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Catorze de maio de 2019 ficará para a história da medicina em Portugal como o dia em que, pela primeira vez, se aplicou uma terapia celular para travar o cancro. Mário Mariz, 57 anos, coordenador da equipa de onco-he- matologia do IPO do Porto, sente-se "privilegiado" por fazer parte deste momento em que se recorreu ao trata- mento, "um dos três maiores avanços" de toda a sua carreira. Para Maria Isabel Alves, 60 anos, a terapia genética com células CAR-T representava a "única saída". A profes- sora de História e Português, na Escola Básica e Secundária de Cabeceiras de Basto, voltou ao ensino menos de um mês quando as dores "horríveis" a levaram de novo ao médico, que não precisou de muito para confirmar o pior: o linfoma regressara e, desta vez, vinha ainda mais forte. Isabel submeteu-se a uma segunda ronda de quimioterapia, mais agressiva, voltou a perder o cabelo, suportou os terríveis efeitos secundários que a obrigavam ao internamento. Mas nada. A doença não cedeu nem um milímetro. "Quando o dr. Nelson [Domingues, hematologista do IPO do Porto] me contou, estava muito triste. E eu vi-me metida num turbilhão de ideias, como se me tives- sem largado uma bomba em cima", recorda. Nesta altura, Portugal aprovara a utilização daquela terapia inovadora, que abriu um campo inexplorado no combate ao cancro. O primeiro dos tra- tamentos desta classe foi desenvolvido por um grupo da Universidade da Pen- silvânia, encabeçado pelo imunologista e oncologista Cari June. Do seu labora- tório, saiu a primeira terapia genética de base celular, conhecida como CAR-T, entretanto adquirida pelo gigante da indústria farmacêutica Novartis. Depois de uma fase de ensaios clí- nicos com resultados muito promisso- res, o organismo norte-americano de regulação do setor do medicamento, FDA, aprovou a sua comercialização, em agosto de 2017, para o tratamento da leucemia linfoblástica aguda de Ensaios clínicos As células descobertas pelo grupo de Bruno Silva- Santos, do IMM, serão testadas já este ano em doentes com leucemia mielo ide aguda crianças e jovens adultos até aos 25 anos. Logo a seguir, em outubro, che- gou ao mercado norte-americano uma terapia semelhante, da empresa Gilead, indicado para linfoma de células B. Para a agência norte-americana, estes processos de autorização representam um "marco" e o início de um "novo paradigma". Para produzir o medicamento, é necessário recolher linfócitos T (um tipo de glóbulos brancos) do sangue do paciente, modificá-los mediante técnicas de engenharia genética, tor- nando-as mais eficazes a eliminar as células doentes, multiplicar os linfóci- tos alterados e injetar o preparado nos doentes. O que se espera é que estes linfócitos alterados sejam capazes de detetar e aniquilar as células malignas. OS PRIMEIROS EM PORTUGAL O IPO do Porto foi a primeira unidade de saúde portuguesa a receber a certi- ficação para a aplicação desta técnica classificada como imunoterapia, sendo a componente da manipulação genética feita num laboratório norte-america- no. "Começámos as conversações em outubro de 2018 e fizemos o primeiro tratamento em maio de 2019. Nun- ca pensei que o conseguíssemos tão precocemente", admite Mário Mariz. AINDA MUITO TRABALHO PELA FRENTE ATÉ ESTE CONHECIMENTO SE TORNAR UMA POSSÍVEL TERAPIA BRUNO SILVA-SANTOS, Instituto de Medicina Molecular

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Catorze de maio de 2019 ficará paraa história da medicina em Portugalcomo o dia em que, pela primeira vez,se aplicou uma terapia celular paratravar o cancro. Mário Mariz, 57 anos,coordenador da equipa de onco-he-

matologia do IPO do Porto, sente-se

"privilegiado" por fazer parte deste

momento em que se recorreu ao trata-

mento, "um dos três maiores avanços"de toda a sua carreira.

Para Maria Isabel Alves, 60 anos, a

terapia genética com células CAR-T

representava a "única saída". A profes-sora de História e Português, na Escola

Básica e Secundária de Cabeceiras de

Basto, voltou ao ensino há menos de

um mês quando as dores "horríveis" a

levaram de novo ao médico, que não

precisou de muito para confirmaro pior: o linfoma regressara e, desta

vez, vinha ainda mais forte. Isabelsubmeteu-se a uma segunda ronda de

quimioterapia, mais agressiva, voltou a

perder o cabelo, suportou os terríveisefeitos secundários que a obrigavam ao

internamento. Mas nada. A doença não

cedeu nem um milímetro. "Quando o

dr. Nelson [Domingues, hematologistado IPO do Porto] me contou, estava

muito triste. E eu vi-me metida numturbilhão de ideias, como se me tives-

sem largado uma bomba em cima",recorda.

Nesta altura, já Portugal aprovara a

utilização daquela terapia inovadora,

que abriu um campo inexplorado nocombate ao cancro. O primeiro dos tra-tamentos desta classe foi desenvolvido

por um grupo da Universidade da Pen-

silvânia, encabeçado pelo imunologistae oncologista Cari June. Do seu labora-

tório, saiu a primeira terapia genética de

base celular, conhecida como CAR-T,entretanto adquirida pelo gigante da

indústria farmacêutica Novartis.

Depois de uma fase de ensaios clí-nicos com resultados muito promisso-res, o organismo norte-americano de

regulação do setor do medicamento,FDA, aprovou a sua comercialização,em agosto de 2017, para o tratamentoda leucemia linfoblástica aguda de

Ensaios clínicos As

células descobertas pelogrupo de Bruno Silva-

Santos, do IMM, serãotestadas já este ano emdoentes com leucemiamielo ide aguda

crianças e jovens adultos até aos 25

anos. Logo a seguir, em outubro, che-

gou ao mercado norte-americano uma

terapia semelhante, da empresa Gilead,indicado para linfoma de células B.

Para a agência norte-americana, estes

processos de autorização representamum "marco" e o início de um "novo

paradigma".Para produzir o medicamento, é

necessário recolher linfócitos T (um

tipo de glóbulos brancos) do sanguedo paciente, modificá-los mediantetécnicas de engenharia genética, tor-nando-as mais eficazes a eliminar as

células doentes, multiplicar os linfóci-tos alterados e injetar o preparado nos

doentes. O que se espera é que estes

linfócitos alterados sejam capazes de

detetar e aniquilar as células malignas.

OS PRIMEIROS EM PORTUGAL

O IPO do Porto foi a primeira unidadede saúde portuguesa a receber a certi-

ficação para a aplicação desta técnicaclassificada como imunoterapia, sendo

a componente da manipulação genéticafeita num laboratório norte-america-no. "Começámos as conversações emoutubro de 2018 e fizemos o primeirotratamento em maio de 2019. Nun-ca pensei que o conseguíssemos tão

precocemente", admite Mário Mariz.

AINDA HÁ MUITOTRABALHOPELA FRENTEATÉ ESTECONHECIMENTOSE TORNARUMA POSSÍVELTERAPIABRUNO SILVA-SANTOS, Institutode Medicina Molecular

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As células CAR-T fazem parte de

uma nova linha de tratamento docancro que se baseia na otimizaçãodo potencial do sistema imunitário,uma organização complexa que nos

protege de invasores, como os vírus,bactérias e fungos, e também de al-terações indesejáveis, como as mu-tações oncológicas. "Nas infeções, a

convivência é curta; no cancro, é longa.Podem aparecer tumores minúsculos

com anos de evolução", nota ManuelSantos Rosa, professor na Faculdade de

Medicina da Universidade de Coimbra."Uma perturbação gastrointestinal ouo stresse podem ser suficientes paradeprimir a capacidade de atuaçâo dosistema imunitário, abrindo uma bre-cha ao crescimento do cancro."

Um dos objetivos do grupo de di-nâmica genética das células do cancro,do Instituto de Investigação e Inova-ção em Saúde, i3S, da Universidadedo Porto, coordenado por José Carlos

Machado, é precisamente perceberde que forma as células neoplásicas

escapam ao controlo do sistema dedefesa. "Em ratinhos, que vivem emmédia dois anos, os tumores aparecempelos 11, 12 meses. Em animais semsistema imunitário, aparecem muitomais cedo, por volta dos 5/6 meses",revela. Ao comparar os tumores que

se desenvolvem sem qualquer pressãodo sistema imune com os que crescemsob a sua ação, os cientistas do i3S

conseguiram perceber que o proces-so é lento, ocorrendo uma adaptaçãoao sistema imunitário, até as célulasalteradas conseguirem formar umapopulação silenciosa e invisível peranteos agentes de defesa do organismo.

Ainda não se percebeu por que ra-zão em alguns doentes a imunotera-pia resulta de forma extraordinária e

noutros não surte qualquer efeito. Os

grupos do Instituto de Imunologia daFaculdade de Medicina e do Labora-tório de Imunologia e Oncologia doCentro de Neurociências e BiologiaCelular, ambos da Universidade de

Coimbra, estão a desenvolver, desde

2011, estratégias de monitorização dosistema imunológico em vários tiposde cancro, para identificar o impactodas diversas terapias na resposta imunedos doentes. "Com a crescente apli-cação da imunoterapia, torna-se cadavez mais necessária a identificação dostatus imunológico destes doentes,antes, durante e após os tratamentos",nota Santos Rosa. Só assim será pos-sível identificar aqueles que poderãobeneficiar de cada uma das estratégiasdisponíveis.

TEMOS DEPERCEBERSE, DEPOIS DEINJETADAS NOSANGUE, ASPARTÍCULASSE MANTÊMESTÁVEIS ESEGUEM PARA AZONA DO TUMORMARIA JOSÉ OLIVEIRA, Í3S

Outro desafio é o controlo dos efei-

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tos secundários da própria terapia,sublinha o médico Nuno Miranda."Estamos perante um novo tipo de

doentes, relativamente aos quais hámuita ignorância, nomeadamente emtermos de toxicidade a longo prazo. É

como abrir uma caixa de Pandora. Poresta razão, só devemos utilizar estestratamentos quando todos os outrosfalharam", sublinha o hematologistado IPO de Lisboa, a segunda unidadede saúde nacional a fazer parte do

programa para a utilização das células

CAR-T, que arrancou em novembro doano passado.

A primeira pessoa tratada em Por-

tugal, no IPO do Porto, foi uma mulherna casa dos 30 que não resistiu às com-

plicações desencadeadas pelas CAR-T.E acabou por morrer duas semanasapós a infusão, devido aos efeitos nosistema nervoso. "Foi muito duro!",admite Mário Mariz. "Mas estamospreparados. Infelizmente, habituámo--nos ao insucesso." A segunda doente,outra mulher na casa dos 30, morreuum dia antes de os seus linfócitos Tmodificados chegarem do laboratóriodos Estados Unidos da América.

Maria Isabel Alves está convencidade que caiu no outro lado da estatística,nos 39% de doentes que sobrevivem

graças à terapêutica. Apesar de aindanão ter feito o exame PET, todas asanálises sanguíneas mostram um bomestado de saúde. Além disso, deixou de

sentir fadiga e dores. "Ninguém podeimaginar o que é uma pessoa estarno fio da navalha. Ainda por cima, eusabia que a primeira doente tratadatinha morrido. Mas não tinha outraopção e decidi enfrentar esta batalhade Aljubarrota", conta a professorade História, que durante a conversacom a VISÃO fez questão de reforçar,mais do que uma vez, que se está vivae com saúde é por conta da extremadedicação de todos os profissionais do

serviço de onco-hematologia do IPO

SENTI QUEESTAVA AENFRENTARA MINHABATALHA DEALJUBARROTAISABEL ALVESProfessora tratada com células CAR-T

A eficácia das dendríticas

Ao fim de mais de 20 anos de estudo,permanece o mistério em tornoda eficácia do recurso a célulasdendríticas - um tipo de glóbulosbrancos que tem como missão"apresentar" os invasores a outrascélulas do sistema imunitário paraque estes sejam destruídos - notratamento do cancro. "Nuns ensaioshá bons resultados, noutros nadaacontece", resume a professorada Faculdade de Farmácia daUniversidade de Coimbra (UC)Teresa Cruz Rosete [segunda nafoto, do direita para a esquerda). Em

parceria com o grupo farmacêuticoportuguês Tecnimede, a UC estáa tentar melhorar a aplicação decélulas dendríticas em oncologia.Numa fase inicial, o trabalho seráfeito com recurso a dadores, masa ideia é de que no futuro se possautilizar o método para tratar doentes.0 projeto beneficiou com a criação dolaboratório UpCells, preparado parao desenvolvimento, a manipulaçãoe a produção de terapias celutares,como células dendríticas, linfócitos Tou CAR-T.

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Símbolo Emily Whiteheadtornou-se o rosto da imunoterapia,ao sobreviver, aos 6 anos, a

uma recidiva de uma leucemialinfoblástica aguda

do Porto. "Durante o internamentonos Cuidados Intensivos, depois dainfusão das células, não me largaramum único minuto."

ENSAIOS CLÍNICOS JÁ ESTE ANOUma das muitas particularidades deste

tipo de tratamento, que Nuno Mirandaclassifica de "promissor para doentessem alternativa terapêutica", é o factode atuar de forma precoce - "um atrês meses após a aplicação", precisa omédico do IPO de Lisboa. Mas quemanda nisto há muito tempo já nãose deslumbra com as novidades. "É

assustadora a quantidade de medica-mentos tóxicos que damos aos tumorese as células malignas sempre vivas...Estou convencido de que utilizam In-teligência Artificial há muitos anos",ilustra Mário Mariz, que também nãose rendeu ao anúncio feito na semana

passada pela Universidade de Cardiffe que correu mundo ao prometer umaterapia baseada em células T, eficaz emvários tipos de tumores sólidos.

Em concreto, a equipa do País deGales publicou na revista Nature Im-munologu um trabalho sobre umrecetor na superfície dos linfócitos T(o TCR), que é capaz de se agarrar auma proteína da membrana das célu-las tumorais, presente nos diferentes

tipos de cancro estudados, incluindo

pulmão, mama, ovário e sangue. O

investigador do Instituto de MedicinaMolecular (IMM), da Universidade de

Lisboa, responsável pelo laboratório de

Imuno-oncologia, Bruno Silva-Santos,reconhece que o estudo "aumenta ointeresse" neste tipo de células de de-fesa. Mas, sublinha, "ainda há muitotrabalho pela frente até este conheci-mento se tornar numa possível terapia".Nomeadamente, o teste em humanos.

A equipa do IMM está na linha dafrente desta área de investigação. De-verão começar já este ano os ensaiosclínicos para testar a eficácia de umnovo tipo de linfócitos T, os DOT (de

Delta One), identificados pela equi-pa de Bruno Silva-Santos. Depois de

um apurado trabalho de paciência,da responsabilidade do seu colabo-rador Daniel Correia, chegou-se a

uma espécie de fórmula mágica quenão é mais do que uma combinaçãode moléculas capaz de estimular a

produção de proteínas da membranados linfócitos, indutoras da morte das

células tumorais. Estas proteínas damembrana permitem às células DOTreconhecer e eliminar células tumorais

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COMO FALAR COM UM DOENTE COM CANCRO?

COM NORMALIDADE

Marine Antunes, 29 anos, está emremissão. Foi dada como curadae apresenta-se sempre como"sobrevivente" e nunca como doente

oncológica. "Não tive alta hospitalar.Continuo a ser seguida exatamenteda mesma forma, com uma consultaanual em Coimbra." Há mais de umadécada que faz uma vida normal, depoisde aos 13 anos lhe ter sido diagnosticadoum linfoma não Hodgkin, localizadono mediastino, "a um milímetro do

coração". Na pequena aldeia de Matas,concelho de Ourem, sentiu-se umextraterrestre, pois até 2003 ninguémtinha visto uma adolescente comcancro. "Foi muito mais difícil lidar comas pessoas do que ter cancro. Alémdos olhares e comentários, era muitodesconcertante entrar num sítio

e as pessoas começarem a cochichar."Marine não se esquece do episódio em

que, numa ida à missa com a família,entrou atrasada na igreja, com

o gorro para tapar a careca, e chamou a

atenção dos fiéis que se viraramde imediato para ela, a segredar. Nuncalevantou o olhar do chão e no fim saiu,discretamente, mas uma senhora

agarrou-a pelo braço e perguntou-lhe:"Vais morrer de cancro?" O certo é quea juventude de Marine foi normal, comoa dos colegas de escola: "Eu brinquei,namorei, apaixonei-me, desapaixonei--me... Tudo com cancro. A vida continua."Para a autora do livro Concro comHumor, com dois volumes publicados(2013 e 2017) e uma agenda cheia de

palestras para desmistificar as questõesà volta do cancro, "o pós-cancro é mais

difícil, porque antes estamos em pilotoautomático, o que interessa é tratar".Cada pessoa escolhe como encarar a

doença e, para Marine Antunes, só há

dois caminhos: o fácil e o difícil. Por isso,nas dedicatórias que faz nos seus livros,costuma escrever aos leitores e doentes:

"Aproveita esta fase da melhor maneira."Sem complexos Marine Antunes falasobre a doença de forma desassombrada

de diversas origens, o que leva a pensarno desenvolvimento de uma nova imu-noterapia, aplicável a vários tipos decancro. A passagem à fase de testes empessoas - muito exigente em termosde recursos financeiros e processuais- obrigou à criação de uma empresa, a

Lymphact, spín-ojf do IMM, fundadaem 2013 e entretanto adquirida pelabiotecnológica britânica GammaDeltaTherapeutics (GDT), do grande grupofarmacêutico Takeda.

Os primeiros doentes a tratar se-rão os da leucemia mieloide aguda, o

cancro do sangue com maior taxa de

mortalidade. "Nesta patologia, há umagrande resistência à quimioterapia,quer em adultos, quer cm crianças",

explica Bruno Silva-Santos. "Nestemomento, a GDT encontra-se a pre-parar o dossier regulatório necessário

para a autorização do ensaio clínico

pela FDA", avança o imunologista, queinvestiga, neste momento, a capaci-dade das células DOT de eliminaremo cancro do cólon, "um dos mais fre-quentes, à escala mundial, e para o quala imunoterapia ainda não apresentou

uma resposta satisfatória". A ativida-de antitumoral das células DOT seráavaliada em miniaturas de intestino,chamadas "organoides", produzidasa partir de biópsias de doentes comcancro do cólon.

CAVALO DE TRÓIANuno Rodrigues dos Santos, da Uni-versidade do Porto, também se dedica àluta contra as leucemias agudas - que,nos adultos, acabam frequentementepor recidivar, levando à morte. Talcomo no trabalho da universidadegaulesa, Rodrigues dos Santos, naaltura a trabalhar na Universidade do

Algarve, identificou um TCR capaz deinduzir a morte dos linfócitos leucé-micos. Numa situação normal, quan-do o TCR é estimulado, o linfócito Treage, multiplicando-se e iniciando a

resposta imunológica. Numa leuce-mia, e depois de estimulado o TCR, oslinfócitos malignos morrem. Ou seja,este TCR identificado acaba por serum calcanhar de Aquiles do sistema,desencadeando a morte das célulasdoentes. Agora, o desafio, diz Nuno

Rodrigues dos Santos, é "perceber de

que forma se podem tornar as células

leucémicas mais suscetíveis à esti-mulação do TCR, sem que as célulassaudáveis sejam afetadas".

É também recorrendo à Históriada Grécia Antiga que Filipe Pereira,do Centro de Neurociências e BiologiaCelular da Universidade de Coimbra,explica a estratégia desenvolvida paraobrigar as células tumorais a trans-formarem-se em células dendríticas,conhecidas como acessórias do sistema

imune, por terem como função apre-sentar aos linfócitos o alvo a abater."Introduzimos três proteínas no tumor

que reprogramam as células doentes,transformando-as em células dendrí-ticas", resume.

Com este ataque estilo "cavalo de

Tróia", reconhecido em dezembropassado pelo Conselho Europeu de

Investigação (ERC, na sigla inglesa)com uma bolsa de dois milhões de eu-ros, Filipe Pereira força a apresentaçãodas células alteradas ao sistema imune."As células dendríticas capturam oselementos estranhos e digerem-nos

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em pequenos pedaços. Desta forma,'ensinam' os soldados do sistema de

defesa, as células T, a identificar paradepois eliminar o tumor", continua. "Se

conseguirmos reprogramar as células

do cancro, obrigando-as a mostraras suas próprias mutações, podemostorná-las mais imunogénicas, ou seja,

capazes de induzir uma resposta porparte do próprio organismo." Com o

desenvolvimento desta terapia, FilipePereira espera conseguir contornardois dos principais problemas das tera-

pias celulares: o preço e a necessidadede se criar um medicamento à medidade cada doente. "Uma terapia baseada

nesta estratégia poderia estar em stock,

num equipamento de baixas tempera-turas, mantendo, no entanto, o efeito

personalizado das CAR-T", sublinha.Ou seja, o tratamento seria igual paratodos os doentes, mas capaz de induziruma resposta individualizada.

O PODER DO CAMARÃO

Uma das atividades do sistema imuni-tário é patrulhar o organismo, à procu-ra de suspeitos, infeções ou tumores

e alertar o sistema para a necessidadede montar uma defesa. Este papel é

desempenhado pelos macrófagos, umtipo de glóbulos brancos divididos emduas categorias: os antitumorais, oupró-inflamatórios, que conseguemdetetar os tumores e eliminá-los; e os

pró-tumorais, ou anti-inflamatórios,que só atrapalham, ajudando as células

doentes a proliferar. Num estudo feitoem doentes com cancro colorretal, o

grupo de Maria José Oliveira, do i3S,verificou que, nos estádios mais avan-çados, há muito menos macrófagos"bons", o que está associado a um au-mento do risco de recidivas e à menorsobrevida dos doentes.

Neste trabalho, feito em colabo-ração com a diretora da AnatomiaPatológica do Hospital de São João,Fátima Carneiro, provou-se que os

macrófagos antitumorais, ou pró-in-flamatórios, têm, de facto, uma ação

protetora. "Conseguimos identificaros mecanismos pelos quais os ma-crófagos anti-inflamatórios podempotenciar a invasão e migração dascélulas de cancro gástrico e colorretal

e, a partir daí, desenvolvemos soluções

terapêuticas para impedir a progressãodestes tumores", revela a investigado-ra. E o truque é simples: converter os

macrófagos "maus" em "bons".

A chave passa pela utilização de par-tículas de tamanho muito reduzido -cinco mil vezes mais pequenas do queo milímetro -, designadas nanopar-ticulas, que promovem a inflamação.Até agora, a equipa já identificou duassubstâncias que existem na Natureza,extraídas do exoesqueleto de crustá-ceos e de um tipo de bactérias - logo,muito baratas de produzir. Por seremde tão reduzida dimensão, estas par-tículas são capturadas e assimiladas

pelos macrófagos, acelerando a res-posta imunitária. Depois dos testes

em animais, com resultados muito"promissores", a equipa está a melhorar

a técnica para tentar entrar na fase de

ensaios clínicos. "Temos de perceberse, depois de injetadas no sangue, as

partículas se mantêm estáveis e se-

guem, na corrente sanguínea, para a

zona do tumor", antecipa Maria José

Oliveira.Maria Isabel Alves e os filhos con-

tinuam atentos à investigação nestaárea. E, na mira, está o casamento dofilho mais velho, em outubro. Porquese o papel dos médicos foi crucial, nãofoi menos o da família, que sempre a

Evitar o doente

Substituir a palavracancro por "problema"ou "situação"

Usar o substantivocancro para adjetivaruma situação má,como o excesso de

trânsito numa rotunda,

por exemplo

Queixarmo-nos do

dia a dia a quem estádoente

Falar de novos casosde cancro e de outras

doenças

Aconselhar sobre o que

pensar, sentir ou fazer

Perguntar detalhesdo tratamento ou se temcura

Usar expressõescomo "lutar contra","travar uma batalha"

ou "vencer o cancro".As metáforas de guerrapodem prejudicaras intenções de

d doente adotar

comportamentossaudáveis

"Não sei como

consegues aguentar"

"Vai ficar tudo bem"

"Liga se precisaresde alguma coisa"

"Vê o lado positivo"ou "A melhor coisa

é manter-se positivo"

"No futuro, tudo serámelhor"

Quando não se temrespostas, o melhorefazer perguntas paraperceber o que o doenterealmente sente

Falar de outros assuntos,como o trabalho ou os

filhos, para que a doençanão monopolize as

conversas

Saber elogiar a aparência,

sem falsidades

Estar em silêncio e ouvir

sem interromper, sem

corrigir ou julgar

Dar um simples beijo ou

um abraço

Ser prestável: oferecer

ajuda para arrumar a

casa; tomar conta dos

filhos; organizar um rolde pessoas disponíveis

para prepararemrefeições familiares e

marmitas para a escola,na fase de tratamentos;acompanhar àsconsultas (e tomarnotas), testes etratamentos

Planear um almoço forade casa ou uma saídaanimada

"Como te sentes hoje?"

"Como vão as coisas?"

"Custa-me ver-te passarpor tudo isto. Queresfalar sobre o assunto?"

ESTAVA LONGEDE IMAGINARQUE CONSEGUIRÍAMOS USARTÃO CEDO OTRATAMENTOPOR CÉLULASCAR-T»

apoiou. l'i [email protected]

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