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TEM A CERTEZA QUE TOMA A PÍLULA CERTA? Estudos recentes confirmaram o risco de complicações trombovenosas nas pílulas contracetivas de terceira e quarta geração. motivos para inquietação? Fomos saber de que são feitas as pílulas e investigar riscos e benefícios. Por Bárbara Bettencourt Em França, a polémica reacendeu- -se alguns meses e continua na ordem do dia. O governo decidiu deixar de comparticipar as pílulas contracetivas de terceira ge- ração em 2013, por recomendação da Alta Autoridade da Saúde do país. Argumento: o benefício médico das pílulas de terceira geração é insuficiente face aos riscos acrescidos de compli- cações trombovenosas, como flebites e embolias pulmonares. Um livro publicado em setembro por dois médicos franceses, Philipe Even e Bernard Debré, "Guia dos 4 Mil Medicamentos Úteis, Inúteis ou Perigosos", veio lançar mais achas para a fogueira ao defender que, tendo em conta os estudos existentes sobre os riscos trombovenosos, as mulheres deviam pedir aos médicos a substituição das pílulas de terceira e quarta geração pelas mais antigas, de segunda geração... A polémica não é nova - os primeiros

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Page 1: Press Review page - clipquick.com€¦ · ração em 2013, por recomendação da Alta Autoridade da Saúde do país. Argumento: o benefício médico das pílulas de terceira geração

TEM A CERTEZA QUE TOMA

A PÍLULACERTA?Estudos recentes

confirmaram o risco

de complicaçõestrombovenosas

nas pílulas contracetivasde terceira e quarta

geração. Há motivos

para inquietação?Fomos saber de que

são feitas as pílulase investigar riscos

e benefícios.Por Bárbara Bettencourt

EmFrança, a polémica reacendeu-

-se há alguns meses e continua

na ordem do dia. O governodecidiu deixar de comparticipar as

pílulas contracetivas de terceira ge-ração em 2013, por recomendaçãoda Alta Autoridade da Saúde do país.

Argumento: o benefício médico das

pílulas de terceira geração é insuficiente

face aos riscos acrescidos de compli-cações trombovenosas, como flebites

e embolias pulmonares.

Um livro publicado em setembro

por dois médicos franceses, PhilipeEven e Bernard Debré, "Guia dos 4Mil Medicamentos Úteis, Inúteis ou

Perigosos", veio lançar mais achas paraa fogueira ao defender que, tendo em

conta os estudos existentes sobre os

riscos trombovenosos, as mulheres

deviam pedir aos médicos a substituição

das pílulas de terceira e quarta geração

pelas mais antigas, de segunda geração...

A polémica não é nova - os primeiros

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estudos remontam a 1995 -, mas até

agora não havia consenso na comu-nidade científica. As investigaçõesmais recentes, com pesquisas alarga-das no tempo, parecem deixar menosdúvidas. Como o estudo dinamarquêspublicado no British Medicai Journal,em 2011, que analisou dados de mais

de 8 milhões de mulheres, entre 2001

e 2009, com o objetivo de compararo risco trombovenoso de pílulas comvários tipos de progestativos, um dos

componentes da pílula. Conclusões: as

mulheres que tomam pílulas de segunda

geração - com o progestativo levonor-

gestrel - têm um risco três vezes maiorde ter uma trombose venosa profundaface às que não tomam a pílula. As

que tomam pílulas de terceira e quarta

geração - com progestativos como o

desogestrel, o gestodeno, norgestimato

e a drospirenona - correm um risco seis

vezes maior face às mulheres que não

tomam a pílula. Pode ver na embalagem

e bula da sua pílula qual destes é o seu.

Riscos calculadosA trombose venosa profunda é um

dos efeitos secundários da pílula mais

graves, já que a produção de coágulos

nas veias profundas pode causar flebites

e embolias pulmonares e, no limite,levar à morte. "Quando ocorre, em dois

por cento dos casos é fatal", afirma o

ginecologista-obstetra Fernando Cirur-

gião. Ainda assim, trata-se de um risco

diminuto se comparado, por exemplo,com o das mulheres grávidas. "Nasmulheres que não tomam a pílula, a

incidência de complicações venosas é

de 1 mulher em 10 mil; nas que tomam

pílulas de segunda geração, é de 2 em10 mil, e nas que tomam pílulas de 3. a

e 4.ageração é de 4 em 10 mil. Nas

grávidas: 6 em 10 mil. Ou seja, há querelativizar estes riscos, não só porqueem termos absolutos são reduzidos,mas também porque, a crer nos estudos,

diminuem substancialmente após o

primeiro ano de utilização", explica

"C)s progestativos têm

efeitos diferentes demulher para mulher,

tal como acontece como álcool e o tabaco.E difícil dizer que

uma pílula ê melhor

que outra, depende dometabolismo. O ideal

ê experimentar portrês meses no mínimo".Fernando Cirurgião, diretor

de obstetrícia do HSFX

o diretor do serviço de Obstetrícia do

Hospital S. Francisco Xavier."Para o Comité de Farmacovigilância

da Agência Europeia do Medicamento,estes medicamentos permanecem per-feitamente seguros e não há motivos

técnicos que justifiquem a retiradado mercado", diz Pedro Faleiro, do

Infarmed. Ainda assim, a AgênciaEuropeia do Medicamento (EMA) e a

Food and Drug Administration, EUA,emitiram recomendações no sentido da

reformulação dos folhetos informativos

das pílulas de 4.ageração, "para tornar

mais visível a existência destes riscos"

e permitir uma escolha informada.

As mulheres não são iguais,as pílulas também não

Apesar de ser mais baixo, convém

não esquecer que o risco de complica-

ções trombovenosas também existe nas

pílulas de segunda geração, sobretudo

em mulheres com mais de 35 anos quefumem muito, sejam obesas, hiperten-

sas, diabéticas ou tenham histórico

familiar de trombose. Se preenche

algum destes requisitos, tem razões

acrescidas para procurar o médico e

discutir qual a melhor pílula para si.'Antigamente a prescrição médica era

mais criteriosa e as próprias mulheres

tinham interiorizado os fatores de risco.

Tinha muitas mulheres com 35 anos a

perguntar se podiam tomar a pílula por-

que tinham ouvido dizer que com essa

idade se devia parar", recorda Fernando

Cirurgião. "E as linhas de orientação da

Organização Mundial de Saúde (OMS)eram essas, mas foram sendo alargadas.

Antigamente, com mais de 35 anos e

a fumar não se tomava a pílula. Hojediz-se que a mulher pode fazer uma

pílula com baixa dosagem hormonal

até à menopausa e as fumadoras só têm

restrição acima dos 15/20 cigarros dia.

Começou a haver mais permissividade.Na prática, não é preciso receita e acaba

a tomar-se a pílula da amiga." O alarga-mento da toma da pílula permitiu baixar

o nível de Interrupção Voluntária da

Gravidez (IVG), como lembra Duarte

Vilar, diretor executivo da Associação

para o Planeamento da Família (APF),mas estes estudos tiveram o mérito de

lembrar a importância do acompanha-mento médico. Porque, como resume

Fernando Cirurgião, nem as mulheres

nem as pílulas são todas iguais.

O lado bom da pílulaDesde as primeiras pílulas, surgidas

nos anos 50, até agora, a investigaçãotem incidido na diminuição da dose

de estrogénios e no aperfeiçoamentodos progestativos com o objetivo de

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diminuir os efeitos secundários.

"Antigamente, as mulheres davam

esses efeitos adversos por adquiridos.Eram inconvenientes da contraceção e

pronto. Com o tempo, e à medida queforam surgindo pílulas mais sofistica-

das e mais estudos, a exigência foi-se

tornando maior. As pílulas de terceira e

quarta geração vieram trazer bastantes

benefícios no que toca a muitos dos efei-

tos secundários das pílulas antigas, o quemelhorou a qualidade de vida de muitas

mulheres, lembra Fernando Cirurgião."Uma das coisas que me dizem hoje,

quando se trata de escolher uma pílula,é 'veja lá se me vai engordar, porque se

engordar eu desisto'. Sintomas como a

tensão mamaria e distensão intestinal

estão associados à retenção de líquidos.

O progestativo drospirenona, presentenas pílulas de 4a

geração, veio melhorar

muito este cenário graças ao efeito diu-

rético. Nas pílulas de terceira geração játinha havido melhorias relativamente ao

efeito negativo das pílulas de segunda

geração no metabolismo dos açúcares

e colesterol."

"Sempre se tomoua pílula da amiga.

A nossa posição é quedeve ser a mulher a

escolher e deve fazeruma escolha o maisinformada possíveF

Duarte Vilar, diretor

executivo da APF

As portuguesasapostam na pílula

"Portugal é dos países europeuscom maior índice de contraceção e

de uso da pílula, o que tem paralelonoutro indicador importante que é

a taxa de Interrupção Voluntária da

Gravidez, inferior à média europeia",

gaba Duarte Vilar, da APF. A crer no

4.° Inquérito Nacional de Saúde, pu-blicado em 2007, 67% das mulheres

em idade fértil escolhem a pílula como

método contracetivo. Para termos uma

ideia, em 1980, no Primeiro Inquéritoà Fecundidade, o coito interrompidoainda era referido como o método de

controlo da natalidade mais usado. Sete

anos depois, no 2° Inquérito, a pílula

já estava em primeiro lugar.

"As portuguesas apostaram na pí-lula, mesmo sabendo muito poucosobre a que tomam e a reproduçãoem geral e de ainda serem muitos os

mitos a este respeito. Estamos entre

os primeiros da Europa, talvez só o

Luxemburgo e a Holanda tenham

taxas superiores, o que se deve a uma

política consistente de incentivo peloEstado e de promoção por parte das

farmacêuticas", explica o sociólogo

da APF. Um mercado apetecível, por-tanto. Segundo o Infarmed, em 2011

venderam-se mais de 6.600 milhões

de embalagens de pílulas. Em primeiro

lugar surgem as de terceira geração

(mais de 2.500 milhões de embalagens

vendidas com a combinação etinilestra-

dio+gestodeno) comparticipadas pelosistema nacional de saúde. Nas não

comparticipadas, as pílulas de quarta

geração são campeãs de vendas, com

mais de 1.800 milhões embalagensvendidas com a combinação de activos

etinilestradiol+drospirenona.A contribuir para estes números

está o facto de a pílula ser dada gra-tuitamente nos centros de saúde e na

prática se vender sem receita médica

na farmácia.

Em busca dapílula perfeita

Ainda não se sabe exatamente por

que é que as pílulas mais recentes, ape-sar de terem menos carga hormonal,têm mais risco de tromboembolismo."A nível de riscos circulatórios, a

grande diferença foi passar de pílulascom 50mg de estrogénio, na primeira

geração, para 30mg nas pílulas de

segunda geração. A partir daí perce-beu-se que a diferença era mínima e

as pesquisas passaram a incidir sobre

o efeito dos progestativos", explicaFernando Cirurgião.

A novidade mais recente são as

pílulas com estrogénios diferentesdo etinistradiol, supostamente mais

parecidos com o produzido pelo corpo.É o caso da Qlaira e da Zoely. Maisuma opção que promete melhorar ainda

mais a qualidade de vida das mulheres

que optem por tomar a pílula. ®