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ESPECIAL PATENTES Proteção à tecnologia Especialistas apresentam mecanismos de defesa da propriedade intelectual dos resultados de pesquisa E m dezembro do ano passado, a Fundação de Amparo à Pesqui- sa do Estado de São Paulo - FAPESP reuniu um gru- po de especialistas brasilei- ros e estrangeiros no work- shop Propriedade Intelectual e Patentes. Objetivo: anali- sar estratégias para apri- morar seus próprios pro- cedimentos relativos à proteção da propriedade intelectual de produtos re- sultantes das pesquisas que financia e, de modo mais amplo, indicar caminhos para que as instituições de pesquisa possam zelar melhor pelos resultados do trabalho de seus pesquisadores. Na verdade, nesse campo de propriedade intelectual e patentes de produtos originários da pesquisa brasileira verifica-se um certo impasse. Cada uma a seu modo, as instituições nacionais avançam no desenvolvimento tec- nológico e no entrosamento com o setor empresarial, mas ainda tratam com pouca atenção o patenteamento dos resultados das pesquisas - cuidado indispensável quando se almeja a produção em escala industrial dos re- sultados de experimentos nascidos em laboratório, o re- torno social dos investimentos realizados e, mais ainda, financiamentos extras à pesquisa, desta feita de origem privada, capazes de complementar os recursos públicos. As patentes, por si só, não asseguram o repasse da tec- nologia, mas dão às empresas a possibilidade de tecer contratos coesos com as instituições de pesquisa. Sem pa- tente, dificilmente as empresas sentem-se à vontade para investir durante um ou dois anos no desenvolvimento de um produto nascido em um laboratório acadêmico. Por- tanto, sem uma política clara e eficaz de proteção da pro- priedade intelectual, será praticamente impossível para as instituições de pesquisa avançarem nos acordos de licen- PESQUISA FAPESP ciamento com as empre- sas. No cenário internacio- nal, as oportunidades es- tão definidas: já há muitos anos, as indústrias come- çaram a ver as universida- des com outros olhos, es- pecialmente na medida em que as pesquisas em infor- mática e biologia molecu- lar começaram a dar resul- tados que poderiam gerar lucros. Dentro desse panora- ma, a FAPESP, com seu longo histórico de financi- amento à pesquisa científi- ca e tecnológica no Estado de São Paulo, e com a atenção especial que vem dispensando nos anos mais recentes à inovação tecnológica - com os programas de Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) e Inovação Tecnológi- ca em Pequenas Empresas (PITE)-, não poderia manter- se ao largo da questão da propriedade intelectual e paten- tes. Daí seu esforço para atuar de forma mais ativa nesse campo, do qual o workshop foi um ponto de partida. Neste encarte organizado por Carlos Fioravanti estão resumidas as apresentações de cinco especialistas convida- dos pela FAPESP. Elas retratam diferentes estratégias de instituições de pesquisa- dos Estados Unidos, de Israel ( es- colhido por ser um país que, como o Brasil, contribui com cerca de 1% da produção científica mundial, embora com uma atuação bem mais incisiva no campo da proprieda- de intelectual) e do próprio Brasil. Os relatos respondem às principais dúvidas dos dirigentes das instituições e dos pesquisadores a respeito do registro das idéias. Mostram que não são poucas as possibilidades de acordos com o setor empresarial e, por fim, indicam como a universida- de pode auxiliar a criação e a consolidação de empresas, principalmente quando os mecanismos de proteção à propriedade intelectual já se encontram implantados.

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Pesquisa FAPESP - Especial Patentes (ed. 50). Janeiro/2000

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ESPECIAL PATENTES

Proteção à tecnologia

Especialistas apresentam mecanismos de defesa da propriedade intelectual dos resultados de pesquisa

Em dezembro do ano passado, a Fundação de Amparo à Pesqui­

sa do Estado de São Paulo - FAPESP reuniu um gru­po de especialistas brasilei­ros e estrangeiros no work­shop Propriedade Intelectual e Patentes. Objetivo: anali­sar estratégias para apri­morar seus próprios pro­cedimentos relativos à proteção da propriedade intelectual de produtos re­sultantes das pesquisas que financia e, de modo mais amplo, indicar caminhos para que as instituições de pesquisa possam zelar melhor pelos resultados do trabalho de seus pesquisadores.

Na verdade, nesse campo de propriedade intelectual e patentes de produtos originários da pesquisa brasileira verifica-se um certo impasse. Cada uma a seu modo, as instituições nacionais avançam no desenvolvimento tec­nológico e no entrosamento com o setor empresarial, mas ainda tratam com pouca atenção o patenteamento dos resultados das pesquisas - cuidado indispensável quando se almeja a produção em escala industrial dos re­sultados de experimentos nascidos em laboratório, o re­torno social dos investimentos realizados e, mais ainda, financiamentos extras à pesquisa, desta feita de origem privada, capazes de complementar os recursos públicos.

As patentes, por si só, não asseguram o repasse da tec­nologia, mas dão às empresas a possibilidade de tecer contratos coesos com as instituições de pesquisa. Sem pa­tente, dificilmente as empresas sentem-se à vontade para investir durante um ou dois anos no desenvolvimento de um produto nascido em um laboratório acadêmico. Por­tanto, sem uma política clara e eficaz de proteção da pro­priedade intelectual, será praticamente impossível para as instituições de pesquisa avançarem nos acordos de licen-

PESQUISA FAPESP

ciamento com as empre­sas. No cenário internacio­nal, as oportunidades es­tão definidas: já há muitos anos, as indústrias come­çaram a ver as universida­des com outros olhos, es­pecialmente na medida em que as pesquisas em infor­mática e biologia molecu­lar começaram a dar resul­tados que poderiam gerar lucros.

Dentro desse panora­ma, a FAPESP, com seu longo histórico de financi­amento à pesquisa científi­

ca e tecnológica no Estado de São Paulo, e com a atenção especial que vem dispensando nos anos mais recentes à inovação tecnológica - com os programas de Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) e Inovação Tecnológi­ca em Pequenas Empresas (PITE)-, não poderia manter­se ao largo da questão da propriedade intelectual e paten­tes. Daí seu esforço para atuar de forma mais ativa nesse campo, do qual o workshop foi um ponto de partida.

Neste encarte organizado por Carlos Fioravanti estão resumidas as apresentações de cinco especialistas convida­dos pela FAPESP. Elas retratam diferentes estratégias de instituições de pesquisa- dos Estados Unidos, de Israel ( es­colhido por ser um país que, como o Brasil, contribui com cerca de 1% da produção científica mundial, embora com uma atuação bem mais incisiva no campo da proprieda­de intelectual) e do próprio Brasil. Os relatos respondem às principais dúvidas dos dirigentes das instituições e dos pesquisadores a respeito do registro das idéias. Mostram que não são poucas as possibilidades de acordos com o setor empresarial e, por fim, indicam como a universida­de pode auxiliar a criação e a consolidação de empresas, principalmente quando os mecanismos de proteção à propriedade intelectual já se encontram implantados.

PATENTES

ESTADOS UNIDOS

Da descoberta à cotnercialização

Formado em Economia Política pela Universidade de Indiana, David Allen vive

o desafio de fazer com que a Universidade Estadual de Ohio - a segunda maior nos Estados Unidos, com cerca de 50 mil alunos - amplie os vínculos com o setor empresarial e ajude a transformar a economia do Estado de Ohio, de perfil industrial e conservador, ainda com baixa competitividade nas atividades ligadas à informação e à Internet. Não lhe falta experiência para dar conta do recado. Depois de implantar o Centro de Criação e Desenvolvimento de Empresas na Universidade do Estado da Pensilvânia, Allen transferiu-se para a Universidade de Ohio, onde, de 1991 a 1997, dirigiu o Instituto de Biotecnologia Edison, um centro de pesquisas com renda anual de USS 2 milhões (metade proveniente de contratos com indústrias), e coordenou o Escritório de Transferência de Tecnologia. Atualmente, como vice-presidente-assistente do Escritório de Licenciamento de Tecnologias da Universidade Estadual de Ohio, desenvolve parcerias com empresas e supervisiona os contratos de licenciamento de tecnologias, um campo em que a instituição já construiu certa tradição: do orçamento anual de pesquisa da universidade, cerca de USS 200 milhões, USS 36 milhões provêm de empresas ou associações de empresas. Allen fez duas apresentações no seminário sobre patentes promovido pela FAPESP, Da Descoberta à Propriedade Intelectual e Da Propriedade Intelectual à Comercialização, sintetizadas a seguir.

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Para começar, algumas definições importantes. Uma invenção é uma formulação ou método tecnológico novo e útil, que pode ser comunica­da por meio de notificação por es­crito ao departamento de patentes ou escritório de licenciamento de tecnologia. A propriedade intelec­tual cobre um conjunto de tipos de tecnologia, na forma de invenções, patentes, direitos autorais, marca

David Allen registrada, dados e, cada vez mais, know-how. Uma licença é um con­

trato que dá à empresa os direitos à propriedade intelec­tual. Normalmente outorgamos direitos, mas não ven­demos a propriedade intelectual. Quando se vende a propriedade intelectual não se pode mais retomá-la e não há garantia de que será desenvolvida.

A Universidade Estadual de Ohio- a segunda maior nos Estados Unidos, com cerca de 50 mil alunos e um orçamento anual de pesquisa deUS$ 210 milhões, dos quais US$ 36 milhões provenientes de empresas ou as­sociações de empresas- não cria empresas, mas traba­lha com quem tem interesse em fundar uma empresa que licencie a propriedade intelectual. Nosso escritório cuida de todo o processo de desenvolvimento da tecno­logia, da proteção à propriedade intelectual ao licencia­mento a empresas. Cuidamos também da comercializa­ção, preparando os contratos que, às vezes, são necessários já no início do processo, a exemplo dos acordos de confiança e de transferência de material. Ou­tros aparecem mais tarde, como os acordos de opção e de licenciamento.

Em 1999, recebemos 100 comunicados de invenções, a maior parte da área de engenharia e medicina. Em 1998, foram apenas 75. Em 1998, registramos 33 paten­tes, duas a mais do que no ano anterior, e assinamos 26 acordos de comercialização, sendo 13 para licenciamen­to e 13 para opções, quando a empresa decide num se­gundo momento se vai realmente aceitar o licenciamen­to. Algumas opções realizadas no ano passado serão acordos de licenciamento no próximo ano. Recebemos dos contratos com empresas cerca de US$ 1,6 milhão, normalmente com uma variação de 20% para mais ou para menos de um ano para outro.

Em uma reunião com os inventores, determinamos o procedimento mais adequado, ao verificar se a tecno­logia já foi publicada ou noticiada em alguma conferên-

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PATENTES

cia ou encontro científico. Freqüentemente, temos de tratar da garantia da propriedade intelectual o mais rá­pido possível. Já fizemos isso até de um dia para o ou­tro, mas certamente não é uma situação desejável. Nes­se encontro, vemos também se a invenção é o resultado de um programa de financiamento ou se há outra em­presa ou instituição que, por ter patrocinado a pesqui­sa, pode ter algum tipo de direito autoral ou proprieda­de intelectual sobre os resultados.

Para aceitar um projeto e providenciar a patente, exi­gimos uma demonstração de que a idéia realmente fun­ciona. Não é necessário que se te-nha uma redução de operação à

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se quer realmente avançar para o acordo de licenciamen­to. Em metade dos casos, fazemos com a empresa um acordo de financiamento para a pesquisa avançar até a fase de desenvolvimento.

Os inventores recebem metade dos primeiros US$ 75 mil em royalties. A outra metade é destinada ao escritó­rio de licenciamento para cobrir despesas com o proces­so. Depois, os inventores recebem um terço dos royalties, independentemente de permanecerem ou não na uni­versidade. O outro terço vai para o departamento da fa­culdade onde trabalham ou trabalharam e a parte res-

tante para a agência que financia a pesquisa adicional.

prática, mas um conceito e uma redução conceituai à prática, de forma que se possa demonstrar como, de fato, se poderia desen­volver a tecnologia. A demons­tração conceituai em geral não é suficiente para iniciar a comercia­lização do projeto. Mais cedo ou mais tarde é preciso demonstrar que o projeto pode realmente se tornar operacional.

''Um projeto só avança quando

há transferência real de conhecimento

do laboratório para a empresa''

Para desenvolver um produto com uma empresa, não basta fa­zer o registro das patentes, que normalmente são incompletas e necessitam de mais trabalho. Pa­tentes, por si mesmas, apenas co­meçam o jogo da comercialização. Um projeto só avança quando há transferência de conhecimento real do pessoal do laboratório para a empresa e quando ocorre,

Procuramos também conhe­cer os objetivos do inventor. O que ele realmente quer? Ele meramente concluiu mais uma pesquisa financiada ou estaria interessado em co­mercializar a tecnologia? E de que maneira? É impor­tante que o pesquisador compreenda o que é necessário para se comercializar a tecnologia, já que a tecnologia por si mesma não se transfere. O que se transfere é o co­nhecimento embutido na tecnologia. o que acontece é que o conhecimento passa dos laboratórios dos pesqui­sadores para a empresa.

É importante também saber que contatos os inven­tores têm com os setores ligados à produção, porque de 50% a 70% dos acordos de licenciamento provêm de contatos feitos pelos próprios inventores com ex-alunos ou ex-colegas, que agora trabalham na indústria, ou ain­da empresários que conheceram em reuniões, encontros ou conferências. É um mito a idéia de que saímos a cam­po em busca de empresas. Em geral, as empresas é que nos encontram, porque estão em conta to com os inventores.

Para apresentar o projeto às empresas, formulamos um resumo não confidencial, de uma ou duas páginas, que identifica de forma ampla o que a tecnologia pode fa­zer, sem especificar de que modo faz. Em seguida, faze­mos um acordo confidencial, por meio de uma negocia­ção com o inventor, e procuramos convencer a empresa a visitar os laboratórios da universidade e a conhecer os outros pesquisadores que participam daquele projeto. Quando há sinais claros de interesse, apresentamos nos­sas condições e damos um prazo para a empresa decidir

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mais do que um bom contrato, um encontro de mentes.

Observamos também que quase todas as patentes bem-sucedidas são renegociadas a cada três anos. É mui­to difícil chegar a um acordo ideal já no começo, porque os cinco anos seguintes é que definem a viabilidade da comercialização da tecnologia. Na maioria das vezes, é a taxa de royalties que mudamos. Sempre pisamos duro para fazer o produto mais competitivo. Muito raramen­te pedimos ·mais e muito raramente ganhamos mais. Mas o ponto aqui é o relacionamento, que deve ir bem para assegurar o sucesso do projeto.

Normalmente, não é a tecnologia que não funciona, são as pessoas que não conseguem ou não querem criar os relacionamentos e as condições necessárias para que o projeto se concretize. Caso as empresas não sejam ca­pazes de desenvolver a tecnologia, nós a tomamos de volta e a repatenteamos. Nos últimos dois anos repaten­teamos três tecnologias porque as companhias licencia­das não foram capazes de desenvolvê-las ou não tinham atingido as condições estabelecidas no acordo.

Não estamos nesse negócio para ganhar dinheiro. Mais do que ganhar dinheiro, pretendemos, sim, me­lhorar a universidade e responsabilizá-la, como institui­ção, pelos recursos que recebe. Desejamos nos tornar mais competitivos, o que implica ter as melhores facul­dades, atrair e manter os melhores estudantes e conse­guir mais financiamentos para pesquisas. Se, ao contrá­rio, perdermos competitividade, os alunos vão para outras escolas, como o Instituto de Tecnologia de Mas-

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ESTADOS UN I DOS

sachusetts ou a Universidade de Stanford, que se forma­ram nas duas últimas décadas nesses mesmos moldes.

Pôr a tecnologia em uso e aumentar a competitivi­dade não significa apenas assegurar o patrocínio de pes­quisas, mas principalmente ter boas faculdades e bons estudantes. Chegaremos a esses resultados à medida que desenvolvermos as cinco estratégias que nos impomos.

A primeira é mudar a estrutura interna da universida­de, que deve incutir novas políticas e uma cultura mais atual de desenvolvimento científico e tecnológico. Temos alguma dificuldade com os estatutos legais do Estado a respeito de propriedade intelec-tual, mas conseguimos uma flexi-

PATENTES

da como uma universidade tecnológica. Queremos abri­lhantar nossos astros na pesquisa nessa área, de modo que os pesquisadores possam se ver como excepcionais e serem reconhecidos pelo trabalho que realizam.

Por fim, queremos fortalecer o trabalho em conjun­to com outras entidades. Criamos um conselho de lide­rança com homens de negócios, que coordenam os gru­pos de tecnologia e indicam os interesses das empresas. Desse modo, estaremos certos de constar na agenda dos empresários quando precisarem de serviços na área tec­nológica. Esse conselho tem funcionado muito bem. A

proximidade é um ponto a favor: a sede do conselho fica a cerca de

bilidade maior em patentes e na comercialização dos resultados de pesquisas.

O segundo ponto é redefinir o comportamento administrativo. Concluímos que precisávamos acabar com a duplicação de pro­cedimentos, de uma coordenação e de um sistema de contabilidade mais visível na universidade. Am­pliamos o quadro de pessoal, re­forçamos a ação da equipe que

'' Queremos consta r na agenda

dois quilômetros do câmpus. Na incubadora de negócios da

universidade, onde as empresas nascentes podem se estabelecer desde que mantenham um rela­cionamento com a universidade, está estabelecido que 30% dos funcionários serão alunos de gra­duação. Desse modo, os estudan­tes poderão se desenvolver e, após sair dos laboratórios universitá-

dos empresários quando precisarem de serviços na área

tecnológica''

busca financiamentos externos para as pesquisas, e fui indicado para vice-presidente­assistente, para cuidar da contabilidade dos contratos, do patenteamento e dos cantatas com as empresas.

A terceira meta é ampliar o fluxo de tecnologia da universidade com as empresas. Para isso, estamos for­mando uma equipe de comercialização de tecnologia e criando uma instituição não-lucrativa cuja única fun­ção será produzir empresas a partir das pesquisas da universidade.

Fazemos com as empresas um contrato por um pe­ríodo de 60 meses, no qual se avalia a viabilidade de co­mercialização de um jeito mais aberto, sem os critérios de decisões e a política de prioridades da universidade. Nesse tempo, assessoramos a empresa e, se necessário, buscamos financiadores adicionais. Trabalhamos com fundos de investimento de risco, que inicialmente põem deUS$ 100 mil a US$ 2 milhões numa companhia de desenvolvimento tecnológico. Com essa ajuda financei­ra, as empresas constroem a atividade comercial de um modo muito mais confortável do que a universidade poderia proporcionar. O financiamento chega normal­mente quando já há um produto em fase de testes e um público bem definido.

A quarta meta da estratégia de parceria em tecnolo­gia é realmente contar às pessoas o que estamos fazendo e identificar nosso papel como agentes críticos do pro­cesso. Somos um ponto-foco que permite à universida­de se posicionar melhor no futuro e se tornar conheci-

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rios, entrar nos negócios tecnoló­gicos estabelecidos, primeiro nas

incubadoras e depois na Cidade da Ciência, que é o par­que de pesquisa.

Procuramos criar condições para que depois eles próprios abram seus próprios negócios. Designamos um pesquisador sênior que os orienta e diz o que devem saber. Sem liderança, não se vai a parte alguma. Esse é um ponto claro para nós há muito tempo. Cada um, do funcionário rríais simples ao presidente, vive se pergun­tando o que pode fazer para, desde o ensino médio, os nossos colleges, criar um ambiente positivo e desenvolver a capacidade de trabalho e a criatividade nos amigos.

Podemos medir esse empenho coletivo por meio do volume de financiamento recebido ou da contribuição para novos negócios e por nossa capacidade de atrair os melhores estudantes do país, que no passado iriam para outras universidades. Podemos avaliar nosso trabalho também pelo acervo de patentes de invenções, royalties e companhias de start up.

Com esse modelo, esperamos ser capazes de drenar mais capital e estabelecer um programa de pesquisa de classe mundial a um quilômetro do câmpus, numa área onde ainda não há muito mais que o verde. Precisamos comunicar o que a universidade faz. De nosso orçamen­to, 60% vêm dos contratos de licenciamento com 26 empresas, 20% do Estado de Ohio e 20% de doações. E, descobrimos, o melhor jeito de motivar as pessoas a as­sinar aqueles cheques para a universidade é mostrar os ganhos econômicos que podemos proporcionar.

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PATE N TES

ISRAEL

Os riscos e as possibilidades de negócios

Paulina Ben-Ami, vice­presidente de patentes e propriedade intelectual

da Companhia Yeda de Pesquisa e Desenvolvimento, a empresa de transferência de tecnologia do Instituto Weizmann de Ciências, criada em 1959, explicou por que os institutos de pesquisa de Israel, tanto quanto os dos Estados Unidos, não se cansam de propor projetas conjuntos com o setor empresarial. Em primeiro lugar, porque nesses países o Estado financia a pesquisa apenas parcialmente. Em segundo lugar, por causa da "consciência da necessidade de transferir à sociedade os resultados da pesquisa desenvolvida nas instituições com financiamento público". Brasileira e israelense, formada em Química pela Universidade de São Paulo, com pós-graduação na Universidade Hebraica de Jerusalém, Paulina foi diretora da Divisão de Química e Biotecnologia do Escritório de Patentes de Israel, até se transferir para a Yeda, em 1990. Sua exposição, Proteção da Propriedade Intelectual em uma Instituição Acadêmica, deixou evidente a importância da proteção dos resultados de pesquisa, quando se cogita a produção em escala industrial: "Nenhuma empresa assina um contrato de licença sem que a invenção esteja protegida por um pedido de patente ou já patenteada", comentou. Perita em propriedade intelectual, Paulina participou de projetas da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi) em países da América Latina, incluindo o Brasil.

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A patente é uma modalidade de propriedade industrial que protege uma invenção que é nova, tem cará­ter inventivo e é útil. Sendo uma propriedade, a patente tem valor econômico e permite uma série de operações financeiras, tais como sua venda ou licenciamento a fim de manufaturar produtos ou fornecer serviços protegidos pela patente. De modo geral, as opções estratégicas

Paulina Ben-Ami de um titular de patente incluem: 1 - A exploração própria da patente;

2 - O uso da patente para impedir sua exploração por ter­ceiros; 3 - A transferência dos direitos da patente a terceiros, me­diante compensação financeira; 4- A concessão de licença a terceiros, que pode ser exclu­siva, excluindo o próprio titular, ou não-exclusiva, medi­ante pagamentos de royalties e outras compensações; e 5 - O uso da patente como sua parte na constituição de uma nova empresa (start up).

Quando o titular da patente é uma instituição acadê­mica, somente as opções 3 a 5 são viáveis. Por não ser produtora ou fornecedora de serviços, a instituição não explora a patente por si própria e não usa a patente para impedir que 'outros a explorem, porque uma de suas fi­nalidades é transferir a tecnologia gerada nos seus labo­ratórios à sociedade. A transferência dos direitos da pa­tente a terceiros, apesar de viável, é pouco usada, restando, portanto, o licenciamento da patente a empre­sas ou o estabelecimento de companhias start up basea­das na tecnologia patenteada.

Quais os motivos que levam as universidades e os ins­titutos de pesquisa a procurar essa colaboração com a in­dústria e o setor empresarial? Por um lado, a busca de verbas para a pesquisa, em países como os Estados Uni­dos e Israel, nos quais a pesquisa universitária é financia­da apenas parcialmente pelo Estado, e, por outro lado, a consciência da necessidade de transferir à sociedade os resultados da pesquisa desenvolvida nas instituições com financiamento público.

Os contratos entre uma instituição acadêmica e as empresas interessadas nas tecnologias propostas podem ser de vários tipos: a - Contrato de pesquisa com opção a licença, segundo o qual a empresa financia a pesquisa ainda em estágio pre-

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ISRAEL

liminar por um prazo determinado (geralmente de um a três anos) e tem a opção de negociar uma licença se os re­sultados da pesquisa forem positivos; b- Contrato de pesquisa e de licença, que fixa desde o iní­cio o financiamento da pesquisa e as condições da licença; c - Contrato de opção, feito quando o pedido de patente já foi depositado, a pesquisa está mais avançada e a empre­sa requer um certo tempo para avaliação da invenção; e d- Contrato de licença, feito após a concessão da paten­te, muito raro porque geralmente as invenções nas insti­tuições acadêmicas são de caráter preliminar e necessi­tam de pesquisa adicional antes de sua comercialização.

PATENTES

As desvantagens: 1 - A dificuldade de licenciar projetas em estágio muito preliminar; 2 - Decisões lentas (quanto maior a empresa, mais tempo para a tomada de decisão); 3 - O financiamento da pesquisa depende de concluir com sucesso e nos prazos determinados etapas ( milesto­nes) do projeto definidas no contrato; 4- A falta de investimento agressivo no desenvolvimento ou marketing do projeto por vários motivos, inclusive a prioridade a outros projetos;

5 -A exigência de sigilo e de limi­tação de colaboração com outros

O contrato entre uma insti­tuição acadêmica e uma empresa deve considerar os interesses das duas partes e estipular, por um lado, que os interesses da empre­sa sejam assegurados por meio do depósito de um pedido de pa­tente para cada invenção resul­tante da pesquisa financiada pela empresa antes de sua publicação científica, e, por outro lado, que

''É importante que os direitos da

licença voltem

pesquisadores; 6- O perigo de mudança repenti­na da estratégia da empresa, que pode resultar no término do pro­jeto em qualquer estágio, inde­pendentemente de seus resulta­dos. Por essa razão é importante que todas as patentes estejam no nome da instituição e é preciso as­segurar no contrato que todos os direitos da licença voltem à insti-

à instituição caso o contrato com a em presa

seja interrompido''

os interesses acadêmicos sejam assegurados por meio da definição do prazo concedi­do ao licenciado para proceder com o depósito do pe­dido de patente (geralmente, de dois a três meses), evi­tando, assim, a protelação da desejada publicação científica.

Uma das grandes dificuldades no licenciamento de projetos acadêmicos à indústria reside no fato de as pes­quisas acadêmicas serem de caráter preliminar (seed sta­ge) e progredirem a passos lentos. Uma forma mais re­cente de promover o desenvolvimento de novos produtos baseados em pesquisa acadêmica consiste no estabeleci­mento de empresas novas (start up) com a ajuda de capi­tal de risco ( venture capital), provido por particulares ou por fundos de investimento de capital de risco. Essas em­presas start up investem um capital inicial para desenvol­ver a tecnologia até um estágio mais avançado que per­mite, então, a venda da tecnologia e/ou da start upa uma empresa estratégica ou a outros investidores e/ou nego­ciação de suas ações na bolsa de valores.

Vamos agora comparar as vantagens e as desvanta­gens do licenciamento de um projeto acadêmico a uma empresa estratégica ou a uma start up. As vantagens de um contrato com uma companhia estratégica incluem: 1 - Um período mais longo de financiamento da pesquisa; 2 - A capacidade para desenvolver, produzir e vender os produtos, e compromisso contratual para fazê-lo; e 3 - Pagamento de honorários de licença (license fees), além dos royalties da venda.

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tuição em caso de interrupção do contrato por parte da empresa.

As vantagens de um contrato com um fundo de capi­tal de risco e a criação de uma start up incluem: 1 - O financiamento maior da pesquisa inicial; 2 - Decisões mais rápidas; e 3 - O fato de a instituição e os pesquisadores receberem ações da coml?anhia start up.

E as desvantagens: 1 -A possibilidade de concessão de licença a uma organi­zação inexperiente; 2 - A limitação de recursos financeiros; 3 - A dificuldade em recrutar profissionais capacitados para a pesquisa e o desenvolvimento da tecnologia e para a administração da start up; 4- A possibilidade de fusão ou venda da start upa tercei­ros ou ao público; e 5 - O perigo de conflitos de interesses entre os acionistas e o Conselho de Diretores da start up.

O estudo da Yeda, que em hebraico significa conheci­mento ou know-how, a empresa de transferência de tecno­logia do Instituto Weizmann de Ciências, pode servir como exemplo da forma que uma instituição acadêmica prote­ge a propriedade intelectual e transfere com sucesso os resultados de sua pesquisa aplicada ao setor empresarial.

A Yeda, criada em 1959, funciona como um braço co­mercial do Instituto Weizmann, uma instituição sem fins

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PATE NTE S

lucrativos fundada em 1934, que conta com cerca de 400 professores e pesquisadores, 250 estudantes de mestrado, SOO doutorandos, 200 pós-doutorandos, 800 técnicos e engenheiros e 250 funcionários administrativos. Cerca de 900 projetos de pesquisa básica e aplicada encontram-se em andamento. Do orçamento de cerca US$ 170 mi­lhões anuais, 50% são fornecidos pelo estado e de 10% a 15% provêm de royalties de projetos licenciados.

Os vice-presidentes de Ciência e Tecnologia e de Pro­priedade Intelectual da Yeda identificam e avaliam os projetos de pesquisa com potencial comercial, os quais são, então, apresentados ao Comitê de Patentes interno, do qual fazem

I SRAEL

Os assessores desse fundo têm livre acesso aos pesqui­sadores do instituto, para que possam eles também iden­tificar e monitorar as oportunidades, mesmo antes dos resultados finais. Desde seu estabelecimento, cinco com­panhias start up foram criadas - três na área de Ciências Biológicas, uma em Eletroóptica e uma em Biossensores -e dois outros projetos estão em negociação. Um contra­to feito entre a Yeda, o instituto e este fundo, já no seu es­tabelecimento, determinou as condições referentes a equity (participação acionária) e antidiluição, tanto da Yeda como dos pesquisadores, ao financiamento da pes-

quisa e aos royalties. A Yeda tem contratos de pes­

parte os dois VPs e mais o presi­dente da Yeda e o VP de Transfe­rência de Tecnologia do instituto. Os projetos aprovados são então protegidos através do depósito de pedidos de patente e oferecidos para licença, por meio de sua apresentação no siteda Yeda na In­ternet e a empresários que visitam o instituto ou por meio de conta­tos com empresas ou investidores de capital de risco feitos pela dire-

''Se os pesquisadores põem uma quantia do paga menta no

laboratório, o instituto contribui com uma

quantia igual''

quisa e de licença com mais de 20 empresas, 65% das quais são es­trangeiras, e participou na criação de cerca de 20 companhias start up. Os royalties anuais recebidos das vendas, principalmente no ex­terior, dos produtos licenciados (quatro medicamentos e um car­tão inteligente), da ordem de vá­rios milhões de dólares, só tendem a crescer com o lançamento de no-

ção da Yeda ou por intermédio dos cientistas. Identificadas as empresas interessadas na licen­ça ou os investidores interessados em estabelecer uma start up, começa o processo das negociações, levado a cabo pelo presidente da Yeda, assessorado pelos VPs e com a colaboração dos cientistas.

Sendo Israel um mercado pequeno, de 6 milhões de habitantes, nem sempre as indústrias nacionais podem absorver e desenvolver tecnologias originadas nas univer­sidades. Isso faz com que grande parte dos esforços da Yeda se dirija à procura de empresas estrangeiras para li­cenciar as pesquisas do instituto. Também as start ups es­tabelecidas pela Yeda em Israel, no final das contas, pro­curarão empresas estrangeiras para a negociação de sua tecnologia. Por essa razão, a Yeda investe muito no paten­teamento das invenções no estrangeiro, principalmente Estados Unidos, Europa e Japão, e na preparação dos contratos de licença.

Outra característica sui generis refere-se à criação de um fundo de capital de risco dedicado ao Instituto Weiz­mann. Esse fundo, estabelecido em 1996 com capital es­trangeiro (cerca de US$ 17 milhões), por iniciativa do instituto, tem o direito exclusivo da primeira oportunida­de com relação aos frutos da pesquisa feita na entidade, ou seja, todos os projetos em andamento no instituto, in­cluindo aqueles em oferta de licença, são apresentados pela Yeda primeiro a esse fundo, o qual pode escolher en­tre eles os projetos que considera interessantes para a cria­ção de uma start up.

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vos produtos farmacêuticos nos Estados Unidos e na Europa.

Deduzidas as despesas, a Yeda entrega 60% dos ro­yalties ao Instituto Weizmann, para aplicação em novas pesquisas, e distribui os 40% restantes aos pesquisado­res e aos inventores, sejam professores, estudantes ou técnicos, de acordo com a divisão que eles próprios acertaram e comunicaram à Yeda antes de depositado o pedido de patente. Se os pesquisadores resolvem colo­car uma quantia do seu pagamento pessoal no labora­tório em que trabalham, o instituto contribui com um valor igual.

A proteção da propriedade intelectual, por meio das patentes, é muito importante nesse processo da comercia­lização porque nenhuma empresa assina um contrato de licença sem que a invenção esteja protegida por um pedi­do de patente ou já patenteada. A Yeda recebe anualmen­te de 70 a 80 novas propostas (em 1999, 90) e deposita de 50 a 60 novos pedidos de patente inicialmente em Israel ou nos Estados Unidos, dos quais cerca de 40 são, após 12 meses, depositados no exterior.

Os custos envolvidos no processo de patenteamento são altos, mas necessários. Uma vez licenciadas, todas as despesas das patentes são pagas pelo licenciado, inclusi­ve as de data anterior à da licença. Em 1999, a Yeda pa­gou diretamente cerca de US$ 900 mil de despesas com patentes, dos quais US$ 400 mil foram recebidos de vol­ta dos licenciados. Além disso, estimamos que os paga­mentos relativos a patentes da Yeda feitos diretamente por licenciados foram da ordem de US$ 2 milhões.

7

PATENTES

I S RAEL

En1 contato direto con1 os pesquisadores

R enée Ben-lsrael, cientista social formada nos anos 70 pela Universidade

de São Paulo, trabalha desde 1988 na Yissum Companhia para o Desenvolvimento da Pesquisa, o escritório de licenciamento de tecnologia da Universidade Hebraica de Jerusalém, uma das mais antigas de Israel, com 1.200

Renée Ben-lsrael

A Yissum, em hebraico, significa aplicação. É uma empresa privada economicamente autônoma, que tem o monopólio da comercializa­ção dos resultados de pesquisa da Universidade Hebraica de Jerusa­lém. Temos cerca de 1.200 cientistas e 24 mil estudantes- 30% dos dou­torados de Israel são realizados na Universidade Hebraica. Estão em andamento no momento cerca de 3.500 projetos de pesquisa, financia­dos por verbas internas, provenien­

cientistas e 24 mil estudantes. A equipe de 15 funcionários da Yissum vive atenta para descobrir quais projetas de pesquisa em andamento na universidade (3.500, no momento) serão concluídos em breve e, principalmente, quais podem ser produzidos comercialmente. Como os colegas, Renée é uma profissional de múltiplas tarefas. Atende os inventores, a quem serve de guia no labirinto jurídico da propriedade industrial, avalia a maturidade e as possibilidades de desdobramentos comerciais dos projetas de pesquisa, providencia o registro das patentes e prepara os acordos de licenciamento de tecnologias com as empresas. Como gerente de propriedade intelectual faz, enfim, a articulação entre pesquisadores, empresários e investidores. Um trabalho que ela considera uma legítima acrobacia, com regras claras, mas também indispensável dose de sorte. Na apresentação que fez na FAPESP, Administração de Propriedade Intelectual Universitária: A Arte da Acrobacia, Renée tratou das possibilidades e das dificuldades de trabalho com os pesquisadores e com os empresários interessados em novas tecnologias.

8

tes do Estado e das mensalidades de alunos, e externas, públicas ou particulares.

A Universidade Hebraica conta com duas entidades para administrar os recursos financeiros: a autoridade para Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) e a Yissum. A primeira lida com as bolsas de estudo e com as verbas de origem não-comercial. Negocia fundos de pesquisas com outras universidades, procura contatos com agências de financiamento e fomenta a cooperação internacional.

A Yissum cuida dos assuntos comerciais. Fazemos ar­ranjos comerciais com indústrias, fundos de risco e de­senvolvemos uma série de outras possibilidades comer­ciais. A Yissum registra entre 40 e 50 novos pedidos de patentes por ano e o portfólio ativo é de aproximada­mente 800 pa~ntes e 200 projetos à venda, ou seja, ofere­cidos para diversos tipos de colaborações econômicas. Li­damos com a academia, com a indústria, com o mundo legal dos advogados e da propriedade industrial e com o mundo financeiro, cada um com suas próprias regras, ca­racterísticas e interesses. Como sobreviver andando nes­sa corda bamba sem perder o foco e a dignidade? É A Arte da Acrobacia.

Nossas funções se desdobram em três categorias in­terligadas que exigem alto nível de coordenação: política, entre entidades e internacional. O trabalho é político, num sentido amplo, antes de mais nada, porque proprie­dade intelectual tornou-se um assunto popular, questio­nado eticamente no sentido da própria atividade comer­cial no câmpus e em áreas como a biotecnologia e a utilização de reservas naturais, por exemplo. Se há algum tempo podíamos trabalhar sossegadamente, sem sermos questionados, hoje devemos explicações, respostas e rela­tórios a diversos grupos, pois os projetos são financiados pelo Estado, por bancos, por uma indústria ou por um consórcio de empresas. Temos o dever de explicar. De

PESQUISA FAPESP

PATENTES ISRAEL

certa maneira, vivemos num que é a mercadoria que temos para aquário, estamos sob um escru­tínio constante.

A segunda categoria seria a da coordenação das relações in­terpessoais e entre entidades. Não basta haver uma tecnologia de alto nível, um excelente me­canismo de proteção de propri­edade intelectual e uma compa­nhia muito interessada nas novas técnicas. Sem unir todas as peças do quebra-cabeça, não

'' Podemos recusa r algo brilhante em termos científicos,

porque fazemos distinção entre ciência

e tecnologia''

vender, e 20% em itens variados, como trocas de equipamentos, ser­viços legais e auditoria. De que for­ma obtemos tais resultados com apenas 15 funcionários? Antes de mais nada, com a otimização das forças locais, a experiência na sele­ção de projetos (com o tempo de­senvolvemos um certo faro, que aju­da a não perder tempo com projetos inúteis) e finalmente com o outsour-

teremos nenhum acordo. A articulação internacional é importante porque não

há mais ciência feita em um só lugar. Estamos vendo, por um lado, avançarem os projetos internacionais puramen­te acadêmicos como mistos, feitos com a indústria, e, por outro, as companhias se fundirem ou serem englobadas umas por outras. Temos de agir de acordo com essa rea­lidade. Além disso, é dificílimo realizar um licenciamen­to clássico de uma tecnologia, protegida por uma paten­te, a uma única empresa. Vivemos mais e mais situações mistas, nas quais uma tecnologia pertence a diversas en­tidades, é protegida por diversas patentes e copyrights e é licenciada a um grupo de capital de risco, que por sua vez quer lançá-la em bolsa de valores quando atingir um es­tágio mais avançado.

Cuidamos do trabalho de relações públicas, dentro e fora da universidade, do marketing da própria compa­nhia e das invenções e do financiamento às pesquisas. Por ser de certa forma uma empresa de serviço, temos de atender a todos os telefonemas e depois fazer a triagem.

O turnoverda Yissum em 1999 foi de cerca deUS$ 15 milhões. O orçamento interno é de um décimo, distribuí­do do seguinte modo: 40% em salários, 40% em patentes,

cing, a utilização de forças externas. Delegamos o trabalho do registro

das patentes a profissionais especializados, por diversos motivos. Primeiro, porque temos de dar cobertura a di­versos campos e seria difícil manter um grupo de advo­gados de patentes que pudesse cobrir todas as áreas da universidade. Segundo, porque trabalhamos num mun­do profissional e temos de procurar a melhor solução possível para cada problema.

No Departamento de Propriedade Intelectual, do qual faço parte, recebo os primeiros telefonemas e faço a pri­meira triagem. Pergunto aos pesquisadores: Já publicou? Vai publicar quando? Em que estágio está a pesquisa? Re­cebeu bolsa ou financiamento de alguém a quem esteja devendo alguma explicação? Tem colaborador em outro lugar? Essas perguntas são essenciais porque a partir das respostas poderemos estabelecer se temos nas mãos uma tecnologia patenteável ou não e até mesmo se temos di­reito a essa tecnologia. Há casos de bolsas ou de financi­amentos que exigem boa parte dos direitos de proprieda­de intelectual ou de uma parceria que dificulte a futura comercializa~ão e inutilize nosso trabalho.

Para ser patenteada a invenção deve ser original, não­óbvia e ter alguma aplicação útil. Esses são os critérios

formais, que não bastam.

Receita Gerada com Novos Contratos em 1999 Para que a Yissum resolva investir num plano que in­clua a proteção da proprie­dade intelectual, a invenção deve preencher mais alguns requisitos, que levam em conta o tempo, esforço do desenvolvimento de marke-

7.000

6.000

5.000

[ 4.000

.. :l 3.000

2.000

1.000

o Pesquisa Serviços Total

Fonte:Yissum Companhia para o Desenvolvimento da Pesquisa da Universidade Hebraica de Jerusalém

PESQUISA FAPESP

• Ciências Naturais

• Medicina

• Agricultura

• Farmácia

• Outros

• Total

ting, de contratos, enfim, de toda a equipe.

Em certos casos registra­mos uma idéia sem esses cri­térios, quando há um feed­back, por exemplo, de uma empresa de capital de risco, que precisa do número do re­gistro da patente para levar

9

I S RA EL

o projeto à bolsa de valores e conseguir financiamento. O interesse comercial não precisa ser imediato, pois a Yis­sum procura conciliar projetas a curto e longo prazos.

Consultamos especialistas das indústrias e procura­mos recolher o máximo de informação possível, por meio de uma consultaria interna, da equipe de marketing ou de propriedade intelectual e até mesmo os agentes de patentes, antes de tomar a decisão final, que é sempre da Yissum. Depois dessa análise, enviamos uma carta pa­drão ao inventor comunicando que vamos ou não regis­trar a patente e salientando que o critério de seleção é pu­ramente comercial. Podemos recusar algo brilhante em termos

PATE N TE S

que uma patente possa ser importante apenas daqui a dez anos, pode não ser inteligente registrá-la hoje, porque da­qui a dez anos ela terá dez anos de vida a menos; • O mercado já existe ou será preciso esperar que se de­senvolva?; • Quais os investimentos realizados nesse mercado?; • Em que estágio se encontra a invenção? É uma idéia ou há indicações de que realmente possa funcionar? Se regis­tramos muito cedo, a patente pode expirar antes de o produto chegar ao mercado; • Quais serão as reivindicações dessa patente? É uma pa­

tente de um processo, que depois será difícil saber quem a está utili­

científicos, porque fazemos distin­ção entre ciência e tecnologia. Há algum tempo se discutiu ampla­mente se as patentes deveriam ser utilizadas como publicações na promoção de cientistas na univer­sidade. Minha recomendação foi que não. Patentes podem ser con­feridas a muitos assuntos cientifi­camente pouco relevantes.

''É importante ver zando, de uma molécula ou de um material?; • Qual é a dinâmica nessa área? Esse campo está se desenvolvendo tão rápido que, quando conse­guirmos a aprovação do registro, a patente já estará obsoleta? Isso acontece muito com computado­res, uma área em que as patentes têm de ser licenciadas rapidamen­te para não perderem o valor;

a pessoa do outro lado como quem também

está procurando o sucesso. E sermos sinceros e diretos ''

Até o começo de dezembro de 1999, tivemos 71 novas solicita-ções para registras de patentes. Re-gistramos 47. Normalmente, registramos por ano entre 45 e 50 patentes, a maioria provisórias. Foram concedidas 21 patentes e licenciamos 16.

Há dois tipos de abordagens para registrar uma pa­tente. O conservador consiste em enviar uma página re­digida sobre a invenção a algumas empresas e, se houver interesse pelo projeto, registrar a patente. Ou então quan­do houver alguém que mantenha essa patente e que pa­gue por ela. O outro enfoque é mais aventureiro e exige dois tipos de pergunta. A primeira: será que essa invenção pode ser patenteada? É uma pergunta fácil, porque, como já sabemos, uma idéia para ser patenteada não pode ser óbvia e deve ser original e ter um potencial comercial. A outra pergunta é mais relevante: quando dizer que uma invenção é comercialmente atraente?

Hoje, a Yissum conseguiu ter um patrimônio que lhe permite um certo comportamento aventureiro. Pode se dar ao luxo de registrar patentes mesmo que não sejam imediatamente bem-sucedidas. Creio que são essas as perguntas mais relevantes: • Quais as necessidades do mercado? São coisas realmen­te importantes ou algo irrelevante?; • Qual o tamanho do mercado? A invenção vai servir ape­nas para laboratórios esotéricos ou atenderá a um públi­co bem mais amplo?; • Qual a situação do mercado no momento? O invento responde a uma necessidade atual ou diz respeito a uma demanda que pode surgir daqui a alguns anos? Se ocorrer

lO

• Quem são os inventores? São lí­deres conhecidos nas respectivas

áreas? Sabem quais são as necessidades do mercado ou apenas inventam soluções para problemas inexistentes? Já tiveram outros sucessos, são cooperativos?

Não há respostas fáceis. Damos uns chutes, inteligen­tes e educados, mas, ainda assim, chutes. Temos todas as ferramentas de análise, mas nem sempre temos sucesso. Não temos comitês· de análise de patentes, que não queremos usar porque já tivemos muitos problemas. Eles são tradicio­nalmente lentos e nós necessitamos de rapidez e agilidade.

Usamos às vezes consultaria externa, que nos ajuda a apresentar uma tecnologia não confidencial a uma em­presa. Jogamos verde para colher maduro. Nem sempre temos sucesso. O problema nesse esquema são as restri­ções acadêmicas, já que os pesquisadores querem publi­car rapidamente o resultado de seus trabalhos.

Outro fator importante é olhar nos olhos de quem está falando. Há pouco tempo, na Holanda, expliquei longamente a situação e as perspectivas de uma patente a um empresário até que, de repente, ele comentou que o projeto estava lhe parecendo em ritmo muito lento. Em seguida, perguntou por quê. Entendi o problema dele. Concordei e fui ver como poderia acelerar o trabalho. É importante ver a pessoa do outro lado como quem tam­bém está procurando o sucesso. E sermos sinceros e dire­tos, como ele foi. E, finalmente, o que nunca é demais: sorte. É o que desejo a todos os que estão começando esta aventura, muito fôlego e muita sorte. ·

PESQUISA FAPESP

PAT EN T ES

BRAS I L

O resultado das estratégias das instituições brasileiras

C om uma notável visão da história e das perspectivas

O Brasil, apesar de ter assinado a Convenção da União de Paris em 1883, que organizou o assunto da propriedade intelectual no final do século passado, pouco fez no decor­rer deste século para introduzir a cultura, estabelecer políticas públi­cas coerentes e difundir os princí­pios da propriedade intelectual.

da propriedade intelectual no Brasil, Maria Celeste Emerick, coordenadora de Gestão Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro, mostrou quão pouco eficazes e estruturadas são, ainda, as formas

Maria Celeste Emerick

Um marco no cenário nacional sobre a propriedade intelectual é a ratificação pelo Brasil, com o decre-

de atuação das instituições nacionais de pesquisa nessa área - algumas vezes a inconsistência mesclando-se com a displicência, a ponto de permitir que importantes materiais ou resultados de pesquisas deixem o País sem qualquer controle. Maria Celeste- socióloga formada pela Universidade Federal de Juiz de Fora (Uf JF), de Minas Gerais - ingressou em 1986 na Fiocruz, onde, em 1990, participou da criação e passou a coordenar a área de Gestão Tecnológica, que elabora e implementa a política de Propriedade Intelectual e Comercialização de Tecnologia na instituição. Maria Celeste dividiu sua apresentação Propriedade Intelectual e Comercialização de Tecnologia em Instituições Acadêmicas no Brasil em três partes. Na primeira, descreveu as mudanças no cenário brasileiro na década de 90. Em seguida, analisou os resultados de políticas institucionais de propriedade intelectual. Por fim, expôs sugestões por meio das quais as agências de financiamento poderiam promover de modo mais intensivo a comercialização dos resultados da pesquisa no Brasil.

PESQUISA FAPESP

to legislativo n° 1.355, de 30 de de­zembro de 1994, do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (Trips), um acordo internacional que mudou bastante as regras do jogo no campo da propriedade intelectual. Costuma-se dizer que a Convenção de Paris era uma convenção sem dentes e o Trips é uma convenção com dentes: dá prazos e estabelece obrigatoriedade de paten­teamento em determinados setores, como a biotecnolo­gia, química fina e alimentos. Ao ratificar esse acordo, o Brasil teve de rever a legislação sobre propriedade in­dustrial e direito autoral. Teve de fazer novas leis sobre proteção de software, proteção de cultivares, além de ou­tras ainda em estudo, como o projeto de lei de proteção de topografia de circuitos integrados, em fase de discus­são no Congresso Nacional.

O decreto no 2.553, de 16 de abril de 1998, que regu­lamenta os artigos da Lei 9.279/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, pretende estimular o patenteamento nas instituições acadêmicas, por meio da premiação do inventor. Depois das porta­rias dos Ministérios da Ciência e Tecnologia no 88/98 e da Educação no 322/98, que regulamentaram esse de­creto, tanto as universidades como as instituições de pesquisas vinculadas ao Ministério da Ciência e Tecno­logia deveriam cumprir o que está determinado, que ba­sicamente é prever o ganho para o servidor-inventor.

Chamo a atenção para um detalhe da Lei de Paten­tes, a questão da titularidade, ou seja, a quem pertencem as invenções. A invenção pode pertencer exclusivamen­te ao empregador, exclusivamente ao empregado ou pertencer às duas partes, como acontece nas instituições públicas brasileiras. Em geral, o titular é a própria insti­tuição, que pode também prever a co-titularidade. Em princípio o empregador tem o direito da titularidade, mas há possibilidade de pensar em outras alternativas.

11

BRASIL

Três expenencias estão ampliando a discussão no Brasil sobre propriedade intelectual: o Grupo Intermi­nisterial, a Rede Temática e o Projeto Inventiva.

O Grupo Interministerial foi criado em 1995 no âm­bito da Câmara de Comércio Exterior, articulado pela Casa Civil. É composto por todos os ministérios que produzem tecnologia ou regulam o desenvolvimento da ciência e tecnologia. Seu principal objetivo é definir a política de governo e apoiar as negociações internacio­nais. Não tínhamos interlocuto-res nos ministérios, inclusive no

PATENTES

·A dificuldade em estabelecer o preço de uma tecnologia; • O desconhecimento do mercado.

Outra iniciativa é o Projeto Inventiva, desenvolvido em conjunto pelo Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo e pelo INPI, com apoio do Sebrae e da Fe­deração e Centro das Indústrias do Estado de São Paulo ( Ciesp/Fiesp). Procurou detalhar as demandas e as difi­culdades dos inventores e estimular a criatividade e a

inovação nas instituições de pes­

de Ciência e Tecnologia, até mui­to recentemente.

A Rede Temática de Proprie­dade Intelectual, Cooperação, Negociação e Comercialização de Tecnologia (Repict), criada no âmbito da Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro, é uma entidade privada sem fins lucrativos que congrega instituições de pesquisa, fomento e associações empresa­riais do Estado, com o objetivo de

''A maior dificuldade das instituições

acadêmicas são as cooperações informais ou não formalizadas adequadamente''

quisa e nas indústrias. A amostra­gem: 14 institutos tecnológicos, 12 incubadoras tecnológicas, 3 centros educacionais, 37 micro­empresas, 5 empresas de grande porte, 2 associações de inventores e 5 secretarias estaduais de indús­tria e comércio ou de ciência e tec­nologia.

O relatório final, concluído em marco de 1998, indicou:

contribuir para subsidiar a formulação e a implementa­ção política de propriedade intelectual nas empresas, universidades e instituições de pesquisa do Rio de Janei­ro. Mas o foco já saiu do Rio e ganha expressão nacio­nal, com a participação de instituições com bastante ex­periência, como Petrobras, Embrapa, USP, Unicamp, IPT, Fiocruz e outras instituições acadêmicas e associa­ções empresariais.

No evento Política de Propriedade Intelectual, Coope­ração, Negociação e Comercialização de Tecnologia: Aná­lises e Proposições, realizado pela Rede em 1998, com 165 participantes de 15 Estados, fizemos documentos dos grupos de trabalho que constituem um diagnóstico do País. Nada muito diferente do que sabemos, mas foi construído coletivamente, de forma participativa. Esse diagnóstico indicou: • O desconhecimento profundo da necessidade de pro­teção dos processos de patenteamento, negociação e co­mercialização dos resultados da pesquisas; • A carência de políticas governamentais e institucionais de regulamentação de propriedade intelectual no País; • A carência de gestores, professores e pesquisadores nessa área; • A necessidade de mudar a cultura no ambiente acadê­mico e nas agências de fomento a respeito da proprieda­de intelectual; • A inexistência de políticas claras das agências de fo­mento nesse campo; • A desigualdade de condições de negociações das uni­versidades e institutos brasileiros nas parcerias com ins­tituições estrangeiras;

12

com patentes;

• 93% das instituições não fazem previsão orçamentária de gastos

• 85,7% não concedem prêmios ou vantagens econômicas aos inventores em decorrência da exploração das patentes; • 64% não utilizam cláusulas relativas à propriedade in­telectual nos acordos, convênios ou contratos de coope­ração em pesquisa ou assistência técnica; • 57% tratam diretamente com o INPI do depósito e do acompanhamento dos processos de patente para redu­zir os custos; • 36% fazem ~usca do estado-da-arte em patentes; • Apenas quatro entre as instituições de pesquisa analisa­das dispõem de uma política formal de propriedade inte­lectual; • Nenhuma adota critérios de seleção das invenções a se­rem protegidas.

O resultado a que se chegou é portanto muito pare­cido com o diagnóstico da Rede Temática: inexistência de políticas de propriedade intelectual e comercializa­ção de tecnologia nas instituições acadêmicas e tecnoló­gicas, pouco patenteamento nas universidades, poucos contratos negociados e poucas negociações que dêem retorno financeiro.

Não basta saber quando e como fazer um pedido de patente. É preciso ter um entendimento geral da políti­ca e cultura institucional e da pesquisa. A maior dificul­dade das instituições acadêmicas são as cooperações in­formais ou não formalizadas adequadamente. Nessa área, o calcanhar-de-aquiles é o fluxo informal e des­controlado de informações entre pesquisadores de ins­tituições brasileiras e estrangeiras.

PESQUISA FAPESP

PATENTES

Em minha análise, inspirei-me em quatro grupos de instituições: · Os institutos de pesquisas vinculados a empresas esta­tais (Petrobras, Eletrobras e Telebrás, que têm esse as­sunto bastante bem organizado há duas décadas). • O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), vinculado ao governo estadual, com bastante experiência nessa área; • Duas instituições públicas, a Fiocruz e a Embrapa, vin­culadas ao governo federal, portanto, a órgãos executivos

BRAS I L

na Unicamp e em outras instituições com experiência em parcerias e cooperação tecnológica. É comum a exis­tência de várias instâncias que tratam do assunto e uma não dialogar com a outra.

É uma tourada negociar qualquer tecnologia por­que os departamentos jurídicos normalmente estão de­fasados no entendimento das leis relacionadas à trans­ferência de tecnologia e, na prática, dificultam demais os acordos com as empresas. Outro grande nó é a pre-

de governo; • A universidade, peculiar por explorar um conjunto maior de áreas do conhecimento e dispor de maior liberdade de pesquisa do que outras instituições pú­blicas.

''Boa parte

cariedade dos mecanismos de pla­nejamento, financiamento e avalia­ção das pesquisas. Boa parte das instituições não sabe que projetos está realizando, a que se propõem e se terminaram com êxito. Em geral as instituições ficam satisfeitas ape­nas com o número de trabalhos publicados.

De modo geral, a proprie­dade intelectual não integra a visão estratégica das institui­ções. Na maiorias das vezes, é

das instituições não sabe que projetas

está realizando, a que se propoem e se

terminaram com êxito''

Se não mudarmos nossa cultu­ra, perderemos tudo o que fizemos e estamos fazendo na pesquisa.

um pesquisador sozinho ou um grupo pequeno que procura, isoladamente, descobrir os mecanismos de proteção de seu trabalho, nem sempre com resultados satisfatórios. Mas não adianta fazer uma patente sem olhar para o mercado, sem pensar em dinheiro. A pa­tente deve ser vista como um mecanismo que pode contribuir para que o resultado de uma pesquisa che­gue até o mercado.

Os Centros de Pesquisa e Desenvolvimento da Petro­bras e da Telebrás talvez sejam das poucas instituições brasileiras que montaram uma estrutura e uma visão estratégica nessa área. Não vejo a proteção à proprieda­de intelectual ser tratada com a mesma atenção na USP,

A Propriedade Intelectual no Brasil

Patentes

Quando um pesquisador estrangei­ro chega, queremos mostrar os

equipamentos e os laboratórios mais modernos. Muitas coisas são levadas por não termos regras, procedimen­tos e organização nas instituições.

Na Fiocruz uma patente já foi roubada por um esta­giário estrangeiro. E depois nós é que somos acusados de piratear. Tanto a entrada quanto a saída de pesquisa­dores precisa ser mais orientada e regulamentada. Nos­sos pesquisadores vão para outros países com o bolso cheio de DNA de pacientes, da forma mais aberta possí­vel, sem imaginar quanto vale o material com uma ca­racterística génética específica para testar produtos far­macêuticos.

Instituições Patentes depositadas No Brasil No exterior

Patentes concedidas No Brasil

Negociadas No exterior

Fiz um levantamento sobre o número de patentes depositadas e concedidas no Brasil e no exterior e de licenciamentos em seis instituições (ver qua­dro). No caso da Petrobras, o número de patentes depositadas e concedidas é bastante expressivo, tanto no Brasil quanto no exterior. A Petrobras faz anualmente uma revisão do que poderia li­cenciar e, nos dois últimos anos, abandonou uma série de pedidos de patente cuja continuidade não parecia mais interessante. Há apenas oito pa­tentes negociadas, mas é um resultado que, disse­ram-me, é realmente expressivo, porque o Centro de Pesquisas da Petrobras trabalha muito para ele mesmo e grande parte das tecnologias é usada

Petrobras* 257 760 366

IPT 128 2

USP** 114

Unicamp 103 I

Embrapa*** 72 5

Fiocruz 16 28

* Polít ica de patenteamento e licenciamento em revisão. ** Nova política de propriedade intelectual em discussão. - IS programas de computador, I I 3 marcas, 4 1 cultivares

67

26

18

9

(3 de milho, I O de arroz, 3 de sorgo e 2 de algodão) registrados.

Fonte: Coordenação de Gestão Tecnológica da Fiocruz

PESQUISA FAPESP

684 8

4

6

13 17

pelo próprio sistema Petrobras. A Petrobras trata do assunto com muita prá­

tica e documentos internos norteadores. Há mui­tas empresas e patentes chegando ao mercado que ela dominava até há pouco tempo.

13

BR ASIL

O IPT também formulou na década de 70 uma polí­tica de propriedade intelectual, com a criação do Nú­cleo de Inovação Tecnológica, atualmente sob os cuida­dos da Coordenadoria de Relações com o Mercado. O IPT também está mudando suas estratégias: fez uma instrução normativa em julho de 1999, que trata da pre­miação dos inventores, e outra em setembro, que esta­belece diretrizes para elaboração e aprovação de pro­postas para proteção e comercialização.

A USP começou em meados

PATE N T ES

os acordos de cooperação tecnológica, cujo número está crescendo. De 31 acordos negociados em 1999, 17 foram assinados.

O papel das agências de fomento é fundamental para mudar a situação. Por falta de conhecimento das impli­cações da divulgação antecipada ao depósito de pedido de patente, andam na contramão da proteção dos resul­tados das pesquisas. Algumas exigem participação de re­sultados, por meio de cláusulas contratuais, mas ainda é

bastante restrito o gerenciamento da década de 80, com a criação do Grupo de Assessoramento e De­senvolvimento de Inventos (Gadi). A portaria mais recente, deste ano, transfere esta área, antes li­gada à Consultaria Jurídica, para a Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e Ativi­dades Especiais (Cecae), vincula­da à Reitoria.

'' As publicações não podem ma is ser consideradas como o único indicador

dos resu I ta dos

do processo e a avaliação dos re­sultados. Muito se perde e nin­guém sabe o que faz. Outras exi­gem participação na titularidade, mas nada se define a respeito da participação nos custos. Como resultado, o outro titular desiste de colocar a agência como co-au­tora, porque não há ninguém para conversar sobre como divi­dir e fazer o pagamento desses A Unicamp, que também ten­

tou cuidar desse assunto de algu­ma forma desde os anos 80, criou

de uma pesquisa''

em 1998 o Escritório de Difusão e Serviço Tecnológi­co, o Ediste. Informaram-me que estão procurando mudar a estratégia, verificando quais patentes estão concedidas ou depositadas e escrevendo para todos os inventores para analisar se as patentes ainda estão vá­lidas, se houve continuidade na pesquisa e se há em­presa interessada no desenvolvimento da tecnologia. Enfim, estão de alguma forma provocando a comuni­dade acadêmica.

A Embrapa sentiu muito os efeitos da globalização na área da agricultura, com a entrada no País de empre­sas de grande porte e a competição acirrada. Em 1999, saíram duas deliberações, uma sobre a propriedade in­telectual de cultivares obtidas isoladamente ou em par­ceria e outra sobre a política de negócios tecnológicos. A Embrapa passa por um processo de regulamentação bastante rigoroso desde 1996.

A Fiocruz começou informalmente em 1986, quan­do criou o Núcleo de Estudos Especiais da Presidência, que pela primeira vez fez menção ao assunto. Já tínha­mos uma pequena história: o depósito da primeira pa­tente e o primeiro acordo já nesse espírito da negocia­ção e proteção datam de 1911.

Damos um pequeno passo atrás do outro, mas já com alguns resultados. Uma patente de uma vela repe­lente a insetos gerou oito licenças não-exclusivas. Quan­do o resultado de uma pesquisa consiste em tecnologia pouco competitiva, licenciamos a várias empresas. Estão em curso negociações mais expressivas com três ou qua­tro empresas do exterior, mas os resultados ainda são bastante preliminares. Estamos procurando organizar

14

custos. Há também as agências que

desistiram de reivindicar direitos de propriedade inte­lectual porque elas não conseguem gerenciar os resulta­dos das pesquisas ou projetas que possam levar a paten­tes e não têm qualquer política nessa área. Queremos que as agências sejam nossas parceiras e financiem os projetas, que reivindiquem os direitos de participação nos resultados, mas que ajudem também no financia­mento do desenvolvimento do produto e na busca de parcerias com o setor produtivo.

Na minha opinião, as agências de fomento poderiam: • Elaborar, implementar e gerenciar uma política de propriedade intelectual, não apenas manter uma cláu­sula contratual de eventual participação nos resultados, e criar uma definição estratégica do que quer ao alocar recursos financeiros num projeto de pesquisa; • Incorporar a patente ou outra forma de pesquisa pro­tegida como indicador de resultado; • Criar uma modalidade de bolsa adequada a formar profissionais para atividade executiva e não apenas acadêmica.

Um dos maiores problemas da Ciência e Tecnologia no Brasil é que os pesquisadores nadam, nadam e mor­rem na praia. Conseguem bons trabalhos, mas param na hora de fazer um protótipo e finalizar o produto.

Em geral, nossos dirigentes não olham para o resul­tado dos projetas que param na bancada do laboratório. São geradas muitas teses e livros, mas pouco resultado chega ao mercado. As publicações não podem mais ser consideradas como o único indicador do resultado e da relevância de uma pesquisa.

PESQUISA FAPESP

PATE N TES

BRASIL

Os tneandros do registro de patentes

Luiz Otávio Beaklini colocou-se à frente da platéia do auditório

da FAPESP, em dezembro de 1999, apenas dois meses depois de ter sido nomeado diretor de patentes do Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Mas, ao longo de sua exposição, A Atuação do Instituto Nacional

Luiz Otávio Beaklini

Trabalho no INPI há mais de 20 anos como examinador de patentes e há menos de dois meses fui nomea­do diretor de patentes. Encontrei uma diretoria cheia de desafios, es­pecialmente com uma grande quan­tidade de pedidos de patentes não examinados. Trata-se de um proble­ma de muitos anos, cuja solução de­safia os administradores. Não vou prometer ·que será tudo resolvido em curto espaço de tempo, mas as medidas que estão sendo tomadas

de Propriedade Industrial, conseguiu aplacar as críticas a respeito do modo de funcionamento da instituição à medida que descrevia as dificuldades atuais e as alternativas criadas para evitar o atraso no exame dos pedidos de patentes - a cada ano, chegam cerca de 18 mil novos pedidos. Beaklini conhece os desafios do novo cargo que ocupa. Com uma equipe reduzida, tem de cuidar de uma demanda crescente de pedidos de análise de patentes. Mas, esperançoso, acredita que a nova legislação nacional, os acordos internacionais e os cursos realizados em empresas e instituições de pesquisa permitirão que se modifique rapidamente o quadro da propriedade industrial no Brasil. Especialista em Propriedade Industrial pela Organização Mundial da Propriedade Industrial (Ompi) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Beaklini é engenheiro civil com pós-graduação no Centro Tecnológico da Universidade Federal Fluminense (UFF). Embora há 20 anos no INPI, não perdeu o elo com o ambiente acadêmico: foi professor visitante da Universidade George Washington, nos Estados Unidos, entre 1997 e 1998. Desde 1983 leciona na Escola de Engenharia da UFF.

PESQUISA FAPESP

permitirão modificar completamente o cenário atual da propriedade industrial no Brasil.

Entrei no INPI quando parecia que o instituto iria se tornar um grande escritório de patentes. Havia um pro­grama de modernização patrocinado pela Ompi, o Banco de Patentes, e um grupo de 140 examinadores havia sido contratado e treinado por especialistas dos maiores escritó­rios do mundo. O INPI sempre recebeu aproximadamen­te 10 mil depósitos de patentes por ano. Para esse núme­ro, 140 examinadores bem treinados seriam suficientes, mas a equipe logo se viu reduzida para 80, já incluídos os 16 recém-contratados pelo único concurso público que o INPI foi autorizado, e a situação começou a se complicar. A cada ano acumulavam-se mais pedidos não examinados.

De uns anós para cá, quando o Brasil adotou uma no­va legislação de propriedade industrial, que não mais excluía de patenteabilidade setores como o químico, o farmacêu­tico e o alimentício, ao mesmo tempo em que a economia dava sinais de ter entrado num padrão menos desorgani­zado, o volume de solicitações de patentes explodiu. De 10 mil em 1994, foi aumentando a cada ano e está agora em 18 mil, sem sinais de que este crescimento vá parar.

O governo federal agora está consciente do problema e, ao editar a Medida Provisória 2014/99, incluiu um dis­positivo permitindo a contratação temporária de exami­nadores. O contrato é de apenas um ano, mas estamos muito felizes porque vemos uma solução para nosso atraso.

Em 1998 só conseguimos decidir 5 mil pedidos. Em 1999, passamos para 10.784. Não é o ideal, mas é bem mais do que antes. Conseguimos reverter a curva de aná­lise de pedidos de patentes, que era decrescente e hoje aponta para cima.

São muitas as causas do grande atraso do INPI, algu­mas delas decorrentes de decisões que não se mostraram as mais acertadas. A Lei de Patentes de 1971 excluiu de

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BRAS IL PATENTES

patenteabilidade produtos quími- A Medida Provisória 2014/99 cos, farmacêuticos e alimentícios. O Brasil não era o único país do mundo a fazer uma reserva de mercado para estes setores. O Ja­pão, a Itália e a Holanda também já optaram por este caminho. Cada um desses países utilizou esse período em que poderia utili­zar medicamentos criados em ou­tros países sem ter de pagar royal­ties para desenvolver sua indústria farmacêutica, assim como o Brasil.

''Vamos reduzir determinou que os pedidos depo­sitados até 31 de dezembro de 1994 e referentes a matéria que àquela data não poderia ser privi­legiável sejam considerados inde­feridos, na data de 31 de dezem­bro de 1999, um dia antes da aplicação do acordo Trips. É a me­lhor solução para o INPI, pois eli­mina uma grande disputa entre qual a interpretaÇão da lei.

o prazo mínimo de aceitação de um pedido

de patentes de dois ou até seis meses para,

no máximo, um dia''

Por causa do impedimento legal à concessão de patentes nestes campos, o INPI decidiu não examinar os pedidos de patente nessas três áreas. Os pro­cessos foram se acumulando e, passados alguns anos, cresceram como uma bola de neve.

Em 1994, a assinatura pelo Brasil do acordo Trips ( Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) complicou essa realidade. Ninguém percebeu na época, ou não foi possível tomar as medidas necessárias a tem­po. O acordo Trips determina: nenhum país que assinou o acordo pode manter uma lei que proíba patente em qualquer setor tecnológico, como o Brasil fazia com o farmacêutico. Isso cria um conflito, pois os pedidos de patentes dessas áreas, depositados na vigência de uma lei que não permitia seu patenteamento, que estiverem aguardando decisão até o próximo dia primeiro de ja­neiro de 2000, quando o acordo começa a vigorar, como serão julgados? Enquanto um grupo acha que aqueles pedidos devem ser indeferidos, pois foram depositados numa lei que não o permitia, outro acredita que deva ser exatamente o contrário e não existe razão para que não possam ser patenteados, desde que sejam novos e inventivas.

Cerca de 70% dos pedidos de patentes vêm do exterior. A maio­

ria é depositada por meio de um acordo internacional chamado PCT que traz um Relatório Internacional de Buscas, uma lista representativa do estado da técnica, pre­parado por uma Autoridade Internacional de Buscas (co­nhecido como ISA, em inglês). O INPI, como todos os de­mais escritórios de patentes do mundo, utiliza essa listagem para acelerar o exame técnico dos pedidos de patente.

Apesar de o INPI arrecadar com os pedidos e a manu­tenção das patentes, quase não fica com esse dinheiro. Vive­mos à míngua, porque não recebemos autorização para usá-lo e no final do ano o governo raspa o que sobrou. Mas isto também está mudando, e para melhor. O governo tem mostrado um apoio ao INPI como nunca se viu antes.

Quais são as perspectivas? Na Diretoria de Patentes, pretendemos reduzir o que for apenas formalismo dos procedimentos de análise de patentes. A idéia é não fa­zer exigência apenas por aspectos formais. Já vi o INPI devolver um pedido de patente porque a margem exce­dia três milímetros as normas predeterminadas. É um absurdo este· grau de preciosismo, enquanto o órgão leva meses para fornecer o número de depósito do pe­dido, coisa que deveria ser feita em uma hora.

Vamos reduzir o prazo

Pedidos deferidos e patentes expedidas mínimo de aceitação de um depósito de patente, de dois ou até seis meses para, no má­ximo, um dia. Não estou fa­lando do exame técnico, mas do ato de depositar o pedido. O exame mesmo vai aguar­dar os outros procedimen­tos, o sigilo de 18 meses, a publicação e o pedido de exame. A despeito das dificul­dades, esse, a meu ver, é oca­minho pelo qual vamos pro­duzir uma pressão maior ainda vinda do setor privado nacional para nos obrigar a

4.000

3.000

2.000

1.000 • Pedidos deferidos

• Patentes expedidas

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999

Fonte: INPI aumentar nossa eficiência.

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