teoria do valor de marx - saad

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  • I ISSN 0102-9924

    F a c u l d a d e d e C i n c i a s E c o n m i c a s d a U F R G S

    A c o n o m i c a

    MACROECONOMIA DO BRASIL PS-1994 LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

    DESENVOLVIMENTO ECONMICO, PREFERNCIA PELA LIQUIDEZ E ACESSO BANCRIO: U M ESTUDO DE CASO DAS MESORREGIE5 DE MINAS GERAIS MARCO CROCCO. CLUDIO BARRA DE CASTRO, ANDERSON CAVALCANTE E VANESSA DA COSTA VAL

    FRIEDMAN E O MONETARISMO: A VELHA TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA E A MODERNA ESCOLA MONETARISTA GENTIL CORAZZAE RODRIGO L. KREMER

    BOLHAS RACIONAIS, CICLO DE PREOS DE ATIVOS E RA-CIONALIDADE LIMITADA: UMA AVALIAO CRTICA DOS MODELOS NEOCLSSICOS DE BOLHAS ESPECULATIVAS JOS LUiS OREIRO

    VULNERABILITY INDICATORS OF THE TWIN CRISES: THE EAST ASIAN EPISODE TITO BELCHIOR SILVA MOREIRA

    IMPACTOS POTENCIAIS DA NEGOCIAO DA ALCA SOBRE OS INVESTIMENTOS EXTERNOS EM SERVIOS PROFISSIONAIS NO BRASIL MICHEL ALEXANDRE, OTAVIANO CANUTO E GILBERTO TADEU LlAflA

    TEORIA MARXISTA DO VALOR: UMA INTRODUO ALFREDO SAAD FILHO

    UM ESTUDO EMPRICO DOS CICLOS POLTICO-ECONMICOS NO BRASIL ATHOS PRATES DA SILVEIRA PREUSSLER E MARCELO SAVINO PORTUGAL

    RELENDO CHANDLER, WILLIAMSON E NORTH PARA ENTENDER O PROCESSO DE FORMAO DAS ESTRADAS DE FERRO NO BRASIL JEFFERSON ANORONIO RAMUNDO STADUTO, WEIMAR FREIRE DA ROCHA JR. E CLAILTON ATADES DE FREITAS

    MATRIZ DE INSUMO-PRODUTO PARA A ECONOMIA TURSTICA BRASILEIRA: CONSTRUO E ANLISE DAS RELAES INTERSETORIAIS FRANCISCO CASIMIRO FILHO E JOAQUIM JOS WWRTINS CUILHOTO

    SEO ESPECIAL: AVALIAES INICIAIS DA POLTICA ECONMICA DO GOVERNO LULA

    A n o 2 1

    4 0 N' S e t e m b r o , 2 0 0 3

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Reforo: Prof". Wrona Maria Panizzi

    FACULDADE DE CINCIAS ECONMICAS Diretora: Prof Pedro Csar Dutra Fonseca

    CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS ECONMICAS Diretor: Prof, Gentil Cprozza

    DEPARTAMENTO DE CINCIAS ECONMICAS Chefe; Prof. Ricardo Dathein

    CURSO DE PS-GRADUAO EM ECONOMIA Coordenador: Prof. Eduardo Pontual Ribeiro

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DESENVOLVIMENTO RURAL Coordenador: Prof. Jaicione Almeida

    CONSELHO EDITORIAL: Carlos G. A, Mielifz Netto (UFRGS), Eduardo A. Maldonado Filho (UFRGS), Eduardo R Ribeiro (UFRGS), Eleutno F S. Prado (USP), Eugnio Lagemann (UFRGS), Fernando Cardim de Carvalho (FRJ), Fernando Ferrari Filho (UFRGS), Fernando de Holanda Barbosa (FGV/R.I), FIvio Vasconcellos Comim (UFRGS), Gentil Corazza (UFRGS), G icomo Balbinotto Netto (UFRGS), Gustavo Franco (PUC/RJ), .lan A. Kregel (UNCTAD), .Joo Rogrio Sanson (UFSC), Joaquim Pinto de Andrade (UnB), Jorge Paulo Arajo (UFRGS), Marcelo S, Portugal (UFRGS), Maria Alice Lahorgue (UFRGS), Paul Davidson (University of Tennessee), Paulo D. Waquil (UFRGS), Pedro C. D. Fonseca (UFRGS), Philip Arestis (Levy Economics Institut of Bard College), Roberto C. de Moraes (UFRGS), Ronald Otto Hillbrecht (UFRGS), Sabino da Silva Porto Jr. (UFRGS), Stefano Florissi (UFRGS) e Werner Baer (University of Illinois at Urbana-Champaign).

    COMISSO EDITORIAL:

    Eduardo Augusto Maldonado Filho, Fernando Ferrari Filho, Gentil Corazza, Marcelo Savino Portugal, Paulo Dabdab Waquil e Roberto Camps Moraes.

    EDITOR: Prof. Fernando Ferrari Filho EDITOR ADJUNTO: Prof. Gentil Corazza SECRETRIA: Clarissa Roncoto Baldim REVISO DE TEXTOS: Vanete Ricacheski EDITORAO ELETRNICA: Vanessa Hoffmann de Quadros FUNDADOR: Prof Antonio Carlos Santos Rosa

    Os materiais publicados na revista Anise Econmico so da exclusiva responsabi-lidade dos autores. E permitida o reproduo total ou parcial dos trabalhos, desde que seja citada a fonte. Aceita-se permuta com revistas congneres. Aceitam-se, tambm, livros para divulgao, elaborao de resenhas e recenses Todo correspondncia, material pora publi-cao (vide normas na terceira capa), assinaturas e permutas devem ser dingidos ao seguinte destinatario:

    PROF FERNANDO FERRARI FILHO Revista Anlise Econmica - Av, Joo Pessoa, 52

    CEP 90040-000 PORTO ALEGRE - RS, BRASIL Telefones: (051) 316-3513 ~ Fax: (051) 316-3990

    , , , , E-mail: [email protected] Analise tconom/co

    Ano 2 1 , n 39, maro, 2003 - Porto Alegre Faculdade de Cincias Econmicas, UFRGS, 2003 Penodicidade semestral, maro e setembro. Tiragem: 500 exemplares

    1 Teoria Econmica - Desenvolvimento Regional -Economia Agrcola - Pesquisa Terica e Aplicada -Peridicos- I. Brasil

    Faculdade de Cincias Econmicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    CDD 330 05 CDU 33 (81) (05)

  • Teoria Marxista do Valor: uma introduo^

    Alfredo Saad Filho Department of Development Studies

    SOAS, University of London Russell Square, London WCIH OXG, Reino Unido

    as59 @ soas. ac. uk

    Abstract: This article provides an elementary introduction to the basic concepts of the Marxian theory of value and exploitation. The paper ex-plores the concepts of commodity use value and exchange value, concrete and abstract labour, and the relationship between value and money It also explains the nature of the capital relation, the process of exploitation of the wage workers and the extraction of surplus value, and the process of competition. The article concludes with an analysis of the most important contradictions of capitalism.

    Key words: Marx's value theory capitalism, wage labour, exploitation, competition.

    JEL Classification: B51, Pi 6.

    1 Introduo Esse ardgo explica de forma simples os conceitos elementares

    da teoria Marxista do valor e da explorao^. Essa teoria embasa a crtica Marxista do capitalismo, e ela substancia o argumento de que esse sistema econmico e social baseia-se na explorao dos traba-lhadores, e que ele historicamente limitado. Dentre os elementos mais importantes da teoria do valor de Marx esto as relaes entre mercadorias, moeda e valor, a relao de explorao entre capita-listas e trabalhadores assalariados, as causas dos conflitos de classe, a natureza da concorrncia, e a inevitabilidade do progresso tcni-co. Esses conceitos so discutidos e explicados a seguir.

    ' Esse artigo uma verso revisada de Saad Filho (2003- cap. I). Uma verso preliminar foi apresentada no VII Encontro da Saociedade Brasileira de Economia Poltica, em Curitiba (maio de 2002). Sou grato a Claus Magno Germer por sua generosa crtica desse texto. ' Para exposies da teoria Marxista do valor em diferentes nveis de dificuldade, ver Fine (1989), Foley (1986), Harvey (1999), Saad Filho (2002) e Weeks (1981).

  • 2 Mercadorias

    Se voc levantar seus olhos desta pgina por iim instante, ver mercadorias por todos os lados. Esta revista uma mercadoria, as-sim como suas outras revistas e livros, suas roupas e sapatos, bem como sua TV, aparelho de som, computador e outros meios de in-formao e entretenimento, e tambm sua casa, bicicleta, carro e outros meios de transporte. O mesmo vale para os seus produtos de beleza e a maior parte da comida que voc consome, incluindo os alimentos prontos e os meios de preparar comida em casa (como o forno, a batedeira de bolos, e assim por diante). Obviamente, as mercadorias no servem apenas para o consumo individual. Em seu lugar de trabalho ou estudo, a maior parte das coisas que voc pode ver ou tocar tambm so mercadorias. Voc vive em um mundo de mercadorias.

    As mercadorias so bens e servios produzidos para a venda, ao invs do consumo direto de seus produtores. As mercadorias tm duas caractersticas principais. Por um lado, elas so valores de uso, significando que toda mercadoria pode satisfazer algum ripo de necessidade. A natureza dessa necessidade, e a origem da demanda pelas mercadorias, irrelevante. Algumas mercadorias atendem as nossas necessidades elementares de sobrevivncia; outras oferecem conforto, satisfazem convenes sociais, acompanham a moda, ou aliviam vcios ou perverses. Nada disso interessa. Do nosso ponto de vista, a nica coisa que importa que as mercadorias devem ser teis para outros (alm de seus produtores), tornando-as potencial-mente vendveis.

    Por outro lado, as mercadorias tm valor de troca: elas podem, em princpio, ser trocadas por outras mercadorias (por meio do di-nheiro; ver abaixo). Uma pequena TV, por exemplo, pode ser equi-valente a uma bicicleta, dez pares de sapatos, vinte e cinco CDs, cem cafezinhos, e assim por diante. Os valores de troca mostram que, apesar de seus diferentes valores de uso, as mercadorias tam-bm so equivalentes umas s outras.

    Em economias mercanris, onde a maioria dos bens e servios so mercadorias, o dinheiro cumpre dois papis essenciais. Primei-ro, ele simplifica o enorme nmero de relaes de troca bilaterais entre as mercadorias. Na prtica, apenas o valor de troca das mer-cadorias em termos de moeda (seu preo) precisa ser conhecido, e ele estabelece as relaes de equivalncia entre todas as mercado-

  • rias. Segundo, as trocas mercantis normalmente so indiretas, dan-do-se atravs de trocas por moeda (compras e vendas). Por exem-plo, voc dificilmente poderia produzir diretamente todos os valo-res de uso que deseja ou precisa consumir. A produo indireta, atravs da diviso do trabalho e da especializao, muito mais efi-ciente. Dessa forma, voc tende a se especializar na produo de uma mercadoria especfica - por exemplo, refeies, se voc for um cozinheiro - e troca as mercadorias que voc produz por aquelas que deseja consumir. Essas trocas no so diretas (escambo), como se cozinheiros oferecessem guloseimas aos transeuntes em troca de entradas de cinema, sapatos, canes e automveis. Ao contrrio, voc vende seus talentos para os donos de um restaurante, em troca de um salrio, e, munido de notas e moedas (ou de um talo de che-ques ou carto de crdito), voc compra aquilo que deseja consumir.

    3 Trabalho

    A natureza dupla das mercadorias, enquanto valores de uso que tm valor de troca, se reflete no trabalho. Por um lado, o trabalho produtore de mercadorias trabalho concreto, que produz valores de uso especficos, como roupas, alimentos, livros, e assim por dian-te. Por outro lado, como vimos acima, quando os bens e servios so produzidos enquanto mercadorias existe uma relao de equi-valncia entre eles, que permite sua troca (especificamente, sua tro-ca por dinheiro). A relao de equivalncia entre as mercadorias demonstra que o trabalho produtor de mercadorias , tambm, tra-balho abstrato (geral). Em outras palavras, os trabalhos produtores de mercadorias possuem caractersticas comuns. Elas expressam o desenvolvimento da atividade produtiva geral, independente dos va-lores de uso especficos que so produzidos pelos trabalhadores em-pregados na atividade mercantil. O trabalho abstrato, ou o aspecto comum e geral (homogneo) do trabalho produtor de mercadorias, pode ser diretamente comparado atravs do tempo de trabalho mdio gasto na produo de cada valor de uso - seu valor (ver abai-xo). Portanto, assim como as mercadorias, o trabalho que as produz , simultaneamente, trabalho especfico (concreto, ou criador de valores de uso), e trabalho geral (abstrato, ou criador de valor).

    O trabalho concreto, produtor de valores de uso, existe em toda e qualquer sociedade. A razo simples: os seres humanos sempre precisam produzir e consumir valores de uso para viabilizar sua re-

  • produo fsica e social e, para isso, o trabalho concreto indispen-svel. Em contraste, o trabalho abstrato historicarnente especfico; ele s existe em sociedades que se reproduzem atravs do intercm-bio de mercadorias. Em outros tipos de sociedade, o trabalho abs-trato pode ser marginal ou at mesmo inexistente.

    O trabalho abstrato tem dois aspectos - qualitativo e quantitati-vo - que devem ser analisados separadamente.

    Primeiro, o trabalho abstrato (geral ou comum) a base da re-lao de equivalncia entre as mercadorias. Da mesma forma que essa relao de equivalncia mercantil real, o trabalho abstrato tambm tem existncia real na produo mercantil. Ele no ape-nas uma idia ou um conceito terico, especialmente no capitalis-mo. Uma visita ao supermercado, por exemplo, demonstra que o seu trabalho (como cozinheiro, por exemplo) realmente equiva-lente aos trabalhos que produziram milhares de mercadorias dife-rentes, algumas em locais vizinhos, e outras em pases distantes. A equivalncia monetria real (e no meramente terica) entre o seu salrio e as mercadorias venda no supermercado demonstra a re-lao de equivalncia entre os trabalhos de todos os produtores mercantis. Em outras palavras, ao comprar uma barra de chocolate voc realiza a equivalncia material entre seu trabalho e o trabalho dos produtores de chocolate. De forma mais geral, a possibilidade de trocar o dinheiro por qualquer mercadoria indica que o dinhei-ro representa trabalho abstrato (as mercadorias ordinrias geralmen-te no podem ser trocadas diretamente; portanto apenas o dinheiro representa diretamente o trabalho abstrato).

    Segundo, a relativa estabilidade dos valores de troca (ou dos preos relativos) das mercadorias demonstra que existe uma rela-o quantitativa entre os tempos de trabalho abstrato necessrios para produzir cada tipo de mercadoria. Entretanto, essa relao indireta, como veremos abaixo.

    Em sua obra A Rique2a das Naes, publicada originalmente em 1776, Adam Smith argumentou que nas sociedades primitivas os bens e servios eram trocados diretamente, em propores determina-das pelo tempo de trabalho necessrio para produzi-los. Por exem-plo, se a captura de um castor normalmente demanda duas vezes o tempo necessrio para a captura de um veado, Smith afirma que um castor ser 'naturalmente' trocado por dois veados (Smith 1991, p.4I) . Entretanto, Smith acrescenta que essa regra simples de forma-o de preos relativos entra em colapso quando a sociedade passa

  • a utilizar instrumentos de trabalho (voc certamente notou que, no exemplo anterior, a captura dos animais no requer nada alm do empenho dos caadores). Para Smith, esse colapso da regra 'sim-ples' de formao de preos deve-se ao direito dos donos dos ins-trumentos de produo de pardcipar do valor do produto. Assim, quando os instrumentos, mquinas ou, mais geralmente, o capital, entram em cena, os preos das mercadorias devem refletir tanto o tempo de trabalho necessrio na produo quanto a contribuio dos donos do capital.

    Marx discorda de Smith, por duas razes. Primeiro, a troca 'sim-ples' ou 'direta' (em propores determinadas pelo tempo de traba-lho socialmente necessrio para produzir as mercadorias) no t-pica de nenhum tipo de sociedade humana. Essa conjectura ape-nas um exerccio mental de Sinith, sem nenhuma base histrica, e suas concluses no tm validade geral nem relevncia terica (por exemplo, se todas as pessoas pudessem capturar castores em duas horas e veados em uma hora, no haveria necessidade de trocar castores por veados!). Segundo, e mais importante para os nossos propsitos, apesar de as trocas mercands demonstrarem a existn-cia de relaes de equivalncia entre os diferentes dpos de traba-lho, essa equivalncia indireta. Em outras palavras, a 'teoria do valor trabalho' de Smith apenas um construto mental, que ele aban-dona ao enfrentar a primeira dificuldade (a introduo dos instru-mentos de trabalho - sem os quais, evidentemente, nenhuma pro-duo possvel). Em contraste, Marx desenvolve a sua anlise do valor rigorosa e sistematicamente, buscando explicar de forma coe-rente a determinao dos preos das mercadorias sob o capitalismo a partir do trabalho social (ver abaixo e, para detalhes, Saad Filho 2002).

    4 Capitalismo

    As mercadorias so produzidas no mundo h milhares de anos. Entretanto, em sociedades no capitalistas tanto as mercadorias quan-to a produo mercantil so marginais, e a maioria dos bens e servi-os produzida pelas famlias para seu consumo direto ou para tro-cas no monetrias. Nas sociedades capitalistas, a produo tem um carter diferente.

    A primeira caracterstica do capitalismo a produo generali-zada de mercadorias. Em sociedades capitalistas, a maioria dos bens e servios produzida para a venda, a maioria dos trabalhadores

  • produz mercador ias , e as mercador ias so s is temat icamente comercializadas em mercados desenvolvidos, onde firmas e famli-as regularmente as compram para satisfazer suas necessidades de insumos produtivos e de bens e servios finais.

    A segunda caracterstica do capitafismo a produo de mer-cadorias para o lucro. Nas sociedades capitalistas, os proprietrios de mercadorias tpicamente buscam obter lucro com sua venda, ao invs de meramente satisfazer suas necessidades pessoais por valo-res de uso. Portanto, as decises que regulam a produo, o nvel e estrutura do emprego, os investimentos e o padro de vida da soci-edade dependem da lucratvidade das firmas.

    A terceira caracterstica do capitalismo o trabalho assalariado. Assim como a produo mercantl e a moeda, o trabalho assalaria-do apareceu originalmente h milhares de anos. Entretanto, antes do capitalismo o trabalho assalariado era sempre limitado, e outras formas de trabalho predominavam. Por exemplo, a cooperao em pequenos grupos sociais, a escravido em grandes imprios da an-rigiidade, e a servido sob o feudafismo (a produo independente para a subsistncia e a troca sempre existu, mas geralmente de for-ma marginal). O trabalho assalariado tornou-se a forma tpica do trabalho apenas recentemente; h trs ou quatro sculos na Ingla-terra, e ainda mais recentemente em outras regies. Em algumas partes do mundo 'em desenvolvimento', o trabalho assalariado, os mercados complexos e a produo mercantil para o lucro tm, ainda hoje, apenas um papel secundrio na reproduo social e econmica.

    5 Trabalho Assalariado

    A maioria das pessoas no entra no mercado de trabalho por opo. Estudos sociais e histricos mostram que o emprego assala-riado geralmente buscado apenas por aqueles que no conseguem satisfazer suas necessidades bsicas de outra forma. Historicamente, o trabalho assalariado se expande, e o desenvolvimento capitalista se acelera, apenas quando os camponeses, artesos e trabalhadores autnomos perdem o controle dos meios de produo: ou seja, quan-do os camponeses so expulsos da terra, os artesos perdem o aces-so s mquinas ou a possibilidade de sobreviver a partir do trabalho com elas, e os trabalhadores autnomos perdem a capacidade de se sustentar com seus talentos e ferramentas de trabalho. Portanto, o

  • capitalismo se desenvolve na medida em que as pessoas tornam-se incapazes de subsistir atravs de formas no-capitalistas de produo^.

    Freqentemente ouve-se o argumento de que o contrato de tra-balho justo porque ele resulta de um acordo entre dois agentes livres e independentes: o capitalista, que busca trabalhadores, e o empregado, que busca um salrio. Esse argumento parcial e enga-noso. Apesar de os trabalhadores assalariados serem formalmente livres para assinar ou no seu contrato de trabalho, procurar outro emprego melhor, ou at mesmo livres para decidir no trabalhar, sua relao frente aos empregadores est longe de ser igual. Quase sempre, os trabalhadores esto em posio frgil frente aos seus empregadores potenciais. Os trabalhadores geralmente precisam de dinheiro no curto prazo para satisfazer s necessidades imediatas de suas famlias, inclusive o pagamento das despesas de moradia, ali-mentao, vesturio, sade, educao, e assim por diante, alm de pagarem suas dvidas e prestaes, e se prevenirem contra as incer-tezas do futuro. Esses so alguns dos 'incentivos' que obrigam os trabalhadores a assinarem 'livremente' o contrato de trabalho, a se fazerem presentes 'espontaneamente' no horrio do servio, e a sa-tisfazerem 'voluntariamente' as expectativas de seus supervisores e empregadores.

    A relao salarial implica que a capacidade de trabalho dos empregados, ou seja, a sua fora de trabalho, tornou-se uma merca-doria. O valor de uso dessa mercadoria sua capacidade de produ-zir outros valores de uso (roupas, alimentos, aparelhos de som, e assim por diante). Seu valor de troca representado pelo salrio. Nesse sentido, a fora de trabalho uma mercadoria como outra qualquer, e os trabalhadores assalariados so vendedores de mer-cadorias.

    importante distinguir entre a fora de trabalho e o trabalho. A fora de trabalho o potencial de produzir alguma coisa (um valor de uso especfico, qualquer que seja ele), enquanto o trabalho o uso desse potencial - em outras palavras, o trabalho o ato de trans-formar dadas condies naturais e sociais em um produto precon-cebido. Quando uma empregadora capitalista contrata trabalhado-res, ela compra a fora de trabalho de seus empregados por um tempo determinado. Uma vez concluda essa transao, o tempo dos trabalhadores deixa de lhes pertencer. Por exemplo, a emprega-

    ^ Para exemplos histricos, ver Davis (2001).

  • dora adquire o direito de dispor dos trabalhadores, nos termos do contrato e das leis, de segunda a sexta-feira entre as 8 e as 18 horas, e nos sbados das 8 s 13 horas. Durante esse perodo, a emprega-dora deseja extrair de seus empregados tanto trabalho quanto poss-vel. Os trabalhadores, por seu lado, tendem a resistir contra os abu-sos dos capitalistas, e eles podem, por exemplo, limitar unilateral-mente a intensidade do trabalho ou rejeitar mudanas arbitrrias nas normas de produo. Em resumo, a compra da fora de traba-lho no garante que uma dada quantidade de trabalho ser execu-tada, ou que uma dada soma de valor ser produzida. O resultado depende de coero, persuaso e conflitos na fbrica, na fazenda ou no escritrio.

    6 Mercados

    s trs caractersticas do capitalismo, explicadas acima, no so apenas acidentais. Existe uma relao de implicao mtua entre elas. Por um lado, em sociedades capitalistas avanadas uma gran-de variedade de mercadorias produzida para o lucro por milhes de trabalhadores assalariados em milhares de firmas. Muitas dessas mercadorias so, mais tarde, compradas por esses mesmos traba-lhadores, que no mais podem ou desejam produzir para si prpri-os. Portanto, a difuso da relao salarial estimula, simultaneamen-te, tanto a oferta quanto a demanda por mercadorias.

    Por outro lado, a difuso do trabalho assalariado e das trocas mercantis estimula o desenvolvimento dos mercados. Para a teoria econmica convencional, os mercados so apenas instituies que facilitam as trocas, e eles so essencialmente idnticos entre si: vari-aes nos preos afetam tanto a oferta quanto a demanda, propa-gandas sensuais promovem qualquer produto, e o resto problema da equipe de vendas. Essa abordagem parcial e enganosa. Na re-alidade, os mercados fazem parte dos sistemas de proviso da eco-nomia, e so estmturados por eles. Os sistemas de proviso so ca-deias de atividades conectando a produo, a troca e o consumo, incluindo a extrao de insumos bsicos (leo cru, cobre, fibra de algodo, cacau, e assim por diante), sua elaborao em sucessivos estgios e, por fim, a distribuio das mercadorias finais (combust-vel de aviao, aparelhos de som, camisetas, chocolate, e outros produtos). Em certos estgios dessas cadeias produtivas, as merca-

  • dorias so regularmente vendidas. Portanto, a necessidade das tro-cas mercantis, e a forma dessas trocas, dependem da estrutura de cada sistema de provisol

    Essa abordagem dos mercados tem quatro implicaes. Primei-ro, os mercados no so estruturas ideais que podem ser julgadas mais ou menos 'perfeitas' segundo seu grau de correspondncia com algum modelo abstrato (como presumido pela teoria econmica convencional). Apesar de os mercados serem essenciais para a pro-duo de mercadorias e a realizao de lucros, eles existem apenas concretamente, e os mercados de combustveis, roupas, alimentos, computadores, fora de trabalho, moeda, crdito, divisas, e outras mercadorias podem ser profundamente distintos uns dos outros.

    Segundo, os mercados so estruturados no apenas 'interior-mente', pelos sistemas de proviso, mas tambm 'exteriormente', pe-los regulamentos sociais e econmicos que afetam a produo e a troca, por exemplo, o sistema legal e jurdico, os servios de trans-porte, armazenagem e comercializao, as relaes comerciais in-ternacionais, os sistemas monetrios, financeiros e tributrios, e as-sim por diante.

    Terceiro, os capitalistas avaliam a demanda por suas mercado-rias apenas indiretamente, atravs do poder de compra de seus cli-entes e da lucratividade empresarial. por isso que os mercados so freqentemente incapazes de satisfazer necessidades sociais im-portantes (por exemplo, a preveno e o tratamento das doenas dos pobres, como a malria), e por essa razo que bens de luxo, danosos sade ou socialmente inteis so produzidos em grande quantidade (por exemplo, as cirurgias plsticas estticas, os cigarros e a publicidade).

    Quarto, nos mercados desenrolam-se continuamente lutas vio-lentas e socialmente custosas por lucros. A realidade no corresponde teoria econmica convencional, onde a concorrncia quase sem-pre eficiente, ou seja, sem custos e levando rapidamente a resulta-dos timos. No mundo real, campanhas publicitrias caras, empre-gando um grande nmero de pessoas talentosas, so tramadas re-gularmente para seduzir clientes potenciais, induzindo-os a comprar qualquer produto que os capitaHstas tenham a inteno de vender Marcas e estilos so artificialmente diferenciados, e produtos virtu-almente idnticos competem pela ateno dos consumidores com

    "Os sistemas de proviso so discutidos em detalhe por Fine (2002).

  • base no clesign de suas embalagens, jingles tacanhos e presentes sem valor Ao mesmo tempo, mas longe do olhar do piblico, geren-tes, corretores e investidores geram, coletam, difundem e traficam informaes, nem sempre verdadeiras, buscando maximizar seus ganhos privados mesmo custa de perdas sociais. As leis e os pa-dres ticos so regularmente distorcidos, tensionados e violados para facilitar as transaes comerciais, aumentar fatias de mercado, e extrair trabalho dos empregados e dinheiro dos consumidores. Exemplos freqentes de crimes corporativos, da traumtica South Sea Bubble de 1720 aos gigantescos escndalos da Enron e da WorldCom, em 2002, permitem entrever a verdadeira natureza do 'livre mercado'5.

    7 Valor 8 Mais-valia

    Os capitalistas combinam os meios de produo, geralmente comprados de outros capitalistas, com o trabalho assalariado con-tratado nos mercados de trabalho para produzir mercadorias para a venda com lucro. O circuito do capital industrial representa os as-pectos essenciais da produo fabril, do trabalho agrcola ou de es-critrio, e de outras formas de produo capitalista. Ele pode ser representado da seguinte forma:

    D-M

  • por duas razes. Em primeiro lugar, os vendedores tambm so com-pradores. Se todos os vendedores cobrassem de seus clientes 10 por cento acima do preo 'correto', seus ganhos seriam perdidos para seus prprios fornecedores, e ningum lucraria com esse exer-ccio. Portanto, apesar de alguns poderem enriquecer roubando ou fraudando seus clientes, isso no possvel para a sociedade como um todo. Em outras palavras, a trapaa e as trocas desiguais no podem explicar a existncia dos lucros, porque elas apenas transfe-rem valor; elas no criam novos valores. Em segundo lugar, a con-corrncia tende a aumentar a oferta em qualquer setor onde exis-tam lucros excepcionais, eventualmente eliminando as vantagens trazidas pela sorte ou esperteza. Portanto, a mais-valia e o lucro de-vem ser explicados para a sociedade como um todo, ao invs de se presumir que eles derivam do mrito individual.

    Explicaes coerentes da mais-valia e do lucro devem partir do suposto, completamente geral, da troca de equivalentes. A inspeo do circuito do capital, ilustrado acima, mostra que a mais-valia a diferena entre o valor do produto, M', e o valor dos insumos (MP e FT), ou seja, M. Como a diferena M'-M no se deve, em geral, s trocas desiguais, o incremento de valor s pode derivar do proces-so de produo. Mais especificamente, para Marx, a mais-valia sur-ge do consumo de uma mercadoria cujo consumo cria valor.

    Vamos comear com os meios de produo (insumos fsicos). Em uma fbrica de chocolate, por exemplo, o cacau, o leite, o a-car, a eletricidade, as mquinas e os demais insumos so fisicamente transformados em barras de chocolate. Entretanto, a mera transfor-mao dos insumos no cria valor A suposio de que a transfor-mao de algumas coisas em outras cria valor, qualquer que seja o contexto ou a forma da interveno humana (ou mesmo em sua ausncia), confunde os dois aspectos da mercadoria, valor de uso e valor de troca. Em ltima instncia, ela implica que uma macieira, que produz mas a pardr do solo, luz solar e gua, cria no apenas o valor de uso mas tambm o valor das frutas, e que o envelheci-mento espontaneamente adiciona valor (ao invs de apenas valor de uso) ao vinho. A naturalizao das relaes de valor ignora a razo de as mercadorias terem valor no capitalismo, enquanto um grande nmero de bens, servios e frutos da natureza no tem valor econmico nem mesmo nessas sociedades: a luz do sol, o ar, o aces-so s praias e parques pblicos, favores trocados entre amigos, pre-sentes, e assim por diante.

  • o valor no um produto da natureza ou uma substncia fisi-camente embutida nas mercadorias. O valOf uma relao social entre os produtores mercantis, que aparece na forma de valor de troca, uma relao entre as coisas (especificamente, o valor apare-ce atravs dos preos das mercadorias, ou seja, atravs da relao entre os produtos e a moeda, explicada acima). Bens e servios pos-suem valor apenas em certas circunstncias histricas e sociais -uma parte infinitesimal da histria humana. A relao valor desen-volve-se por completo apenas no capitalismo, em paralelo com a produo de mercadorias, o uso do dinheiro, a diftrso do trabalho assalariado, e a generalizao de direitos de propriedade baseados em relaes mercantis. Nesse momento histrico, o valor subordina as demais relaes econmicas e sociais. Por exemplo, as relaes de valor regulam a atividade econmica, fimitam a estrutura da pro-duo e do emprego, e restringem o bem-estar social.

    Se o valor uma relao social tpica de sociedades mercantis, sua fonte - e a origem da mais-valia - s pode ser a execuo de trabalho produtor de mercadorias (o consumo produtivo da merca-doria fora de trabalho). Quando um capitafista contrata trabalha-dores para produzir chocolate, por exemplo, o trabalho deles trans-forma os insumos no produto. Como os insumos so fisicamente in-corporados no produto, seu valor transferido, e passa a fazer parte do valor do produto. Alm da transferncia do valor dos insumos, o trabalho simultaneamente cria um valor adicional. Em outras pala-vras, enquanto os meios de produo contribuem para o valor do produto com o valor que eles j possuem (devido ao tempo de tra-balho necessrio para produzi-los como mercadorias em outros se-tores da economia), o trabalho necessrio para a transformao dos insumos no produto final adiciona um novo valor no produto (ver seo 3).

    O valor do produto final igual ao valor dos insumos (MP) mais o valor adicionado pelos trabalhadores na produo. Como o valor dos meios de produo apenas transferido, a produo d lucro somente se o valor adicionado exceder os custos salariais (o valor de FT). Em outras palavras, a mais-vaUa a diferena entre o valor adicionado pelos trabalhadores e o valor da fora de trabalho. De outra forma: no capitafismo os trabalhadores so explorados por-que eles "trabalham mais tempo que o necessrio para produzir os bens e servios que eles controlam. No restante do tempo, os traba-lhadores trabalham de graa, ou seja, eles produzem valor para os

  • capitalistas: os trabalhadores so explorados atravs da relao sa-larial. Por exemplo, se os bens necessrios para reproduzir a fora de trabalho podem ser produzidos em quatro horas, mas o dia de trabalho de oito horas, os trabalhadores trabalham 'para si' meta-de do tempo, e na outra metade eles trabalham 'para os capitalistas': a taxa de explorao (a razo entre o que Marx chama de 'tempo de trabalho excedente' e 'tempo de trabalho necessrio') de cem por cento.

    Assim como os trabalhadores no tm como evitar sua explora-o no capitalismo, os capitalistas tambm no podem evitar explo-rar os trabalhadores. A explorao atravs da extrao de mais-va-lia uma caracteristica sistmica e absolutamente geral do capitalis-mo: esse sistema de produo opera como uma bomba de extrao de mais-valia. Os capitalistas precisam explorar seus trabalhadores para que seus negcios possam sobreviver; os trabalhadores preci-sam aceitar a explorao para poderem satisfazer suas necessidades imediatas; e a explorao o combustvel que move a produo e circulao no capitalismo. Sem a extrao de mais-valia no have-ria trabalho assalariado ou produo capitalista, e o sistema seria paralisado.

    importante notar que, apesar de os trabalhadores serem ex-plorados, eles no precisam ser pobres em termos absolutos (a po-breza relativa, devida distribuio desigual da renda e da riqueza, um problema completamente distinto). O desenvolvimento tecnolgico aumenta a produtividade do trabalho e, potencialmen-te, permite a todos os membros da sociedade desfrutar de um nvel de vida relativamente confortvel, mesmo que a taxa de explorao seja elevada. Por exemplo, se a produtividade do trabalho aumentar mais rapidamente que os salrios por longos perodos (ver seo 9), trabalhadores relativamente bem pagos em economias altamente produtivas podem ser at mais explorados do que trabalhadores mal pagos em economias pouco produtivas.

    8 Concorrncia

    A concorrncia tem um papel essencial no capitalismo. Existem dois tipos bsicos de concorrncia, entre capitais no mesmo setor (produzindo bens idnticos) e entre capitais em setores distintos (pro-duzindo bens diferentes).

  • Capitais no mesmo setor lutam por lucros principalmente atra-vs da introduo de inovaes tecnolgicas que reduzem os cus-tos de produo. No caso mais simples, se uma firma inovadora (e mais produtiva) pode produzir a um custo menor que as concorren-tes, e elas vendem bens idnticos ao mesmo preo, a firma inovado-ra tem uma taxa de lucros mais elevada e pode aumentar sua fatia de mercado, investir mais e, potencialmente, destruir as concorren-tes. Portanto, a concorrncia entre capitais produzindo bens simila-res com tecnologias diferentes leva diferenciao das taxas de lu-cro. Esse tipo de concorrncia expfica a tendncia rumo ao pro-gresso tcnico ininterrupto no capitalismo, que est ausente em so-ciedades pr-capitafistas, e abre a possibilidade de existncia de monopfios e de crises de desproporo ou superproduo.

    A concorrncia entre capitais em diferentes setores completa-mente diferente: ela cria uma tendncia de equalizao das taxas de lucro atravs da economia (inclusive na esfera internacional). Esse tipo de concorrncia explica as estruturas e processos de equilbrio associados com os mercados competitivos, incluindo os ajustes de oferta e a migrao de capitais. Por exemplo, se os capitalistas e seus agentes perceberem a existncia de lucros excepcionais no setor farmacutico suo, e lucros reduzidos na indstria siderrgica nor-te-americana, eles podem investir e, portanto, aumentar a oferta na primeira (o que, eventualmente, reduz o preo dos produtos farma-cuticos e a taxa de lucro dessa indstria), reduzir a oferta na segun-da (o que eventualmente eleva o preo do ao e as taxas de lucro dos produtores), migrar da primeira para a segunda, ou seguir algu-ma combinao dessas estratgias. O que essas alternativas tm em comum o seguinte: elas envolvem uma tendncia de equalizao das taxas de lucro atravs da economia. Evidentemente, a concor-rncia intersetorial e a tendncia de equalizao das taxas de lucro so enormemente facilitadas pelo desenvolvimento dos mercados financeiros.

    A concorrncia capitafista tem trs implicaes importantes (explicadas em maior detalhe nas referncias listadas abaixo). Pri-meiro, equivocado buscar uma soluo aritmtica para o conflito entre as foras da concorrncia. No h razo para as taxas de lucro convergirem para uma mdia (que pode crescer, decfinar ou ficar esttica atravs do tempo), ou divergirem permanentemente, poten-cialmente levando ao desenvolvimento de supermonoplios. Os dois tipos de concorrncia explicados acima influenciam de diferentes

  • maneiras o comportamento das firmas, e o resultado de sua interao (em conjunto com outras influncias sobre as empresas) depende de um ampio conjunto de variveis que pode ser entendido apenas concretamente. Segundo, variaes de preo devidas concorrn-cia intersetorial influenciam a operao da lei do valor. Ao invs de as trocas mercantis serem reguladas apenas pelo tempo de trabalho abstrato necessrio para produzir as mercadorias, como na fictcia sociedade primitiva de Adam Smith (discutida acima), no capitalis-mo avanado a formao de preos depende da equalizao das taxas de lucro entre diferentes setores da economia (essa a conhe-cida 'transformao dos valores em preos de produo'). Terceiro, a interao entre as foras da concorrncia dentro de cada setor, e entre os setores, gera uma tendncia de reduo da quanddade de trabalho necessrio na produo (que conhecida como a 'ten-dncia declinante da taxa de lucro', que Marx analisou simultanea-mente com as suas 'contratendncias', ver Capital 3, Parte 3).

    9 Lucro e Explorao

    O lucro empresarial pode crescer de diferentes maneiras. Por exemplo, os capitalistas podem compelir seus fiincionrios a traba-lhar mais horas ou mais intensamente, podem empregar trabalha-dores melhor qualificados, ou mudar a tecnologia de produo.

    Com tudo o mais constante, horas adicionais de trabalho pro-duzem mais lucro porque um produto maior gerado com reduzi-dos custos adicionais (pois os custos da terra, dos prdios, das m-quinas e da superviso aumentam menos que o volume produzido). Por isso, os capitalistas sempre argumentam que a reduo da jorna-da de trabalho afetaria os lucros e, portanto, levaria a cortes da pro-duo, do emprego e do investimento. Apesar disso, na realidade tudo o mais no fica constante, e a experincia histrica demonstra que a reduo da jornada de trabalho pode at mesmo elevar a produtividade, devido a seus efeitos sobre a eficincia e moral dos trabalhadores. Os resultados dependem das circunstncias, e eles podem ser bastante negativos para alguns capitalistas e, ao mesmo tempo, altamente lucrativos para outros.

    A maior intensidade do trabalho condensa mais trabalho na mes-ma jornada. O aumento do esforo, velocidade ou concentrao dos trabalhadores, eleva (at certo ponto) o volume produzido e reduz os custos unitrios; portanto, a lucratividade aumenta. O em-

  • prego de trabalhadores mais bem tremados e com maior grau de instruo tem resultados semelhantes. Eles podem produzir mais mer-cadorias, e criam mais valor, por hora de trabalho.

    Marx chama a mais-valia adicional, extrada atravs de uma jor-nada mais longa, do trabalho mais intenso ou do emprego de traba-lhadores melhor treinados, mais-valia absoluta. Esse tipo de mais-valia envolve o gasto de mais trabalho, seja durante a mesma jorna-da ou em uma jornada mais longa, com dados salrios. A mais-valia absoluta particularmente importante no incio do capitalismo, quan-do o dia de trabalho freqentemente chega a doze, quatorze ou at mesmo a dezesseis horas. Mais recentemente, a mais-valia absoluta tem sido extrada atravs da extenso da semana de trabalho, do aumento da idade mnima para a aposentadoria e da penetrao do trabalho no tempo de lazer, pelo menos para certos segmentos da classe trabalhadora, para quem o tempo de trabalho freqentemente inclui o final de semana, as frias, e at mesmo o caminho para o emprego e a casa, devido disponibilidade de telefones celulares e computadores portteis. Por um lado, essas invenes simplificam o trabalho; mas, por outro lado, elas permitem aos empregados estar permanentemente disposio de seus empregadores. Alm disso, os trabalhadores so freqentemente obrigados a aumentar a pro-dutividade atravs de trabalho mais intenso (por exemplo, linhas de produo mais velozes e reduo dos intervalos), e coagidos a ad-quirir novas qualificaes em seu tempo 'livre' (por exemplo, parti-cipando de cursos e conferncias). Entretanto, apesar de sua impor-tncia, a mais-valia absoluta limitada. impossvel aumentar o dia de trabalho ou sua intensidade indefinidamente, e os trabalhadores gradualmente aprendem a resistir a essas formas de explorao.

    Foi mostrado acima que a introduo de novas tecnologias e novas mquinas pode aumentar a taxa de lucro das firmas inovado-ras. Elas permitem que mais insumos sejam processados em um dado tempo de trabalho ou, em outras palavras, elas reduzem a quantida-de de trabalho necessrio para produzir cada unidade do produto. Quando a produtividade cresce mais rapidamente que os salrios atravs da economia, a fatia da mais-valia no valor agregado total aumenta, e a fatia dos trabalhadores diminui. Marx chama esse au-mento de mais-valia relativa. A mais-valia relativa mais flexvel que a absoluta, e ela a forma mais importante de explorao no capita-lismo moderno, porque os aumentos da produtividade podem ex-ceder o crescimento dos salrios por longos perodos.

  • 10 Sumrio e Concluses

    A teoria econmica convencional define o capital como um conjunto de coisas, incluindo os meios de produo, o dinheiro e os ativos financeiros. Mais recentemente, o conhecimento humano e as relaes comunitrias foram chamadas de 'capital humano' ou 'capital social'. Isso incorreto. Esses objetos, ativos e atributos exis-tem h muito tempo, enquanto o capital relativamente recente. enganoso estender o conceito de capital aonde ele no pertence, como se ele fosse vlido universalmente ou atravs da histria. Por exemplo, um cavalo, um martelo ou um milho de dlares podem ou no ser capital; isso depende do contexto no qual eles so utiliza-dos. Se eles forem empregados na produo para lucro atravs do emprego direto ou indireto de trabalho assalariado, eles so capital; do contrrio, eles so apenas animais, ferramentas ou notas bancrias.

    Assim como o valor, o capital uma relao social que aparece como um conjunto de coisas. Entretanto, enquanto o valor uma relao geral entre produtores e vendedores de mercadorias, o ca-pital uma relao social de explorao. Essa relao inclui duas classes (definidas por sua propriedade, controle e uso dos meios de produo): os capitaHstas, que so donos dos meios de produo, compram a fora de trabalho e so donos do produto do trabalho, e os trabalhadores assalariados, que vendem a fora de trabalho e operam os meios de produo. A relao entre essas duas classes a base da diviso social do trabalho e da produo e distribuio de mercadorias no mundo de hoje.

    A concorrncia e a explorao atravs da extrao de mais-vafia tornam o capitalismo singularmente capaz de desenvolver a tecnologia e as foras produtivas (a capacidade de produo da sociedade). Essa a principal razo pela qual Marx admira alguns aspectos do capitalismo. Entretanto, o capitalismo tambm o modo de produo mais destrudvo da histria. A busca do lucro cega, e ela pode ser arrasadora. Ela levou a descobertas maravilhosas e a melhorias sem precedentes dos padres de vida, especialmente (mas no apenas) nos pases 'desenvolvidos'. Mas o capitalismo levou, tambm, destruio e degradao generalizada do meio atnbiente e das vidas humanas. A busca do lucro levou escravido, banalizao da vida e at mesmo ao genocdio (por exemplo, con-tra as populaes nativas do Congo Belga e dos Estados Unidos, na frica do Sul durante o apartheid, e nas guerras coloniais e

  • interimperialistas, especialmente a Primeira Guerra Mundial). Ela levou explorao brutal dos trabalhadores (por exemplo, na Ingla-terra do sculo dezenove, no Brasil do sculo vinte e na China do sculo vinte e um), e destruio descontrolada do meio ambiente (nos Estados Unidos, Europa, ndia, Indonsia e em outros lugares), com graves implicaes globais.

    O capitalismo gera e cmplice no desemprego em massa dos trabalhadores, das mquinas e da terra agricultvel, apesar das ne-cessidades insatisfeitas da maioria, e ele tolera a pobreza apesar dos meios para aboli-la estarem amplamente disponveis. O capitalismo estende a vida humana, mas freqentemente avilta o senddo da vida. Ele estimula avanos sem precedentes na educao e cultura da humanidade e, ao mesmo tempo, nutre a idiotice, avareza, a mend-ra, a discriminao sexual e racial e outras formas de degradao h u m a n a . Paradoxalmente , o acmulo de riquezas materiais freqentemente empobrece a existncia humana.

    Esses efeitos contraditrios do capitalismo so inseparveis. impossvel isolar as caractersticas atraentes das 'economias de mer-cado', e descartar aquelas que nos ofendem os sentidos. A proprie-dade privada dos meios de produo e a concorrncia necessaria-mente implicam a relao salarial, a explorao atravs da extrao de mais-valia, e elas levam s crises, guerra e a outros aspectos negativos do capitalismo. Isso limita tanto a possibilidade de refor-mas sociais, polticas e econmicas, quanto a capacidade do mer-cado de assumir uma 'face humana'^.

    Esses limites levaram Marx a concluir que o capitalismo pode ser derrubado, e outro sistema social criado, o comunismo. Para ele, o comunismo abre a possibilidade de realizao do potencial da grande maioria atravs da eliminao das irracionalidades e cus-tos humanos do capitalismo, incluindo a desigualdade sistmica, as privaes materiais, a concorrncia destrutiva, a ganncia, e a ex-plorao econmica. Mas esse outro assunto.

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