pardela 27
DESCRIPTION
revista ornitológica, Sociedade Portuguesa para o Estudo das AvesTRANSCRIPT
FICHA TÉCNICA
DirectorCarlos Pereira
Comissão Editorial Ana Leal, Maria Dias,
Susana Rosa, Vanessa Oliveira
Fotografias
Ana Berliner, Augusto Faustino, Carlos Pereira, Faísca, Instituto
Hidrográfico, José Viana, Pedro Cunha, Pedro Geraldes, Ray Tipper, Ricardo Lopes,
Ruben Heleno, Teresa Catry,Teresa Marques, Vanessa Oliveira
Colaboradores Ana Berliner, Augusto Faustino,Carlos Pereira, Carlos Godinho, Domingos Leitão, Helder Costa,
Instituto Hidrográfico, Joaquim Teodósio, João Ministro, Luís Gordinho, Paulo Catry, Paulo Marques,
Pedro Geraldes, Ricardo Tomé, Ricardo Lopes, Silvia Nunes,
Sofia Coelho, Vanessa Oliveira
IlustraçõesJoão Tiago Tavares, Paulo Alves
Pedro Alvito
Paginação e grafismoBBnanet.com
ImpressãoTextype-Artes Gráficas, Lda
Tiragem 1500 exemplares
ISSN 0873-1124Depósito legal: 284857544
Os artigos assinados exprimem a opinião dos seus autores e não necessariamente a da Sociedade
Portuguesa para o Estudo das Aves
SPEA
DIRECÇÃO NACIONAL
Rua da Vitória, nº 53, 3º esq1100-618 Lisboa
TEL: 213 220 430FAX. 213 220 439
e-mail: [email protected]
www.spea.pt
A fotografia de aves, nomeadamente em locais de reprodução, comporta algum risco de perturbação para as mesmas. A grande maioria das fotografias incluídas nesta publicação foi tirada no decorrer de
estudos científicos e de conservação sobre as espécies, tendo os seus autores tomado as
precauções necessárias para diminuir ao máximo o grau de perturbação sobre as aves.
A SPEA agradece a todos os que gentilmente colaboraram com textos, fotografias e ilustrações.
PRESIDENTE:
VICE-PRESIDENTE:
SECRETÁRIO-GERAL:
TESOUREIRO:
VOGAIS:
Ricardo ToméJaime RamosTeresa CatryMiguel CapeloCarlos PereiraMaria DiasPedro Cardia
Abutre do Egipto, Ray TipperFoto Capa
Índice
Ricardo Tomé
EditorialHelder Costa é um nome que dispensa apresen-
tações. Foi o principal rosto da SPEA nos últimos 8
anos e uma presença constante no acompanhamento
dos projectos, das actividades, das pessoas, da sede. A
SPEA faz parte da sua família e o Helder certamente é
um familiar próximo das aves e da sua conservação.
Não passou um dia em que o Helder, levando a peito
as suas funções presidenciais, deixasse de visitar a
sede ou conferenciar com o staff ou Direcção sobre as
questões quotidianas da SPEA. Talvez tenha exagera-
do na frase anterior: lembro-me agora de uma sema-
na, nos últimos 4 anos, em que o Helder não deu notí-
cias: estava na Costa Rica. Talvez tenha sido o con-
tacto com tamanha variedade de temas e pessoas, no
âmbito da SPEA, que tenha levado o Helder a perder
uma das suas principais características: a timidez. Um
Presidente da SPEA é um Homem e não uma carriça e,
por isso, passado pouco tempo, lá estava o Helder com
um sorriso nos lábios a enfrentar a comunicação
social, os sócios e os mais diversos interlocutores. Com
a mesma calma, mas já sem acanhamento, víamos o
Helder falar com o mesmo à vontade e conhecimento
de causa do Préstige, das IBAs, de espécies ameaçadas
ou da estratégia da SPEA para os anos vindouros.
A passagem do Helder pela SPEA marca uma fase
de enorme sucesso e crescimento para a associação. Se
a expressão “homem do leme” é usada noutros con-
textos, aqui ela também pode ser aplicada com pro-
priedade. Foi beneficiando do seu trabalho e dedi-
cação que a SPEA foi congregando boas equipas direc-
tivas e um corpo técnico e executivo de grande quali-
dade. Passou a haver estratégia, a integração de objec-
tivos de conservação concretos, o desenvolvimento de
projectos de importância a nível nacional, um cresci-
mento assinalável do número de actividades para os
sócios. Para quem já é sócio há muito tempo, parece
que sempre foi assim. Mas não foi. E a liderança do
Helder não é indissociável desta evolução. Como
sempre, haverá ainda coisas a melhorar na SPEA. É
sempre assim, e mal seria se o grau de exigência não
crescesse ao mesmo ritmo que a associação. E, sendo
um lugar comum, é sempre mais fácil criticar do que
fazer. Difícil mesmo seria encontrar quem nos últimos
anos tivesse feito mais pela SPEA que o Helder e ainda
tivesse arranjado tempo para respirar.
É bom reconhecer o mérito a quem o tem e é impor-
tante que tal seja feito no tempo certo. A proximidade
da saída do Helder não nos ofusca a capacidade para
reconhecer, desde já, a sua importância. Agora, tal como
quando a SPEA tiver uma idade respeitável, o Helder é
já uma referência na associação. Esperamos continuar
no bom caminho que ele iniciou (e, bem ao seu estilo,
teve o cuidado de indicar num mapa, juntamente com
os melhores pontos para observar aves no percurso). E a
SPEA contará sempre com a sua colaboração e
disponibilidade, mesmo que depois de umas feriazitas
merecidas. E não é só a associação que agradece: é todo
um coro de cantos e pios que se ouve de madrugada.
pág. 3
pág. 4
Programa Rural pág. 6
LIFE Priolo pág. 8
Programa Marinho pág.10
IBAs pág.12
Roteiro Ornitológico pág.14
pág.16Aves à volta do mundo
pág.18História
pág.20Conservação
pág.22
pág.26Onde observar
pág.27Ciber-Ornitofilia
Breves
Destaque
Ornitologia
pág.24
Migração de Avesem Sagres
Projecto LIFE Sisão
pág. 7
Projecto Montadose Florestas de Sobro
Monitorizaçãouma ferramenta essencial
A Marinhacolabora com a SPEA
Estuário do Mondego
Uma visita aoDouro Internacional
CubaNo coração das Caraíbas
As Aves nos Descobrimentos portugueses
Sagres, a Migraçãoe os Parque Eólicos.Crónica de um impacto anunciado?
A ciência das Aves
A Toutinegra-tomilheiraSylvia conspicillata
TelescópiosParte 1: A pesquisa
Programa Rural
Breves
3
Com a última atribuição dos fundos LIFE
pela Comissão Europeia, a SPEA participa em
dois novos grandes projectos de conservação
de aves. Um dos projectos é da responsabi-
lidade do Parque Natural da Madeira, sobre a
Freira do Bugio (Pterodroma feae), sendo a SPEA
o único parceiro deste projecto. Em Malta, os
nossos colegas da BirdLife Malta ganharam um
projecto sobre a conservação do Fura-bucho
do Mediterrâneo (Puffinus yelkouan) e deter-
minação de áreas importantes para protecção
desta espécie e de colónias de aves marinhas. A
SPEA será consultora neste projecto, contri-
buindo com a experiência adquirida no pro-
jecto LIFE IBAs Marinhas.
São duas excelentes oportunidades para
contribuirmos para a protecção de aves mari-
nhas e um bom impulso para o recém-criado
Programa Marinho da SPEA. Os nossos para-
béns aos proponentes dos dois projectos!
Novos projectosLIFE
Freira do Bugio
Pe
dro
Ge
rald
es
1.
O Programa Rural da SPEA, recém-
-criado, desenvolve em 2006 quatro
novos projectos:
! A campanha “Semear o Futuro”, que visa
sensibilizar os agricultores para a diversida-
de das aves nos meios agrícolas e para o que
podem fazer para proteger as aves das suas
propriedades;
! A campanha “Real cork for real birds”, em
parceria com a APCOR e a RSPB, que visa
informar o público britânico e a parceria
BirdLife International sobre a diversidade de
aves dos montados de Sobro;
! A campanha “Farming for Life”, com a
BirdLife International, que visa influenciar a
administração para que o novo Plano de
Desenvolvimento Rural contemple medi-
das agro-ambientais específicas para a
conservação das estepes cerealíferas;
Programa Rural da SPEA
com novos projectos
Desde o início de Abril, contamos com duas novas colaboradoras no Programa Rural da SPEA.
A bióloga Joana Andrade, inserida no projecto de Turismo Ornitológico, terá a responsabilidade
de planear e realizar trabalhos de inventariação e levantamento de zonas relevantes para o turismo
ornitológico e de desenvolver programas, itinerários e informações básicas sobre turismo ornito-
lógico em Portugal. A Clara Ferreira, licenciada em Comunicação e Marketing, irá trabalhar na _campanha “Semear o Futuro uma agricultura para as pessoas e para as aves”, que visa promo-
ver práticas favoráveis à conservação das aves junto dos agricultores do Alentejo. Contamos
também com a ajuda da Clara para ajudar a consolidar e projectar a imagem da SPEA.
No final de Abril, entrou em funções a nova assistente administrativa, a Susana Alves, que
substitui a Joana Cardoso no cargo. A Susana está encarregue do expediente geral de escritório e
atendimento ao público (Loja SPEA, actualização de quotas e admissões de sócios) e pode ser
contactada pelo endereço de e-mail:
Não podemos deixar de expressar o nosso agradecimento à Joana pelo trabalho desenvol-
vido na SPEA nos últimos anos, e em particular pelo entusiasmo, dedicação e boa disposição a
que nos habituou.
Em Maio, o Carlos Silva iniciou funções como novo assistente de projecto do LIFE Priolo. O
Carlos estará responsável por grande parte do trabalho de monitorização do projecto, bem como
pelo acompanhamento das restantes acções de campo.
Por fim, em Junho, começou a colaborar connosco o biólogo João Pedro Neves, no âmbito do
protocolo “Linhas Eléctricas Aéreas e Avifauna em Portugal” celebrado pelas entidades EDP _Distribuição, Instituto da Conservação da Natureza (ICN), QUERCUS Associação Nacional
para a Conservação da Natureza e Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).
Desejamos a todos um bom trabalho!
Novos colaboradores da SPEA
A SPEA organizou, em conjunto com a _ARCA Associação de Repórteres de Ciência
e Ambiente, um workshop sobre o tema: “Gripe
das Aves: o perigo que espreita no Outono”,
dirigido a sócios da ARCA. O workshop, que
decorreu em Alcochete a 3 de Julho, teve como
objectivo preparar melhor os jornalistas para
escreverem sobre o tema. Contou com a pre-
sença de representantes do Laboratório Na-
cional de Investigação Veterinária, da Direc-
ção Geral de Saúde, do Instituto de Conser-
vação da Natureza e da SPEA. Para além das
quatro palestras que abordaram questões tão
diversas como as inerentes à própria doença
(patologia, epidemiologia, virologia) e às pos-
síveis implicações na conservação da natu-
reza e na saúde pública, foi também realizada
uma visita às Salinas do Samouco.
SPEA colabora com a ARCA
Vanessa Oliveira, Luís Costa & Domingos Leitão
1
! O projecto “Turismo Ornitológico”, em par-
ceria com a Confederação de Agricultores
Portugueses (CAP), que visa criar condi-
ções para que proprietários agro-florestais
possam prestar serviços na área da obser-
vação de aves.
Situada no extremo SW de Portugal,
a península de Sagres situa-se no conce-
lho de Vila do Bispo, da qual dista uns
escassos 10 km, e encontra-se geografi-
camente enquadrada a sul pela Vila de
Sagres e a norte pelo Cabo de S. Vicente.
Insere-se no Parque Natural do Sudoeste
Alentejano e Costa Vicentina e na Rede
Natura 2000, estando designada como
Zona de Protecção Especial para Aves e
Zona Especial de Conservação. Está ain-
da classificada como IBA (Important Bird
Area), de acordo com os critérios da Bird-
Life International.
São muitos os aspectos que levaram
esta região a ser protegida. Além da sua
diversificada flora (rica em endemis-
mos), a Costa Sudoeste e Vicentina al-
berga valores faunísticos únicos no país:
lontras de hábitos marinhos, cegonhas a
nidificar em escarpas costeiras, numero-
sos casais de Falcão-peregrino, abundan-
tes colónias de gralhas, com destaque
para a de bico-vermelho, entre outras.
Os primeiros dados conhecidos
acerca da migração em Sagres remontam
aos anos 50 do século passado. Trabalhos
desenvolvidos nessa altura por vários _ -investigadores na sua maioria estran
_ -geiros , chamam a atenção para o par
ticular interesse desta zona durante as
migrações. Em 1986, Luís Palma reforça
o conhecimento em torno desta região e
-alerta para a grande importância da mes
ma como corredor migratório de aves de
-rapina. Porém, somente em 1990, aquan
-do da primeira campanha de monito
prização de aves planadoras na enínsula
de Sagres, organizada pelo Instituto da
Conservação da Natureza, se obtiveram
-dados muito concretos a comprovar ine
quivocamente a importância do local. O
sucesso surpreendente desta iniciativa
-conduziu à realização de outras simila
res (1990, 1992, 1994, 1995, 1996, 2000 e
-2001), sendo as cinco últimas coordena
das pela SPEA, com o apoio do Parque
Natural do Sudoeste Alentejano e Costa
Vicentina. Hoje, graças a este esforço,
levado a cabo nem sempre de forma
consequente, o conhecimento em torno
A Península de Sagres é actualmente um dos destinos ornitológicos do
país mais procurados pelos amantes da observação de aves nos períodos de
migração outonal. O motivo que leva todos os anos centenas de ornitólogos
a visitarem esta região prende-se com a rica presença de espécies aí
existente e, principalmente, a oportunidade de observar de perto a
passagem de grandes bandos de aves planadoras, em particular de rapinas.
Águias-calçadas, águias-cobreiras, milhafres, gaviões, falcões, abutres,
cegonhas, entre muitas outras, cruzam-se todos os anos em Sagres,
atraindo as atenções de quem lá vive e de quem lá vai propositadamente. Se
a migração de aves é por si só um atractivo aliciante para os entusiastas da
Ornitologia, em Sagres esse fenómeno atinge um significado único, seja
pelas espécies envolvidas, seja pela beleza do local.
Espécies 1990 1992 1994 1995 1996 2000 2001
João Ministro e Carlos Pereira
Ciconia ciconia
Ciconia nigra
Pernis apivorus
Elanus caeruleus
Milvus migrans
Milvus milvus
Neophron percnopterus
Gyps fulvus
Aquila chrysaetos
Aquila adalberti
Circaetus gallicus
Circus aeruginosus
Circus cyaneus
Circus pygargus
Accipiter gentilis
Accipiter nisus
Buteo buteo
Buteo rufinus
Hieraaetus pennatus
Hieraaetus fasciatus
Pandion haliaetus
Falco naumanni
Falco tinnunculus
Falco columbarius
Falco vespertinus
Falco subbuteo
Falco eleonorae
Falco peregrinus
Falco cherrug
Falco biarmicus
515
1151
1266
109612
12918762
16507453
814807
nc006
11nc
04
527700
2123
39193
22
2596
391311
209158
0505
985
nc02
1517nc
00
025-3560-704-10
200-2706-15
35-507-12
00
140-20015-2555-9020-607-13
150-20045-60
0415-535
5-105-103-6nc
2-40
15-254-17
nc00
110-1940-50
060-78
320-58
4-500
140-1883
54-687-94-5
120-15185-106
0340-469
4-53-63-6nc
20
19-296
nc00
321200
191
17455
11
912375
143370
179410
nc3075
nc11
99-21
17-502-3
9-171
27-44225-226
00
55-1354-6
7-252-4
7-15117-316
26-580
414-5615-6
20
60-9800
9-203
5-600
027
47-570
38-4728001
88-1171
1031
96-114260
374-443120
nc00
103
nc00
Introdução
Antecedentes
4
1.
Fa
ísca
Migração de Aves em Sagres
Tabela1
A migração outonal pode ser carac-
terizada, de uma forma muito simples,
pela movimentação das aves dos locais
de nidificação para os de invernada. Essa
viagem decorre especialmente nos me-
ses de Setembro e Outubro, sendo variá-
vel de espécie para espécie. Muitas aves
planadoras, incluindo rapinas e cego-
nhas, descrevem esses movimentos des-
locando-se para África onde passam o
Inverno. Na Europa e Euroásia, há duas
regiões onde essa passagem é muito
intensa: o estreito do Bósforo (Turquia) e
o estreito de Gibraltar (Espanha). Anual-
mente, largas centenas de milhares de
aves, representantes de dezenas de espé-
cies diferentes, atravessam estes locais,
tirando proveito da sua localização es-
tratégica, sobretudo a grande proximi-
dade com o continente africano.
Então e Sagres? O que leva as aves a
reunir-se aí durante períodos específicos
do ano?
Os resultados das várias campanhas
realizadas na zona, demonstram que a
maioria das rapinas e planadoras que
cruzam os céus de Sagres, no Outono, são
na sua maioria juvenis. A chegada a este
local e a concentração que aí se verifica,
durante este período, pode ser explicada _pela inexperiência dos indivíduos que
_efectuam esta viagem pela primeira vez
e um sentido de orientação baseado no
seguimento da linha de costa. As aves,
sem terem ainda aprendido as rotas di-
rectas para os locais de passagem para
África, nomeadamente Gibraltar, se-
guem a linha de costa até atingirem
Sagres. Aí, após uma paragem mais ou
menos duradoura, reorientam a sua rota
e deslocam-se para Este, de modo a al-
cançar o ponto mais próximo de África.
Este fenómeno leva a que, anual-
mente, alguns milhares de aves de rapi-
na e outras planadoras, passem por Sa-
gres e aí sejam facilmente observadas e
contabilizadas. Na Tabela 1, apresen-
tam-se os resultados das contagens
realizadas em Sagres entre 1990 e 2002.
Praticamente todas as aves de rapi-
na que ocorrem em Portugal continen-
tal, incluindo espécies raras e acidentais,
como por exemplo a Águia-pomarina
Aquila pomarina ou o Falcão-sacre Falco
cherrug, já foram observadas em Sagres
nas migrações. Algumas ocorrem em lar-
gas quantidades e outras em números
vestigiais. Contudo, entre estas, encon-
tram-se espécies como a Águia-imperial-
-ibérica Aquila adalberti ou o Abutre-pre-
to Aegypius monachus, cujo estatuto de
conservação é actualmente bastante ele-
vado em Portugal e na União Europeia.
Entre as aves mais abundantes en-
contram-se a Águia-calçada Hieraaetus
pennatus, a Águia-cobreira Circaetus galli-
cus, o Milhafre-preto Milvus migrans, e o
Grifo Gyps fulvus. Esta última forma
mesmo as concentrações mais elevadas
que se registam em Portugal, por vezes
na ordem dos 2.000 indivíduos. Outras,
como o Bútio-vespeiro Pernis apivorus ou
a Águia-d'asa-redonda Buteo buteo, são
também abundantes, embora com passa-
gem em períodos muito específicos.
A região de Sagres é ainda um local
com particular interesse para a passa-
gem migratória de aves nocturnas. To-
das as espécies de mochos e corujas que
ocorrem em Portugal foram aqui obser-
vadas no Outono, incluindo o sedentário
Bufo-real Bubo bubo. É o Bufo-pequeno
Asio otus no entanto, que maior atenção
Grifo1
A Migração Outonal
A Migração em Sagres
Ameaças e Conservação2.
Fa
ísca
Chasco-cinzento2
5
Destaque
desperta, devido ao elevado número de
indivíduos que anualmente utilizam as
manchas florestais locais. Apesar de in-
certo, acredita-se que são largas as deze-
nas de aves desta espécie que migram
por Sagres todos os anos. Nesta comuni-
dade de aves nocturnas migratórias, sa-
lientam-se ainda o Mocho-d'orelhas Otus
scops, a Coruja-do-nabal Asio flammeus, o
Noitibó-de-nuca-vermelha Caprimulgus
ruficollis e o Noitibó-europeu Caprimul-
gus europaeus.
A migração outonal em Sagres reve-
la-se também importante para passeri-
formes. Os campos agrícolas, sobretudo
cerealíferos, as planícies incultas ou ricas
em pastagens, os densos matagais medi-
terrânicos, os pinhais e as depressões
fluviais, formam um diversificado ecos-
sistema muito procurado por estas aves
no decurso das suas viagens. Nesta zona
não são raros os dias em que cada arbusto
ou cada árvore se encontra repleto de pe-
quenas aves migratórias, incluindo papa-
-moscas, felosas, petinhas, cartaxos, ra-
birruivos, etc. Merecem destaque, a
Toutinegra-tomilheira Sylvia conspicillata,
nidificante regular nalguns recantos
desta península e a Petinha de Richard
Anthus richardi, migrador e invernante
habitual nesta zona.
Muito embora se possa dizer que a
protecção desta região está garantida
com o seu estatuto de Parque Natural e
Zona de Protecção Especial para Aves, a
verdade é que a realidade não confirma a
regra (literalmente). Infelizmente, várias
situações tendem a pôr em causa a pre-
servação deste local e seus valores na-
turais. A forte pressão urbanística e imo-
biliária, o turismo desregrado, a expan-
são dos parques eólicos, o abandono das
práticas agrícolas extensivas e tradicio-
nais e a perturbação humana, são apenas
alguns exemplos de ameaças que pode-
rão vir a afectar nocivamente este local,
provocando transformações irreversí-
veis na sua paisagem e potencialmente
na rica avifauna que aí ocorre.
Os Passeriformes
6
Editores
Domingos Leitão Sociedade Portuguesa
para o Estudo das Aves
Christophe Jolivet Ligue pour la Protection des Oiseaux
Mariano Rodríguez Junta de Castilla y Léon
Juan Carlos Atienza Sociedad Española de Ornitologia
José Pedro Tavares Royal Society for the Protection of Birds
Deter e reverter o declínio de todas as
populações de Abetarda, Sisão e Hubara,
através da restauração do habitat, da su-
pressão das falhas de informação rela-
tivas às populações da Europa de Leste,
da troca de conhecimentos para gene-
ralizar as práticas de gestão mais efecti-
vas, da designação de novas ZPEs, da
implementação de planos de gestão nas
ZPEs, do reforço financeiro do Pilar II da
PAC, da implementação de planos de ac-
ção nacionais para as espécies estepárias
e da sensibilização das populações locais
e entidades relevantes.
1
Muitos projectos LIFE tiveram impactos
positivos nas populações destas espécies.
Normalmente, estes projectos requerem
tempo para obter resultados efectivos ou
estabelecer bases para trabalho futuro. A
investigação e a monitorização são fun-
damentais para tomar decisões de gestão
e medir os impactes. O envolvimento dos
agricultores é um elemento chave para o
sucesso dos projectos de conservação de
abetardas. Os projectos LIFE devem ser
seguidos de medidas mais horizontais e
prolongadas, a ser implementadas pela
administração através dos Planos de
Desenvolvimento Rural. A aquisição de
terra provou ser efectiva no combate a
ameaças prementes sobre sítios im-
portantes, como as arenas reprodutoras
de Abetarda. É necessária mais coopera-
ção transfronteiriça.
As medidas agro-ambientais dirigidas
para o habitat estepário são uma ferra-
menta essencial para a conservação da
Abetarda, do Sisão e da Hubara. Estas
medidas devem ser desenhadas em con-
junto por entidades do sector agrícola e
da conservação da natureza, prioritárias
nas ZPEs e nas IBAs, e financeiramente
atraentes para o agricultor. A sensibili-
zação das populações rurais para a con-
servação da natureza deve ser promo-
vida sob o Eixo 3 do Regulamento de De-
senvolvimento Rural. Os planos de
gestão devem ser aplicados em todas as
ZPEs, dando atenção às áreas de repro-
dução de Abetarda, Sisão e Hubara.
Estes planos de gestão devem vincular a
administração central e local e ser acom-
panhados do financiamento adequado à
Rede Natura 2000. A florestação e o rega-
dio não podem ser promovidos dentro
das áreas estepárias porque são incom-
patíveis com a sua conservação.
3Gestão da terra: que tipo de políticas e medidas são necessárias?
As economias locais não podem ser base-
adas exclusivamente na conservação da
Abetarda, Sisão e Hubara. No entanto,
podem ser apoiadas pela gestão multi-
funcional dos sítios Natura 2000, através
de uma descriminação positiva na atri-
buição de apoios comunitários e na utili-
zação da Rede Natura 2000 como rótulo
de qualidade, para valorizar produtos e
serviços dos sítios.
4Alternativas para melhorar a economia local com base na conservação das abetardas
A criação de um grupo deste tipo será
útil para trocar, concentrar e disponibi-
lizar informação sobre a conservação
destas espécies na Europa, como fórum
consultivo para avaliação de políticas,
estabelecimento de boas práticas, fazer
recomendações, definir estatutos e apoi-
ar projectos e campanhas. A BirdLife In-
ternational ofereceu-se para acolher este
grupo.
5Será útil a criação de um Grupo Europeu de Especialistas em Abetardas?
Prioridadespara a conservaçãodas abetardas
Práticaconservação actual:os bons resultadose aquilo que aindanão foi conseguido
de
SOBRE CONSERVAÇÃO DE ABETARDA, SISÃO E HUBARA
DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL
CONCLUSÕES
_O Projecto LIFE Co-op “Evalua-
tion of bustard conservation best prac-
tice in Western Europe” é uma parceria
internacional da SPEA para trocar expe-
riências entre vários projectos LIFE Na-
tureza dedicados à conservação da Abe-
tarda, do Sisão e da Hubara. No âmbito
deste projecto foi realizado em Lisboa,
de 23-25 de Novembro de 2005, um se-
minário internacional, com a presença
de 56 cientistas, técnicos e agricultores,
pertencentes à administração, às univer-
sidades, às ONGAs e às associações de
agricultores de 12 países europeus, que
chegaram às seguintes conclusões:
2
Pode obter o documento completo (em Inglês) em http://www.spea.pt/ms_sisao
BirdI N T E R N A T I O N A L
LifeR
1.
José
Via
na
Projecto LIFE SisãoProjecto LIFE Sisão
Abetarda1
Programa RuralPrograma Rural
rus), o Peneireiro-cinzento (Elanus caeru-
leus) ou a Toutinegra-real (Sylvia horten-
sis). Mas acima de tudo podemos obser-
var um fervilhar de dezenas de espécies
comuns (aves de rapina diurnas e noc-
turnas, perdizes, poupas e abelharucos,
pica-paus, cotovias, picanços, estorni-
nhos, gaios e pegas, piscos, rouxinois e
tordos, felosas e toutinegras, chapins,
trepadeiras, pardais, tentilhões e escre-
vedeiras), que são um indicador da saú-
de ambiental das formações de Sobreiro.
A conservação deste vasto patri-
mónio passa pela sua promoção e valo-
rização. Das 53 Zonas Importantes para
as Aves identificadas pela SPEA em Por-
tugal Continental, 11 possuem manchas
significativas (mais de 1000 ha) de flores-
tas de Sobro. A conservação das aves no
nosso país passa indiscutivelmente pela
preservação dos povoamentos de So-
breiro. A SPEA, em conjunto com a Royal
Society for the Protection of Birds e a Asso-
ciação Portuguesa de Cortiça, vai desen-
volver uma campanha no Reino Unido
para informar os consumidores e distri-
buidores de vinho da importância ecoló-
gica das florestas de Sobreiro. Os opera-
dores económicos, os políticos e os ci-
dadãos têm de saber que apoiar e pro-
mover a exploração múltipla do Sobreiro
produz um conjunto de benefícios eco-
nómicos, sociais e ambientais sem para-
lelo em Portugal e na Europa.
O Sobreiro, ou Sobro (Quercus su-
ber), é uma espécie de carvalho com folha
persistente que só existe no Mediter-
râneo Ocidental. Na Península Ibérica
existem cerca de 50% dos povoamentos
desta espécie (700.000 ha em Portugal).
São habitats que sofrem um grau vari-
ável de intervenção humana e são um
exemplo paradigmático de uma explo-
ração florestal múltipla, sustentável, de
grande importância socio-económica,
cultural e ecológica.
A importância ecológica re-
side no facto dos montados e florestas de
Sobro funcionarem como barreiras con-
tra a desertificação do solo e contra os
incêndios florestais. As árvores são resis-
tentes ao fogo, voltando a rebentar após a
sua passagem. A extracção da cortiça
potencia a taxa de fixação de carbono
atmosférico, contribuindo para o abran-
damento do efeito de estufa. As florestas
de Sobro são também um dos ecossis-
temas florestais mais ricos em biodiver-
sidade da Europa.
AS FLORESTAS DE SOBREIRO SÃO FONTES
DE BIODIVERSIDADE
e Florestas de Sobroe Florestas de SobroProjecto Montados Projecto Montados
7
A biodiversidade destas flo-restas está relacionada com o facto do
Sobreiro ser uma espécie autóctone, de
existirem povoamentos contínuos e com
grande variabilidade estrutural. Nestas
florestas foram catalogadas mais de 700
espécies de plantas, incluindo ende-mismos ibéricos, como a Rosa-albardeira
(Paeonia broteroi) e o Rosmaninho (Lanva-
dula luisieri). Ocorrem 24 espécies de rép-
teis e anfíbios e 160 espécies de aves, das
quais mais de 100 nidificam. Ocorrem
também 37 espécies de mamíferos, de
onde podemos destacar o Ratinho de
Cabrera (Microtus cabrerae) e o Lince-ibé-
rico (Lynx pardina), ambos endemismos
ibéricos. Esta última espécie é mesmo o
felídeo mais ameaçado do mundo.
As aves são indicadores do estado
dos habitats e ecossistemas, porque es-
tão posicionadas no topo das cadeias
alimentares, são muito conspícuas e
ocorrem em vastas áreas. Não existem
aves exclusivas das florestas de Sobro,
mas sim espécies que ocorrem também
noutros povoamentos florestais, e têm no
Sobro o habitat onde ocorrem em maior
abundância. Nestes habitats ocorrem es-
pécies ameaçadas de extinção, como a
Cegonha-preta (Ciconia nigra), a Águia-
-imperial-ibérica (Aquila adalberti) e a
Águia-perdigueira (Hieraaetus fasciatus).
Podemos encontrar também espécies ra-
ras, como a Águia-cobreira (Circaetus
gallicus), o Bútio-vespeiro (Pernis apivo-
2.
Ca
rlo
s P
ere
ira
Fa
ísca
3.
Domingos Leitão
Trepadeira-comum3
Montado de Sobro2BirdI N T E R N A T I O N A L
LifeR
Programa RuralPrograma Rural
O Projecto LIFE Priolo, cuja meta fi-
nal é garantir condições de sobrevivên-
cia a uma das aves mais ameaçadas do
Planeta, tem como um dos seus princi-
pais objectivos a recuperação do habitat
do Priolo, a floresta nativa de São Mi-
guel, vulgarmente conhecida por Flo-
resta de Laurissilva. Esta floresta foi sen-
do, com o passar dos séculos, reduzida a
pequenas bolsas de vegetação localiza-
das nas vertentes mais íngremes das ser-
ras da Tronqueira e Pico da Vara. Actual-
mente estas áreas de vegetação endémi-
ca, compostas por Ginjas, Azevinhos,
Louros e Cedros, que permitiram a sobre-
vivência do Priolo, estão rapidamente a
desaparecer sobre o efeito de outra amea-
ça dos tempos modernos: a invasão de
flora exótica. Espécies como a Conteira
originária dos Himalaias, ou o Incenso da
Austrália, encontraram excelentes condi-
ções na ilha de São Miguel, e rapidamen-
te proliferaram por vales e encostas atin-
gindo elevadas densidades, competindo
e substituindo a vegetação endémica cu-
jas características não permitiam respon-
der a tão feroz concorrência.
O desaparecimento da floresta nati-
va teria como consequência certa a extin-
ção do Priolo, tal a sua dependência des-
te habitat, pelo que qualquer projecto de
conservação destinado a esta espécie te-
ria de passar pela recuperação da flores-
ta nativa. Para este efeito é necessário o
controlo das espécies exóticas, bem
como o reforço das populações de es-
pécies nativas através da plantação de
exemplares produzidos em viveiros.
Tendo como objectivo a recuperação de
uma área de 300 hectares de floresta no
coração da Serra da Tronqueira (área
central da Zona de Protecção Especial do
Pico da Vara/Ribeira do Guilherme e
principal área a nível mundial da distri-
buição do Priolo) estas acções implicam
um significativo impacto na área. Quer
pelo aumento da perturbação causada
pelos trabalhos, que em certas alturas do
ano envolvem perto de 30 elementos,
quer pelo tipo de trabalho realizado que
Monitorização uma ferramenta essencial
PRIOLO
2.
LIF
E P
rio
lo
Priolo2
8
1.
LIF
E P
rio
lo
Joaquim Teodósio
1 Plantação de endémicas (Miradouro da Tronqueira)
LIFE Priolo
9
implica o corte de vegetação e a aplica-
ção de herbicida.
Num projecto desta envergadura,
em que a informação referente a este tipo
de acções é escassa ou relativa a outros
habitats, é necessário assegurar um con-
trolo permanente da evolução do habitat
e das espécies prioritárias. Foi assim ne-
cessário desenvolver e implementar pro-
cessos de monitorização que permitam
acompanhar com rigor os efeitos das
acções desenvolvidas. A monitorização
das acções de intervenção no terreno
constitui por si uma acção do projecto,
quer pela sua contribuição para a boa
prossecução das actividades, quer pelo
elevado consumo de recursos humanos e
logísticos. A monitorização contínua de
todas as acções é fundamental para asse-
gurar que os objectivos sejam alcançados
de acordo com a calendarização e os
objectivos propostos.
São várias as acções no sentido de
promover a monitorização das acções de
gestão de habitat. Assim sendo foram
estabelecidos 67 quadrados de 2x2 me-
tros, no sentido de se monitorizar a re-
generação da floresta nativa e 20 qua-
drados de 10x10 metros com o propósito
de monitorizar as acções de remoção de
exóticas. Implementaram-se ainda 12
quadrados de 5x5 metros nas áreas plan-
tadas em 2004 e 2005 para acompanhar o
estabelecimento das plantas proveni-
entes dos viveiros do Nordeste. Em rela-
ção aos exemplares plantados foram
marcadas e medidas plantas estabele-
cidas nos dois anos, no sentido de se
determinar taxas de sobrevivência e de
crescimento. Em 2005 foram marcadas e
quantificadas, em termos de altura e diâ-
metro basal, 100 exemplares de Ilex
perado azorica, 100 de Prunus lusitanica,
100 de Vaccinium cylindraceum, 48 de
Juniperus brevifolia e 50 de Erica azorica e
localizados e medidos 41 Prunus lusita-
nica e 91 Ilex perado azorica de 2004.
No sentido de promover a monitori-
zação de algumas das espécies endémi-
cas mais prioritárias para a sobrevivên-
cia do Priolo, foram ainda delineados os
seguintes planos:
Marcação e monitorização da rege-
neração de Ginja, Prunus lusitanica azo-
rica;
Monitorização da frutificação de Ilex
perado azorica.
Relativamente às plantações reali-
zadas entre Maio e Novembro de 2004, e
após aplicação dos planos de monitori-
zação acima mencionados, foram deter-
minadas as seguintes taxas de sobrevi-
vência: Ilex perado azorica 70%; Prunus
lusitanica 95%.
Um dos esquemas de monitorização
que não foi previsto no projecto inicial é a
monitorização dos cursos de água e do
solo. Este tipo de monitorização tem co-
mo objectivo o controlo da carga de quí-
micos libertados no meio. Os compostos
utilizados na erradicação das espécies
exóticas, apesar de serem relativamente
inócuos, poderão ser prejudiciais para os
organismos aquáticos pelo que é impor-
tante a realização de análises de controlo
nos cursos de água e ao próprio solo da
zona intervencionada. As análises de
água já realizadas não apresentam valo-
res significativos para nenhum dos com-
postos testados: tryclopir e metsulfurão
de metil (substâncias tóxicas) e hidrocar-
bonetos (substâncias indesejáveis).
Os esquemas de monitorização das
acções de recuperação do habitat são es-
senciais para o sucesso do projecto e con-
sequentemente uma ferramenta impor-
tante para a conservação do Priolo. A
forma como as espécies e o próprio ecos-
sistema reage aos fortes impactos cau-
sados pelos trabalhos realizados é por
vezes uma incógnita que pode condicio-
nar fortemente o rumo traçado. Princi-
palmente quando a informação existente
sobre este tipo de trabalhos é escassa e
normalmente refere-se a ecossistemas
completamente diferentes da floresta na-
tiva de São Miguel. Os resultados obti-
dos ao longo do processo de monitoriza-
ção permitem não só aferir a eficácia dos
métodos utilizados, permitindo manter
ou implicando traçar novas estratégias,
como obter importante informação sobre
as espécies vegetais prioritárias como o
Azevinho ou a Ginja e que ainda se en-
contram pouco estudadas. A informação
obtida durante este projecto será sem dú-
vida importante para aferir o sucesso do
LIFE Priolo, mas também para delinear
metodologias eficazes para a própria re-
gião no que respeita ao controlo de vege-
tação exótica.
3.
LIF
E P
rio
lo
4.
Ru
be
n H
ele
no
Serra da Tronqueira3
Inventariação da vegetação4
Uma das principais dificuldades
com que o projecto IBAs Marinhas se
deparou foi a ausência de embarcações
adequadas à observação de aves em alto
mar. Muitos navios cingem-se às rotas
comerciais ou aos principais bancos de
pesca, pelo que sobravam vastas áreas
das nossas águas sem observações de
aves marinhas. As embarcações de pesca
nem sempre possuem espaço para um
observador a bordo, pois o trabalho exi-
gente da faina requer a lotação completa
da embarcação, além de que, devido à
especificidade da actividade, as suas mo-
vimentações podem ser muito erráticas,
criando problemas para a aplicação da
metodologia adoptada. Nos navios co-
merciais é sobretudo a elevada veloci-
dade de cruzeiro e a própria dimensão
dos mesmos que dificultam a possibi-
lidade de utilização pelos observadores
da SPEA. Assim foi muito importante
para o projecto IBAs Marinhas poder
contar com o apoio do Intituto Hidro-
gráfico (IH) da Marinha, e participar em
algumas das suas missões, pois permitiu
obter dados essenciais para este projecto.
Um dos projectos em que o IH se
encontra empenhado é especialmente
adequado para os objectivos da SPEA. É
o projecto PLATCONT que tem como
área alvo toda a Zona Económica Exclu-
siva Portuguesa (ZEE) e parte da região
circundante (ver caixa) . Em 2005 a SPEA
participou em três missões PLATCONT
que prospectaram áreas em redor do
banco Gorringe, do banco Josephine e
próximas da ilha da Madeira. Nestas
missões participaram cinco observado-
res da SPEA, individualmente ou em
equipas de dois, tendo sido prospecta-
das 3000 milhas, nas quais se detecta-
ram 2301 aves pertencentes a 39 espécies
diferentes. Foram ainda registados 489
cetáceos de 5 espécies diferentes e 58 tar-
tarugas marinhas.
O navio a bordo do qual se realiza-
ram estas missões é o NRP D. Carlos I,
cujas condições logísticas são excepcional-
mente boas e a tripulação de uma sim-
patia inultrapassável no acolhimento que
tem prestado às várias equipas das IBAs
Marinhas.
. No final das missões,
muitos dos cerca de 35 tripulantes já dis-
tinguiam alguns painhos e Cagarras Calo-
nectris diomedea e ajudavam activamente
na prospecção do mar, que por vezes em
áreas mais remotas se mostrava deserto
durante largas horas. As missões em que a
SPEA participou tiveram durações varia-
(http://www.hidrografico.pt/
hidrografico/navios/Navios_individu-
almnt/dcarlos.htm)
A Marinha colabora com a SPEA
No âmbito do projecto LIFE IBAs Marinhas a SPEA estabeleceu uma parceria com o Instituto Hidrográfico
das, desde duas semanas a mais de um
mês. Naturalmente, durante estes perío-
dos prolongados em estreita convivência,
estabelecem-se relações de amizade que
se estendem para além da permanência
no navio e nos períodos em que o navio
atracava foram várias as actividades em
que a SPEA participou conjuntamente
com a tripulação, desde jogos de squash a
descidas de rio em canyoning.
Durante os dias normais de navega-
ção, os observadores do projecto passam
as horas de luz na ponte do navio, re-
gistando as aves observadas e outra fau-
na marinha que ocorra. São de salientar
várias observações dignas de registo
nestas áreas offshore, algumas das quais
totalmente inesperadas, como foi o caso
de um Bufo-pequeno Asio otus e de uma
Coruja-do-Nabal Asio flammeus que, em
Pe
dro
Ge
rald
es
1.
Pedro Geraldes com a colaboração do Instituto Hidrográfico
Coruja-do-nabal Asio flammeus pousada a bordo do D. Carlos I, 300 milhas NE da Madeira
2
Comandante na ponte durante a manobra de atracação1 Observador da SPEA e tripulação do D. Carlos I aproveitaram um dia de paragem na Madeira para realizar um Canyoning e variar para uma actividade com água doce
3
Pe
dro
Ge
rald
es
2.
Programa Marinho
A missão fundamental do Instituto Hidrográfico é assegurar actividades
relacionadas com as ciências e técnicas do mar, tendo em vista a sua aplicação na
área militar, e contribuir para o desenvolvimento do país nas áreas científica e de
defesa do ambiente marinho. O IH decidiu colaborar com o projecto LIFE IBAs
Marinhas no âmbito do apoio que prestam às actividades de cariz científico a
decorrer na ZEE Portuguesa. Estando actualmente a decorrer várias missões de
levantamento de dados oceanográficos na nossa ZEE este apoio reveste-se de
extrema importância, pois permite ao projecto a obtenção de dados de zonas
remotas de uma forma sistemática e com excelentes condições logísticas.
PLATCONTNa sequência da ratificação por Portugal da Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar (CNUDM) e por Resolução do Conselho de Ministros nº
9/2005, de 17 de Janeiro foi criada a “Estrutura de Missão para a Extensão da
Plataforma Continental” (EMEPC). Esta Estrutura tem por missão preparar uma
proposta de extensão da plataforma continental para além das 200 milhas
náuticas, para apresentação à Comissão de Limites da Plataforma Continental das
Nações Unidas, bem como o acompanhamento do processo de avaliação de
propostas por esta Comissão.
Em 2005 o NRP D. Carlos I iniciou a execução dos levantamentos hidrográficos
para a EMEPC, no âmbito dos levantamentos hidrográficos preparatórios para a
apresentação da proposta acima aludida, na área marítima de Portugal
Continental e dos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Esta missão do navio
tem a designação de PLATCONT.
Instituto Hidrográfico
CNUDM, Art. 77.º
“O Estado costeiro exerce direitos de so-
berania sobre a plataforma continental para
efeitos de exploração e aproveitamento dos seus
recursos naturais. (…) Os recursos naturais
(…) são os recursos minerais e outros recursos
não vivos do leito do mar e subsolo, bem como
os organismos vivos pertencentes a espécies se-
dentárias, isto é, aquelas que no período de cap-
tura estão imóveis no leito do mar ou no seu
subsolo ou só podem mover-se em constante
contacto físico com esse leito ou subsolo.”
CNUDM, Art. 76.º
“A plataforma continental de um Esta-
do costeiro compreende o leito e o subsolo das
áreas submarinas que se estendem além do
seu mar territorial, em toda a extensão do
prolongamento natural do seu território ter-
restre, até ao bordo exterior da margem conti-
nental ou até uma distância de 200 milhas
marítimas das linhas de base a partir das
quais se mede a largura do mar territorial,
nos casos em que o bordo exterior da margem
continental não atinja essa distância.”
Links de interesse
Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental
http://www.emepc.gov.pt/index.htm http://www.hidrografico.ptInstituto Hidrográfico
http://www.spea.pt/MIBAProjecto LIFE IBAs Marinhas
Pe
dro
Ge
rald
es
3.
IH
fig.3 - Aves observadas nos embarques do navio D. Carlos I em 2005
fig.2 - Ilustração da aplicação do artº 76 da CNUDM fig.1 - Fundo do mar numa área da ZEE de Portugal Continental obtida com o sondador multifeixe
IH
12
Como a maioria dos estuários, o estuário do Mondego é uma
zona de transição entre a água doce proveniente da bacia hidro-
gráfica e a água salgada proveniente do mar. De acordo com esta
definição abrange uma secção muito extensa do rio Mondego (26
quilómetros de comprimento). No entanto, é somente na fase
terminal do estuário (7,5 quilómetros) que são mais evidentes os
gradientes físicos que tornam este local tão importante em termos
biológicos. Por exemplo, a presença de um regime de marés acen-
tuado e a variabilidade de vários parâmetros abióticos, dos quais o
mais importante será a salinidade.
O rio Mondego, o maior rio integral-
mente nacional, foi utilizado durante
séculos como via de comunicação e de
transporte. A existência de vestígios de
uma feitoria comercial fenícia (datada
dos séculos VIII e VII a. C) perto de Mon-
temor-o-velho comprova-o. Nessa altu-
ra, a parte terminal do rio Mondego for-
mava um vasto mar interior. Mas o asso-
reamento devido ás cheias regulares con-
jugado com um declive muito suave do
rio neste troço final foi formando o seu
traçado actual. Deste modo podemos
dizer que o estuário do Mondego, como
se apresenta actualmente, tem uma ori-
gem muito recente.
Na secção terminal do estuário o rio
desdobra-se em dois braços (Braço Norte
e o Braço Sul) que só voltam a unir-se
perto da foz, definindo assim a ilha da
Morraceira, uma ilha de aluvião com
pouco mais de 5 km de comprimento. As
cheias regulares permitiram a formação
desta extensa ilha, que constitui o núcleo
central da IBA. No braço sul desagua um
afluente, o rio Pranto. O Braço Norte é
profundo, com poucas zonas intertidais
(zonas expostas durante a maré baixa),
porque é constantemente dragado e re-
gularizado. Em contraste, no Braço Sul
ocorrem a maior parte das zonas inter-
tidais e sapais.
As condições únicas que ocorrem
nos estuários condicionam o número de
espécies presentes (somente as mais
adaptadas a estas condições sobrevi-
vem). No entanto, as poucas espécies que
se adaptaram ocorrem em densidades
muito elevadas (por exemplo, os macro-
invertebrados presentes nas zonas que
ficam a descoberto durante a maré bai-
xa). Assim, as zonas intertidais são um
dos habitats aquáticos com maior pro-
dutividade no mundo. São por isso a
principal zona de alimentação de aves
limícolas e de outras espécies, como a
Gaivota-d'asa-escura Larus fuscus ou a
Garça-real Ardea cinerea.
Toda esta heterogeneidade física
também permite que o estuário do Mon-
dego contenha vários tipos de habitats e
albergue várias comunidades biológicas
que são o suporte para a avifauna pre-
Estuário do Mondego
Descrição do Sítio
Importância Ornitológica
Salina artesanal2
Vista aérea do Estuário do Mondego1
Ric
ard
o L
op
es
2.
Pe
dro
Pro
en
ça C
un
ha
1.
Acção Biologia no Verão3
Acção Biologia no Verão5
Anilhagem de aves limícolas4
13
IBAs
sente. Podemos realçar a existência de
vastas zonas intertidais e de sapal, bem
como a presença de salinas. As salinas,
em particular, são um tipo de habitat
muito peculiar devido à sua origem an-
tropogénica e devido à sua importância
para a nidificação de várias espécies
(Pernilongo Himantopus himantopus, Bor-
relho-de-coleira-interrompida Chara-
drius alexandrinus, Perna-vermelha Trin-
ga totanus, Chilreta Sterna albifrons). Tam-
bém é de realçar a nidificação durante os
últimos anos de alguns casais de Guin-
cho Larus ridibundus em salinas abando-
nadas. Os sapais e caniçais são utiliza-
dos como habitat de nidificação para a
Águia-sapeira Circus aeruginosus.
As salinas são também zonas muito
utilizadas durante o Inverno e os perío-
dos de migração pela maioria das aves
limícolas, que as utilizam como zona de
repouso e alimentação, especialmente
durante os períodos em que as zonas
intertidais não estão expostas.
Devemos também realçar a importân-
cia do estuário durante estes períodos para
o Pilrito-de-peito-preto Calidris alpina, o Al-
faiate Recurvirostra avosetta, a Tarambola-
-cinzenta Pluvialis squatarola e o Borrelho-
-grande-de-coleira Charadrius hiaticula. A
Águia-pesqueira Pandion haliaetus tam-
bém utiliza o estuário nessa altura.
No total, 137 espécies foram obser-
vadas nesta zona, das quais 30 espécies
pertencem ao grupo das aves limícolas.
Algumas espécies tem sido observadas
mais regularmente nos últimos anos
(e.g. Garça-branca-grande Egretta alba).
Na última década o número de Flamin-
gos Phoenicopterus roseus que invernam
no estuário aumentou exponencialmen-
te, devido ao aumento das principais co-
lónias existentes na Europa.
Como geralmente se verifica nos es-
tuários, a zona envolvente do estuário do
rio Mondego apresenta condições propí-
cias para o estabelecimento de activida-
des humanas. A sua importância como
interface comercial entre o mar, o rio e o
continente tem promovido a fixação de
núcleos populacionais importantes e o
desenvolvimento de actividades indus-
triais e comerciais, com a consequente
pressão negativa sobre o estuário.
A existência da ilha da Morraceira
torna este estuário menos susceptível à
perturbação humana, uma vez que se
encontra rodeada pelos dois braços do
rio Mondego. As zonas que se encon-
tram a sul ou a norte dos dois braços do
rio estão mais sujeitas à reclamação de
terrenos para outras actividades e ao
Conservação
contínuo crescimento dos núcleos popu-
lacionais.
Várias são as ameaças que poderão
ter impactos negativos no estuário. Des-
tacamos o abandono ou reconversão das
salinas para outras actividades (e.g.
aquacultura), a caça ilegal e a eutrofiza-
ção, resultante do aumento de nutrien-
tes. Neste momento estão em curso
acções para a revitalização das salinas
para produção de sal de qualidade, o que
tem aumentado o número de salinas
activas. Por outro lado, a construção de
novas aquaculturas tem abrandado.
Várias acções recentes de mitigação da
eutrofização aumentaram a hidrodinâ-
mica e diminuíram a concentração de
nutrientes no estuário.
A dimensão relativamente pequena
deste estuário em conjunto com a sua ri-
queza biológica permite utilizá-lo como
"laboratório" natural para a investigação
de processos ecológicos relevantes. Por
esta razão o estuário é alvo de programas
de monitorização a longo termo, alguns
deles com periodicidade elevada (mensal
ou quinzenal). É o caso da abundância de
macroalgas, macroinvertebrados inter-
mareais e aves limícolas, entre outros.
Infelizmente o estuário não se en-
contra ainda protegido por nenhuma
legislação portuguesa. No entanto, em
2006 a sua importância internacional
como zona húmida foi reconhecida
quando foi classificado como zona Ram-
sar. Para este efeito muito contribuiu a
informação científica que tem sido com-
pilada durante as últimas décadas.
Os estuários têm condições ideais
para a implementação de programas de
educação ambiental e de turismo eco-
lógico. Estão perto de grandes núcleos
populacionais, proporcionam uma gran-
de variedade de habitats e espécies e em
termos etnográficos são também interes-
santes (salinas, moinhos de maré, etc.).
No estuário do Mondego, foi recente-
mente implementado o Museu do Sal,
propriedade da Câmara da Figueira da
Foz, composto por uma salina recupe-
rada e edifícios adjacentes. Compreende
também um trilho de observação que
permite atravessar os principais habi-
tats. Outra acção regular, no âmbito do
programa Biologia no Verão, divulga
anualmente a importância das zonas
intertidais e da sua fauna. No entanto,
sabemos que ainda podemos fazer me-
lhor, para aproximar cada vez mais as
pessoas e o estuário, importante para as
aves, mas também para todos nós.
Ric
ard
o L
op
es
3.
Ric
ard
o L
op
es
4.
Ric
ard
o L
op
es
5.
Uma visita ao
Douro InternacionalO Parque Natural do Douro Interna-
cional, extensa faixa de terreno com
85000 hectares entre Miranda do Douro a
norte e Figueira de Castelo Rodrigo a sul,
caracteriza-se fundamentalmente pela
enorme fenda geológica, por onde, des-
de há milhões de anos, as águas concen-
tradas na meseta norte escoaram (e esco-
am) em direcção ao Oceano Atlântico. Es-
sa intima ligação aos aspectos geomorfo-
lógicos, faz com que alguns o designem
como o parque das fragas ou parque das
escarpas. Por sua vez isso também se
reflecte em termos ornitológicos, e a im-
portância da Área Protegida, que tam-
bém é ZPE e IBA, está directamente liga-
da ao grupo de espécies muito depen-
dentes dos tais biótopos rupícolas. Den-
tre estes destaca-se o que designarei neste
artigo como “Top 10” (Cegonha-preta,
Britango, Grifo, Águia-real, Águia de Bo-
nelli, Falcão-peregrino, Bufo-real, Ando-
rinhão-real, Chasco-preto, Gralha-de-bi-
co-vermelho), que é a razão pela qual a
maioria dos birdwatchers ruma com algu-
ma frequência a estas paragens.
Por outro lado, o microclima das
encostas do Douro e afluentes, e a forma
14
como os humanos modularam a paisa-
gem (através de sistemas próximos aos
dos povos mediterrânicos), criam outras
diversas nuances ecológicas muito pró-
prias deste enclave. Daí a existência de
uma riqueza em aves muito superior à
dos típicos espaços de montanha (pelo
menos os do centro e Norte do nosso
país), e de um leque de espécies raras a
nível nacional.
A presente visita guiada procura
reunir uma ideias acerca de um percurso
simples e acessível, onde quase de certe-
za o visitante poderá assinalar o “Top
10”, e ainda juntar-lhe umas outras deze-
nas de espécies pouco comuns, que justi-
fiquem assim as centenas de quilómetros
necessários para lá chegar.
Uma das portas de entrada óbvias,
talvez a mais óbvia, deste Parque Natu-
ral é a sua ponta meridional, através dos
planaltos de Riba-Côa, ou seja por Fi-
gueira de Castelo Rodrigo. Do antigo
burgo medieval de Castelo Rodrigo, a
820 m de altitude mirando para Norte,
podemos ter a noção do que nos espera.
Um plateux agricultado remendado de
terrenos de cereal, bosquetes, lameiros,
olivais, que acaba abruptamente nas ar-
ribas do Águeda a Nascente, e no Douro
a Norte. Observa-se então na outra mar-
gem duriense uma parede de monta-
nhas escuras que são uns verdadeiros
contrafortes de Trás os Montes. Antes da
incursão para essas terras recomenda-se
a visita ao vale do Águeda. Dos vários
locais de acesso, ou inacesso, às suas la-
deiras selvagens, a Capela de Sto André
em Almofala (o caminho está arranjado e
parcialmente sinalizado) é a melhor op-
ção. Daí basta esperar uns minutos até
ver grifos e mais grifos, em qualquer
época do ano. É também um local inte-
ressante para ver britangos e águias de
Bonelli. Outras aves facilmente detectá-
veis nesta zona sul do parque são a Tou-
tinegra-real, a Toutinegra-carrasqueira, a
Andorinha-dáurica, a Escrevedeira-de-
-garganta-preta, o Bico-grossudo, o Pa-
pa-figos, a Laverca. A diversidade de ra-
pinas florestais é elevada, sendo a sua
composição muito semelhante à das zo-
nas boas do Alentejo, com acréscimo ain-
da do Milhafre-real. A 2 km de Almofala
1.
Ana Berliner
An
a B
erl
ine
r
2.
15
Roteiro Ornitológico
Bruçó - Douro internacional (PNDI)1 Grifos2
fica a albufeira de Stª. Maria de Aguiar
que foi durante vários anos o local com
maior efectivo de Mergulhão-de-crista.
De Inverno esta albufeira é interessante
para anatideos e corvo-marinhos.
Seguindo para Norte (é obrigatória a
passagem em Barca d' Alva -130 m de
altitude, a cota mais baixa do PNDI),
desloquemo-nos para Poiares e daí para
o miradouro do Penedo Durão (imensa
rocha quartzítica sobranceira às terras
castelhanas e que assinala o começo das
arribas do douro - the real thing. Este local
é recomendável a quem queira ver, em
pormenor (passam mesmo perto) bri-
tangos, grifos, falcões-peregrinos e an-
dorinhões-reais. Estes últimos concen-
tram aqui uma colónia numerosa. Vale a
pena ouvir os bandos em voltas circu-
lares sobre as cabeças, repetidamente,
num final de tarde em Julho ou Agosto. É
precisamente nestas rochas ou noutras
próximas ao longo da crista quartizítica
de Poiares, que ainda se pode observar o
Chasco-preto, praticamente ausente do
restante território do parque. Se o visi-
tante o vir aí arrisca-se a completar o seu
“Top 10” (ou pelo menos 9, pois o Bufo-
-real é mesmo muito difícil de ver) na
restante visita. Outras aves bem visíveis
na viagem por estas terras são a Águia-
-cobreira, o Abelharuco, o Peto-verde, o
Corvo, a Pega-azul, o Melro-d'água (nas
águas cristalinas da Ribeira do Mosteiro).
Mais para Norte depois de atraves-
sar a vila de Freixo-de-Espada-Cinta e de
ter passado na pequena estrada marginal
ao Douro na direcção de Mazouco (tem
que perguntar por ela, pois não está nos
mapas), encontrará a aldeia de Fornos, daí
siga até ao miradouro do Carrascalinho.
Para além da paisagem extasiante, que é
mesmo de cortar a respiração, verifica-se
uma elevada diversidade de aves rupíco-
las facilmente visíveis a partir desse ponto
(há quem já tenha feito um “Top 8”
(Cegonha-preta, Britango, Grifo, ambas as
águias grandes, Andorinhão-real e
Gralha-de-bico-vermelho) numa só tarde.
Juntando ainda Peneireiro-de-dorso-ma-
lhado e Melro-azul. Vale a pena investir
tempo nesse local maravilhoso. Por essas
paragens ondulantes entre Freixo e Lago-
aça, vêem-se também o Tartaranhão-caça-
dor, o Falcão-abelheiro, o Açor, bandos de
2.
3.
pombos-torcazes e a Cotovia-montesina.
À noite é possível ouvir os dois noitibós, o
Mocho-pequeno-d'orelhas, a Coruja-do-
-mato e o Mocho-galego.
Ainda mais para Norte, ao longo de
estradas municipais (preferencialmente
escolhendo as que são mais próximas ao
Rio Douro), assiste-se a um crescendo do
coberto arbóreo, seja de Carvalho-negral,
Pinheiro-bravo ou Castanheiro, princi-
palmente nos cerros mais montanhosos.
São as denominadas Serras de Mogadou-
ro, que precedem o Planalto Mirandês.
Essa transição nota-se perfeitamente no
troço entre Vilarinho dos Galegos e Ven-
toselo. Daí siga-se para Peredo de Bem-
posta, pequena aldeia incrustada num ba-
tólito de granito banhado pelo Douro. Há
vários acessos, mas a melhor maneira de
contactar com estas arribas é a pé (per-
guntando informações na aldeia), por
exemplo até ao local de Pala dos Mouros.
Daí podem ver-se britangos, grifos, a Á-
4.
5.
guia-real, o Andorinhão-real, e com um
bocado de sorte, também o Bufo-real.
Nos caminhos de acesso a esses locais de-
tectam-se muitas toutinegras, papa-figos,
cucos, poupas, rolas e pombos-torcazes.
peneireiros-de-dorso-malhado, andori-
nhas-das-rochas e andorinhas-dáuricas
são uma constante.
Continuando a viagem interessa se-
guir até Picote, mais concretamente até ao
Miradouro do Puio (rocha mística, perce-
be-se bem porquê dada a paisagem gran-
diosa com o Douro a fazer um ângulo in-
ferior a 90 graus). Esse percurso decorre
por boa estradas municipais e a nacional
221, ao longo de terrenos planos (Bem-
posta, antiga estação ferroviária de Urrós,
Sendim). Esse Miradouro é o local indi-
cado para ver britangos, grifos, Cegonha-
-preta e Gralha-de-bico-vermelho. E se o
visitante gosta ou quer investir no Bufo-
-real, este é o sitio indicado. Enquanto es-
6.
pera pelo UHHHU, deite-se de costas sob
a rocha quente, ouvindo os ralos, os mo-
chos-pequenos-de-orelhas, e vendo as es-
trelas, é magnifico... A zona envolvente de
Picote (aldeia), com muito lameiros, bar-
rocais graníticos, bosques de azinheira,
sobreiro e zimbro é extraordinária para
pequenos pássaros como a Toutinegra-
-carrasqueira, a Toutinegra-real, a Touti-
negra-de-barrete-preto, o Rouxinol-bra-
vo, a Felosa de Bonelli, a Felosa-poliglota,
a Felosa-comum, a Tordeia, o Pardal-
-montês, o Pardal-espanhol, a Calhandri-
nha-comum, o Papa-figos, os picanços
(barreteiro e real), o Bico-grossudo, etc.
Chegado este itinerário às terras má-
gicas de Miranda, torna-se difícil esco-
lher um entre tantos e tantos locais de
encanto. Respeitando a lógica de chegar
rápido e seguro, escolhi o miradouro do
São das Arribas (perto de Aldeia Nova,
meia dúzia de quilómetros a norte de Mi-
randa cidade). Desse ponto temos a no-
ção do que são os mais encaixados alcan-
tilados durienses. A paz e a tranquilida-
de que emana deste santuário ajuda a
despertar os sentido e contemplar o vôo
da Águia-real, do Britango e da Cego-
nha-preta. Os guinchos estridentes das
gralhas-de-bico-vermelho (“Tchoias”
como aqui lhes chamam) e o trinado dos
bandos de andorinhões completam este
espectáculo nas Arribas. À noite é pos-
sível ouvir Bufo-real (na época certa).
Para além dos terrenos “ladeirosos” inte-
ressa destacar que esta zona do Planalto
Mirandês é, sem duvida, a mais interes-
sante para Passeriformes de todo o par-
que, e também muito importante para
rapinas e aves estepárias (nestes casos
comparável à zona de Riba-Côa). Desta-
co aqui aqueles que talvez ajudem a tra-
zer mais alguns birdwatchers a esta área,
como a Toutinegra-real, o Melro-azul, a
Petinha-das-árvores, o Cartaxo-norte-
nho (Inverno), os chascos (cinzento e
ruivo) e o Rabirruivo-de-testa-branca.
Há ainda outras aves como o Pica-pau-
-malhado-pequeno e o Torcicolo. Dentro
das rapinas: o Milhafre-real, o Falcão-
-abelheiro, o Esmerilhão (de Inverno), o
Tartaranhão-azulado (Inverno e alguns
nidificantes), o Bufo-pequeno (nas noc-
turnas). Mais palavras para quê... nesta 2zona há várias quadrículas 100 km com
mais de 95 espécies nidificantes.
Fa
ísca
2.
16
CubaNo coração das
Para quem goste de observar aves
rodeado por uma paisagem fantástica,
gentes acolhedoras, um mar de postal
ilustrado e uma vida nocturna sem igual
então Cuba é o destino perfeito. Situada
no coração das Caraíbas, esta ilha tem
uma avifauna muito diversificada e
especial, com estreitas relações com as
aves da América-do-Norte e em menor
grau da América-Central e do Sul,
apresenta 21 espécies endémicas, mais
uma já extinta, a Arara-cubana (Ara
tricolor) e a mais pequena ave do mundo.
Em termos logísticos uma visita a
Cuba deverá incluir a península de
Zapata, o Cayo Coco, o parque de La
Guira e a Serra de Najasa. Obviamente
são também recomendadas visitas a
Havana, Trinidad e Santa Clara, mas
estas por motivos não ornitológicos. Se o
tempo escasseia a melhor estratégia
consiste em alugar um automóvel, o que
também permite um contacto mais
estreito com os locais (toda a gente pede
boleia) e facilita o processo de encontrar
lugar para dormir e comer em casas
particulares (regra geral sempre as
melhores opções). O melhor período
para visitar Cuba é no Inverno, pois
acrescenta-se às aves residentes um
grande número de migrantes do Norte.
No entanto o Verão, apesar dos ciclones,
também tem as suas vantagens, com as
aves residentes em plena reprodução e,
se bem que em menor número, alguns
migrantes do Sul.
Pica-pau-verde-cubanoXiphidiopicus percussus
2
Pinar del Rio1 Jacana Jacana spinosa3
Garça-vermelha Egretta rufescens4
Augusto Faustino
Au
gu
sto
Fa
ust
ino
1.
17
Aves à volta do mundo
Parque La Guira - com cerca de
100 espécies e 50% das endémicas
presentes é um bom local para ver e
ouvir o canto etéreo do Solitário-cubano
Myadestes elisabeth, as cores fantásticas
do Todi-cubano Todis multicolor, o Pica-
-pau-verde-cubano Xiphidiopicus percus-
sus, a Mariquita-de-cabeça-amarela Tere-
tistris fernandinae, etc., num parque a cen-
to e tal quilómetros a oeste de Havana
com incríveis formações rochosas.
Península de Zapata - na costa
Sul, a sudeste de Havana, este é local
mais importante para o observador de
aves, com mais de 200 espécies e 83% das
endémicas presentes. É aqui o único lo-cal onde se pode ver a Carriça-de-zapata
Ferminia cerverai e, com muita sorte, o
Frango-de-zapata Cyanolimnas cerverai.
Mas a zona oferece muitas mais aves
fantásticas como o Pardal-de-zapata Tor-
reornis inexpectata, a Graúna-d'ombro-
-vermelho Agelaius assimilis, o Gavião de
Gundlach Accipiter gundlachi, o Colhe-
reiro-rosa Ajaia ajaia, uma mão-cheia de
garças entre elas a vermelha Egretta ru-
fescens, as fugidias rolas terrestres com a
endémica Rola-codorniz-de-cabeça-azul
Starnoenas cyanocephala em destaque e o
Pica-pau-de-fernandina Colaptes fernan-
dinae só para citar algumas. É um local
para se estar alguns dias e talvez contra-
tar um guia no fim da estadia para ajudar
a descobrir o que ainda falta para ver.
Serra de Najasa - com cerca de
100 espécies descritas é um bom local para
observar aves do Este da ilha como o Pom-
bo-liso Columba inornata e o Corvo-das-
-palmeiras Corvus palmarum e outras espé-
cies mais difusas como o Surucuá-cubano
Priotelus temnuru) a ave nacional de Cuba,
o Periquito-cubano Aratinga euops ou o
Esmeraldo-cubano Chlorostibon ricordii.
Cayo Coco - esta ilha, situada na
costa norte, é uma estância turística re-servada a estrangeiros onde só os cuba-nos que lá trabalham podem entrar.
Apesar desta falta de liberdade (não a
única!) este é um local onde se podem
observar mais de 200 espécies com os
endémicos Balança-rabo-cubano Poliptila
caerula e a Mariquita-do-oriente Teretrstris
fornsi, particularmente em evidência e um
dos poucos locais de Cuba onde se pode
encontrar o Sabiá das Bahamas Mimus
gundlachi e a Juruviara-de-bico-grosso Vi-
reo crassirostris.
Existem muitos outros locais em Cu-
ba onde é possível observar aves num
habitat espectacular. Pode mesmo tentar
redescobrir o famoso Pica-pau-bico-de-
-marfim Campephilus principalis que, até à
recente descoberta nos EUA, se pensava
poder só subsistir nas florestas entre as
províncias de Holguín e Guantánamo no
extremo Este da ilha. Eu recomendo uma
viagem até ao extremo Oeste e ao parque
da península de Guanaha-cabibes. Esta
península, com cerca de 50 km até ao
cabo de Santo António, é um paraíso com
florestas, mangais, praias intermináveis
e sem ninguém. Só no farol, na ponta da
península, existe uma pequena guarni-
ção militar onde se pode comer qualquer
coisa com a tropa. É necessário um guia
para nos acompanhar, que é fácil arranjar
em Las Bajadas no início do parque. O
meu, o Alfredo, foi fantástico e vimos, en-
tre outras, aves tão espectaculares como
o Colibri-abelha Mellisuga helenae a ave
mais pequena do mundo, o Noitibó-
grande das Antilhas Caprimulgus cuba-
nensis, o Corvo-cubano Corvus nasicus,
um bom número de mariquitas em mi-
gração Dendroica spp., o Papagaio-cuba-
no Amazona leucocephala, o Garajau-real
Sterna maxima e uma colónia de rabifur-
cados Fregata magnificens nos mangais. Se
tal não bastasse, junto ao início do parque
existe uma estância de mergulho (Maria
La Gorda) que é considerada uns dos
melhores locais do planeta para olhar
para o fundo do mar… nada melhor para
se refrescar depois de umas horas atrás
dos nossos amigos alados.
É claro que Cuba oferece também
uma noite recheada com rum e rumba e
Existem muitos sites com descrições de viagens ornitológicas a Cuba (Trip Reports) que são úteis para planear o itinerário, obter informações sobre guias, novidades recentes, etc.
mesmo nas povoações mais pequenas
existe sempre uma casa da cultura que
fecha só quando o último cliente quiser.
Importante também é a alegria das pes-
soas que não obstante as dificuldades
(que são muitas) estão sempre bem dis-
postas e prontas a ajudar e a sua cultura
que permite mesmo ao mais pobre (de
bolso, claro está) manter uma conversa
sobre os temas mais díspares.
Para saber mais:
Where to watch birds in Central America and the Caribbean. Wheatley
N. and Brewer D. Christopher Helm,
2002 (volume da colecção que cobre todo o
mundo e que é particularmente útil na fase
inicial de decisão e preparação da viagem
pois concentra muita informação ornitológica
de todos os países da zona em questão).
Birds of Cuba. Garrido OH, e Kirk-
connell A., Helm Field Guides, 2000.
A guide to the Birds of the West Indies. Raffaele H., Wiley J., Garrido O.,
Keith A., Raffaele J. Princeton Universi-
ty Press, 2003. (cobre todas as ilhas do Mar
das Caraíbas).
Au
gu
sto
Fa
ust
ino
2.
Au
gu
sto
Fa
ust
ino
3.
Au
gu
sto
Fa
ust
ino
4.
uito já se escreveu sobre a
época dos descobrimentos e M acerca dos novos mundos
que os navegadores portugueses deram
ao Mundo. Menos falado talvez é o facto
de terem sido olhos portugueses, sem
dúvida, os primeiros europeus a obser-
varem incontáveis espécies e uma parte
significativa da imensa biodiversidade
sul-americana, africana e asiática. Infe-
lizmente, os nossos compatriotas foram
geralmente pouco dados à escrita, talvez
por hábito ou formação, talvez também
por se conformarem a políticas de algum
secretismo cultivadas pelo estado por-
tuguês de então. Em tempos em que a
nomenclatura binomial científica mo-
derna estava por inventar e em que os
centros de conhecimento científico mais
avançados estavam apartados de
Portugal, as descobertas zoológicas dos
nacionais ficaram simplesmente por
relatar ou ficaram redigidas em docu-
mentos de circulação outrora limitada.
Ainda assim, é fascinante procurar, nas
crónicas mais antigas actualmente à nos-
sa disposição, provas e testemunhos de
As Aves nos Descobrimentos
portuguesesPaulo Catry & Helder Costa
observações ornitológicas verdadeira-
mente pioneiras. O interesse pelas aves
tinha sobretudo origem na sua utilização
como referenciais na toponímia ou na
geografia, na utilização gastronómica,
ou na simples curiosidade gerada pelo
exotismo e pela grande beleza que algu-
mas apresentavam.
Muitas aves marinhas anunciavam a
presença de terra e eram vistas como um
bom prenúncio para os mareantes per-
didos no mar desconhecido. A chegada a
terras brasileiras da armada de Pedro
Álvares Cabral é assim descrita na carta
que Pero Vaz de Caminha enviou ao rei
D. Manuel I: “e assim seguimos nosso
caminho por este mar de longo até Terça-feira
de oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de
Abril, que topámos alguns sinais de terra ... e
à Quarta-feira seguinte, pela manhã,
topámos aves a que chamam fura-buchos; e
nesse dia... houvemos vista de terra...”.
Os nossos marinheiros foram certa-
mente os primeiros europeus a contactar
com muitas das aves marinhas dos ocea-
nos tropicais e austrais, incluindo alba-
trozes, pardelões, rabijuncos, rabiforca-
dos e pinguins. Dalgumas delas deixa-
ram relatos muito sugestivos. A primeira
descrição de pinguins, por exemplo, foi
feita por Álvaro Velho, cronista da via-
gem de Vasco da Gama, em 1497. No
seguimento da exploração de alguns
ilhéus nas proximidades do Cabo da Boa
Esperança, escreveu este cronista: “ e nes-
te ilhéu há umas aves que são tamanhas como
patos, e não voam porque não têm penas nas
asas, e chamam-lhes “fortilicaius” e matá-
mos delas quantas quisemos; as quais aves
zurram como asnos”. Quem tenha ouvido
um pinguim do Cabo a “zurrar” reco-
nhece-o imediatamente nesta descrição.
De outras aves tão peculiares como
os pinguins não ficou qualquer registo
pelos marinheiros portugueses que as en-
contraram. Saliente-se o caso dos Dodós
(do Português, doudos ou doidos, assim
denominados por não temerem quem os
caçava) da ilha Maurícia, por exemplo,
que de tanto servirem de repasto a quem
naquelas paragens se abrigou, se extin-
guiram em finais do século XVII.
Muitas vezes as aves eram usadas
como mote para nomear os novos luga-
18
1.
19
História
res descobertos. Duarte Pacheco, no seu
roteiro náutico Esmeraldo de Situ Orbi,
escrito no início do século XVI descreve
assim um dos rios recém descobertos na
costa africana “Cinco léguas além do rio dos
Escravos está outro rio que se chama rio dos
Forcados; e este nome lhe puseram porque no
tempo que o descobriram, acharam ali umas
aves grandes que tem os rabos forcados, feitos
à maneira dos rabos de andorinha; e daqui
tomou este nome”.
As coloridas aves do Novo Mundo
deixaram também impressão profunda
nos primeiros exploradores das terras
brasileiras. Algumas décadas após o
achamento, ao longo dos séculos XVI e
XVII, foram sendo divulgados trabalhos
onde se compilava informação e ima-
gens inéditas sobre a fauna brasileira e,
nomeadamente, sobre as suas aves. São
de referir particularmente os relatos de
José de Anchieta, Fernão Cardim,
Gaspar Afonso, Gabriel Soares de Sousa,
Pêro de Magalhães de Gândavo e Frei
Cristovão de Lisboa.
Atente-se nesta magnífica descrição
poética, da autoria de Fernão Cardim,
em finais do século XVI, da mega-bio-
diversidade ornitológica do Brasil: “Pa-
rece que este clima influi peçonha, assim pe-
las infinitas cobras que há, como pelos muitos
alacrás, aranhas e outros animais imundos
[...]. Assim como este clima influi peçonha,
assim parece influir formosuras nos pássa-
ros, e assim como toda a terra é cheia de bos-
ques, e arvoredos, assim o é de formosíssimos
pássaros de todo o género de cores.” Do
mesmo autor, conhece-se esta interes-
sante descrição do vasto grupo dos coli-
bris, onde se misturam factos e crenças
infundadas “[...] é o mais fino pássaro que se
pode imaginar [...], tem o bico muito com-
prido e a língua de dois comprimentos do
bico; são muito ligeiros no voar, e quando
voam fazem um estrondo como abelhas, e
mais parecem abelhas na ligeireza que pássa-
ros [...] como abelhas andam chupando o mel
das flores [...], têm dois princípios de sua
geração: uns se geram de ovos como outros
pássaros, outros de borboletas [...]”.
No Oriente, as insólitas relações en-
tre homens e aves não passaram desper-
cebidas aos portugueses. Em meados do
século XVI, o padre André Fernandes
descreve assim a utilização dos corvos-
-marinhos na pesca pelos chineses: “Leva
o pescador o corvo em uma cesta ao rio, onde
há frutas, e põe-lhe um laço ao pescoço bem
em baixo, de maneira que não o afogue, e
deixa uma ponta do laço na mão, e lançam. E
como mergulha e acha os peixes, enche o papo
e sai para os comer fora, e o pescador o toma e
lhe aperta o papo até que lhos faz lançar fora
todos...”
O conhecimento demonstrado pelos
nossos navegadores assume contornos
verdadeiramente notáveis para a época,
sendo evidente por algumas das descri-
ções deixadas que conheciam fenóme-
nos complexos como a migração das
aves, que só alguns séculos depois viri-
am a ser descritos pelos cientistas euro-
peus. A seguinte passagem da crónica da
Guiné, escrita por Gomes Eanes de Zu-
rara, no século XV, é elucidativa. Ao
descrever a costa da África Ocidental,
refere-se assim o autor às aves que nela
se encontravam: “E a esta terra passam
geralmente todalas andorinhas e assim toda-
las aves que por certos tempos aparecem em
este nosso reino: cegonhas, codornizes, rolas,
torcicolos, rouxinoes e folosas e assim outras
aves desvairadas; e muitas há que por razão
da friura do Inverno se partem desta terra e se
vão buscar aquela, por causa da sua quen-
tura; e outras se partem dela no Inverno,
assim como falcões e garças, e pombos tro-
cazes, e tordos e assim outras aves que fazem
naquela terra sua criação, e depois veem
guarecer a esta e isto pelas viandas que aqui
se acham conformes à sua natureza.”
Como é compreensível, muita outra
informação interessante existe dispersa
pelos velhos documentos, não cabendo
no âmbito deste breve artigo mais do que
alguns exemplos particularmente elo-
quentes. Como acima referido, as des-
cobertas ornitológicas dos descobri-
mentos portugueses não integraram,
infelizmente, o conhecimento científico
da época ou das gerações subsequentes.
Só já no século XIX é que naturalistas e
investigadores nacionais, como Barbosa
du Bocage, Francisco Newton ou José de
Anchieta (outro que não o Padre, radi-
cado no Brasil, acima mencionado) reali-
zaram descobertas que, essas sim, repre-
sentaram avanços significativos no
conhecimento ornitológico mundial.
Mas essa é outra história...
2
1
2. 3. 4.
3 4 Frei Cristóvão de Lisboa - História dos Animais e Árvores do Maranhão
Diogo Homem (1558) - Portulano do Atlântico
Mas a região sudoeste do país, incluindo Sagres, a
costa Alentejana e as serras de Monchique e Espinhaço
de Cão, é também uma área de ventos fortes e constan-
tes, e portanto de grande potencial para o aproveita-
mento eólico. Por este motivo, existem já naquela zona
seis parques eólicos implantados, para além de vários
outros em fase de construção ou em avaliação. Uma vez
que o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa
Vicentina (PNSACV) e a Zona de Protecção Especial
(ZPE) da Costa Sudoeste abrangem apenas a faixa litoral
das costas oeste e sul, as limitações à construção de
parques eólicos na maior parte da área restante não são
muitas. Nem o facto de uma boa parte da região se
integrar em dois sítios propostos para a Rede Natura
2000 (Costa Sudoeste e Monchique) tem impedido a
proliferação de projectos. Para as áreas sem qualquer
estatuto de protecção, estão igualmente propostos di-
versos parques eólicos de pequena dimensão, alguns
deles isentos da realização de qualquer estudo de im-
pacte ambiental.
O grau de protecção conferido pela existência do
PNSACV e da ZPE no litoral de Sagres não se estende à
zona mais interior. Por exemplo, a estrada nacional N268,
entre Aljezur e Vila do Bispo, constitui a fronteira do
PNSACV: do lado oeste a preservação dos valores natu-
rais dita regras, enquanto do lado leste, a poucas centenas
de metros, se encontram já instalados três parques eólicos.
Naturalmente as rotas migratórias não reconhecem fron-
teiras regulamentares, mesmo que feitas de asfalto, e
muitas das aves que se concentram em migração nas
áreas protegidas de Sagres ou do Cabo de S. Vicente, so-
brevoam também toda a região entre Vila do Bispo e
Monchique.
O efeito dos parques eólicos sobre a avifauna tem
sido motivo de acesa polémica e alvo de estudos cada
vez mais frequentes. Os efeitos negativos de alguns
parques sobre as aves têm incluído situações de morta-
lidade, devido à colisão das aves com as pás ou as torres
dos aerogeradores, ou de afastamento das aves das áre-
as ocupadas pelos aerogeradores, quer para evitar pos-
síveis colisões, quer como resultado da destruição ou
perturbação de habitats decorrente da construção dos
parques. A magnitude destes efeitos depende contudo,
de múltiplos factores, incluindo o tipo e disposição dos
aerogeradores, a topografia e condições climatéricas, as-
sim como as espécies de aves existentes e o seu compor-
tamento em cada local. De forma que, se em alguns par-
ques eólicos é frequente a ocorrência de colisões, nou-
tros casos não se registam impactos relevantes sobre
quaisquer espécies de aves.
A região de Sagres e Vila do Bispo é seguramente a
mais importante do país para a migração outonal de
aves planadoras (aves de rapina diurnas e cegonhas),
constituindo igualmente um dos mais importantes pon-
tos de passagem para passeriformes e outras espécies
migradoras. Todos os anos, entre Agosto e Outubro, al-
guns milhares de aves de rapina e muitos milhares de
passeriformes utilizam esta rota migratória sobre o ex-
tremo sudoeste de Portugal, rumo a África. Para além da
migração, registam-se ainda naquela zona movimentos
de dispersão de grande relevância, como aqueles que
envolvem milhares de grifos Gyps fulvus e que se esten-
dem até ao mês de Novembro.
Sagres: sítio de migrações e de vento
Parques Eólicos e Avifauna
20
Sagres, a Migração e os Parque Eólicos
Crónica de um impacto anunciado?
Ricardo Tomé
Te
resa
Ma
rqu
es
1.
Os parques eólicos já existentes na
região não se encontram sujeitos a
quaisquer medidas de minimização ou
monitorização de eventuais impactos
sobre a avifauna. Apesar de o Instituto
do Ambiente ter recentemente autori-
zado a instalação de novos parques eóli-
cos em plena Rede Natura 2000, a
política tem sido um pouco mais cuida-
dosa e os novos projectos serão obriga-
dos a seguir procedimentos que visam
diminuir o risco de colisões. Estas medi-
das incluem a paragem dos aerogera-
dores em dias de migração mais intensa
de aves planadoras, um dos grupos mais
propensos à colisão com aquele tipo de
estruturas. Por outro lado, a imposição
de planos de monitorização da migra-
ção e mortalidade registada nesses par-
ques, poderá constituir igualmente uma
medida importante, desde que rigorosa-
mente aplicada.
Apenas num dos parques eólicos
existentes na região de Vila do Bispo
foram conduzidos estudos para detectar
a mortalidade de aves. Neste caso, aque-
le em que os aerogeradores atingem me-
nor altura, a mortalidade da maior parte
das espécies foi pouco relevante, não
incidindo sobre espécies migradoras de
aves de rapina ou passeriformes. En-
quanto a mortalidade poderá ser re-
duzida, o mesmo poderá não se passar
em relação a outro tipo de impactos. De
facto, estudos recentes na área indicam
que as aves de rapina migradoras uti-
lizam preferencialmente rotas entre os
parques eólicos existentes, afastando-se
dos aerogeradores. Para evitar o risco de
colisão, as aves tenderão a contornar os
parques eólicos, assistindo-se assim ao
denominado “efeito-barreira”, para já
apenas em pequena escala.
Impactos: agora e depois
Se o afastamento das aves para rotas
alternativas próximas não parece, por
agora, acarretar grandes consequências
para as aves, já as consequências da
instalação de um número significativa-
mente superior de aerogeradores, distri-
buídos por uma vasta região, poderá
comportar impactos mais negativos. É
para já especulativo prever o que poderá
acontecer no caso dos parques eólicos
continuarem a proliferar entre Monchi-
que e Vila do Bispo, contribuindo para os
chamados efeitos-cumulativos. No en-
tanto, não se poderão afastar os cenários
da existência de um “efeito-barreira” de
grande escala, com alterações conside-
ráveis nas rotas seguidas na migração, ou
do registo de colisões frequentes com os
aerogeradores. Estes efeitos poderão ser
ainda mais graves, se tivermos em conta
que, à construção de cada parque eólico,
se encontra associada a implantação de
uma nova linha eléctrica de distribuição,
estruturas confirmadamente respon-
sáveis pela morte de um número muito
elevado de aves, grande parte delas com
estatuto de conservação elevado.
Como em muitas outras questões de
ordenamento do território, o que está em
causa é a ausência de uma estratégia em
relação à implantação dos parques eóli-
cos a nível nacional. Este planeamento
deveria garantir o cumprimento das me-
tas de aproveitamento de energias reno-
váveis, sem prejuízo da preservação de
zonas ambientalmente sensíveis, como o
extremo sudoeste, a região mais impor-
tante para a migração de aves a nível na-
cional. A definição de zonas interditas à
implantação de parques eólicos em locais
em que o risco de impactos negativos so-
bre a avifauna é elevado nomeadamente
corredores migratórios seria o corolário
lógico desta nova orientação. Entretanto,
e em relação aos parques eólicos já em
implantação na região sudoeste, será es-
sencial que sejam acompanhados por
estudos de monitorização rigorosos, que
avaliem a verdadeira extensão dos im-
pactos sobre a avifauna migradora. Estes
estudos não deverão apenas incidir sobre
as espécies planadoras, mas também
sobre passeriformes e outras espécies que
desenvolvem a sua migração preferen-
cialmente durante a noite, quando as
condições atmosféricas e de visibilidade
podem aumentar o risco de mortalidade
por colisão com os aerogeradores.
Futuro desejado
21
Conservação
2
Parque Eólico de Vila do Bispo1
Te
resa
Ma
rqu
es
2.
Ra
y T
ipp
er
3.
Cabo de S.Vicente
Ponta de Sagres
Sagres
3 Grifos
GYPS FULVUS
22
Compilado por Paulo Marques
Museu Bocage, MNHN
É PRECISO CONHECER PARA CONSERVAR
A ciência das
aves
Te
resa
Ca
try
Período de publicação: Janeiro a Março de 2006
BiodiversidadeA Biodiversidade é cada vez
mais uma palavra do dia a dia, que
-assume uma grande importância a ní
-vel internacional, patente em inicia
-tivas da ONU (Convenção para a Di
-versidade Biológica - CBD) ou da Uni
-ão Europeia (Estratégia para a Bio
diversidade ou iniciativa “contagem _decrescente countdown” 2010).
-Ainda recentemente, no encontro pe
riódico da CBD, o comissário europeu
-do ambiente afirmou que a biodiver
sidade é uma prioridade na UE e em
Abril de 2006 será entregue a todos
-os Estados-Membros o plano de ac
-ção para a implementação da Estra
tégia para a Biodiversidade.
-Mas o que é a biodiversida
-de? Sendo a conjunção de “diver
-sidade biológica”, engloba a varia
-bilidade entre organismos vivos exis
tentes em todos os ecossistemas e
os complexos ecológicos dos quais 1fazem parte . Esta definição é muito
-abrangente e engloba diversos ní
veis de complexidade que vão desde
a diversidade ao nível dos genes,
-passando pelas populações, espé
cies e ecossistemas. Em cada um
-destes níveis de complexidade a bio
-diversidade é caracterizada pela va
riedade (número de tipos diferentes),
-quantidade, e distribuição geográ2fica . De uma forma mais simples
biodiversidade é a riqueza biológica
do planeta Terra.
Paulo E. Jorge e Luís Vicente 2006.
Informação dependente de luz: Influên-
cia dos pombais no sistema de nave-
gação dos pombos-correio juvenis. Jour-
nal of Ornithology 147: 38-46.
Este estudo pretendeu avaliar o efeito
dos pombais no estabelecimento do sis-
tema de navegação dos pombos-correio
juvenis. Utilizaram-se dois pombais com
características distintas: pombal de tor-
re, com ampla exposição aos factores
ambientais; pombal de jardim, com fraca
exposição aos mesmos factores devido à
vegetação envolvente. Como tratamento
experimental utilizou-se o transporte em
total escuridão das aves até ao local de
solta. Este procedimento permitiu-nos
observar que apesar das aves de ambos
os pombais utilizarem este tipo de infor-
mação para a obtenção da direcção de ca-
sa, a importância desta é maior para os
indivíduos do pombal de jardim, suge-
rindo uma interferência do tipo de pom-
bais no estabelecimento do sistema de
navegação dos pombos. Observou-se
também que em aves muito jovens (<2
meses) este tipo de informação apenas
lhes incrementa o sentido de orientação
no interior da área familiar.
Júlio. M. Neto, J. Newton, A. G. Gosler e
C. M. Perrins 2006. Uso de isótopos
estáveis para determinar a extensão de
muda de Inverno em aves migradoras: a
muda complexa das cigarrinhas-ruivas
Locustella luscinioides. Journal of Avian
Biology 37: 117-124.
A análise dos padrões de desgaste das
penas têm sido tradicionalmente usada
para descrever a extensão de muda de
Inverno em aves migratórias. No entan-
to, a interpretação desses padrões pode
ser extremamente difícil devido a pe-
ríodos de muda longos, à data e à
existência de mudas complexas. Neste
estudo, foi usada a variação geográfica
de alguns isótopos estáveis para deter-
minar a origem das penas da asa de ci-
garrinhas-ruivas capturadas na Prima-
vera na Ria de Aveiro. Para isso, foram
comparados os isótopos de Hidrogénio,
Carbono e Azoto de penas de passeri-
formes paludícolas que cresceram em
África e em Portugal. Verificou-se que
este método permite a identificação da
origem da grande maioria das penas de
cigarrinhas e que a interpretação dos
padrões de desgaste é geralmente, mas
não sempre, correcta. É ainda descrita a
complexa variação da muda de Inverno
desta espécie.
As aves em Portugal
Va
ne
ssa
Oliv
eir
a
23
Ornitologia
Júlio. M. Neto e A. G. Gosler 2006. Muda
pós-juvenil e pós-nupcial das cigarri-
nhas-ruivas Locustella luscinioides em
Portugal. Ibis 148: 39-49.
Vítor H. Paiva, Jaime A. Ramos, Teresa
Catry, Patrícia Pedro, Renata Medeiros e
Jorge Palma 2006. Influência dos factores
ambientais e do valor energético do ali-
mento no crescimento das crias de chil-
reta Sterna albifrons e nas entregas de
alimento. Bird Study 53: 1-11.
O objectivo deste estudo foi a descrição
da dieta e crescimento das crias de chil-
reta Sterna albifrons em salinas e praias
da Ria Formosa. Analisamos também a
influência da maré e do vento na entrega
de alimento às crias. As principais pre-
sas entregues diferiram entre as salinas
(Atherina spp, Fundulus spp e camarão) e
as praias (Sardina pilchardus, Atherina spp
e Belone belone). Os adultos entregaram
presas cada vez maiores à medida que os
pintos cresceram, sendo que o cresci-
mento foi mais rápido nas praias do que
nas salinas. Esta diferença poderá estar
relacionada com as diferenças na dieta
entre os dois habitats e com o facto de
aves mais experientes nidificarem prefe-
rencialmente nas praias. A presença de
Fundulus spp (presa de elevado valor
energético) nas salinas, juntamente com
as condições mais abrigadas dos tan-
ques, poderão ser motivos importantes
para nidificar neste habitat.
Maria Dias, José P. Granadeiro, Ricardo
Martins e Jorge Palmeirim 2006. Esti-
mativas da utilização das áreas entre-
marés pelas limícolas: incorrecções devi-
do à resposta das aves ao ciclo de maré.
Bird Study 53: 32-38.
Neste estudo avaliámos se contagens de
baixa-mar resultam em boas estimativas
de densidade de limícolas nas zonas
intertidais do estuário do Tejo. Para tal
estas foram comparadas com estima-
tivas baseadas em contagens feitas du-
rante todo o ciclo de maré. As estima-
tivas de baixa-mar foram significativa-
mente menores para todas as espécies, à
excepção de Limosa lapponica. O erro foi
maior para espécies que seguem a maré
(como Calidris alpina, Limosa limosa e
Recurvirostra avosetta) e nas áreas interti-
dais cujo tempo de exposição é superior.
Uma vez que contagens durante todo o
ciclo exigem um esforço de campo muito
superior, sugere-se a realização de conta-
gens alternadas entre a baixa-mar e ou-
tras fases do ciclo (enchente ou vazante).
Susana Rosa, Ana L. Encarnação, José P.
Granadeiro e Jorge Palmeirim 2006. Se-
lecção de refúgios de preia-mar por aves
limícolas: maximizar oportunidades de
alimentação ou evitar a predação? Ibis
148: 88-97.
Durante a preia-mar, as aves limícolas
deslocam-se para locais que se designam
vulgarmente por “refúgios”. Este estudo,
que teve lugar no estuário do Tejo, iden-
tificou um clara preferência das aves por
permanecer em zonas de refúgio entre-
-marés em detrimento das salinas. Testa-
ram-se duas hipóteses para explicar esta
selecção: a possibilidade de continuar em
alimentação ou um menor risco de preda-
ção. A perturbação causada por predado-
res aéreos foi muito superior nas salinas
em relação aos refúgios entre-marés, con-
cluindo-se que a predação é o principal
factor que motiva a selecção observada.
Os investigadores portugueses
Jaime A. Ramos, Anna M. Maul, John
Bowler, Louisa Wood, Rob Threadgold,
Sharon Johnson, Darryl Birch e Susan Wal-
ker 2006. Variação anual nas datas de pos-
tura e sucesso reprodutor de Tinhosa na
ilha de Aride, Seychelles. Emu 106: 81-86.
Mundo das avesVoltando ao assunto da biodiversi-
dade, o investigador português Henri-
que Pereira conjuntamente com David
Cooper do secretariado da Convenção
para a Diversidade Biológica (CBD)
publicaram um artigo na prestigiada re-
vista Trends in Ecology and Evolution de
Março de 2006 onde abordam a neces-
sidade de uma rede mundial para a mo-3nitorização da Biodiversidade . Neste
importante artigo os investigadores sa-
lientam a necessidade de implementar
uma rede de monitorização a nível glo-
bal que permita avaliar a evolução e
efeito das medidas para reduzir a perda
de biodiversidade até ao ano 2010, meta
estabelecida pela CBD. O programa de
monitorização global proposto seria rea-_lizado em duas escalas regional e glo-
_ _bal e em dois níveis espécies e ecos-
sistemas. Pereira e Cooper sugerem co-
mo grupos indicadores as aves e as
plantas vasculares para a monitorização
ao nível especifico. A monitorização ao
nível dos ecossistemas seria realizado
com base em informação remota pro-
veniente de cobertura por satélite.
Igualmente importante, embora rece-
ba menos atenção, é a inventariação da
biodiversidade. Como é do conhecimento
comum muita da diversidade biológica
está por descrever e até em grupos bem
estudados, como as aves, onde regular-
mente surgem novas espécies para a ciên-
cia, como temos vindo a divulgar nesta
secção em números anteriores. Neste sen-
tido, a inventariação da biodiversidade a
nível global não deve ser descurada em
detrimento de processos igualmente im-
portantes como a monitorização.
1 www.biodiv.org - Sítio de internet da Convenção para da Diversidade Biológica.
2 EASAC 2005. A user's guide to biodiversity indicators. EASAC policy report 04. www.easac.org.3 2006 TREE 21 (3): 123-129.
Este estudo utiliza uma série temporal
de 8 anos de dados para abordar varia-
ções anuais nas datas de postura, sucesso
reprodutor, taxas de crescimento dos
pintos e condição corporal de adultos de
Tinhosa (Anous stolidus) na ilha de Aride,
Seychelles, Oceano Índico. Os resultados
indicam que os anos com baixo sucesso
reprodutor correspondem a anos de El
Niño e La Niña. Este e outros estudos se-
melhantes, sugerem que a influência do
El Niño se estende a populações de aves
marinhas em muitos locais do globo.
José
Via
na
Fa
ísca
24
Pa
ulo
Alv
es
J U V E N I S
25
Já alguma vez te perguntaste porque é que em grande
parte das espécies, os machos são mais coloridos, ou com
penas de formas que chamam a atenção... e as fêmeas são
muitas vezes castanhas, confundindo-se com o habitat ou até
com fêmeas de outras espécies (o que não ajuda os ornitó-
logos!) ? É que os machos competem entre eles por uma fêmea.
Nas competições, ganha (consoante a espécie) o mais forte, o
mais colorido, aquele que tem a melhor vocalização...
Sabias que os grous fazem uma dan-
ça espectacular em que saltam, abanam as penas, batem as
asas...? E os machos de abetarda ''viram a plumagem de dentro
para fora'' e exibem-na. Os combatentes lutam com a gola le-
vantada...Cada espécie tem o seu ritual.
Algumas aves acasalam para a vida e mantêm sempre o
mesmo parceiro. Outras não. Algumas constroem o ninho
todos os anos e outras só o arranjam e aperfeiçoam.
Depois de as aves acasalarem na Primavera, a fêmea põe
os ovos, cujo número, o aspecto e o tamanho varia conso-
ante as espécies. Os ovos são em seguida chocados (mais fre-
quentemente pela fêmea). O tempo de incubação também varia
e o ninho pode ser feito de vários materiais (penas, paus, lama)
e em vários sítios (buracos escavados, cavidades naturais...).
Quando os bebés nascem, são indefesos e os pais prote-
gem-nos e alimentam-nos incessantemente. Depois, ensi-
nam os filhos a voar e a procurar comida...
Como sabes, a fêmea do cuco põe os
ovos no ninho de outras aves e o bebé mata os verdadeiros
filhos dos seus pais adoptivos: é um parasita. Claro que ele não
faz por mal: na natureza cada um luta como pode pela sua
sobrevivência e pela da própria espécie.
Como de certeza sabes muito bem, as aves põem
ovos. Mas quantos é que põem? E quando? E onde?
Vamos dividir as respostas a estas perguntas
por etapas, em ordem:
C U R I O S I D A D E
C U R I O S I D A D E
2
3
4
Reprodução Avesde
Vamos falar de
Silvia Nunes
Sabias que a reprodução das aves
varia de espécie para espécie? E que estas
precisam de determinadas condições at-
mosféricas e de habitat para se puderem
reproduzir? Pois é, todas as espécies de
aves têm determinadas características
únicas na sua reprodução, fazendo com
que esta varie na época do ano, no ha-
bitat, etc. Neste pequeno texto vamos
falar de modo generalizado, esquecen-
do as excepções.
As aves costumam iniciar a sua épo-
ca de reprodução na Primavera, pois nes-
sa altura há mais alimento e as condições
ambientais são optimas, logo há mais
hipóteses de sobrevivência para as suas
crias. Nesta época as aves, especialmente
os machos, tentam evidenciar-se em ri-
tuais de acasalamento, uns através da sua
melhor plumagem colorida, outras atra-
vés do seu melhor canto. E para quê? Para
cativarem a sua fêmea e para defenderem
o seu território. Nessa altura as aves estão
muito atarefadas a (re)construir os seus
ninhos. Todas as aves se reproduzem por
ovos (ovíparas) depositando-os nos ni-
nhos que lhes dão o calor e a segurança
que necessitam longe de predadores.
Há dois tipos de reprodução: a natu-
ral, onde não há intervenção do homem e
a artificial. Na artificial o homem cons-
troi os ninhos distribuindo-os de modo a
garantir à ave o alimento e protecção que
ela necessita. É com este tipo de repro-
dução que se consegue procriar espécies
em vias de extinção sem estas estarem
sujeitas a predadores, à falta de comida,
às más condições atmosféricas, etc., con-
tribuindo para o seu salvamento.
Sofia Coelho
Pa
ulo
Alv
es
Pe
dro
Alv
ito
1
26
Onde observar
A Toutinegra-tomilheira
Como nunca tinha observado a
espécie, antes de partir numa expedição
à sua procura, fiz uma saída de campo à
biblioteca... Migradora nidificante, esta-
tuto de conservação Quase Ameaçada,
surge no nosso país a partir no início de
Março, podendo ser observada até Se-
tembro, altura em que migra para lati-
tudes mais quentes. Passeriforme de pe-
quenas dimensões, com asas relativa-
mente pequenas e arredondadas com
ligeira projecção das primárias, sendo a
cauda, comparativamente, longa. Den-
tro do género Sylvia, é considerada tipi-
camente mediterrânea, relacionando-se
com meios, em termos de complexidade
de coberto, mais simples, adaptando-se
sobretudo às etapas de substituição dos
meios florestais - matos principalmente.
A sua preferência incide em zonas de
vegetação arbustiva baixa de matos me-
diterrâneos, cujos arbustos apresentem
cobertura suficiente para o ninho, alter-
nadas com zonas abertas de vegetação
herbácea, onde surgem espécies dos
géneros Salicornia, Ulex, Cytisus e Cistus,
evitando geralmente zonas de bosque.
Historicamente, em Portugal, a Tou-
tinegra-tomilheira é uma espécie com
distribuição fragmentada, nidificando
de forma dispersa e escassa em locali-
dades do interior, parece manter a mes-
ma tendência actualmente. Contudo têm
havido diversos registos nos últimos
anos para locais fora da área conhecida
de distribuição para a espécie.
Eis chegada a altura de procurar zo-
nas de matos, até achar uma área que
preenchesse os requisitos necessários.
Antiga ribeira de Alcarrache (hoje Albu-
feira de Alqueva), zona de matos espar-
sos de Ulex, aparentemente as condições
estavam reunidas! Uma pequena ave em
voo ondulante entre arbustos pousando
no topo de um tojo, canto curto, melo-
dioso e musical, anel ocular branco bem
visível, cabeça azulada, garganta bran-
ca, peito cinzento e asas cor de tijolo. Não
há dúvida, a paciência foi recompensa-
da, eis a observação de um belo macho!
Após algum tempo de observação outros
indivíduos foram detectados, muitas das
vezes facilmente identificáveis pelo seu
característico alarme que faz lembrar o
abanar do rabo de uma cascavel (cada
um tem a sua mnemónica!).
Das espécies que ocorrem em Portu-
gal, pode haver alguma confusão na
identificação desta espécie com Papa-
-amoras-comum Sylvia communis. Esta
ligeiramente maior e de coloração menos
contrastante, inclusive nas fêmeas.
Apesar da distribuição fragmentada
que a espécie apresenta, pode ser obser-
vada com relativa facilidade (dependen-
do da paciência e dos quilómetros que
estejamos dispostos a fazer) principal-
mente nas zonas interiores do país. A sua
distribuição esparsa é compensada pela
conspicuidade da espécie nos locais onde
ocorre. Alguns dos locais com maior
probabilidade de observar a Toutinegra-
-tomilheira situam-se na Costa Vicentina
(na zona dos parques eólicos da Fonte
dos Monteiros nos arredores de Vila do
Bispo), em Sagres (entre o marco geo-
désico da Cabranosa e o Vale Santo), em
Castro Marim, Mértola, no Tejo Interna-
cional (Monte da Barata, Posto dos Alares
e Cabeço Alto) e no Douro Internacional.
A espécie pode também ser obser-
vada no Arquipélago da Madeira, sub-
espécie S. c. orbitalis, nas ilhas da Madei-
ra e Porto Santo, associada a formações
arbustivas de tojo. Boas observações!
Sylvia conspicillata Carlos Godinho
Luís Gordinho (www.naturlink.pt)
Ciber-Ornitofilia
27
Ciber-Ornitofilia
27
www.alula.fi
Esta é a primeira metade de um artigo
sobre a escolha do meu próximo teles-
cópio. Poderá parecer egoísta mas, se o
tema fosse a escolha do telescópio dos
leitores, eu possivelmente teria de escre-
ver centenas de crónicas. É que não existe
um telescópio universal ideal, logo a esco-
lha é altamente subjectiva. O que existe é
um aparelho que se adequa particular-
mente bem ao uso que lhe será dado, às
características físicas do observador e ao
orçamento disponível. Este artigo pretende
ser um exemplo de como é que esse teles-
cópio poderá ser encontrado.
No meu caso, estamos a falar de um
observador com 1,90 m de altura e 70 kg de
peso que observa sempre com óculos e per-
corre frequentemente longas distâncias a
pé, algumas vezes em terreno acidentado,
não estando disposto a deixar o telescópio
para trás. Também estamos perante al-
guém que teria relutância em dar 2.000 eu-
ros ou mais por um telescópio e uma ocular.
O meu grande objectivo é substituir com
vantagem o equipamento anterior. Esse
era composto por um telescópio Optolyth
TBS80GA com uma ocular 30xW num
estojo Skua MKII e por um tripé Manfrotto
144B com cabeça 200 e alça. O peso total
do conjunto ascendia a 4,7 kg. Os aspectos
que mais anseio ver melhorados são o
diâmetro da lente ocular, o peso e tamanho
do conjunto e a qualidade das lentes. Além
disso, também me rendi recentemente aos
encantos das modernas oculares zoom.
Quando, em 1991, escolhi e comprei o
meu primeiro telescópio, a principal refe-
rência nessa matéria era o Binoculars and
telescopes survey da revista British Birds,
do qual foram publicados seis números
entre 1978 e 1995. A partir desse ano, a
revista deixou de publicar o inventário, ale-
gadamente porque não servia bem o fim a
que se destinava. Para a minha escolha,
também foi decisivo um artigo publicado
em 1988 na revista Birding World (1:19-20)
por Peter Grant, recentemente falecido à
data da compra. O Peter, para além de ser
um excelente observador, também era
bastante alto e usava óculos. Numa altura
em que, no nosso país, existiam poucos
telescópios terrestres que se pudessem
experimentar, tinha que se escolher muito
com base na opinião dos outros. Ainda
assim, eu já tinha usado bastante os
Optolyth extensíveis do então SNPRCN
(ICN desde 1993) e tinha a melhor impres-
são da sua óptica. Nessa época a Kowa e a
Nikon dominavam o mercado, mas Grant
considerou a prestação do mais econó-
mico Optolyth superior. Já na altura, revis-
tas sobre observação-de-aves de carácter
mais recreativo e menos técnico como a
Birdwatching (fundada em 1986) começa-
vam a dominar nos comparativos de mate-
rial óptico. Hoje, no Reino Unido, é a sua
concorrente directa, a mais jovem Bird-
watch (desde 1992), que melhor cobre esta
área, publicando anualmente, no mês de
Novembro, um estudo detalhado do mer-
cado de telescópios. A revista técnica euro-
peia de ornitologia que continua a publicar
mais e melhores testes comparativos de
material óptico é a finlandesa Alula.
Felizmente, grande parte dessas análises
estão disponíveis on-line em
Em termos de testes dispo-
níveis apenas na Internet, são de destacar
os do site , em
particular “The Reference Set”, que, no
entanto, deverão ser complementados
com artigos mais recentes tais como
e
. Para
certos fins mais específicos, por exemplo
leitura de anilhas de cor, existem testes
dirigidos, entre os quais salientamos o lusi-
tano e altamente meritório
. Os arqui-
vos de certos foruns (e.g.
) também
podem constituir uma referência útil.
Apesar da Internet ser agora uma fonte
importante de informação, mais importante
ainda é o facto de, mesmo em Portugal,
muitos observadores terem actualmente
telescópio, o que permite experimentar as
diferentes marcas e modelos disponíveis e
tomar a decisão de forma mais pessoal. É
dessa decisão que vamos falar na segunda
parte do artigo, até lá...
www.alula.fi/
gb/optics.htm.
www.betterviewdesired.com
www.birdwatching.com/optics/scopes
2003.html www.surfbirds.com/mb/
reviews/leicaapotelevid62.html
http://pt-ducks.
naturlink.pt/cr-telescopes.htm
www.birdforum.
net/archive/index.php/t-11525
Boa Navegação!
http://pt-ducks. naturlink.pt/cr-telescopes.htm
www.betterviewdesired.com
Telescópios A pesquisaParte 1: