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OS SABERES DA CULTURA GUARANI PRESENTES NO MATO GROSSO DO SUL. SILVA, Joselaine Dias de Lima Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4 20 OS SABERES DA CULTURA GUARANI PRESENTES NO MATO GROSSO DO SUL. SILVA, Joselaine Dias de Lima Estudante de mestrado do Programa Integração Contemporânea da America Latina (ICAL), na Universidade Federal da Integração Latino- Americana (UNILA). Foz do Iguaçu, Brasil. E-mail: [email protected] RESUMO O presente artigo expõe a respeito da presença da cultura guarani no Estado do Mato Grosso do Sul, a riqueza cultural e saberes tradicionais. Assim como, a forma de organização política e social. O modo de interpretar a realidade vivida, e de interagir com as situações na atualidade, mantendo-se resistente a sua tradição. Dessa maneira compreendendo-os como sujeito histórico em busca de melhores condições de vida, para si e para a comunidade na qual está inserida. Mostrando ainda, a importância de não construir, uma visão estereotipada de modo simplificador “índio”. Mas que possamos conhecer sobre a cultura dos povos guarani, proporcionando a reflexão, valorização e respeito. Palavras-chave: saberes, cultura, guarani ABSTRACT This article explains about the presence of the Guarani culture in the state of Mato Grosso do Sul, the rich cultural and traditional knowledge. As well as the form of political and social organization. The way to interpret the lived reality, and to interact with the situations at the present time remaining resistant to their tradition. Thus understanding them as historical subject in search of better living conditions for themselves and for the community in which it operates. Showing also the importance of not building a stereotypical view of simplifying mode "Indian". But that may know about the culture of the Guarani people, providing a reflection, appreciation and respect. Keywords: knowledge, culture, guarani INTRODUÇÃO O campo cultural dos Guarani, é constituído entre lutas e conquistas. Na sociedade bem como no mundo, existe o empenho de atores sociais em prol ao resgatedessas culturas. Neste campo, ocorre o desenvolvimento dos conhecimentos, trocas e experiências com a comunidade durante sua formação identitária. Desse modo,

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Foz do Iguaçu PR: UNIOESTE, 8 a 11 de

dezembro de 2015, ISSN 2316-266X, n.4

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OS SABERES DA CULTURA GUARANI PRESENTES NO MATO

GROSSO DO SUL.

SILVA, Joselaine Dias de Lima

Estudante de mestrado do Programa Integração Contemporânea da America Latina (ICAL), na

Universidade Federal da Integração Latino- Americana (UNILA). Foz do Iguaçu, Brasil.

E-mail: [email protected]

RESUMO O presente artigo expõe a respeito da presença da cultura guarani no Estado do Mato Grosso do

Sul, a riqueza cultural e saberes tradicionais. Assim como, a forma de organização política e

social. O modo de interpretar a realidade vivida, e de interagir com as situações na atualidade,

mantendo-se resistente a sua tradição. Dessa maneira compreendendo-os como sujeito histórico em busca de melhores condições de vida, para si e para a comunidade na qual está inserida.

Mostrando ainda, a importância de não construir, uma visão estereotipada de modo

simplificador “índio”. Mas que possamos conhecer sobre a cultura dos povos guarani, proporcionando a reflexão, valorização e respeito.

Palavras-chave: saberes, cultura, guarani

ABSTRACT This article explains about the presence of the Guarani culture in the state of Mato Grosso do

Sul, the rich cultural and traditional knowledge. As well as the form of political and social

organization. The way to interpret the lived reality, and to interact with the situations at the present time remaining resistant to their tradition. Thus understanding them as historical subject

in search of better living conditions for themselves and for the community in which it operates.

Showing also the importance of not building a stereotypical view of simplifying mode "Indian".

But that may know about the culture of the Guarani people, providing a reflection, appreciation and respect.

Keywords: knowledge, culture, guarani

INTRODUÇÃO

O campo cultural dos Guarani, é constituído entre lutas e conquistas. Na

sociedade bem como no mundo, existe o empenho de atores sociais em prol ao

“resgate” dessas culturas. Neste campo, ocorre o desenvolvimento dos conhecimentos,

trocas e experiências com a comunidade durante sua formação identitária. Desse modo,

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refletiremos sobre os Guarani, valores de territorialidade e cosmovisão, divulgando a

riqueza dos saberes tradicionais.

As bibliografias, que farão parte da pesquisa, como: Azevedo (2008), Oliveira

(2006), Benites (2012) Munduruku (2000) Flores (2003) Chamorro (2008) entre outros,

trazem essencial contribuição a respeito dos povos nativos. Será apresentado escritores

que expõe seus olhares indianistas e indigenistas da realidade indígena.

Desse modo, demarcaremos a discussão sobre preconceitos pré-estabelecidos

por uma sociedade que desconhece a realidade indígena, atreladas à violência. A

intenção é de que a pesquisa colabore para novas visões, que não seja mais construído o

estereotipo de modo simplificador “índio”, mas que proporcione a reflexão, a

valorização e respeito da cultura, que evolve o modo de vida próprio, valores centrais,

identidade e permanência de suas tradições.

A fim de compreender essas inquietações, estabeleceremos relações nas

dimensões histórica e civilizatória, enfrentadas pelas populações indígenas, que hoje

buscam melhores condições de vida, bem como ocupar novos espaços; na arte, na

literatura, na educação, na política. Em linhas finais observamos que a terra e a vida,

para esses povos, se transformam em uma só, pois é o meio de se manterem vivos tanto

fisicamente quanto espiritualmente.

Procede o artigo, da presente introdução, e divide-se em três tópicos dos quais

serão explanados a respeito das Etnias Guarani, riquezas e saberes tradicionais;

Presença histórica da cultura Guarani no Estado do Mato grosso do Sul; A questão

territorial ancestral; E por fim, fechamos o texto com algumas considerações finais que

apontam que o modo de vida guarani, os hábitos, a língua, vencem o tempo mesmo

diante de imposições que permanecem por parte da sociedade maior. Os Guarani,

demonstram resistência.

1. ETNIAS GUARANI; RIQUEZAS E SABERES TRADICIONAIS

O Grande povo Guarani centra-se na vida, na espiritualidade, na cultura, no

território e no futuro. São conhecidos como grupos que falam a mesma língua vinculada

ao tronco da família linguística Tupi- Guarani, que se estende sobre grande parte do

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Brasil principalmente no sul, no norte de Argentina, oeste de Bolívia e em todo o

Paraguai. Há milhões de falantes da língua Guarani que também foi à base de uma

língua geral no norte ao Brasil e a única língua ameríndia adotada como língua oficial

de um país (Paraguai).

Estes grupos se autodenominam de formas diferentes de acordo com a região e o

ramo familiar. Entre as denominações, descreve Azevedo (2008) Pãi-Tavyterã no

Paraguai, e conhecido como Kaiowá no Brasil; os Xiripá, Avá Guarani, são no Brasil os

chamados de Guarani ou Ñandeva. Os guarani se dividem em três sub-grupos étnicos:

Kaiowá, Ñandeva e Mbyá. “Porém a denominação que se designam a si mesmo é Avá,

que significa, em guarani, ‘pessoa’.” (AZEVEDO et. alii, 2008, p.6).

Os Kaiowá e Ñandeva constituem dois povos indígenas geralmente chamados de

Guarani, mas que se identificam e se percebem como etnias distintas. No entanto,

participantes de uma mesma história de luta territorial e de padrões culturais bastante

semelhantes entre si. A língua ou melhor, a palavra para os Guarani é um importante

elemento na elaboração e defesa da identidade étnica da religião e cosmovisão.

Para se distinguirem entre si, esses grupos apontam hoje, entre outros

aspectos, seus rituais e seus cantos, suas formas de falar, suas

narrativas míticas, o formato de suas casas tradicionais e os costumes

do âmbito religioso. No que diz respeito distinção, linguística, observo, que tal vale, sobretudo, para os grupos Mby·. Entre os

Kaiowá· e Nhandéva (Guarani), pelo menos no Mato Grosso do Sul e

especialmente nas comunidades onde vivem e interagem ambas as etnias (CHAMORRO, 2010, p.81).

Alguns de seus aspectos apresentam a forma de vida, o conjunto de povos da

mesma origem. Azevedo (2008) relata que os Guarani, vêm seu mundo como uma

região de matas, campos e rios, como um território sagrado onde vivem segundo seu

modo ser e cultura milenar, mantêm tradições antigas, conservadas na memória, a qual

atualizam em seu cotidiano, através de mitos e rituais.

A identidade é fundada num guarani “Reko” o modo de ser e proceder com

características próprias de sua identidade. Modo de vida Guarani, onde todos os

momentos são importantes, desde o nascimento, a nominação, a paternidade, a

maternidade, a velhice e a morte que estão baseados na palavra alma. Portanto o nome

ao nascer, ‘é uma palavra alma’ que estrutura e o insere no mundo guarani. A respeito

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do assunto o antropólogo kaiowá, Tonico Benites, relata que cada família Kaiowá

“produz um modo de ser peculiar, e que o teko reta, e continua sendo no entanto, um

Ñande Reko, um ‘nosso modo de ser’.” (BENITES, 2012. p,23).

Para referir-se a terra tradicional a qual têm uma ligação vital, e lutam

permanentemente para defendê-la, desde tempos, usam a palavra Tekoha1, um lugar de

subsistência, onde expressam a identidade no que diz respeito aos seus costumes,

práticas, rituais e organização política especificas de interpretar a realidade e de

interagir com a sociedade. O autor nos conduz para uma compreensão, da forma de

organização social familiar, composta por pelo menos três gerações: avô, avó, filhos,

filhas, genros, noras, netos e netas e que residiam numa única e grande habitação.

A forma de organização política dentro das Tekohas manifesta-se por meio de

líderes indígenas com função de dirigir à organização política e tomar decisões

conjuntas a comunidade. O universo Guarani, não compreendido pela sociedade, fez

com que, desde o período da colonização sofressem com o desrespeito, humilhações e

desvalorização da cultura. E infelizmente, permanece até os tempos atuais. Contudo, os

Guarani, mantêm perseverantes nas lutas pelo direito à língua, à terra, à

autodeterminação e à preservação da sua identidade cultural. Monteiro e Cunha

evidenciam que:

[...] longe de serem as inermes vítimas que povoam habitualmente os

livros de história, os Guarani desenvolveram estratégias próprias que

visavam não apenas a mera sobrevivência mas, também, a permanente recriação de sua identidade e de seu ‘modo de ser’, frente a condições

progressivamente adversas” (MONTEIRO, apud CUNHA, 1992, p.

475).

Os Guarani estão presentes no cotidiano da sociedade sul mato-grossense e não

devem ser retratados de forma simbólica, como o “dia do índio” ou como “tem sido

pensado pelas camadas populares como importante símbolo da nacionalidade”.

(OLIVEIRA, 2007, p.75). Precisam ser re/conhecidos na sua identidade cultural e não

mais perpetuar na sociedade a visão assimilacionista e romântica, com a necessidade do

1 Palavra Tekoha é a forma que o povo Guarani se refere a sua terra tradicional. Porém, mais do que um

simples espaço ocupado por um grupo, ou de onde se retira sua subsistência, é nesta terra em que se

produz toda cultura Guarani.

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isolamento, a fim de manter seu estado puro, bem como de tutela como forma de

“proteção”.

O fato é que muitas pessoas buscam uma imagem do índio original,

puro, ao qual se atribui autenticidade, isto é, a condição de índio

verdadeiro. Essa imagem de um índio atrelado ao passado e a uma condição estática e imutável não surgiu por acaso. Muito foi feito,

principalmente por meio de políticas públicas, para que se valorizasse

esse índio romântico, irreal e intocável, e se desprezassem os

indígenas reais, aqueles que lutaram e ainda lutam por interesses e projetos diferenciados, valendo-se de estratégias complexas e

criativas. Assim, desde a colonização do Brasil, políticas de Estado

vêm sendo executadas no sentido de assimilar os indígenas à sociedade brasileira e anular sua identificação étnica. De fato, até a

Constituição Federal de 1988, a legislação existente entendia os

indígenas como uma categoria transitória, que mereceria proteção do Estado até que eles adquirissem os “hábitos e costumes dos

brasileiros”. Tal perspectiva mudou com essa Constituição, que

garante aos povos indígenas o direito de manter suas formas de

organização social, costumes e tradições diferenciadas. Considerados os argumentos acima, sustentamos que esse índio

idealizado, romântico, construído por livros, pela imprensa e por

políticas governamentais não está acabando. Ele nunca existiu! Os indígenas “de verdade” são muito diferentes (COLLET &

PALADINO, 2014, p.18)

Muito diferente da forma romantizada, fazem uso da tecnologia, estudam,

alguns são escritores, sem deixar de ser índio, sem abandonarem sua essência, suas

crenças, suas línguas. Desde os tempos coloniais, são constantes as lutas pela

sobrevivência e direitos iguais, travadas em seu dia a dia. Porém permanecem invisíveis

aos olhos dos que querem tirá-los para fora de nossa história, não sendo capazes de

ouvirem a voz sagrada dos rezadores, mesmo quando esta voz é um grito de socorro

contra o genocídio que enfrentam.

Na pesquisa elaborada para a conclusão do curso de mestrado, o autor Vieira

(2008) expõe a necessidade de combater o cenário problemático de ideias e estereotipo

genérico que foi construído em torno dos indígenas que vivem na região. “Pois essas

populações fazem parte da construção da história regional e também nas identidades que

formam a população sul- mato-grossense.”

Faz parte da cultura, os mitos, ritos espirituais, remédios feitos de ervas

medicinais próprios e as músicas e danças seguidas por horas. Cantar na própria língua

dá aos mesmos, força espiritual e ajudam na manutenção da comunidade. “Dentro da

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cultura indígena, especialmente na cultura Guarani a música ocupa um espaço

privilegiado. Acreditasse que ela seja o passaporte para o encontro com os espíritos que

habitam as coisas.” (MUNDURUKU, 2000, p.78).

Outra cosmovisão é sobre a morte, o qual eles nunca a temem, porque acreditam

que ela é a libertação do corpo ao encontro da “Terra sem males2”, para eles a morte é

transitória e acreditam na reencarnação. Em sua espiritualidade é importante retornar ao

lugar onde foram enterrados os antepassados. No conceito de vários povos, destacando

no dos Guarani, a alma (vida/espírito) não fica o tempo todo vinculado ao corpo (carne),

ela sai e volta. Nas palavras de Flores:

Na explicação de um guarani, num momento de morte súbita ou

acidente, a alma já estava fora, o corpo estava sozinho, por isso também não pode evitar o acidente. A saída da alma é bastante

comum em diversos povos e só os pajés conseguem identificar cada

situação. Por isso é comum que eles passem noites cantando e

dançando ao redor do moribundo, tentando trazer de volta a sua alma. Outra situação em que pode ocorrer a morte é por doença do branco e

doença de índio. A força espiritual dos pajés consegue combater as

doenças por eles conhecidas: as doenças de índio. No entanto, há casos irreversíveis onde se perde um membro da comunidade por

desconhecer a cura para a doença do branco (FLORES, 2003, p. 35).

A cruz também é um elemento que os acompanha muito antes da chegada dos

padres jesuítas O Conselho Indigenista Missionário (CIMI) apresenta a unidade da

diversidade e a reciprocidade que para os Guarani inclui sempre a natureza e o cosmos.

Quando a terra criada por Ñamandu, entra num forte desequilíbrio, então Ñamandu tem que tirar a cruz, e assim ela com toda sua vida

desabará. Aqui se evidencia a cruz como símbolo de equilíbrio. E o

equilíbrio se manifesta na sabedoria divina com que tem sido criado o

universo e por sua vez explica o “para quê”; sabedoria como matriz, suporte, e mastro de toda a vida, e vida há quando há relação de

reciprocidade. Até hoje esta convicção se mantém entre os Guarani

2 O ideal da ‘terra sem males’ é presença constante na cultura dos índios Guarani, que buscam um lugar,

anunciado por seus ancestrais, onde as pessoas vivam livres de dor e sofrimento. Ao longo dos séculos, os

Guarani percorreram vastas distâncias em busca da “terra sem males”. Disponível em:

http://www.survivalinternational.org/povos/guarani. Acessado em 09/11/2015

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como potencial e capacidade de suas ações. [...] segundo a cosmovisão guarani a criação está feita mediante a sabedoria divina desde e para o

equilíbrio que se mantém mediante a reciprocidade. É necessário que

os seres humanos saibam descobrir esta sabedoria para poder colaborar responsavelmente com Ela (CIMI, 2011, p.83).

A formação de vida guarani é diferente, é um exemplo dinâmico e sequencial de

culturas vivas em construção, na maneira de lidar com a natureza e com o meio

ambiente. Dessa forma não se consideram donos da terra, mas recebem dela o direito do

usufruto que deve ser feito de forma equilibrada e limitada, respeitando entre si o

domínio territorial familiar em cada tekoha. São eles resistentes ao modo capitalista, que

de forma desenfreada explora os recursos naturais, com o propósito de acúmulo de

riquezas e “desenvolvimento”.

Por causa de tantas controvérsias a respeito da questão territorial, infelizmente

ainda prevalece o discurso da elite agropecuarista e está influencia a sociedade local na

maneira de ver o indígena, colocando-o como ser inferior e incapaz. Esse pensamento

colonial faz com que percamos os ensinamentos das comunidades Guarani, em relação à

preservação ambiental, reciprocidade e espiritualidade. Enfim, o diálogo intercultural

que produz riqueza, só será possível quando ouvirmos a voz, reconhecermos e

aceitarmos essa diversidade com todos os seus ricos saberes étnico e linguístico.

2.PRESENÇA HISTORICA DA CULTURA GUARANI NO ESTADO DO MATO

GROSSO DO SUL

Os Guarani se faz presente, desde que os primeiros europeus aportaram em

terras ameríndias, e de tempos antigos, estes, lutam para permanecerem em suas

terras, e manterem sua identidade cultural. No litoral, presenciaram a chegada dos

portugueses, na região, que hoje é o Mato Grosso do Sul e do período colonial até

os dias atuais, verificamos o quanto os indígenas sofreram/sofrem com

descriminação, desrespeito, e violenta colonização por parte da sociedade

dominante. Em toda história colonial a imagem do índio aparece de forma

estereotipada, etnocêntrica, e genérica.

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Os Guarani na era da “descoberta”3 foram colonizados pelos espanhóis, já

que a história do “Mato Grosso tem sua história vinculada à história do Paraguai,

o país vizinho” (VALDEZ & AMARAL, 2011, p.03). Isso ocorreu porque “até

metade do século XVIII, Mato Grosso era colônia da Espanha, não de Portugal”

(Ibid.). E foi por meio do Tratado de Madri, que passaram a ser colonizado pela

Metrópole Portugal.

A respeito do Tratado de Limites Brasil/Paraguai, Sobrinho (2009) relata

que neste está descrito que o território o Império do Brasil dividir-se-ia com a

República Paraguaia, pelo rio Paraná, onde começa as possessões brasileiras na

foz do Iguaçu até o salto grande das Sete Quedas. No que se refere à história dos

Guarani no Brasil, “os Guarani ocupavam, desde o século XVI, amplo território na

bacia do rio da Prata, como vem bem documentado nas fontes coloniais e pesquisas

arqueológicas, desde o período colonial. (SOUSA et al., 2008, p.1)” Antes da

colonização se localizavam no litoral de Santa Catarina, ao longo do Rio Paraguai,

Paraná, Apa e Miranda. Para mais informação a respeito do assunto, Azevedo esclarece

que:

Guarani é um nome conhecido. No Paraguai, sobretudo, mas, também, no Brasil, na argentina e na Bolívia. Atualmente, os Guarani seguem

vivendo onde sempre viveram, apesar das inúmeras pressões, ameaças

e mortes. Habitam desde dois mil anos atrás esse vasto território.

Diversos grupos guarani foram se estendendo por parte da América, mediante sucessivas migrações aliadas ao crescimento demográfico,

que começaram a dois mil anos atrás e que continuam até a atualidade

(AZEVEDO et. alii, 2008, p.10).

No Estado os Guarani localizam-se na região sul, fronteira com o Paraguai.

Em relação às migrações, crescimento demográfico, globalização, assim como,

demarcação de terras, aconteceram em grandes proporções no Estado, após a Guerra da

Tríplice Aliança, (1864-1870) conhecida também como Guerra do Paraguai. O caso

influenciou a vida dos indígenas, uma vez que, foi depois da referida Guerra que

iniciou-se os primeiros trabalhos para a demarcação das fronteiras no Sul do Mato

3 Segundo a interpretação histórica tradicional, o Brasil foi “descoberto”: mas se considerarmos o ponto

de vista dos povos indígenas, os portugueses seriam “invasores”, por terem se apropriado das terras dos

primeiros ocupantes.

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Grosso. Onde, a economia do Estado se apresentava ligada à pecuária e ao

abastecimento do mercado interno brasileiro.

Para Azevedo (2008) é possível constatar que após a Guerra do Paraguai os

Guarani Nhandeva e Kaiowa sofreram profundas alterações com a sistemática ocupação

dos seus territórios, por diversas frentes de exploração econômica, primeiramente da

erva-mate, depois a implantação dos projetos agropecuários, de colonização, da soja e

da cana-de-açúcar.

Os Guarani ocupavam, tradicionalmente, um amplo território, na região sul do atual estado de Mato Grosso do Sul, situado entre o rio

Apa (Bela Vista), Serra de Maracaju, rio Brilhante, rio Ivinhema, rio

Paraná, rio Iguatemi e fronteira com o Paraguai. Ocupavam esse amplo espaço de acordo com a disponibilidade de locais com recursos

naturais considerados apropriados – preferiam, por isso, estabelecer

suas aldeias em áreas de mata e próximas a bons cursos de água. Além disso, teria que ser um local livre de ameaças sobrenaturais, de

doenças e preferencialmente próximas a parentelas aliadas.

Pesquisando a história recente dos Guarani percebemos que diversas

aldeias foram por eles abandonadas em decorrência das muitas doenças, problema que se acentua no período de exploração da erva-

mate, sob o domínio da Cia Matte Laranjeira. (CIMI, 2011, p.41).

Cumpre ressaltar, que grande era/é a disputa por terras. E neste dilema, sem

limites, sem “perceber” o quanto nos últimos séculos, como disserta, Cunha (1991) os

índios foram tratados como seres efêmeros, em transição para a cristandade, para a

civilização, e que deveriam assimilar a cultura dominante e então desaparecerem.

Apenas no fim do século XX e início do XXI que as sociedades indígenas passaram a

fazer parte do futuro do país e não apenas só do passado. Neste período, começaram a

surgir às organizações indígenas “registradas em cartório”, reconhecidas

constitucionalmente como partes legitimas para ingressar em juízo, em defesa dos

direitos e interesses dos índios.

Aqui, devemos fixar um olhar sobre a realidade. A mão que afaga é a mesma

que apedreja? E a defesa desses povos? Os direitos garantidos na Constituição Federal?

Em cumprimento do que é determinado pelo caput do artigo 231 da Constituição. É

dever da União Federal, que busca, com a demarcação das terras indígenas: a) resgatar

uma dívida histórica com os primeiros habitantes destas terras; b) propiciar as condições

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fundamentais para a sobrevivência física e cultural desses povos; e c) preservar a

diversidade cultural brasileira.

A região Sul Mato-grossense, tem uma grande diversidade demográfica, e sua

base econômica está no agronegócio em terras pertencentes aos nativos, que causam

muitas desavenças. Pois, são afetados pelo avanço das fronteiras agropastoris. A

situação de perda do território tradicional prejudica e abala a autonomia política dos

nativos e fragmentam as formas tradicionais de organização social das comunidades.

“Um dos maiores males que os Guarani têm que suportar é a invasão e destruição de sua

terra, a ameaça contra seu modo de ser, a expulsão, a discriminação e o desprezo que

vieram com a chegada dos “outros”, dos colonos e dos fazendeiros”. (AZEVEDO et. alii,

2008, p.10).

A Comunidade Guarani, tem relação tradicional e espiritual com o território, por

isso nunca deixarão de retornar ao lugar onde foram enterrados os antepassados, seus

lugares de reza, caça, pesca, coleta de frutos e de pequenas lavouras. A relação com a

terra é incompreendida pela sociedade dominante, por tanto, se desumaniza em práticas

de exploração, desterro e esbulho. Nas palavras de Azevedo (2008):

São problemas, desde o ponto de vista dos Guarani, as terras esgotadas, que já não prestam para agricultura, onde a própria

paisagem se torna desértica. Estar em meio a um campo sem arvores,

ou junto a extensas monoculturas de soja, pinheiros ou cana de açúcar,

é um grande mal, é um deserto. A mata, a água e outros elementos do ambiente são espaços ocupados por uma série de seres espirituais,

com os quais os Guarani necessitam interagir para reproduzir seu

modo de vida (AZEVEDO et. alii, 2008, p.10).

Entender o conceito de “resistência cultural” no universo Guarani é

compreender que para esses, não significa apenas resistir à interferência dos

colonizadores dentro do que se entende por cultura4, mas é também, manter

costumes, territórios e tradições mediante muitas lutas, mortes e extermínios.

4 Cultura tem sido considerada como o desenvolvimento espiritual, intelectual e estético (de uma

civilização, de uma sociedade. O ideal de civilidade, "cultivation", de cultura (de uma nação seria, então,

indicativo do seu nível de progresso. Cultura é também o modo de vida de um povo, ou de um grupo, ou a

sua forma de vida peculiar durante uni período específico de tempo. É, ainda, constituída pelas obras e

pelas práticas da sua produção intelectual e artística e pelos seus processos estéticos. Mais recentemente,

tem sido vista como uma criação colectiva, uma estrutura que vai sendo continuamente constituída, criada

pela família, pela comunidade e não como um sistema permanente de símbolos. Alguns estudiosos

afirmam, por outro lado, que a cultura é a ordem correspondente a uma acção com significado. Laura

Bettencourt Pires — Teorias da Cultura Lisboa, Universidade Católica Ed., 2004, p.04.

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Assim como, a superação de preconceitos que insiste em perpetuar na sociedade

moderna. Acerca disso, Jesus (2011) confirma que, a forma de resolução dos

conflitos que envolvem as populações indígenas, usadas pelos poderes públicos e pela

sociedade civil baseia-se na violência, no preconceito e no descaso, e pouco ou nada se

fala sobre isso.

Uma expressão dessa problemática pode ser evidenciada pela natureza do

recentemente relatório publicado pela Relatoria do Direito Humano à terra, território e

alimentação. (2014), onde fica evidente nas palavras de Chamorro, que “no discurso

dominante não se reconhece que a diferença cultural indígena pressupõe formas

diferenciadas de crer, de produzir e transmitir o saber que é comum ao seu povo”.

Demonstra claramente que a sociedade, pouco conhece dos povos indígenas e

cosmovisão, essa é uma das causas de preconceito. Não perceber, nem compreender o

“diferente” com direitos iguais.

Decorrente a este sentido, há urgência de um diálogo intercultural5 envolvendo

toda a sociedade brasileira, e tomada de medidas de políticas públicas, condizentes com

a realidade local. Programas emergenciais para enfrentamento da situação vivida,

repensando formas de apresentar as riquezas, a sabedoria Guarani, no campo

educacional, social, político entre outros. A sociedade precisa estar ciente da presença

dos Guarani na região, e aceitar sua forma de vida e tradições, que compõe sua

identidade.

3.A QUESTÃO TERRITORIAL ANCESTRAL.

O vínculo existencial e espiritual com a terra, que congrega os povos

indígenas, bem como o grupo étnico Guarani, pode ser a base filosófica e política,

para a construção de um diálogo, que proponha uma reorganização do espaço

territorial, tendo como centro, a vida humana, a natureza na sua unidade

indissolúvel. Para a construção dessa visão da terra como espaço a um só tempo

5 O dialogo intercultural ocorre quando, entre duas culturas ou mais respeitam a diversidade e se

interagem de forma que nem uma se sobressai à outra. Mesmo ocorrendo conflitos, estes serões

solucionados na base do respeito e dialogo.

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material e espiritual, de produção e reprodução da vida, os setores do campo têm

muito a aprender com os povos Guarani, com a forma de convivência com os

territórios em que habitam milenarmente.

As disputas por terra se agravam no Mato Grosso do Sul, e deixam os

Guarani no “confinamento”. O Relatório do Direito Humano à terra, território e

alimentação (2014) aborda que:

A difícil situação dos indígenas no Mato Grosso do Sul se insere num

cenário nacional de expropriação territorial. Inclusive é um processo

que percorre toda a América Latina, numa disputa por recursos naturais. O que alarda no caso investigado é a dimensão do problema

e o grau de acirramento que a questão assume no Estado com a

segunda maior população (2014, p11).

A questão indígena deve ser prioridade básica dos governos, uma vez que o

índio brasileiro é um cidadão que tem anseios, carências e necessidades específicas, que

precisam ser atendidas pelo Estado. A cultura não deve ser interpretada como uma etapa

primitiva da escala civilizatória, e sim uma realidade diferenciada, capaz de reproduzir

estilos próprios de organização e desenvolvimento.

Ainda hoje a imagem que se tem do índio permanece exclusivamente

comprometida com o passado e a reconstrução idealizada de formas pretéritas, em geral equiparadas a primitividade. O seu aspecto

primitivo, a sua inadequação e vulnerabilidade, bem como a sua

presumida tendência à extinção, jamais foram componentes naturais

de sua existência, mas sim resultado de interesses coloniais e das duras formas impostas. O destino dos povos e culturas indígenas, tal

como outro grupo étnico ou nação, não esta escrito previamente em

lugar algum. Foram agentes sociais, políticas e ideologias que naturalizaram as diferenças culturais, religiosas e políticas,

transformando-as em marcas de inferioridade. (OLIVEIRA, 2007,

P.21).

A urgência em rever as condições econômicas, políticas e social dos Guarani,

pois são tratados de forma não humana, sofrem humilhações e são excluídos da

sociedade moderna globalizada. Embora existam muitas leis em sua defesa,

infelizmente poucas são de fato concretizadas. As políticas tradicionais, as leis, os

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estatutos e outros órgãos implantados como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI)6,

não conseguem resolver os diversos problemas, como a exclusão social e a “falta de

terra”.

Ainda existe muito preconceito por parte da classe dominante, em relação às

minorias “indígenas”, inclusive da classe governamental que acredita ser necessário ao

índio apenas à canalização de alguns recursos para agências responsáveis pela

organização e desenvolvimento do setor indígena, para que sejam resolvidos os

problemas que este apresenta. Muitos fechados em seus preconceitos acham que as

terras é um desperdício nas mãos dos nativos.

Referente a esse assunto, o escritor indígena Lucio Paiva Flores, traz sua

argumentação ao ouvir de algumas pessoas que o índio não trabalha. Quer terra para

que? “Nossa motivação é diferente. Quem disse que terra é para criar diferenças,

produzir, sugar, explorar, tirar lucros? Terra é nossa mãe e deve ser tratada assim com

todo o respeito. (FLORES, 2003, p.15). A preocupação é o desenvolvimento

relacionado ao ganho financeiro. Não produzirão? Ou não contribuirão para o

desenvolvimento capitalista do estado. Uma forma típica, estereotipada de dizer que

“índio” é preguiçoso, não produz.

Essa é uma visão absolutamente racista e que vem da época colonial. Basta lembrar que a escravidão negra teve por pressuposto essa

indolência do índio, que não teria disposição para trabalhar. É uma

visão preconceituosa e não corresponde à realidade dos fatos. Em

Roraima (episódio da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol), onde esse discurso era recorrente, o maior rebanho de gado

era dos índios. Dizer que os índios não são produtivos para o

desenvolvimento nacional é um discurso racista e isso tem que ser assumido. Esse receio de perder terra para os índios é ignorar qualquer

capacidade que eles tenham de contribuir para o que é coletivo. E

nisso também entra a relação diferenciada do índio com a terra, que não a vê como um meio de produção, mas se vê como parte dela. Mas

isso não significa também que ele, no modo como se relaciona com a

terra, não possa gerar frutos para toda a coletividade, dentro da forma

especial de cada grupo lidar com a terra (CIMI, 2011, p.25).

6 FUNAI - Fundação Nacional do Índio é o órgão indigenista oficial do Estado brasileiro. Criada por

meio da Lei nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, vinculada ao Ministério da Justiça, é a coordenadora e

principal executora da política indigenista do Governo Federal. Sua missão institucional é proteger e

promover os direitos dos povos indígenas no Brasil.

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Dentro dessa realidade, observa-se também que as políticas tradicionais

geralmente são articuladas em torno de um Ministério, de uma Secretaria de Estado,

sem integração com as políticas de outros setores. Essa falta de articulação entre

políticas setoriais costuma gerar desperdício de oportunidades e, no caso específico das

Políticas Indigenista, as ações implementadas/ou não, pelo governo brasileiro contribui

para a manutenção do desrespeito, do extermínio e da exploração desses povos, de suas

terras e de suas riquezas.

A falta de diálogo entre determinados segmentos da sociedade acaba acarretando

uma dissociação para o entendimento dos diferentes valores culturais que se

estabeleceram nessa região de conflito. Encontramos exposto no Relatório dos Direitos

Humanos a terra, Território e Alimentação que:

No discurso dominante não se reconhece que a diferença cultural

indígena pressupõe formas diferenciadas de crer, de produzir e

transmitir o saber que é comum ao seu povo. Deste modo, o diálogo

intercultural que representaria toda uma riqueza acaba na correlação de forças por ser uma imposição aos povos indígenas. (2014, p.14).

No Mato Grosso do Sul, os Guarani, enfrentam dificuldades em relação à

sustentabilidade e à gestão de seus territórios. Os que praticam a agricultura perderam

parte de suas técnicas de cultivos, suas sementes tradicionais, e tornaram-se

monocultores dependentes de insumos comerciais e de bens que não têm como

produzir.

Lembrando que o Estado é local em que se encontra a segunda maior população

indígena do país, calcula-se segundo dados da FUNAI e FUNASA, cerca de 51.000

Guarani, entre os sub-grupos: Kaiowá, Ñandeva e Mbya. Verifica-se ainda nos dados do

Instituto Socioambiental (ISA) que existem 51 terras indígenas concentradas no cone

sul do Estado, onde os municípios com maiores índices, de população indígena, estão

presentes no município de Japorã com 49,4%; Município de Paranhos com 35,7%; e,

Município de Tacuru com 35, 6% em relação à população municipal7.

Os subgrupos Guarani presentes no sul do Mato Grosso do sul, vivem em

diversos municípios do Estado, como: Antonio João, Amambai, Angélica, Bela Vista,

7 Disponível em: WWW.http. socioambiental.org/files/nsa/arquivos/memorial.pdf

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Caarapó, Coronel Sapucaia, Deodopolis, Dourados, Eldorados, Iguatemi, Iporã, Juti,

Laguna Caarapã, Naviraí, Paranhos, Ponta Porã, Sete Quedas e Tacuru.

As terras produtivas em que se encontram, são cobiçadas na região fronteiriça.

Estes se dão, entre outros motivos, por terem sido as terras indígenas vendidas a títulos

de propriedade, em passado recente pela própria União. E que atualmente, numa espécie

de mecanismo compensatório pela expropriação territorial, concede aos índios a posse

permanente das terras, sem que os atuais proprietários, fazendeiros, produtores,

empresários, assentados, entre outros segmentos sociais, sejam devidamente

indenizados.

Esses fatos, além de gerar conflitos, corroboram para um complexo ideológico

presente nos discursos dos mais variados, quer seja do senso comum, quer seja dos

representantes das camadas mais elitizadas e intelectualizadas, que põem em “xeque” a

pureza cultural ou primitividade, quanto à questão de serem ou não índios e, portanto,

merecedores ou não de seus direitos constitucionais.

Segundo a FUNAI, Embora detenham a posse permanente e o "usufruto

exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos" existentes em suas terras, conforme

o parágrafo 2º do Art. 231 da Constituição, elas constituem patrimônio da União. E

como bens públicos de uso especial, as terras indígenas além de inalienáveis e

indisponíveis, não pode ser objeto de utilização de qualquer espécie por outros que não

os próprios índios.

Sempre que uma comunidade indígena possuir direitos sobre uma determinada

área, nos termos do § 1º do Artigo 231 da CF, o poder público terá a atribuição de

identificá-la e delimitá-la, de realizar a demarcação física dos seus limites, de registrá-la

em cartórios de registro de imóveis e protegê-la. Estes atos estão vinculados ao próprio

caput do artigo 231 e por isso mesmo a União não pode deixar de promovê-los.

As determinações legais existentes são por si só, suficientes para garantir o

reconhecimento dos direitos sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios,

independentemente da sua demarcação física. Porém, a ação demarcatória é

fundamental e urgente enquanto ato governamental de reconhecimento, visando a

precisar a real extensão da posse indígena a fim de assegurar a proteção dos limites

demarcados e permitir o encaminhamento da questão fundiária nacional. Assim, o

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reconhecimento dos limites das terras dos índios não inviabiliza o desenvolvimento do

meio rural.

As terras indígenas não obstaculizam a expansão das atividades

agrícolas ou pecuárias, uma vez que as terras indígenas constituem

parte menor do estoque de terras que poderia ser destinado a programas governamentais de colonização e/ou reforma agrária.

(OLIVEIRA, p. 1987)

Segundo a FUNAI, a realidade expressada no estado para os povos indígenas, é

de confinamento territorial, e de permanente restrição ao seu modo de vida. É

constatado que vivem em áreas diminutas e sem terras demarcadas.

Figura 1

Fonte:www.funai.org.br

As leis existem e precisam ser respeitadas e cumpridas. É hora de por fim na

discriminação, nos conflitos territoriais. Demarcar, dar segurança e condições de

sobrevivência às populações Guarani, para viverem em suas terras de forma digna,

humana e com seus direitos cidadãos reconhecidos. No Brasil os subgrupos étnicos

guarani Kaiowá, Ñandeva, Mbyá, necessitam de autonomia e liberdade e direito de

ocuparem todos os espaços públicos, sem que sofram com discriminação e desrespeito.

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CONSIDERAÇOES FINAIS

Ao coletar informações teóricas nas obras pesquisadas, verificou-se que o modo

de vida guarani, a cultura, hábitos e língua, vencem o tempo mesmo com as mudanças

que ocorreram na forma de adaptação nas aldeias, comparado ao período colonial e

diante das imposições que permanecem por parte da sociedade dominante. Os

subgrupos Guarani, por meio de diversas manifestações demonstram resistência, lutam

pelo território e pela preservação do uso da língua materna, costumes, tradições e

direitos a uma vida digna.

Ao contrário do modo que muitos pensam que “índio não trabalha”, são eles

ativos, criativos e inteligentes. Discutir a forma preconceituosa que a população vê os

povos originários, é desconstruir o estereótipo fundamentado no colonialismo que nega

a identidade cultural.

Ao analisar sobre as etnias no Estado, percebe-se que são travadas grandes lutas

e resistências para conseguirem manter-se em seus territórios e a morosidade do poder

judiciário em demarcar as terras destes, faz com que fiquem confinados. Os Guarani

resistem ao modelo capitalista e individualista de viver. Entre eles, tudo é pensado a

partir do coletivo, que envolve não apenas os seres humanos, mas a Mãe Natureza e o

Cosmos, procuram viver em harmonia e equilíbrio com o meio- ambiente.

A discussão sobre a questão do conflito da re/demarcação de terras, do

preconceito e discriminação que envolve toda a questão de diferença, deve ser feita a

partir de perspectivas que buscam compreender as diversidade cultural e privilegiar o

diálogo intercultural.

Observou-se que a terra e a vida, para esses povos se transformam em uma só,

pois é o meio de se manter vivo tanto fisicamente quanto espiritualmente. Devemos

inserindo um novo olhar a população indígena, buscar conhecer e dialogar com formas

diferentes de viver e pensar.

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