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REVICIENCE - Ano 6, n o 6

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REVICIENCE - Ano 6, no 6

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REVICIENCE - Ano 6, no 6

REVICIENCEREVICIENCE

Editor-chefe de OftalmologiaMauro Goldchmit

Editor-chefe de OtorrinolaringologiaCícero Matsuyama

OFTALMOLOGIA

Consultor de EnsinoPaulo Augusto de Arruda Mello

Editores-adjuntosNicolau José Slavo

Pedro José Monteiro Cardoso

Conselho EditorialAngelo Theodósio Semeghini

Daniel MadeiraDavi Araf

Décio MeneguinJosé Carlos Eudes Carani

Luiz Antônio VieiraMariângela Gomes Pereira Sardinha

Milton Seiyu YogiRegiani Lopes Malicia

Conselho ConsultivoClélia Maria Erwenne

Maurício Della PaoleraSuzana Matayoshi

OTORRINOLARINGOLOGIA

Consultor de EnsinoPaulo Emmanuel Riskalla

Editores-adjuntosAndy de Oliveira Vicente

Maria Carmela Cundari Boccalini

Conselho EditorialAntônio Augusto Lopes Sampaio

Eduardo SpirandelliKarina Barbieri Tavares

Leandro FranchiMaria Inez Campos

Oscimar Benedito SofiaSérgio Osamu Nemoto

Vanessa FernandesVanessa Magosso Franchi

Conselho ConsultivoCarlos Alberto Herrerias de Campos

José Eduardo Lutaif DolciLuc Louis Maurice Weckx

REVICIENCE é a publicação científica do Instituto CEMA de Oftalmologia e Otorrinolaringologia.Periodicidade: anual. Tiragem inicial: 11 mil exemplares. Distribuição: gratuita.Capa e Editoração: Edimilson Teixeira da Silva. Impressão: Silva Artes Gráficas Ltda. Os trabalhos científicos devem ser enviados, via correio,para o Centro de Estudos Dr. Maurício Antônio Marques - Rua Paschoal Moreira, 449, Mooca, São Paulo, SP, CEP: 03182-050. Os artigos devemestar de acordo com as normas de publicação e estão sujeitos à aprovação do Conselho Editorial.

REVISTA CIENTÍFICA DO INSTITUTO CEMA DE OFTALMOLOGIA E OTORRINOLARINGOLOGIA

Diretor ExecutivoLuiz Carlos Lazarini

Jornalista ResponsávelCelso Campello Jr. - Mtb 19.390

Gerente de MarketingAndréa Martinez

Rua do Oratório, 1.257 CEP 03117-000 São Paulo, SPFone: (11) 6602-4034 Fax: (11) 6602-4098 E-mail: [email protected]

Publicação Oficial do Instituto CEMA de Oftalmologia e Otorrinolaringologia

Conselho de AdministraçãoAngelo AquinoGuido AquinoAntonio Aquino NetoRoberto Aquino

Diretor ClínicoAssad Frangieh

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SUMÁRIOSUMÁRIOREVICIENCE - Ano 6, no 6

EDITORIALEDITORIALEDITORIALEDITORIALEDITORIAL

Telemedicina, benefício que vence distânciasMilton Seiyu Yogi

OFTOFTOFTOFTOFTALMOLOGIAALMOLOGIAALMOLOGIAALMOLOGIAALMOLOGIA

ENTREVISTENTREVISTENTREVISTENTREVISTENTREVISTAAAAA

Glaucoma: Grave Problema de Saúde PúblicaPaulo Augusto de Arruda Mello

RELARELARELARELARELATO DE CASOSTO DE CASOSTO DE CASOSTO DE CASOSTO DE CASOS

Coroidite SerpiginosaRodrigo Pilon Módolo, Rodrigo Vuono de Brito, Rosana Pimenta de Almeida, Nicolau José Slavo

Cirurgia de Kestenbaum e NistagmoRicardo Campos Cruvinel Filho, Jean Roberto Soglia, Celso Lopez Fernandes, José Ricardo Rehder

REVISÃO TEMÁTICAREVISÃO TEMÁTICAREVISÃO TEMÁTICAREVISÃO TEMÁTICAREVISÃO TEMÁTICA

Traumatismo Perfurante OcularBruno Moraes Tahan, Daniel José A. de Oliveira, Daniel Moya Filho, Nilson S. Furukawa, Carlos Roberto D. Pinto

Ultra-Sonografia no Trauma OcularJosé Carlos Eudes Carani

ANEXOANEXOANEXOANEXOANEXO

Restasis® (ciclosporina a 0,05%): Um avanço de ponta no manejo da Síndrome do Olho SecoJonathan R. Pirnazar (Estados Unidos)

Quarta Geração de Fluoroquinolonas: Gatifloxacino vs. MoxifloxacinoJonathan R. Pirnazar (Estados Unidos)

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OTORRINOLARINGOLOGIAOTORRINOLARINGOLOGIAOTORRINOLARINGOLOGIAOTORRINOLARINGOLOGIAOTORRINOLARINGOLOGIA

RELARELARELARELARELATO DE CASOSTO DE CASOSTO DE CASOSTO DE CASOSTO DE CASOS

Granuloma de Reparação Pós-Estapedotomia: Relato de Três CasosAndy de Oliveira Vicente, Pedro L M Albernaz, Paulo E Riskalla, Hélio K Yamashita,Marcos Luiz Antunes, Claudio Trevisan Jr

Comprometimento Coclear na Otospongiose: Relato de Caso e Revisão BibliográficaAndy de Oliveira Vicente, Paulo Emmanuel Riskalla, Hélio K.Yamashita, Marluce Baia dos Santos,Karina Barbieri Tavares, Rejane Setogutte

Luffa Operculata: Uma “Nova” Arma Medicinal?Cícero Matsuyama, Marcio M. Aquino

ANEXOANEXOANEXOANEXOANEXO

Cloreto de Benzalcônio e Triancinolona: uma associação eficaz e seguraCícero Matsuyama, Marcio M. Aquino

INFORMAÇÕESINFORMAÇÕESINFORMAÇÕESINFORMAÇÕESINFORMAÇÕES

Normas para Publicação: Instruções para Autores

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EDITORIALEDITORIAL

Milton Seiyu Yogi1

A prática médica apresenta mudanças com o adventode novas tecnologias, que devem ser compreendidas edominadas para que possamos extrair o melhor benefíciopara nossa atividade.

A telemedicina pode ser definida como a troca do usoda informação médica de um lugar a outro, usando a comu-nicação eletrônica para a educação do paciente ou profis-sional, e para os cuidados à saúde. Também pode ser con-ceituada como o uso da telecomunicação para prover in-formações médicas e serviços (Peredina e Allen 1995) ou,ainda, a transferência eletrônica com imagens de alta reso-lução, som, vídeo e registro de paciente de um local a ou-tro. É regulamentada no Brasil através da resolução 1.643/2002 do Conselho Federal de Medicina (CFM). Ficou de-terminado que os serviços prestados deverão “ter a infra-estrutura tecnológica apropriada e obedecer às normastécnicas do CFM pertinentes à guarda, manuseio, trans-missão de dados, confidencialidade, privacidade e garan-tia do sigilo profissional.”

No Brasil, diversas condições favorecem para que estatecnologia tenha seu papel social e acadêmico. Devido àsdimensões continentais e a distribuição desigual de recur-sos no território nacional, a telemedicina irá ser aplicadatanto pelo lado dos médicos, em situações como educa-ção continuada e segunda opinião assistida, quanto pelospacientes, em teleassistência e teleatendimento. Em ne-nhum dos casos haverá diminuição ou substituição dopapel do médico, profissional essencial nestes cenários.A telemedicina apenas será o meio pelo qual se facilitará otrabalho, vencendo distâncias.

Diversos recursos estão disponíveis hoje para a

TELEMEDICINA, BENEFÍCIO QUE VENCE DISTÂNCIAS

telemedicina. Discutiremos a seguir alguns modelos exis-tentes:

- “streaming” de vídeo via internet: através de servido-res robustos dedicados a enviar arquivos de vídeo e som,seja em tempo real ou on demand.

- conexão ponto a ponto via ISDN (linha digital telefô-nica): conectando sistemas de videoconferência profissi-onais (que custam na casa de milhares de dólares) a linhastelefônicas digitais, tipo ISDN, consegue-se alta qualida-de com grande interatividade. Além da conexão ponto aponto convencional, vários pontos podem entrar no cir-cuito, numa modalidade conhecida como “multicasting”.

- conexões “wireless”: com o aumento da velocidadede banda os sistemas wireless estão cada vez mais indica-dos a soluções em telemedicina. Do lado das redes“wireless” locais (wlan) a maior tendência são pelos “hot-spots em Wi-Fi”, um sistema de transmissão de dados emrede sem fios que permite conexões satisfatórias, numaperformance à semelhança da banda larga convencional.Já os sistemas celulares (Wan) estão numa fase denomina-da 3G, representando uma geração de telefonia que permi-te altas velocidades de conexão.

Os gargalos, ou restrições, à adoção das novastecnologias para medicina recaem sempre em dois pontos:custo da solução e maturidade do sistema. Nos dois ca-sos, podemos afirmar que estamos alcançando o ponto deruptura, onde o custo baixo (dado pela concorrência e ofertaem escala) e a maturidade do sistema (proporcionada pelaadoção prévia das tecnologias por outros setorescorporativos) permitirá a disseminação e uso datelemedicina de modo mais amplo num futuro próximo.

1 Chefe do Departamento de Catarata do Instituto CEMA Chefe do Setor de Tecnologia da Informação do Departamento de Oftalmologia da UNIFESP Professor do MBA em Gestão de Saúde da UNIFESP

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ENTREVISTA - GLAUCOMA: GRAVE PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA

DM.: Como o sr. define o glaucoma nos dias atuais?PAAM.: Conhecemos vários tipos de glaucoma. Todoscom algumas características em comum, como, por exem-plo, uma pressão intra-ocular suficiente para promoverdanos característicos dessa doença na camada de fibrasnervosa da retina, no nervo óptico e no campo visual.Concordo com a maioria dos autores que afirma: o glaucomaé uma neuropatia óptica. Ele se manifesta, na maioria dassituações, de forma crônica, sendo a maior causa de ce-gueira prevenível e irreversível no mundo e um grave pro-blema de saúde pública.

Atualmente, valorizamos muito os fatores de risco.Entre os clássicos está a pressão intra-ocular que é o prin-cipal fator de risco, como afirmam recentemente Quigley,os estudos desenvolvidos em Baltimore e em Barbados.Isso é verdadeiro se a pressão intra-ocular não for a pró-pria doença. Ela pode apresentar valores nocivos à estru-tura e à função dos olhos por distúrbios na circulação oudrenagem do humor aquoso. Nos nossos dias, todas asformas de glaucoma, mesmo os chamados de Glaucoma dePressão Normal, têm como base do tratamento a reduçãode seus valores pressóricos. Evidentemente, não estouconsiderando aqui os glaucomas secundários aos tumo-res intra-oculares. A idade, a raça, a espessura da córnea ea história familiar também estão nesse grupo.

Há um outro grupo que são os fatores de riscopresumíveis. Aqui estão colocadas a alta miopia, hemorra-

GLAUCOMA: GRAVE PROBLEMA DE SAÚDE PÚBLICA

gia do disco óptico, assimetria das escavações do discoóptico, as grandes relações de escavação/disco e a discu-tível influência da diabete.

Um terceiro grupo de fatores de risco são ospresumíveis. Nestes estão incluídas várias outras patolo-gias, como a hipertensão arterial, a enxaqueca e os distúr-bios hemodinâmicos, como muito bem foram estudadospor Phelps, Corbett e pelo Estudo de Rotterdam.

Por fim, posso também definir o glaucoma como umdistúrbio da integridade funcional ou estrutural do nervoóptico que geralmente pode ser interrompida ou diminuídapor redução adequada da pressão intra-ocular.

DM.: Portanto, são vários os tipos de glaucoma. Como osr. poderia classificá-los de forma resumida?PAAM.: Muitas são as tentativas para classificá-los. Mas,didaticamente, de forma muito simplista, podemosclassificá-los em Glaucomas do Desenvolvimento,Glaucomas Primários e Glaucomas Secundários.

Quero aproveitar esta oportunidade para ressaltarque o conhecimento da gênese do processohipertensivo é fundamental para o sucesso da estraté-gia de tratamento a ser implantada para a preservaçãoda visão. Portanto, é necessária uma propedêutica míni-ma adequada onde se inclui a gonioscopia. Todas asSociedades de Glaucoma do mundo, em seus consen-sos, ressaltam que o exame do seio camerular deve ser

1 Prof. Dr. Adjunto do Departamento de Oftalmologia e da Pós-graduação da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina - Instituto da Visão Consultor de Ensino do Instituto CEMA2 Especialista em Glaucoma pela Escola Paulista de Medicina

Paulo Augusto de Arruda Mello1

ENTREVISTAENTREVISTA

Considerado importante problema de saúde pública ocular, o diagnóstico e tratamentodo glaucoma vem sendo tema de inúmeras pesquisas e publicações. Assim, julgamos apro-priado trazer ao leitor a opinião do especialista, Prof. Dr. Paulo Augusto de Arruda Mello1

(PAAM). Entrevista realizada pelo Dr. Décio Meneguin2 (DM).

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feito em todos os portadores de glaucoma. Palmberg,no clássico livro do Ritch, Shields & Krupin, bem comoHoskins e Kass no não menos famoso livro Becker-Shaffer e Sampaolesi na América do Sul enfatizam a suaimportância, praticamente esgotando o tema.

Muitas vezes necessitamos recorrer a outros métodos maissofisticados para o diagnóstico do tipo de glaucoma, como,por exemplo, a avaliação feita pela biomicroscopia ultra-sônica.

DM.: Qual a forma mais comum de glaucoma?PAAM.: Entende-se como incidência a proporção de indi-víduos normais que se tornam portadores de uma doençaquando acompanhados por determinado período de tem-po. Já prevalência é caracterizada pela proporção de indi-víduos doentes em determinado momento.

Existem poucas publicações na literatura avaliando aincidência de glaucoma em populações através de estu-dos de coorte. Modelos matemáticos foram propostos paraobter-se a incidência aproximada, a partir da prevalênciade glaucoma, em algumas populações. Porém, para estesmodelos produzirem resultados próximos da realidade, al-gumas suposições tiveram que ser consideradas verda-deiras, tais como: irreversibilidade da doença, taxa de mor-talidade semelhante entre indivíduos glaucomatosos e não-glaucomatosos, e a composição da população ser estávelao longo do intervalo de tempo estudado, como ressaltamWu, Nemesure e Leske em sua publicação no AmericanJournal of Epidemiology de 2001.

Mas, indiscutivelmente, é o Glaucoma Primário de Ân-gulo Aberto ou Glaucoma Crônico Simples a forma maiscomum, que de simples só tem o nome. Ele representa 80%de todas as formas de glaucoma e na maioria dos casos éassintomático. Geralmente seu diagnóstico é feito por umoftalmologista numa consulta de rotina.

Nossa luta na glaucomatologia moderna é por diag-nóstico precoce. Quanto mais precoce for o diagnósticomaior será a probabilidade de mantermos a visão do paci-ente, com melhor qualidade.

Sua prevalência varia muito nos vários estudos reali-zados, mas está em 1,1% a 2,1% da população. Nós impor-tamos essas informações de estudos efetuados no exteri-or, ou seja, da Escandinávia, Irlanda, etc. Não temos noBrasil estudos epidemiológicos conclusivos. Esse tipo deestudo epidemiológico realizado com metodologia adequa-da é muito caro e demorado.

Se fizermos uma extrapolação destes estudos internaci-onais, adotando os últimos dados do IBGE, devemos ter noBrasil aproximadamente 900.000 portadores de glaucoma.

Quigley fez outra afirmação muito importante. Nos Es-tados Unidos, um país desenvolvido, 50% dos portadoresde glaucoma não sabem que são portadores de glaucoma!

Essa doença é mais freqüente em negros e de formamais refratária ao tratamento clínico e cirúrgico.

Diante dos dados expostos acima, podemos concluirque o glaucoma crônico é uma doença com incidência e

prevalência elevadas, que aumentam com a idade, ocor-rendo de maneira mais precoce e prevalente em indivíduosda raça negra. Também se conclui que grande porcenta-gem dos indivíduos afetados ainda não está diagnosticada.

DM.: Como o sr. nos orienta para um diagnóstico maisprecoce, baseado nas condições brasileiras, ou seja, soci-al, cultural e econômica.PAAM.: No Brasil temos alguns “bolsões” de desenvolvi-mento. Como todo país em desenvolvimento, temos clas-ses privilegiadas e classes carentes. Há pacientes que têmacesso à metodologia diagnóstica de altíssima sofistica-ção e outros, não. Quando possível, os métodos quantita-tivos podem ser de extrema valia, como, por exemplo, asmedidas da espessura da camada de fibras nervosas e darima neural. Porém, ainda há dúvidas quanto às interpreta-ções de seus resultados. Até o momento prevalece a se-guinte verdade: a melhor “máquina” para o diagnóstico éo médico. Temos que investir muito na formação dos pro-fissionais que trabalham com a saúde ocular.

Há também outra enorme convergência dos consen-sos de todas as Sociedades de Glaucoma do mundo: ava-liar a pressão intra-ocular é importante, mas a análise dodisco óptico é o exame mais valioso num rastreamentopopulacional.

Alguns modelos para rastreamento de glaucoma deforma eficiente, rápida e de baixo custo já foram descritosna literatura. A utilização de mais de um parâmetro ou apa-relho para rastreamento populacional pode ser realizadade forma combinada para obter-se melhor sensibilidade eespecificidade como, por exemplo, testes morfológicos efuncionais. Niessen propôs que, no futuro, o rastreamentode glaucoma poderá ser feito com custo menor através douso da tonometria de não-contato, perimetria com estraté-gias supralimiares com número limitado de pontos e com aexecução destes exames por indivíduos não-médicos. Po-rém, sempre a interpretação dos resultados dos examesdeverá ser feita por um médico.

Na Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulistade Medicina (UNIFESP), participamos de vários estudosenvolvendo as “modernas tecnologias” como o Blue /Yellow, FDT (Matrix), Flicker, HRT, OCT, GDx (VCC), e aEletroretinografia. Tivemos a oportunidade de apresentarsuas conclusões na última ARVO.

DM.: Feito o diagnóstico, como o paciente deve serorientado?PAAM.: O paciente deve ser orientado sobre os riscos dadoença e de como pode evitar a cegueira. Aqui, a Associa-ção de Portadores de Glaucoma, seus Amigos e Familiares(ABRAG) ocupa papel de destaque. É muito cara uma edu-cação personalizada e nem sempre o médico tem possibili-dade de fazê-la. Pacientes que não conhecem o que é oglaucoma ou que não sabem como instilar colírios têm pés-simo prognóstico, como foi possível observarmos num es-tudo nosso, desenvolvido no Instituto da Visão da UNIFESP.

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Sabemos que a desinformação da população relativaao glaucoma é muito grande. Educar o paciente e a popu-lação cria a possibilidade de diagnósticos mais precoces euma fidelidade melhor ao tratamento. Neste aspecto, cons-tatou-se, em serviço público no Brasil, que 27% dos paci-entes erram o local onde deveriam instilar o colírio e, des-ses, 25% não instilam a segunda gota; que 7% das prescri-ções nunca foram seguidas e 40% dos portadores deglaucoma não têm intenção de seguir o tratamento pro-posto por desconhecer a sua necessidade.

Na luta contra a cegueira, há várias formas paraincrementar a complacência e a fidelidade do paciente ao tra-tamento, tais como: simplificar o tratamento, criar artifíciospara que o paciente lembre de usar a medicação, melhorar arelação médico/paciente e investir na educação dos doentes.

Na escolha do tratamento para o portador deglaucoma, em países onde o sistema de saúde públicanão fornece o medicamento, o custo deve ser avaliadocom muito cuidado.

Algumas medicações disponíveis atualmente para oglaucoma apresentam valores elevados, principalmenteos que surgiram mais recentemente no mercado. O custoanual do tratamento com medicação máxima em paísesdesenvolvidos, como nos Estados Unidos, pode situar-se acima de US$ 2.000,00 ao ano. Considerando-se que amaior parcela dos portadores de glaucoma é compostapor idosos, este tipo de tratamento pode tornar-se inviáveleconomicamente.

Nos nossos dias, o custo da medicação deve ser leva-do em consideração não se avaliando somente o valor doremédio, mas também volume do seu frasco, volume dagota, sua posologia, sem, no entanto, esquecermos da suacapacidade hipotensora. Devemos avaliar ainda o desper-dício no uso de colírios. Importante é o real custo mensaldo tratamento.

Tive a oportunidade de com Pedroso L, Carvalho ES,Jr., Paranhos A, Jr.e Prata JA, Jr. de publicar um trabalho,em 1999, nos Arquivos Brasileiros de Oftalmologia, abor-dando esses aspectos na população brasileira.

Mas, é fundamental lembrar que o maior custo no tra-tamento do glaucoma é a cegueira.

DM.: A Propedêutica para o Glaucoma é dispendiosa?PAAM.: Creio que já esgotamos esse assunto, mas apro-veito para afirmar que quando a pressão intra-ocular não écolocada em níveis seguros, a chamada Pressão-Alvo, hágrande aumento na indicação dos retornos, novos examescomplementares são solicitados e, portanto, mais custossão gerados.

DM.: Qual a opinião do sr. em relação ao tratamento ci-rúrgico nas condições econômicas atuais?PAAM.: Os procedimentos cirúrgicos para o tratamentodo glaucoma apresentam bons resultados, mas não es-tão livres de complicações. Novas técnicas alternativaspara a trabeculectomia, como, por exemplo, as chamadas

“cirurgias não invasivas”, ainda estão sendo analisadas.Seus resultados são polêmicos e sua técnica cirúrgica éde difícil aprendizado.

Fazemos a indicação da cirurgia antiglaucomatosaquando o tratamento clínico não é eficaz. Isso pode ocor-rer quando as drogas não reduzem a pressão para evitar aprogressão do dano glaucomatoso, quando seus efeitoscolaterais são insuportáveis, quando não há fidelidade aotratamento ou quando há a indicação conhecida comosócio/econômica.

A indicação da cirurgia não deve ser muito precoce,mas também não pode ser reservada somente para as for-mas de glaucoma muito avançadas, pois aí há grande pro-babilidade de insucesso.

Fico entristecido ao ver pessoas que poderiam ter suavisão preservada pela cirurgia e iatrogenicamente não fo-ram orientadas adequadamente. Aqui cabem processosmédicos de difícil defesa.

DM.: Com relação ao tratamento clínico, em sua opinião,qual a primeira droga de escolha independentemente dasituação econômica do paciente?PAAM.: A droga que promova os valores mais baixos dapressão intra-ocular, com os menores efeitos colaterais ecom posologia confortável. Hoje indico muito o uso dosderivados lipídicos. A chegada dessas novas drogas aonosso arsenal terapêutico reduziu as indicações de cirur-gias. Tal fato foi comprovado num estudo desenvolvidono Instituto da Visão da UNIFESP e publicado nos Arqui-vos Brasileiros de Oftalmologia.

Gostaria muito de estar falando aqui de drogascomprovadamente neuroprotetoras e de procedimentospara neuroresgate ou neuroregeneração.

Como o portador de Glaucoma Primário de ÂnguloAberto, sob controle clínico, vai necessitar de tratamentopor toda a vida, é fundamental uma atenção muito especialcom a sua qualidade de vida.

Em um estudo piloto, Sherwood concluiu que a magni-tude da perda do campo visual, a diminuição da acuidadevisual e a complexidade da terapia estão correlacionadascom a redução, por parte dos pacientes, das atividadesdiárias relacionadas à visão.

DM.: O que a oftalmologia pode esperar a curto, médio elongo prazo no tratamento e prevenção do glaucoma?PAAM.: A expectativa de vida da população vem aumen-tando. Considerando-se que o glaucoma manifesta-se, namaior parte das vezes, de forma crônica e incurável, apesarde controlável, e cuja incidência e prevalência aumentamcom a idade, existem tendências a aumentos do número deportadores desta doença. Este fato, associado ao desen-volvimento de novos métodos diagnósticos para detecçãoprecoce da doença, faz crer que, na terceira década desteséculo, ter-se-á o dobro do número atual de glaucomatosos.

Diante do aumento progressivo de portadores deglaucoma e do desconhecimento do diagnóstico por boa

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parte destes, organizações governamentais e não-gover-namentais vêm se empenhando em divulgar conhecimen-tos sobre esta doença frente à sociedade.

Várias associações no mundo prestam este serviço àpopulação, tais como: “Pediatric Glaucoma and CataractFamily Association” (http://www.pgcfa.org), “WillsGlaucoma Chat Support Group” (http://willsglaucoma.org),“Glaucoma Support and Education Group” (http://www.glaucomafoundation.org), “Jules Stein Eye InstituteGlaucoma Support Group” dentre outras. Mais recente-mente, foi criado o “Glaucoma Support Group Database”(http://www.gsgd.org) com a finalidade de fornecer infor-mações aos grupos de suporte a pacientes com glaucomaem todo o mundo.

No Brasil, como já comentamos, foi fundada a Associ-ação Brasileira dos Portadores de Glaucoma seus Amigose Familiares (ABRAG), em novembro de 2000 (http://www.abrag.com.br). A ABRAG é uma sociedade de porta-dores de glaucoma, sem fins lucrativos, onde os médicossó participam na função de orientadores científicos. Estaentidade foi criada e estimulada pelos meios universitári-os, apoiada pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia eSociedade Brasileira de Glaucoma. A indústria farmacêuti-ca compreendeu a extensão do problema e formou a cartei-ra de fundos para viabilizar a sua criação.

No momento, a ABRAG conta com aproximadamente8.000 associados, sendo a grande maioria residente no Bra-sil e alguns residentes na Itália, Portugal e Bolívia. Perso-nalidades famosas do meio artístico e esportivo têm em-prestado a sua imagem, com importantes pronunciamen-tos à população de risco ou portadora de glaucoma. AABRAG recebe colaborações de produtoras de vídeos edu-cacionais, que são apresentados nas emissoras mais po-pulares de televisão. Fitas são exibidas em cinemas e ca-sas de espetáculos. Pôsteres são afixados em metrôs, ae-roportos, rodoviárias e locais públicos para ampla divul-gação das formas que a população dispõe para cuidar deseus olhos. Vários slogans foram criados, tais como:

· “Glaucoma, uma doença que não avisa quando chegae se nada for feito, ninguém vê depois”.

· “No Brasil há 900.000 portadores de glaucoma e hágente fingindo que não vê”.

Dentre outros papéis importantes desempenhados pelaABRAG, encontram-se a divulgação de conhecimento dadoença através de publicação impressa trimestral e escla-recimento de dúvidas sobre glaucoma por telefone, e-mailou pessoalmente, na sede da associação.

Novos equipametnos estão chegando ao mercado paraaprimorar a detecção e melhorar o acompanhamento depacientes glaucomatosos, além de diminuírem os custosenvolvidos com estas atividades.

Com o avanço do estudo da genética para o glaucoma,poderá haver a possibilidade de identificar-se precocemen-te os indivíduos susceptíveis a esta doença e talvez sepoder empregar terapia genética.

Espera-se para os próximos anos o surgimento de no-vas drogas cada vez mais eficazes para o controle da do-ença, com menores efeitos colaterais, posologias e preçosque facilitem a adesão ao tratamento. Técnicas cirúrgicasestão surgindo e aprimorando-se no sentido de serem maiseficazes e com menores índices de complicações.

Apesar dos estudos já publicados sobre qualidade devida no glaucoma, a integração destes conceitos na práti-ca clínica necessita de instrumentos melhores de medição,cujos resultados demonstrem vantagens relevantes paraos pacientes.

O aperfeiçoamento do sistema de saúde, principalmen-te em países em desenvolvimento, facilitando o acesso dapopulação ao oftalmologista, a divulgação de conhecimen-to sobre a doença e a formação nas universidades de oftal-mologistas gerais e com visão comunitária possibilitarão aredução da cegueira causada pelo glaucoma.

Enfim, a resolução do problema social do glaucomacrônico envolve um esforço de todos os segmentos dasociedade envolvidos na área da saúde. Necessitamos di-vulgar informações sobre a doença, facilitar o diagnósticoprecoce e aumentar a fidelidade ao tratamento. Devemoster o desafio de reduzir os custos na detecção e no trata-mento do glaucoma, sem deixarmos de ter uma atençãomuito especial com a qualidade de vida do paciente.

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COROIDITE SERPIGINOSA 9

RESUMO

Relatar dois casos de coroidite serpiginosa com suas caracte-rísticas clínicas, exames complementares e tratamentos propos-tos, visto que se trata de doença rara de caráter idiopático, cujodiagnóstico baseia-se nos achados clínicos.

Palavras-chave: coroidite serpiginosa, inflamação, atrofia.

Rodrigo Pilon Módolo1, Rodrigo Vuono de Brito2, Rosana Pimenta de Almeida2, Nicolau José Slavo3

1 Médico residente do terceiro ano de Oftalmologia do Instituto CEMA2 Médico residente do segundo ano de Oftalmologia do Instituto CEMA3 Médico responsável pelo setor de Uveítes do Hospital CEMA

INTRODUÇÃO

Coroidite serpiginosa, também chamada de coroidopatia geo-gráfica helicoidal peripapilar, é uma doença rara que afeta a coróidee o epitélio pigmentar da retina1. É doença idiopática que ocorrepredominantemente em adultos jovens, acometendo ambos ossexos. É mais prevalente em homens, caucasianos, portadores doantígeno de histocompatibilidade HLA-B7, embora apareça emvariados grupos étnicos. A maioria dos pacientes mantém-seassintomática até que a mácula seja acometida2, 4.

Os sintomas iniciam-se geralmente com perda unilateral davisão como resultado de envolvimento macular. Após períodovariável, o outro olho torna-se afetado3.

As lesões ativas consistem de opacidades de coloração cre-me com bordas mal delimitadas, tornando-se mais brilhantes con-forme evoluem. Geralmente, começam ao redor do nervo óptico eestendem-se em todas as direções. O quadro clínico pode aindaincluir uveíte anterior discreta e vitreíte3.

Este trabalho consiste em dois relatos de caso da doença, quefoi diagnosticada pelo quadro clínico e pelo exame deangiofluoresceinografia.

COROIDITE SERPIGINOSA: RELATO DE CASOSERPIGINOUS CHOROIDOPATHY: CASE REPORT

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COROIDITE SERPIGINOSA10

RELATO DE CASO

CASO 1: J F, sexo masculino, 56 anos, procurou nosso servi-ço com queixa de baixa acuidade visual súbita e progressiva noolho esquerdo há 6 meses. Negou doenças oculares pregressas.

Ao exame oftalmológico apresentou : acuidade visual (AV):20/20 no olho direito (OD) e 20/100 no olho esquerdo (OE) comcorreção; pressão intra-ocular (PIO) de 14/16 mmHg; reflexospupilares presentes em ambos os olhos (AO); motilidadeextrínseca ocular sem alterações. Biomicroscopia : OD : dentro danormalidade ; OE : córnea integra, conjuntiva levementehiperemiada, reação de câmara anterior (RCA) 2+/4+ . Mapeamentode retina (MR) : OD: Sem alterações; OE : Focos irregulares deatrofia de coróide e epitélio pigmentar com zonas de metaplasiafibrótica, com respectiva impregnação de contraste naangiofluoresceinografia.

CASO 2: G M A, sexo feminino, 68 anos, diabética e hipertensa,procurou nosso serviço com história de baixa acuidade visual (BAV)progressiva no olho esquerdo há 6 meses. Ao exame oftalmológicoapresentou: AV 20/20 OD e 20/100 OE com correção; PIO : 13/12 mmHg.Biomicroscopia : OD : Pseudofacia ; OE: Opacidade cristaliniana,RCA 1+/4+ , sinéquia posterior ; MR : OD: Sem alterações; OE :Lesões em forma geográfica com bordas distintas (figura 1);Angiofluoresceinografia: área hipofluorescente na fase precoce comretenção do corante na fase de reicirculação (figuras 2 e 3).

O tratamento realizado para ambos os pacientes foi acetato deprednisolona 1% colírio de 4/4 horas, atropina 1% colírio de 8/8horas e prednisolona comprimido 20 mg por dia com redução gra-dual das drogas durante 5 semanas quando os pacientes nãoapresentavam mais sinais clínicos de uveíte. Estes permanecemem acompanhamento sem qualquer evolução clínica.

DISCUSSÃO

A coroidite serpiginosa é uma doença aguda, idiopática, re-corrente, geralmente bilateral, assimétrica e com caráterprogressivo4.As lesões ativas podem ocorrer em mais de umaárea e são em forma geográfica com bordas distintas que podemser vistas bem nitidamente devido à borda luminosa que demarcaos limites entre a lesão e o tecido normal.

As lesões geralmente assumem conformação geográfica naregião justapapilar e macular. Comumente têm início na regiãoperipapilar e progridem centrifugamente1.

Os sintomas são dependentes do envolvimento da área macularou da capacidade de percepção do paciente3, 4.

Pode-se notar reação inflamatória na câmara anterior e as célu-las vítreas em menos da metade dos pacientes.

Na angiofluoresceinografia observa-se hipofluorescência pre-coce das lesões agudas.

Tardiamente estas lesões apresentam-se com bordas não bemdelimitadas. Lesões antigas ou agudas poderão serhipofluorescentes, pois a coriocapilar e a coróide algumas vezessão destruídas. A hipofluorescência progressiva por impregna-ção do corante nas margens das lesões é comum.

O diagnóstico diferencial pode ser feito com epiteliopatiamultifocal aguda placóide posterior, neovascularização sub-retiniana peripapilar, toxoplasmose retiniana, coroidite multifocalrecorrente e esclerite posterior3.

O tratamento na fase aguda é realizado com corticóide tópicoe sistêmico, com agentes imunossupressores ou com ciclosporinaem casos refratários4. Fotocoagulação a laser está indicada emcasos de membrana neovascular sub-retiniana, que pode estarpresente em 10% a 25% dos casos.

ABSTRACT

Reporting of two cases of Serpiginous Choroiditis and theirclinical characteristics, complementary examinations andrecommended treatments, once we are dealing with a rare idiopathicdisease, whose diagnosis is based on clinical findings.

Key words: serpiginous choroiditis, inflammation, atrophy.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Figura 2

Figura 3

Figura 1

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REVICIENCE - Ano 6, no 6

CIRURGIA DE KESTENBAUM E NISTAGMO 11

RESUMO

Trata-se de um estudo descritivo, tipo relato de caso, de umapaciente atendida no Setor de Estrabismo do Instituto de Olhosda Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC(SP), com diagnóstico de nistagmo tipo pendular com posiçãoviciosa de cabeça. Os autores discutem o diagnóstico e qual amelhor forma de tratamento para esses pacientes através de revi-são bibliográfica.

Ricardo Campos Cruvinel Filho1, Jean Roberto Soglia1, Celso Lopez Fernandes2, José Ricardo Rehder3

1 Residente do 3º ano do Setor de Estrabismo da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC2 Chefe do Setor de Estrabismo da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC3 Chefe da Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABC

INTRODUÇÃO

Dentre todas as patologias oculares que se associam composição viciosa de cabeça, o nistagmo apresenta uma importanteincidência, aproximadamente 22,58%1, 2 . A posição viciosa decabeça (torcicolo) em pacientes com nistagmo é um mecanismocompensador que pretende levar a zona de bloqueio ou “nullposition”, melhorando assim a acuidade visual. O torcicolo podeser horizontal, vertical, torcional ou misto.

Historicamente muitas terapias, tanto medicamentosa quantocirúrgica, foram realizadas na tentativa de bloquear o nistagmo,melhorando a acuidade visual e o torcicolo. Vários autores, comoKestenbaum, Anderson, Parks, Prieto-Díaz descreveram diferen-tes técnicas cirúrgicas para o tratamento dos nistagmos congêni-tos com torcicolo horizontal, vertical e torcional 3 .

O objetivo deste estudo é relatar o caso de um paciente aten-dido no Setor de Estrabismo da Disciplina de Oftalmologia daFaculdade de Medicina do ABC, com nistagmo e posição viciosade cabeça, suas características clínicas, tratamento cirúrgico eresultados obtidos.

REVICIENCE - Ano 6, no 6

CIRURGIA DE KESTENBAUM PARA POSIÇÃO VICIOSA DE CABEÇA SECUNDÁRIAA NISTAGMO - RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA

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CIRURGIA DE KESTENBAUM E NISTAGMO12

RELATO DE CASO

Paciente do sexo feminino, 26 anos de idade, parda, procurouatendimento no Instituto de Olhos da Disciplina de Oftalmologiada Faculdade de Medicina do ABC, com queixa de tremor ocular etorcicolo desde a infância. Negava quaisquer antecedentessistêmicos, doença ocular prévia. Os antecedentes pessoais mos-travam retardo do desenvolvimento neuropsicomotor, mãe com his-tória de rubéola durante a gestação. Nos antecedentes familiaresapresentava irmão gemelar com hipoacusia. A melhor acuidade vi-sual corrigida era de 20/200 (OD -3.50 -3.00 180 º/ OE -4.50 -3.00 180º)em ambos os olhos. Ao exame externo, observamos presença demovimentos nistagmóides em posição primária do olhar que piora-vam na tentativa de dextroversão. Foi observado, ainda, posiçãode bloqueio bem definida dos movimentos nistagmóides com aface girada para direita e fixando em levoversão. A avaliação motora(Cover Simples e Alternado, Hirscheberg, Krimsky) demonstrou-sedentro dos padrões da normalidade apesar da dificuldade de cola-boração da paciente. No exame biomicroscópico não foram obser-vadas anormalidades e a fundoscopia indireta mostrou cicatrizescoriorretinianas perimaculares em ambos os olhos. Foi feita a hipó-tese diagnóstica de nistagmo tipo pendular com posição viciosa decabeça de provável etiologia sensorial (seqüela de coriorretinite depólo posterior?). Optamos pelo tratamento cirúrgico utilizando atécnica descrita por Kestenbaum. Para o planejamento das medidasde retrocesso e ressecção foi utilizado o método de HendersonAlmeida que quantifica a cirurgia através de medidas prismásticas(ápice apontando para posição de bloqueio). O tratamento propos-to visava a transferência da posição de bloqueio em levoversãopara posição primária do olhar com conseqüente melhora do torci-colo. Foi realizado em olho direito retrocesso de reto medial de 6mm, ressecção de reto lateral de 8 mm (abdução de olho direito), noolho esquerdo retrocesso de reto lateral de 8 mm, ressecção de retomedial de 6 mm (adução de olho esquerdo). Paciente encontra-seem seguimento na décima segunda semana de pós-operatório, sa-tisfeita, com melhora significativa do torcicolo e zona de bloqueiopróxima à posição primária do olhar, porém sem melhora da acuidadevisual. Permanece em acompanhamento no Setor de Visão Subnormalda Disciplina de Oftalmologia da Faculdade de Medicina do ABCem processo de adaptação de auxílio óptico tipo telelupa.

DISCUSSÃO

O tratamento do nistagmo tem se mostrado limitado. No pas-sado, a busca pela melhor acuidade visual, passou pela ortópticae por métodos pleópticos4, 5, 18. Atualmente, o tratamentomedicamentoso emprega substâncias estimuladoras do sistemaneurotransmissor inibitório (GABA) ou depressoras do sistemaneurotransmissor excitatório (glutamato)6. Hoje a toxina botulínicatambém se mostra como opção terapêutica, porém sem resultadosefetivos7, 8. Em relação ao tratamento óptico, o mais difundido é ouso de prismas9. O tratamento cirúrgico do nistagmo objetiva amelhoria da acuidade visual e a eliminação do torcicolo10, 11. Acirurgia proposta por Kestenbaum12 e por Anderson13, ou seja,por meio de retrocessos e ressecções movem-se os quatro mús-culos retos horizontais com o intuito de transferir a zona de blo-queio para a posição primária do olhar. Vários autores têm pro-posto o amplo retrocesso desses músculos14 com o objetivo deaumentar o tempo de permanência da imagem na fóvea15. Na lite-ratura, encontramos várias técnicas descritas: Pratt-Johnson rea-liza retrocessos e recuos simétricos de 10 mm nos 4 retos horizon-tais16. Parks propôs uma técnica assimétrica (5mm-6mm-7mm-8mm),realizando maiores ressecções que retrocessos, atuando menosnos retos medias17. Optamos pela técnica clássica de Kestenbaum,obtendo melhora objetiva e subjetiva no pós-operatório imediatoe no seguimento atual de 12 semanas. Porém, é importante obser-var a evolução a longo prazo, porque existe uma tendência deregressão parcial com o tempo16. Os autores concluem que o tra-tamento cirúrgico para torcicolo secundário a nistagmo proporci-ona melhora da acuidade visual devido à correção da posiçãoviciosa de cabeça, corrige estrabismos associados e melhora aqualidade de vida dos pacientes.

REFERÊNCIAS

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REVICIENCE - Ano 6, no 6

Paciente apresenta posição de bloqueio com a facegirada para a direita e fixando em levoversão

Aspecto pós-operatório com posição de bloqueiopróxima à posição primária do olhar

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CIRURGIA DE KESTENBAUM E NISTAGMO 13

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REVICIENCE - Ano 6, no 6

O Centro de Estudos do Instituto CEMA realizará no auditório da instituição, em 06/11/04,

o curso Cirurgia Oftalmológica: Prevenindo e Resolvendo Complicações. A ficha de inscri-

ção está disponível no site wwwwwwwwwwwwwww.cemahospital.com.br.cemahospital.com.br.cemahospital.com.br.cemahospital.com.br.cemahospital.com.br. Outras informações podem ser

obtidas pelo tel.: (11) 6602-4034. E-mail: [email protected]@cemahospital.com.brcentrodeestudos@cemahospital.com.brcentrodeestudos@[email protected].

CIRURGIA OFTALMOLÓGICA:PREVENINDO E RESOLVENDO COMPLICAÇÕES.

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TRAUMATISMO PERFURANTE OCULAR14

TRAUMATISMO PERFURANTE OCULAR

O traumatismo perfurante ocular (TPO) é muito freqüen-te em todo o mundo. Para o oftalmologista, é necessárioconhecer as principais causas para que possa realizar boaterapêutica e, sobretudo, um trabalho de prevenção. Ana-lisamos trabalhos recentes para verificar suas variaçõesestatísticas, bem como o perfil do paciente acometido.

No Brasil não existem dados estatísticos confiáveissobre o assunto. Devido à sua grande freqüência, o TPO éde extrema importância, pois acarreta alteração ocular fun-cional substancial, podendo levar até a cegueira, com pre-juízos pessoais, sociais e econômicos severos1. O estudodo TPO, com suas características, é bastante relevante,pois ainda hoje o trauma ocular permanece como uma dasprincipais causas de cegueira monocular prevenível2.

Em estudo de Alves e Kara-José3, concluiu-se que aincidência de ferimento perfurante ocular (FPO) foi maiorno sexo masculino (79,5%) e no grupo etário de 21 a 30anos. Acidentes de trânsito representaram 30,8%, segui-dos pelos domésticos (27,8%), ocupacionais (22,8%), lazere esporte (10,2%) e violência (8,2%). Dos 400 casos deFPO, 111 casos (27,8%) tiveram como agente causal o vi-dro de garrafa. Os acidentes ocupacionais foram respon-sáveis por 91 casos de FPO (22,8%) e os objetos pontiagu-dos estiveram envolvidos em 58 (14,5%) dos traumatismosoculares. Os FPOs constituíram causa importante de inca-pacidade visual funcional: apenas 61 de 283 olhos alcan-çaram acuidade visual (AV) de 20/40 ou melhor. Enquantoque os acidentes de trânsito ocorreram principalmente nogrupo etário de 21 a 30 anos (45 de 123 casos, ou seja,38,6%), nos acidentes domiciliares os mais envolvidos fo-ram do grupo etário de 0 a 10 anos (47 de 111 casos -42,3%). Tal trabalho evidenciou a córnea como principalsítio de perfuração (162 casos - 40,1%), seguido de córnea-esclera (129 casos - 31,9%), de esclera (87 casos - 21,5%),de limbo (19 casos - 19,7%) e em 7 casos o local não foiespecificado. Detectou-se também que o prognóstico fun-cional destes olhos depende da gravidade do ferimento,

Bruno Moraes Tahan1, Daniel José A. de Oliveira1, Daniel Moya Filho2, Nilson S. Furukawa2, Carlos Roberto D. Pinto3

1 médico residente do segundo ano de Oftalmologia do Instituto CEMA2 médico residente do terceiro ano de Oftalmologia do Instituto CEMA3 médico preceptor de Oftalmologia do Instituto CEMA

da primeira ação no momento do acidente, da qualidade edo tempo decorrido do primeiro atendimento médico, dascomplicações imediatas e tardias, da aderência ao trata-mento e acesso do paciente aos cuidados pós-operatóriose a procedimento de recuperação visual3.

Em estudo realizado pela Faculdade de Medicina deSão José do Rio Preto, SP com 216 pacientes acometidospor traumatismo ocular, evidenciou-se que o tipo de trau-ma mais comum foi a perfuração ocular em 85,2% dos paci-entes1. Destes, 80% eram do sexo masculino, com a faixaetária mais acometida menor que 20 anos. Quanto àlateralidade, houve o predomínio das lesões unilaterais(96,8%) sobre as bilaterais (3,2%), sem diferenças de olhoesquerdo sobre o direito. Quanto à atividade no momentodo trauma, verificou-se que 88 pacientes (40,7%) encon-travam-se em atividade de lazer; 62 (28,7%) no trabalho; 23(10,6%) no trânsito; 21 (9,7%) em ambientes domésticos e21 (9,7%) em decorrência de violência.

Esmaeli e Elner analisaram estudos sobre o prognósti-co visual final após traumatismo penetrante5. Fatorespreditivos para AV final de 20/60 ou melhor foram: AV ini-cial de 20/200 ou melhor, localização da lesão anterior aoplano de inserção dos 4 músculos retos, extensão da lesãode 10mm ou menos, lesões causadas por objetos pontia-gudos, que precisaram menos de enucleação. A vitrectomianão causou mudanças na AV final. A idade foi fatorsignificante no prognóstico visual final apenas quandocrianças de 0 a 13 anos foram comparadas com adultos de40 anos ou mais. Esses adultos tinham menos chance deatingir AV final de 20/60 ou menos, e uma chance maior denecessitarem enucleação5.

Em estudo com 143 crianças feito por Luff e Hodgkinfoi constatado que a maioria dos ferimentos ocularesperfurantes ocorreu em meninos (razão de 3,9 meninos: 1menina)6. Essa razão encontra subsídios em outros estu-dos de traumatismo ocular12, 13, 14. As lesões ocorreram prin-cipalmente em ambiente doméstico (34,0%) ou em ativida-

REVISÃO TEMÁTICAREVISÃO TEMÁTICA

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TRAUMATISMO PERFURANTE OCULAR 15

des de lazer (19,0%), trauma em atividades esportivas(15,0%) e violência (8,0%)6.

Outro estudo feito por Diniz e Tzelikis mostrou que amaior parte dos traumatismos em crianças de 0 a 15 anosocorreu durante o dia (85,1%), no ambiente domiciliar(44,7%), e teve como causa principal as atividades de lazer(62,5%)7. Os meninos predominaram sobre meninas na razäode 1,8:1. O traumatismo mais comum foi o contuso (31,3%)seguido de perfuraçöes oculares (20,8%).

Estudo realizado no México com crianças, em 2001,mostrou que os principais agentes causais foram projeteis(15,2%), objetos pérfuro-cortantes (12,8%) e animais ouplantas (8,5%)8. Em 62,6%, os pacientes precisaram de tra-tamento médico e em 14,3%, cirúrgico. Em 43,8% dos ca-sos a capacidade visual final foi melhor do que a inicial, em45,9% igual e em 10,2% pior. A capacidade visual final foiigual ou menor a 20/100 em 33,8% dos pacientes.

Foi realizado estudo retrospectivo de 95 olhos de 92pacientes com ferimento perfurante ocular9. Os pacienteseram do sexo masculino em 77,2%, a faixa etária mais acome-tida foi de zero a 40 anos (85,9%). O principal agente causa-dor foi o acidente automobilístico(29,5 %), seguido pelosacidentes domésticos (22,1%), pelos ferimentos causadospela violência (22,1%) e pelos acidentes de trabalho (20%).

Em um trabalho feito em 2002 sobre o perfilepidemiológico do traumatismo ocular penetrante antes eapós o novo código de trânsito, os pacientes foram dividi-dos em dois grupos: Grupo I, pacientes com traumatismoocular antes da implantação do novo código; Grupo II, his-tória de traumatismo após sua implantação10. Os pacientesforam avaliados em relação a diferentes aspectos do traumae exame oftalmológico. Os achados epidemiológicos emrelaçäo à idade, sexo e raça foram similares em ambos osgrupos. No grupo I, os pacientes entre 21 e 50 anos apre-sentaram distribuição similar quanto à etiologia do trauma,ao passo que no grupo II, no mesmo intervalo de idade,predominaram os acidentes automobilísticos. Em relaçäo aouso do cinto de segurança, 60% e 92% dos pacientes näoestavam usando o cinto, nos grupos I e II, respectivamente.Dos pacientes do grupo II, 60% mencionaram consumo deálcool, contra 40%, no grupo I, concluindo que apesar dasmedidas de impacto tomadas pelo governo para controlaros acidentes, os danos do trauma ocular continuam relacio-nados a fatores passíveis de prevençäo, como o uso docinto de segurança e consumo de álcool10.

Vários estudos apontam o sexo masculino como o maisafetado pelos FPO. Isso ocorre pois os homens são maisexpostos aos riscos, quer por suas atividades profissio-nais e/ou de lazer, além de serem menos cuidadosos. Quantoà lateralidade, praticamente não houve diferença significa-tiva entre os mais variados estudos. Os traumas unilate-rais foram mais proeminentes, e em relação ao sítio de le-são a corneana, seguida da córneo-escleral foram as maisdescritas. As situações mais freqüentes foram no trânsitoe no lazer. Esta variação de dados pode ser explicada pelaheterogeneidade dos hábitos e costumes de cada região

ou país, influenciando a causa do trauma ocular e, em con-seqüência, os resultados referentes à atividade no mo-mento do acidente.

Os ferimentos oculares devem ser encarados semprecom reserva. Não transmitir entusiasmo excessivo nem pes-simismo. Muitos casos aparentemente ruins podem termi-nar com resultado visual satisfatório ao passo que outros,que nos parecem simples durante a cirurgia, terminam de-sastrosamente como, por exemplo, por endoftalmites4.

Algumas medidas bastante pertinentes em relação aosdecréscimos destes índices foram descritas por Alves eKara-José em 1997:

1. Identificar as principais causas de lesão ocular nolocal e na região. 2. Difundir mensagens educativas para acomunidade, destacando as causas determinantes de ce-gueira por trauma ocular e as formas de prevenção. 3. Ascrianças devem ser constantemente informadas do perigode certos objetos e brincadeiras lesionarem seus olhos. 4.Enfatizar a educação preventiva no ambiente de trabalhoporque é nele que ocorrem muitos dos traumas que levam àcegueira. A função do oftalmologista deve ultrapassar a deapenas diagnosticar e tratar doenças para assumir um papelmais amplo no estudo das causas que levam à redução decapacidade visual por fatores preveníveis, contribuindo,assim, para a melhoria de qualidade da vida humana11.

O intuito deste trabalho foi analisar diversos estudos,principalmente nacionais, e fazer algumas comparaçõesacerca das características do traumatismo penetrante ocu-lar em diferentes regiões de nosso país, evidenciando arealidade brasileira. Na grande maioria destes trabalhoshouve coerência de dados, porém algumas discrepânciasdizem respeito a peculiaridades e hábitos regionais. Con-cordamos em estimular medidas de prevenções do TPO,pois diminuiriam o impacto funcional, social e econômicopara o paciente e para o país, e em contrapartida, garantiri-am uma boa qualidade de vida. Portanto, é imperativo quecada ofalmologista esteja ciente das característica do TPOde sua região, a fim de que sejam aplicadas tais medidasde prevenção.

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REVICIENCE - Ano 6, no 6

ULTRA-SONOGRAFIA NO TRAUMA OCULAR16

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ULTRA-SONOGRAFIA NO TRAUMA OCULAR

José Carlos Eudes Carani

INTRODUÇÃOO trauma ocular tem grande importância social e eco-

nômica. Atinge pessoas de todas as idades e classes soci-ais com predominância em indivíduos jovens.

Em 1980, a Sociedade Americana de Prevenção da Ce-gueira estimou que 55% dos casos de trauma ocular ocor-riam em pessoas com menos de 25 anos e que um terço dosindivíduos que perdem a visão por trauma ocular estão naprimeira década da vida.(1, 2).

Muitos dos acidentes têm causas banais, enquantooutros decorrem da falta de medidas preventivas no traba-lho ou são causados por violência física. Entre as criançaspredominam os acidentes domésticos enquanto entre osjovens predominan acidentes fora do lar. Apesar do usoobrigatório do cinto de segurança, pudemos constatar quea maior parte dos ferimentos perfurantes ainda é o aciden-te automobilístico, na cidade de São Paulo(3).

IMPORTÂNCIA DA ULTRA-SONOGRAFIA NOSTRAUMAS OCULARES

Qualquer que seja a causa do trauma ocular, a presen-ça de hemorragia, complicação bastante freqüente, podeimpossibilitar o exame das estruturas intra-oculares atra-vés dos aparelhos ópticos.

Nessas situações , o exame ultra-sonográfico do globoocular e da órbita fornece informações importantes para odiagnóstico e tratamento das complicações traumáticas.

Descrevemos em seguida os achados mais freqüentesdo exame ultra-sonográfico nos olhos traumatizados.

FIG.1 TRAUMAS CONTUSOS

Figura 1. A

Fig. 1. A – Descolamento total da retina após com-plicações oculares decorrentes do trauma contuso comprego no O. E.

1 Professor de pós-graduação em Oftalmologia da FMUSP Médico responsável pelo Serviço de Ultra-Sonografia Ocular do Hospital CEMA

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REVICIENCE - Ano 6, no 6

ULTRA-SONOGRAFIA NO TRAUMA OCULAR 17

FIG.2 TRAUMAS CONTUSOS NOS ESPORTES

Figura 1. B

Figura 1. C

Figura 1. D

Fig. 1. B – Criança vítima de trauma ocular por cintaenquanto era punida pelo pai. Apresentava catarata totale o exame de ultra-som revelou a presença dedescolamento da retina. Observar que a retina está es-pessada, com sinais da PVR (proliferação vítreo retiniana).

Fig. 1. C – Paciente vítima de assalto. Sofreu coronhadano O. E. há 2 anos. O exame mostra o descolamento totalda retina com funil fechado na metade posterior eespessamento difuso da coróide (seta).

Figura 2. B

Figura 2. A

Fig. 2. A – Paciente vítima de trauma ocular direto combola de futebol há 2 meses. O olho traumatizado (O. D.)apresentava opacificação total do cristalino. O exame ultra-sonográfico revelou o descolamento total da retina (R),bem como opacidades hemorrágicas esparsas.

Fig. 2. B – Paciente vítima de trauma ocular com bola defutebol de campo, dois dias antes do exame. A ultra-sonografia revelou densas opacidades hemorrágicas, pre-enchendo quase toda a cavidade vítrea.

FIG. 3 ASPECTOS DOS FERIMENTOS POR ARMA DEFOGO NO GLOBO E NA ÓRBITA

Figura 3. A

Fig. 1. D – Paciente vítima de soco no O. E. enquantoapartava uma briga. O ultra-som revelou densas opacida-des hemorrágicas ocupando a cavidade vítrea. A retinaestava em posição normal.

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REVISÃO TEMÁTICA18

Fig. 3. A – Paciente detento vítima de tiro no pescoço.O olho esquerdo sofreu perfuração por fragmento do projetilda arma de fogo. O fragmento metálico assume um formatobrilhante seguido de múltiplos ecos paralelos menos bri-lhantes (ecos de reduplicação ou reverberação).

Fig. 3. B – Paciente vítima de assalto. O fragmento doprojetil se alojou na órbita causando indentação da paredeocular posterior. Observar a imagem em meia-lua do projetilseguida de sombra escura (sombra acústica).

FIG.4 LUXAÇÃO TRAUMÁTICA DO CRISTALINO

Figura 3. B Figura 4. B

Figura 4. A

Fig. 4. A – Paciente com perfuração do O. E. há 5 diascom chave de fenda. O exame ultra-sonográfico reveloucristalino roto móvel na cavidade vítrea (“lens natans”).Junto à cápsula e formando imagem em rabo de corretaestão os restos do córtex e dos núcleos.

Fig. 4. B – Aspecto ultra-sonográfico do O. E. de umpaciente que, 10 anos antes, sofreu traumatismo com ma-deira nesse olho. Observa-se o cristalino luxado no poloposterior e fixado à parede (“Lens fixada”) por meio demembranas vítreas (setas).

REFERÊNCIAS

1. Erwin-Mulvey LD, Nelson LB, Freeley DA. Pediatriceye trauma. Pediat Clin North Am 1983; 30: 1167 – 83.2. National Society to Prevent Blindness. Vision problemsin the United States. New York; 1980. p. 32-3.3. Carani JCE, Machado, CG, Gomi CF, Carvalho MRF.Ferimentos perfurantes oculares no Hospital das Clínicasda Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.O que mudou nos últimos 27 anos. Arq. Bras. Oftalmol.1999; 62:310-4.

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1 Professor Assistente de Oftalmologia / Córnea & Doenças Externas do UCI Medical Center Universidade da Califórnia em Irvine, CA, EUA

Jonathan R. Pirnazar (Estados Unidos)1

ANEXOANEXO

RESTASIS® (CICLOSPORINA A 0,05%):UM AVANÇO DE PONTA NO MANEJO DA SÍNDROME DO OLHO SECO

A Síndrome do Olho Seco não está relacionada so-mente à lágrima, pois existe um processo inflamatórioimuno-mediado que afeta tanto as glândulas lacrimais comoa superfície ocular.

Para superar esse problema foi desenvolvida uma ino-vadora substância no manejo de pacientes com olho seco,representada pela Ciclosporina Oftálmica em Emulsão a0,05% (Restasis®).

Ela apresenta algumas propriedades fundamentais quese integram para o controle da Síndrome do Olho Seco.

- previne a ativação das células T, assegurando às glân-dulas lacrimais melhores condições para a produção delágrima;

- aumenta a densidade das células caliciformes daconjuntiva que, como se sabe, são responsáveis pela pro-dução de mucina, uma substância que contribui para apelícula de lágrimas de aderir à córnea. Há, portanto, doismecanismos envolvidos nesse quadro:

- ausência comprovada de efeitos sistêmicos. Foramfeitos estudos clínicos com a instilação de ciclosporinaemulsão oftálmica, duas vezes por dia, pelo período de 12meses, em pacientes com olho seco, sem o registro dapresença dessa substância na corrente sangüínea.

É clinicamente importante ressaltar que a ciclosporinaemulsão oftálmica tem sido eficaz, segura e bem toleradaem pacientes com a Síndrome de Sjögren e também naque-les que evoluem com olho seco por alguma outra causa.

O Quadro 1 revela os números de pacientes estuda-

dos, mostrando ainda as características basais encontra-das em cada caso (detalhes na parte superior) e, na parteinferior, os dados após seis meses de tratamento doRestasis®, confirmando uma redução significativa de célu-las T, com melhora conseqüente das lágrimas dos pacien-tes tratados (Kunert et al. Arch Ophthalmol, 2000).

É apresentado a seguir um estudo sobre o aumento dadensidade de células caliciformes que, como foi salienta-do, são responsáveis pela produção de mucina.

Trata-se uma casuística pequena, mas serve para de-monstrar os benefícios de Restasis® que, em apenas seismeses de tratamento, aumentou em quase 200% a densi-dade de células caliciformes.

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RESTASIS®®®®®

APROVAÇÃO DA FDA

Dentro dos estudos clínicos apresentados para análi-se e aprovação pela Food and Drug Administration (FDA),dos Estados Unidos, foram incluidos mais de 1.200 paci-entes com Síndorme do Olho Seco de moderada a grave.Duas das quatro pesquisas foram realizadas nos EstadosUnidos e as outras duas em outros países.

Seus resultados mostraram diferenças estatisticamen-te significantes de acordo os escores do Teste de Schirmer,após seis meses de tratamento: comprovou-se aumentode 1-9 mm em 44% dos pacientes e de > 10 mm em 15% dosindivíduos tratados.

59% dos usuários de Restasis® alcançaram melhora de1 – 10 mm ou mais em relação aos escores de Schirmerdeterminados na fase basal e após seis meses de tratamen-to. Em minha experiência pessoal, os bons resultados ob-tidos com essa inovadora substância têm beneficiado acerca 75% de meus pacientes tratados ao longo dos últi-mos 12 meses.

O veículo utilizado para auxiliar a ciclosporina alcançara córnea também se mostra benéfico para pacientes comolho seco, pois funciona como espécie de lágrima artifici-al. Ou seja, trata-se na prática de dois agentes úteis e efica-zes em um mesmo produto para tratamento do olho seco.

Diferentes pesquisadores ampliaram os estudos comRestasis®, confirmando sua segurança e sua capacidadede restabelecer o bem estar dos olhos antes consideradossecos. Segundo os trabalhos de E Salf et al (Ophthalmol,2000) a ciclosporina em emulsão oftálmica serviu tambémpara reduzir ou mesmo eliminar a visão turva que antesincomodava os pacientes com olho seco – Quadro 2.

RESTASIS®®®®®

PERFIL DOS CANDIDATOS

Penso que todo indivíduo que recorre ao uso de lágri-mas artificiais pelo menos quatro vezes por dia torna-seum candidato natural para o uso de Restasis®. Nas situa-ções mais complexas, chego a recomendar a associação deRestasis® com produtos a base de lágrima artificial ou deácidos graxos Omega3. Trata-se de uma tentativa para ofe-recer o melhor conforto possível para pacientes com aSíndrome do Olho Seco.

ExpectativasA experiência mostra que os resultados terapêuticos

começam a aparecer com um a três meses de evolução econtinuar a melhorar pelo prazo de até seis meses. Entre-tanto, o tratamento deve ser mantido, de modo a evitareventuais recidivas.

Nos estudos apresentados para a FDA, parte dos pa-cientes deixou de usar a medicação após o encerramentoda pesquisa e um percentual importante deles voltou aapresentar o problema do olho seco cerca de quatro a cin-co meses depois da interrupção do tratamento.

Quando é possível intervir mais precocemente, passaa existir inclusive a possibilidade de cura do processo erestaurar a saúde ocular.

Reações adversasO uso de Restasis® é, em geral, seguro e bem tolerado.

As reações adversas são principalmente representadas poruma sensação de queimação nos olhos (16%), sensaçãode corpo estranho, hiperemia conjuntival, etc.

RESUMO/CONCLUSÕES

A Síndrome dos Olhos Secos pode ser tratada por umacombinação de recursos terapêuticos, incluindo particu-larmente a Restasis®, mas acrescentando também outrosagentes, como o óleo Omega3.

Cada paciente deve merecer uma abordagem individu-alizada, segundo suas próprias necessidades.

Restasis® foi a primeira substância a ser aprovada pararestaurar a superfície ocular.

Restasis® comprovadamente reduz os marcadores in-flamatórios, além de aumentar a densidade de célulascaliciais, assegurando maior produção de mucina.

Restasis® efetivamente contribui para normalizar ascondições da superfície ocular.

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1 Professor Assistente de Oftalmologia / Córnea & Doenças Externas do UCI Medical Center Universidade da Califórnia em Irvine, CA, EUA

Jonathan R. Pirnazar (Estados Unidos)1

QUARTA GERAÇÃO DE FLUOROQUINOLONAS:GATIFLOXACINO VS. MOXIFLOXACINO

O desenvolvimento de ceratite após aplicação de laseré reconhecidamente uma complicação devastadora queimplica em terapia mais agressiva, sobretudo diante dorisco de infecção por Staphylococcus aureus (fase inicial)e Mycobacteria sp. (fase tardia). O quadro 1, por exemplo,mostra um caso de ceratite por Mycobacterium chelonae(acima) e úlcera corneana por Staphylococcus (abaixo).

- as quinolonas de quarta geração, como a gatifloxacino,entre outras, apresenta espectro de ação mais abrangente,incluindo os principais agentes microbianos Gram-positi-vos e Gram-negativos:

- essas drogas mais modernas atuam em dois sítiosdistintos que levam ao desenvolvimento de resistência,diminuindo, portanto, o risco de mutações capazes de tor-nar a bactéria resistente ao antibiótico.

GATIFLOXACINO VS. MOXIFLOXACINO

Essas duas substãncias representam as únicasfluoroquinolonas de quarta geração hoje utilizadas no tra-tamento de infecções oculares.

Em trabalho do Instituto Dean McGee, de Oklahoma,EUA, apresentado na ARVO/2003, foram analisados com-parativamente os valores de MIC para patógenos ocula-res mais frequëntes.

Seus resultados demonstraram que a gatifloxacino foimais eficaz contra todos os quatro microrganismospesquisados, como revela o Quadro 2.

Fatores que justificam a preferência por fluoroquinolonasde quarta geração, como a gatifloxacino:

- observa-se um aumento consistente de cepasbacterianas resistentes a fluoroquinolonas de terceira ge-ração: ciprofloxacino, norfloxacino, ofloxacino,levofloxacino etc.

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Os dados do estudo confirmaram também, que, invitro,a gatifloxacino foi mais efetiva do que a moxifloxacino,mostrando maior atividade bactericida contra outrospatógenos:

- 4 vezes maior contra a P.aeruginosa;- 3 vezes contra o Streptococcus viridans;- 4 vezes maior contra o M. chelonae e a Nocardia;- 5 vezes maior contra a Klebsiella

Complementando, em trabalho clínico publicado noRefractive EyeCare for Ophthalmologists, Dez./2003, compro-vou-se que o gatifloxacino elimina mais rapidamente os agen-tes bacterianos do que o moxifloxacino. Essa vantagem dogatifloxacino foi atribuída ao fato do moxifloxacino produzidonos Estados Unidos não conter preservativo (BAK).

Aliás, em outra pesquisa clínica, demonstrou-se queem 11 de 20 recipientes de moxifloxacino observou-se de-senvolvimento de Candida, o que não ocorreu em nenhumdos frascos contendo gatifloxacino + preservativo (BAK).

Em contrapartida argumentava-se que a presença doagente preservante poderia aumentar o risco de hiperemiae irritação ocular.

Para analisar o problema, foi desenvolvido um estudocom 30 indivíduos sadios, submetido a todos os examesconvencionais de controle de sua saúde ocular.

As duas fluoroquinolonas de quarta geração aqui cita-das foram então aplicadas, de forma cega, instilando-seuma gota em determinado olho, duas vezes, com intervalode um minuto. Os pacientes foram então orientados parapermanecerem em repouso, com os olhos fechados, porcinco minutos.

Os Quadros 3 e 4 mostram com clareza os resultadosobservados em cada olho, notando-se a inflamaçãoconjuntival provocada pela droga utilizada, com menorreação no olho tratado com o gatifloxacino.

Inflamação conjuntivalGatifloxacino (OD)/Moxifloxacino (OE)

Antes da instilação do antibiótico

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Os dados focalizados levam às seguintes conclusões:

- o gatifloxacino produz menos sinais clínicos de in-flamação da superfície ocular em comparação aomoxifloxacino;

- subjetivamente, os pacientes queixaram-se signifi-cativamente menos de irritação e de dor ocular com ogatifloxacino do que com o moxifloxacino.

TRATAMENTO COM FLUOROQUINOLONAS EM PACIENTESCOM CERATITE POR STAPHYLOCOCCUS MULTI-DROGARESISTENTE APÓS CERATECTOMIA LAMINAR

O objetivo desse trabalho realizado por McDonnel etal., em nossa Univesidade da Califórnia em Irvine, foipesquisar a eficácia do gatifloxacino no tratamento deceratite por estafilococo múltiplo-droga resistente, apósceractectomia laminar, em animais de laboratório.

A ceratectomia laminar foi realizada sob anestesia noolho esquerdo de 28 coelhos, sempre pelo mesmo cirur-gião. O S. aureus resistente foi injetado abaixo do flap.

Os olhos operados foram posteriormente distribuídospara grupos de tratamento.

- grupo controle;- ciprofloxacino 0,3%;- levofloxacino 0,5%;- gatifloxacino 0,3%;

As fotos biomicroscópicas reunidas no Quadro 5 re-velam as alterações encontradas 24 horas após a inoculaçãodo S. aureus MDR.

Seus resultados preliminares confirmaram o desenvolvi-mento de infiltrado infeccioso em cinco dos sete olhos de cadagrupo tratado com ciprofloxacino, levofloxacino ou controle.

Nos olhos tratados com gatifloxacino não foi consta-tado nenhum caso de infecção clínica e todos eles evolu-íram com menores escores de inflamação {p < 0,01} emcomparação aos demais grupos.

Diante desses dados pode-se concluir que ogatifloxacino é também eficaz na profilaxia contra infec-ções pelo S.aureus MDR após ceratectomia laminar.

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GRANULOMA DE REPARAÇÃO PÓS-ESTAPEDOTOMIA 25

RESUMO

A formação do granuloma de reparação constitui uma dasprincipais causas de perda auditiva neurossensorial e vertigemapós cirurgia do estribo.

Esta complicação é pouco freqüente e sua etiologia permane-ce desconhecida, caracterizando-se como uma proliferaçãotecidual que pode envolver a bigorna, a prótese, a membranatimpânica, a janela oval e em raras ocasiões o vestíbulo. O examehistopatológico define o diagnóstico da lesão. A tomografiacomputadorizada de alta resolução e em alguns casos a ressonân-cia magnética podem fornecer informações importantes. O trata-mento do granuloma de reparação é controverso, podendo serclínico, e/ou cirúrgico.

No presente estudo, os autores relatam três casos degranuloma de reparação pós-estapedotomia e abordam a incidên-cia, etiologia, característica clínica, diagnóstico e tratamento des-ta complicação cirúrgica.

Palavras-chave: granuloma de reparação, otosclerose,estapedotomia.

GRANULOMA DE REPARAÇÃO PÓS-ESTAPEDOTOMIA: RELATO DE TRÊS CASOSPOST-STAPEDOTOMY REPARATIVE GRANULOMA: REPORT OF THREE CASES

Andy de Oliveira Vicente 1, Pedro L M Albernaz 2, Paulo E Riskalla 3, Hélio K Yamashita 4, Marcos Luiz Antunes 5, Claudio Trevisan Jr 6

1 Pós-gradudando (nível doutorado) em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, Preceptorda Residência de Otorrinolaringologia do Instituto CEMA.2 Professor Titular da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina.3 Professor Adjunto-doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina, Professordo Curso de Especialização em Otorrinolaringologia do Instituto CEMA. 4 Professor Adjunto-Doutor do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina.5 Doutor em Otorrinolaringologia pela Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina.6 Médico otorrinolaringologista, Preceptor da Residência de Otorrinolaringologia do Instituto CEMA.

Artigo apresentado sob a forma de pôster no 36o Congresso Brasileiro deOtorrinolaringologia, realizado no período de 18 a 23 de novembro de 2002.

INTRODUÇÃO

O granuloma de reparação é uma complicação pouco freqüen-te da cirurgia do estribo.

Foi primeiramente descrito em 1962 por Harris & Weiss e Pratt &Winchester sendo desde então considerado como causa de perdaauditiva neurossensorial e vertigem em pacientes submetidos àestapedectomia e/ou estapedotomia, ocorrendo geralmente algunsdias ou semanas após o procedimento cirúrgico1.

Durante a exploração cirúrgica, o granuloma de reparação écaracterizado como um tecido de granulação que pode envolvera janela oval, a prótese, o ramo longo da bigorna e a membranatimpânica e até mesmo o vestíbulo1.

A sua etiologia ainda é desconhecida e algumas teorias foramdescritas para tentar explicar sua provável causa, entre elas reaçõestipo corpo estranho, alérgicas, infecciosas, imunomediadas e pro-cesso reparativo exuberante1, 2.

O diagnóstico definitivo é obtido através do estudohistopatológico da lesão, que revela um tecido de granulação nãoespecífico com proliferação fibroblástica, células gigantes tipo cor-po estranho, invasão de células inflamatórias e conseqüente au-mento da vascularização local1.

O tratamento para este tipo de complicação ainda é controver-so. Alguns autores são favoráveis à intervenção cirúrgica precoceenquanto outros recomendam o tratamento clínico comcorticosteróides sistêmicos. O objetivo deste estudo é relatar trêscasos de granuloma de reparação pós-estapedotomia e tambémrealizar uma revisão da literatura desta afecção, enfatizando suaincidência, etiologia, evolução clínica, diagnóstico e tratamento.

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GRANULOMA DE REPARAÇÃO PÓS-ESTAPEDOTOMIA26

RELATO DE CASOSCaso 1: K S U B, 24 anos, feminina, portadora de hipoacusia

bilateral progressiva há aproximadamente 5 anos.Tem história pregressa de cirurgia otológica na infância

(timpanomastoidectomia à esquerda há 10 anos) devido à infec-ção crônica (provável otite média crônica supurada) que melho-rou totalmente após o procedimento cirúrgico. A paciente faziauso de prótese auditiva em orelha direita há 2 anos.

A otoscopia evidenciava membrana timpânica normal do ladodireito e discretas placas de timpanosclerose na membranatimpânica esquerda.

No exame de audiometria foi constatada perda auditivacondutiva bilateral com gap aéreo-ósseo de 40 dB na orelha direitae 45dB na orelha esquerda; à imitanciometria, foi observada ausên-cia de reflexos e curva timpanométrica rebaixada bilateralmente, tendosido indicada timpanotomia exploradora em orelha esquerda (ladopior), considerando-se a hipótese de otosclerose. A cirurgia foirealizada sob anestesia geral e no ato operatório foi confirmada arigidez do estribo, sendo feita então uma estapedotomia, com colo-cação de prótese de teflon. Utilizou-se gelfoam na janela oval parapromover selamento mais adequado desta região. A paciente evo-luiu bem no pós-operatório imediato, recebendo alta hospitalar namanhã seguinte, referindo melhora da audição, mesmo com o cura-tivo cirúrgico. No 11o PO foi retirado o curativo otológico (gelfoam)e a melhora auditiva segundo a paciente foi realmente significativa.No 14o PO a mesma procurou novamente nosso serviço queixando-se de diminuição rapidamente progressiva da audição do lado ope-rado, acompanhada de vertigem moderada e sintomasneurovegetativos leves (náusea e sudorese).

Os únicos achados ao exame otorrinolaringológico foram ahiperemia e edema discretos da pele do meato acústico externo àotoscopia, provavelmente devido à incisão cirúrgica. Foi solicita-da audiometria de urgência em que evidenciou-se uma perda au-ditiva mista de grau moderado a severo com discriminação vocalem torno de 90%. Em vista disso prescreveu-se corticosteróideem altas doses (60mg de prednisona por dia) juntamente compentoxifilina (600mg2x/dia). Nas primeiras 24 horas de tratamento,a audição melhorou consideravelmente, segundo a paciente. Coma diminuição da dosagem de prednisona para 40mg/dia (19oPO e5o dia de tratamento), a paciente referiu piora da disacusia e davertigem. Foi realizada novamente uma audiometria,na qual seconstatou perda auditiva mista moderada a severa com discrimi-nação vocal em torno de 76%.

Foi solicitada tomografia computadorizada de alta resoluçãona qual evidenciou-se lesão otospongiótica na região anterior àjanela oval bilateralmente (corte axial) e também um discreto des-locamento inferior da prótese com preenchimento da parte postero-superior da cavidade timpânica (próxima à janela oval) por materi-al com densidade de partes moles que envolvia o ramo longo dabigorna e a prótese (corte coronal), sugerindo a hipótese degranuloma de reparação (figuras 1, 2, 3, 4).

Considerando-se a imagem tomográfica e a evolução desfavorá-vel decidiu-se realizar, no 20o PO, uma timpanotomia exploradora, como objetivo de confirmar o diagnóstico e tentar reparar o problema.

A cirurgia foi realizada sob anestesia local e sedação e no

transoperatório foi evidenciado um tumor avermelhado envolven-do a membrana timpânica, parte do ramo longo da bigorna comotambém a prótese, estendendo-se até o nicho da janela oval. Alesão era friável e sangrante ao toque, porém extremamente ade-rente às estruturas envolvidas. Foi realizada a dissecção e subse-qüente exérese de todo o tecido de granulação, desde a membra-na timpânica até a janela oval (o gelfoam utilizado previamentenão foi visualizado). A prótese de teflon estava deslocada póstero-inferiormente e como estava envolvida pelo tumor foi substituídapor um pistão de platina-teflon, sendo a janela oval selada com

Figura 1 (caso 1): Tomografia computadorizada (TC) axial de ossostemporais, evidenciando foco otosclerótico anterior à janela oval(seta azul) e a prótese de estapedotomia (seta verde)Obs.: mastóide esclerótica, com velamento de algumas células. Nestaorelha, foi realizada timpanomastoidectomia há 10 anos (associa-ção de otite média crônica com otosclerose)

Figura 2 (caso 1): TC axial de ossos temporais foco anterior à jane-la oval em orelha contralateral,confirmando o diagnóstico deotosclerose bilateral

Figura 3 (caso 1): TC coronal mostrando o envolvimento da cadeiaossicular (bigorna) por material com densidade de partes moles(seta verde) e deslocamento inferior da prótese(seta azul)

Figura 4 (caso 1): TC coronal demonstrando deslocamento inferiorda prótese de estapedotomia (teflon)

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GRANULOMA DE REPARAÇÃO PÓS-ESTAPEDOTOMIA 27

coágulo sangüíneo. Durante o procedimento cirúrgico a pacientenão apresentou tonturas nem sintomas neurovegetativos e o seulimiar auditivo (testado subjetivamente ao término da cirurgia) foiconsiderado bom. A mesma recebeu alta hospitalar no dia seguin-te sendo prescrito antibióticoterapia (amoxicilina + clavulanatode potássio) e corticoterapia (prednisona 40 mg/dia em dosesregressivas) por 10 dias. O exame anátomo-patológico confirmouo diagnóstico de granuloma. A audiometria realizada 60 dias apósa cirurgia de revisão evidenciou perda auditiva neurossensorialde grau moderado e uma discriminação vocal de 84%(monossílabos). A paciente não apresentou mais episódios devertigens após a cirurgia.

Foi iniciado tratamento com fluoreto de sódio 12,5 mg 2x/diapor 90 dias, sendo a paciente orientada a retornar se os sintomasde perda auditiva e/ou vertigens começassem novamente nesteintervalo de tempo. Programou-se nova avaliação audiométricaapós o término da medicação.

Caso 2: A M, 42 anos, feminina, enfermeira, portadora dehipoacusia bilateral lentamente progressiva, pior à direita, comevolução aproximadamente de 10 anos, acompanhada de zumbi-do intermitente de leve intensidade à direita (tipo apito).

O exame otorrinolaringológico não evidenciou alterações. Aaudiometria demonstrou uma disacusia mista moderada a severana orelha direita (com boa reserva coclear e gap aéreo-ósseo de30-40 dB) e disacusia condutiva à esquerda (gap de 20-30 dB),com discriminação auditiva em torno de 96% (bilateralmente). Aimitânciometria evidenciou curva tipo Ar e ausência de reflexosem ambas as orelhas. A hipótese diagnóstica de otospongiose foisugerida e a paciente foi submetida à estapedotomia direita (ladopior). Durante a cirurgia foram encontradas algumas dificuldades,

como nicho da janela oval muito posteriorizado e platina espessa(porém não obliterativa). A prótese utilizada foi a de Teflon e ajanela oval não foi selada. A paciente evoluiu bem no pós-opera-tório imediato recebendo alta hospitalar na manhã seguinte. No 9o

PO apresentou piora da audição na orelha operada juntamentecom quadro de vertigem moderada. No 10o PO foi solicitadaaudiometria que evidenciou disacusia mista moderada a severa àdireita e piora da discriminação auditiva (65%). As hipóteses degranuloma de reparação e fístula perilinfática foram aventadas.Fez-se a opção de tratar conservadoramente a paciente comcorticosteróide sistêmico (prednisona) na dosagem de 60mg/diaem doses decrescentes até completar 3 semanas de tratamento. Oquadro de vertigem melhorou, permanecendo um desequilíbrioleve ao deambular até o 2o mês de PO. A audição foi piorandoprogressivamente e a paciente queixava-se de zumbido tipo chia-do à direita (moderada intensidade), sendo deste modo solicitadotomografia computadorizada de ossos temporais onde eviden-ciou-se material com conteúdo de partes moles preenchendo onicho da janela oval na orelha direita, envolvendo também a ca-deia ossicular, sugerindo a presença granuloma de reparação (fi-guras 5, 6). A reintervenção cirúrgica foi indicada, porém a paci-ente preferiu continuar com o tratamento clínico. O limiar auditivoda paciente foi deteriorando progressivamente e, em novaaudiometria, evidenciou-se perda auditiva neurossensorial pro-funda à direita, com 0% de discriminação.

Foi indicada a colocação de prótese auditiva (AASI) na orelhaesquerda, obtendo-se boa adaptação.

Caso 3: E A B, 43 anos, feminina, portadora de perda auditivacondutiva em orelha direita, foi submetida à estapedotomia (direi-ta) há 10 anos em outro serviço de otorrinolaringologia (provávelquadro de otosclerose). A paciente referiu que nos primeiros diasapós a cirurgia teve boa evolução, porém no 7o PO começou aapresentar piora do limiar auditivo e vertigem moderada. A mes-ma não sabia afirmar o tipo de prótese utilizada na cirurgia nem asmedicações prescritas na época. Segundo ela, a audição da orelhaoperada foi completamente perdida. As audiometrias antigas evi-denciavam realmente limiar auditivo normal em orelha esquer-da e surdez profunda à direita. A imitanciometria demonstravacurva timpanométrica tipo Ar e ausência de reflexos bilateralmen-te. A paciente, no momento, queixava-se de zumbido de leve in-tensidade na orelha direita. Foram solicitados os exames deaudiometria e tomografia computadorizada de ossos temporaispara avaliar adequadamente a orelha contralateral (principal preo-cupação da paciente), em relação à bilateralidade da doença. Aaudiometria foi semelhante às anteriores, porém, para nossa sur-presa, a tomografia evidenciou material com conteúdo de partesmoles preenchendo a região adjacente à janela oval como tambémenvolvendo a cadeia ossicular à direita. Não foram identificadosfocos otospongióticos na cápsula ótica (em ambas as orelhas). Adegeneração auditiva neste caso ocorreu provavelmente devidoà formação de granuloma de reparação pós-estapedotomia (se-gundo as informações clínicas e tomográficas). Em decorrênciada estabilidade do quadro (inalterado há 10 anos) a paciente foiorientada a realizar audiometrias anuais com intuito de monitorara audição contralateral.

Figura 6 (caso 2): TC coronal demonstrando o envolvimento dacadeia ossicular por material com densidade de partes moles

Figura 5 (caso 2): TC coronal evidenciando material com conteúdode partes moles preenchendo o nicho da janela oval

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GRANULOMA DE REPARAÇÃO PÓS-ESTAPEDOTOMIA28

DISCUSSÃO

O risco de haver degeneração coclear após cirurgia do estribo éconsiderado baixo, com incidência na literatura variando entre 0,6% a3%3. Todavia, quando isto ocorre, tanto o otorrinolaringologista quan-to o paciente ficam numa situação extremamente frustrante econstrangedora.

Dentre as causas dessa perda auditiva está a formação deintenso processo reparativo com reação inflamatória exuberantedenominado granuloma de reparação.

Harris & Weiss (1962) relataram em seu estudo 5% de incidên-cia de granuloma em 119 estapedectomias4, enquanto Kaufman &Schucknecht (1967) encontraram uma incidência de 1,3% destaafecção em 780 estapedectomias 3. Seicshnaydre et al (1994) ob-servaram que a incidência do granuloma de reparação varia deacordo com o tipo de cirurgia empregada, sendo menor nasestapedotomias do que nas estapedectomias1.

A ua etiologia permanece uma incógnita. É descrito na litera-tura que a formação de granuloma de reparação está freqüentementeassociada ao uso de gelfoam e/ou gordura principalmente nasestapedectomias (para o selamento da janela oval)2. Belluci &Wolfe (1960) descreveram em estudo histológico experimental queo gelfoam, quando utilizado no selamento da janela vestibular,provocava lesão na membrana basilar1.

Os enxertos de fascia, pericôndrio, veia e o coágulo sangüíneotambém foram considerados como fatores predisponentes parao desenvolvimento do granuloma de reparação, porém em pro-porção menor1.

Fenton et al (1996) relataram um caso de granuloma de repara-ção pós-estapedectomia no qual foi evidenciada histologicamentea ocorrência de necrose, seguida de reabsorção do enxerto degordura, sendo este achado atribuído à provável diminuição dosuprimento sangüíneo, reação imunomediada e/ou processoreparativo exuberante2.

Alguns autores descreveram a relação entre o talco da luvacirúrgica e o desenvolvimento do granuloma1, 5.

A associação entre o tipo de prótese e a formação do granulomade reparação foi observada por Seicshnaydre et al.(1994). Segundoeste estudo, nas estapedectomias o uso da prótese de metal estavamais relacionado com o desenvolvimento do tecido de granulação(granuloma), enquanto que na estapedotomia esta afecção estavamais associada à utilização da prótese de teflon1 .

Dawes et al. (1973) encontraram fragmentos de teflon no inte-rior dos granulomas de reparação e sugeriram, portanto, que essematerial seria um agente etiológico importante nestes casos1.

Dois pacientes em nosso estudo foram submetidos aestapedotomia e as próteses utilizadas nestes casos foram deteflon. Uma paciente não sabia afirmar o tipo de cirurgia nem aprótese utilizada (procedimento cirúrgico realizado há 10 anos).

Com relação ao material usado no selamento da janela oval, ogelfoam foi utilizado em apenas um paciente.

A sintomatologia é caracterizada principalmente por perdaauditiva de caráter súbito ou progressivo muitas vezes acompa-nhada de vertigem, ocorrendo habitualmente entre a primeira e asexta semana após o procedimento cirúrgico. Kaufman &

Schucknecht (1967) descreveram um caso onde os primeiros sin-tomas ocorreram 10 meses após a estapedectomia3.

Já Seiscshnaydre et al (1994) verificaram que o sintoma maiscomum em pacientes com granuloma de reparação era a vertigemseguido pela disacusia e, por último, o zumbido1.

É importante salientar que estes sintomas quando presentesnos primeiros quatro a cinco dias do pós-operatório, provavelmen-te indicam a presença de labirintite serosa e não de granuloma6.

A fístula perilinfática e a labirintite serosa constituem os prin-cipais diagnósticos diferenciais do granuloma de reparação.

Nos casos relatados neste estudo os sintomas dos pacientes seiniciaram após a primeira semana de pós-operatório (estapedotomia),sendo a perda auditiva progressiva juntamente com a vertigem degrau leve a moderado as queixas mais comuns. Todos os pacientesapresentavam zumbido de leve a moderada intensidade na orelhaafetada, porém sem lhes causar maiores transtornos.

A otoscopia pode revelar uma membrana timpânica comhiperemia principalmente na região postero-superior3, 6, muito em-bora seja difícil diferenciar o granuloma de um processo cicatricialpós-cirúrgico habitual6.

Não foi possível identificar, ao exame otoscópico, alguma evi-dência que indicasse a presença de granuloma de reparação naorelha média em nossos pacientes.

O exame audiométrico revela habitualmente perda auditivaneurossensorial, muito embora em alguns casos seja possívelevidenciar também a presença de componente condutivo, sen-do freqüente o comprometimento, em graus variáveis, da discri-minação vocal3.

Segundo alguns autores, a incidência de perda auditivaneurossensorial nos pacientes com granuloma de reparação variade 70% a 100%, ocorrendo queda da discriminação auditiva paravalores inferiores a 60% em alguns deles; a vertigem foi relatadaem 20% a 35% dos casos7.

Nos três casos relatados neste estudo, a audiometria tonaldemonstrou perda auditiva inicial do tipo neurossensorial em doispacientes e mista em um paciente, com comprometimento da dis-criminação vocal em todos eles.

A tomografia computadorizada de alta resolução é um examecomplementar muito importante na investigação diagnóstica decomplicações decorrentes da cirurgia do estribo2. Nos casos degranuloma de reparação é possível evidenciar um preenchimentodo nicho da janela oval e/ou região adjacente, bem como oenvolvimento da cadeia ossicular por material com densidade departes moles. Em algumas ocasiões pode haver inclusive um des-locamento da prótese8.

A ressonância magnética também pode ser útil, principalmen-te nos casos em que a tomografia computadorizada não consegueser elucidativa, por exemplo, quando ocorre extensãointravestibular do granuloma, labirintite inflamatória e/ou hemor-ragia intravestibular). O granuloma de reparação especificamentecaracteriza-se pela diminuição focal da intensidade de sinal doslíquidos labirínticos em T2 (nos casos de invasão vestibular) etambém pela impregnação ao contraste paramagnético9.

Em nosso estudo a tomografia computadorizada foi extrema-mente eficaz, evidenciando imagens sugestivas de granuloma dereparação em todos os pacientes.

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GRANULOMA DE REPARAÇÃO PÓS-ESTAPEDOTOMIA 29

A abordagem terapêutica do granuloma de reparação perma-nece ainda controversa.

Kaufman & Schucknecht (1967), num estudo de 10 pacientescom granuloma de reparação, defenderam a intervenção imediata(timpanotomia exploradora) e remoção do granuloma juntamentecom a colocação de outro tipo de prótese e também de enxerto parao selamento da janela oval3. Como resultado, conseguiram recupe-rar a audição parcialmente em cinco pacientes, estabilizá-la em trêse dois pacientes evoluíram para perda auditiva progressiva.

Gacek (1970) também é favorável à abordagem cirúrgica imedi-ata. Em seus 19 casos de granuloma,16 deles evoluíram satisfato-riamente bem, após a revisão cirúrgica6.

Já Elies & Hermes (1990) obtiveram bons resultados com otratamento clínico (conservador) nestes casos, através da utiliza-ção de antibióticos, corticosteróides e expansores plasmáticos1.

A remoção cirúrgica do granuloma e da prótese, com subse-qüente substituição desta por outra (de material diferente), pare-ce ser a melhor opção na prevenção da perda auditivaneurossensorial permanente9.

O granuloma de reparação, em 2% dos casos, pode invadir ovestíbulo. No entanto, a lesão não adere às estruturasmembranáceas desta região (sáculo e utrículo), o que torna possí-vel a sua exérese3, 10.

Foi observado em nosso estudo que os pacientes tratadosconservadoramente apresentaram pior prognóstico em relação aopaciente submetido à cirurgia.

Com a administração do corticosteróide sistêmico houve me-lhora parcial dos sintomas (principalmente a perda auditiva e avertigem), porém com a diminuição da dosagem, o quadro foi pio-rando progressivamente (casos 1 e 2).

Dois pacientes evoluíram com perda auditiva neurossensorialprofunda com ausência de discriminação auditiva. Ambos foramtratados clinicamente e o diagnóstico de granuloma de reparaçãofoi sugerido pela história clínica e pelos achados tomográficos.Um dos pacientes tinha imagem sugestiva de granuloma de repa-ração dez anos após a cirurgia, porém não apresentava qualquersintomatologia (provavelmente houve inativação da lesão, ou seja,substituição por tecido fibroso).

Na paciente submetida à timpanotomia exploradora e exéresedo granuloma (caso no 1), houve estabilização dos limiares auditi-vos e a discriminação vocal ficou em torno de 84% (40 dias apósa cirurgia de revisão).O interessante neste caso foi a presença dehistória pregressa de otite média crônica, que foi devidamentetratada após timpanomastoidectomia há 10 anos.

A ocorrência de otosclerose em pacientes com otite médiacrônica (OMC) é muito rara, tendo uma incidência na literatura deaproximadamente 0,3%. A estapedotomia pode ser efetuada nes-tes casos desde que a OMC tenha sido tratada adequadamente –através de timpanoplastia e/ou timpanomastoidectomia – e o qua-dro esteja estabilizado.11

A tomografia computadorizada de ossos temporais, solicitadaneste caso, foi muito importante pois além de confirmar o diag-nóstico de otosclerose demonstrou imagem sugestiva degranuloma de reparação (figura 1).

Devido ao desconhecimento da etiologia do granuloma dereparação e conseqüentemente a multiplicidade de fatorespredisponentes descritos na literatura, fica extremamente difícilencontrar a verdadeira causa desta complicação. É provável queexista alguma predisposição individual ainda não identificada(imunomediada e/ou genética) que leve à formação deste proces-so reparativo exuberante.

COMENTÁRIOS FINAIS

O granuloma de reparação é uma complicação rara da cirurgiado estribo e sua etiologia ainda permanece desconhecida.

Apesar de toda tecnologia atual, a suspeita clínica ainda é amelhor arma no diagnóstico desta afecção, muito embora atomografia computadorizada de alta resolução, como também emalguns casos a ressonância magnética, sejam extremamente úteis,evidentemente quando corretamente solicitadas e interpretadas.

A administração de corticosteróides sistêmicos o mais preco-cemente possível, juntamente com a exérese cirúrgica da lesão,parece ser a melhor abordagem terapêutica deste processo infla-matório reparativo.

SUMMARY

The formation of reparative granuloma constitutes one of the maincauses of sensorineural hearing loss and vertigo after stapes surgery.This complication is uncommon and its etiology remains obscure,characterized as a tissue proliferation that may involve the incus,the prothesis, the tympanic membrane, the oval window and rarelythe vestibule. The high resolution computed tomography and insome cases the magnetic resonance imaging can provide importantinformation. The reparative granuloma treatment is controversial.The treatment can be clinical and/or surgical.

In the present study, the authors report three cases of post-stapedotomy reparative granuloma and discuss the incidence, etiology,clinical features, diagnosis and treatment of this surgical complication.

Key words: reparative granuloma, otosclerosis, stapedotomy.

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GRANULOMA DE REPARAÇÃO PÓS-ESTAPEDOTOMIA30

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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6. Gacek,RH. - The diagnosis and treatment of post-stapedectomygranuloma. Ann Otol Rhinol Laryngol 1970; 79:970-975.7. Wiet,RJ; Harvey, ST; Bauer GP. - Complications in stapes surgery,options for prevention and management. Otolaryngologic Clinicsof North America 1993; 26(3): 471-490.8. Williams,MT; Ayache,D; Elmaleh,M; Héran, F; Elbaz,P;Piekarski,JD. - Helical CT findings who have undergone stapessurgery for otosclerosis. AJR 2000: 174;387-392.9. Rangheard,AS; Marsot-Dupuch, K; Meyer,B; Tubiana,JM. -Postoperative complications in otospongiosis: usefulness of MRimaging. Am J Neuroradiol 2001; 22(6):1171-8.10. Pratt,LL; Winchester,RA. - Fibromatous polyp of the vestibule.Arch Otolaryngol 1962;75:98-102.11. Berenholz,LP; Lippy,WH; Burkey,JM; Schuring,AG; Rizer,MF.- Stapedectomy following tympanoplasty. J Laryngol Otol2001;115: 444-446.

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REVISTA VIRTUAL

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COMPROMETIMENTO COCLEAR NA OTOSPONGIOSE 31

RESUMO

A otospongiose é uma osteodistrofia da cápsula ótica deetiologia desconhecida que acomete indivíduos geneticamentepredispostos, com prevalência na população caucasiana do sexofeminino e com início dos sintomas entre os 20 e 30 anos de idade.Esta afecção provoca perda auditiva progressiva com padrãoaudiológico condutivo, devido à fixação da platina do estribo,misto ou neurossensorial, decorrente ao acometimento do labi-rinto membranoso. É freqüente a presença de zumbidos e, even-tualmente, podem surgir vertigens ou até mesmo um quadro dehidropisia endolinfática nos casos mais avançados. A tomografiacomputadorizada de alta resolução tem sido utilizada como méto-do de imagem de eleição para evidenciar as lesõesotospongióticas. Nos casos de comprometimento coclear peladoença, o tratamento medicamentoso anti-enzimático com fluoretode sódio ou mais recentemente com os bifosfonatos (alendronatosódico) está indicado. O presente estudo relata um caso clínicode otospongiose avançada com alterações cócleo-vestíbulo-fenestrais intensas associadas à deteriorização importante da au-dição e do equilíbrio do paciente.

Palavras-chave: otospongiose, perda auditiva, tomografiacomputadorizada, bifosfonatos.

COMPROMETIMENTO COCLEAR NA OTOSPONGIOSE:RELATO DE CASO E REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

COCHLEAR INVOLVEMENT IN OTOSPONGIOSIS: A CASE REPORT AND LITERATURE REVIEW

Andy de Oliveira Vicente1, Paulo Emmanuel Riskalla2, Hélio K.Yamashita3,Marluce Baia dos Santos4, Karina Barbieri Tavares4, Rejane Setogutte5

1 Médico Assistente do Setor de Otorrinolaringologia do Hospital CEMA, Mestre em Otorrinolaringologia na UNIFESP-EPM2 Professor Adjunto-Doutor da Disciplina de Otorrinolaringologia da UNIFESP-EPM, médico otorrinolaringologista do Hospital CEMA3 Professor Adjunto-doutor do Departamento de Diagnóstico por Imagem da UNIFESP-EPM4 Médica otorrinolaringologista do Hospital CEMA5 Médica Otorrinolaringologista.

Artigo apresentado sob a forma de pôster no IV Simpósio Internacional de Transplantes e Implantes emOtologia, Simpósio Internacional de Atualização em Vertigem e Zumbido e Simpósio de Atualização emPrótese Auditiva, realizados no período de 23 a 26 de maio de 2001, em São Paulo, SP

INTRODUÇÃO

A anquilose estapedio-vestibular foi inicialmente descrita porAntônio Valsalva em 1704, Politzer introduziu o termo otoscleroseem 1894 e no ano de 1912 Siebenmann propôs a denominaçãootospongiose, a qual caracteriza de forma mais fidedigna ahistopatogênese desta afecção. Ela pode ser definida como umadoença focal primária da cápsula labiríntica, de etiologia desco-nhecida, que acomete indivíduos geneticamente predispostos,em que o osso lamelar normal é substituído por osso espesso eirregular através de estágio vascular ativo na camada endocondral,manifestando-se usualmente por perda auditiva do tipo condutivadevido à fixação da platina do estribo.1, 3, 6

Nos casos mais severos, os focos otospongióticos podemexpandir-se e afetar as estruturas da orelha interna, acarretandoperda auditiva mista e eventualmente alterações vestibulares.5, 6

Alguns autores relatam o envolvimento de regiões da cápsulaótica que não a janela oval, ocasionando perda auditivaneurossensorial progressiva, configurando o quadro deotospongiose coclear.10, 11, 14

O presente estudo relata um caso clínico de otospongiosecom intenso comprometimento estrutural da cápsula labiríntica econseqüente degeneração substancial da audição e do equilíbriono paciente em questão.

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RELATO DE CASO

H A G, 42 anos, sexo feminino, branca, compareceu a nossoserviço com queixa de vertigem moderada que ocorria em crisesfreqüentes há aproximadamente 09 meses, acompanhada dehipoacusia progressiva bilateral e zumbido, mais acentuados nolado esquerdo. Referiu ter-se submetido à cirurgia otológica(estapedectomia em ouvido direito) há 18 anos. A paciente nega-va história familiar de problemas auditivos, não referindo antece-dentes pessoais de doença sexualmente transmissível (sífilis) ouepisódios de fraturas espontâneas (osteogênese imperfeita). Paramelhorar o quadro vertiginoso fazia uso esporádico de cinarizina75mg ao dia. O exame físico otorrinolaringológico não apresentouanormalidades. Ao exame otoneurológico não foi evidenciadapresença de nistagmo espontâneo ou semi-espontâneo e o equi-líbrio estático e dinâmico estava normal.

A audiometria tonal apresentou perda auditiva mista modera-da à direita e neurossensorial profunda à esquerda.

A tomografia computadorizada de ossos temporais foi solicitada eevidenciou focos de desmineralização (radiolucentes) extensos, con-fluentes (lucência pericoclear), com envolvimento da superfícieendosteal da cápsula ótica e foco obliterativo com espessamento im-portante da platina do estribo à esquerda (figuras 1, 2, 3 e 4). Devidoaos sintomas cocleo-vestibulares significativos, foi solicitada resso-nância magnética (RM) de ossos temporais para avaliar principalmenteas estruturas retrococleares. A RM demonstrou hiperintensidade desinal pericoclear bilateralmente e em vestíbulo à esquerda, nas imagensponderadas em T1 com gadolínio (figuras 5 e 6).

Com estes dados, foi firmado o diagnóstico de otospongiosecom comprometimento cócleo-vestibular bastante significativo e,por esta razão, a paciente foi submetida a tratamento clínico comalendronato sódico na dosagem de 10mg por dia durante 03 me-ses, obtendo-se melhora significativa da vertigem e do zumbido.Os exames audiológicos tonal e vocal subseqüentes à terapiamedicamentosa não evidenciaram alterações até o momento e aprotetização auditiva foi proposta neste caso. A paciente foi ori-entada a continuar fazendo acompanhamento ambulatorial comaudiometrias seqüenciais, que nos indicarão a duração do trata-mento, uma vez confirmada a estabilização do quadro clínico.

DISCUSSÃO

A otospongiose é uma osteodistrofia da cápsula labiríntica emque o osso denso é substituído por osso esponjoso, alternando-seperíodos de reabsorção e neoformação óssea.10,11

A cápsula ótica normal é composta pelas camadas endosteal,endocondral e periosteal. As duas primeiras são praticamente des-providas da capacidade de remodelamento ósseo e isto se deve prin-cipalmente a dois motivos: necessidade de manutenção da integrida-de das estruturas neurossensoriais e homeostase dos líquidos daorelha interna; as infecções (meningite, sífilis) e osteodistrofias(otosclerose, doença de Paget, osteogênese imperfeita) quebram esseequilíbrio, podendo apresentar neoformação óssea exuberante.10,11,14

Embora a causa da otospongiose seja obscura, múltiplas teori-

Figura 1: TC de ossos temporais, corte axial, evidenciandoespessamento de platina do estribo (setas verdes) bilateralmente eáreas de desmineralização (radioluscentes) pericocleares (setasvermelhas) bilateralmente.

Figura 2: TC de ossos temporais, corte axial, demonstrandoluscência pericoclear bilateral (setas azuis).

Figura 3: TC de ossos temporais,corte axial, com área dedesmineralização próxima a jane-la redonda e aqueduto coclear di-reitos (seta branca).

Figura 4: TC de ossos temporais,corte coronal, demonstrandoespessamento da platina do estri-bo (seta azul) e foco dedesmineralização no giro basal dacóclea (seta vermelha) à direita.

Figura 5: RM de ossos temporais,corte axial em T1 após adminis-tração de gadolínio, evidenciandohiperintensidade de sinalpericoclear (setas verdes) e emvestíbulo (seta azul) à esquerda.

Figura 6: RM de ossos temporais,corte coronal em T1 após a admi-nistração de gadolínio, evidenci-ando imagem hiperintensapericoclear bilateral (setas)

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as têm sido sugeridas como a hereditária, endócrina, bioquímica,metabólica, vascular, infecciosa e imunomediada; trabalhos recen-tes têm aventado a hipótese de que a infecção prévia pelo vírus dosarampo pudesse ser o fator predisponente para o desenvolvimen-to de lesões otospongióticas, estudos estes realizados através depesquisa da presença do RNA viral através do exame de PCR(polymerase chain reaction) no tecido comprometido (fragmentoda platina do estribo retirada durante a estapedectomia).6, 7

A otospongiose é mais comum em caucasianos, do sexo femi-nino, possuindo herança autossômica dominante com 50% depenetrância.10, 11 O início dos sintomas ocorre com maior freqüên-cia entre os 20 e 30 anos de idade, porém existem relatos na litera-tura onde as primeiras manifestações da doença ocorreram emcrianças menores de 06 anos e adultos maiores que 54 anos.6

Segundo Guild (1944), pode-se classificar a otospongiose emduas formas: clínica (sintomática) e histológica (assintomática).10

Aproximadamente 10% da população caucasiana e 1% das pesso-as da raça negra apresentam evidência histológica da doença, sen-do que 10% destes irão desenvolver a forma clínica da otospongiose(fixação da platina). Esta afecção é extremamente rara em asiáticos ea predominância do sexo feminino tem sido encontrada, segundoestudos histopatológicos, somente nos casos sintomáticos (64%-72%).10 A bilateralidade da doença ocorre em 70% a 85% dos casose estima-se que 9% dos pacientes com otospongiose irão desen-volver perda auditiva neurossensorial profunda.4, 10, 11

Histologicamente a otospongiose caracteriza-se por uma faseinicial (espongiótica) em que há um aumento dos espaçosperivasculares, reabsorção óssea osteoclástica, hipercelularidade,formação óssea imatura na camada endocondral da cápsula óticae uma fase tardia (esclerótica) com diminuição da celularidade,obliteração dos vasos sanguíneos, remineralização, com forma-ção de osso esclerótico denso como processo reparativo.10, 11, 14, 15

A maioria das lesões displásicas (espongióticas, fibróticas ouescleróticas) está situada na região anterior à janela oval, nãoocorrendo o comprometimento da platina do estribo.

Contudo, o foco otospongiótico pode expandir-se em direçãoao ligamento anular fixando o estapédio (padrão fenestral), bemcomo envolver o canal de Falópio (sem conseqüências sensitivo-motoras) ou progredir em direção às estruturas membranosas dolabirinto (padrão retrofenestral).4, 10, 13 É importante salientar queeventualmente podem ocorrer focos otospongióticos múltiplosna cápsula ótica, muito embora este achado seja infreqüente, prin-cipalmente quando se refere a mais de três sítios de lesões.6

As áreas mais comumente envolvidas pelos focos otospongióticosestão localizadas, em ordem decrescente de freqüência, na região ante-rior à janela oval (fissula ante fenestram), janela redonda, platina doestribo, meato acústico interno e canais semicirculares.4, 6, 10, 11

O acometimento das estruturas neurossensoriais da orelha internaacontece devido a uma série de fatores que podem estar associados ouocorrerem de forma isolada, caracterizados pela liberação de enzimascitotóxicas (tripsina, fosfatase alcalina e outras, oriundas da reação dereabsorção óssea), formação de shunts vasculares anormais com con-seqüente congestão venosa coclear e isquemia arterial, comprometi-mento dos aquedutos coclear e vestibular, atrofia da estria vascular,hialinização do ligamento espiral e degeneração dos neurônios coclearesprincipalmente os localizados na espira basal da cóclea.4, 5, 6, 10, 11

É importante que se realize anamnese detalhada com atençãovoltada para a história familiar, muito embora a negatividade destanão seja infreqüente, atribuindo-se a isto prováveis mutaçõesgenéticas. As manifestações clínicas incluem a hipoacusia pro-gressiva, zumbido e eventualmente vertigens. Nos casos de ex-tenso comprometimento das estruturas do labirinto membranosopela otospongiose, as alterações histopatológicas por ela causa-das podem provocar um quadro de hidropisia endolinfática. Aotoscopia usualmente é normal, porém alguns pacientes apresen-tam hiperemia em região de promontório vista por transparênciaatravés da membrana timpânica (mancha rubra de Schwartze) emdecorrência do aumento da vascularização desta área.11

O exame audiológico evidencia geralmente disacusiacondutiva, muito embora nas ocasiões onde as regiões nobres daorelha interna são afetadas possa haver perda auditiva mista ouneurossensorial pura progressiva. À imitânciometria observa-sehabitualmente ausência do reflexo estapediano e curvatimpanométrica rebaixada (Ar). É importante salientar que no es-tágio inicial de otospongiose (fase subclínica), a pesquisa do re-flexo estapediano pode evidenciar o efeito ON-OFF, caracterizadopela deflecção negativa do reflexo ou diminuição da impedânciano início e no término da estimulação, representando uma fixaçãomínima da platina do estribo.Todavia, com a progressão da doen-ça e conseqüente aumento da rigidez estapedio-vestibular, ocor-rerá provavelmente a habitual ausência de reflexo.11

A otossífilis, a osteogênese imperfeita e a doença de Paget devemser incluídas no diagnóstico diferencial da otospongiose avançada eno caso relatado neste trabalho estas doenças foram investigadas.

A tomografia computadorizada de alta resolução dos ossos tem-porais é o exame de imagem de eleição para o diagnóstico daotospongiose, podendo-se detectar anormalidades na região da janelaoval em 80% a 90% dos casos comprovados cirurgicamente.12, 13, 14 Afase espongiótica é caracterizada na tomografia por áreas dedesmineralização (radiolucentes) no labirinto ósseo que podem serúnicas, múltiplas ou confluentes. Focos otospongióticos coclearesconfluentes são identificados como imagens radioluscentespericocleares, também denominadas como imagens em duplo anel.1, 3, 9,

12, 13, 14, 15 Durante a fase esclerótica, a utilidade da tomografiacomputadorizada fica prejudicada devido à semelhança de densidadeentre as lesões e a cápsula ótica normal, muito embora possam servisualizadas alterações estruturais como espessamento da platina doestribo e focos obliterativos em janelas (oval e redonda).14, 15 Estudosrecentes vêm enfatizando o emprego da ressonância magnética princi-palmente no diagnóstico das lesões otospongióticas ativas. Nas ima-gens ponderadas em T1 os focos otospongióticos normalmente têmintensidade de sinal intermediária ou de partes moles. Após a adminis-tração do contraste paramagnético, as lesões otospongióticas sãomelhor visualizadas, tornando-se hiperintensas devido à impregnaçãodo gadolínio nos espaços vasculares dentro do foco ativo da doença(áreas de desmineralização e hipervascularização).9, 14, 15

A solicitação da RM (com gadolínio) foi muito importante nestecaso pois além de evidenciar as lesões otospongióticas ela tam-bém descartou uma possível afecção retrococlear.

Nos casos de acometimento coclear pela otospongiose é pre-conizado o uso de medicamentos que agem no metabolismo ós-seo (remodelamento). Em 1964, Shambaugh introduziu a utiliza-

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COMPROMETIMENTO COCLEAR NA OTOSPONGIOSE34

ção de fluoreto de sódio com o objetivo de combater o foco ativoda doença, pois o mesmo inibe a ação dos osteoblastos impedin-do deste modo o remodelamento ósseo excessivo e conseqüente-mente o avanço da otospongiose.

Recentemente, Kennedy H. Brookler propôs o uso dosbifosfonatos no tratamento clínico da otospongiose, como, porexemplo, o alendronato de sódio.8 Este último é um bifosfonato desegunda geração que tem como principal ação inibir a reabsorçãoóssea mediada pelos osteoclastos, diminuindo secundariamentea produção de enzimas lesivas à orelha interna. Alguns autoresrelatam que o alendronato sódico também agiria no remodelamentoósseo induzido pelos osteoblastos, porém com menor eficiência.2

Os bifosfonatos começaram a ser utilizados a princípio para otratamento da osteoporose, doença de Paget e outras osteodistrofias,porém há aproximadamente cinco anos estes vêm sendo utilizadosna otospongiose, obtendo-se resultados animadores principalmenteno que diz respeito à estabilização da audição e diminuição dos zum-bidos. Em alguns casos pode haver melhora da discriminação auditi-va e até mesmo discreta recuperação do limiar tonal.8

No caso apresentado, a paciente foi diagnosticada como por-tadora de otospongiose avançada com alterações cócleo-vestibulo-fenestrais evidentes, demonstradas de forma precisapelos exames de tomografia computadorizada e ressonância mag-nética, recebendo deste modo a terapia adequada e obtendo porconseguinte a estabilização do seu quadro clínico.

CONCLUSÃO

O comprometimento coclear otospongiótico é uma possibili-dade que deve ser sempre suspeitada e conseqüentementeinvestigada nos casos de perdas auditivas mistas ouneurossensoriais progressivas em adultos jovens, de preferênciaatravés dos exames de tomografia computadorizada de alta reso-lução e ressonância magnética, para que se possa realizar umdiagnóstico preciso e oferecer opção terapêutica (medicamentosa)no estágio inicial da doença com intuito de impedir o avançodesta e obviamente preservar o limiar auditivo do paciente.

SUMMARY

Otospongiosis is an osteodistrophy of the otic capsule ofunknown etiology that affects genetically predisposed individualswith prevalence in the female Caucasian population and with thebeginning of the symptoms between the age 20 and 30. This diseasecauses a progressive hearing loss with a conductive audiologicalpattern, due to the fixation of the platinum of the incus, mixed orneurosensorial, resulting from the membranous labyrinthmanifestation. It is frequent the presence of tinnitus, andeventually, vertigo can happen or even an endolymphatic hydropsmay occur in the most advanced cases. The high resolutioncomputed tomography has been using as a scanning method todemonstrate otospongiotic lesions. In the cases of cochlearinvolvement by the disease, the treatment with antienzymatic drugs

with fluoride or more recently with the biphosphonates(alendronate sodium) (1) is recommended. The present studyreports one clinical case of advanced otospongiosis with intensealterations in the fenestral-vestibule-cochclea (2) associated withan important hearing and equilibrium deterioration of the patient.

Key words: otospongiosis, hearing loss, computedtomography, biphosphonates.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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(1) such as fluoride or more recently biphosphonates (alendronatesodium) is indicated.(2) changes in labyrinthine capsule.

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RESUMO

O emprego de plantas e preparações de origem vegetal para finsterapêuticos encontra-se em grande expansão no momento atual.A insatisfação da sociedade em relação ao alto custo dos medica-mentos industrializados faz com que haja uma forte tendência nautilização destas substâncias sem nenhum critério técnico ou cien-tífico. A Luffa operculata é utilizada freqüentemente pela popula-ção da região Norte e Nordeste do Brasil como alternativa terapêu-tica das rinossinusites agudas ou crônicas. Teríamos então umanova terapêutica para esta doença tão freqüente dos dias atuais.

Palavras chaves: Luffa opercullata, rinosinusite, terapia

LUFFA OPERCULATA:UMA “NOVA” ARMA MEDICINAL?

Cícero Matsuyama1, Marcio M. Aquino2

1 Mestre e Doutor pela UNIFESP – EPM, Coordenador Geral da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Instituto CEMA – São Paulo, SP2 Preceptor da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Instituto CEMA – São Paulo, SP

INTRODUÇÃO

Desde o início da existência do homem, a busca pela cura dosdiferentes males que atingem a raça humana manifesta-se de umaforma obsessiva e incansável. Assim, a utilização de diversostipos de substâncias químicas extraídas do meio vegetal, animalou mineral tornou-se uma realidade.

O emprego de plantas e preparações de origem vegetal parafins terapêuticos, embora milenar, encontra-se, no momento atual,em grande expansão, refletindo a tendência da população em uti-lizar, preferencialmente, produtos naturais na recuperação e pre-servação da saúde.Vale ressaltar ainda a insatisfação da socieda-de em relação ao alto custo dos medicamentos industrializados eao estímulo ocasionado pela divulgação pouco criteriosa das pro-priedades milagrosas atribuídas às plantas, propagando informa-ções que ignoram o conhecimento científico desenvolvido nasúltimas décadas sobre efeitos desejados, precauções, contra-in-dicações e riscos na utilização indiscriminada de plantas1.

A rinossinusite aguda bacteriana é uma complicação freqüen-te, principalmente após manifestação de infecção viral respirató-ria (0,5 a 2 %)2 ou alérgica, em que a fisiopatologia baseia-se prin-cipalmente no excesso da produção, acúmulo ou na dificuldadena drenagem de secreções nasais e dos seios paranasais, oriun-das da congestão excessiva ou pelo processo inflamatório decor-rente da vasodilatação, migração de células inflamatórias e libera-ção de substâncias vasoativas. As manifestações clínicas perma-necem por até 4 semanas, podendo evoluir para cura espontânea,como qualquer doença inflamatória aguda, para complicaçãosistêmica (sepsis) ou local (abcesso orbitário ou cerebral) ou paraa cronicidade. Necessitando desta forma de um acompanhamentoe tratamento médico adequado.

A rinossinusite crônica é assim determinada quando as mani-festações clínicas permanecem e ultrapassam o limite de 3 meses,independentemente da utilização de medicamentos antimicrobianosou sintomáticos.

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Devido principalmente à alta incidência das manifestações clí-nicas da rinossinusite aguda ou crônica e um grande número depessoas acometidas pela doença, métodos terapêuticos poucosusuais são utilizados na busca de sua cura, dentre todos destaca-mos a Luffa operculata, também conhecida como buchinha-do-norte ou cabacinha. Ela é utilizada freqüentemente na forma defruto seco, submetida a uma infusão sob água fervente, que podeser inalada ou instilada diretamente nas cavidades nasais. Rela-tos de pacientes que se utilizam de tal tratamento de forma espon-tânea e que procuram atendimento médico, devido às complica-ções, são de manifestações locais imediatas, como: sangramento,corisa, rinorréia, obstrução nasal intensa, que, com o passar dehoras ou dias atenuam, embora a melhora significativa dos sinto-mas iniciais, se comparados aos que ocorrem após a utilização,ainda são uma incógnita.

CARACTERÍSTICA DA LUFFA OPERCULATA

A Luffa operculata é fruto de uma erva trepadeira comumenteconhecida como cabacinha3. Durante o seu desenvolvimento atingeaté 5 metros de altura, com folhas grandes, ásperas e verde escuras,que lembram uma mão aberta4. Produz fruto de até 50 cm de compri-mento, cilíndrico, amarelo quando maduro e castanho escuro quan-do seco4 (foto 1). Pertence à família Cucurbitácea, portanto, outrasplantas desta mesma família são utilizadas no cotidiano das pessoascomo esponjas para banho e no consumo in natura (pepino).

Figura 1: Os compostos isolados tiveram suas estruturas ana-lisadas através de métodos espectroscópicos, tais como, IV, EM eRMN (1H e 13C) incluindo técnicas especiais de RMN: 1H x 1H –COSY, 1H x 13C – HMQC, 1H x 13C – HMBC e 1H x 1H – NOESY,permitindo caracterizar LOS A como Cucurbitacina D e LOS Bcomo Isocucurbitacina D.

CONTROLE DA QUALIDADE MICROBIANA DA LUFFAOPERCULATA

Amaral, Coutinho e Ribeiro (2001) analisaram amostras de Luffaoperculata vendidas na cidade de São Luís (Maranhão) por meiode pesquisa bacterioscópica e fúngica. Identificaram a presençade bactérias da família Enterobacteriaceae e outras inúmeras bac-térias patógenas. Em atendimento às determinações da OMS -Organização Mundial de Saúde (1992), a avaliação de qualquermicroorganismo patogênico como a espécie encontrada, visandoà utilização destas substâncias que contenham estes germespatógenos para fins terapêuticos, é extremamente contra-indicada.Estudos semelhantes foram realizados em outros estados comresultados muitos semelhantes1.

ESTUDOS EM OTORRINOLARINGOLOGIA

A Luffa operculata ainda é pouco conhecida pelosotorrinolaringologistas brasileiros. O contato com ela baseia-seprincipalmente com seus efeitos adversos após a utilizaçãoindiscriminada da planta. Ao nos depararmos com a revisão deliteratura mundial nos últimos vinte anos, destacamos o interesseda medicina germânica pela planta e seu extrato, tendo poucorelatos na língua inglesa.

Weiser, Gegenheimer e Klein (1999) estudaram a tolerabilidadee eficiência da Luffa operculata com o cromoglicato dissódico empacientes portadores de rinossinusite alérgica sazonal, atravésde um estudo duplo cego, randomizado, e com um igual dia deadministração medicamentosa. Concluíram que a utilização daLuffa operculata foi estatisticamente semelhante do cromoglicatosódico, identificando efeito adverso local em somente 3 pacientesde uma amostra de 146 deles e nenhum efeito adverso sistêmico.

Adler (1999) estudou uma combinação de Lombaria pulmonaria,Luffa operculata e dicromato de potássio em indivíduos que apre-sentavam sintomas clinicamente clássicos de rinossinusite agu-da, obtendo melhora de 81,5% de 119 pacientes em um tratamentode duas semanas, sem nenhum efeito sistêmico adverso.

Apesar dos resultados destacados por Weiser, Gegenheimere Klein (1999) e Adler (1999), nenhum estudo foi realizado complacebo e exames tomográficos ou nasofibroscópicos comoparâmetros de cura ou de doença, ficando então a dúvida comrelação aos resultados obtidos e a real eficácia da Luffa operculatanas rinossinusites agudas ou crônicas.

Foto 1 – Luffa operculata

SUBSTÂNCIA QUÍMICA ATIVA

O isolamento e a separação dos diferentes elementos químicosisolados através do extrato seco da Luffa operculata tornou-sepossível graças ao emprego de Cromotografia Líquida de Alta Efi-ciência, de onde isolou-se a Isocurbitacina D 5*, como uma possí-vel ação potente vasodilatadora e inflamatória, ocasionando peloseu contato na mucosa extrema exsudação e transudação3, 6 (fig.1).

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OUTRAS FORMAS DE UTILIZAÇÃO

Na região Norte e Nordeste do Brasil, a Luffa operculata éextremamente empregada para o tratamento de amenorréia, ascite,oftalmias crônicas, moléstias herpéticas, antitumorais,hepatocurativas3 e até como agente abortivo, embora nenhumadestas características foi cientificamente comprovada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O emprego de plantas e preparações para fins terapêuticosencontra-se em grande expansão. Temos, por exemplo, na práticadiária a utilização do extrato seco de ginkgo biloba (Egb 761) comeficiência comprovada cientificamente e largamente administradoem pacientes portadores de síndromes labirínticas. Permanece,porém, a dúvida se no futuro breve a utilização da Luffa operculataem uma dose padronizada não tóxica e com efeitos terapêuticoscomprovados, seja mais um elemento terapêutico para os pacien-tes portadores de rinossinusite aguda ou crônica.

SUMMARY

The use of plants and vegetable source preparations fortherapeutic purposes is increasing a lot nowadays. Thedissatisfaction of society regarding the high cost of industrializedmedicine leads to a great tendency towards the use of thesesubstances with no technical or scientific criterion. The Luffaoperculata is frequently used by the North and Northeastpopulation of Brazil as a therapeutic alternative to sharp or chronicrhinosinusitis. We would have then a new therapeutics for this sofrequent disease at present times.

Keywords: Luffa opercullata, sinusitis, therapy.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Durante anos, a associação de substâncias para esta-bilização e conservação de medicamentos visando ao usoa longo prazo, tornou-se freqüente, proporcionando con-forto na utilização diária pelo paciente.

O grande desafio era o emprego do medicamento, prin-cipalmente na medicação tópica nasal e ocular, por váriosmeses, mesmo após os frascos serem abertos pela primeiravez quando da aplicação no paciente.

O cloreto de benzalcônio é utilizado largamente há vá-rios anos como substância antisséptica. Porém, os estu-dos em seres humanos mostra que não causa irritação,nem lesão ou atrofia da mucosa nasal, não prejudica afunção muco-ciliar, principalmente quando associado àtriancinolona, o que torna a medicação extremamente efi-caz e segura no tratamento das rinossinusites alérgicaseosinofílicas e não eosinofílicas nos seus surtos agudosou no controle de suas recidivas.

CLORETO DE BENZALCÔNIO E TRIANCINOLONA:UMA ASSOCIAÇÃO EFICAZ E SEGURA

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Cícero Matsuyama1 , Márcio Monteiro Aquino2

ANEXOANEXO

1 Mestre e Doutor pela UNIFESP – EPM, Coordenador Geral da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Instituto CEMA – São Paulo, SP2 Preceptor da Residência Médica em Otorrinolaringologia do Instituto CEMA – São Paulo, SP

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g) Tabelas: enviar cada tabela em folhaseparada, com espaço duplo, numera-

das seqüencialmente em algarismosarábicos. Devem constar título e legen-da para abreviaturas e apresentação detestes estatísticos.

h) Figuras e legendas: apresentadas embranco e preto no tamanho 6x9 cm, cometiqueta numerada em algarismo arábicono verso. As legendas deverão ser apre-sentadas em folha separada, em espaçoduplo, com numeração correspondenteda etiqueta da figura.

i) Abreviaturas: colocar entre parentêsesapós a primeira citação no texto, não de-vendo ser utilizadas no título e no resumo.As legendas das tabelas e das figuras de-vem ter seu significado apresentado.

j) Procedimentos da revista: os trabalhos re-cebidos pelo editor, que estiverem dentro dasnormas de publicação, receberão um núme-ro que será comunicado ao(s) autor(es). Estenúmero servirá para o conhecimento do an-damento do trabalho por parte dos autores.

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