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Escrito por um dos mais aclamados escritores do mundo dos quadrinhos, Superdeuses é uma exploração instigante e provocadora do nosso grande mito moderno: o super-herói. Neste livro, Morrison lança mão da arte, da ciência e da mitologia e de suas próprias jornadas impressionantes através desse universo sombrio, para oferecer a primeira história, verdadeira dos super-heróis, explicando por que eles são importantes, por que sempre estarão entre nós, o que revelam sobre quem somos... e em que ainda podemos nos transformar.

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GRANT MORRISON

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SUPERDEUSESMUTANTES, ALIENÍGENAS, VIGILANTES,

JUSTICEIROS MASCARADOS E O SIGNIFICADO DE

SER HUMANO NA ERA DOS SUPER-HERÓIS

GRANT MORRISON

TraduçãoÉRICO ASSIS

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Título original: Supergods.

Copyright © 2011 Supergods Ltd.Copyright da edição brasileira © 2012 Editora Pensamento-Cultrix. Ltda.

Publicado mediante acordo com Supergods Ltd./Foundry Literary + Media.

Todas as imagens e personagens DC Comics são marca registrada e propriedade da DC Comics. Todos os direitos reservados. Usados com permissão.

Texto de acordo com as novas regras ortográficas da língua portuguesa.

1a edição 2012.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas.

A Editora Seoman não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro.

Coordenação editorial: Denise de C. Rocha Delela e Roseli de S. Ferraz.Preparação de originais: Ana Lúcia Mendes.Diagramação: Fama Editoração Eletrônica.

Não pode ser exportado para Portugal.

Seoman é um selo editorial da Pensamento-Cultrix.

Direitos de tradução para o Brasil adquiridos com exclusividade pelaEDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA.

Rua Dr. Mário Vicente, 368 — 04270-000 — São Paulo, SPFone: (11) 2066-9000 — Fax: (11) 2066-9008E-mail: [email protected]

http://www.editoraseoman.com.brque se reserva a propriedade literária desta tradução

Foi feito o depósito legal.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Morrison, GrantSuperdeuses / Grant Morrison ; tradução Érico Assis. — São

Paulo : Seoman, 2012.

Título original: Supergods. ISBN 978-85-98903-48-41. Histórias em quadrinhos 2. Super-heróis I. Título.

12-08856 CDD-741.5352

Índices para catálogo sistemático:1. Super-heróis em quadrinhos : Artes 741.5352

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Para Kristan, a superdeusa

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Vede, eu anuncio-vos o Super-homem: É ele esse raio! É ele esse delírio!

— Friedrich Nietzsche, Assim falou Zaratustra

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11

PARTE 1: A ERA DE OURO ........................................ 17CAPÍTULO 1: O DEUS SOL E O CAVALEIRO DAS TREVAS .............. 19CAPÍTULO 2: FILHO DO RELÂMPAGO .................................................... 46CAPÍTULO 3: O SUPERGUERREIRO E A PRINCESA AMAZONA ..... 56CAPÍTULO 4: EXPLOSÃO E EXTINÇÃO .................................................. 66

PARTE 2: A ERA DE PRATA ........................................ 79CAPÍTULO 5: SUPERMAN NO DIVÃ ......................................................... 81CAPÍTULO 6: QUÍMICA E RELÂMPAGO ................................................. 102CAPÍTULO 7: O FAB FOUR E O NASCIMENTO DAS MARAVILHAS .................................................................................................. 110CAPÍTULO 8: SUPERPOP .............................................................................. 125CAPÍTULO 9: TERRAS INFINITAS .......................................................... 134CAPÍTULO 10: XAMÃS DA MADISON AVENUE ................................... 145

PARTE 3: A ERA DAS TREVAS .................................... 169CAPÍTULO 11: NO DIA MAIS CLARO, NA NOITE MAIS DENSA ... 171CAPÍTULO 12: TEMIDOS E INCOMPREENDIDOS ............................... 205CAPÍTULO 13: TERRÍVEL SIMETRIA....................................................... 221CAPÍTULO 14: ZENITH ................................................................................ 241CAPÍTULO 15: THE HATEFUL DEAD ........................................................ 266CAPÍTULO 16: IMAGEM VERSUS CONTEÚDO ...................................... 279CAPÍTULO 17: KING MOB — MINHA VIDA DE SUPER-HERÓI ....... 292

PARTE 4: A RENASCENÇA ......................................... 305CAPÍTULO 18: A CHEGADA DE FLEX MENTALLO .............................. 307

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CAPÍTULO 19: QUE GRAÇA TÊM A VERDADE, A JUSTIÇA E O ESTILO DE VIDA AMERICANO? ............................................... 332CAPÍTULO 20: RESPEITE A AUTHORITY .............................................. 352CAPÍTULO 21: HOLLYWOOD SENTE CHEIRO DE SANGUE ............. 367CAPÍTULO 22: NOVA MARVEL 11 DE SETEMBRO ................................ 394CAPÍTULO 23: O DIA EM QUE O MAL VENCEU ................................... 412CAPÍTULO 24: HOMENS DE FERRO E INCRÍVEIS ............................. 426CAPÍTULO 25: ALÉM DO HORIZONTE DE EVENTOS ........................ 434CAPÍTULOS 26: ESTRELA, LENDA, SUPER-HERÓI, SUPERDEUS? ........................................................................................... 446EPÍLOGO: FALOU E DISSE ......................................................................... 465

AGRADECIMENTOS ...................................................................................... 470LEITURAS SUGERIDAS ............................................................................... 472CRÉDITOS DAS ILUSTRAÇÕES ................................................................ 476ÍNDICE REMISSIVO ..................................................................................... 477

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INTRODUÇÃO

A CERCA DE SEIS QUILÔMETROS da minha casa na Escócia, atra-vessando uma plácida extensão de água, fica o RNAD Coulport, lar dos submarinos nucleares armados com mísseis Trident das forças armadas do Reino Unido. Já me disseram que ali, em bunkers subter-râneos, está armazenado poder de fogo suficiente para aniquilar cin-quenta vezes a população humana do nosso planeta. Um dia, quando a Terra for emboscada no Hiperespaço por 50 Terras Gêmeas Malé-volas, esse poderio megadestrutivo, ironicamente, pode ser a nossa salvação — mas até lá, parece uma extravagância, talvez emblemática dessa hipersimulação acelerada e digital que se tornou a nossa vida.

À noite, o reflexo invertido das docas de submarinos parece um punho vermelho e blindado, tremulando numa bandeira feita de on-das. Avançando alguns quilômetros na estrada sinuosa fica o lugar em que meu pai foi preso durante as marchas de protesto contra a energia nuclear nos anos 1960. Ele era veterano da Segunda Guerra, da classe operária, que trocou a baioneta pelo emblema da Campanha pelo Desarmamento Nuclear e virou um “Espião da Paz” no Comitê dos 100. O mundo da minha infância já era tomado pelas siglas e códigos da Guerra Fria.

E a Bomba, sempre a Bomba, aquele inquilino de capote, cara feia e presença, que podia explodir a qualquer minuto, matando tudo e todos. Seus menestréis bastardos eram os folkies existencialistas sombrios a choramingar elegias intelectualizadas sobre a “Chuva In-

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clemente” e “O Dia Final” enquanto eu tremia no meu canto, espe-rando o julgamento de um dedo esquelético e a extinção de toda a vida na Terra. As ilustrações vinham dos zines samizdat antibelicistas que meu pai trazia para casa das livrarias politizadas da High Street. Eram típicas desses manifestos pacifistas passionais as ilustrações toscas que mostravam como o mundo ficaria após um vivaz inter-câmbio de mísseis termonucleares. Os criadores desses panoramas asquerosos nunca deixavam passar a oportunidade de retratar esque-letos despedaçados, obliterados, retorcidos diante dos horizontes em chamas da devastação urbana bombardeada e enegrecida. Se o artista conseguisse encontrar espaço em sua composição para um Ceifador macabro, de cerca de 200 metros, montando um cavalo em carne viva, semeando mísseis como sementes na linha do horizonte irregu-lar, semiderretida, muito melhor.

Assim como visões do Céu e do Inferno num tríptico medieval, a devastação pós-atômica das revistas do meu pai ficavam lado a lado com os panoramas exóticos e trissolares que ornavam as capas dos adorados livrinhos de ficção científica da minha mãe. Janelas de bolso para a futuridade resplandecente, elas vinham com amazonas androides em monoquínis cromados que perseguiam homens espa-ciais em ilhas desertas, sob o céu perolado de mundos alienígenas impossíveis. Robôs oprimidos por almas arrastavam-se por florestas fluorescentes ou transpunham passarelas móveis de aço das cidades projetadas por Le Corbusier, Frank Lloyd Wright e o LSD. Os títulos vinham da poesia surrealista: The Day It Rained Forever (“O Dia em que Choveu para Sempre”), The Man Who Fell to Earth (“O Homem que Caiu na Terra”), The Silver Locusts (“O Gafanhoto de Prata”), Flowers for Algernon (“Flores para Algernon”), “A Rose for Ecclesias-tes” (“Uma Rosa para Eclesiastes”), Barefoot in the Head (“A Cabeça Descalça”).

Na televisão, as imagens dos astronautas pioneiros competiam com as cenas desoladas de Hiroshima e do Vietnã: era ou tudo ou nada, a Bomba Atômica ou a Nave Espacial. Eu já tinha escolhido meu lado, mas a tensão da Guerra Fria entre Apocalipse e Utopia es-tava ficando quase insuportável. E aí os super-heróis chegaram como uma chuva do outro lado do Atlântico, num prisma de luz deslum-

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brante em seus macacões heráldicos, trazendo novas maneiras de ver e ouvir e pensar sobre tudo.

A primeira loja de quadrinhos do Reino Unido — a Yankee Book Store — abriu em Paisley, onde nasceu a estampa Paisley, pertinho de Glasgow, poucos anos depois da guerra. Com um senso aguçado de irônica simetria, os quadrinhos chegavam como lastro junto à tripu-lação dos EUA, cujos mísseis ameaçavam a minha existência. Assim como os primeiros discos de R&B e rock’n’roll aportavam em Liver-pool para inspirar a geração Mersey da música, os quadrinhos dos EUA atingiram o oeste escocês graças ao complexo militar-industrial, para botar fogo na imaginação e mudar as vidas de garotos como eu.

Os super-heróis gargalhavam diante da Bomba Atômica. Super-man podia caminhar na superfície do Sol e mal ficar bronzeado. As aventuras do Hulk estavam apenas começando naquelas frágeis horas após o teste da Bomba Gama que explodiu na cara de seu alter ego, Bruce Banner. À sombra de aniquiladores cósmicos como o Homem de Antimatéria (Anti-matter Man) ou Galactus, a todo-poderosa Bom-ba parecia provinciana. Eu tinha encontrado a entrada para um uni-verso paralelo escondido dentro do meu, um lugar onde dramas que se alastravam por décadas e por galáxias eram encenados na segunda dimensão das páginas de papel jornal. Nelas, homens, mulheres e no-bres monstros vestiam bandeiras e surgiam das sombras para tornar o mundo um lugar melhor. Meu próprio mundo já parecia melhor. Eu começava a compreender algo que me daria poder sobre meus temores.

Antes de ser uma Bomba, a Bomba era uma Ideia.Superman, contudo, era uma Ideia Melhor, Mais Rápida, Mais

Forte.Não é que eu precisasse que Superman fosse “real”, só precisava

que ele fosse mais real que a Ideia da Bomba responsável por ator-mentar meus sonhos. Não precisava ter me preocupado: Superman é tão produto da infatigável imaginação humana, um emblema tão bem projetado de nossos eus mais inspirados, mais gentis, mais sábios, mais fortes, que minha Ideia da Bomba nem podia com ele. Com Superman e seus colegas super-heróis, os seres humanos modernos haviam dado corpo a ideias invulneráveis a qualquer dano, imunes à

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desconstrução, projetadas para passar a perna em diabólicos crimino-sos, criados para enfrentar o Mal puro e, de algum modo, apesar dos pesares, sempre vencer.

Comecei minha carreira profissional de roteirista no mercado de qua-drinhos dos EUA em meados dos anos 1980, uma época de inovações radicais e avanços técnicos, quando estavam saindo os reconhecidos marcos da ficção super-heroística O Cavaleiro das Trevas e Watchmen e as possibilidades pareciam ilimitadas, assim como as oportunidades para a liberdade criativa. Eu me uni a uma geração de roteiristas e artistas, a maioria vinda da classe operária britânica, que viam nos moribundos universos de heróis o potencial para criar obras de ex-pressão, adultas e desafiadoras, que poderiam recarregar a casca seca do conceito do super-herói de nova relevância e vitalidade. Assim, as histórias ficaram mais inteligentes, a arte ficou mais sofisticada e o super-herói começou a ter vida nova em revistas que eram filosófi-cas, pós-modernas e loucamente pretensiosas. Os últimos vinte anos testemunharam obras surpreendentes e inovadoras criadas por deze-nas de talentos distintos e extravagantes. O baixo custo de produção (caneta e tinta rendem cenas que custariam milhões de dólares e ho-ras na frente do computador para chegarem a uma tela de cinema) e o ritmo de publicação veloz garantem que, nos quadrinhos, valha quase tudo. Nenhuma ideia é bizarra demais, nenhuma reviravolta é forçada demais, nenhuma técnica narrativa é experimental demais. Já faz bastante tempo que estou a par do escopo dos quadrinhos e das grandes ideias e emoções que eles podem transmitir, portanto, é com felicidade e certo orgulho que assisti à rendição desarmada e atual da cultura mainstream à colonização implacável dos rincões geeks. No-mes que já foram xiboletes arcanos agora estão à frente de campanhas de marketing global.

Batman, Homem-Aranha, X-Men, Lanterna Verde, Homem de Ferro. Por que os super-heróis se tornaram tão populares? Por que agora?

Em certo sentido, é simples: alguém, em algum lugar, descobriu que, assim como os chimpanzés, os super-heróis deixam tudo mais divertido. Tédio no chá das cinco? Adicione uns chimpanzés e o mo-

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mento vira uma bagunça inesquecível. Mais um assassinato misterio-so? Acrescente super-heróis e surge um novo gênero, tão espantoso quanto provocante. Thriller policial urbano? Já vi todos... até Batman entrar em cena. Super-heróis temperam qualquer prato.

Mas há muito mais acontecendo sob a superfície do nosso gosto pelas estripulias desses personagens de vestes absurdas e que nunca vão nos desapontar. Tire os olhos das páginas ou das telas e você será perdoado se achar que eles chegaram ao consciente coletivo, como tendem a chegar a qualquer outro lugar, em resposta ao SOS desespe-rado de um mundo em crise.

Já aceitamos que, no final das contas, todo político se revelará mentiroso, tarado ou imbecil, assim como esperamos que a lindíssi-ma supermodelo seja uma infeliz neurótica e bulímica. Já enxergamos por trás das ilusões que sustentaram nossas fantasias e sabemos por amarga vivência que nosso querido comediante será desmascarado, mais cedo ou mais tarde, como alcoólatra pervertido ou deprimido suicida. Falamos para nossas crianças que elas são ratos presos num mundo condenado, falido, assolado por criminosos, que os recursos naturais estão acabando, que não há nada mais a esperar fora a subida das águas e a extinção em massa, e aí ficamos com olhar de reprova-ção quando elas reagem se vestindo de preto, se cortando, fazendo greve de fome, se entupindo de porcarias ou se matando.

Traumatizados pelas cenas de guerras e desastres, espionados pe-las ubíquas câmeras de segurança, ameaçados por vilões exóticos que confabulam em cavernas e lares subterrâneos, presas de Deuses do Medo obscuros e monumentais, estamos sendo inexoravelmente su-gados para a Realidade dos Quadrinhos, e restam poucos segundos para salvar o mundo, como sempre. Anjos da Morte assomam-se, ca-davéricos, como aqueles nas capas das revistas antibomba do meu pai, e parecem obscurecer as espirais reluzentes de nosso imaginário coletivo.

Será que uma cultura faminta por imagens de otimismo de seu próprio futuro voltou-se para a fonte primária em busca de modelos utópicos? Pode o super-herói de capa e colante ser a melhor repre-sentação atual daquilo que todos nós podemos nos tornar, se nos sen-tirmos merecedores de um amanhã em que as grandes virtudes serão

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fortes o bastante para superar os impulsos destrutivos que tentam desfazer o projeto humano?

Vivemos nas histórias que contamos. Numa cultura secular, científica e racional, que deixa a desejar em lideranças espirituais confiáveis, as histórias de super-herói falam mais alto e com mais força fren-te a nossos grandes medos, nossos desejos mais profundos e nossas maiores aspirações. Elas não têm medo de trazer esperança, não se envergonham do otimismo e não têm medo do escuro. Estão o mais distante possível do realismo social, mas as melhores histórias de su-per-herói lidam diretamente com elementos míticos da experiência humana com os quais todos nós podemos fazer paralelo, de forma criativa, profunda, engraçada e provocante. Eles existem para resol-ver problemas de todo tipo e sempre podemos contar com eles para salvar o dia. Quando são bons, eles nos ajudam a enfrentar e resolver até as crises existenciais mais profundas. Devíamos ouvir o que eles têm a dizer.

Superdeuses é seu guia definitivo para o mundo dos super-heróis — o que eles são, de onde vieram e como podem nos ajudar a mudar a maneira como pensamos sobre nós mesmos, nosso ambiente e o multiverso de possibilidades que nos cerca. Fique pronto para tirar seu disfarce, prepare-se para sussurrar a palavra mágica e invocar o trovão. É hora de salvar o mundo.

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PARTE 1

A ERA DE OURO

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CAPÍTULO 1

O DEUS SOL E O CAVALEIRO DAS TREVAS

CHAMANDO TODOS OS JOVENS AMERICANOS DE SANGUE QUENTE:

Este é um certificado de que: (escreva aqui seu nome e endereço) foi devidamente selecionado como MEMBRO desta organização ao proferir o juramento de que realizará tudo que é possível para incrementar sua FORÇA e CORAGEM, e auxiliar na causa da JUSTIÇA, para manter em absoluto SEGREDO o CÓDIGO DO SUPERMAN e aceitar todos os princípios da boa cidadania.

PODE NÃO SER os Dez Mandamentos, mas, como lista de ditames morais para crianças seculares de uma era racional, o credo dos Su-per-Homens da América era um bom começo. Essa é a história da fundação de uma nova crença e de como ela conquistou o mundo. Com um relâmpago, a centelha de inspiração divina botou fogo no papel-jornal e o super-herói nasceu numa explosão de ação e cor. Desde o princípio, o ur-deus e seu gêmeo malvado apresentaram o mundo através de uma moldura pela qual nossos impulsos, bons e maus, poderiam ser personificados numa batalha em uma tela bidi-mensional de proporções épicas, sobre a qual nossos mundos interno e externo, nosso presente e nosso futuro, poderiam estar à mostra e

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ser explorados. Eles vieram nos salvar do abismo existencial, mas primeiro teriam que abrir o caminho para chegar ao nosso imaginário coletivo.

O Superman foi o primeiro a chegar dessas novas criaturas, in-vocado ao papel e tinta em 1938 — nove anos depois da queda de Wall Street provocar uma catastrófica depressão mundial. Nos EUA, os bancos foram à falência, pessoas perderam o emprego e o lar e, em casos extremos, mudaram-se para moradias miseráveis ajunta-das de última hora. Também ouvia-se o ribombar da Europa, onde o ambicioso chanceler Adolf Hitler declarara-se ditador da Alemanha após eleição triunfante cinco anos antes. Com a chegada do primeiro supervilão global de verdade, o palco estava armado para a resposta da imaginação do Mundo Livre. Quando surgiu a réplica, ela veio das fileiras dos descamisados: dois jovens de Cleveland, tímidos, criati-vos, quatro-olhos e fãs de ficção científica, que estavam ativando a máquina de escrever e a prancha de desenho para libertar um poder maior do que bombas, dar forma a um ideal que com mínimo esforço duraria mais do que Hitler e seus sonhos de um Reich de Mil Anos.

Jerry Siegel e Joseph Shuster passaram sete anos improvisando com a ideia do Superman antes de ela ficar pronta para tomar o mun-do. A primeira tentativa deles de fazer uma história em quadrinhos resultou num conto de ficção científica distópico baseado em um déspota telepata. A segunda tentativa tinha um mocinho grande, for-te, mas ainda assim humano, que resolvia as injustiças nas ruas da amargura. Nenhum tinha a centelha de originalidade que os editores estavam procurando. Quatro anos depois, após várias tentativas in-frutíferas de vender Superman como tira de jornal, Siegel e Shuster enfim descobriram como adaptar o ritmo e construção das histórias para tirar total vantagem das possibilidades do novo formato da revis-ta em quadrinhos, e de repente esse formato encontrou seu conteúdo definidor.

O Superman que surgiu na capa de Action Comics no 1 era apenas um semideus, não ainda a divindade pop que viria a ser. O modelo de 1938 tinha o poder de “DAR SALTOS DE DUZENTOS METROS; TRANSPOR UM PRÉDIO DE VINTE ANDARES... ERGUER PESOS EXTRAORDINÁRIOS... CORRER MAIS RÁPIDO QUE UM TREM...

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NADA ALÉM DE UMA BALA EXPLOSIVA PODE ATRAVESSAR SUA PELE!” Embora fosse “GÊNIO EM INTELECTO, HÉRCULES EM FORÇA, NÊMESIS DOS MALFEITORES”, esse Superman não voava, recorrendo a longos saltos. Também não podia fazer a órbita da Terra à velocidade da luz nem parar o fluxo do tempo. Isso viria depois. Na juventude, era quase crível. Siegel e Shuster tiveram o cuidado de situar suas aventuras numa cidade contemporânea, muito parecida com Nova York, num mundo ficcional assombrado pelas injustiças conhecidas até demais no mundo real.

A imagem da capa que introduziu o mundo a esse personagem marcante tinha uma virtude particular e incomparável: mostrava algo que nunca havia sido visto. Parecia uma pintura rupestre esperando para ser descoberta nas paredes de uma estação de metrô daqui a dez mil anos — uma imagem poderosa, ao mesmo tempo futurista e pri-mitiva, de um caçador matando um carro descontrolado.

O fundo amarelo vivo com uma coroa denteada de vermelho — as cores do Superman — sugeria uma explosão de puro poder a ilumi-

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nar o céu. Fora o vuush art déco que era o logo da Action Comics, a data (junho de 1938), a edição (no 1) e o preço (10 cents), não há texto nem menção ao nome Superman. Seria supérfluo. A mensagem era sucinta: ação era o que importava. O que um herói fazia contava bem mais do que suas palavras e, desde o princípio, Superman esteve sempre em movimento.

Voltando à capa: veja esse homem de cabelos negros, vestindo um co-lante azul e vermelho, a capa esvoaçante atrás de si, indo da esquerda para a direita sobre a linha do horizonte do desenho. O claríssimo emblema no seu peito continha um S (goles sobre um campo, como costumam dizer na sociedade heráldica). O homem é capturado em movimento, equilibrando-se sobre os dedos do pé esquerdo, quase alçando voo ao erguer sobre a cabeça, sem esforço, um carro verde--oliva. Com as duas mãos, ele arremessa o veículo contra um aflo-ramento rochoso convenientemente disposto no que parece ser um deserto. No canto esquerdo inferior, um homem de terno azul corre para fugir do enquadramento, segurando a cabeça como em O Grito de Edvard Munch; seu rosto, um cartum do terror existencial inar-ticulado, um homem levado aos rincões da sanidade diante do que acaba de testemunhar. Sobre sua cabeça, outro homem, usando um conservador terno marrom, pode ser visto correndo para o norte em relação ao oeste do primeiro. Um terceiro, igualmente aterrorizado, agacha-se, mãos e joelhos no chão, sem paletó, olhando para os pés do vândalo super-humano. Sua postura abjeta demonstra sua sub-missão lamuriante ao macho-alfa supremo. Não há quarto homem: seu lugar no canto inferior direito é tomado por um pneu borda bran-ca que salta após ter sido arrancado do eixo. Assim como os bandidos de olhos esbugalhados, o pneu também faz de tudo para fugir do destruidor e seus músculos.

Em quaisquer outras mãos que não as do Superman, a caranga verde daquela capa inaugural estaria gabando-se com orgulho da su-perioridade tecnológica dos EUA e das maravilhas da produção em massa. Imagine a chamada publicitária: “o suntuoso acabamento em branco dos pneus: você andando sobre chantili” e os carros em preto--e-branco, granulados pelo filme, em sucessão acachapante, saindo

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das esteiras automatizadas da Ford. Mas já era agosto de 1938. As linhas de produção estavam dispensando operários em todo o mundo industrial, enquanto a tocante obra-prima cinematográfica de Char-les Chaplin, Tempos Modernos, articulava em pantomima o grito si-lencioso do camaradinha, do homem autêntico, que não podia ser esquecido em meio ao rumor implacável do chão de fábrica.

Superman deixava claro seu posicionamento: era um herói do povo. O Superman original era uma reação humanista e audaciosa aos temores do período da Grande Depressão, do avanço científico desregrado e da industrialização sem alma. Veríamos essa primei-ra versão fazendo trens gigantes pararem nos trilhos, emborcando tanques ou fazendo supino com guindastes. Superman reescreveu o folclore de John Henry* e sua fútil batalha contra o martelo a va-por, para lhe dar um final feliz. Ele tornava explícitas as fantasias de poder e industrialidade que mantinham o camaradinha marchando em direção a mais uma paisagem esmaecida ao pôr do sol. Ele era o vagabundo de Carlitos, com o mesmo ódio ardente da injustiça e dos valentões, mas, em vez de charme e malícia, Superman tinha a força de cinquenta homens e era invulnerável. Se as perspectivas distópicas da época previam um mundo desumanizado, mecanizado, Superman sugeria outra possibilidade: a imagem de um amanhã decididamente humano, que entregava o espetáculo do individualismo triunfante exercendo sua soberania sobre as forças implacáveis da opressão in-dustrial. Não é de surpreender que tenha sido um sucesso entre a classe oprimida. Ele era decididamente lowbrow, a favor dos pobres, como qualquer salvador nascido num estábulo.

Voltando à capa mais uma vez, perceba como a composição se baseia num X mal escondido, que dá estrutura sólida e apelo gráfico ao desenho. O X subliminar sugere o desconhecido e intrigante, e é exatamente isso que Superman era quando Action Comics no 1 foi pu-blicada: o enigma encapuzado no olho da tempestade da Pop Art. Ele está no centro da bússola, mestre dos quatro elementos e dos pontos cardeais. No vodu haitiano, a encruzilhada é a porta de entrada do loa

* Figura do folclore norte-americano, representante da força superior do homem di-ante da máquina. (N. do T.)

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(ou espírito) Legba, outra manifestação do “deus” conhecido como Mercúrio, Toth, Ganesha, Odin ou Ogma. Assim como esses outros, Legba é um porteiro que protege as fronteiras entre os mundos huma-no e divino. Faz todo sentido que Superman habite o mesmo nexo.

Como base de composição, o esquema em X permitiu a Shuster dispor vários elementos em rotação para destacar a figura central. Há pessoas se movimentando cheias de expressões faciais, pedaços de carro e cores muito fortes, mas, dipostas segundo o braço firme do X, elas formam um segundo arranjo em espiral que arrasta nosso olho por uma montanha russa perceptiva, impelindo nossa mente a perguntar:

Por que este homem que corre está com tanto medo?Como aquele carro foi parar lá?Por que ele está sendo jogado contra uma pedra?O que o homem de joelhos está olhando?

Com o que sabemos do Superman hoje, podemos presumir que os homens assustados e fugindo devem ser gângsteres ou algo do tipo. Os leitores de 1938 não tinham a menor ideia do que estava acon-tecendo. Não havia dúvida de que tinha algo a ver com ação, mas o primeiro vislumbre de Superman foi propositadamente confuso. Os homens, que acreditamos ser gângsteres fugitivos, podiam do mesmo modo ser transeuntes comuns correndo de um brutamontes sorri-dente num traje de apresentação do balé russo. Não há cédulas de dinheiro saindo de sacolas com cifrões, nem sombras ameaçadoras, nem ternos baratos, nem armas para identificar os fugitivos como qualquer coisa além de espectadores inocentes. Baseado apenas em sua primeira aparição, o extravagante musculoso poderia ser amigo ou inimigo, e a única maneira de responder a esse amontoado de per-guntas era lendo a revista.

Mas há mais uma inovação a notar, outro truque esperto que nos serve de isca. A imagem de capa é um instantâneo do clímax de uma história que ainda não vimos. Quando o mundo chega ao Superman, ele está no fim de uma aventura que já perdemos! Somente lendo a história poderemos colocar a imagem no contexto.

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Aquela primeira aventura do Superman, sem título, abria explosi-vamente num instante congelado de ação frenética. Siegel jogou lon-ge as estruturas narrativas convencionais e literalmente partiu para o que interessa num audacioso primeiro quadro que reorganizava o arco convencional ação-história de forma acachapante. O recordató-rio dizia: “UMA FIGURA INCANSÁVEL CORRE NOITE ADENTRO. CADA SEGUNDO CONTA... ATRASAR-SE SIGNIFICA PERDER UMA VIDA INOCENTE”�, acompanhando uma imagem do Super-man de Joe Shuster saltando no ar com uma mulher loira amarrada e amordaçada debaixo do braço. A imagem é tão confiante, vigorosa e flagrante de ameaça quanto o próprio Superman.

No segundo quadro, já chegamos à “mansão do Governador” e Superman está correndo pelo gramado, falando por cima do ombro com a loira amarrada em primeiro plano, deixada sob uma árvore. “FIQUE À VONTADE! NÃO TENHO TEMPO A PERDER.” Não sa-bemos quem é a garota, embora o comportamento rude de Superman nos diga que ela não deve ser flor que se cheire — a não ser que, como a capa parece dizer, a estrela da história seja o vilão.

Já estamos envolvidos na narrativa à velocidade Superman. Pre-cisamos focar nos elementos mais significativos, os mais intensos de cada cena, como se tivéssemos supersentidos. A única solução é ser carregado pelo fluxo de alta velocidade de sua capa vermelha esvoa-çante, sempre um passo atrás dele, ofegantes.

Quando o mordomo do governador recusa-se a abrir a porta para o estranho bem apessoado de colante, Superman põe a porta abaixo, corre pelas escadas com o mordomo gritando atrás dele e arranca uma porta de aço das dobradiças para chegar ao aterrorizado (e claramen-te maníaco por segurança) servidor público lá dentro. O mordomo, enquanto isso, recobrou os sentidos o suficiente para apanhar uma pistola. “SOLTE ESSE BRINQUEDO”, avisa Superman, avançando de punho cerrado. O mordomo atira, apenas para descobrir que o herói musculoso é imune a balas, que repicam sem qualquer prejuízo de seu peito vigoroso e monogramado.

Essa abertura virtuosa em dinâmica por si só já valeria os dez cents do bolso de qualquer leitor sedento por fantasia durante a Grande Depressão. Mas Siegel e Shuster estavam só começando. Ain-

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da tinham um golpe de mestre na manga. Quando achamos já enten-der o conceito do incrível Superman, após testemunhar a prodigiosa força e determinação do Homem de Aço, somos apresentados a Clark Kent — o homem por trás do S —, alguém com emprego, chefe e problemas com as garotas. Clark, o nerd, o néscio, o quatro-olhos, a pacata sombra do confiante Homem de Aço. Os meninos acharam um filão primordial.

Hércules sempre era Hércules. Agamenon e Perseu eram heróis do instante em que saltavam da cama até o fim do louco dia de ba-talhas, mas Superman era secretamente outra pessoa. Clark era a alma, o elemento transcendente na equação Superman. Clark Kent é o que o fez perdurar. Com Clark, Siegel criara a maior das figuras de identificação com o leitor: incompreendido, maltratado, privado de respeito apesar de seus óbvios talentos como homem das notícias no jornal Planeta Diário da cidade de Metrópolis. Como tanto Siegel quanto Shuster haviam aprendido, a duras penas, havia garotas que preferiam guerreiros heroicos aos magrelos que só sabiam escrever ou desenhar figurinhas bonitinhas. Mas Clark era mais que a fantasia nerd definitiva; qualquer um podia identificar-se com ele. Nós todos já nos sentimos desajeitados ou incompreendidos, uma ou duas vezes, talvez mais, na vida. Assim como todo mundo suspeita da existência de um Superman interior — um eu angelical, perfeito, que personi-fica apenas nossos melhores atos e ânimos —, há algo de Clark em todos nós.

A página 3 introduzia o repórter do Planeta Diário, Kent, a ca-minho do serviço, quando uma dica por telefone o faz sair atrás de um caso de pretensa violência doméstica, embora quem chegue ao local seja Superman. Ele encontra o valentão ameaçando sua vítima com um cinto amarrado no punho grosso. Ele joga o brutamontes contra a parede, quebrando o gesso, e berra: “VOCÊ NÃO ESTÁ EN-FRENTANDO UMA MULHER AGORA!”, diante do que o valentão desmaia e deixa que Superman volte a sua identidade Kent antes de a polícia chegar.

Havia mais uma pedra fundamental a ser assentada no molde de Superman. Agora na página 5, e a figura determinante do ménage à trois que fascinaria leitores por décadas a fio chegava num quadro de

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apresentação estranhamente diminuído. De volta ao escritório, Kent introduzia-nos à descolada Lois Lane, sua rival na corrida pelos fu-ros, com as palavras “O Q-QUE ACHA DE — HÃ — SAIRMOS ESTA NOITE, LOIS?” Suas primeiras palavras definiram-na para sempre: “ACHO QUE VOU LHE DAR UMA CHANCE... PRA VARIAR”. No encontro, Kent consegue dar meio passo de dança desequilibrado, mas em poucos instantes ele e Lois são ameaçados por Butch Matson, gângster com aparência de gorila. Clark treme como vara verde, mas Lois, sem hesitar, solta um tapão em Matson e o manda cair fora. En-quanto o táxi dela vai embora, ela dirige seu desprezo desmoralizador ao pacífico e indigno Kent na calçada: “VOCÊ ME PERGUNTOU MAIS CEDO POR QUE EU O EVITO. AGORA VOU LHE CONTAR... PORQUE VOCÊ É UM COVARDE MEDROSO E INSUPORTÁVEL”.

Considerando que Clark era um repórter de destaque na cobertu-ra policial para um jornal de respeito e tinha um bom apartamento no centro, era duro acreditar que Lois o tivesse em tão baixa estima, mas as histórias tornam difícil discordar dela depois que Kent forja des-culpas cada vez mais elaboradas para esconder sua verdadeira identi-dade. Clark reclamava de enjoos e dores de cabeça toda vez que seus ouvidos hipersensíveis captavam um alerta da polícia e o Superman se fazia necessário. Como justificativa para esse subterfúgio, ele fazia referências constantes e lúgubres aos inimigos do submundo que po-deriam atingi-lo por meio de seus entes queridos, se soubessem quem ele era. Ele havia criado um disfarce completo, uma persona que era tão o inverso de seu verdadeiro eu Superman que dispensaria qual-quer bisbilhoteiro e lhe permitiria provar da vida normal.

Quando a primeira história do Superman chegou ao fim, treze páginas após uma abertura de tirar o fôlego, nosso herói havia apre-endido nada menos que cinco infratores e ainda sobrara tempo para extirpar a corrupção no Senado dos Estados Unidos. Cada nova re-velação fazia tanto a história particular como o conceito como um todo parecerem ainda mais empolgantes. Isso oferecia à mídia uma inovação em personagens que podia chamar de sua. Dava ao mundo o primeiro super-herói. Treze páginas — mau sinal para os vilões dos oprimidos.

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