palmas, a última capital planejada do século xx: resgate...

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Palmas, a última capital planejada do século XX: resgate de uma parte da história do urbanismo brasileiro pouco conhecida Palmas, the last planned capital city in 20 th century: rescue of part of a little-known Brazilian urbanism story Ana Beatriz Araujo Velasques 1 , Universidade Federal do Tocantins, [email protected] Vera Lucia Ferreira Motta Rezende 2 , Universidade Federal Fluminense, [email protected] Antonio Avelardo Filgueira dos Santos Junior 3 , Universidade Federal do Tocantins,[email protected] 1 Arquiteta e Urbanista (UFF), Mestre em Planejamento Urbano e Regional (UFRJ), Doutora em Urbanismo (UFRJ) 2 Arquiteta e Urbanista (UFRJ), Mestre em Planejamento Urbano e Regional (UFRJ), Doutora em Urbanismo (USP) 3 Estudante de Arquitetura e Urbanismo (UFT).

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Palmas,aúltimacapitalplanejadadoséculoXX:resgatedeumapartedahistóriadourbanismobrasileiropoucoconhecidaPalmas,thelastplannedcapitalcityin20thcentury:rescueofpartofalittle-knownBrazilianurbanismstory

AnaBeatrizAraujoVelasques1,UniversidadeFederaldoTocantins,[email protected]

VeraLuciaFerreiraMottaRezende2,UniversidadeFederalFluminense,[email protected]

AntonioAvelardoFilgueiradosSantosJunior3,UniversidadeFederaldoTocantins,[email protected]

1ArquitetaeUrbanista(UFF),MestreemPlanejamentoUrbanoeRegional(UFRJ),DoutoraemUrbanismo(UFRJ)2ArquitetaeUrbanista(UFRJ),MestreemPlanejamentoUrbanoeRegional(UFRJ),DoutoraemUrbanismo(USP)3EstudantedeArquiteturaeUrbanismo(UFT).

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DESENVOLVIMENTO,CRISEERESISTÊNCIA:QUAISOSCAMINHOSDOPLANEJAMENTOURBANOEREGIONAL? 2

RESUMO

Como resultado do estágio de pós-doutoramento realizado no Programa de Pós-graduação emArquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, este artigo traz os percursosteórico-metodológicos que subsidiaram o resgate e a divulgação da documentação relativa aoacervodaconstruçãodePalmas,capitaldoestadodoTocantins,nofinaldadécadade1980.Paraalémda recuperaçãodediferentes tiposde registros,oobjetivoprincipaldapesquisa residenatentativadeevocaramemóriadacidadecomoumconceitofundamental,nãoapenasnosentidode entender a dinâmica de processos passados, mas principalmente, de buscar a suaindividualidade, isto é, de quemaneira Palmas sintetiza a relação entre o geral e o particular econstitui-se em uma das mais relevantes experiências do urbanismo brasileiro no século XX.Entretanto,estacondiçãoémajoritariamentedesconhecidadograndepúblico,umavezquetemsemantido à sombra de projetos de novas cidades capitais histórica e amplamente difundidos,comoGoiâniae,sobretudo,Brasília.PoucomaisdeduasdécadasapósaconcepçãodoprojetodePalmas,épossívelafirmarqueseuacervodocumental representapreciosa fonteprimária,esuadifusãocontribuiráparaaproduçãodoconhecimentoea(re)construçãodeparteimportantedahistóriadourbanismo.

PalavrasChave:Cidade;Memória;Urbanismo;Palmas.

Abstract

AsaresultofvisitingscholarresearchattheGraduatePrograminArchitectureandUrbanismattheFluminenseFederalUniversity,thispaperprovidesthetheoreticalandmethodologicalcourseswhich supported the rescue and dissemination of Palmas construction collection, the capital ofTocantins state, in theendof80’s. Inaddition to the recoveryofdifferent typesof records, themainobjectiveofthestudyliesintheattempttoevokecityheritageasakeyconcept,notonlyinordertounderstandthedynamicsofpastprocesses,butmainlytoseektheirindividuality,thatis,howPalmassummarizestherelationshipbetweenthegeneralandtheparticularandbecomesoneof themost importantexperiencesof theBrazilianurbanism in the20th century.However, thiscondition is largelyunknown to themainpublic, as ithas remained in the shadowof importantandhistoricalprojectsofnewcapitalcities inBrazil,asGoianiaandespecially,Brasilia. Justovertwodecadesafter theconceptionofPalmas, it ispossible to say that its collection representsapreciousprimarysourceanditsdiffusionwillcontributetotheproductionofknowledgeandthe(re)buildingofpartofthehistoryofBrazilianurbanism.

Keywords:City;Heritage;Urbanism;Palmas.

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INTRODUÇÃO

Inicialmente, convidamos o leitor a imaginar a seguinte cena: uma grande cruz de madeira,construída com árvores da vegetação nativa, é colocada em um altar improvisado, erguido emuma área descampada. Ao redor, aglomeram-se várias pessoas, dentre as quais membros dediferentes grupos indígenas, que aguardam a celebração religiosa, sem conseguir disfarçar noolharummistodecuriosidadeeespanto.Deimediato,poderíamosconcluirquesetratadepartedo relato da primeira missa celebrada no Brasil, por ocasião da chegada da expedição donavegadorportuguêsPedroÁlvaresCabralà“novaterra”,em1500,cujacelebraçãofoieternizadadeformaidealizadaporVictorMeireles,em1860.

Noentanto,aoprosseguircomadescriçãodacena,éimportanteressaltarque,alémdeíndios,oeventoigualmentecontoucomaparticipaçãodeinúmerosintegrantesdocenáriopolítico,sejamvereadores,deputados,senadores,prefeitosegovernadores,quesedestacavamnamultidãoquese formara, com pessoas procedentes de "todos os cantos". Estaríamos, então, nos referindo àprimeiramissa realizada emalusão ao início da construçãodanova capital federal, Brasília, em1957?

Defato,acruzdemadeiraestavalá,fincadanoaltar;milharesdepessoas,dediferentesorigens,etniaselugares,presenciaramacelebraçãodaprimeiramissacomoumimportanteatosimbólico.Nofinaldadécadade1980,tambémemplenocerradobrasileiro,eracelebradanovamenteuma“primeiramissa”, que embora pouco conhecida em âmbito nacional, buscava se assemelhar àsantecessoras em todos os detalhes. Afinal, simbolizaria, damesma forma, o início de um novomomento: a construçãodeuma “nova cidade”, que seria a capital do Tocantins, omais “novo”estadodafederação.Assim,em20demaiode1989,surgiaPalmas,aúltimacapitalplanejadadoséculo XX (Ver Figura 01). Mas, para além dessas semelhanças com outros momentosemblemáticos da história brasileira,muito pouco se sabe sobre o processo de concepção e, demodomaisaprofundado,osignificadodoprojetodePalmasparaoUrbanismobrasileiro.

IMAGEM

Figura01:PainelcomfotografiasdodiadolançamentodapedrafundamentaldacapitaldoTocantins.

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Como resultado do estágio de pós-doutoramento realizado no Programa de Pós-graduação emArquiteturaeUrbanismodaUniversidadeFederalFluminense4,denovembrode2015aoutubrode 2016, a investigação do tema proposto busca preencher importante lacuna no que tange àpesquisasobrenovascapitaiscriadasnomundopós-Brasília,bemcomoemrelaçãoàescassezdetrabalhosdessanaturezasobrehistóriadascidadesedourbanismonaRegiãoNortedoBrasil,istoé,nocontextodaAmazôniaLegalesuaimportância,quetranscendeasquestõesexclusivamenteambientais. Sob este prisma, a criação de Palmas (1989) a partir de um projeto físico deimplantação ex nihilo, isto é, sem história precedente, ganha evidência, impulsionada pelascaracterísticasespecíficasdecidadeplanejadaeextremamenterecente,aomesmotempoemquese configura em um importante laboratório de observação sobre os distintos modos deapropriação a que esse “novo espaço urbano” tem sido submetido ao longo de poucomais deduas décadas de existência. Nestes termos, cumpre mencionar que o momento histórico deelaboração do projeto de Palmas no Brasil e no mundo encerra especificidades que agregaminteresse ao estudo. Comefeito, o final da década de 1980 encerra umperíodo extremamenteconturbado nas dimensões política e econômica, de transição cultural e artística, de quebra deparadigmas epistemológicos para a ciência e, ainda, de importantes discussões sobre comoplanejar e intervir nas cidades, protagonizadas, no caso brasileiro, pelos desdobramentos doMovimentoNacionalpelaReformaUrbanaeapropostadoEstatutodaCidade,alémdosprimeiroscontatos com a “nova” visão de planejamento urbano oriunda dos “planos estratégicosempresariais”.

Sob esta perspectiva, o presente artigo discute os percursos teórico-metodológicos quesubsidiaram o resgate e a divulgação da documentação relativa ao acervo da construção dePalmas,capitaldoestadodoTocantins,nofinaldadécadade1980.Paraalémdarecuperaçãodediferentes tipos de registros, o objetivo principal da pesquisa reside na tentativa de evocar amemória da cidade como um conceito fundamental, não apenas no sentido de entender adinâmicadeprocessospassados,masprincipalmente,debuscarasua individualidade, istoé,dequemaneiraPalmassintetizaarelaçãoentreogeraleoparticulareconstitui-seemumadasmaisrelevantes experiências do urbanismo brasileiro no século XX. Entretanto, esta condição émajoritariamente desconhecida do grande público, uma vez que tem se mantido à sombra deprojetosdenovascidadescapitaishistóricaeamplamentedifundidos,comoGoiâniae,sobretudo,Brasília.PoucomaisdeduasdécadasapósaconcepçãodoprojetodePalmas,épossívelafirmarqueseuacervodocumental representapreciosa fonteprimária,e suadifusãocontribuiráparaaproduçãodoconhecimentoea(re)construçãodeparteimportantedahistóriadourbanismo.

EMBUSCADAMEMÓRIADASCIDADESNO“PAÍSDAS IMPERMANÊNCIAS”:OPAPELDOURBANISMOEOPROJETODEPALMAS

Duranteaproximadamenteumséculo,asociedadebrasileiraassistiuàconstruçãoeconsolidaçãodeumforteideáriodiscursivo,paripassuaumconjuntosignificativodeintervenções,assentadosna necessidade de se apagar as marcas negativas do passado, que remetiam à escravidão, àdependência econômica, enfim, ao atraso, a partir da disseminação de valores e práticas detransformaçãoedemodernização, sejadoEstado, sejado locus, por excelência, de reproduçãodasforçaspolíticas,econômicasesociais,qualseja,oespaçourbano.Nestestermos,operíodode

4Apesquisadesenvolvidanoâmbitodoestágiopós-doutoralcontoucomoapoiodoCNPq.

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1870 a 1980 foimarcado, dentre outros aspectos, pelamultiplicação de planos – chamados dediretores,deexpansão,deurbanizaçãooudeurbanismo(FERNANDES,2014)que,emdiferentesescalasdeatuação,buscou,criaraimagemdoBrasilcomo“paísdofuturo”,apartirdediretrizescaldadasnahipervalorizaçãodo“novo”edabuscaincessantepelo“progresso”.

Essaorientaçãoéfundamentalparaentenderasrazõesqueconduziramàprogressivadegradaçãoe,nãoraro,aodesaparecimentodeexpressivapartedoconjuntomaterialeimaterialquecompõeopatrimôniohistóriconoBrasil.Abreu (1998) lembracorretamenteque, sehojeainda resistemalgunsvestígiosdopassadonoBrasil,talfatodeve-semuitomaisaolongoperíododedecadênciaeconômica observado em algumas cidades, comoOuro Preto, Salvador, Goiás eOlinda, do quepropriamenteapolíticasefetivasdepreservação.

Nãoporacaso,esseseculardescasocomopatrimôniohistórico,aliadoàsupremaciado“novo”para a construção do “país do futuro”, ajudou a criar, particularmente entre os europeus, umaoutraimagemdoBrasil,associadaàimpermanênciadascoisasemnossasociedade.

É preciso reconhecer, no entanto, que a partir da década de 1980, assistimos a uma gradativareorientaçãodaspolíticaspúblicasdeintervençãonasprincipaiscidadesbrasileiras,sobretudonotocante à valorização do patrimônio histórico – ainda que sob a égide da restauração deconstruções/monumentosdirecionadosprioritariamenteaoconsumoturístico,cujofocoprincipalé a prevalência da forma sobre a função. Seja como for, em relação à nossa frágil memóriainstitucional,aindatemosumlongocaminhoapercorrer.

Neste sentido, a história se propõe como uma inscrição duradoura no tempo, a fixar osacontecimentospelanarrativaescritaeadotá-losdepermanência,noplanodacoerênciadeumenredoedaatribuiçãodesignificados(PESAVENTO,2005).Eénesteintentoqueamemória,comoumamarca emblemáticadehistoricidade, traz paraodebateum importante elemento: as suasdiferentes formasderegistro.Asmemórias, sejam individuaisoucoletivas,carregamopequenomilagre e a alegria do reconhecimento, como lembra Ricoeur (2000), traduzido no ato deconfiançafrenteàimagemevocada.

Então,comosedariaesteprocessonacidade,definidacomoumaunidadedeespaçoetempo,eonde nos propusemos a ver como a história se apropria damemória para recuperar traçados,vivências e materialidades? Recuperar a cidade do passado implica, de uma certa forma, nãoapenas registrar lembranças, relatar fatos, celebrar personagens, reconstruir, reabilitar ourestaurarprédios,preservarmaterialmenteespaçossignificativosdocontextourbano.Todotraçodopassadopodeserdatadoatravésdoconhecimentocientífico,ouclassificadosegundoumestilopreciso, mas o resgate do passado implica em ir além desta instância, para os domínios dosimbólicoedosensível,aoencontrodacargadesignificadosqueestacidadeabrigouemumoutrotempo(PESAVENTO,2005).Assim,entremonumentosedocumentos,oindividualeocoletivo,oparticular e o geral, o discurso e a prática, tecem-se as relações que nos ajudam a construir amemóriadascidades.

No caso do presente artigo, a pesquisa emdestaque assumeoutra particularidade, qual seja, oresgatedamemóriadeumacidadeextremamente jovem, compoucomaisdeduasdécadasdeexistência,cujopontodepartidaé,precisamente,oseuprojetodeurbanismo–o“marcozero”dePalmas,capitaldoTocantins.Paratanto,aolongodecincoanosforamrecuperados,identificados,digitalizadosedisponibilizadosnositewww.memourbpalmas.orgosregistrosencontradossobreaconcepçãodoprojetodePalmas, bemcomo foramelaborados artigos sobreessa reconstrução,

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comapoiodosalunosdaUniversidadeFederaldoTocantins,dosco-autoresdoprojetodacapital,arquitetos Luiz Fernando Cruvinel e Walfredo Antunes de Oliveira Filho, além do suporte daPrefeituradePalmas,doProgramadeIniciaçãoCientíficadaUniversidadeFederaldoTocantinsedoConselhoNacionaldeDesenvolvimentoCientíficoeTecnológico.Assim, conhecer commaiorprofundidadeedifundirosprincípiosurbanísticosqueoriginaramanovacapitalemseucontextoespecífico torna-se fundamental para melhor apropriação da cidade pelos seus moradores, aomesmotempoquerecuperaerevalorizaosvínculosentreoprojetoeoprocessodeurbanizaçãodecorrente.

Quantoàfundamentaçãodapesquisa,nabuscapelacompreensãoedelimitaçãodaproblemática,encontramosemSecchi(2006)umasínteseprecisadessacomplexatarefa.Paraoreferidoautor,“(...) é difícil separar o aspecto concreto de uma transformação [ou criação urbanística] dosargumentospropostospara justificá-la,das intençõesquepresumivelmentea impulsionaram,dacultura,das imagens,da crençae tradições, apartirdasquais váriasdecisõesde transformação[oucriação]tomaramforma.”(SECCHI,2006,p.18).

EstaperspectivatambémécompartilhadaporLacaze(1992),paraquemaatividadedourbanismobusca prioritariamente um planejamento intencionado, que se conjuga a uma experiênciahistóricaamadurecidaeaumaorientação ideológicabemdefinida.Nessepercurso,oproblemapolítico-ideológicodacidadedizrespeitoprecisamenteaumproblemadeescolhaaqualétornadarealidadeatravésdaprópria ideiadecidade,ou seja:ahistóriadas cidades ideaisedasutopiasurbanas.Complementando,Argan(1998)reiteraque“sempreexisteumacidadeidealdentroousobreacidadereal,distintadestacomoomundodopensamentooédomundodosfatos(...)achamadacidadeidealnadamaiséqueumpontodereferênciaemrelaçãoaoqualsemedemosproblemasdacidadereal.”(LACAZE,1992,p.73).

Por conseguinte, a definição docorpusteórico do presente projeto alia-se, inegavelmente, àrelação do urbanismo com os projetos para novas capitais. Nestes termos, cumpre sublinhar acontribuiçãodeRezende(2002),paraquem“umprojetodecidadeestávinculadohistoricamenteàquelasociedade,naquelemomento”(REZENDE,2002,p.257)queretrataseuaspectoideológicoatravés da incessante “(...) busca da cidade ideal, sem problemas físicos ou sociais, [que] éapresentada como uma possibilidade real desde que sejam seguidas as proposições de caráterfísico”.(REZENDE,2002,p.260)

No âmbito estrito da origem das novas capitais, desde as intenções políticas e econômicaspreliminares até o desenho que ditará o controle de um espaço natural e seu arranjo formalpensadoparaabrigar todasas funçõesurbanas,oatodedecidir comomilharesdepessoas irãoviverapartirdesuafundaçãorevelaumadasfacetasdo“urbanismocomoumatodepoder”.Odesenho de origem de uma nova cidade (projeto), conjuntamente com o seu controle futuro(planejamento),encerramduasaçõesimplícitasaodomíniodastransformaçõesdoterritórioquesuporta a sociedade e suas relações. As novas cidades, ou cidades-capitais criadas a partir deprojetosurbanísticos,possuemsuasorigensdatadas– semhistóriaurbanaprecedente–e seushabitantesbuscamseajustaraoseudesenho,previamenteestabelecidopelo(s)seu(s)autor(es).

Todavia, a complexidade das demandas inerentes ao projeto de uma nova cidade quecorrespondem à organização do trabalho, da produção, higiene, conforto; à moralidade dahabitação;àsmanifestaçõesdavidapolíticaecultural,intelectualefísica;àconservaçãodecertosvalorestradicionais,enfim,sãoexigênciasindependenteseatécontraditóriasentresi,apontodenãoserempassíveisdeconciliação,salvoporcompromisso.“Mas,sobreamesadourbanista,cada

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umadelassereduzavaloresdeespaçoesomenterecorrendoaumaconcepçãoespacialunitáriaencontramumdenominadorcomum”(ARGAN,1983,p.85)

UmdosprincipaisproblemasdourbanismosuscitadoporLacaze(1992)reside“(...)nomomentoem que alguém, com ou sem razão, estima ser necessário iniciar ou provocar uma ação paratransformar (ou criar) os modos de utilização do espaço e chegar a uma ‘situação julgadapreferível’ [ou desejável]” (LACAZE, 1992, p. 12). E complementa: “(...) amaneira de efetuar asescolhas e, consequentemente, os critérios de decisão, são centrais e fundadores daespecificidadedeumacondutadeurbanismo”(LACAZE,1992,p.12).Tal“condutadeurbanismo”,nadamaissignificaqueapostura ideológicapessoaleprofissionalqueourbanistaadotaparasipróprio.

Em complemento, cumpre frisar que a elaboração de projetos para novas cidades-capitaiscompreendeumadasatividadesmaisantigasdourbanismo,cujointuitomaioréadefiniçãofísicadaorganizaçãoespacialdeumacidade–aindaquenãosejaumacidadequalquer–poistrata-sedacriaçãodeumespaçoadministrativocomafinalidadedeabrigarocentrodopoderpolíticoeeconômicodeumpaísoudeterminadaregião,impondo-lheumaimagemcomforteidentidadeeestabelecendolocalizaçõesecomunicações.Nestecaso,paraefeitodeentendimentodoconceitodecidade-capital,destacamosasdefiniçõesdeMumford(1991)eArgan(1983):

[a cidade-capital] apresenta-se comoumaestrutura especialmente equipadapara armazenar e transmitir os bens da civilização e suficientementecondensadaparaadmitiraquantidademáximadefacilidadesnummínimodeespaço, mas também capaz de um alargamento estrutural que lhe permiteencontrarumlugarquesirvadeabrigoàsnecessidadesmutáveiseasformasmais complexas de uma sociedade crescente e de uma herança socialacumulada(MUMFORD,1991,p.38);

A capital, — transcendendo o antigo caráter municipal—, torna-se [na eraModerna] o centro político do Estado nacional unificado por uma soberaniacrescentemente absolutista que implica a conjugação com seu corpo,territóriossubmetidosaseucomando(ARGAN,1983,p.30).

Sobreodebateemquestão,Galantay (1975)ganhadestaqueaoexplorarotemaespecíficodas“novascidades-capitais”.Paraoautor,novascidadessão“comunidadescriadasconscientementeem resposta a objetivos claramente formulados” (GALANTAY, 1975, p.15). A criação destesespaçosurbanoséentendidaemconsonânciacomosdemaiscitados,como“atosdepoder”,frutode decisões, pressupondo a atuação de uma autoridade ou organização forte que reúna osrecursosnecessárioseexerçaumcontroledasuaocupação.

Acapitalpossuiumaimportânciaquenãopodesermedidaapenaspelovolumedecomércioouindústria, por sua extensão territorial ou PIB como geralmente cabe às cidades em geral, mascomocabeçapensantedaregiãooudopaísondeseusproblemas,suasaspirações,seusprojetos–sejam eles “sonhadores” ou “realistas” – bem como as vicissitudes de sua vida multiformeinteressamatodasociedadepolíticaqueserefletenesteespaço.Acapital,portanto,encerrauminstrumentopolíticoporexcelência(PENNA,1958).Amudançaouacriaçãodeumanovacapitalconstitui-seemumacontecimentoquemarcaodestinodeumadeterminadasociedade.

No caso de Palmas, a estreita relação entre urbanismo e política constitui um exemploemblemático.Estarelevânciajustifica-seduplamente,querpelaescaladaexperiência–oprojetode uma cidade, capital de estado – quer pela ausência de estudos que buscassem nos

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recortesespaçoetempo,elementosqueajudassemacompreenderosprincípiosquenortearamoprojetourbanísticooriginal[1].Sobestaperspectiva,faz-semisterrecuperaraconjunturasingularqueinfluenciariademodomarcanteaformaçãodosautoresdoprojetourbanísticodePalmas.

NoBrasildadécadade1950,vivia-seoapogeudosideaismodernistas.EmplenasintoniacomodiscursodesenvolvimentistaconsolidadopelogovernodopresidenteJuscelinoKubitschek(1956-1961), no qual o desenvolvimento era visto como sinônimo de superação da pobreza emodernização do espaço (LIMOEIRO, 1977; MACHADO, 2011), a construção da nova capitalfederal, Brasília, iniciada em 1957 e inaugurada em 1960, tornou-se um dos exemplos maisemblemáticosdamaterializaçãodosprincípiosmodernistasestabelecidosnaCartadeAtenas.Porextensão,osarquitetosresponsáveispeloprojeto,LucioCostaeOscarNiemeyer,foramelevadosàcondiçãodeíconesdomodernismonaarquiteturaenourbanismoemescalamundial.

Em um contexto marcado pela difusão dos preceitos modernistas a partir dosuperdimensionamento da experiência de Brasília, teve início a formação dos arquitetos que,quase três décadas depois, seriam responsáveis pelo projeto de Palmas: Luiz FernandoCruvinelTeixeiraeWalfredoAntunesdeOliveiraFilho.NascidoemGoiânia,nodia13deoutubrode1943,Luiz Fernando Cruvinel Teixeira foi, segundo suas próprias palavras, “bombardeado” pelaarquiteturaepelourbanismoaindamuito jovem,a começarpelo fatodeviveremumacidade-capitalplanejadano“meiodonada”(projetooriginaldoarquitetoAttílioCorreiaLima,de1933),igualmente de influência modernista. Na adolescência, acompanhou de perto, e com grandeentusiasmo,nãoapenasocrescimentodacapitalgoiana,mastambémaconstruçãodeBrasíliaetodooritmofrenéticodasobrasmonumentaissendoerguidas“nasterrasvermelhasdocerrado”.Diantedessecontextosingular,aopçãopelocursosuperiordearquiteturafoiumaconsequência“natural”, além de extremamentemarcante: como não havia curso de arquitetura emGoiânia,ingressou na Universidade de Brasília (UnB) em 1962, onde fez parte da seleta geração dearquitetosquepuderamvivenciaro augedaexperiênciadeestudar “omodernismonaprática”(VELASQUES,2010).

O arquitetoWalfredo Antunes de Oliveira Filho nasceu na cidade de São Paulo, em 1948,masaindanainfânciasuafamíliamudou-separaGoiânia.ApósalgunsanosresidindonoestadodoRiode Janeiro, Walfredo Antunes retornou à Goiás, e ao longo de toda a década de 1960, asreferências a Goiânia e, em especial, a Brasília, tornaram-se cada vez mais intensas, fato queinfluenciou diretamente na escolha pelo curso de graduação em arquitetura na FaculdadePresbiterianaMackenzie,na capital paulista, aindano finaldadécadade1960, sendoomesmoconcluído na Universidade Católica de Goiás, em 1974. Neste mesmo ano, Luiz Fernando eWalfredo, juntamente com os arquitetos Walmyr Aguiar e Solimar Damasceno, fundaram oEscritóriodeArquiteturaGrupoQuatro,emGoiânia,queportrêsdécadasdestacou-senãoapenaspelaautoriadeimportantesprojetosdearquitetura,massobretudo,pelaatuaçãoemprojetosdeurbanismo nos estados de Goiás e, posteriormente, no Tocantins, quando da sua criação em1988[2](VELASQUES,2010).

Cabe frisar que o trabalho desenvolvido pelo Escritório GrupoQuatro adquiriu importância enotoriedade na região, particularmente, pela combinação de uma dupla experiência acumuladados arquitetos Luiz Fernando Teixeira e Walfredo Antunes, quais sejam, a atuação no serviçopúblico e a realização de estudos de pós-graduação na Europa. Especialmente no decorrer dasdécadas de 1970 e 1980, tanto Luiz Fernando quanto Walfredo Antunes exerceram cargosexecutivos e de assessoria em destacados órgãos do governo do estado de Goiás nas áreas de

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planejamentoedesenvolvimentourbano,tornando-seresponsáveispelaelaboraçãodeinúmerosprojetosdeurbanismo,transportesehabitação,alémdeplanosdiretoresparamunicípiosgoianos(VELASQUES,2010).

Em adição a esta experiência, cumpre ressaltar a complementação da formação acadêmica dossupracitados arquitetos em nível de pós-graduação. Luiz Fernando realizou cursos deespecialização em Estudos Tropicais, no final da década de 1960, e, posteriormente, emPlanejamentoeDesenhoUrbano,noiníciodadécadade1970,ambosnaArchitecturalAssociationSchoolof Architecture (AA);Walfredo Antunes, por sua vez, cursoumestrado em PlanejamentoRegionaleUrbanonaLondonSchoolofEconomics(LSE),noperíodode1975a1980(VELASQUES,2010).

Essa experiência no campo acadêmico chama a atenção para a compreensão de dois fatosfundamentais, associados aos princípios adotados no projeto de Palmas. O primeiro deles dizrespeitoàsinstituiçõesemtela–AAeLSE–duasdasmaisimportantesreferênciasdetradiçãonoensino superior,nãoapenasnocenáriobritânico,masem todocontinenteeuropeu.O segundorefere-se à possibilidade singular de confrontação entre uma base de ensino em arquiteturamodernistaporexcelência–associadaaoscursosdegraduaçãodeambososarquitetos–eo jáconsolidado corpus teórico encontrado naquelas instituições, de cunho predominantementecrítico–bemcomodasexperiênciaspráticasdesenvolvidas–comparticulardestaqueparaasnewtownsinglesas – assentadas em estudos que privilegiavam os debates sobre a amplificação dofenômeno da urbanização no mundo e o papel do planejamento diante dos desafios e dacomplexidadequesedelineavamapartirdadécadade1970(VELASQUES,2010).

Trazendo o esforço de contextualização para o Brasil da década de 1980, contata-se que esteconfigurou-se em um período de transição, marcado por profundas transformações sociais. Naesteira do movimento pela democratização e de elaboração de uma nova Constituição, asdiscussões apontavam para a falência do modelo de centralização estatal na esfera doplanejamentodascidades.Alémdisso,defendiamqueoprotagonismodeveriasertransferidoaosprópriosmunicípios,particularmentenoquetangeàelaboraçãodefuturosplanosdiretoresedeummaiorengajamentodosdiversossetoresdasociedadecivil.Ofocoprincipal,comonãopoderiaserdiferente,eraametrópolebrasileira[3],síntesedetodasortedemazelasadvindasdedécadasseguidasdeumanti-planejamentoqueconduziuaumperversoprocessodeurbanizaçãocalcado,entreoutrascaracterísticas,noaprofundamentodasegregaçãosócio-espacial(MARICATO,2004).

Enquanto isso, em pleno cerrado brasileiro, havia em curso um movimento emancipatório decaráterregionalqueculminounadivisãodoestadodeGoiás,cujaporçãonortetransformou-senoestadodoTocantins, oficialmente instituídoapartir dapromulgaçãodaConstituição Federal de1988.AcriaçãodomaisnovoestadodafederaçãoimplicounãosomentenaaberturademaisumaáreadeexpansãodafronteiradocapitalemdireçãoàAmazônia,mastambémemumaespéciede“reediçãodacontradiçãoentreovelhoeonovo”(MACHADO,2011),considerandoainiciativadoprimeiro governador tocantinense eleito, JoséWilson Siqueira Campos, de construir uma novacidadeparaabrigaracapital.

Depois de Goiás celebrar a “nova” capital, Goiânia, e, posteriormente, o ápice vivido com atransferência da capital federal do Rio de Janeiro para a “moderna” Brasília, o governo doTocantins, com base no resgate de discursos e representações que visavam acentuar anecessidade do “desenvolvimento”, do “progresso”, em oposição ao passado de miséria e

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abandono, consolidou a proposta de se erguer uma cidadeexnihilo, no centrodo estado, comosíntesedo“novo”(MACHADO,2011).

Para a elaboração do projeto da nova capital do Tocantins, o governo estadual não realizouconcurso público, evidenciando o fato de que a construção de uma cidade capital encontra-sefortementeancoradaemumadecisãoessencialmentepolíticanasuaorigem,naqualaafinidadeideológica constitui fatordeterminantenaescolhadoprofissionalougrupodeprofissionaisquelevará a cabo a materialização da legitimação do poder político em um contexto específico(LACAZE,1992).

Nãopor acaso, a experiência profissional e intelectual dos arquitetos Luiz FernandoeWalfredoAntunesà frentedoGrupoQuatro, aliadaàproximidadepessoal e ideológica comogovernadorSiqueira Campos e seu discurso, constituíram-se em elementos decisivos para a escolha doreferidoEscritóriocomoresponsávelpelaelaboraçãodoprojetodePalmas.

REGISTROSDOPROJETOURBANÍSTICODEPALMAS:OSEUTEMPOEOSEUESPAÇO

Acondiçãode“últimacapitalplanejadadoséculoXX”eadimensãoadquiridadopontodevistadaextensão (escala) dos fenômenos sociais, políticos e culturais atrelados, assumem expressivarelevância e imprimemanecessidadeda continuidadedodesenvolvimentodenovas pesquisas,comprometidascomamanutençãoedisponibilizaçãodeinformações,dados,registros(oficiaisenão-oficiais), memórias dos seus habitantes, fotografias, pesquisas científicas e trabalhosacadêmicos, enfim, todomaterial que subsidie novas investigações e auxilie na preservação dahistóriadacidade.

O resgate e a disponibilização dos registros do projeto de Palmas, por si só remete-seintrinsecamente à transferência e difusão dos conhecimentos gerados. Para tanto, buscamosparcerias com um dos autores do projeto de Palmas para através da Prefeitura subsidiar umNúcleovoltadoparaatenderesseobjetivo,queindanãoseconcretizouefetivamente,masgerouositewww.memourbpalmas.orgquedisponibilizatodoacervoencontradonaCasadaCulturadaPrefeitura de Palmas, acervo particular do arquiteto Walfredo Antunes de Oliveira Filho,reportagensdejornaiserevistasàépoca,entrevistasetrabalhoscientíficosdenaturezadiversa.

Cumpreigualmentedestacarque,de2011a2012,oprojetodepesquisaobteveapoiofinanceiroda Prefeitura Municipal de Palmas, por meio de edital público destinado à digitalização dasimagensdisponíveisparaconsultanaCasadaCultura,órgãoque integraaFundaçãoCulturaldePalmaseconcentraoprincipalacervodocumentaldacapitaltocantinense.Aofinaldoprocessodedigitalização, todo o material foi entregue em DVDs à direção da mencionada instituição,juntamentecomorelatóriofinaldapesquisa.Destaforma,osarquivosdeimagemdisponíveisnosite possuem suas respectivas fontes originais devidamente registradas para fins de divulgaçãoacadêmico-científicanoâmbitodoprojeto.

As fontes que embasaram preliminarmente o trabalho referem-se ao “Relatório Técnico deelaboraçãodoProjetodaNovaCapitaldoTocantins,Palmas”,eo“ProjetodacapitaldoTocantins:Memória do Plano Básico”, ambos produzidos pelo Escritório GrupoQuatro em 1989. Nestesdocumentos encontram-se as principais informações sobre o partido urbanístico, estruturado apartir de umaproposta demacroparcelamento definido por um sistema viário hierarquizado eorientadopelospontoscardeaisjuntoaoselementospaisagísticosrelevantes–aserradoLajeado

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a leste, e o rio Tocantins a oeste, ambos em paralelo ao sítio plano destinado à cidade – quesetorizam quadras de aproximadamente 700 x 700 metros, organizadas segundo os usosprioritários,alémdegenerosasáreasdepreservaçãoambientaljuntoaoscórregosquedescemdaserra em direção ao rio, acrescentando-se ainda a determinação de algumas diretrizes deplanejamento da ocupação do espaço urbano futuro, voltadas para o controle da expansão eotimizaçãodos custos relativosà implantaçãoda infraestrutura, conformeas Figuras2, 3, 4e5(GRUPOQUATRO,1989).

Figura02:ImagemaerofotogramétricadosítiodeimplantaçãodafuturacapitaldoTocantins.

Figura03:PlantatopográficadaáreadeimplantaçãodePalmas.

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MAGEM

Figura04:Painelcomosestudosgráficosparalocalizaçãodanovacapital.

IMAGEM

Figura05:Painelcomplanobásicodacidade.

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Umavezimplantadaaredebásicadequadrasporetapas,combasenaaberturadasviasarteriais,cada uma delas seria objeto de parcelamento interno próprio. Neste ponto, a questão daflexibilidade emerge novamente como um ponto de destaque, namedida em que possibilitariaumavariabilidadedesoluçõesurbanísticasemcadacaso, inclusivequantoaostiposconstrutivospermitidos para as edificações (habitações uni e multifamiliares, bem como residênciasgeminadas, seriadasou isoladas),paraasquaisosprojetistasdeveriamconsideraro tratamentodoslimites,dasfranjasdasquadrasesuasrelaçõeseconexõescomaspróximas(GRUPOQUATRO,1989).

Emrelaçãoàporçãocentraldasquadras, foramprevistosequipamentospúblicosbásicos, comopraças, escolas, centros comunitários e bibliotecas. Por sua vez, ao comércio e aos serviços decarátervicinal,deafluênciamaisimediataecotidianadapopulação,foramdestinadosostrechosmaisoumenos regularesdasviascoletoras.Assim,delineou-sea feiçãourbanísticadasquadrastipicamente residenciais, planejadas como unidades básicas de organização da vida na cidade(SEGAWA,1991;TEIXEIRA,2009).

Quanto à diretriz de ocupação da cidade em fases, que integra o conceito de viabilidade doprojeto, os autores do plano estabeleceram o centro da cidade como a primeira área a seradensada, cujo marco de delimitação seria o recorte espacial localizado no encontro dos doisprincipaiseixosviáriosarteriaisestruturadores,quaissejam,asAvenidasTeotônioSegurado(eixonorte-sul)eJuscelinoKubitscheck(eixoleste-oeste).Essaprimeirafasecompreenderiaumtotaldecem mil habitantes, que segundo estimativas dos autores, poderia ocorrer em um período decincoadezanos,dependendodo ritmode crescimento. Somenteentãoa segunda fase,deumtotaldecinco,seriadeflagrada,emáreaimediatamentecontíguaàanterior(VerFigura6).

IMAGEM

Figura06:CroquisdasetapasdeimplantaçãodacidadepropostasnoMemorial.Fonte:GrupoQuatro,1989.

Paraalémdestesdoisdocumentosqueapresentamoficialmenteoprojeto,noacervodoarquitetoLuiz Fernando Cruvinel, doado por ele à Prefeitura de Palmas, foram encontrados outrosimportantesregistros,taiscomo:basesaerofotogramétricas,relatóriodeimpactoambientalpara

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implantaçãodacidade,projetosparaasquadrasdaáreacentral,projetosdemobiliáriourbano,comunicação visual, projetos complementares, entre outros. O arquiteto Walfredo Antunesdisponibilizou gentilmente seu acervo localizado no escritório e na sua residência, onde foramlocalizados os painéis originais de apresentação do projeto, maquetes físicas, além de estudossobre outras cidades que serviram de repertório para a definição do partido. De modocomplementar, foram realizadas pesquisas em Goiânia, no escritório ainda ativo do próprioGrupoQuatro, revistas e jornais da época, bem comoa identificaçãode trabalhos acadêmicos ecientíficos, de âmbito nacional e internacional, incluindo-se os artigos produzidos pelo própriogrupo de pesquisa. Este acervo está disponibilizado no site “Palmas, memórias do urbanismo:documentaçãoepesquisasobreaconcepçãourbanísticadePalmas.”

CONCLUSÃO

Oartigooraapresentadoderivadapesquisa“Teoriasurbanísticasenovascidades:documentaçãoepesquisasobreaconcepçãodoprojetourbanísticodePalmas-TO”,bemcomocontemplapartedos produtos resultantes da atividade de estágio de pós-doutoramento realizada junto aoPrograma de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense.Nestaperspectiva,destaca-seaanálisedadocumentaçãoedos registroshistóricosassociadosàconcepçãodoprojetourbanísticodacapitaldoTocantins,apartirdeumaprofundamentoteórico-metodológico fundamental, que visa subsidiar a criação de um “Núcleo de Registro,Documentação e Pesquisa sobre a Memória Urbana de Palmas-TO”. Esta proposta destina-se,sobretudo, ao fomento das atividades de ensino, pesquisa e extensão sobre a relevância e osignificado da criação de uma nova cidade para abrigar a capital do mais jovem estado dafederação, o Tocantins, a partir da produção de artigos, realização de seminários e, ainda, daatualizaçãoconstantedosite,queuniversalizeoacessoatodadocumentaçãoexistente–croquis,desenhos,plantas,publicações,leis,fotografias,basescartográficas,relatóriosoficiais,notíciasdejornaiseentrevistas.

Para além da recuperação de diferentes tipos de registros, este artigo pretendeu evocar amemória da cidade como um conceito fundamental, não apenas no sentido de compreender adinâmica de processos passados, mas principalmente, de buscar a sua individualidade (ABREU,1998),istoé,dequemaneiraPalmassintetizaarelaçãoentreogeraleoparticulareconstitui-seemumadasmaisrelevantesexperiênciasdourbanismobrasileironoséculoXX.Entretanto,estacondição é majoritariamente desconhecida do grande público, uma vez que tem se mantido àsombradeprojetosdenovascidadescapitaishistóricaeamplamentedifundidos,comoGoiâniae,sobretudo, Brasília. Pouco mais de duas décadas após a concepção do projeto de Palmas, épossível afirmar que seu acervo documental representa preciosa fonte primária, e sua difusãocontribuiráparaaproduçãodoconhecimentoea(re)construçãodeparteimportantedahistóriadourbanismo.

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