso, os objectos de design gráfico sobrepor-se-iam às

coisas, ajudando a explicar o mundo para que nele nos possamos orientar e

agir de acordo com a nossa vontade.

O mundo que nos rodeia tem um lado material por onde prosseguimos e o

lado dos signos, formas, sinais, cartazes, setas, que representam coisas e

acções. Para Moles estes signos constituem uma enorme estrutura

diagramática integrada no contexto da nossa vida. Trata-se de um

conhecimento por sinais do mundo das coisas, produtos e acções. Ao

guiarmo-nos por signos, a nossa existência torna-se progressivamente mais

simbólica por vivermos num mundo que é produto do artifício em que

“preparamos as nossas acções, não com os objectos, mas com os signos

que os designam. Tal está relacionado com a mudança social em que a

comunicação toma precedência sobre a actividade material” (idem:120).

Daí que o autor atribua uma função pública e social ao Design de

Comunicação, pois este designa os aspectos simbólicos do que nos rodeia

para nos preparar para acções reais. Como pode verificar-se, no texto de

Moles, em acções tão modestas como encontrar um caminho, ou colocar

um aparelho a funcionar com a ajuda do manual de instruções. Essa seria a

função do designer, a de melhorar a legibilidade do mundo (ibidem:124). O

artigo de Abraham Moles, sugerindo a extrapolação para todas as áreas da

nossa vida pela introdução que faz ao tema, concentra-se em exemplos de

sistemas gráficos de orientação, não obstante, deixa-nos pistas para a

discussão de uma relação causal entre todos os objectos de design de

comunicação e a acção. A noção de legibilidade do mundo para nossa

orientação pode ser observada em exemplos casuísticos do quotidiano, cuja

Page 5: OBJECTOS DE IN-FORM-AÇÃO. NOTAS PARA UMA DISCUSSÃO ... · como o homem se constitui no mundo, como “realiza a sua existência”, ... percepção transforma o que percepcionamos

OBJECTOS DE IN-FORM-AÇÃO 5

BOND_ BIBLIOTECA ON-LINE DE DESIGN

mediação da acção se verifica em diferentes graus de imediaticidade. Esta

mediação pode ser mais evidenciada em objectos de design de

comunicação que geram erros funcionais, como é o caso do interface

gráfico de uma chamada vídeo da versão 5.1 da aplicação Skype (fig.1).

Neste interface o botão de desligar a chamada está junto ao botão de ligar a

câmara de vídeo, tendo como efeito na acção que a intenção de ligar a

câmara resultasse no erro de desligar a chamada (entretanto corrigido)

(Pavlus, 2011). Do ponto de vista utilitário podemos igualmente considerar o

design do boletim de voto “borboleta” utilizado no Condado de Palm Beach

no Estado da Flórida nas eleições presidenciais de 2000 nos Estados

Unidos da América (fig. 2). Este episódio bem conhecido, resultou do facto

de o alinhamento dos nomes dos candidatos com o ponto em que os

eleitores deveriam assinalar a sua escolha não ser claro, levando a que a

acção de voto não fosse exercida de acordo com a escolha de muitos

eleitores, segundo estes declararam à posteriori. A mediação de uma acção

que é imediata tem, porém, um efeito indirecto e importantes consequências

do ponto de vista ético. Tratando-se o boletim de voto do elemento crucial

da experiência de voto, que representa o todo o processo democrático, a

confiança no processo eleitoral é abalada e como consequência também o

será a confiança na Democracia. Aqueles são casos em que, perante o

objecto, necessariamente se executará uma acção. Como tal constituem-se

como exemplos adequados a uma primeira abordagem a este efeito

mediador da acção por parte dos objectos de Design de Comunicação.

Figura 1 Janela de chamada vídeo da aplicação Skype fonte: http://www.fastcodesign.com/1663927/design-basics- proximity-or-why-skypes-end-call-button-is-all-wrong

Page 6: OBJECTOS DE IN-FORM-AÇÃO. NOTAS PARA UMA DISCUSSÃO ... · como o homem se constitui no mundo, como “realiza a sua existência”, ... percepção transforma o que percepcionamos

SARA VELEZ ESTÊVÃO 6

BOND_ BIBLIOTECA ON-LINE DE DESIGN

Figura 2 Boletim de voto do Condado de Palm Beach, Florida para as eleições presidenciais americanas de 2000 fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Butterfly_large.jpg

Um estudo mais aprofundado da relação causal entre o Design de

Comunicação e a acção encontrará decerto outros tipos de efeitos na acção

porventura mais indirectos ou não tão imediatos, como os mapas e a forma

como orientam a escolha de percursos, ou acções que resultam mais de

uma persuasão. Com efeito, os objectos de design de comunicação

constituem-se essencialmente por signos e opera-se uma produção de

sentido que medeia a percepção, porém, mesmo por esta via existem

efeitos reais na acção que devem ser tidos em conta no estudo sobre o

papel do Design no mundo contemporâneo.

Bibliografia

IHDE, Don. 1990. Technology and the Lifeworld: From Garden to Earth. Indiana University Press. LATOUR, Bruno. 1992. Where Are the Missing Masses? The Sociology of a Few Mundane Artifacts. In Shaping Technology-Building Society. Studies in Sociotechnical Change, ed. John Law and Wiebe Bijker, 151-180. Cambridge, Massachusetts: MIT Press. MOLES, Abraham. “The Legibility of the World: A Project of Graphic Design”. In Design Discourse, History Theory Criticism, ed. Victor Margolin, Design Dis: 119-129. Chicago and London: The University of Chicago Press.

Page 7: OBJECTOS DE IN-FORM-AÇÃO. NOTAS PARA UMA DISCUSSÃO ... · como o homem se constitui no mundo, como “realiza a sua existência”, ... percepção transforma o que percepcionamos

OBJECTOS DE IN-FORM-AÇÃO 7

BOND_ BIBLIOTECA ON-LINE DE DESIGN

PAVLUS, John. 2011. Design Basics: Proximity (Or, Why Skype’s “End Call” Button Is All Wrong). Co.Design. http://www.fastcodesign.com/1663927/design-basics-proximity-or-why-skypes-end-call-button-is-all-wrong. Acedido em 24.11.2011 VERBEEK, Peter-Paul. 2005. What Things Do : Philosophical Reflections on Technology, Agency, and Design. Pennsylvania: Pennsylvania State University Press. ———. 2006. Tecnopólis: a vida pública dos artefactos tecnológicos. Análise Social XLI (181): 1105-1125.