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PREVENÇÃO E COMBATE ÀS PIRÂMIDES NO BRASIL Ministério Público Federal Procuradora da República - Mariane Guimarães de Mello Oliveira RJ, 05 de dezembro de 2014

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PREVENÇÃO E COMBATE

ÀS PIRÂMIDES

NO BRASIL

Ministério Público Federal

Procuradora da República - Mariane Guimarães de Mello Oliveira

RJ, 05 de dezembro de 2014

O crescimento vertiginoso de empresas que praticam o crime de pirâmide disfarçadas de MMN - Marketing Multinível no mercado brasileiro, especialmente nos últimos anos, é assustador. Estima-se que a cada semana surjam cerca de três novos casos. O Brasil é um campo fértil para a proliferação dessa prática, devido a uma falta de informação adequada ao consumidor sobre os riscos do investimento, em contraposição a uma propaganda agressiva e altamente sedutora das empresas, confiante num “otimismo ganancioso” de uma parcela significativa da população, que busca lucro rápido sem muito esforço. O Ministério Público criou uma força tarefa para tentar combater essa prática, mas não é capaz de impedir novos casos nem de combater todos. Para que se possa entender como funciona um esquema de pirâmide, é necessário esclarecer antes o que é Marketing Multinível -MMN.

Conceito de Marketing Multinível-MMN

Estratégia empresarial de distribuição de bens e serviços, onde a divulgação dos produtos se dá pela indicação “boca a boca” feita por distribuidores independentes. Por esse trabalho, tais distribuidores recebem bônus, que seriam utilizados nas milionárias campanhas de propaganda tradicional. Além da indicação de produtos os distribuidores podem indicar outros distribuidores e, assim, construir uma organização de escoamento de produtos com possibilidade de ganhos ilimitados.

(http://www.negociosecosmeticos.com.br/artigos/revista-veja-fala-sobre-marketing-multinivel, acesso em 05/04/2013)

Em suma, para ser marketing multinível ou venda direta

legítimos, o dinheiro que circula na rede e paga as comissões e bonificações dos 'associados' deve ser proveniente de consumidores finais de produtos da empresa, no varejo. E para isso tem que haver um produto atraente comercialmente. Se, ao invés de dinheiro de consumidores finais, usar-se dinheiro dos próprios associados para pagar os associados mais antigos, estar-se-á perante uma pirâmide, que vai desmoronar quando diminuir o ingresso de novos associados, já que a população é finita, deixando muita gente no prejuízo. Não existem milagres no mercado financeiro. Esta é uma simples questão matemática, onde para alguns ganharem muito, é preciso que muitos percam, como se demonstrará adiante. Estima-se que cerca de 90,3% dos investidores vão perder seus investimentos no período de 18 meses, que é o prazo médio de sobrevivência de uma pirâmide.

Note-se que, de acordo com o esquema acima, 90,3% das pessoas participantes da pirâmide terão prejuízos.

Representação de uma pirâmide em apenas 14 fases

Fase / Participantes 1/1 2/6 3/36 4/216 5/1.296 6/7.776 7/46.656 8/279.936 9/1.679.616 10/10.077.696 11/60.466.176 12/362.797.056 (maior que a população do Brasil e dos EUA) 13/2.176.782.336 14/13.060.694.016 (quase o dobro da população mundial)

A cobrança de tributos nas pirâmides

É importante ressaltar que o fato das empresas pagarem regularmente seus tributos (quando pagam) não as descaracterizam como pirâmides (art. 118, I do CTN). O CTN desvincula a cobrança de tributos da validade dos atos ou mesmo da profissão do

contribuinte (princípio do non olet).

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020 Coluna 1

Pichardismo é crime

A prática de pirâmide financeira (pichardismo, em homenagem ao italiano Manuel Severo Pichardo, autor de um famoso golpe que lhe rendeu o apelido) é proibida no Brasil, configurando crime contra a economia popular (art. 2º, inciso IX da Lei 1.521/51), mas a pena prevista, de 06(seis) meses a 02(dois) anos e multa, é muito baixa. Consiste em obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos, fazendo com percam dinheiro. Para inibir essa prática, urge que o Congresso Nacional edite uma nova lei com penalidades mais graves, bem como que regulamente o Marketing Multinível.

Força-Tarefa Uma força-tarefa nacional formada pelos Ministérios Públicos Federal e Estaduais foi criada com o objetivo de estudar e combater os casos de maior repercussão. Essa força-tarefa já obteve êxitos nos casos da TelexFREE, no Acre; da BBOM, em Goiás; da Mister Colibri, em Minas; da Priples, em Recife; e em vários outros casos. Atuamos na esfera cível, com o bloqueio dos valores para restituição aos consumidores e fechamento das empresas e na esfera criminal, apurando os crimes praticados. Trocamos informações importantes, compartilhamos provas e contamos com a colaboração de órgãos importantes, como a CVM, a Senacon, os Procons e outros órgãos de defesa do consumidor.

BBOM (modelo inicial)

As empresas do grupo Embrasystem, com sede em São Paulo, conhecidas como BBOM são, na visão do MP, um exemplo de prática de pirâmide, já que os participantes são remunerados somente pela indicação de outros indivíduos, sem levar em consideração a real geração de vendas de produtos. No caso da BBOM, o produto que inicialmente supostamente sustentaria o negócio da empresa era um rastreador veícular. Como em outros casos emblemáticos de pirâmide financeira, isso era apenas uma isca para recrutar novos associados, como foram os animais nos casos célebres da Avestruz Master e do Boi-Gordo.

Para atrair investidores, a empresa realizava um marketing agressivo nas redes sociais e até na televisão, focado não no produto (rastreador veicular), mas na bonificação. Os interessados associavam-se mediante o pagamento de uma taxa de cadastro (R$ 60,00) e de um valor de adesão que variava dependendo do plano escolhido (bronze – R$ 600,00, prata – RS 1.800,00, ou ouro – R$ 3.000,00), obrigando-se a atrair novos associados e a pagar uma taxa mensal obrigatória no valor de R$ 80,00 (referente ao comodato do rastreador) pelo prazo de 36 meses. O mecanismo de bonificação aos associados era calculado sobre as adesões de novos participantes. Quanto mais gente era trazida para a rede, maior era a premiação prometida, como se demonstrará a seguir.

No início de agosto/2013 o MPF-GO e MP-GO ajuizaram Ação Cautelar e Ação Civil Pública, pedindo o bloqueio dos bens da empresa, a dissolução jurídica do Sistema BBOM e a reparação dos danos causados aos consumidores. Pediu-se, ainda, a condenação dos envolvidos pela prática de pirâmide. Na ocasião, foram bloqueados 350 milhões da empresa que só tinha cerca de cinco meses de atuação no mercado (fevereiro a julho/2013) e diversos bens e imóveis, incluindo vários veículos de luxo. Apurou-se na ocasião que a BBOM teria vendido mais de 1 milhão de rastreadores para mais de 200 mil associados, porém só adquirira cerca de 69 mil aparelhos, nem todos entregues, muito embora estivesse cobrando de seus associados pelo comodato dos mesmos, o que caracteriza, em tese, a prática de pirâmide financeira.

Novo modelo da BBOM Interessante ressaltar que, no caso da BBOM, apesar da ampla cobertura que a imprensa deu sobre o primeiro bloqueio judicial dos bens e da acusação de prática de pirâmide, ela obteve autorização judicial (TRF1) para operar sob novo modelo, desde que seguisse as boas práticas do MMN. Escorada nessa decisão, ela voltou a operar no mercado com venda de microfranquias de diferentes produtos e um ano após sofreu novo bloqueio judicial pela JF/SP, a pedido do MPF/SP (suspenso provisioramente por decisão do STJ), pela suspeita de prática de nova pirâmide, tendo faturado quase 2 bilhões de reais, em prejuízo de cerca de 1 milhão de pessoas, o que demonstra uma confiança impressionante do consumidor em se dar bem nesse tipo de investimento. Segundo o MPF/SP, cerca de 400 milhões foram remetidos ao exterior às vésperas do novo bloqueio.

TelexFREE

A empresa Ympactus, conhecida como TelexFREE, é responsável por um dos maiores golpes de pirâmide financeira praticados no País e no exterior. Começou a operar um fevereiro de 2012 e foi suspensa em junho de 2013. Só no Acre estima-se que cerca de 10% da população tenha se associado ao esquema fraudulento (no Brasil inteiro cerca de um milhão), causando um prejuízo de bilhões aos consumidores. Sob a isca de venda de um produto VOIP de chamada de voz gratuita pela Internet, ao custo de 49,90 dólares por uma franquia de 3000 minutos, anunciados como ilimitada, e valor comercial não competitivo, frente a opções mais baratas, como o Skype, ou mesmo gratuitas, como o Viber e o We Chat. Graças à atuação do MP do Acre e da pronta resposta da Justiça Acreana, as atividades do grupo estão suspensas e parte considerável do dinheiro arrecadado bloqueado (mais de 700 milhões). Promovia até cruzeiros aos associados, com shows de uma dupla sertaneja famosa. A empresa pediu recuperação judicial mas o pedido foi negado pela justiça brasileira.

Fazendas Reunidas Boi Gordo

Considerado o mais conhecido caso de pirâmide financeira do Brasil, com atuação forte na década de 1990, 30.000 investidores perderam cerca de 2,5 bilhões de reais até 2004. Os investidores eram seduzidos pela oportunidade de embolsar um lucro de 38% ao ano investindo em gado. O sistema se assentava na engorda de bois e criação de bezerros, mas os lucros repassados eram pagos sobretudo com a entrada de novos investidores no negócio.

Avestruz Master

Fundado em Goiânia em 1988, o grupo oferecia contratos de compra e venda de avestruzes com compromisso de recompra dos animais. Era garantido um retorno de 10% sobre a aplicação até a recompra da ave. O lucro adviria da exportação da carne. Foram comercializados mais de 600 mil aves mas a empresa, na prática, só tinha 38 mil. Quarenta mil investidores no Brasil tiveram prejuízo, trinta mil só no Estado de Goiás. Foram gastos 4 milhões em publicidade em 2004, e apenas 100 mil em ração. Em sete anos de operação, nenhuma ave foi abatida. Quando a pirâmide ruiu em 2005, a empresa fechou as portas e seus sócios fugiram para o Paraguai. Estima-se um prejuízo de mais de um bilhão de reais. Os sócios foram condenados em 2010 a indenizar os consumidores em 100 milhões de reais e a penas de 12 a 13 anos de prisão.

“Camarão Master”

Logo após a falência da Avestruz Master, em Goiás, que praticamente parou a economia do Estado, tal o volume de dinheiro ali investido, e apesar da ampla cobertura da imprensa a respeito, surgiu, no município de Caldas Novas-GO, em 2005, a empresa Acquajoin Camarões do Brasil Ltda., prometendo criar e engordar camarões, e que vendia, pela internet, contratos de investimento coletivo com cotas de camarão, ao invés do avestruz, sem registro na CVM e promessa de rentabilidade de 10% ao mês. Não cumpria os prazos de resgate prometidos. Recebeu o apelido carinhoso de “Camarão Master” pelo MPF, tal a semelhança de atuação das duas empresas. De se notar que Caldas Novas não é localizada à beira-mar, está no Centro do País. Nesse caso, felizmente, com a atuação pronta da CVM e do MPF/GO, conseguimos fechar judicialmente a empresa em 2007 sem muitos danos, tendo ela sido condenada em 2010 a restituir os investidores. Apesar da semelhança de atuação e do resultado desastroso da Avestruz, houve quem investisse naquela pirâmide, por mais difícil que se possa acreditar, o que demonstra que o investidor brasileiro não está sabendo ponderar os riscos do negócio frente à tentação de lucro fácil.

Priples Criada em 1/04/2013, com sede em Recife, já conta com mais de cem mil usuários, segundo números apresentados na página principal dela na internet. A Priples é o nome fantasia da empresa denominada PRIPLES LTDA. - ME, cujo objeto social é “atividades de Portais, provedores de conteúdo e outros serviços de informação na Internet”. As investigações da Polícia Civil de Pernambuco apontam para a formação de um esquema de pirâmide financeira. A empresa promete remuneração de 2% ao dia durante um ano ao usuário que responder perguntas de conhecimentos gerais. Foi requerido judicialmente o bloqueio dos bens da empresa e a suspensão das suas atividades. Mais de 100 milhões foram bloqueados pela Justiça Estadual/PE, além de carros de luxo.

Pirâmide de Ponzi Em 1920 o italiano Charles Ponzi atraiu milhares de clientes prometendo rentabilidade de 50% em apenas 45 dias ao comprar cupons postais de outros países, trocados por selos nos EUA a um preço mais caro. Quando o esquema ruiu, descobriu-se que 160 milhões de cupons postais eram necessários para sustentar as margens que seduziam os investidores. Mas só existiam 27000 no mercado. Deu prejuízo de US$ 20 milhões à época (225 milhões de dólares hoje). Seu nome carimbou o golpe de pirâmide, mundialmente conhecido como esquema de Ponzi. Ponzi foi condenado a prisão. Morreu pobre no Brasil, no RJ, em 1949.

Madoff Bernard Lawrence Madoff amealhou bilhões de dólares, em Wall Street, com o maior esquema de Ponzi da história. Considerado um dos mais bem sucedidos gerentes de investimento de Nova York, ela administrou os recursos de 16.000 vítimas, inclusive brasileiros, em um negócio que funcionou por 16 anos e a promessa de rentabilidade de 1% ao mês. Estima-se que os investidores tenham perdido entre 12 e 20 bilhões de dólares ao longo do período. Madoff foi condenado por 11 crimes a 150 anos de prisão em 2009.

Cautelas ao consumidor

Procure saber sobre a idoneidade do negócio e dos seus sócios, se a empresa tem tradição no mercado e o modelo de negócio é sustentável e o produto ou serviço oferecido tem apelo comercial e preço compatível com a concorrência. Procure se informar, na dúvida, em sites como o “reclameaqui” ou junto a órgãos de defesa do consumidor, como os procons, e fuja das promessas de dinheiro fácil e sem esforço. Não existem milagres no mercado financeiro.

Soluções de combate às pirâmides

1 - Conscientização dos consumidores através de uma campanha governamental efetiva dos riscos do negócio, que os alertem sobre a necessidade de desconfiar de promessas de lucro alto e fácil, sem esforço, bem como de averiguar a credibilidade da empresa junto aos órgãos competentes. 2- posicionamento público da Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta-ABEVD sobre as empresas de MMN e as pirâmides, divulgando as que são associadas. 3- atuação firme e célere dos órgãos de defesa do consumidor, do Ministério Público e do Judiciário no combate das pirâmides (importância da força tarefa). 4- mudança legislativa propondo leis mais severas. 5- regulamentação do MMN, que traga regras claras ao consumidor sobre esse modelo de negócio, que é relativamente novo no País, ao contrário do que ocorre nos EUA, por exemplo. Já existe Projeto de Lei no Congresso Nacional a respeito do tema.