programa de alimentação escolar no brasil: limitações e...

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65 ABSTRACT SILVA, M.V. The Brazilian program of school meals: limitations and evolution in 80’s and 90’s. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP, v.19/20, p.65-85, 2000. This work describes the trajectory of the National Program of School Meals – PNAE – implemented in Brazil for about 50 years. The main and decisive changes made by the Federal Government in the last two decades are examined. Among them, the decentralization of the program deserves a highlight, which affects the consumption of the meals distributed and the nutritional status of the beneficiaries. The analysis shows that during this period, the decentralization of the program was definitively implemented, with the Federal Government transferring the money to buy food directly to the school administrators. It was also verified that at the end of the eighties, the PNAE, benefited students with a greater per capita income and enrolled in the schools of the southern and southeastern region (more economically developed). In the nineties, there was a modification in this tendency and the PNAE reveals itself better focused in relation to the students in elementary education. Nourishment consumption analysis shows that the meal contribution to the group recommendation is low, mainly in energy, vitamins, and minerals, particularly calcium and iron. It shows also, low presence of fruits and vegetables in the school meals. With regard to the nutritional status, the coexistence of two problems – growth deficits and overweight – reveals a complex nutritional situation of superposition that demands differentiated intervention to these very different realities. Keywords: school meals; food consumption; nutritional status; nutritional programs. MARINA VIEIRA DA SILVA Universidade de São Paulo – USP – ESALQ Av. Pádua Dias n o 11 ou C. Postal 9 13418-900 Piracicaba, São Paulo, Brasil e-mail: mvdsilva@carpa. ciagri.usp.br Departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição Programa de alimentação escolar no Brasil: limitações e evolução nas décadas de 80 e 90 The brazilian program of school meals: limitations and evaluation in 80s and 90s Artigo de Revisão/Revision Article

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ABSTRACT

SILVA, M.V. The Brazilian program of school meals: limitations andevolution in 80’s and 90’s. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. BrazilianSoc. Food Nutr., São Paulo, SP, v.19/20, p.65-85, 2000.

This work describes the trajectory of the National Program of SchoolMeals – PNAE – implemented in Brazil for about 50 years. The main anddecisive changes made by the Federal Government in the last two decadesare examined. Among them, the decentralization of the program deserves ahighlight, which affects the consumption of the meals distributed and thenutritional status of the beneficiaries. The analysis shows that during thisperiod, the decentralization of the program was definitively implemented,with the Federal Government transferring the money to buy food directly tothe school administrators. It was also verified that at the end of the eighties,the PNAE, benefited students with a greater per capita income and enrolledin the schools of the southern and southeastern region (more economicallydeveloped). In the nineties, there was a modification in this tendency andthe PNAE reveals itself better focused in relation to the students in elementaryeducation. Nourishment consumption analysis shows that the mealcontribution to the group recommendation is low, mainly in energy, vitamins,and minerals, particularly calcium and iron. It shows also, low presence offruits and vegetables in the school meals. With regard to the nutritionalstatus, the coexistence of two problems – growth deficits and overweight –reveals a complex nutritional situation of superposition that demandsdifferentiated intervention to these very different realities.

Keywords: school meals;food consumption;nutritional status;nutritional programs.

MARINA VIEIRADA SILVA

Universidade deSão Paulo –

USP – ESALQAv. Pádua Dias no 11

ou C. Postal 913418-900 Piracicaba,

São Paulo, Brasile-mail: mvdsilva@carpa.

ciagri.usp.brDepartamento de

Agroindústria,Alimentos e Nutrição

Programa de alimentação escolar no Brasil:limitações e evolução nas décadas de 80 e 90The brazilian program of school meals: limitationsand evaluation in 80s and 90s

Artigo de Revisão/Revision Article

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RESUMORESUMEN

Este trabalho visa descrever a trajetóriado Programa Nacional de Merenda Escolar(PNAE), que vigora no Brasil há cerca de 50anos. São examinadas as principais e decisivasmudanças implementadas pelo governo federal,durante as últimas décadas. Entre essas, merecedestaque a descentralização do Programa, asrepercussões desta no consumo das refeições dis-tribuídas e no estado nutricional dos benefi-ciários da merenda escolar. As análises revelamque durante o período concretizou-se, de formadefinitiva, o processo de descentralização, coma inovação (especialmente em meados da déca-da dos 90) do repasse das verbas federais, desti-nadas à compra de alimentos, diretamente paraos administradores das escolas. Verificou-se, tam-bém, que no final da década dos 80, o PNAE,beneficiava, indevidamente, os alunos com maiorrenda per capita e matriculados nas escolas dasregiões Sul e Sudeste (economicamente mais de-senvolvidas). Nos anos 90, há modificação nes-sa tendência e o PNAE se revela melhor focali-zado em relação à população que freqüenta oensino fundamental. Análises do consumo ali-mentar permitem inferir que a contribuição dasrefeições para o atendimento das recomenda-ções do grupo é baixa, principalmente para aenergia, vitaminas e minerais, com destaquepara o cálcio e o ferro, sendo, bastante reduzi-da, também, a presença de frutas e hortaliçasna pauta alimentar dos escolares. Quanto ao es-tado nutricional, a coexistência de duas proble-máticas - déficits de crescimento e sobrepeso -revela um quadro nutricional complexo desuperposição, o que demanda intervenções dife-renciadas para essas realidades muito distintas.

Palavras-chave: merendaescolar; consumo dealimentos; estadonutricional; programasnutricionais.

El objetivo de este trabajo fue describir latrayectoria del Programa Nacional de MeriendaEscolar (PNAE) vigente en Brasil aproximada-mente 50 años. Se examinaron las principalesmodificaciones implementadas por el GobiernoFederal en las últimas décadas. Entre estas, hayque destacar la descentralización del programay su repercusión en el consumo de las meriendasdistribuidas y en el estado nutricional de losbeneficiarios del programa. El estudio revela quedurante este período se consolidó definitivamenteel proceso de descentralización, principalmentea mediados de la década del 90, cuando los re-cursos destinados a la compra de alimentoscomenzaran a ser repasados directamente a losadministradores de las escuelas. Fue compro-bado también que al final de la década del 80,el PNAE, beneficiaba indebidamente a alumnoscon mayor renta per cápita matriculados en lasregiones Sur y Sudeste (que son económicamentemás desarrolladas). En los años 90, esa tenden-cia fue modificada y el PNAE se mostró mejorenfocado en relación a la población que frecuen-ta la enseñanza básica. El análisis del consumoalimenticio muestra que la contribución de lamerienda no atiende las recomendaciones paraese grupo y es deficiente principalmente enenergía, vitaminas y minerales, principalmentecalcio y hierro, siendo bastante escasa la pre-sencia de frutas y hortalizas en la minuta de losescolares. Con relación al estado nutricional, lacoexistencia de 2 problemas, el retardo del creci-miento y el sobrepeso, revela un panorama com-plejo que requiere intervención diferenciada pa-ra cada realidad.

Palabras clave: meriendaescolar; consumode alimentos; estadonutricional; programasnutricionales.

SILVA, M. V. Programa de alimentação escolar no Brasil. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP,v.19/20, p.65-85, 2000.

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INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar alguns fatos marcantes da trajetória do Programa de

Merenda Escolar - PNAE, que vigora no Brasil, desde o início dos anos 50.

Foram estruturados quatro módulos, com o objetivo de analisar as principais mudan-

ças implementadas pelo governo federal, durante as décadas de 80 e 90, enfatizando os

aspectos administrativos e nutricionais.

BREVE HISTÓRICO E PRINCIPAIS MUDANÇAS NA GESTÃO DO PROGRAMA

DE MERENDA ESCOLAR

O Brasil tem uma ampla e diversificada experiência na implementação de programasde alimentação e nutrição.

Alguns dados são importantes para corroborar a afirmação: “gastos com programasalimentares e nutricionais aumentaram de 0,06% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1980

para 0,21 em 1989, com um pico de 0,25% do PIB de 1987, alcançando quase 1 bilhão dedólares” (IUNES e MONTEIRO, 1993).

Os gastos com alimentação e nutrição constituíram, até os primeiros anos da décadade 90, a área de mais rápido crescimento do setor social no Brasil, merecendo destaque oPrograma Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, também conhecido como Programa

de Merenda Escolar – PME (IUNES e MONTEIRO, 1993).

Adotando diferentes denominações, estruturas institucionais e modalidades de ges-

tão, o Programa vigora no País desde meados da década de cinqüenta, tendo mantido umacontinuidade pouco usual entre as políticas sociais do país.

O PNAE é majoritariamente financiado com recursos orçamentários da União, sendoatribuído a cada aluno matriculado nas unidades de ensino fundamental gratuito, o valorde R$ 0,13 (US$ 0,07) por dia. Para os alunos do ensino médio e das entidades filantrópicas

o valor é de R$0,06.

Dentre os objetivos do programa, destacam-se: suprir parcialmente as necessidades

nutricionais dos alunos beneficiários por meio do oferecimento de, no mínimo, uma refei-ção diária e adequada; melhorar a capacidade no processo ensino-aprendizagem; formarbons hábitos alimentares – fazer educação alimentar; e evitar a evasão e repetência escolar.

O PNAE tem, como meta, garantir que o cardápio da alimentação escolar seja pro-

gramado de modo a fornecer cerca de 350 quilocalorias e 9 gramas de proteínas por refei-ção, ou seja, 15% das necessidades diárias de calorias e proteínas dos alunos beneficiários.

Vale registrar que de acordo com os PRONAN I e II – Programa Nacional de Alimen-tação e Nutrição, elaborados em 1973 e 1976, respectivamente, o suplemento alimentar,distribuído aos escolares durante a jornada de 4 horas de aula, deveria atender no mínimo

15% das necessidades diárias de energia e de proteína (INAN, 1976; 1973).

É oportuno lembrar que no Brasil, até o início da década dos 80, os programas de

alimentação e nutrição estavam fortemente centralizados em agências federais, sediadasem Brasília, capital do País.

SILVA, M. V. Programa de alimentação escolar no Brasil. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP,v.19/20, p.65-85, 2000.

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A responsabilidade pela implementação desses programas foi assumida por vários

ministérios e no caso do PNAE, este programa subordinou-se ao Ministério da Educação edo Desporto - MEC. A vinculação se efetivou por meio da agência pertencente a este Minis-tério: Fundação de Apoio ao Estudante – FAE, encampada recentemente pelo Fundo Nacio-

nal de Desenvolvimento do Ensino – FNDE.

Durante um período superior a quinze anos, a FAE (extinta recentemente) detevetodo o poder regulatório e normativo, executando a totalidade do gasto, adquirindo e

distribuindo, em espécie, toneladas de alimentos para aproximadamente 30 milhões deescolares, distribuídos em cerca de 5 mil municípios brasileiros.

Os procedimentos relativos à distribuição dos recursos jamais foram norteados por cri-térios de equidade ou orientados à população biológica e socialmente mais vulnerável. Inva-

riavelmente, foram baseados em atitudes centralizadoras, permeadas de práticas clientelistas.

Por aproximadamente 15 anos, as metas, propostas pelo PRONAN II, foram contraria-das pela FAE. O PRONAN II foi o primeiro programa a reconhecer que os problemas nutri-

cionais brasileiros decorriam da má distribuição de renda e de outros desequilíbrios naspolíticas econômica e agrícola do país e propunha a racionalização do sistema de produ-ção e comercialização de alimentos por meio da compra direta de pequenos produtores

rurais. Contudo, as compras efetivadas pela FAE nunca foram realizadas diretamente depequenos produtores rurais, mas de intermediários ou de grandes produtores rurais.

Juntamente com os demais programas de suplementação alimentar, o PNAE passoua utilizar alimentos “formulados” que eram adquiridos junto a um sub setor muito especia-

lizado da industria de alimentos. Formou-se assim um “mercado institucional” que de mer-cado tinha somente o nome. Havia, na verdade, de um lado um único comprador, o Esta-do, e de outro um cartel de vendedores.

Mesmo vigorando no País há quatro décadas, sem sofrer interrupções, o PNAE* pas-

sou raramente por avaliações visando conhecer a sua real cobertura e impacto sobre oestado nutricional de seus beneficiários.

Somente no final da década de 80 foi realizada a Pesquisa Nacional sobre Saúde e

Nutrição – PNSN (INAN, 1990), cujos dados, possibilitaram um conhecimento da situaçãode cobertura do PNAE.

Cabe ressaltar que a pesquisa revelou que grande parcela de crianças, em todo opaís, deveria ter acesso ao maior programa de distribuição gratuita de alimentos (merenda

escolar). No entanto, a PNSN (INAN, 1990) mostrou que são evidentes as desigualdadesregionais, quando se examina se a escola oferece ou não a merenda: para o grupo depobres, a desvantagem das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste em relação à Sul e à

Sudeste, alcança 14 e 15 pontos percentuais, respectivamente, quando se verifica a dispo-nibilidade de merenda na escola ( LOPES e TELLES, 1996).

Deve-se assinalar que a merenda na região mais pobre era, na época, um progra-

ma financiado apenas com recursos do governo federal, sem participação dos estados e

* Note-se que, pela Carta Constitucional de 1998, a alimentação escolar consagrou-se como direito do estudante.

SILVA, M. V. Programa de alimentação escolar no Brasil. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP,v.19/20, p.65-85, 2000.

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municípios, enquanto nas regiões Sul e Sudeste a participação desses últimos já era subs-

tancial.

Vale registrar, também, algumas análises elaboradas ,tendo como base os dados indi-

viduais do PNSN (INAN, 1990). De acordo com os autores, as regiões Sul e Sudeste pos-suem maior produção de crianças e jovens matriculados em unidades que oferecem me-

renda escolar (SILVA et al. ,1998).

No entanto, essas regiões são as que apresentam a menor prevalência de indivíduos

com escore ZAI � �2 (indicativo de desnutrição crônica, caracterizada pelo comprometi-mento da altura dos indivíduos).

A freqüência semanal que a escola oferecia merenda se revelava desigual entre asregiões e classes de renda, favorecendo ilogicamente as regiões sul e sudeste e o estrato derenda mais elevado.

Note-se que, enquanto nas regiões sul e sudeste 91,6% dos alunos com renda domiciliarper capita igual ou maior que US$80,00 freqüentavam unidades que ofereciam merenda es-

colar quatro ou mais vezes por semana, esse percentual cai para 62,% no norte e nordeste.

Por sua vez, cerca de 30% dos escolares com renda domiciliar per capita menor ou

igual a US$40,00 mensais que recebiam merenda nas regiões norte e nordeste tiveramacesso a esse benefício no máximo uma vez por semana.

Tendo por base os dados do Quadro 2 verifica-se, também, que o percentual deconsumo da merenda oferecida é baixa em todas as regiões e tende a se reduzir, conforme

Quadro 1 Percentual dos alunos de 6 a 14 anos de idade segundo a freqüência

semanal da merenda oferecida pela escola, conforme o estado nutricional,1

regiões e estratos de renda. Brasil, 1989.

Estrato Freqüência que a escola oferece merenda

de renda (vezes/semana)2 e estado nutricional dos escolares

REGIÕES domiciliar 4 2 ou 3 0 ��� 1

per capitan

ZAI3

nZAI3

nZAI3

(US$) � -2 � -2 � -2

Norte e 40,00 851 (56,0) 55,1 220 (14,5) 14,5 447 (29,5) 30,4

Nordeste 80,00 168 (62,0) 42,8 53 (19,6) 28,6 49 (18,2) 28,6

Sul e 40,00 1435 (79,6) 78,9 201 (11,2) 10,6 166 (9,2) 10,5

Sudeste 80,00 568 (91,6) 96,9 37 (6,0) 3,1 15 (2,4) 0,0

Centro- 40,00 625 (75,3) 74,8 100 (12,1) 11,6 104 (12,6) 13,6

Oeste 80,00 164 (81,6) 66,7 17 (8,5) 25,0 20 (9,9) 8,3

1 Adotou-se o escore Z de altura para idade � ZAI (ZAI � �2: proporção indicativa de

déficit de altura).2 Entre parênteses observa-se o percentual de escolares da amostra.3 Proporção de escolares com indicativo de déficit de altura.

SILVA, M. V. Programa de alimentação escolar no Brasil. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP,v.19/20, p.65-85, 2000.

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o esperado, à medida em que a renda domiciliar per capita se eleva. Mesmo para as regiões

norte e nordeste na faixa de menor renda, apenas 56,3% dos escolares consomem a meren-da todos os dias em que é oferecida. Os resultados sugerem que uma das causas da baixaadesão era a recusa voluntária à alimentação oferecida no âmbito da escola.

É possível que a recusa, na época, à alimentação fosse condicionada pela expressiva

presença de alimentos “formulados, nos cardápios da “merenda escolar”. Esses alimentos,invariavelmente, se caracterizavam pela pouca variabilidade, tanto no que tange às formasde preparo, quanto às características organolépticas.

Registra-se que os preços dos alimentos “formulados” eram substancialmente supe-riores, quando comparados com os produtos básicos.

É possível perceber a fragilidade do PNAE, na época, para atender as preferências

dos usuários finais. Salvo raríssimas exceções, eles não puderam manifestar suas opiniõessobre os cardápios oferecidos no âmbito das escolas públicas e filantrópicas do País.

Vale lembrar que algumas tentativas, visando a implementação, em nível experimental,

da descentralização foram realizadas, poucos anos (em 1986) antes da realização da PNSN(INAN, 1990), com a celebração de convênios entre o governo federal e 85 municípios.

É importante recordar que, antecipando-se à iniciativa federal, no ano de 1983, osgovernadores dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, eleitos diretamente, iniciaram a

munipalização do programa de merenda escolar.*

* Repasse direto, das verbas estaduais destinadas ao Programa de Merenda Escolar, para as Prefeituras Municipais,dos dois estados.

Quadro 2 Percentagem de escolares, segundo o costume de comer merendaescolar, estado nutricional,1 regiões e estratos de renda. Brasil, 1989.

Estrato Costume de comer merenda oferecida2 e percentagem

de renda de escolares com escore ZAI � -2

REGIÕES domiciliar SIM (TODOS OS DIAS) NEM TODOS OS DIAS NÃO

per capitan

ZAI3

nZAI3

nZAI3

(US$) � -2 � -2 � -2

Norte e 40,00 855 (56,3) 63,5 525 (34,6) 30,8 138 (9,1) 5,7

Nordeste 80,00 69 (25,6) 23,8 117 (43,4) 57,1 84 (31,1) 19,1

Sul e 40,00 1089 (60,4) 74,4 575 (32,0) 20,7 137 (7,6) 4,9

Sudeste 80,00 156 (25,2) 37,5 264 (42,6) 25,0 200 (32,2) 37,5

Centro- 40,00 498 (60,1) 64,1 295 (35,6) 30,1 36 (4,3) 5,8

Oeste 80,00 79 (66,7) 66,7 103 (33,3) 33,0 19 (0,0) 0,01 Adotou-se o escore Z de altura para idade � ZAI (ZAI � �2: proporção indicativa dedéficit de altura).2 Entre parênteses observa-se o percentual de escolares da amostra.3 Proporção de escolares com indicativo de déficit de altura.

SILVA, M. V. Programa de alimentação escolar no Brasil. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP,v.19/20, p.65-85, 2000.

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O governo federal, entre os anos de 1986 e 1990 ensaiou alguns passos com relaçãoà descentralização do PNAE. No entanto, a lentidão foi a marca do ritmo das mudançasnessa estrutura.

A partir de 1993,* com o impeachmant do Presidente da República, ocorrido em1992 e com a posse do então vice-presidente, constata-se forte empenho do governo fede-ral em concretizar o processo de descentralização da merenda escolar, baseando-se em um

conjunto de objetivos tais como: garantia da regularidade do fornecimento da merenda;melhoria da qualidade das refeições; atendimento e melhoria dos hábitos alimentares; di-versificação da oferta de alimentos; incentivo à economia local e regional, diminuição dos

custos operacionais com o programa e estímulo à participação da comunidade local e, emparticular, dos escolares, tanto na execução quanto no controle do programa.

De acordo com dados divulgados em meados dos anos 90 ,aproximadamente 30%

dos programas de merenda haviam sido municipalizados. Embora aproximadamente 2500prefeituras manifestassem interesse em aderir ao programa, somente 1405 foram habilita-das para a implementação (PELLIANO, 1994).

Nos Quadros mostrados a seguir, podem ser examinadas a distribuição regional da

municipalização do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Quadro 3) e o número deconvênios firmados (Quadro 4), em meados da década de 90.

Com a descentralização há a transferência das funções do nível federal para os níveis

estadual e, principalmente, o municipal, passando a ser responsabilidade dos administradores

* As iniciativas foram intensificadas durante o Governo do Presidente Itamar Franco (1993-1994), sendo que, noano de 1993, 310 municípios mantinham convênio com o Ministério da Educação. Com o início dessa Administra-ção, ganha espaço na agenda governamental o compromisso com o combate à fome, à miséria e à desnutrição.Neste contexto, é criado o Conselho de Segurança Alimentar – CONSEA – que elaborou o “Plano de Combate àForma e à Miséria” (extinto em 1995).

Quadro 3 Municipalização do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Brasil, 1994.

PrefeiturasProporção dos

REGIÕES conveniadasMunicípios Beneficiários Percentual

DO PAÍS com a FAE da região(*)

n %

NORTE 55 3,9 13,8 431.564 4,3

NORDESTE 453 32,3 29,1 2.821.657 28,3

SUL 467 33,2 44,1 1.590.055 15,9

SULDESTE 393 27,9 25,6 4.653.161 46,6

CENTRO-OESTE 37 2,7 8,7 489.119 4,9

TOTAL 1405 100,0 _____ 9.985.556 100,0

(*) Percentual em relação ao total de Municípios.

Fonte: MEC/FAE.

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as seguintes operações: a aquisição de alimentos (envolvendo a definição das pautas de com-pras e a realização dos processos licitórios); a elaboração de cardápios; a contratação de recur-sos humanos (merendeiras, técnicos e pessoal de apoio); a oferta e instalação de infra estrutu-

ra física, equipamentos (geladeira, fogão, freezer) e outros utensílios como pratos, talheres,etc., para que o programa possa ser implementado satisfatoriamente nas unidades de ensino.

Indiscutivelmente a descentralização vem estimulando o surgimento de um novo

comportamento social, com a participação de pais, professores e diretores nos processosdecisórios, particularmente, de como e quando aplicar os recursos recebidos. Tal caracte-rística pode ser considerada um marco da cidadania e poderá, em curto prazo, trazer subs-

tanciais melhorias na qualidade do Programa de Merenda Escolar.

Em 1995, encerrou-se definitivamente, na esfera federal, todas as atividades de com-pra e distribuição de alimentos destinados ao Programa de Merenda Escolar.

Em decorrência do conjunto das mudanças, atualmente, no Brasil, verifica-se a coe-xistência de distintos processos concretos por meio dos quais vem se efetivando a descentra-lização. São muito variadas as modalidades, revelando diferentes associações entre esferas

governamentais, redes próprias de ensino e a comunidade.

Deve-se considerar, também a heterogeneidade econômica e social do país, comformas consideráveis de distinções entre as regiões, os estados e os municípios.

Neste contexto, há também ampla diversidade entre os ambientes institucionais emque se operacionalizam os programas e, obviamente, quanto as formas de gestão, sendoportanto o resultado fortemente condicionado pelas complexas correlações estabelecidas.

Nos últimos anos da década dos noventa, a política de descentralização da merenda

evoluiu no sentido de possibilitar o surgimento de basicamente três modalidades:

Quadro 4 Número de Convênios Firmados, Recursos Transferidos e Número de

Alunos Atendidos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE),

Segundo as Grandes Regiões. Brasil, 1995.

GRANDES REGIÕES Convênios Recursos Transferidos (*) AlunosE UNIDADES DE Firmados Em Reais (**) Atendidos (*)

FEDERAÇÃO

NORTE 100 49.251.887 3.170.898

NORDESTE 414 218.820.336 10.790.780

SUDESTE 435 207.170.941 12.678.102

SUL 231 66.792.082 4.348.103

CENTRO OESTE 112 48.023.045 2.274.601

TOTAL 1.292 590.058.291 33.262.484

Fonte: MEC/FAE.(*) Município e Secretários de Educação.(**) A taxa de câmbio, em 1995, era de R$ 1,00/US$ 0,92.

SILVA, M. V. Programa de alimentação escolar no Brasil. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP,v.19/20, p.65-85, 2000.

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a) a estatualização: a Secretaria de Educação estabelece convênio com o MEC, através

do FNDE, visando o recebimento dos recursos federais para a implementação do programa,assumindo, também, a total responsabilidade pela prestação de conta dos dispêndios.

b) a municipalização: a Prefeitura Municipal assume a gestão do programa junto a todas as

escolas (que mantém ensino de primeiros e segundos graus gratuitos), localizados no município.Nessa modalidade, a Prefeitura recebe os recursos federais diretamente do FNDE e, também, seresponsabiliza pela totalidade das etapas da implementação do Programa de Merenda Escolar.

Vale destacar que em meados da década dos 90 ocorreu crescimento sistemático donúmero de convênios firmados, tendo como protocolo, esta modalidade de gestão: 52% e73% dos municípios brasileiros nos anos de 1995 e 1996, respectivamente.

c) a autonomização da escola: o processo é também conhecido como “Escolarizaçãoda Merenda” e refere-se a situação na qual a prefeitura ou a Secretaria Estadual de Educa-ção, efetivam convênio junto ao MEC/FNDE, para que recebam os recursos federais e efe-

tuem, de imediato, a transferência das verbas, diretamente às unidades executoras, queassumem a responsabilidade pela totalidade das fases (recebimento e administração daverba, incluindo prestação de contas; elaboração de cardápios, preparo e distribuição dos

alimentos e, a avaliação do programa).

Pode constituir-se em uma unidade executora qualquer órgão colegiado da escola,

como por exemplo Associação de Pais e Mestres – APM, o Conselho Municipal de Alimen-tação ou, em algumas situações, a direção da escola.

Destaca-se que a “Escolarização da Merenda”* integra a política de descentralização

dos recursos destinados à Educação, adotada, de forma intensiva, no período de 1995-98,durante o primeiro mandato do Presidente FERNANDO HENRIQUE CARDOSO.

O processo vem estimulando um novo comportamento social, com o incentivo a

participação dos país, alunos, professores e diretores, nas decisões de aplicação dos recur-sos recebidos.

A descentralização se consolida à medida que se intensifica a transferência de recur-

sos financeiros diretamente para as escolas ou unidades executoras.

De acordo com dados divulgados (Descentralização ... 1997), a referida modalidadede gestão foi observada em cerca de 20% das escolas urbanas do Brasil.

Vale ressaltar que, da verba de (R$ 36.026.731,00) destinada ao PNAE (mês de abrilde 1998) 64,21% foram destinados às unidades executoras dos estados que aderiram à

modalidade de escolarização, enquanto o FNDE repassou R$ 12.891.558,00 (35,78%) para

os estados/municípios que operavam o programa de forma distinta.

* A modalidade passa a ter respaldo, uma vez que o parágrafo 6o da Medida Provisória no 1784-1 de 13/01/99prevê que é facultado aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios repassar os recursos do Programa dire-tamente às escolas de sua rede. A resolução no 002 de 21/01/99 publicada no Diário Oficial da União, de 27/01/1999, estabelece os critérios e formas de transferências dos recursos financeiros às unidades executoras do Pro-grama, entre elas com a inclusão da unidade escolar.

SILVA, M. V. Programa de alimentação escolar no Brasil. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP,v.19/20, p.65-85, 2000.

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O Quadro 5 exibe as unidades federativas de acordo com o nível de adesão à “Escola-

rização” e as verbas repassadas para a operacionalização do PME.

Quadro 5 Unidades Federativas, de acordo com o repasse de verba pelo FNDE. Brasil.

Valor verbaUNIDADE

RegiãoAdesão à (em reais) Percentual de

FEDERATIVA Escolarização(1) repassada “Escolarização”pelo FNDE

Rondônia Norte A 369.512,00 100

Rio Grande do Norte Nordeste A 489.912,00 100

Tocantis Norte A 541.143,00 100

Sergipe Nordeste A 648.251,00 100

Paraíba Nordeste A 1.433.018,00 100

Goiânia Centro-Oeste A 2.174.828,00 100

Bahia Nordeste A 3.788.875,00 100

Minas Gerais Sudeste A 7.235.669,00 100

Roraima Norte AP 207.641,00 80

Ceará Nordeste AP 875.562,00 60

Alagoas Nordeste AP 434.973,00 50

Maranhão Nordeste AP 1.118.068,00 40

Mato Grosso Centro-Oeste AP 488.010,00 20

Paraná Sul AP 1.548.438,00 20

Rio Grande do Sul Sul AP 1.781.273,00 20

Espirito Santo Sudeste N.A. 88.306,00 0

Acre Norte N.A. 175.286,00 0

Piauí Nordeste N.A. 279.997,00 0

Amapá Norte N.A. 297.552,00 0

Mato Grosso do Sul Centro-Oeste N.A. 393.533,00 0

Santa Catarina Sul N.A. 831.423,00 0

Distrito Federal Centro-Oeste N.A. 954.751,00 0

Amazonas Norte N.A. 979.582,00 0

Pará Norte N.A. 1.032.165,00 0

Rio de Janeiro Sudeste N.A. 2.377.463,00 0

Pernambuco Nordeste N.A. 1.517.563,00 0

São Paulo Sudeste N.A. 3.963.937,00 0

TOTAL 36.026.731,00

(1) Considerar A= Adesão; AP= Adesão Parcial; NA= Não Adesão(2) Repasse de verba para implementação do Programa de Merenda Escolar durante 19 diasletivos do mês de Abril 1998. A taxa de câmbio no referido mês era de R$ 1,00/US$ 1,18.Fonte: MEC/FNDE/Diretoria de Ações de Assistência Educacional. Brasília, Agosto de 1998.

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Nesse mesmo período é verificado o declínio da proporção de estados conveniados

com o FNDE (modalidade: estadualização) passando de 48% para 27% as unidades federativas.

Note-se, também, o predomínio da Municipalização, alcançando esta modalidade

cerca de 60% das escolas urbanas do país (Descentralização ... 1997). A amostra de municí-

pios, ainda de acordo com esse estudo mostra que a descentralização do Programa de

Merenda Escolar, diretamente para a unidade escolar, atinge 39,6% das escolas urbanas das

regiões Centro-Oeste e 29,1% das unidades das regiões Sudeste, sendo a opção por este

tipo de gestão relativamente modesta nas regiões Sul, Nordeste e Norte (QUADRO 6).

O Quadro 6 apresenta os dados relativos a modalidade de descentralização de acor-

do com a instância responsável pela compra dos alimentos, dependência administrativa e

porte da escola.

Examinando o Quadro 6, depreende-se que o município é a principal instância admi-

nistrativa responsável pela aquisição de gêneros alimentícios, destinados às escolas brasilei-

ras, tanto as pertencentes à rede municipal quanto às vinculadas a rede estadual de ensino.

Pesquisa envolvendo amostra de 59 diretores de escolas, pertencentes a Rede Esta-

dual de Ensino, foi desenvolvida (SILVA e PIPITONE, 1996), com o objetivo de conhecer a

opinião dos dirigentes quanto a gestão da merenda escolar. Os diretores que defendem a

proposta de “escolarização” da merenda argumentaram sobre o potencial administrativo

das escolas que, segundo aqueles , já vinham assumindo de forma crescente e gradativa, a

autonomia de sua gestão em integração com a comunidade escolar. Já os entrevistados

(50%) que mostraram resistências a nova modalidade de gestão, alegaram que haveria

“sobrecarga administrativa, desvio das funções pedagógicas e não capacitação técnica para

a atividade”. Esses diretores destacaram também, que o modelo adotado tem sido bastante

satisfatório.

É importante lembrar que o Brasil não pode ser considerado um país pobre, contu-

do, uma proporção (aproximadamente 50 milhões de pessoas) substancial da população

Quadro 6 Distribuição de escolas urbanas, conforme o porte, dependência

administrativa e nível administrativo responsável pela aquisição dos

alimentos destinados ao Programa de Merenda Escolar. Brasil, 1997

Nível

AdministrativoBrasil

RegiõesDependência Percentual de

Responsável(%)

Administrativa escolas urbanas

pela CompraNorte Nordeste

Centro-Sudeste Sul Municipal Estadual

Porte da escola

dos Alimentos Oeste Grande Médio Pequeno

MUNICÍPIOS 58,2 46,9 56,3 39,1 62,3 68,6 80,0 45,2 55,4 59,0 62,7

ESTADO 22,9 40,5 34,9 18,8 6,9 27,2 11,9 29,4 24,4 21,9 21,7

PRÓPRIA

ESCOLA 15,8 9,0 4,4 39,6 29,1 3,2 4,5 23,1 18,2 16,6 10,9

Fonte: Descentralização de Programas do MEC – Ensino Fundamental NEPP/UNICAMP. BRASIL, 1997 (UNICAMP, 1997).

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brasileira continua vivendo em famílias com renda inferior ao mínimo necessário para sa-

tisfazer as suas necessidades básicas.

De acordo com alguns autores, embora o volume de recursos já destinados à área

social (US$247 milhões) seja elevado, pode ser atribuída à tradicional má focalização dos

gastos, a razão pela qual os mesmos não são capazes de erradicar ou ao menos reduzir a

pobreza de forma acentuada no país (BARROS e FOGUEL,2000).

Especificamente quanto ao Programa de Merenda Escolar, é interessante examinar

os dados mostrados no Quadro 7.

Para a elaboração do Quadro 7, utilizou-se os dados individuais da Pesquisa sobre

Padrões de Vida - PPV, realizada durante os anos de 1995 e 1996, com amostragem exclu-

siva das regiões nordeste e sudeste do Brasil (Pesquisa ... 1998).

Note-se que o programa de alimentação escolar alcança aproximadamente 60% dos

três primeiros quintis de renda (população considerada mais pobre). No 5o quintil, a per-

centagem é praticamente três vezes menor.

Pode-se inferir que o programa de merenda escolar está bem focalizado em relação

à população que freqüenta o ensino fundamental. No entanto, faz-se necessário implementar

análises com objetivo de verificar se o mesmo ocorre para os beneficiários potenciais do

programa (crianças de 6 a 14 anos no ensino fundamental).

Tendo em vista que a Fundação SEADE desenvolveu, em 1998, pesquisa com o obje-

tivo de conhecer, entre outros aspectos, o acesso das crianças e jovens paulistas ao ensino

e à alimentação gratuita, distribuída na escola, elaborou-se o Quadro 8, mostrado a seguir.

Observando os dados do Quadro 8, pode-se perceber que a maioria das crianças

(pertencentes aos primeiros decis) que freqüentam o sistema escolar recebe alimentação

no estabelecimento de ensino. No entanto, somente 19,45% das crianças, pertencentes aos

decis de maior renda recebem esse tipo de benefício. De acordo com os dados, a alimenta-

Quadro 7 Percentagem de estudantes com acesso regular à merenda escolar,

conforme quintos da população ordenada de acordo com a renda per capita

nas áreas urbanas das Regiões Nordeste e Sudeste do Brasil, 1996/97.

Quinto da distribuiçãoTotal

Pré-Escola 1o grau 2o grau

da renda per capita (4-6 anos) (7-13 anos) (14-18 anos)

1 58 64 58 26

2 58 47 64 35

3 60 42 72 31

4 47 37 58 37

5 22 13 39 15

Fonte: Pesquisa de Padrões de Vida. IBGE – 1995/1996. Rio de Janeiro. 1998.

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ção gratuita disponível nos estabelecimentos de ensino paulistas está focalizada na popu-

lação socialmente mais vulnerável

Findas as considerações sobre a abrangência, acesso, recursos e modelos de gestão

relativos a implementação do PNAE, cabe analisar, a seguir, a situação referente ao consu-

mo alimentar, no âmbito das escolas e o estado nutricional dos alunos beneficiários do

programa de merenda escolar.

O CONSUMO DE MERENDA ESCOLAR

A importância atribuída às análises relativas ao consumo alimentar, com destaque

para o consumo das refeições do programa de merenda escolar, decorre do fato de que

nos últimos anos os processos intensos de industrialização, a acelerada urbanização, a

expansão da agroindústria, entre outros fatores, propiciaram importantes mudanças parti-

cularmente no estado nutricional e consumo alimentar da população, especialmente das

crianças e adolescentes.

Entre as inúmeras vantagens da municipalização, cabe lembrar a possibilidade que

os planejadores e executores do programa passaram a ter no sentido de oferecer aos esco-

lares refeições balanceadas, incorporando alimentos que atendam as preferências dos alu-

Quadro 8 Distribuição dos estudantes de acordo com o recebimento de merenda

escolar, conforme decis da população, ordenada de acordo com a renda per

capita. Estado de São Paulo, 1998.

DECILDistribuição (%) Participação (%) em cada decil

dos beneficiários SIM NÃO TOTAL

1 15,67 93,80 6,20 100,00

2 15,13 93,58 6,42 100,00

3 13,34 91,72 8,28 100,00

4 13,71 94,87 5,13 100,00

5 11,87 89,95 10,05 100,00

6 10,14 89,79 10,21 100,00

7 7,67 81,01 18,99 100,00

8 7,10 72,53 27,47 100,00

9 3,84 47,43 52,57 100,00

10 1,52 19,45 80,55 100,00

TOTAL 100,00 82,27 17,73 100,00

Fonte: Pesquisa de condições de vida – Fundação SEADE. São Paulo, 1998 (SEADE, 1998).

Obs.: Integram a pesquisa a região metropolitana e os municípios com mais de 50 mil

habitantes.

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nos e, também, tendo por base os diagnósticos relativos ao estado nutricional da popula-

ção alvo do programa.

É importante lembrar que o período da vida compreendido entre os sete e os catorze

anos (idade escolar) caracteriza-se por uma etapa do desenvolvimento humano marcada

por intensas mudanças, especialmente a física, a emocional, a cognitiva e social. Nesse

período com extrema facilidade ocorrem mudanças e incorporação de novos hábitos na

alimentação e estilo de vida.

Tendo em vista a importância do programa de alimentação operacionalizado nas

escolas e, também, as características inerentes da faixa etária de seus beneficiários, optou-se

por apresentar, nesta breve revisão, referente aos últimos dez anos, análises das refeições

distribuídas e do consumo alimentar efetuados, pelas crianças e adolescentes, no âmbito da

escola.

Pesquisa (SALAY e CARVALHO, 1995), com o objetivo de avaliar a merenda escolar

distribuída em uma amostra de escolas do Município de Campinas, estado de São Paulo,

mostrou que os valores de adequações estavam, para a maioria do grupo, em torno de

33,4% de energia e 38,0% de proteína (pior situação observada).

Durante os primeiros anos de implementação da municipalização do Programa de

Merenda Escolar æ PME, no estado de São Paulo, foi implementada pesquisa com o obje-

tivo de conhecer a contribuição da merenda oferecida aos alunos da faixa etária de 7 a 9

anos, em relação às recomendações nutricionais diárias de energia e nutrientes observou

atendimento de 30% a 100% do total diário recomendado de energia e proteína, respectiva-

mente. Com relação as vitaminas, verificou contribuição, em torno de 40% das vitaminas A,

tiamina, riboflavina e niacina e contribuição inferior a 30% de vitamina C. Quanto aos

minerais, merece destaque a análise da participação do ferro, que revelou patamar de 16%

de contribuição, inferior a todos os demais nutrientes investigados. Vale registrar que as

refeições oferecidas em todas as escolas apresentavam insatisfatória viabilidade de hortali-

ças e ausência total de frutas. Nesse período as frutas, assim como outros produtos in

natura, não haviam sido incorporados, com freqüência desejável aos cardápios (SILVA,

1996).

Vale registrar que quando se considera as carências específicas, a prevalência da

anemia entre crianças em idade escolar tem merecido atenção especial. Devido ao aumen-

to das necessidades de ferro, imposto pela rápida expansão da massa celular vermelha e

pelo acentuado crescimento dos tecidos, as crianças e adolescentes constituem grupos

particularmente vulneráveis à deficiência de ferro.

Estudo conduzido visando conhecer a prevalência de anemia e a prática alimentar

entre adolescentes das escolas de Osasco, São Paulo, mostrou que a prevalência de anemia

foi de 5,3%, não havendo diferença entre os indivíduos segundo o sexo. De acordo com o

autor a proporção é pequena e comparável à países desenvolvidos. No entanto, o consu-

mo de ferro total revelou-se inadequado para a maior parte da amostra de alunos, sendo

que mais de 55% não consumiu sequer a metade do ferro recomendado (LERNER, 1994).

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Pesquisa sobre a anemia e a desnutrição de escolares (n � 769), com idade entre 6e 10 anos, ingressantes no primeiro grau da escola pública, encontraram déficit estatural

(ZAI � –2) em 4% deles. No entanto, a anemia, medida pela hemoglobina inferior a 12 mg/dl, estava presente em quase 51% dos escolares (STEFANINI et al , 1995).

Com relação às análises do consumo do cálcio, pesquisa realizada na cidade de São

Paulo, tendo como amostra 442 jovens de 14 a 19 anos (matriculados em escolas públicase privadas) visando conhecer o consumo alimentar, revelou resultados preocupantes: so-mente cerca de 10% tem alimentação adequada em relação ao consumo de cálcio. A ingestão

média desse mineral é de apenas dois terços do recomendado para que se possa prevenir,por exemplo, a osteoporose. Embora não restrita à análise do consumo de alimentos noâmbito das escolas, outro resultado interessante da pesquisa indica que há predomínio da

desinformação acerca do combate à osteoporose. “Na maior parte dos casos, a atividadefísica é orientada por razões estéticas, não pela preocupação com a saúde. E mais: é prati-camente o mesmo nas três escolas o nível de desinformação os adolescentes a respeito da

importância do cálcio na nutrição, durante o crescimento” (FAPESP, 2000).

Estudo transversal, tendo por objetivo a comparação do consumo de alimentos, ser-vidos nas escolas, de dois grupos de crianças classificadas de acordo com a escolaridade

do chefe da família. Os resultados revelaram consumo significativamente maior para ogrupo de crianças cujos chefes possuíam escolaridade até o primeiro grau. A preferênciadesse grupo de alunos recaiu para cardápios, tais como, leite com achocolatado, risoto de

frango e legumes, pão com margarina e leite com flocos de milho. Foi observado, também,que o consumo de alimentos oferecidos pela merenda é inversamente proporcional aonível de escolaridade das famílias, que parece estar associado ao nível sócio-econômico.

Embora crianças pertencentes as faixas de baixa escolaridade consumam com maior fre-qüência a merenda, o baixo consumo de algumas preparações parece estar condicionadoaos hábitos alimentares e monotonia dos cardápios (e ao sabor) ou ainda à qualidade dos

alimentos que os compõem (OLIVEIRA, 1997).

Vale citar estudo que apresenta a composição dos cardápios da merenda escolar domunicípio de Santos, estado de São Paulo. Foi observado que eram servidas refeições com-

pletas em três dias da semana e, nos outros dias, a merenda se compunha de lanches erefresco. Neles os alimentos fontes de ferro (carnes e derivados) estiveram presentes em50% das merendas, 9 em 10 dias, na quantidade de 50g por merenda; o feijão, fonte de

ferro não-heme, esteve presente uma vez por semana, na quantidade de 30g por dia esempre acompanhado de carne, ou frango ou lingüiça, combinação recomendável para o

melhor aproveitamento do ferro. Observou, também, a ausência de verduras, provavel-

mente pela inexistência do hábito do grupo de alimentos entre crianças na faixa de idade

escolar e também pelo tempo que é despendido para o seu preparo. Frutas, foram ofereci-

das apenas uma vez, sendo que os sucos naturais também não fizeram parte do cardápio.

Os refrescos, distribuídos em conjunto com os lanches, eram, invariavelmente, artificiais.

Segundo o autor, os resultados da pesquisa são indicativos e favoráveis à opção de utiliza-

ção, no PME, de alimentos fortificados, como medida preventiva da carência de ferro,

comumente presente entre os beneficiários da merenda escolar (STEFANINI, 1998).

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A análise do comportamento de alunos diante do programa de merenda escolar e a

comercialização de alimentos pelas cantinas* revelou que 35,6% das crianças consomem a

merenda e, 76,1% costumam adquirir alimentos na cantina. Observaram, ainda, que há associa-

ção entre a idade do aluno e a freqüência do consumo das refeições oferecidas na escola. À

medida que aumenta a idade, diminui a proporção de alunos que consomem a merenda

escolar com maior freqüência. Há, também, forte associação entre a freqüência do consumo da

merenda e a renda familiar: entre os escolares de menor renda ( R$400,00), 40% consomem as

refeições oferecidas na escola (4 ou mais dias da semana). Essa proporção cai para 12,5%, entre

os alunos com renda pelo menos igual ou superior a R$1.600,00 (SILVA et al, 1998).

Pesquisa desenvolvida, durante o ano de 1997, em 10 municípios brasileiros, repre-

sentativos das cinco grandes regiões do Brasil, revelou que a contribuição média calórica

para o atendimento das recomendações variam de 8,3 a 17,5% (para os escolares com

idade entre 7 a 10 anos). Quando se considera os alunos mais velhos (11 a 14 anos) há uma

variação no intervalo de adequação que vai de 6,2 a 13,6%. A contribuição da merenda no

fornecimento de proteína é muito superior (20% a 56%), ao encontrado para energia. Os

autores chamam atenção também para os custos (exclusivamente envolvidos com a aquisição

de alimentos) per capita das refeições oferecidas, mostrando a existência de grande variação

(US$0,04 a US$0,13), sendo que a maioria (n�8) dos municípios, distribui refeições cujos

valores ultrapassam o repasse de US$0,06, efetuado pelo Ministério da Educação (STURION et

al, 1998).

Pesquisa envolvendo uma amostra de escolares da rede pública de ensino de Cam-

pinas, estado de São Paulo, verificou que cerca de 71% das famílias entrevistadas (renda

familiar até US$170,00) declararam que a alimentação escolar era importante na decisão de

“mandar seus filhos para a escola”. Do total de crianças, cerca de 36%, pertencentes a

famílias com a renda inferior a US$ 200,00 não tomavam desjejum antes das atividades da

escola. De acordo com o autor, a merenda tem um efeito positivo e significativo sobre a

disponibilidade per capita de calorias e proteína, mesmo depois de considerado o efeito

da renda (DALL’ACQUA, 1994).

Tendo por base os dados individuais da PNSN (INAN, 1990), foi analisado (SILVA et

al, 1998) o estado nutricional dos escolares brasileiros, utilizando os indicadores: escore Z

de altura para idade - ZAI (indicativo de déficit de altura), escore Z de peso para altura -

ZPA (déficit de peso) ou escore Z de peso para idade - ZPI (trata-se de um indicador de

situação mista, isto é, reflete parcialmente as duas formas de desnutrição), adotando o

nível crítico para o Z escore de �2.

Conforme pode ser observado, em todas as regiões a proporção de escolares com

comprometimento da altura é drasticamente maior entre aqueles pertencentes à faixa de

renda domiciliar per capita (mensal) menor ou igual a US$40,00.

* Freqüentemente as cantinas estão presentes em escolas públicas, principalmente de unidades localizadas nasregiões centrais das cidades, cuja renda da população é mais elevada

SILVA, M. V. Programa de alimentação escolar no Brasil. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP,v.19/20, p.65-85, 2000.

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Note-se (Quadro 9) que o principal problema das crianças brasileiras é a desnutrição

crônica (no Norte e Nordeste o percentual alcança 28,4% entre as crianças mais pobres).

Quando se analisa a prevalência de déficits de peso (ZPA � �2), o percentual não ultra-

passa 2,2% (note-se que a proporção esperada é 2,3%) em nenhum dos três estratos de

renda per capita considerados. Os percentuais de escolares com escore ZPI � –2, embora

mais elevados, é também substancialmente menor que o dos indivíduos que foram classi-

ficadas com déficit de crescimento.

Vale enfatizar as indesejáveis repercussões do retardo do crescimento dos indiví-

duos, principalmente, nos países mais pobres, onde os rendimentos, freqüentemente, são

obtidos por meio do trabalho humano que demanda grande esforço físico e alto gasto

energético.

No Brasil, onde parcela não desprezível dos trabalhadores, principalmente nas re-

giões mais pobres, ainda realiza atividades profissionais que requerem esforço muscular, a

repercussão orgânica do trabalho de indivíduos desnutridos pode assumir proporções ca-

lamitosas.

Considerando-se que não se dispõe de dados relativos à década dos 90, de pesquisas

sobre saúde e nutrição, com abrangência nacional, serão examinados, neste artigo, alguns

resultados de pesquisas que contribuem para a análise da situação nutricional do grupo

alvo do programa de merenda escolar.

O ESTADO NUTRICIONAL DE ESCOLARES

Merece destaque, pesquisa que investigou o estado nutricional de escolares de 6 a 8

anos de idade pertencentes a estratos de baixo nível sócio econômico de Santiago (Chile)

e da cidade de São Paulo (Brasil), verificando que a prevalência de déficits de crescimento

em São Paulo era 23,1% enquanto, em Santiago, a proporção alcançava 39,9. Os autores

argumentam que o menor déficit de altura observado entre os escolares de São Paulo deve

ser atribuído à existência de melhores condições de vida posteriores ao nascimento para

esse grupamento, uma vez que o déficit de altura é em parte atribuído a uma exposição a

Quadro 9 Percentagem de escolares de 6 a 14 anos conforme o estado nutricional,

regiões e estratos de renda domiciliar per capita*. Brasil, 1989.

ESTADO NUTRICIONAL

REGIÕES ZAI � � 2 ZPA � � 2 ZPI � � 2

40 40-80 � 80 40 40-80 � 80 40 40-80 � 80

Norte e Nordeste 28,4 11,9 10,0 1,8 0,5 1,4 13,4 4,7 4,2

Sul e Sudeste 13,6 5,8 5,0 0,8 0,7 0,6 5,7 2,0 2,2

Centro-Oeste 14,7 7,4 6,3 1,0 1,8 2,2 5,7 4,6 4,6

* Estratos de renda domiciliar per capita em dólares.

SILVA, M. V. Programa de alimentação escolar no Brasil. Nutrire: rev. Soc. Bras. Alim. Nutr.= J. Brazilian Soc. Food Nutr., São Paulo, SP,v.19/20, p.65-85, 2000.

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condições adversas, especialmente se ocorrem nos primeiros anos de vida. Ressaltam, tam-

bém, que no período de 1984-1986 (período referente ao nascimento das crianças que

participaram do estudo) observou-se no Brasil, uma relativa melhoria no desempenho da

economia, depois de um período recessivo vivenciados no início da década dos 80 ( AMI-

GO et al, 1995).

No Brasil, alguns estados da região nordeste (a mais pobre do país) possuem experiên-

cias com a realização de censos antropométricos, envolvendo crianças pertencentes à rede

oficial de ensino.

No estado do Ceará, foram analisados 63.910 escolares (45,33% da população matri-

culada, com idade entre 6 e 9 anos). Foi observado que o retardo severo em altura foi de

aproximadamente 2,7% que, acrescido do retardo moderado, totalizou 17,23% de prevalên-

cia de déficit de altura (GUERRA et al, 1993).

No censo realizado entre escolares do estado da Paraíba (pertencente a região nor-

deste), os investigadores verificaram que há maior prevalência de desnutrição crônica

entre as crianças de 9 anos de idade (21,9%). Entre os escolares com 7 e 8 anos, os percen-

tuais são 19,9% e 19,4%, respectivamente. Ainda de acordo com esses autores, embora

a desnutrição crônica atinja todos os grupamentos etários de maneira similar, a prevalên-

cia é superior entre as crianças matriculadas em escolas da zona rural do estado (RIVERA

et al ,1994 ).

Pesquisa (SILVA et al, 1999), entre 16.093 escolares, pertencentes a rede estadual de

Piracicaba, estado de São Paulo (Região Sudeste) apontou para 4,18% de escolares com

escore ZAI � �2, sendo muito discreta a diferença entre os percentuais verificados para o

sexo feminino (3,9%) e masculino (4,5%). Essa situação pode ser considerada muito favo-

rável quando comparada com os dados obtidos pela PNSN (INAN, 1990), no final da déca-

da de 80. No mesmo estudo, analisando-se a distribuição do Índice de Massa Corporal -

IMC, os autores encontraram uma proporção de 23,8% de alunos com indicativo de

sobrepeso (IMC 85o Percentil).

Visando conhecer a coexistência da problemática relativa a desnutrição crônica e o

sobrepeso, entre escolares da rede pública, foi realizada pesquisa (SILVA et al, 1998) entre

860 alunos pertencentes a dez municípios brasileiros, localizados nas cinco macro-regiões

do País. Foi verificado que a maior prevalência de déficits de altura (27,1% e 15,7%, respecti-

vamente) encontram-se no Piauí (região Nordeste) nos municípios de Brasileira e Parnaíba.

A maior proporção (21,1%) de escolares com indicativo de sobrepeso - IMC 85o Percentil

- (OMS, 1995) foi verificada no município de Ponte Serrada, considerado um dos municí-

pios mais pobres do estado de Santa Catarina (Região Sul).

COMENTÁRIOS FINAIS

Face ao exposto pode-se afirmar que ocorreram decisivas mudanças no PNAE imple-

mentadas pelo governo federal, particularmente, durante a última década. Merece desta-

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que a concretização do processo de municipalização, com a participação em expressiva

parcela de localidades, onde o repasse das verbas foram destinadas diretamente para os

administradores das escolas. Verificou-se, também, uma melhoria na focalização em rela-

ção a população que freqüenta o ensino fundamental.

As análises dos dados disponíveis sobre o consumo da merenda revelam que é baixa

a contribuição das refeições distribuídas no âmbito das escolas, para o atendimento das

recomendações de energia e de nutrientes (especialmente quanto ao cálcio e ao ferro),

para o grupo-alvo do programa.

Uma alternativa a ser considerada para minimizar o problema talvez seja a utilização,

no programa de merenda escolar (aluno permanece maior tempo na escola e tem possibi-

lidade de consumir os alimentos diariamente) de produtos fortificados. No entanto, essa

incorporação não poderia ser feita de maneira compulsória, pois experiências pregressas,

utilizando “formulados” especialmente produzidos para atender o programa, tiveram acei-

tação e eficácia desprezíveis.

Assim, há necessidade de elaborar cuidadosas análises de viabilidade, considerando

entre outros aspectos, principalmente, a legislação sobre o assunto, a possível participação

da indústria para a produção dos alimentos (sem a indesejável elevação substancial de

preços) e, obviamente, a implementação de um intenso trabalho de orientação do grupo

alvo do programa para a adoção de práticas alimentares que previnam as carências dos

micronutrientes.

Vale lembrar, aos gestores do programa, que um dos principais determinantes do

comportamento da aceitação da alimentação distribuída na escola, é a presença de prepa-

rações apreciadas pelos alunos. Embora saiba-se que, haja uma maior tendência de consu-

mo revelado pelas crianças pertencentes às famílias de menor renda, para as quais a dispo-

nibilidade de alimentos no domicílio invariavelmente é menor. Para alcançar a maior ade-

são das crianças à “merenda escolar” é imprescindível dispor de diagnósticos relativos às

preferências alimentares do grupo.

Quando se examina a situação relativa ao estado nutricional é possível concluir que

há coexistência de duas problemáticas: proporção de escolares com déficits de altura (prin-

cipalmente nas regiões mais pobres) e, elevado percentual de indivíduos com indicativo

de sobrepeso.

A realidade observada demanda intervenções diferenciadas e, na medida do possí-

vel, subsidiadas por amplos diagnósticos e avaliações. Espera-se também que os recursos

sejam, cada vez mais, reorientados visando atingir os grupos populacionais de maior risco

e que, tradicionalmente, têm sido mantido fora do alcance das políticas públicas.

Existe também a expectativa que a participação da comunidade se intensifique, em

função da consolidação dos Conselhos de Alimentação Escolar com vistas ao maior con-

trole das ações dos responsáveis pela implementação das políticas públicas, particular-

mente às relacionadas à alimentação distribuída na escola. De acordo com a Medida Provi-

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sória 1979-19 (02/07/2000) ,os municípios tinham até o dia 02/09/2000 para apresentar a

composição do Conselho ao FNDE, que é uma autarquia do Ministério da Educação e do

Desporto. Ressalta-se que dos 5.507 municípios brasileiros, apenas 501 não tinham criado

o Conselho de Alimentação Escolar, dentro do prazo, previamente estabelecido.

Para finalizar, vale salientar que as escolas se constituem locais ideais para a im-

plementação de programas de educação nutricional em decorrência de fatos como por

exemplo: 1) no Brasil a cobertura da rede escolar alcança uma substancial parcela de crian-

ças e adolescentes; 2) desde que bem planejadas, as refeições distribuídas na escola po-

dem oferecer ao aluno oportunidade de consumir alimentos saudáveis; 3) professores po-

dem receber treinamento para estimular as crianças para a consolidação de bons hábitos

alimentares (e adoção de atividades físicas) e, também, para a melhor interpretação do

conteúdo das mensagens (relativas aos alimentos) veiculadas, principalmente, pelos co-

merciais da televisão.

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Recebido para publicação em 22/12/1999

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