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© 2009, ULBRA.

1ª Edição.

ISBN 978-85-7697- 128-3

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá serreproduzida por qualquer meio, sem autorização prévia da autora, porescrito. O Código Penal Brasileiro determina, no Artigo 184, pena e san-ções a infratores por violação de direitos autorais. Qualquer semelhançaé mera coincidência.

Coordenação EditorialKarla Viviane

Editora Imprensa Livre®

Rua Comandaí, 801Porto Alegre/RS – CEP 90830-530(51) [email protected]

S749t Sperotto, NeilaTeoria e metodologia / Neila Sperotto. – Porto Alegre :Imprensa Livre, 2009.152 p. ; 22 cm.

ISBN 978-85-7697-128-3

1. Normalização. 2. Metodologia científica. I. Título

Obra coletiva organizada pela Universidade Luterana do Brasil.Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores aemissão de conceitos.

CDU 001.8

Catalogação elaborada por: Evelin Stahlhoefer Cotta – CRB 10/1563

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Apresentação

Nesta obra vamos destacar os fundamentos teóricopráticos do trabalho social, com a finalidade de demonstrara construção dos conhecimentos produzidos no ServiçoSocial, que fornecem as condições teórico-metodológicaspara o estudo da realidade social e apreensão da questãosocial como produtora da exclusão social e dasdesigualdades de renda.

Estes conhecimentos teóricos são materializados naprática profissional quando da intervenção junto à populaçãousuária dos serviços sociais. Historicamente, a realizaçãodo trabalho do assistente social se deu pelo conjunto deações realizadas diretamente com os indivíduos, as famílias,os grupos e as comunidades, bem como na necessária, ecada vez mais solicitada aos assistentes sociais,administração e gestão de organizações, serviços,programas e projetos sociais.

A estrutura da obra está organizada para que, deforma didática, você apreenda como a teoria e ametodologia da profissão foi sendo construída ao longo dotempo. É necessário ter em mente que esta construçãonão está acabada e encontra-se permanentemente emprocesso de elaboração, de críticas e reconstrução desaberes. Isso revela a condição de provisoriedade dessessaberes.

Algumas informações conceituais vocês já possui e

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Apresentação

pode (e deve) relembrá-las na leitura do material das obrassobre Introdução ao Serviço Social e História do ServiçoSocial.

Em um primeiro momento você pode pensar que é umarepetição de alguns conteúdos que você já estudou emoutras obras, mas leia com mais atenção que logoidentificará os aprofundamentos. E lembre-se também quea história se inscreve em um movimento, é construída ereconstruída. Estamos sempre voltando ao passado, comcondições mais bem formuladas para compreendê-lo, o quepossibilita uma apreensão do presente e um projeto emevolução que, certamente, coexiste com saberespreexistentes. Feitas estas considerações acredita-se quedescobrirá muitas outras especificidades dessesconhecimentos teórico-práticos dessa ação profissional.

Vamos iniciar discutindo o papel da teoria e dametodologia na construção do conhecimento científico,analisando a sua influência na constituição da teoria emetodologia no Serviço Social.

Exploraremos um pouco mais os antecedentesmetodológicos por meio da análise dos três métodostradicionais de Serviço Social que você já conhece: oServiço Social de Caso, o Serviço Social de Grupo e oServiço Social de Comunidade.

Esta análise pretende evidenciar a abordagem realizadapelos profissionais do Serviço Social em cada período noBrasil e no mundo. A opção por uma compreensão política/história pretende dar espaço às discussões realizadas pelosprincipais autores do Serviço Social em cada época, issocertamente dará uma noção das bases que norteiam aspráticas profissionais dos Assistentes Sociais hoje.

Neila Sperotto

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Sumário

Capítulo IA construção do conhecimento,11

Capítulo IIA construção da Ciência Social nos séculos XIX e XX,23

Capítulo IIIA precursora,41

Capítulo IVO método de caso,57

Capítulo VO método de grupo e de comunidade,69

Capítulo VIA teoria do Serviço Social,79

Capítulo VIIUma concepção teórica da reproduçãodas relações sociais,95

Capítulo VIIIA metodologia dos Serviço Social,105

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Capítulo IXCiência e contemporaneidade,125

Capítulo XA construção do conhecimento do Serviço Social nacontemporaneidade,133

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Cap. IA construção do

conhecimento

1 IntroduçãoO conhecimento pode ser definido, grosso modo, como a

capacidade que o ser humano tem de pensar e compreender arelação existente entre si e o objeto a ser conhecido. Ninguéminicia o ato de conhecer desprovido de instrumentos, poisexistem muitas formas de conhecimentos, umas mais elaboradase complexas, outras menos.

O ato de conhecer é simultâneo à transmissão da culturapela educação social a qual todos somos acolhidos a partir denossa aparição no mundo. Nossos pais e familiares vão, poucoa pouco, nos introduzindo ao mundo dos conceitos e teorias.Quando nos ensinam, por exemplo, que o fogo queima,aprendemos algo sobre a temperatura, embora ainda nãoconheçamos as Leis da Termodinâmica e não sabemos o porquêque isso acontece. Da mesma forma quando nos ensinam quecaímos quando pulamos da cadeira, utilizam um conceito físicoconhecido por Lei da Gravidade.

A história tem nos mostrado que, no decorrer dos tempos,a forma como o ser humano entrou em contato com o mundofoi modificando-se, isso nos faz acreditar que a capacidade darazão ou do raciocínio humano se deve às condições deidentificar as semelhanças e diferenças existentes nos objetos

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que o rodeiam. Isso vai possibilitando que novos saberes sejamconstruídos.

2 A construção doConhecimento TeóricoEm qualquer situação do cotidiano de nossas vidas

experimentamos um ato de conhecer que se encontra primeirono nível da intuição, da experiência vivida. Aqui a intuição estásendo entendida como forma de conhecimento imediato, semintermediários, e não como popularmente se costuma atribuir osignificado: de algo transcendental, mágico.

A intuição pode ser de vários tipos:

• Intuição sensível – é o conhecimento imediato quenos é fornecido pelos órgãos dos sentidos, é o que nos qualificapara sabermos que faz calor ou frio, para vermos que as folhasdas árvores são verdes ou secas, para ouvirmos se uma criançaestá chorando ou rindo, para sabermos se a água do mar édoce ou salgada, para sentirmos o cheiro das flores, parasentirmos a maciez da pele de um bebê.

• Intuição inventiva – é o conhecimento do artistaquando, repentinamente, descobre uma nova maneira de fazero seu trabalho, ou mesmo em sua vida, quando, subitamente,diante de certa situação ou adversidade, encontra uma soluçãonão usual. Existem ainda os inventores que criam novos produtosou objetos sem possuírem uma formação específica para tal.

• Intuição intelectual – é a que resulta de uma atitudeintencional de capturar a essência de um objeto de investigaçãoou estudo, do cientista que percorre um caminho metodológicoainda não testado.

A intuição é uma forma de conhecer o mundo em quevivemos, mas consideramos que a Razão supera as formasintuitivas que só correspondem às experiências concretas eimediatas que são produzidas pela experiência. Esteconhecimento também pode ser chamado de conhecimento

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tácito.Outro tipo é o conhecimento teórico, aquele que é

mediato, ou seja, é construído por meio de conceitos. Nesteprocesso, o pensamento ou a razão operam pela articulaçãode um conjunto de saberes previamente existentes e que,geralmente, são confirmados pelas experiências.

O conhecimento racional busca realizar abstrações quepermitem ao sujeito afastar-se de sua experiência concreta afim de capturar a essência do objeto, em uma tentativa desepará-lo da representação deste objeto, pois certamente játemos a imagem do objeto ou uma representação mental sobreo fenômeno.

A título de exemplo, podemos lembrar dos primeiro anos deescola, quando aprendemos a realizar adições, subtrações edivisões com enunciados como: João tinha seis maçãs,encontrou sua prima Maria e lhe deu duas maçãs, quandochegou à escola deu uma maçã para a professora de ciências euma maçã para o professor de futebol, no recreio comeu umamaçã. Quantas maçãs João levou para casa?

Note que no inicio tínhamos que ter uma ideia concretasobre a operação matemática. O enunciado do problema traziainformações concretas de situações vivenciadas por nós nocotidiano. O personagem tinha um nome e a ação ocorria emum local onde concretamente existia a possibilidade da situaçãoocorrer. Quando ainda não temos consolidado os conceitos queregem as operações matemáticas precisamos de informações eimagens concretas para sermos capazes de materializar asubtração, ao passo que, quando já somos capazes de abstrair,podemos somente considerar a quantidade. Entretanto, aindaassim continuamos com uma representação mental sobre asubtração que foi construída pelo conhecimento racional. Issopossibilita a generalização e a possibilidade de construir umaforma de se comunicar mundialmente. Onde estiver escrito oenunciado: 6-2-1-1-1 = 1 sabemos que João voltou para casacom 1 maçã, sem a necessidade de representá-loconcretamente e pessoalmente.

Quanto mais nos dedicamos ao estudo dos conceitosmatemáticos, mais somos capazes de realizar operaçõescomplexas, como por exemplo, as utilizadas para os cálculos

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de estruturas realizados na engenharia civil, que possibilitam aconstrução de edifícios, pontes e viadutos.

A capacidade de abstração é o que nos possibilitatransformar conhecimentos teóricos em práticas que sãoconstruídas a partir de metodologias. No Serviço Social não édiferente da Matemática, pois primeiro devemos apreenderconhecimentos ou saberes da realidade social e cultural decada sociedade, aliado aos conhecimentos de socialização ede relações sociais construídos historicamente pelo ser humano.São saberes científicos advindos de várias ciências que nospossibilitam compreender o homem como um ser biológico esocial.

O conhecimento científico é passível de abstração e diz seque ele é fruto de uma complexificação da razão. A ciênciapretende superar o conhecimento intuitivo, buscandotranscender a experiência concreta, para oferecer umarepresentação do real, que pode ser considerada para fins detransformação da realidade. Este esforço se justifica pelapossibilidade de conhecer sem passar pela experiência concreta,não sendo preciso cometer sempre os mesmos erros paraacertar, e isso nos possibilita evoluir rapidamente.

Imagine se todos ainda precisassem queimar as mãos parasaber que o fogo queima. E pensem agora em todas as formasque já foram desenvolvidas para aproveitar a energia do fogo,que no inicio dos tempos servia simplesmente para a preparaçãode alimentos, passando depois a ser utilizado para a fundiçãode metais, ainda na pré-história e utilizado também para estefim até a atualidade.

Espera-se que este exercício de abstração desperte emvocê a curiosidade para saber mais sobre a construção doconhecimento e que evidencie a importância do conhecimentocientífico para a vida cotidiana. Isso porque, como futuroprofissional do Serviço Social, o conhecimento científico éfundamental para ajudá-lo a compreender as diversas visõesde homem e mundo que se evidenciam na prática profissionaljunto aos indivíduos, famílias e comunidades. Você vai precisarestudá-los. Sabendo identificar qual é esta visão, saberá comcerteza propor uma transformação na realidade social de cadacidadão ou cidadã, que esteja em sintonia com as possibilidades

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de concretização e, ainda, identificar concepções que precisamser iluminadas e crenças que devem ser desestimuladas, paraque o novo possa fazer parte da realidade social vivenciadapela população, trazendo melhorias na qualidade de vida.

3 A Teoria doConhecimentoPara compreender a teoria do conhecimento é necessário

que se visite novamente alguns expoentes da filosofia, que éuma disciplina que investiga os problemas que se originam darelação do sujeito com o objeto do conhecimento, ou seja, dohomem com o mundo.

Conhecer a trajetória histórica do conhecimento científicopossibilita a você identificar, na sociedade do século XXI, aindainfluências do pensamento e da forma de compreender o mundodos filósofos da Antiguidade e da Idade Média. Lembre-se deque, como faz parte da sociedade, você possivelmentereproduza ou utiliza bases desse conhecimento no cotidiano.Estas ideias geralmente estão arraigadas nos nossos hábitos,nos clichês, nos preconceitos, nas ideologias.

Frases como “pau que nasce torto morre torto”, “mulherdeve ficar em casa cuidando dos filhos”, “é um absurdo ocasamento de homossexuais”, “só não trabalha quem não quer”,“filho de peixe peixinho é”, “se Deus quiser”, “Deus dá o frioconforme o cobertor”, enfim, estes e muitos outros ditos noscolocam diante da constatação de que o pensamento e acompreensão do mundo em que vivemos ainda estão poluídospelo pensamento dos séculos passados.

Sugerimos o livro “O Mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder,pois é uma leitura leve e que retrata com precisão e comexemplos do cotidiano a história da filosofia, dedicando umcapítulo para cada grande filósofo da antiguidade. Neste livro oautor inicia discutindo a existência do Jardim do Éden dizendo“... afinal de contas, algum dia alguma coisa tinha de ter surgidodo nada”1 onde nos convida a responder perguntas como:

1 GAARDNER, 1995, p. 13.

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• “Quem é você?”• “De onde vem o mundo?”

Esta proposta do autor se deve a sua crença de que “... aúnica coisa de que precisamos para nos tornarmos bons filósofosé a capacidade de nos admirarmos com as coisas...”2 e de queexistem questões que interessam a todos os seres humanosindependentemente de onde vivem. Esta questão refere-se aque “nós temos a necessidade de descobrir quem somos e porque vivemos”3.

Muitas respostas já foram dadas no decorrer da história eestas convivem na sociedade até hoje, dependendo do acessoao conhecimento e as experiências que cada grupo social teve.Nos primórdios da civilização, as perguntas eram respondidaspelas religiões por meio dos mitos. A filosofia é a forma nova depensar e compreender o mundo, surgida na Grécia antiga porvolta de 600 a.C. Desde então foram formuladas inúmerasrespostas e explicações. O conjunto de respostas que damospara estas questões chamamos visão de homem e mundo.Basicamente, as principais diferenças nas respostas filosóficassão as que constituem as bases de uma teoria e, porconseguinte, norteiam o processo metodológico.

Entender como esses aspectos são relevantes para aconstrução das teorias e metodologias construídas em cadauma das profissões é fundamental, não só para identificá-las,mas principalmente para reconhecermos em nós a necessidadede modificar nossa forma de compreender o mundo, pois adiferença existente entre um profissional técnico e a opiniãode um cidadão comum é a capacidade que os técnicosconstroem para “enxergar” além das aparências, compreendendoum fenômeno social a partir da abstração do conhecimentocientífico e sendo capaz de proferir uma explicação diferentedas do senso comum.

Esta compreensão diferenciada do fato social4, respaldadapela ciência, é o que vai permitir com que seja um AssistenteSocial. Você mesmo vai poder identificar quando estará se

2 Ibid., p. 22.3 Ibid., p. 24.4 Devemos considerar os fatos sociais como “coisas”. Para Durkheim, “coisa” é algo

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tornando um profissional. Este processo só se inicia no momentoem que não se contentar em repetir simplesmente o que semprepensou, no momento em que você começar a questionar asverdades que você cresceu aprendendo, quando suas certezasforem abaladas e você não encontrar no conhecimento do sensocomum respostas satisfatórias para a ocorrência dos fatossociais. Neste momento você estará se tornando um profissional.

O processo de questionar a ordem existente, a postura deescutar de forma livre de preconceitos as situações vivenciadasno cotidiano, vão permitir que você, quando for AssistenteSocial, compreenda o que ocorre com um marido quando estebate em sua esposa. Não para aceitar ou justificar o ato queprecisa ser erradicado da nossa sociedade, mas para conseguiridentificar formas de proteger essa mulher, responsabilizar essehomem e libertá-los do aprendizado social que receberam evêm reproduzindo na sociedade, onde a violência de gêneroera justificada e aceita.

Os Assistentes Sociais precisam compreender a violênciadoméstica de forma diferente dos vizinhos ou de pessoas dafamília, pois se continuar acreditando nas explicações do sensocomum, que geralmente colocam a mulher que sofre violênciacomo “uma pessoa que gosta de apanhar” ou “que em briga demarido e mulher ninguém bota a colher” – explicações e certezasque certamente já ouviram – que mudança social os profissionaispodem promover? Uma compreensão diferente do sensocomum para a compreensão da violência doméstica épossibilitada pelo conhecimento teórico produzido pelas ciênciassociais que se tem à disposição no processo de formação doscursos de Serviço Social e ainda na metodologia do trabalhoprofissional. Este conhecimento nos possibilita promover naprática a transformação desta realidade social, visto que aviolência doméstica, por exemplo, não é um problema privadoespecífico de um único lar, mas se constitui como um fatosocial, pois possui as três características descritas por Émile

Sui generes, ou seja, é dotado de uma lógica própria. Precisamos limpar toda amente de prenoções antes de analisarmos fatos sociais. Essas “noções vulgares”desfiguram o verdadeiro aspecto das coisas e que nós confundimos com asverdadeiras coisas. As prenoções são capazes de dominar o espírito e substituir arealidade. Esquecidas as prenoções devemos analisar os fatos sociaiscientificamente (extraido de http://pt.wikipedia.org/wiki/fato social em 02 de janeirode 2009).

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• Coercitividade – característica relacionada com a forçados padrões culturais do grupo que os indivíduos integram.Estes padrões culturais são de tal maneira fortes que obrigamos indivíduos a cumpri-los.

• Exterioridade – esta característica transmite o fatodesses padrões de cultura serem exteriores aos indivíduos, ouseja, ao fato de virem do exterior e de serem independentesdas suas consciências.

• Generalidade – os fatos sociais existem não para umindivíduo específico, mas para a coletividade. Podemos percebera generalidade pela propagação das tendências dos grupospela sociedade.

Esperamos que tenha ficado clara a importância de seconhecer a trajetória da construção do conhecimento teóricopara que fique mais fácil o entendimento de como a visão dehomem e mundo interfere em nossa vida profissional e pessoal,e a importância da ruptura da compreensão de sensocomum que temos para incorporar uma postura científica.

Você quer ser um Assistente Social? Comece agora mesmoo exercício de encontrar várias explicações para um mesmofato social e identificar qual é uma concepção de senso comume uma compreensão teórica deste mesmo fato social. Você vaise surpreender com as descobertas.

Marilena Chauí, uma importante filósofa brasileira de nossotempo, no seu livro “Convite à Filosofia”, em uma linguagemmuito clara nos ensina como assumir uma atitude crítica. Convidaa questionar as evidências do cotidiano para conseguirmosromper com esta atitude de aceitação passiva diante das crençase explicações causais lineares. Diz que as perguntas inesperadasoportunizam tomar uma distância de si mesmo e da vidacotidiana para atingir uma atitude filosófica que requer indagar,perguntar, investigar, estudar para compreender.

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As indagações filosóficas se realizam de modo sistemático.Que significa isso? Significa que a filosofia trabalha comenunciados precisos e rigorosos, busca encadeamentoslógicos entre os enunciados, opera com conceitos ou ideiasobtidos por procedimentos de demonstração e prova, exigea fundamentação racional do que é enunciado e pensado.Somente assim a reflexão filosófica pode fazer com que nossaexperiência cotidiana, nossas crenças e opiniões alcancemuma visão crítica de si mesmas.5

O caminho proposto pela autora para chegar ao pensamentosistemático, onde não existe lugar para o “acho que” ou um“eu gosto de”. O pensamento sistemático que é dotado dapostura de incerteza utiliza-se de um método Socrático, ondeguia-se pelo princípio da célebre frase: “Sei que nada Sei”,sendo esta, segundo Sócrates, a única verdade filosófica.

5 CHAUÍ, 1994, p.15.

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Figura 1 – Quadro Resumo de Marilena Chauí

Crenças (relações casuais) «» evidências (não são questionadas)

Perguntas (inesperadas) «» tomar distância desi mesmo/da vida cotidiana

Atitude filosófica(Indagar, perguntar, investigar para compreender)

O que? Natureza, significaçãoComo? Estrutura, relaçõesPor que? Origem, causa

Atitude críticapensamento crítico

Sócrates: sei que nada seiPlatão: admiração

Aristóteles: Espanto

Perguntamos ao próprio pensamento o pensamentovolta para si mesmo

Reflexão filosófica

Motivação, razões, causasconteúdo, sentido,

intensão/finalidade

PensarDizerFazer

Eu penso que(Eu acho que: opinião, crença)

Pensamento sistemáticoDemonstração, prova racionais

(rigor do pensamento)

Negativa

Dizer Nãosenso comumpreconceito

prejuizoEstabelecido

Positiva

O que são?Coisas, ideias, fatos, situaçõescomportamentos, valores, nós-

mesmos

»»

»»

»»

»»

»

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Uma dica: diante de qualquer fato social que você já possuiuma opinião faça sempre as perguntas sugeridas por MarilenaChauí. Observe a sequência do encadeamento lógico, de ondevem e para onde leva o raciocínio. As relações horizontais everticais nos levam a desenvolver um raciocínio lógico dentrodo método científico.

4 ConclusãoNeste primeiro capítulo a aproximação com a teoria do

conhecimento pretendeu levar ao entendimento de que, mesmoexistindo teorias e metodologias, essas não devem simplesmenteser “aplicadas na prática” como comumente se vê dizer. Umprofissional de nível especializado, como o Assistente Social,tem o compromisso social de também produzir conhecimentosa partir da sua intervenção na realidade social, que inicia como estudo de cada situação que se apresenta no cotidiano dotrabalho social.

Para tanto, há de se ter em mente que existem teoriasnas Ciências Humanas e Sociais que, mesmo tendo sidoconstruídas nos séculos XIX e XX, são ainda fundamentaispara iniciar o processo de compreensão da realidade social naqual desenvolve-se o trabalho do Assistente Social, com vistasà consolidação de um conhecimento sistemático. Basicamente,no Serviço Social você encontrará muitas referências às teoriasfilosóficas e às ciências sociais. Algumas serão destacadas nocapítulo seguinte.

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Cap. IIA construção da Ciência

Social nos séculos XIX e XX

1 IntroduçãoComo já vimos no capítulo anterior, o conhecimento foi

sendo produzido ao longo dos séculos, a partir da inserção doser humano no mundo, e se perpetuou por meio das crenças eprocessos de socialização nos quais todos somos educadosaté chegar a um nível de maturidade em que a forma de conhecertranscendeu a experiência e a intuição e elevou-se ao statusde ciência, produzindo o que hoje chamamos conhecimentocientífico ao conjunto de enunciados e teorias que embasamas ações profissionais.

Partindo do princípio de que a ciência se constroi a partirda observação do real, os referenciais teóricos contribuem deforma fundamental para a construção das ciências humanas esociais que, pela observação do contexto sociohistórico doséculo XIX, clamava por explicações que pudessem dar umaesperança de organização. Este século foi marcado por grandesrupturas e instauração de novos hábitos resultado do processode industrialização. As instituições sociais tradicionais seencontravam enfraquecidas, havia muitos questionamentos,valores tradicionais eram rompidos, este cenário era frutíferopara a emergência de novos conhecimentos científicos e asociedade estava necessitada destes.

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Uma teoria geral possibilita ao profissional parâmetros emétodos eficazes para a observação do real. Assim, o referencialteórico ajuda na codificação do conhecimento concretoexistente no real, que pode orientar a formulação de hipótesesgerais para o estudo dos acontecimentos, ideias e situaçõesconcretas que se colocam no cotidiano da prática profissional.Isso ajuda a acumular conhecimento sobre os aspectos maisfrágeis e fragmentados do fato social estudado, o que dárespaldo para produzir as propostas de transformação dasituação e evidencia quais os pontos onde deve ser focado eintensificado o trabalho social.

Percebemos que a teoria é um guia para a investigação eestudo nas ciências sociais, é o ponto de partida que facilitaráo controle das distorções e interpretações do pesquisador nahora de analisar os dados.

A pesquisa só se encaminha de forma científica se possuirum referencial teórico que direcione os seus passos, para quenão tome outro caminho e que não cometa vieses no tratamentodos dados que estão sendo coletados e trabalhados.

Se, por um lado, as teorias são construídas a partir daobservação do real, por outro, o real só é conhecido atravésdo emprego de métodos científicos rigorosos.6

Podemos verificar na história que a preocupação pelasistematização do conhecimento do homem vem desde oprincípio, até evoluir para a necessidade de se produzir umconhecimento mais exato, mais fidedigno e livre de vieses. Masas divergências sobre a origem do homem, sua possibilidade ounão de pensar e raciocinar, fizeram com que o problema pormuito tempo fosse visto apenas enquanto constituição do ser,considerado em si mesmo, sem levar em conta o modo peloqual se manifestava e como se relacionava com os outros.

Kant foi o primeiro a limitar-se à observação docomportamento humano, suas relações, concebendo o homemcomo um ser que dispõe de um aparato mental, que o qualificacomo ser consciente.

6 HAGETTE, 1995, p. 12.

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Mesmo com essas discussões epistemológicas, somenteno século XIX, com o positivismo de Comte e o materialismo deMarx, inicia-se a discussão sobre a problemática política quese reflete nas ações dos homens uns sobre os outros.

2 A Concepção PositivistaA concepção positivista de Auguste Comte, propositor da

Sociologia e o fundador do Positivismo (1789–1857), defendiaum modelo único de ciência. O positivismo de Comte propôsrefutar a ciência especulativa, a visão evolucionista e linear dahistória. A filosofia positiva de Comte nega que a explicaçãodos fenômenos naturais, assim como sociais, provenha de umsó princípio. A visão positiva dos fatos abandona a consideraçãodas causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e torna-sepesquisa de suas leis, vistas como relações abstratas econstantes entre fenômenos observáveis. No quadro a seguirencontra-se um fragmento do texto apresentado em http://pt.wikipedia.org sobre August Comte. Sugerimos o acesso aohipertexto em sua integra.

Tendo por método dois critérios, o histórico e o sistemático,outras ciências abstratas antes da Sociologia, segundo Comte,haviam atingido a positividade: a Matemática, Astronomia, aFísica, a Química e a Biologia. Assim como nestas ciências, emsua nova ciência chamada de física social e posteriormenteSociologia, Comte usaria da observação, da experimentação,da comparação, da classificação e da filiação histórica comométodo para a obtenção dos dados reais. Comte afirmou queos fenômenos sociais podem ser percebidos como os outrosfenômenos da natureza, ou seja, como obedecendo a leisgerais. Pode-se dizer que o conhecimento positivo tem comofundamento “ver para prever, a fim de prover” – ou seja:conhecer a realidade para saber o que acontecerá a partir denossas ações, para que o ser humano possa melhorar suarealidade. Dessa forma, a previsão científica caracteriza opensamento positivo. O espírito positivo, segundo Comte, tema ciência como investigação do real. No social e no político, oespírito positivo passaria o poder espiritual para o controle

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dos “filósofos positivos”, cujo poder é, nos termos comtianos,exclusivamente baseado nas opiniões e no aconselhamento,afastando-se a ação política prática desse poder espiritual –o que afasta o risco de tecnocracia. O seu método em termosgerais caracteriza-se pela observação, mas deve-se perceberque cada ciência, ou melhor, cada fenômeno tem suasparticularidades, de modo que o método de observação paracada fenômeno será diferente.Além da realidade, outros princípios caracterizam oPositivismo: o relativismo e o espírito de conjunto (hoje emdia chamado de “holismo”). Na verdade, na obra “Apelo aosconservadores”, Comte apresenta sete definições para otermo “positivo” a saber: real, útil, certo, preciso, relativo,orgânico e simpático.

A sociologia de Comte promoveu o destaque para o papeldas elites intelectuais, esclarecidas e defendeu a imparcialidadecientífica, condenando a influência da ideologia política,interferindo na construção da ciência, na busca de construirum método e uma doutrina política capaz de dotar o cientistade uma imparcialidade absoluta. Para evitar as influências daigreja, defendeu a ciência como nova religião.

Estes princípios, segundo Comte, proporcionariam:

• Exatidão científica x imprecisão filosófica• Fundamentação x especulação• Real x quimérico• Útil x inútil• Verdade x ilusão• Eficaz x diletante• Empírico x abstrato• Objetivo x opinativo

Tendo o Positivismo inaugurado o status de Ciência paraas Ciências Humanas e Sociais que até então estavam igualadasas artes, em função de não ter uma metodologia que garantisseo tão exigido rigor científico já conquistado pela ditas ciênciasexatas, a sociologia moderna foi inaugurada pelo Funcionalismo

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de Durkheim. Esse foi um dos métodos muito difundidos eutilizados na construção das ciências sociais ao longo destesanos, que seguiu as premissas e doutrinas positivistas, aliadosa outros que inauguravam novas concepções e visões de homeme mundo.

Acredita-se que o estudo do Funcionalismo, doEstruturalismo e do Marxismo, referenciais teóricos que temcontribuído para a construção das ciências humanas e sociais,nos séculos XIX e XX, se estabelece em condição necessáriapara verificarmos de que maneira cada um contribuiu e continuacontribuindo ainda hoje para a construção da ciência nas áreasHumanas e Sociais e, consequentemente, nas metodologias doServiço Social. Para tanto, a seguir veremos cada uma delas.

3 O FuncionalismoO funcionalismo tem interesse em verificar e apreender as

conexões funcionais. Para verificar estas relações é necessárioconhecer o conceito de função e do método de interpretação,ou seja, a análise funcionalista.

A evolução do pensamento funcionalista passa por trêsperíodos: organizacionista – da constatação dos conceitos,período das orientações interpretativas e o período da visãocrítica e sistematização teórica.

1 – Período organizacionista – é marcado pelatransferência da conotação biológica da palavra “função” parao campo da sociologia. O termo função é usado tanto paradefinir função de nutrição, de relação e de reprodução, quantopara exprimir a relação de correspondência entre estesmovimentos e as necessidades do organismo. O sistema nãoera objeto de muitas preocupações e Spencer definiu asociedade como uma “entidade, composta de unidades discretas,os indivíduos, mas possuidora de existência regulada”7,concluindo ainda com uma frase que respaldou logicamentetoda a sua produção organizacionista “as relações permanentesque existem entre as partes de uma sociedade são análogas às

7 FERNANDES, 1972, p. 188.

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relações permanentes que existem entre as partes de um corpovivo”8.

Florestan Fernandes destaca de Spencer cinco itens dateoria das funções: funções sociais, estrutura e função, princípioda integração funcional, princípio da reversibilidade das funçõese princípio da vitalidade das funções.

• As funções sociais: são predominantemente descritasa partir dos resultados alcançados pelas instituições, grupos eestruturas sociais;

• Estrutura e função: são concebidas como parâmetrosindependentes na dinâmica social;

• Princípio da integração funcional: as partes de umasociedade são unidas por uma relação de dependência tãorigorosa quanto às partes de um corpo vivo;

• Princípio da reversibilidade das funções: quando aspartes têm poucas diferenças, elas podem desempenharas funções de outras, entretanto sendo muito diferentes,elas não podem desempenhas as funções de outras;

• Princípio da vitalidade das funções: a vitalidadeaumenta à medida que as funções se especializam.

2 – Período da construção dos conceitos e dasorientações interpretativas – Durkheim é o autor que maisse destaca neste período em função de ter escrito duas obrasnas quais crítica a influência organizacionista, no que se refereà definição de função social, pela analogia (organismo esociedade) sem que ao menos se preocupassem com as suasconsequências.

As preocupações deste teórico eram com o que eleconsiderou uma patologia social. Descreveu a sociedade doséculo XIX como doente de anomia, ou “anomana”. A anomia9

era a grande inimiga da sociedade, algo que devia ser vencido,

8 Ibid., p. 189.9 A anomia é um estado de falta de objetivos e perda de identidade, provocado pelas

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e a sociologia, segundo ele, era o meio para isso. O papel dosociólogo seria, portanto, estudar, entender e ajudar asociedade. No trecho apresentado no quadro a seguir encontra-se um fragmento do texto apresentado em http://pt.wikipedia.org. Sugere-se o acesso no hipertexto com aentrada “Émile Durkheim”.

Na tentativa de “curar” a sociedade da anomia, Durkheimescreve “Da divisão do trabalho social”, onde ele descreve anecessidade de se estabelecer uma solidariedade orgânicaentre os membros da sociedade. A solução estaria em,seguindo o exemplo de um organismo biológico, onde cadaórgão tem uma função e depende dos outros para sobreviver,se cada membro da sociedade exercer uma função na divisãodo trabalho, ele será obrigado por meio de de um sistema dedireitos e deveres, e também sentirá a necessidade de semanter coeso e solidário aos outros. O importante para ele éque o indivíduo realmente se sinta parte de um todo, querealmente precise da sociedade de forma orgânica,interiorizada e não meramente mecânica.

Na obra “A Divisão Social do Trabalho”, o autor limitou-sea estabelecer conexões de ordem sociológica, conexõesfuncionais existentes de fato entre os fenômenos, justificando

intensas transformações ocorrentes no mundo social moderno. A partir dosurgimento do Capitalismo, e da tomada da Razão, como forma de explicar o mundo,há um brusco rompimento com valores tradicionais, fortemente ligados à concepçãoreligiosa. A Modernidade, com seus intensos processos de mudança, não fornecenovos valores que preencham os anteriores demolidos, ocasionando uma espéciede vazio de significado no cotidiano de muitos indivíduos. Há um sentimento de se“estar à deriva”, participando inconscientemente dos processos coletivos/sociais:perda quase total da atuação consciente e da identidade. Este termo foi cunhadopor Durkheim em seu livro O Suicídio. Durkheim emprega este termo para mostrarque algo na sociedade não funciona de forma harmônica. Algo desse corpo estáfuncionando de forma patológica ou “anomicamente”. Em seu famoso estudo sobreo suicídio, Durkheim mostra que os fatores sociais – especialmente da sociedademoderna – exercem profunda influência sobre a vida dos indivíduos comcomportamento suicida. Segundo Robert King Merton, anomia significa umaincapacidade de atingir os fins culturais. Para ele, ocorre quando o insucesso ematingir metas culturais, devido à insuficiência dos meios institucionalizados, geraconduta desviante. Seu pensamento popularizou-se em 1949 com seu livro:Estrutura social e Anomia. A teoria da anomia de Merton explica porque os membrosdas classes menos favorecidas cometem a maioria das infrações penais, explicaos crimes de motivação política (terrorismos, saques, ocupações) que decorrem deuma conduta de rebeliões e explica comportamentos como os do alcoolismo etóxico-dependência (evasão). Obtido em “http://pt.wikipedia.org/wiki/Anomia.

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que a escolha do termo função se deu pelo fato de qualqueroutro ser inexato ou equívoco.

Durkheim apresenta as ideias de que é necessário“determinar se há correspondência entre o fato considerado eas necessidades gerais do organismo social e em que consisteessa correspondência”. Assim “deve ser procurada a função deum fato social na relação que ele mantém com algum fimsocial”10.

Durkheim crítica o período organicista pelo fato de reduzira análise em termos de função aos seus limites explicativos. Asolução encontrada por ele aponta para a realização de pesquisaseparada: “quando, pois se pretende explicar um fenômenosocial, é preciso pesquisar, separadamente, a causa eficienteque o produz e a função que ele preenche.11

O esforço é reconhecido como o passo decisivo naconceituação sociológica de função social e na fundamentaçãoda interpretação funcionalista dos fenômenos sociais.

3 – Período da visão crítica e de sistematização teórica –este período é muito importante para o amadurecimento dofuncionalismo porque é criticado por um dos seus própriosmembros.

Merton fez a melhor crítica ao funcionalismo. Nãonecessitamos recorrer a autores marxistas, por exemplo, paraidentificar lacunas e fragilidades do funcionalismo. O próprioMerton faz isso com conhecimento profundo.

A obra de Merton12 é preocupada com a teoria e a pesquisavoltada para a operacionalização. Propõe uma reformulação dofuncionalismo apontando os riscos e prejuízos do método.

Os problemas do método:

• Os vocábulos da análise – categoria função pode serencontrada com vários conceitos. Esta fragilidade prejudica apesquisa, uma vez que fica a mercê de diversas concepçõesdo termo (um só termo, diversos conceitos), deixam margemque impedem a lógica do procedimento (um só conceito, diversos

10 Ibid., p. 191.11 Ibid., p. 193.12 MERTON, 1968, p. 104.

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termos).• Os postulados com bases falsas – postulado da

unidade funcional, o fato dos pesquisadores trabalharem comsociedades simples, deram muita ênfase à integração, nãonecessariamente todas as sociedades sejam funcionais. Mertonchama a atenção para o fato de nem a biologia ter este tipo depostulado, pois acredita que a função e disfunção convivem,além da possibilidade de existir fatos que não tenham funçãonenhuma dentro do recorte que se faça.

• Postulado do funcionalismo universal – estepressuposto de que função sempre se refere a resultado tambémestá equivocado.

• Postulado da indispensabilidade – supõe que existemcertas funções que são indispensáveis, dá origem a toda espéciede problemas teóricos. Este postulado inviabiliza todo o processo,além de ser reacionário e conservador.

• A análise funcional como ideologia – a questão daanálise funcional como elemento conservador, se dá pelo fatode afirmar a invariabilidade entre os interesses. Este “perigo”só ocorre se for estabelecido o postulado da indispensabilidadeque Merton também aponta como conservador e reacionário.

• A análise funcional como elemento radical – Mertonnão prega a neutralidade, mas coloca que a análise funcional éneutra no sentido de que ela não vem em nome de (nada). Omarxismo sim vem em nome do socialismo.

“O fato da análise funcional ser entendida por uns comoinerentemente conservadora e por outros como intrinsecamenteradical, sugere que a análise funcional pode não implicar emnenhum compromisso ideológico intrínseco, embora, como outrasformas de análise sociológica, ela possa estar imbuída de umaextensa variedade de valores ideológicos”.13

• A ideologia e a análise funcional da religião – paraMerton é prematuro dizer que a religião garante a apatia dopovo, pois o sistema de religião é também revolucionário. Asdiferenças das crenças fazem com que você perceba que nãoé possível ter controle, uma vez que possuem diversas diferenças

13 Ibid., p. 106.

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entre elas.• Funções manifestas e latentes – o real é pôr si só

embaralhado. Podemos ter uma visão equivocada do real, poismostra em sua aparência as coisas desarrumadas.

Note que o funcionalismo não estuda a disfunção ou nãofunção, ele estuda é como funciona. A busca é de comofunciona para saber o que tem se mantido para garantir ofuncionamento.

Preste bastante atenção para não se equivocar nacompreensão do pressuposto funcionalista, pois este aceita etem como pressuposto a existência de funcionalidades edisfincionalidades, mas só se constitui seu objeto de estudo oque é funcionalidade. Isso demonstra uma opção pelo estudoda funcionalidade e não uma “cegueira” do cientista social. Aquestão que precisa ser colocada no nosso tempo é adeterminação e a certeza de que aqueles que não estão“funcionando”, ou aquilo que se mostra disfuncional precisa seradaptado ao modelo funcional. Isso pode impedir atransformação da realidade social e até mesmo o progresso,destacado como a finalidade da sociedade pelo positivismo.

A análise funcional possui muitas possibilidades, uma vezque privilegia o estudo de fenômenos recorrentes: família, escola,organização, enfim, tudo o que vem garantindo a manutençãoda sociedade.

A expressão “produção social” leva em conta a produçãoe reprodução, privilegiando a mudança para a continuidade,não permite a mudança revolucionária, usando para explicar anecessidade da mudança para continuidade a expressão “reformasocial”.

Para fazer uma observação a partir do método funcionalistaé necessário seguir alguns passos:

• Vínculo claro com o empírico.• Decomposição por intermédio de processo analítico, ocontexto empírico em seus aspectos nucleares. Estadecomposição se dá pela necessidade de agrupamentospara possibilitar a construção de instrumentos apropriadospara o estudo de cada uma.

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• Por meio de do desvelamento do como funciona,percebem-se as consequências, pelo processo deinterpretação das conclusões alcançadas pelo estudo.

• Isto possibilita o planejamento da mudança, pois oplanejamento é funcional e a melhor forma de darcontinuidade ao fenômeno é fazendo uma mudançaplanejada. Para tanto é importante estar atento para asfunções manifestas e latentes.

Segundo Merton14, é necessário que se identifique para oestudo as funções manifestas (evidentes) que se referem àsconsequências objetivas para uma unidade específica, quecontribui para o seu ajustamento ou adaptação, sendo estaintencionada.

As funções latentes não são intencionadas, tendo apossibilidade de incluir questões latentes – ideia da contingência,de um imprevisto.

Por intermédio das análises interpretativas, o funcionalismopode ampliar o conhecimento do fenômeno, diminuindo os juízosmorais ingênuos, pois eliminar estruturas sociais existentes purae simplesmente sem a proposição de novas estruturas parasubstituí-las, é desconsiderar o seu caráter de manutenção dasociedade. Este é o risco que Merton chama a atenção.

Procurar a mudança social sem o devido reconhecimento dasfunções manifestas e latentes desempenhadas pelaorganização social que está sofrendo a mudança, é contentar-se com o ritual social em vez de lançar mão da engenhariasocial”.15

Ambos, função social e estrutura social, interagemcompletando o ciclo de funcionamento do sistema social. Assimnão podemos deixar de considerar que um afeta o outro e éafetado por ele, produzindo relações sociais, latentes econtingenciais, que requerem mudanças estruturais. A estruturaafeta a função e a função afeta a estrutura.

14 Ibid., p. 119.15 Ibid., p. 149.

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4 O EstruturalismoDestaca-se Lévi-Strauss como teórico que colocou o

estruturalismo como método, perspectiva, posição ou prismapelo qual pode ser encarado o social. Para tal:

Estruturalismo, estrutura, não é só método, mas visãosociológica, modo de compreender o social, não pelo queapresenta exteriormente, mas pelo que oculta, pelo que nãorevela, que, entretanto, efetivamente, o acomoda.16

Qualquer estrutura precisa se situar em uma parte profundada realidade social, pois não está na aparência do fenômeno,está profundamente dada pelo tempo.

Coloca estrutura sob dois aspectos: estruturascontingentes (que variam) e invariantes. O homem tem umcomponente cultural que é contingente, e um natural que éinvariante. Biologicamente, homens brasileiros e franceses têmestruturas invariantes, ao passo que os homens franceses sãogeralmente mais galantes e românticos do que os homensbrasileiros. O comportamento amoroso possui uma estruturacontingente. O método estruturalista consiste em encontrarformas invariáveis em conteúdos diferentes.

A sociedade não é composta de uma única estrutura, masse estabelece a partir da interligação de diversas estruturasque a constituem, obedecendo a um complexo de ordens. Assimpodemos admitir que o social seja composto por diversascamadas de estruturas.

Esse todo social, segundo Lévi-Strauss, é formado portrês pilares: parentesco, totenismo e mito.

• O parentesco, em sua essência, é o que protege oincesto, logo são invariantes, pois apenas modificam-se asformas de relacionamento familiar, mas a base continua a mesma;

• O totenismo capta os signos que os homens usam parase comunicar, captando as formas desta comunicação, quesão invariantes;

16 LEVI-STRAUSS, 1972, p. 191.

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• O mito é o meio de extensão da cultura que é contingente.

Levi-Strauss era muito radical. Pelo seu método ficavaimpossível haver movimento, pois admitia que o código em suaessência seja igual em todos os tempos.

Somente após, Levi-Strauss considerou que o movimentosocial se estrutura, desestrutura e se reestrutura, admitindo-se que na pesquisa é importante o estudo das descontinuidadese das rupturas.

É preciso capturar a essência do fenômeno para enxergarsua estrutura, pois a estrutura não é nem uma verdade da“coisa” nem sobre a “coisa”; a estrutura é a “coisa”. Assimpodemos dizer que no estruturalismo a estrutura é a essênciado fenômeno, aquilo que podemos chamar objeto de estudo.

No estruturalismo admite-se que existe uma parte da históriaque o homem não faz, uma parte que o homem faz, mas nãopode se deixar levar pelo roldão, sob pena de não fazer sequeruma parte da história. Isso porque tem que levar em conta queo homem, para fazer história, necessita de sua parte biológicapor uma questão de sobrevivência.

O enfoque estruturalista tende a captar apenas o fenômenoque é invariante a partir da base das relações sociais. Estas sedesencadeiam sempre pelas mesmas bases. O parentesco éuma base invariante, o homem tem características biológicaspara relacionar-se sexualmente. O parentesco é uma basecultural, varia enquanto se refere às formas de se estabelecereste parentesco, se monogâmico, poligâmico, matriarcal oupatriarcal. Mas o que é essencialmente invariante é a proteçãoao incesto, pois não possuímos repulsa natural para nãorelacionarmo-nos com parentes, apreendemos culturalmenteque este tipo de relacionamento sexual não promove a dinâmicanecessária para a perpetuação da sociedade.

Esse aspecto da inexistência de uma “repulsa” natural paranão nos relacionarmos sexualmente com pessoas de nossafamília foi frequentemente tratada na literatura de romances enovelas, que mostravam, por exemplo, os casos de paixão eamor entre irmãos de sangue que, separados na infância e nãosabendo da existência deste irmão, ao encontrá-lo na vidaadulta acabam por apaixonarem-se. Este é o mote que leva a

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necessidade da revelação de um segredo familiar. A concepçãode que o incesto é proibido e repulsivo é cultural, aprendidosocialmente. Concordamos que a prática do incesto éantissocial e que deve ser erradicada da sociedade, mas estasinformações e teorias são muito úteis para compreendermosmuitas situações de abuso sexual de crianças e adolescentespor familiares, situações que cada vez mais são objeto deintervenção do Assistente Social.

O método estruturalista se constitui na materialização paracapturar a teia de relações que se estabelece no social, quese apresenta para sistematizar a sua construção, a partir domodelo que o constitui, como vem se constituindo e como vemse mantendo.

Esse processo é que vai nos permitir reconhecer aestrutura, a essência. Essa captura do processo demonstra oconstante embate entre o real e o racional, compostos pormúltiplas hierarquias.

5 MarxismoO Marxismo surgiu com a sociedade moderna, com a grandeindústria e o proletariado fabril. Apresenta-se como aconcepção do mundo que exprime este mundo moderno, assuas contradições, os seus problemas, e que propõe, paratais problemas, soluções racionais.17

Segundo Lefebvre, o marxismo é a corrente filosófica maisinfluente da nossa época, construída a partir da filosofia clássicaalemã, a economia política inglesa e o socialismo utópico francês,Marx expôs sua ideia generosa de possibilitar ao homem umasociedade igualitária. Por meio do pensamento de Hegel, maiorinfluência de Marx, que mesmo criticando seu idealismo,consegue substituí-lo pelo materialismo.

Para construir este referencial, Marx apoiou-se em trêspilares fundamentais: a práxis, a alienação e o homem novo.

A práxis – pressuposto fundamental da concepção marxistado homem, constituído de um conjunto de trocas antropológicas

17 LEFEBVRE, 1974, p. 17.

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que determina que o sistema de produção produz o homem, eesta se dá pelo trabalho. O homem se realiza transformando asrelações sociais e de produção.

Alienação – é a segunda categoria básica da antropologiamarxista. Segundo Marx o homem, ao longo da história, perdeusua própria identidade, vítima do processo de produção queera desumano.

Em Marx, a alienação de caráter econômico da sociedadecapitalista é radical, primordial e fonte de alienação social,política, filosófica e religiosa, que se concretiza em quatro níveis:alienação com respeito ao produto de seu trabalho, ao sergenérico do homem, com respeito à própria atividade e emrelação a outro homem.

Além de descrever a situação alienada do homem dasociedade capitalista, forneceu as condições de mudança futurapara um “homem novo”.

Homem novo – para que este homem novo apareça énecessário que se crie a necessidade de uma nova sociedade.Para isso sugere a superação de toda a alienação, dapropriedade privada, da divisão do trabalho e a possibilidade dedesfrutar um tempo “livre” para espiritualizar-se. Assim, o homemnovo é “total”, “pleno”, “universal”, “completo”, “multilateral” e“espiritualmente dotado”.

O marxismo promoveu:

O encontro da dialética Hegeliana com o real e,consequentemente, com o postulado empirista de que oconhecimento não pode prescindir dos sentidos, distanciando-o do princípio cartesiano das ideias inatas. O materialismohistórico, pedra angular do marxismo, propunha que não é aconsciência do homem que determina a sua existência mas,ao contrário, é sua existência social que determina suaconsciência”18

O método dialético aborda o real de forma a compreendere apreender a historicidade antropológica do homem, por meiode das suas realizações no campo do trabalho e das relações

18 HAGETTE, 1995, p. 15.

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de produção, a partir da luta de classes e da luta dos homenscontra a exploração dos sistemas de produção, sobre a vendada força do trabalho, com a proposta de uma “nova sociedadeigualitária”.

O conteúdo político e humanista da teoria marxista tematraído os cientistas sociais comprometidos com a justiça e aequidade social, o que tem levado, por vezes, a um viés nacoleta de dados do real, pelo apelo intervencionista que esteconteúdo político sugere ao pesquisador. Esta teoria, comovocê poderá perceber nos capítulos subsequentes, tem grandeinfluência na construção teórico-metodologica do Serviço Socialpós Movimento de Reconceituação do Serviço Social, que vocêjá estudou nas obras de História do Serviço Social e Introduçãoao Serviço Social.

No quadro a seguir destacam-se algumas ideias chave paraa compreensão. O texto pretende ser de caráter informativo enão explicativo.

O marxismo é o conjunto de ideias filosóficas, econômicas,políticas e sociais elaboradas primariamente por Karl Marx eFriedrich Engels e desenvolvidas mais tarde por outrosseguidores. Baseado na concepção materialista e dialéticada História interpreta a vida social conforme a dinâmica dabase produtiva das sociedades e das lutas de classes daíconsequentes. O marxismo compreende o homem como umser social histórico e que possui a capacidade de trabalhar edesenvolver a produtividade do trabalho, o que diferencia oshomens dos animais e possibilita o progresso de suaemancipação da escassez da natureza, o que proporciona odesenvolvimento das potencialidades humanas. A lutacomunista se resume à emancipação do proletariado por meioda liberação da classe operária, para que os trabalhadoresda cidade e do campo, em aliança política, rompam na raiz apropriedade privada burguesa, transformando a baseprodutiva no sentido da socialização dos meios de produção,para a realização do trabalho livremente associado – ocomunismo –, abolindo as classes sociais existentes eorientando a produção – sob controle social dos própriosprodutores – de acordo com os interesses humanos-naturais.

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Uma classe social é um grupo de pessoas que têm statussocial similar segundo critérios diversos, especialmente oeconômico. Diferencia-se da casta social na medida em queao membro de uma dada casta normalmente é impossívelmudar de status.Segundo a óptica marxista, em praticamente toda sociedade,seja ela pré-capitalista ou caracterizada por um capitalismodesenvolvido, existe a classe dominante, que controla diretaou indiretamente o Estado, e as classes dominadas por aquela,reproduzida inexoravelmente por uma estrutura socialimplantada pela classe dominante. Segundo a mesma visãode mundo, a história da humanidade é a sucessão das lutasde classes, de forma que sempre que uma classe dominadapassa a assumir o papel de classe dominante, surge em seulugar uma nova classe dominada, e aquela impõe a suaestrutura social mais adequada para a perpetuação daexploração.Luta de classes foi a denominação dada por Karl Marx,ideólogo do comunismo juntamente com Friedrich Engels, paradesignar o confronto entre o que consideravam os opressores(a burguesia) e os oprimidos (o proletariado), consideradasclasses antagônicas e existentes no modo de produçãocapitalista. A luta de classes se expressa nos terrenoseconômico, ideológico e político.

6 ConclusãoNeste capítulo, de forma breve você pôde tomar contato

com as principais correntes teóricas de influencia social, cadauma a seu tempo desvelou aspectos importantes da construçãodas relações socias.

As Ciências Sociais estão permanentemente em formulaçõese reformulações teóricas em função da dinâmica de seu objetode estudo.

Para a compreensão do conhecimento produzido na áreado Serviço Social, estas correntes teóricas representam apossibilidade de abstração e compreensão racional da realidadesocial.

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Cap. III

A precursora

1 IntroduçãoÉ preciso ter em mente a historicidade e o contexto sócio

político de cada período, para evitar o risco de pensar a“evolução” deste conhecimento como algo linear e cronológico.A trajetória percorrida pela profissão em quase um século desistematização de sua prática profissional é fruto de embatespolíticos e ideológicos.

Pensar a inserção de uma disciplina profissional no seio dasociedade pós-industrial revela a complexidade e os reflexosgerados na sociedade pelas transformações no mundo dotrabalho. Na esfera política as guerras mundiais e os conflitosétnicos raciais produziram um contingente de pessoas quenecessitavam de assistência.

O berço histórico da profissão revela a dificuldade em tornartécnica uma ação que, por milênios, vinha sendo realizada pelaação de benevolência e pela caridade. Aceitar que a providênciadivina e a compaixão humana não davam mais conta de assistiros necessitados era também um pesadelo, já que isso colocavaem questão os valores da caridade difundidos pelo cristianismo.Esta tarefa foi aceita por Mary Richmond, em 1917, que, comsua sistematização fez nascer a profissão de Serviço Social,que estava sendo gerada no inicio do século XX.

Estudar os precursores só tem sentido se nossa perspectiva

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de leitura histórica obedecer a um olhar contextualizado, umapostura crítica diante das determinações e tendo em menteque existe uma limitação espaçotemporal. Nas palavras deFaleiros:

Quando se fala de Mary Richmond, por exemplo, ela se situounum contexto liberal e negou uma forma muito mais empiricistaque os assistentes sociais desenvolviam, articulou umpensamento, uma crítica àquela outra prática, anterior a ela.A negação de Mary Richmond se dá num confronto com omarxismo, com o debate mais articulado que pode, ao mesmotempo, destruir alguns aspectos colocados por ela, negar apositividade, reconstruir alguns aspectos que ela reconstruiu,num outro contexto. À medida que há uma negação, hátambém uma retomada. À medida que estamos com os alunos,na prática, criticando o funcionalismo, que está presente nodia a dia, estimula-se à crítica e desenvolve-se umpensamento teórico.19

Esta proposição revela a necessidade de criticar econtextualizar. Admitindo que as teorias coexistem no contextohistórico social, não podemos pensar que, na atualidade, nãoexistem práticas funcionalistas, elas existem. Nossa tarefa, comopesquisadores e profissionais competentes, é problematizarestas práticas a fim de superá-las.

Existem outras perspectivas que dão conta de analisar osprimórdios da profissão de Serviço Social sem considerar estesaspectos da história. Esta perspectiva teórica, filiada aomarxismo, considera o surgimento do Serviço Social a partir dadivisão sóciotécnica do trabalho, que igualmente está limitadapor uma realidade histórica determinada. Nas palavras de JoséPaulo Neto:

Na segunda alternativa – aquela que concebe o Serviço Socialcomo profissão fundada na divisão social do trabalho –, oencaminhamento da relação sistematização (da prática)/teoriaé diverso. Aqui, o que se cancela é uma teoria do ServiçoSocial: interdita-se um saber teórico constituído e construído

19 FALEIROS, 1989, p. 155.

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pela profissão. O suposto é que o Serviço Social opera comum conjunto de representações teóricas e ideais que extraidas chamadas Ciências Sociais ou da tradição marxista –rearticuladas sincreticamente em função de suas demandasde intervenção. Assim, a sistematização (da prática) mostra-se, de uma parte, como urgência para localizar os seus pontosde estrangulamento, para indicar a necessidade de novosaportes teóricos, para sinalizar a existência de lacunas noacervo de conhecimentos e de técnicas, para sugerir aemergência de fenômenos e processos eventualmenteinéditos, isto é, como momento pré-teórico a ser elaboradopelas Ciências Sociais ou pela tradição marxista.20

Não é nosso interesse apontar uma ou outra perspectiva.Acreditamos que você já está incorporando o “espírito” filosóficoe está seguindo as pistas oferecidas por Marilena Chauí, noCapítulo 1. Esta atitude certamente irá propiciar a você umcaminho, uma escolha teórico-metodológica particular no futuro.

Isso posto, apresentaremos, nos próximos capítulos, tantoa análise das teorias e metodologias mais atuais quanto aquelasdos primórdios, alertando-os para o fato de que exigemigualmente uma apreensão crítica e comprometida com princípiosético políticos da profissão. Com este intuito é que vamosestudar, neste capítulo, a metodologia do diagnóstico social,sistematizada por Mary Richmond, a precursora do ServiçoSocial.

2 Mary RichmondComo você já estudou anteriormente, Mary E. Richmond

escreveu o livro intitulado “Diagnóstico Social” que, segundo adeclaração no prefácio, foi resultado da sistematização de 15anos de anotações e pesquisas feitas com outros trabalhadoressociais, a fim de “transmitir aos novos que viessem a trabalharem instituições de caridade a explicação dos métodos que nós,os velhos, julgávamos mais úteis”.21

Quando Mary Richmond iniciou as notas ainda não existia

20 NETO, 1989, p. 151.21 RICHMOND, 1917, p. IV.

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um curso de formação em Serviço Social, que só foi criado emNova Yorque, nos Estados Unidos, em 1898, depois de seguidosapelos de Mary Richmond e colaboradoras que já praticavam oServiço Social, mas “apreendiam fazendo”.

Diante da emergência das mazelas de uma sociedadeindustrializada, crescia o número de pessoas necessitadas deajuda, não sendo mais possível o auxílio aos pobres ser realizadosomente pelos princípios da caridade. A complexidade daquestão social exigia um tratamento mais científico e sistemáticoe Mary Richmond, preocupada com esta necessidade, passoua sistematizar o conhecimento produzido no cotidiano da prática,alimentado pelo conhecimento de outras áreas complementares,como as Ciências Sociais, a Medicina e o Direito.

As primeiras escolas estavam ligadas à faculdade deMedicina e destinavam-se ao trabalho de visitação social e aorganização dos serviços das agências de caridade.

Destacaram-se da obra fragmentos do prefácio escrito porMary Richmond, em 1917, data de publicação do livro, paravocê ter uma ideia da motivação da autora. Certamente érecomendada a leitura desta obra, mas infelizmente o livro estáesgotado e são poucos os exemplares existentes nas bibliotecasbrasileiras, pois a obra só foi editada em língua portuguesa emLisboa, em 1950, pelo Instituto Superior de Higiene Dr. RicardoJorge. A Editora Século XXI, de Madri, publicou em 2006 estelivro em Castelhano. Certamente é um exemplar digno de umabiblioteca pessoal de um Assistente Social.

Prefácio

Há 15 anos, comecei a tomar notas, a juntar elementosinformativos e a esboçar mesmo certos capítulos de um livrosobre o trabalho social nas famílias.Nele esperava transmitir aos novos que viessem a trabalharem instituições de caridade a explicação dos métodos quenós os velhos, julgávamos mais úteis.Pareceu-me logo, contudo, que não haveria objetivo oumétodo que pudesse ser característico e exclusivo dessecampo de trabalho, pois que, em última analise, os objetivose métodos para se solucionaram os casos sociais eram ou

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deveriam ser os mesmos, qualquer que fosse o tipo denecessidade que havia a atender, quer se tratasse dumparalítico sem casa onde viver, duma criança abandonadapor pais alcoólicos ou de uma viúva com filhos pequenos esem recursos.Para outros profissionais, como os médicos e os advogados,por exemplo, existe sempre uma base de conhecimentosgerais comuns. Se um neurologista e um cirurgião têm dedecidir juntos seja o que for sobre determinado caso, um eoutro servem-se, alem da experiência adquirida no seu ramo,de certos elementos basilares de ordem técnica que ambosconhecem.Em circunstâncias semelhantes, que noções básicas ecomuns haverá que possam orientar às trabalhadorassociais?Entretanto, havia já que pensar na circunstância de se teralargado o campo da averiguação das realidades sociais,do diagnóstico social e do respectivo tratamento, tanto nodomínio do verdadeiro trabalho social como para conseguiroutros que já não eram os da correção de necessitados oudelinquentes, pois seria necessário que o Serviço Social doscasos individuais viesse também a servir de complemento àação médica, educativa e judicial.22

A obra está imbuída de difundir a necessidade de produzirconhecimentos e métodos mediados pela ciência. A preocupaçãoem sistematizar o conhecimento da prática e colocar a açãodo Serviço Social em sintonia com o espírito científico da épocarevela com precisão a produção de um conhecimento próprioda área, mesmo que ancorado nos saberes de outras áreascomo a Medicina e o Direito.

O forte apelo do funcionalismo de Durkheim, visto noCapítulo 2, aparece na obra, uma vez que o Diagnósticodestinava-se principalmente para respaldar a eficácia dotratamento social. Lembre que neste momento não devemos“julgar” (atribuir um valor) a pertinência do método funcionalista,mas conhecer, fazer as questões que aprendemos com MarilenaChauí. Assim podemos compreender como a teoria e a

22 Ibid., p. VII.

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metodologia do Serviço Social foi sendo construída, levandoem conta o que Mary Richmond escreveu no inicio dos anos doséculo XX. Segundo ela, as trabalhadoras sociais nos EstadosUnidos:

(...) na sua maioria estão ocupadas no Serviço Social dos casosindividuais, isto é, em atividades que tem como objetivoimediato a melhoria dos indivíduos ou das famílias, uma auma, independentemente da sua melhoria coletiva, noconjunto do agregado social. A melhoria do agregado sociale a melhoria do indivíduo são, porém, interdependentes epor isso, o trabalho de reforma social e o dos casos individuaisdevem necessariamente caminhar a par.23

O livro Diagnóstico Social foi dividido em três partes. Sendoapresentados na primeira parte cinco capítulos que tratam doestudo do que Mary Richmond chamou “Realidades Sociais”. Asegunda parte foi destinada aos Métodos que Conduzem aoDiagnóstico, com 14 capítulos, e a terceira parte foi intitulada“Modalidades Nos Processos a Seguir”, com nove capítulos,totalizando 455 páginas.

Para o Diagnóstico Social devem ser consideradas anatureza das realidades sociais e a utilização do seuconhecimento que possibilita a organização de um plano detratamento social, esse podendo ser dividido em duas partes:

Primeiro a coleta dos dados para averiguar a situação, depoisas conclusões que dessa averiguação se podem tirar. A coletade dados faz-se logo nos primeiros contactos que atrabalhadora social tiver: 1.° – com o interessado ; 2.° – coma família deste; 3º – com outras fontes de informação quenão pertençam ao grupo familiar.24

Segundo Mary Richmond, o conhecimento minucioso queenvolvem o indivíduo é o que dá sustentação para o bomdiagnóstico. As condições existentes para o tratamento tambémdevem ser identificadas para um prognóstico de sucesso. O

23 Ibid., p. 4.24 Ibid., p. 16.

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envolvimento da família e de outras agências de assistência,escolas, prontuários médicos, as informações dos patrões evizinhos constituíam-se em fontes significativas para a análisedos dados. As realidades sociais definidas pela autora revelam:

1° – As realidades sociais podem ser definidas comoconsistindo em todos os fatos da história pessoal e familiarque, tomados em conjunto, indicam a natureza dasdificuldades sociais de um necessitado e dos meios de asremover.2° – Dependendo como o fato sucede, menos de atosvisíveis do que da tendência para um certo procedimento,as realidades sociais comprem-se de uma série de fatos,cada um dos quais podendo ter valor insignificante, masque, juntos, têm grande valor.3º – As realidades sociais diferem das legais porque sãomais minuciosas e utilizam questionários mais complexos.Por isso exigirão que a segurança dos dados colhidos sejamaior.4° – A utilização da investigação das realidades sociaisfora do Serviço Social fez-se necessário para ajudar odiagnóstico médico ou mental nos processos dos tribunais,para certos defensores, para estudar o método a preferirno ensino de certas crianças e para apurar qual a vocaçãoprofissional. Quando os testes que garantirão a suasegurança estiverem mais bem formulados e aceitos, maisextensa ainda se tornará a aplicação da investigação dasrealidades sociais.5° – O Serviço Social tem por principal finalidade ainvestigação das realidades sociais, mas com respeito, aavaliação perfeita das noções que a investigação traz temmuito que aprender com a Medicina, o Direito, a História,a Lógica e a Psicologia.25

Diante destes destaques, cabe ressaltar que existemdiferentes tipos de realidades sociais, sendo que essas possuemcaráter objetivo, testemunhal e circunstancial, e obedecem aocritério dos tribunais, uma vez que o diagnóstico social era

25 Ibid., p. 56.

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principalmente utilizado para auxiliar em decisões judiciais deproteção das crianças. Aqui as realidades sociais nesta correnteteórica dizem respeito somente às relações diretas como afamília e as estabelecidas com algumas instituições. Ela nãoconsidera o todo social como elemento significativo.

Para Richmond, a realidade objetiva é aquela que seapresenta aos nossos sentidos. A testemunhal é a que se obtémde afirmações de seres humanos; a circunstancial é a queaceita tudo, engloba tudo o que não proveio de afirmaçõesdiretas e, sendo verdadeira, estabelece base para deduções.

3 O Métodode DiagnósticoEmbora se defenda a importância do estudo e do uso de

várias fontes de informação sugerindo levar em conta odepoimento de testemunhas, a autora destaca que existemriscos e que são necessários cuidados para não cometer enganoslevados por informações inadequadas. A preocupação com oscritérios de verdade é característica do tipo de postura. Mesmona época não existindo um código de ética formal, já poderiaser identificado na obra princípio condutor de posturas éticas emorais.

As preocupações com a cientificidade e com a técnicaestavam ligadas na possibilidade de construir um corpus desaber que revelasse unidade para o trabalho social. Esta tarefafoi sendo perseguida por um método analítico sustentado peloscritérios da ciência e objetivava reconhecer os elementospresentes no processo que eram gerais e generalizáveis.

O método diagnóstico permite que a realidade apresentadapela pessoa seja estudada e verificada. A importância dada àdocumentação do processo igualmente é notável, a minúciados questionários, instrumentos construídos para cada situaçãode carência apresentada (viuvez, gravidez de solteiras,delinquência, mendicância, incapacidades de trabalho, doençade tuberculose, loucura, feridos de guerra e velhice, cegueira,emigrantes) revelam um conjunto de variáveis sobre as quaisestava sustentada a análise constituindo-se no “objeto” definido

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para o estudo. Documentação que possibilitou a ela asistematização dos processos, resultando na obra.

A orientação fornecida para a realização de um bomdiagnóstico evidencia larga experiência, mas também umtratamento analítico do dado. A orientação vem sempre seguidade explicação e da necessidade de planejar o futuro, e evitaros equívocos, postura atribuída ao conhecimento técnico. Comodestaque os principais cuidados que a autora revela àtrabalhadora social ao elaborar o diagnóstico:

O diagnóstico social é a tentativa para conseguir definir omais exatamente possível a situação social e a personalidadede um certo necessitado. A coleta dos dados de investigaçãoou das realidades constituem elementos inicias dodiagnóstico, fazendo-se a seguir o exame crítico e acomparação das realidades apuradas e, por fim, a suainterpretação, definindo as dificuldades sociais existentes.Para usar uma só palavra que compreenda todos os temposdessa operação é preferível o termo diagnóstico ao termoinvestigação, ainda que o diagnóstico seja, na realidade, oque se faz em último lugar.A ideia de “diagnóstico social” inclui a de este ter de se fazerem um tempo limitado (podendo contudo ser revisto emqualquer ocasião e a de que tem em vista sempre uma açãobeneficente).A palavra fato não é aqui limitada ao que é tangível. Ospensamentos e acontecimentos também são fatos. A questãode uma coisa ser ou não um fato está antes em se determinarse pode ou não ser afirmada com certeza.As três espécies de realidades são de aplicação geral,podem distinguem-se pelo sentido das deduções que delasse possam fazer. Na realidade objetiva não há dedução afazer; na testemunhal a base da dedução é uma asserçãohumana, e na circunstancial pode ser qualquer a base dadedução.Na realidade circunstancial é preciso distinguircuidadosamente entre quem viu ou ouviu o fato suposto equem afirma o que outros lhe disseram. Esse último caso é

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a realidade do diz-se e deve ser ponderada cuidadosamentepara o que será preciso uma experiência segura para lidarcom testemunhas, a fim de descobrir em toda a extensãopossível o fundamento pessoal das asserções que elasfizeram e a parte em que utilizaram afirmações dos outrosou simples boatos.Há ainda a considerar uma diferença importante entrerealidade direta e indireta. A realidade circunstancial ésempre indireta e caracterizadamente cumulativa. Narealidade direta, as provas únicas a obter a confiança quemereçam são aplicadas aos elementos que definem o caráterhumano, como a honestidade, as tendências, a atenção, amemória, a sugestibilidade (...).26

Desta forma entende-se que o diagnóstico social écomposto por fases onde, em um primeiro momento, se coletaos dados e, na sequência, com base nas informações coletadasaté o momento, o profissional está apto a fazer algumasdeduções. As deduções são orientadas por processos racionais,portanto utilizam um conhecimento previamente construído.

Lembre-se de que já estudamos sobre como acontece esseprocesso nos capítulos iniciais. Agora, os conceitos e saberesfilosóficos e a postura crítica, característica fundamental deum Assistente Social, se fazem necessários. Assim, de possedo conjunto de informações e do método analítico-dedutivo, oprofissional pode iniciar a sua análise compreensiva do problemasocial e concluir o diagnóstico social.

Para Richmond, uma dedução consiste na possibilidade depassar de fatos conhecidos para fatos que não se conhece atéo momento. Para ela, “é um processo de uso do raciocínio que,na sua forma mais comum, se traduz por tirar uma conclusãoda relação existente entre os fatos. (...) pode partir de muitoscasos particulares para uma regra geral. Assim como de umaregra verificada em fatos novos, aplicando-se a um casoparticular”27. Ou seja, do geral para o particular e do particularpara o geral, esse é o movimento realizado na síntese doconhecimento científico, conhecido por método indutivo-

26 Ibid., p. p.60.27 Ibid., p. 55.

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dedutivo.Uma dedução é o que possibilita a formulação de hipóteses

que serão confirmadas ou não ao longo do processo de estudoda situação apresentada. Segundo Mary Richmond “(...) atrabalhadora social hábil formula muitas hipóteses, reservandoumas até sua confirmação, aceitando outras”.28

Na segunda parte do livro estão apresentados os métodosque conduzem ao diagnóstico, onde a autora apresenta asequência de quatro processos que a trabalhadora dos casosindividuais emprega no cotidiano, a saber:

• Uma primeira e longa entrevista com o necessitado;• Os primeiros contatos com sua família mais chegada;• A busca de cooperação fora da família para que o estudoesteja amplo;• O exame cuidadoso de cada dado obtido e das relaçõesdesse com outros para a sua devida interpretação.

Com estas considerações a autora propõe utilizar métodosque caracteriza por:

• Aproximação;• Indicações a aproveitar e perguntas a fazer;• Apontamentos a tirar;• Conselhos e promessas prematuros;• Condução da entrevista para a intimidade.

Com o intuito de explicitar e generalizar estes processos,a autora relacionou condicionamentos de duas ordens. Osrelacionados aos interesses da instituição e os relacionados àpostura profissional. Estes encontram-se transcritos:

28 Ibid., p. 57.

1° – Há muitas circunstâncias que podem modificar ométodo a seguir na primeira entrevista. Entre elas contam-se: a) A natureza da diligência a realizar tal como trabalhode documentação, trabalho familiar, de proteção contra maustratos etc; b) A origem do pedido ou requisição do ServiçoSocial, quer da parte de outra instituição ocupada já no

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caso ou feita pelo próprio interessado, em seu beneficio; c)O lugar em que se realiza a entrevista, quer seja no domiciliodo necessitado, quer no gabinete de uma agência social; d)Os conhecimentos já anteriormente adquiridos, registradosnas fichas de qualquer instituição sobre o necessitado oupessoas da sua família (a pesquisa destes dados a pedidodoutras instituições deve ser feita antes da primeiraentrevista, sendo repetida depois de tudo apurado).Quaisquer outras fichas anteriores arquivadas noutrasinstituições sociais que digam respeito ao necessitado (quandohouver troca de notas confidenciais,devem ser consultadasantes da primeira entrevista e no final).

2º – A primeira entrevista deve: a) ser uma audiênciaessencialmente delicada e paciente, escutando-se largamenteo necessitado; b) procurar estabelecer uma boa compreensãomútua; c) procurar indicações junto de outras instituições equaisquer outros elementos de cooperação; d) desenvolver,dentro da mentalidade do necessitado, um sentimento deconfiança em si próprio e nas suas possibilidades. A entrevistanão deve ser apressada, tem de se fazer na intimidade, comtoda a consideração pela sensibilidade do entrevistado,embora sempre mantendo o fim em vista.

3° – Para muitas perguntas são dadas respostas, mesmosem terem sido feitas. E, se o interlocutor é inteligente, nemsequer é preciso fazê-las. Perguntas devem ser orientadasde certa maneira para se lograr uma resposta verdadeira.Não se devem fazer ao necessitado perguntas que nóssabemos que podem ter melhor resposta por outra via.

4° – As indicações que mais frequentemente se procuramobter na primeira entrevista são as que se referem a: a)parentes; b) médicos e instituições sanitárias; c) escolas;d) patrões atuais e antigos; e) residências anteriores evizinhanças.

5° – As próprias esperanças, disposições e planos queum necessitado têm para sua vida são mais importantes doque certos pequenos pormenores da informação.

6° – Não é aconselhável tomar notas durante a conversa,embora se possa recorrer a elas, o que depende da naturezada necessidade a resolver e o lugar em que a conversa está

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sendo realizada.7º – Deve haver toda a cautela em dar conselhos e

opiniões e ser parcimonioso nas promessas até haver tempopara melhor conhecimento do caso e para estabelecer planomais sólido.

8° – Nos últimos cinco ou 10 minutos da entrevista atrabalhadora social deve realçar seu desejo de ajudardedicadamente o necessitado e preparar convenientementeas conversas futuras.

9° – As entrevistas por motivos urgentes reclamam certahabilidade especial porque, embora o tempo urja, há certasindicações que apresentam, nestas hipóteses, grandeimportância que não existem quando se está na labutanormal29.

4 ConclusãoMesmo tendo sido escrita há tanto tempo e se sustentado

no funcionalismo, a essência da orientação de como se faz aapreensão da realidade social a ser estudada a partir dassolicitações do individuo ou da família, quando referem-se aoinstrumental utilizado (entrevista, questionário, estudo dadocumentação e informações de outros profissionais e agências)são atuais. O que muda radicalmente quando definimos o objetoda análise para a questão social, por exemplo, são as bases eos fundamentos de compreensão da realidade e a abstraçãopossível no processo analítico. Sendo assim, os princípios e apostura ético política e, consequentemente a construção dametodologia de intervenção também se alteram radicalmente.

Para planejar uma intervenção é preciso conhecer a fundoa realidade social em que o indivíduo se encontra. Esta premissaainda é utilizada hoje. Basicamente, na atualidade, a diferençaestá em nossa concepção e visão de homem e mundo, darealidade social que vem se alterando, uma vez que hojeconsidera-se bem mais importante os determinismos construídossocialmente pelas estruturas de mercado que geram exclusãosocial. Uma compreensão que retira do individuo o centro da

29 Ibid., p. 102.

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questão e coloca na relação sócio político econômica a causaprincipal da exclusão, identifica no espaço público as estratégiasde enfrentamento necessárias.

No funcionalismo, ou seja, construindo uma análisefundamentada nos princípios funcionalistas, a demanda porintervenção acontecia sobre uma disfunção social que éatribuída ao indivíduo. Portanto, revela uma alteraçãosignificativa no encaminhamento e na metodologia utilizada naintervenção. Ainda hoje existem várias práticas alicerçadas nessaconcepção. Quando vista fora do contexto, uma expressão daquestão social pode ser atribuída unicamente ao comportamentoinadequado de um indivíduo, que precisa de tratamento ou deinternação como, por exemplo, o caso da superlotação dospresídios no Brasil, que pode ser analisada dentro de umcontexto determinado historicamente ou funcionalmente –concebendo: que os presos são “maus”, que é umacaracterística da índole da pessoa.

A compreensão feita dentro de perspectivas diferentesgera planejamento de ação e tomada de decisão e intervençãoopostas. Continuando no exemplo, a análise funcional justificaas ações do governo de construir mais presídios para “solucioná-las” e o trabalho realizado pelos técnicos (assistentes sociais,psicólogos, médicos, psiquiatras, enfermeiros, entre outros) dosistema prisional junto à população privada de liberdade centrar-se no tratamento social e a (re)socialização do preso, semquestionar as estruturas sociais que estão determinandohistoricamente o crescimento da violência e, consequentemente,gerando a superlotação dos presídios.

No diagnóstico social era proposto um tratamentogeralmente direcionado para o individuo, com recursos e apoiosvindos da beneficência. Hoje trabalhamos com o princípio deque a assistência social é um direito do cidadão e um dever doestado, e deve ser operacionalizada por intermédio das políticaspúblicas. O foco deve sair do tratamento individual e serremetido à esfera da política. Esta postura é a orientada peloprojeto ético político que é também resultado de uma escolhada categoria profissional e, por isso, revela uma concepçãoteórico metodológica não funcionalista.

Concluindo, o método de diagnóstico social construído por

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Mary Richmond possui um conhecimento acumulado na áreasobre os instrumentos de apreensão da realidade social e dadocumentação, bem como a importância da cooperação entreas diversas instituições de atendimento que são ainda muitoimportantes para a realização do estudo da situaçãoapresentada.

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Cap. IV

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1 IntroduçãoA literatura americana influenciou muito o Serviço Social

brasileiro, e teve como uma das principais autoras a AssistenteSocial Gordon Hamilton, que escreveu sobre o método de caso.Encontramos no prefácio do livro escrito por Gordon Hamiltonas melhores considerações feitas sobre a obra, uma vez que aautora se refere ao contexto social e as influências teóricasque o método sofreu. Assim, destacamos um pequeno trechodo prefácio:

A primeira edição de “Teoria e Prática do Serviço Social deCasos”, publicada em 1940, foi escrita durante uma épocade grandes modificações, como a crise financeira, o adventoda Lei de Seguro Social (Social Securíty Act) e o trágicoacontecimento da Segunda Grande Guerra. Por esses motivos,tornou-se necessária uma revisão radical deste livro. Osprogressos da psiquiatria e das ciências sociais vieram tornarmais claros os conceitos de caso psicossocial, da interaçãodo meio e fatores emotivos e conflitos e ainda a necessidadeimperiosa de reunir os conhecimentos científicos e os valoreshumanos. O assistente social, que sempre se preocupou comas condições do meio social, é hoje impelido não somente acompreender a estrutura e a dinâmica da personalidade, mas

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também a redescobrir a utilização do ambiente, ou aterapêutica social. Um período de aprofundamento eesclarecimento requer uma integração mais íntima dasciências sociais e do Serviço Social, como sucedeu comas ciências físicas e a Medicina e outros ramos da ciênciaentrelaçados com as profissões humanísticas, cujoconteúdo exige a colaboração de várias disciplinas.30

Esta síntese apresenta com propriedade as alteraçõesocorridas em tão pouco tempo, a emergência das novas teoriase a influência que estas revelam no método no Serviço Social.

2 A MetodologiaA autora professa que o Serviço Social baseia-se em alguns

postulados, que orientam os métodos e objetivos da ação queversam sobre as condições da vida social. Dentre outrosprincípios a autora elenca:

• o aperfeiçoamento humano como objetivo da sociedade;• os esforços no sentido de desenvolverem-se tanto aassistência como a educação para melhoramento dascondições de vida humana quanto à saúde física e mental;• a solidariedade humana deve caminhar no sentido dafraternidade universal.

Estes princípios revelam forte influência dos princípios daDeclaração Universal dos Direitos Humanos31 que sustentavame ainda sustentam estas premissas, em um pacto social atéentão sem precedentes na história. Estes fundamentos teóricosfazem parte até hoje dos princípios da profissão. Além da adesãoexplicita por esses fundamentos a autora atribui distinções entreo Serviço Social e as outras profissões humanísticas, sendouma delas o entendimento de que todo ato humano consiste

30 HAMILTON, 1987, p. 12.31 A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela ONU em 10 dedezembro de 1948 (A/RES/217). Esboçada principalmente por John PetersHumphrey, do Canadá, mas também com a ajuda de várias pessoas de todo o mundo– Estados Unidos, França, China, Líbano entre outros, delineia os direitos humanosbásicos.

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em “dois elementos: pessoa e situação”. Ou seja reconhece asrealidades subjetiva e objetiva.

A outra distinção refere-se ao método característico doServiço Social que, segundo ela, “incorpora em seus processosbásicos tanto conhecimentos científicos quanto valores sociais,para realizar seus objetivos”.32

Essas características revelam a forte influência doestruturalismo e da psicanálise nas suas concepções. O ServiçoSocial de Caso admite que o homem é um ser biopsicosocial e,assim, as influências são tanto internas quanto externas quandose observa um problema para tratamento.

A autora ainda defende que os casos sociais possuemestruturas externas e internas e que isso os assemelha, emface às condições do tratamento social, que leva emconsideração elementos materiais e imateriais. Assim, porexemplo, não importa se o caso social está em uma clínica ouem uma agência assistencial, abrange sempre pessoas e suasrelações, além dos sentimentos em relação a estas. Issodemonstra que o Serviço Social não busca somente mudançasexternas, mas também internas. Para a autora, existemvantagens e desvantagens nesse tratamento pois:

O Serviço Social tem a desvantagem de tratar com as relaçõeshumanas, que são intangíveis, invisíveis e complexas, e comos sentimentos que cada um projeta nas mesmas. Por outrolado, o Serviço Social goza de uma vantagem, a de que osclientes possam exprimir por palavras os seus problemas,devendo os assistentes sociais aprender a ouvi-los. Oaproveitamento dos recursos sociais torna possível aoassistente social dar assistência concreta e o conhecimentopsicológico permite-lhe ajudar de maneira menos concreta,porém não menos real, auxiliando o cliente a esclarecer oproblema e a agir em relação ao mesmo. A angústia, a misériae a incapacidade são fatores pessoais e podem melhor sercompreendida através das relações humanas. Qualquerrelacionamento deve ser individualizado, a fim de se tornarútil.33

32 IBID, p. 17.33 IBID, p. 19.

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No processo do tratamento social, o Serviço Social decaso almeja o encontro da ciência e dos valores do método.Como valor o respeito aos direitos das pessoas devem vir emprimeiro lugar. Não se pode impor os valores e ideais próprios,as aspirações políticas ou religiosas aos clientes. A autoradefende que a assistência deve ser dada àqueles que precisamdela, assim como a medicina, não por apresentarem umdeterminado padrão de comportamento. Assim, os serviçosconcretos e a assistência material devem ser igualmente dadosàqueles que precisam, conforme a autora: “Os direitos do homempressupõem que também os métodos de aplicação sejamdemocráticos e a natureza humana, pela sua própria estrutura,favorece a sua participação ativa como membro responsáveldentro da comunidade, colaborando nos processos sociais queali se desenvolvam”.34

Estas indicações referem-se a rupturas com os primórdiosda caridade, que por sempre se relacionar com a ordem cristã,acabou por influenciar ainda por um certo tempo os “critériosde eleição do necessitado”. Nesse sentido, a autora defende anecessidade da cientificidade para o Serviço Social “moderno”.

A missão do Serviço Social não é de caráter moralista,mas está assentada sobre valores de justiça social e dedemocracia. Estes são os valores que devem estar a passocom os conhecimentos das ciências humanas e sociais.Destacam-se fragmentos do texto de Gordon:

O fato de não ter a justiça social sido realizada de maneiraintegral e de ter-se desenvolvido mais sob o aspecto legaldo que da justiça econômica e cultural, não altera seu papelcomo o mais importante objetivo da civilização. O que o tornaparte do ideal democrático é a preocupação pelasnecessidades, direitos e liberdade do homem. De fato, acrença no valor do ser humano é a base sobre a qualrepousam vários princípios fundamentais: a igualdade deoportunidades para todos, o direito das minorias e o direitoà liberdade de opinião. Para que um governo seja realmentedemocrático é preciso que seja, essencialmente, um governo

34 IBID.p.21

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com autonomia, e a autonomia é impossível, a menos quese reconheça que o indivíduo é o melhor juiz dos seuspróprios interesses, do mesmo modo que nunca terão sentidoa liberdade de reunião, o contrato coletivo de trabalho eoutras atividades grupais de finalidade social, se osparticipantes não forem homens livres. Somente se oindivíduo é respeitado e tem oportunidade de desenvolver-se pela educação, pela instrução e pelo contato cominstituições livres, será capaz de criar condições favoráveisà vida humana. O Serviço Social de Casos tem por objetivocapital fazer com que o indivíduo participe plenamente doprocesso de sua própria sociabilização.35

A autora deixa claro quais objetivos e por quais valores senorteia o Serviço Social de casos. Podemos perceber claramentesua defesa aos direitos humanos e uma concepção da assistênciacomo uma disciplina científica.

A dificuldade de explicitar o objeto do Serviço Social eraatribuído à complexidade e a diversidade dos problemas com osquais trabalhava, além da compreensão estar alicerçada tambémsobre os fatores internos ou subjetivos ou materiais e objetivos.A autora descreve os tipos mais comuns de situações atendidase sua conexão com as mudanças estruturais da sociedade. Aonosso modo de ver, na atualidade os assistentes sociaiscontinuam debruçando-se sobre as mesmas situações sociais,com objetivos igualmente sintonizados com os valoresdemocráticos e de participação da população. As alteraçõesficam ainda sobre as condições nas quais acontecem estaparticipação e os meios para se efetivar. Você pode constataro que fazia o assistente social na década de 1940 e, assim,comparar com o que você percebe da aparência do trabalhorealizado do Serviço Social nos dias de hoje. Tente identificarse algumas ações ainda existem, se foram reproduzidas e quala consequência disso para a representação da profissão naatualidade.

35 IBID, p.24

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Não é fácil compreender os problemas com os quais lida oServiço Social – família, habitação, trabalho, recreação eeducação – pois todos passam por essas experiências; mas,como sabemos, ter experiência não é necessariamente estarconsciente daquilo que representam, ou saber traduzi-la emprogramas sociais adequados. A situação individual é alâmina que deve ser observada ao microscópio. No correrde cada caso social encontram-se os elementos de umprocesso educativo completo. A ação social atua suavemente,apoiando-se em observações individuais, feitas compaciência e objetividade. Assim como o indivíduo é a pedrade toque da família, também a família é a pedra de toque dacomunidade, e assim por diante, até chegarmos ao âmbitonacional e ao internacional. A sociedade não favoreceria aguerra se realmente visasse o bem do indivíduo e de seugrupo familiar (...).

(...) O Serviço Social, nos primeiros tempos, levou demasiadoem conta as causas íntimas de desajustamento, porémsabemos, por experiência, que para compreenderprofundamente um conjunto de relações humanas temosde ir às causas longínquas, a fim de chegarmos às próximas.Sabe-se que o progresso individual depende, em primeirolugar, de obter meios de subsistência, de aproveitar asoportunidades e, finalmente de encarar as realidadesimediatas, de aceitar responsabilidades e trabalhar nãosomente contra as limitações, mas também com elas e apesardelas.Ninguém pode compreender a pobreza sem conhecimentodo comportamento humano, e ninguém pode tratar de umproblema de comportamento, inteligentemente, sem ligá-loà estrutura econômico-social.36

As referências utilizadas já apresentam a incorporação deelementos das estruturas sociais como importantes para arealização da compreensão, mas o objetivo continua sendo odo tratamento social. Assume a perspectiva de que o individuo

36 IBID, p. 24-25.

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necessita primeiro garantir as suas condições de subsistência,mas atribui ao comportamento humano a forma de conhecer apobreza. Aqui pode ter duplo sentido na perspectiva daapreensão das estruturas da realidade ou ainda identificar osfenômenos invariantes no processo. O fato de trabalhar comas limitações e, apesar delas, revela um componente de reforçoindividual do ser para absorver e adaptar-se as dificuldades. Oobjeto continua sendo o homem em suas relações sociais.

O método é operacionalizado pelo uso do relacionamentodo profissional por meio de do processo da entrevista. Aentrevista possui características semelhantes às elencadas porMary Richmond com referência a paciência do profissional e ouso da comunicação e construção de relação de confiançaentre o entrevistador e o cliente.

O aspecto teórico metodológico a considerar é anecessidade do profissional observar aspectos subjetivos e dasestruturas internas (ego, id, super ego)37, as estruturas depré-consciente, elaboradas por Sigmund Freud na teoriapsicanalista e, ainda, na construção do relacionamento entre oassistente social e o cliente ficar atento aos aspectos detransferência e contratransferência.

A transferência e a contratransferência são conceitoscentrais na compreensão da relação terapêutica nas diversasvertentes da psicanálise. A transferência é um conjunto desentimentos positivos ou negativos que o paciente dirige aopsicanalista, sentimentos estes que não são justificáveis emsua atitude profissional, mas que estão fundamentados nasexperiências que o paciente teve em sua vida com seus paisou criadores. Portanto, a característica da transferência érepetir padrões infantis em um processo pelo qual os desejosinconscientes se atualizam na pessoa do analista. E acontratransferência refere-se ao processo inverso: é quando oanalista dirige o seu conjunto de sentimentos para o cliente.

A influência da teoria psicanalítica fica evidenciadaprincipalmente nos exemplos de casos que a autora apresenta

37 A psicanálise surgiu na década de 1890, com Sigmund Freud, um médicointeressado em achar um tratamento efetivo para pacientes com sintomas neuróticosou histéricos. Conversando com os pacientes, Freud acreditava que seus problemasse originaram da inaceitação cultural, sendo assim reprimidos seus desejosinconscientes e suas fantasias de natureza sexual. Desde Freud, a psicanálise sedesenvolveu de muitas maneiras e, atualmente, há diversas escolas.

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no livro como complementaridade. O trabalho do serviço socialde caso estava muito ligado ao trabalho dos psiquiatras, essefato também justifica a aproximação com a teoria psicanalítica.

A concepção e o objetivo da intervenção para omelhoramento individual ocorrem sustentados pela premissa deque “cada um fazendo sua parte o social muda”, mas a supostarelação existente entre as estruturas internas e externas ficalogo explicitada que estão em níveis hierárquicos diferenciados.Estes níveis referem-se à existência de problemas individuais,grupais e comunitários, em um entendimento de que cada umnecessita ser enfrentado distintamente. Para tanto, a autorafaz referências à necessidade de outros métodos deintervenção: o de grupo e o de comunidade, além de destacara importância da utilização dos recursos sociais na colaboraçãoentre as agências, a esta ação chamou de ação social. Naspalavras da autora, os postulados básicos e métodos do ServiçoSocial de casos seguem os seguintes métodos e processos:

Métodos e processos

Tanto existem necessidades em massa quantosoluções em massa, necessidades da comunidade esoluções da comunidade, necessidades do grupo esoluções do grupo, necessidades individuais e soluçõesindividuais. O Serviço Social, ao organizar-se comoprofissão, definindo seus objetivos para conseguir aelevação moral e material do nível de vida humano, eestabelecer relações humanas satisfatórias – passou adistinguir três métodos diferentes de ação: “Planejamentodo bem-estar social” ou “Organização da Comunidade”;“Serviço Social de Grupo” e “Serviço Social de Casos”. Omovimento no sentido de procurar solucionar os problemasdo bem-estar social é, em geral, chamado de “reformasocial” e, mais recentemente, de “ação social”.

A ação social não é absolutamente prerrogativaexclusiva do Serviço Social. A ação social abrange aatividade de todas as pessoas que utilizam técnicas deeducação de adultos, publicidade, legislação social,cooperativismo e iniciativas em conjunto. Quando o

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assistente social se volta para as forças vivas dacomunidade e para os recursos governamentais, a fim deconseguir seus objetivos, de preferência a valer-se dainiciativa individual ou de grupos voluntários, utiliza oprocesso chamado de “ação social”.

Os assistentes sociais têm se esforçado para melhoraras condições de habitação, para reformar o sistema penal,melhorar as instituições e tornar mais eficientes osmétodos de administração da assistência. Seus líderestêm desempenhado papel decisivo nas campanhas deprevidência social, como sejam o amparo à maternidadee infância, o auxílio à velhice e à cegueira, a difusão daassistência médica e harmonia das relações entreempregadores e empregados. Os assistentes sociaisconsideram que a ação social abrange um vasto campo:assistência médica, trabalho, indústria, assistênciapública, recreação, educação social, prevenção dadelinquência e assimilação das diferentes culturas.38

Diante desta necessidade de complementar e distinguir asnecessidades, classificando-as em níveis, sugere o planejamentoda ação social a fim de ter maior eficácia. A perspectiva de umplanejamento social como norteador do processo interventivoretira a centralidade no tratamento da disfunção e atribui umcaráter mais político e de participação do sujeito no processode mudança planejada. Este é um dos pontos de rupturaimportantes a considerar como o funcionalismo, caracterizandoa influência estruturalista e a centralidade na mudançainstitucional.

Existem dois ângulos a considerar, em todo planejamento debem-estar social; de um lado a sociedade e, de outro, oindivíduo. As instituições sociais devem basear-se em relaçõesmútuas e significativas, o que implica em uma análise ecompreensão de valores. É engano pensar-se em resolverproblemas individuais mediante soluções em massa, domesmo modo que seria pueril pretender reformar a estrutura

38 IBID, p. 29-30.

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social através do método de casos.39

Assim, o método de caso serve a questões individuais, e ode grupo e comunidade como alcance de outros níveis demudanças almejados.

Percebe-se ainda que o reconhecimento das influênciasdo agravamento da crise econômica passou a fazer parte doprocesso de compreensão da realidade social do individuo quebusca assistência. Exige medidas de médio e longo prazo, masa dificuldade econômica tem um papel de amplificação dassituações do cotidiano. Por essa razão, o auxilio material émuito importante.

O serviço social não se restringe a trabalhar com situaçõesde miserabilidade. Uma pessoa pode momentaneamente estarprecisando de auxilio, até poder se reorganizar. Mas asdificuldades não são só econômicas, muitas vezes a fragilidadedas pessoas diante da gestão da sua renda impede que seauto-organize, pode estar necessitando de ajuda para superaressas dificuldades. Por exemplo, em caso de viuvez precoce, amulher pode não se sentir capaz para administrar sozinha osnegócios da família. Isso se constitui em uma ação mais pessoal,que é objetivo do Serviço Social de caso, estando ou nãopresente o fator da carência econômica.

Existem fatores no ambiente que são incontroláveis, e oServiço Social nunca os poderá controlar; somente areorganização da estrutura total será capaz de fazê-lo. Osdireitos humanos requerem definição, classificação e tratamentouniforme; as necessidades humanas não reclamam apenasserviços de previdência, mas também, dentro das classificaçõesgerais, individualização e tratamento específico. No momento,o Serviço Social de Casos não se limita, felizmente, a dar auxíliosmateriais, mas é utilizado quando a capacidade do próprioindivíduo está diminuída momentaneamente, ou quando eleapresenta deficiências na satisfação de suas relações sociaisnormais.40

A sociedade é compreendida aqui como um conjunto derelações que possuem causas individuais e gerais, mas credita

39 IBID. p. 3140 IBID. p. 33.

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ao indivíduo uma potência de mudança do geral. Não existeaqui uma concepção mais ampla dos determinantes estruturaiscomo os pregados pelo marxismo, mas uma mudança noreconhecimento de que não é só uma causa individual que geradisfincionalidades como no funcionalismo.

3 ConclusãoEsta concepção de que existe uma interdependência entre

as realidades é que favorece o desenvolvimento do método degrupo como complementar ao tratamento dos casos individuais.

Em síntese, o processo do Serviço Social de Casos objetivaum crescimento individual e o consequente melhoramento dascondições sociais. Mary Richmond refere-se ao Serviço Socialcomo processo pelo qual se desenvolve a personalidade pormeio de ajustamentos realizados conscientemente entre osindivíduos e o seu meio; ou o Serviço Social de Casos podedefinir-se como a arte de ajudar as pessoas a ajudarem-se a simesmas, cooperando com elas a fim de beneficiá-las e, aomesmo tempo, à sociedade em geral. Estas nos parecemconceituações bastante apropriadas para as finalidades dotrabalho realizado pelo método de caso.

Mesmo já tendo feito progressos no caminho desistematização do conhecimento, é visível a maturidade dostextos, e o seu caráter teórico-metodológico permeia suaconstrução. Ainda é difícil a conceituação pura e simples daprática do serviço social. Note que ela geralmente vem acrescidade seu processo de realização e, por essa razão, é que agorase refere aos métodos utilizados para classificá-los. Existe aindauma forte tendência na especialização, característica da épocae resultado do método cartesiano de ciência, que dividia paraclassificar, com a crença, de que assim se conheceria melhor otodo. Esta tendência – da especialização – perdurou por muitotempo e só foi superada pelo movimento de reconceituaçãoque você já estudou, chegando a definição de serviço socialgenérico.

Ainda é importante salientar que, já neste período,

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almejava-se a mudança nas estruturas sociais, dentro daquiloque se convencionou chamar reforma social. A reforma socialbuscava a garantia dos chamados direitos sociais que deveriamprover, por meio da previdência social, as condições dignas desobrevivência.

Nessa tendência da interrelação existente entre o indivíduoe seu meio, e a crença de que a mudança de estruturas sociaisnão se faz só pelo método de caso, mas que existe a necessidadedestas mudanças, é que se desenvolveu o método de grupo eo de comunidade abordados no capítulo seguinte.

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O método de grupoe de comunidade

1 IntroduçãoSeguramente os métodos de grupo e de comunidade

representam um grande salto tanto no processo de concepçãoda realidade social, pois passa a reconhecer a interdependênciadas situações e a influência das diferentes estruturas sociais,quanto pela incorporação de saberes de outras áreas e odesenvolvimento de metodologias de caráter pedagógico, queintroduzem no cotidiano da profissão a ação social de cunhopreventivo e educativo.

2 Método de grupoNa perspectiva da solução dos problemas considerados

pelo Serviço Social, na época, acreditava-se que existiam duasformas para a resolução de problema: por meio de umareorganização da estrutura social ou por meio de um trabalhoindividualizado, com as pessoas ou grupos, por intermédio deprocessos educativos. Nesse sentido que o método de grupofoi amplamente difundido no Serviço Social, nas décadas de1940 e 1950.

Gordon Hamilton definiu que:

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É animador ver-se que o Serviço Social de Casos e o ServiçoSocial de Grupo, que desenvolveram os mesmos, princípiosquanto à independência do indivíduo e da sociedade e aimportância das atividades motivadas por iniciativa individualde grupos ou de pessoas, unem-se para atuar sobre odinamismo da ação social. O Serviço Social necessita de umacerta unidade, como o próprio processo de Serviço Social deCasos. Por isso não somente os clientes precisam agir nasolução de seus problemas, como os assistentes sociaisdevem utilizar métodos democráticos que venham beneficiarsuas atividades profissionais e, por conseguinte, as condiçõesde seus semelhantes. Do mesmo modo que o amor próprio ea dignidade pessoal são incentivos, para a pessoa, tambémo amor ao próximo é o incentivo normal para a vida em grupo.41

Nesta perspectiva, o método de grupo foi igualmenteinfluenciado pela psicanálise e incorporou-se ao Serviço Socialo tratamento das angústias, geradas principalmente peladificuldade de grupos sociais adaptarem-se às rápidastransformações sociais. Estas transformações foramdesencadeadas pelas perdas de poder aquisitivo, decorrenteda crise de 1929 que, até 1932, deixou milhões de norte-americanos desempregados, e posteriormente, às demandasdecorrentes da Segunda Guerra Mundial, como a invalidez eviuvez precoce.

Foi dada também ênfase aos trabalhos educativos epreventivos, com os imigrantes e viúvas, mediados por umaorientação profissional capaz de mobilizar as energias individuais,potencializando-as pela troca grupal, permitindo acontextualização do seu problema individual dentro da estruturasocial.

Note que, neste período histórico, as ideias liberaiscomeçavam a difundir-se, e a crise econômica e o desempregodeixou sem poder de compra uma significativa parcela dasociedade. Nesse sentido, as habilidades e a criatividade dosindivíduos passaram a ser exaltadas, e as primeiras noções deempreendedorismo, que se centram nas competênciasindividuais, fazia com que estes buscassem cada vez mais se

41 HAMILTON, 1987, p. 36.

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qualificar para os novos tempos.Os trabalhos coletivos desenvolvidos por profissionais

oportunizaram ajuda pela ação social, com base emconhecimentos sólidos sobre o campo em que atua, e, também,em métodos científicos, os quais permitem ver a relação entreo problema em foco e os outros problemas sociais.

Relacionar o problema individual com os problemas sociaise dar visibilidade para o fato de que muitas pessoas têm omesmo problema possibilita um processo de abstração desentimentos de hostilidade e de agressividade, tornando o sujeitomais capaz de conseguir a cooperação social. O fato deidentificar-se com os outros no processo grupal oportuniza,acima de tudo, a construção de uma relação de reciprocidade.

Basicamente o fim almejado era uma adaptação pacíficados indivíduos frente às expressões de desigualdades reais.Trabalhava-se com a ideia do mérito, e a maior prova dissoestá expressa na Declaração dos Direitos Humanos. Uma vezcolocadas no mérito às possibilidades de crescimento e sucesso,os indivíduos mobilizavam esforços para alcançá-los.

Estas ideias são altamente carismáticas, pois desafiam oser humano a lutar pela sua propriedade, transformando estaem um “fim que justifica os meios” e os meios geralmentereferem-se a fazer sacrifícios para prosperar. Como o objetivofaz parte de um plano, o processo constitui-se em algo possívelde suportar.

O Serviço Social de Grupo é também um processopsicossocial relacionado não somente com a capacidade deliderança e com o sentido de cooperação, mas também, com oaproveitamento dos interesses dos grupos em benefício dasociedade.

A experiência da participação democrática na livreassociação é uma técnica essencial, tanto no aproveitamentodas reservas latentes da comunidade, quanto no âmbito dapolítica e da sindicalização. A participação da população nosprocessos de planejamento e de socialização oportuniza odesenvolvimento e modernização dos processos do estado.

A essência do Serviço Social de grupo é a mobilização decondições para a realização das potencialidades de cadaindivíduo, o que, pela ação de interdependência, acaba

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contribuindo para a elevação da experiência de vida social detodo o grupo. Esse movimento é observado em regimes deadministração política democráticos.

O processo democrático sugere a importância do cidadão,onde devem ser satisfeitas as necessidades fundamentais eprotegidos os seus direitos. Estes princípios estimulam acapacidade de assumir responsabilidades que favorecem o meiocultural e político em que vive. Os indivíduos agem por meio dainteração com outros indivíduos e grupos, dentro de váriasinstituições, o que favorece o equilíbrio da sociedade. Naspalavras de Gordon Hamilton:

O Serviço Social de Grupo, em nossos dias, desenvolvetécnicas especiais não somente em relação a indivíduos queencontram facilidade de viver em grupo ou de educar-seatravés da ação em grupo, mas também para os depersonalidade mais fora do comum, que podem,incontestavelmente, ser auxiliados para associar-se ao grupo,aperfeiçoando-se mais e adaptando-se melhor ao seu meio.Os assistentes sociais de grupo têm desenvolvido e definido,recentemente, com mais precisão os processos característicosde sua profissão, focalizando os aspectos administrativo,educativo e reeducativo, pondo em prática novas conquistasno terreno da terapêutica de grupo”.42

Basicamente os objetivos do método de grupo referem-seao respeito pelas diferenças individuais, preparam as pessoaspara as diferenças e semelhanças, evidenciando que auniformização de padrões de comportamento, quer sejamindividuais quer culturais, diminuem as capacidades do humano.A disseminação da ideia de que as diferenças podem potencializare até complementar as capacidades dos indivíduos emassociação é um dos grandes resultados dos trabalhos comgrupos.

Reconhecer o valor da contribuição de várias culturaspossibilita desmistificar crenças infundadas e educa para umaconvivência sem preconceitos. Isso resulta em ações deconvivências sociais mais harmônicas e solidárias.

42 Ibid., p. 40.

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O trabalho com grupos busca ainda uma qualificação nasrelações sociais estabelecidas com grupos secundários. Se atéentão a família era o principal grupo de relações e deconvivência, com o advento das grandes emigrações e oesfacelamento das famílias, em decorrência das guerras, erapreciso inaugurar novas formas de agregação, não mais porafinidades sanguíneas, mas, e principalmente, por afinidadesafetivas e interesses comuns. Neste processo difundiram-seos grupos de convivências, conselhos de bairro, grupos deoração, de voluntários e círculos de pais e mestres, queperduram até hoje.

Os princípios que norteiam a aposta no trabalho de grupo,a fim de garantir uma adequada socialização e a importânciade conviver com as diferenças, de modo a tolerá-las, revelamconhecimentos vindos da experiência empírica, como afirma aautora:

Várias experiências no campo da educação juvenil, parapromover a formação de atitudes positivas em relação ao meiosocial e à religião, demonstram claramente que uma formaçãopuramente intelectual é insuficiente para combater ospreconceitos da criança. Se, no entanto, se facilitam asocasiões de associar-se com outras crianças, em ambientefraterno, sem discriminação de raça, cor ou credo, então osesforços educacionais convergentes atingirão efeitosduradouros, vendo desabrochar ideais de tolerância. Se ascrianças compartilham de uma experiência de vida cheia deafeição e com certa liberdade e, se a satisfação causada poresse modo de viver se torna consciente, a atitude de tolerânciaserá para sempre integrada na sua personalidade.43

As experiências realizadas com grupos de convivência ede socialização entre crianças mostravam que estas nãopossuíam preconceitos raciais. Não se tratavam de formasdiferentes os negros e os brancos católicos ou judeus. Issoreforçava a ideia de que eram preconceitos construídossocialmente e, como tais, poderiam ser destruídos também no

43 Ibid., p. 43.

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campo social.É importante salientar que os conflitos e confrontos pela

opção religiosa e as discriminações raciais e étnicas constituíam-se nos principais conflitos da época, visto que, na SegundaGuerra acirravam-se essas disputas pelas ideias difundidas porAdolf Hitler sobre a hegemonia da raça ariana, que resultou natortura e morte de milhões de judeus.

O trabalho realizado pelo Serviço Social com grupos obtevesucesso nas ações de intervenção de caráter educativo. Nessesentido ficou evidenciada a forte característica pedagógica daação social do Serviço Social de grupo, que culmina com aincorporação de técnicas de organização da comunidade nocotidiano da profissão, a fim de alcançar um número maior depessoas.

3 O Método deOrganização daComunidadeO trabalho realizado com a comunidade desenvolveu–se

no serviço social a partir da incorporação de técnicasprofissionais aos trabalhos que já eram desenvolvidos por gruposvoluntários de obras particulares.

A necessidade de incorporar técnicas de estudos sociaisnos trabalhos com a comunidade se deve aos programas debem estar social destinados à recreação, parques e jardinspara a infância, que passaram a ser administrados por órgãosdo Governo. Estas ações anteriormente eram realizadas somentepor obras sociais ligadas a grupos religiosos.

Com a ampliação dos serviços prestados pelo estado, coma vigência do estado de bem estar social nos Estados Unidos,os programas de assistência econômica, de habitação e deaproveitamento do lazer tiveram grande alcance,desenvolvendo-se quase que integralmente com os auxíliosgovernamentais.

A base metodológica do trabalho em comunidade obedeceaos princípios do cooperativismo, onde cooperar é trabalhar

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com outras pessoas, visando um objetivo comum. Provém dapalavra latina: “cooperare”, ou seja, “cum” “operare”, outrabalhar com outro ou outros na busca de um objetivo comum.

Os valores das cooperativas estão baseados nos valoresde autoajuda, responsabilidade própria, democracia, igualdade,equidade e solidariedade. Com base na tradição de seusfundadores, os membros da cooperativa acreditam nos valoreséticos de honestidade, sinceridade, responsabilidade social epreocupação com os outros.

Os métodos cooperativos baseiam-se em sete princípiosregistrados na Declaração da Aliança Cooperativa InternacionalSobre a Identidade Cooperativa.

Estes princípios eram os que norteavam o processo deorganização das comunidades que, juntamente com o estudosocial e as pesquisas, buscavam alternativas para otimizar osrecursos para a melhoria da qualidade de vida da população,pela promoção da educação social, por meio da divulgação deações preventivas, de saúde e planejamento familiar etc. Osprogramas eram promovidos tanto pelo Governo quanto pelasorganizações não governamentais, aliando interesses, já que oobjetivo maior era a comunidade. Isso fazia com que todos osesforços fossem direcionados para tal.

Gordon Hamilton, a respeito das técnicas de organizaçãodiz: “As técnicas da organização da comunidade estão sendoconstantemente modificadas para atender a todos estesprogramas, não se tendo alterado, no entanto, os princípiosbásicos de coleta de dados, de determinação de necessidadesfundamentais e de participação integral do público nosempreendimentos que reverterão em seu benefício”.44

O processo de desenvolvimento de comunidade busca aparticipação ativa da população. O envolvimento desta, desdeo planejamento das atividades, é um dos principais momentosdo trabalho. As pesquisas realizadas com os moradores paraidentificar as necessidades precisam também ser reconhecidascomo fazendo parte do planejamento das ações.

O serviço social, assim como a Medicina, buscava aimplantação e disseminação das ideias de prevenção em saúde

44 Ibid., p. 36.

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e de promoção de educação. As melhorias de habitação esaneamento básico estavam também relacionadas aos principaisprogramas desenvolvidos nas comunidades.

A ideia destes trabalhos comunitários obedeciam a um planocom etapas, que se processava por meio de da pesquisaperiódica com cada comunidade para identificação de suasnecessidades e, posteriormente, implementação de programase recursos para a resolução dos problemas. O trabalhoprofissional dedicava-se à educação do público para o melhoraproveitamento destes recursos. Toda base do trabalho estána concepção de que o indivíduo tem responsabilidade nãosomente para consigo mesmo, mas também para com toda asociedade.

A sociedade igualmente é compreendida como responsávelem criar condições e oportunidades de progresso e de realizaçõespositivas, além de garantir a segurança protegendo as vidas eos interesses de todos os seus membros.

O assistente social, no exercício do método de comunidade,realizava seu trabalho no sentido de:

Através de seu trabalho, o assistente social auxilia o clientea ter um sentido mais realista de suas própriasresponsabilidades para com a comunidade, encorajando-ono esforço em seu próprio benefício e na integração no seiode sua família e no da sociedade.Os assistentes sociais que trabalham no campo do ServiçoSocial de Casos resistem às tentativas de classificação dosproblemas com que lidam diariamente. Sabem que não hácasos idênticos, e que é sempre um esforço intelectualseparar os atributos comuns. Por outro lado, aqueles quese dedicam a atividades de reforma social impacientam-secom o processo de individualização que, segundo sabemos,é mais lento.Entretanto, a organização da comunidade considera de modointeligente, exige tanto uma classificação quanto umaindividualização quer se trate de problemas de saúde, detrabalho ou de programas de bem-estar social.O Serviço Social cria, aos poucos, atividades decorrentes daprática dos processos básicos de Servido Social de Grupo e

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Serviço Social de Casos. As pessoas esclarecidas veem queo emprego de táticas revolucionárias para substituírem tudoque se sabe ou que se aprenderá sobre os seres humanosnão contribuirá mais para a cultura de um povo do que osprogramas que compreendem planejamento adequado,pesquisa científica, métodos de apuração e o bom sensoaplicado ao conhecimento de cada situação”.45

4 ConclusãoAs dinâmicas apresentadas pelo desenvolvimento dos

métodos de caso e comunidade revelam a importância dotrabalho de educação para a mudança social. Embora aindarevele uma perspectiva de mudanças paulatinas, incorpora anecessidade do planejamento dessas mudanças ocorrer a partirdo estudo da realidade social e com a participação ativa dacomunidade durante todo o processo.

Esta pode ser considerada a grande contribuição da áreaquando devolve para os sujeitos o direito e a possibilidade deexpressar suas necessidades, além das carências com as quaishistoricamente vinha trabalhando o Serviço Social de caso.

45 Ibid., p. 40.

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Cap. VI

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1 IntroduçãoEste capítulo está dedicado a percorrer os caminhos

realizados na construção dos saberes do Serviço Social, a fimde que seja possível compreender como se constituiu o quadroteórico metodológico do Serviço Social.

Como já estudado na história do Serviço Social, estaprofissão possui um marco de ruptura teórico-metodologicadenominado Movimento de Reconceituação do Serviço Social,sistematizados nos documentos de Araxá, Teresópolis e Sumaré,e analisado por autores contemporâneos já estudados na históriada profissão.

Uma teoria pode ser comparada, grosso modo e para finsdidáticos, com uma “lente” com a qual é possível “ver” umdado objeto com outros parâmetros que não mais os percebidossó pelo olho. Estudar um fenômeno social sem a ajuda de umalente teórica impede que o observador seja capaz de identificarelementos de complexidade, levando-o a permanecer apenascom os conhecimentos intuitivos, diretos, sem a mediação darazão. Conhecer o fenômeno social sem o uso do conhecimentoteórico não qualifica para uma ação profissional.

A produção de teoria e metodologia no Serviço Social éum tema bastante importante e controverso para problematizar.

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Como já estudado, a categoria profissional preocupa-se muitocom a construção de saberes teóricos - metodológicos, iniciandoas transformações e rupturas no Movimento de Reconceituação.Embora hoje a construção do conhecimento no Serviço Socialpossua uma maturidade e um status importante dentro dasciências sociais, as divergências não acabaram e, felizmente,a categoria profissional vem se empenhando na construção ereconstrução destes conhecimentos teóricos.

Embora não exista “a” teoria do Serviço Social, a práticacientífica e a produção de conhecimentos e saberes dãomovimento e dinamicidade ao fazer profissional, evidenciandoque o Serviço Social vem participando e promovendotransformações na realidade social a partir das suas construçõesteórico-metodológicas.

O trabalho cotidiano do Assistente Social exige estudoconstante da realidade social. A postura crítica e o espíritoinvestigativo garantem a este a compreensão da realidade emseu movimento histórico.

Para apreender o estado da arte desta produção éimportante conhecer os passos e os caminhos teóricos emetodológicos que foram até aqui percorridos. Para orientaresse estudo, destacamos artigos publicados na Revista ServiçoSocial e Sociedade e nos Cadernos ABESS, textos de algunsautores que, a partir de seus estudos e discussões emseminários e outros espaços democráticos de participação eprodução de conhecimentos, elaboraram um farto material ondeproblematizam a produção teórica metodológica, os saberes daprofissão, a partir da também necessária crítica às chamadasCiências Sociais. Neste capítulo apresentam-se estas discussõesque compõem o quadro teórico metodológico do Serviço Social.

2 A Construção da Teoriado Serviço SocialVamos partir de um artigo de João Bosco Pinto46 intitulado

“A Pesquisa e a Construção da Teoria do Serviço Social”,

46 Professor do Departamento de Serviço Social e do curso de Mestrado em ServiçoSocial do CSA/UFPE.

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publicado em 1986, na Revista Serviço Social e Sociedade nº21, para iniciar a discussão, uma vez que este coloca uma dasquestões de fundo deste debate.

Neste artigo o autor parte da questão: “poderia existir (seé que já não existe) uma teoria do Serviço Social ?”47. Pararesponder a esta provocação faz referências a construção doconhecimento científico em geral e inicia sua respostaevidenciando que o conceito de teoria também depende deposições epistemológicas divergentes, que podem ser descritasa partir de duas acepções básicas:

a) no método hipotético dedutivo, dominante nas ciências,inclusive nas sociais, e cujo posicionamento epistemológicobaseia-se no empirismo, por teoria entende-se um conjuntosistemático de proposições gerais, inter-relacionadas e quese referem (explicam) a um conjunto determinado de fatoscientíficos;b) numa posição dialética, a teoria é uma representaçãomental, de processos reais, que leva à compreensão de umatotalidade estruturada mediante a identificação das relaçõesde determinação, reveladoras do seu movimento.48

O autor explica que, na primeira concepção, a teoriareveste um caráter formal de acumulação de conhecimentos,que são resultado das observações empíricas (dados e fatoscientíficos) a níveis de abstração e generalizações cada vezmaiores. A segunda é o resultado de uma representação mentalde um processo real, com toda a riqueza de suas determinações,mas não vistas formalmente ou de modo abstrato, mas comoum todo estruturado, rico e em movimento. Destascompreensões o autor anuncia que:

Creio poder afirmar, com muitos assistentes sociais, que oServiço Social não constitui uma disciplina científica, com umobjeto especifico diferenciado e diferenciável dos objetos deoutras disciplinas científicas; apoiando-se de fato naacumulação de conhecimentos de outras disciplinas

47 PINTO, 1986, p. 47.48 Ibid., p. 47.

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(psicologia, antropologia, sociologia, economia), o ServiçoSocial pode ser caracterizado como uma prática profissional,ou talvez, como diria Boris Lima, uma ciência técnica,comparável quiçá a outras, como a arquitetura e a própriaengenharia. Como ciência técnica é uma área de aplicaçãocujo objeto não difere das disciplinas matrizes, mas que sediferencia pêlos seus objetivos práticos, isto é, pelo tipo detransformação específica do objeto com outras compartido.49

A questão sobre a cientificidade ou não do Serviço Socialfoi por muito tempo um dilema para a produção do conhecimento,uma vez que não possuía ainda uma clareza sobre o seu objeto.A compreensão de que o objeto de estudo era de domínio deuma área do saber, dificultava ainda mais sua definição, umavez que os Assistentes Sociais não concordavam com a existênciade um objeto, mas sim de vários objetos de estudo.

A premissa utilizada pelo autor revela sua concepção deciência e de cientificidade embasada no paradigma clássico deciência, onde a prática é vista de forma divorciada da teoria.Das suas conclusões indica que a pesquisa cientifica é o caminhoque irá possibilitar as construções claras de um objeto, quepossa promover a ruptura com os objetivos socialmentedeterminados para o Serviço Social em sua origem. Estasafirmações são resultado do estado atual da teoria e da produçãode conhecimentos da área, no ano de 1986. Destaca-se queesse autor não tinha formação em Serviço Social, mas comoele mesmo afirmou, essa concepção era compartilhada commuitos profissionais na época. Caracterizar o Serviço Socialcomo uma prática profissional revela uma concepção de ciênciadicotômica, pois ao retirar o status de disciplina científica epromover a prática, como faz o autor, evidencia um statusinferior à atividade profissional.

Aqueles que compartilham dessa visão não reconhecem oprocesso de trabalho realizado pelo profissional com um objetoque é construído e reconstruído a partir do reconhecimentodos dados da realidade social que está sendo estudada. O nãoreconhecimento dessa condição, necessária à realização da

49 Ibid., p. 48.

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prática, gera um equívoco na compreensão da metodologia deintervenção e da cientificidade desse saber construído.

Não é possível, diante da complexidade da realidade social,realizar uma intervenção sem conhecer e apreender asespecificidades da situação. Isso prova a inviabilidade de, naprática profissional, aplicar modelos previamente estabelecidos.Para realizar a prática profissional é necessário que o assistentesocial esteja embasado por teorias científicas que lhe permitammaterializá-las no processo interventivo.

Com a concepção de ciência sendo de domínio de algumasáreas, era reforçada a ideia de uma ação meramente executorade modelos pensados e elaborados por outras áreas doconhecimento. A tradição de pesquisa no processo de formaçãodos profissionais ainda não era uma realidade naquela época, oque explica e justifica a conclusão, indicada pelo autor, de sera pesquisa científica o que irá possibilitar a definição clara deum objeto.

Nesse sentido, entende-se que sim, ou seja, somente apesquisa e a instrumentalização para esta dimensão da práticaprofissional, desde o inicio da formação dos assistentes sociais,é que possibilitará o avanço da categoria e a qualificação daspráticas, materializadas na instauração de um “novo espíritocientífico” na visão de Bachelard.50

3 Produção Cientificado Serviço SocialCom o intuito de reclamar para a área o direito de constituir-

se com um corpo teórico cientifico que possibilitasse aconstrução do objeto no Serviço Social, encontra-se na RevistaServiço Social e Sociedade, nº 14, um texto de Safira BezerraAmmann intitulado: “A produção Científica do Serviço Socialno Brasil”. O texto originou-se de um trabalho elaborado parao CNPq51 como parte do documento “Avaliação e Perspectivas– 82: Serviço Social”. Este documento foi elaborado com a

50 Consultar Bachelard, Gaston. O novo espírito científico. Lisboa: Edições 70,1971.51 Conselho Nacional de Pesquisas, hoje Conselho Nacional de DesenvolvimentoCientífico e Tecnológico.

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colaboração de Vicente de Paula Faleiros, de Nobuco Kameymae da Comissão Executiva da ABESS52 com o objetivo deapresentar o estado da arte produzido na área do ServiçoSocial nos últimos anos, evidenciar a falta de apoio à produçãocientífica na área do Serviço Social e a insuficiência de bolsaspara pessoal docente e discente e, ainda, recomendar: “que oCNPq constitua um Comitê Assessor ao Serviço Social – aexemplo dos demais ramos do conhecimento – bem comoestruture uma garantia orçamentária destinada à área,oferecendo apoio técnico e financeiro aos seus centros deensino e pesquisa”.53

Esse documento representa a posição de vanguarda dessesprofissionais, apresentando a produção da área e o crescimentodos cursos de graduação e pós-graduação à agência definanciamento público para a pesquisa, em um esforçointencional de garantir as condições materiais e legitimas paraa continuidade da produção de conhecimento na área.

No texto, a autora, ao problematizar a construção do objetonas ciências sociais, revela a tendência nas ciências sociais deadmitir um único objeto de estudo. Esta característica resultado método científico que prega a separação de um objeto deanálise, isolando-o para, por intermédio do método cartesianode análise, separar em quantas partes forem necessária paraapreender o todo. Esta concepção de metodologia científicaresulta da definição apriorística de um objeto exclusivo paracada ramo das ciências.

Esta concepção, segundo a autora, apresenta umadicotomia entre a teoria e a prática, fundada no positivismoque “separa os que produzem conhecimentos dos que aplicamesses conhecimentos, tal tendência vinha responder a interessessociais e relações de poder reforçadores da divisão social dotrabalho54 no seio da sociedade”.55

Essa divisão resultou na classificação das áreas, sendo oServiço Social caracterizado como disciplina de aplicação (aindahoje o Serviço Social é classificado como ciência social aplicada)

52 Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social hoje; hoje ABEPSS –Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.53 AMMANN, 1984, p. 176.54 Para compreender melhor (re)consulte o capítulo 2.55 Ibid., p. 144.

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o que, segundo a autora, é a razão para o traço pragmáticoencontrado na produção da área do Serviço Social. Sem umstatus científico, o Serviço Social ficou limitado a aplicar modelosmetodológicos precariamente sustentados em conceitosadvindos das ciências sociais, mas que nem sempre eramcompreendidos em sua totalidade.

Com a emergência de correntes teóricas que aceitam astransformações e dinâmicas da realidade social, o Serviço Socialpassou a assumir a responsabilidade de debruçar-se sobre suaprática profissional a fim de produzir conhecimentos sobre osfenômenos em que vinha intervindo. A emergência de situaçõesmais complexas decorrentes das transformações sociais geradaspela industrialização, forçou os profissionais a rever seus métodose concepções de abordagem que, em face de situaçõescomplexas, exigiam-se respostas também complexas. No ServiçoSocial é necessário construir um saber que, para além de explicare compreender as situações, ofereça possibilidades detransformação dessas situações, assim é possível construir ereconstruir metodologias de ação.

Esse processo ocorre ao longo da institucionalização daprofissão e, portanto, não está acabado. Nesse sentido, é defundamental importância estudar as diversas concepções teóricometodológicas dos autores da área.

Foram transcritas partes do artigo citado que dão destaqueàs concepções de autores sobre a gênese do Serviço Social. Aopção pela transcrição se deve pela excepcional qualidade dasíntese.

A institucionalização do Serviço Social como profissão nãopartiu de um paradigma explícito e nem mesmo de um projetoprévio e precisamente estabelecido. Ela decorreu da própriaprática profissional frente aos problemas mais prementesde cada momento histórico. Processou-se a partir da atuaçãodo profissional em face de problemas que passaram a seconfigurar como campos específicos de atuação, dificultandoa estruturação de um marco de referência geral da açãoprofissional. Num determinado momento da evolução doServiço Social, os profissionais sentiram, entretanto, que eraimprescindível a explicitação do marco de referência geral

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da ação profissional. Esta preocupação ganhou maiorexpressão nos Estados Unidos a partir de 1955, que instituiuuma “Comissão sobre a prática do Serviço Social”. Para aelaboração do quadro de referência geral da açãoprofissional, a Comissão partiu da concepção do ServiçoSocial como uma disciplina de intervenção na realidadehumano-social. Este quadro de referência engloba umconjunto de elementos (objeto, objetivos, conhecimentos,valores e método), que constituem a base comum da açãoprofissional e encontram-se presentes em qualquer campoou subárea de atuação.Numa primeira fase (1930-1945), o Serviço Social sofre umainfluência indireta da corrente neotomista de caráterconservador, ortodoxo e tradicionalista, resumindo-se suaprática à assistência e orientação ao “cliente”, através dométodo de Serviço Social de caso, grupo e comunidade. Apartir dos anos 60, quando as contradições se tornam maisagudas na América Latina e quando se assiste aofortalecimento da consciência e da organização dosintelectuais e das classes subalternas, o Serviço Social passaa questionar seu papel na sociedade, seu atrelamento àsclasses dominantes, sua teoria e sua prática corretora de“disfunções” sociais. Nasce, então, na América Latina oMovimento de Reconceituação, que assume orientaçõesdistintas em contextos sociopolíticos diversos. Dentre elas,a corrente que postula a libertação social toma vulto nospaíses da América Latina onde a maturação do movimentosocial permite um salto qualitativo na reflexão e na propostado Serviço Social.Tal corrente surge como resultante do posicionamento e daação coletiva das forças sociais, vindo o Serviço Social arepresentar uma força que contribui, com sua propostaespecífica de ação profissional, para o processo global delibertação dos povos oprimidos.56

O movimento histórico geralmente é resgatado nos textosteóricos do Serviço Social. É uma característica que resiste ao

56 Ibid., p. 146.

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tempo, pois até hoje você vai identificar esta necessidade dosautores iniciarem seus textos contextualizando esta trajetória.

Essa necessidade geralmente aparece quando os autoresdedicam-se a fazer propostas novas. É quase um ritualnecessário para escrever o novo, mas a explicação mais aceitase dá pela necessidade de assumirem uma perspectiva teórica,visto que, desde o movimento de reconceituação, é comum afiliação desses autores em uma ou outra corrente teórica, ouainda, exige-se que deixe explicita a sua concepção de homeme mundo, para que seja compreendida dentro de um contextosócio histórico e político determinado. Até a década de 1990esta característica pode ser reconhecida como traço comumdos textos. Entretanto, nos últimos anos, desde o que se temdenominado como “Crise do Paradigma Clássico de Ciência”esta tendência vem paulatinamente desaparecendo.

Nas discussões mais recentes, essa concepção tradicionalvem sendo substituída por uma que conhece a dinâmica dotempo presente, e parte do princípio que já está instituída aideia de que a produção do conhecimento se constroihistoricamente e está inserida em um processo mais amplo deprodução, onde os saberes não são mais de propriedade dessaou daquela área do conhecimento.

4 A Corrente deLibertação SocialA referência ao Movimento de Reconceituação é um divisor

de águas para marcar o “antes” e o “depois” na produção doconhecimento da área e, seguramente, você vai se depararainda muito com isso.

Estas noções são importantes para que você consigaidentificar a essência do conhecimento novo que é apresentado.Neste capítulo é a emergência da corrente de libertação social,anunciada no artigo citado.

Esta corrente buscou construir uma proposta de ação comuma orientação para o que denominou libertação dos povosoprimidos. A metodologia buscava capturar na realidade socialconcreta as formas de opressão vividas, opondo-se a uma

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definição a priori do objeto de análise, proposta pelas teoriasglobalizastes que constroem o objeto a partir de uma abstraçãoteórica. A proposta continha uma possibilidade de construir ereconstruir o objeto a partir da análise da realidade global, mascontextualizada dentro de um espaço temporal determinado.

A construção do objeto para a corrente da libertação socialconstitui-se em uma produção científica do Serviço Social degrande relevância. Destacou-se do texto de Safira BezerraAmmann a descrição da metodologia da corrente da libertaçãosocial que se apresenta.

A Corrente de Libertação Social

Do ponto de vista metodológico, o objeto se concebecomo uma construção teórica e sistemática que surge daanálise do contexto global e, mais especificamente, decontradições concretas e reais que a sociedade apresentaem um determinado momento histórico. Não se trata dedefinir o objeto a partir de um esquema abstrato ideal, enem do ponto de vista pragmático, mas a partir darealidade concreta, especificamente a realidade social.Nesta linha, quando se fala do objeto do Serviço Social,está-se referindo também ao sujeito que se constroihistoricamente. Neste caso, a abordagem metodológicaproposta diz respeito à relação sujeito/objeto. O queinteressa são as relações estabelecidas pelo ServiçoSocial com os objetos de sua ação no processo deconhecimento e de intervenção, das quais a teoria é oponto de partida, e a realidade, sua referênciafundamental. As regras, as técnicas não têm valor em simesmas; elas se valorizam a partir da perspectiva teóricaque lhes dá feição e sentido.As relações sociais constituem, assim, segundo essacorrente, o objeto do Serviço Social, diferindo – segundoas posturas teórico-metodológicas – quanto ao modo deentender essas relações e de encaminhar a prática quese funda nesse entendimento.Na perspectiva da libertação social, as relações sociaissão entendidas como relações de poder, relações do homem

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com a natureza e com os outros homens, das quais podemresultar a alienação, a exploração e a dominação, quefazem do homem um ser manipulador e manipulável.A transformação da sociedade opressora e a realizaçãodo homem constituem um processo histórico que sefundamenta no movimento mesmo da realidade social.Assim, a libertação social não se realiza nem pelo, nempara o homem, mas através de da ação organizada dosgrupos dominados, no jogo das forças sociais. Este é oobjetivo geral e amplo da transformação social, na dialéticada situação e da ação.A libertação social, no entanto, não é um fenômenoespontâneo e confuso das populações, senão um processoque supõe conscientização, mobilização, organização eação política.O Serviço Social busca, nas últimas décadas, um modeloteórico-metodológico de intervenção que efetivamentecontribua para um maior grau de conscientização,mobilização, organização e ação política da populaçãocom quem se relacionam os profissionais da área, na suatentativa de transformações sociais mais amplas.Nesta tarefa de elaboração de um modelo teórico-metodológico de intervenção, é conveniente e necessárioque o Serviço Social recorra a todos os conhecimentosproduzidos pelo conjunto das ciências. Esta conveniênciae necessidade já estão ganhando ampla aceitação nosmeios acadêmicos e profissionais, ao proporem a inclusãode novas disciplinas no Currículo Mínimo do Curso deServiço Social, assim como a mudança do conteúdoprogramático das disciplinas, garantindo a pluralidade decorrentes teórico-metodológicas e o avanço dacientificidade da área.57

A síntese realizada pela autora sobre a construção doobjeto do Serviço Social revela também a concepção de gênesedo Serviço Social que, para a autora, “institucionalizou-se comoprofissão através da própria prática”. Esta perspectiva é

57 Ibid., p. 148.

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importante, uma vez que dela derivam as formulações teóricasmetodológicas do Serviço Social na contemporaneidade, queainda serão mais bem abordadas nesta obra.

Reconhecer as relações sociais como sendo o objeto doServiço Social, para a corrente que postula a libertação social,revela a possibilidade de realizar escolhas teóricas.

Esta concepção apresenta uma perspectiva pluralista paraa construção de conhecimentos na área, reconhecendo anecessidade de coexistência de correntes teóricas divergentes.Nesse sentido, as diferentes teorias que abordam as relaçõessociais geram diversas posturas teórico-metodologica que serefletem na forma como se compreende essas relações sociais,orientando a prática que se fundamenta no principio teórico.

Este enunciado que revela as relações sociais como sendoo objeto do Serviço Social, resolveu por um período o problemada falta de um objeto do Serviço Social. Não se trata deentender a proposta desta corrente como sendo uma apologiaao ecletismo ou a falta de uma postura teórica, mas apossibilidade de conceber um objeto único, garantindo apluralidade de correntes teórico-metodologicas e o consequenteavanço da cientificidade da área anunciado no texto.

A corrente da libertação social introduziu as noções teóricasdas relações sociais serem de poder exercidas “pelos homensem relação à natureza e dos homens em relações aos outroshomens”. Destas relações de poder resultam as transformaçõessociais que alimentam um processo histórico, em uma relaçãodialética de disputas e conquistas, que garantem a libertaçãoda situação de opressão social por meio de da ação organizada.Com este objetivo em mente, a ação do Serviço Social seamplia em uma proposta que transcende a intervenção direta epontual que caracterizou o trabalho historicamente, e introduzuma nova missão política que vislumbra uma proposta teórico-metodologica de intervenção que contribua para elevar o graude conscientização, organização e mobilização da população,qualificando sua ação política.

Este tipo de proposição revela o caráter pedagógico dametodologia de ação, uma vez que confere a teoria um pontode partida, não uma determinação sobre a realidade social.

Ainda que não evidenciada em nenhum desses textos, mas

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a título de referência, destaca-se que a teologia da libertaçãotambém influenciou muito, do ponto de vista teórico emetodológico, as práticas realizadas pelos assistentes sociais.Existem registros de trabalhos de assistentes sociais junto àscomunidades eclesiais de base que desenvolviam ações deorganização da comunidade. Especialmente as metodologiaspedagógicas de caráter comunitário, realizadas pelos assistentessociais, estavam em sintonia com as teorias e metodologias daeducação popular, que se baseavam no conhecimento darealidade, inspiradas pela teologia da libertação e da práticaprofissional transformadora, crítica, consciente, participativa.A concepção teórica da educação popular e da teologia dalibertação se pauta por uma postura profissional como agentede mudança, não mais de filiação pela caridade, mas uma práticaassociada à libertação e conscientização.

Na análise de alguns textos fica evidenciada (ainda quenão devidamente referenciada) a influência da pedagogia dooprimido difundida por Paulo Freire58 na América Latina.

A influência da teoria fica marcada na prática. Isso revelaa unidade teórico-metodologica. Mesmo compreendendo estaunidade, optou-se por separar, nesta obra, a teoria e ametodologia para efeitos didáticos e, especialmente, em funçãodos autores da época terem construído dessa maneira. Osautores utilizam esta forma dicotômica quando analisam aprodução do conhecimento do Serviço Social. Nosso interesseé apresentar o que existe sistematizado nessa área. Por essarazão, ainda destacamos para você fragmentos dasistematização do conhecimento feitos por Leila V. Magalhães,que anuncia a existência de uma crise no conhecimento do

58 Paulo Freire, educador brasileiro. Destacou-se por seu trabalho na área daeducação popular, voltada tanto para a escolarização como para a formação daconsciência. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história dapedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica.O Método Paulo Freire consiste numa proposta para a alfabetização de adultosdesenvolvida pelo educador Paulo Freire, que criticava o sistema tradicional queutilizava a cartilha como ferramenta central da didática para o ensino da leitura e daescrita. As cartilhas ensinavam pelo método da repetição de palavras soltas ou defrases criadas de forma forçosa.1. Etapa de Investigação: busca conjunta entreprofessor e aluno das palavras e temas mais significativos da vida do aluno, dentrode seu universo vocabular e da comunidade onde ele vive.2. Etapa de Tematização: momento da tomada de consciência do mundo, atravésda análise dos significados sociais dos temas e palavras.3. Etapa de Problematização: etapa em que o professor desafia e inspira o aluno asuperar a visão mágica e a crítica do mundo, para uma postura conscientizada.

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Serviço Social quando diz: “Quando o Serviço Social, com areconceituação, começa a sacudir a tutela do positivismo lógico,configura-se, progressivamente, a crise metodológica do ServiçoSocial”.59 Esta crise pode ser pensada de forma promissora, nosentido de que o novo vai surgir, ou de forma pessimista, ondese se estabeleça uma luta de forças para ver quem está maiscerto. Este é um risco que se corre quando se coloca um saberem questão. No Serviço Social pode ter ocorrido exatamenteessa dimensão de luta, pois em muitos textos as diferenças deconcepções teóricas e as propostas metodológicas apresentadaspelos autores são expressas como um embate. Podemosidentificar esta percepção em vários textos, dentre eles osreferenciados abaixo.

Leila Magalhães optou por classificar e separar os autorese as escolas de Serviço Social em dois blocos a saber:

• Autores que analisam a estrutura básica do métododentro do paradigma do Serviço Social tradicional: Escolade Serviço Social ‘Eivira Matte de Chuchaga’, daUniversidade de Valparaizo, Chile (1969). José LucenaDantas (1970), Ricardo Hill (1970) e Natálio Kisnerman(1972), em processo de transição.

• Autores que propõem novas alternativas metodológicaspara o Serviço Social: a equipe da Escola de Serviço Socialda Universidade Católica de Minas Gerais (1973), aUniversidade de Concepción del Chile (1973), Maria AngélicaGallard Clarch (1973), Boris Lima (1974) e Anna Augustade Almeida (1977), Nobuco Kameyama e Leila Santos”.60

Ainda nesta mesma perspectiva de classificação por blocosencontra-se no livro Objeto e Especificidades do Serviço Social,de Josefa B. Lopes61 que, após analisar as propostas de autoresde relevância, agrupou-os em duas perspectivas teórico-práticasa saber:

• A da Integração Social, representada pelos autores

59 MAGALHÃES, 1982, p. 14.60 Ibid., p. 30.61 LOPES, 1980.

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classificados por ela como positivistas, funcionalistas eestruturalistas como: Tecla M. Soeira, Lucena Dantas,Natálio Kisnerman.

• A da Libertação Social onde classificou os autores emmaterialistas históricos62 e materialistas dialéticos,representados por: Vicente Faleiros, Bóris Lima e LeilaSantos.

Existe ainda uma perspectiva teórica de concepçãofenomenológica que tem como representante Anna Augusta deAlmeida. Embora seja considerada nos textos dos documentosdos seminários que você já estudou na obra de História doServiço Social, não encontramos referências a sua propostanos cadernos ABESS que tratam da produção teórico-metodologica, nem mesmo na contemporaneidade. Isso poderepresentar ou uma adesão pouco significativa da categoria aesta corrente ou um não reconhecimento desta proposta comolegitima pelas organizações da categoria, ou ainda a fragilidadeteórico-metodologica. Fica aqui o registro desse trabalho.

5 ConclusãoEm síntese, estas teorias apreendidas sobre a ótica do

Serviço Social constituíram-se na base das formulaçõesmetodológicas do Serviço Social reconceituado.

O salto qualitativo que representam para a acumulação desaberes deve-se, principalmente, pela incorporação de umnumero maior de elementos a ser considerado pelo profissional,bem como a introdução da ideia de que é a visão de homem emundo do profissional que orienta a escolha teórica quepossibilita a construção da metodologia de ação.

62 Os dois elementos principais do marxismo são o materialismo dialético, para oqual a natureza, a vida e a consciência se constituem de matéria em movimento eevolução permanente (interdeterminação das coisas reais, unicidade eindivisibilidade do real); e o materialismo histórico, para o qual o modo de produçãoé a base originária dos fenômenos históricos e sociais, inclusive as instituiçõesjurídicas e políticas, a moralidade, a religião e as artes. Vários marxólogosdemonstram que o termo materialismo dialético, esboçado por Engels e desenvolvidopor Lênin e Trotski, é uma expressão inexistente na obra de Marx, que, por sua vez,utilizara apenas o termos dialética e método dialético.

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Esse aspecto admite o movimento dialético da sociedadee revela o caráter científico da disciplina profissional, rompendocom a ideia de um fazer mecânico de reprodução de modelosmetodológicos e uma formação baseada do treinamento de usode técnicas, inaugurando a construção do conhecimento a partirdo contato com a realidade empírica.

Este marco evidencia a peculiaridade de um fazer pautadopor uma postura analítica e crítica das relações existentes nasociedade e a influência das transformações da ação humananos rumos da história.

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Um

a concepção teóricada reprodu

ção das relações sociais

Cap. VII

Uma concepção teóricada reprodução das

relações sociais

1 IntroduçãoNeste capítulo introdutório serão abordados aspectos

teóricos e conceituais necessários, principalmente para acompreensão mais apurada do esforço dos autores em construirmetodologias em sintonia com as teorias de orientação marxistaspróprias da época e exigidas pelo movimento de reconceituação.

É importante salientar que esses esforços em traduzir osconceitos teóricos da corrente marxista nem sempre forambem sucedidos, em parte pelas limitações impostas pelo regimede ditadura militar que dificultava o acesso as obras de Marx,em parte por terem muitas vezes adotado um “tom” político eideológico que os afastava da produção de metodologias eaproximava-os de um discurso panfletário.

As tentativas de exemplificar apresentam-se como umasimplificação da teoria e dos conceitos e da realidade socialexistente, a fim de tornar visível no cotidiano dos alunos algunselementos relacionados à análise marxista, e devem ser lidasno contexto didático para o qual foram construídas.

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Cap. VIII

A metodologiado Serviço Social

1 IntroduçãoO texto revela as principais problematizações realizadas

no seio da profissão a cerca da metodologia do serviço social.Para tanto, é necessário compreenda-las de forma nãodissociada da teoria, embora para efeitos de didáticos eobedecendo a uma característica da ciência que na épocafazia esta divisão.

Na atualidade, você não verá mais formulações só teóricasou só metodológicas. Ao passo que o processo de formaçãoavance você poderá perceber que os aspectos teórico-metodológicos serão apresentados de maneira a não dissociaresse processo em um esforço de materializar a teoria na prática.

A importância do capítulo está no desvelamento de comoacontece o movimento de uma produção científica na área,que não se restringe somente na ação direta e solitária doprofissional, mas que se processa na ocupação dos espaçospolíticos e democráticos existentes na categoria profissionalpara ser validado como uma prática que revela sintonia com oprojeto ético político da categoria, além de revelar a existênciade organismos representativos que exercem a função de mediare sistematizar os conhecimentos produzidos.

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2 A Construção daMetodologiaOs esforços em qualificar a produção do conhecimento da

área estão expressos ainda na publicação do Caderno ABESSnº 3, de 1989, em uma edição destinada à discussão daMetodologia no Serviço Social. Na primeira parte deste cadernosão apresentados os resultados de uma pesquisa, realizadanum esforço conjunto entre o Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católicade São Paulo e a Associação de Ensino de Serviço Social(ABESS), para analisar as principais tendências presentes nacompreensão da metodologia do Serviço Social e seusdesdobramentos no processo de ensino e formação profissionaldos Assistentes Sociais. Este tipo de iniciativa evidencia apreocupação da categoria profissional em monitorar e identificaras lacunas existentes nesta disciplina, constituindo-se em temasde relevância cientifica e social para futuros estudos e pesquisasnos programas de pós-graduação.

Na segunda parte do caderno estão registradas ascontribuições de diversos autores da área e os debates ocorridosno “Seminário Nacional sobre Ensino de Metodologia no ServiçoSocial”, realizado na PUC-SP, no período de 11 a 15 de abril de1998.

Destacam-se destes textos o de Nobuco Kameymaintitulado: “Metodologia: Uma Questão em Questão”, ondeescreve sobre a concepção de teoria e metodologia, seguindoum caminho de explorar alguns pontos que identifica comorelevantes, uma vez que têm sido abordados em diversasdiscussões, quais sejam:

• A mediação;• A concepção de teoria e metodologia;• A existência de teoria ou teorias no Serviço Social;• A diferença entre especificidade, identidade eparticularidade do Serviço Social.

Outro ponto importante do texto é onde o autor faz

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considerações sobre a compreensão da teoria ser diferente daprática, expressa na “velha” frase: “na teoria é uma coisa e,na prática, outra”, tão proferida ainda hoje pelo senso comum,o que evidencia as condições ainda incipientes sobre a apreensãodas teoria e da metodologia como resultados de uma totalidade.O autor destaca que esta totalidade é uma especificidade dateoria marxiana:

A teoria marxiana tem uma especificidade na medida em queé a única teoria que resgata a totalidade e que também colocaa questão da transformação. O que vem a ser essa teoria?Pode-se dizer que a teoria é a forma de organização doconhecimento científico que nos proporciona um quadrointegral de leis, de conexões e de relações substanciais numdeterminado domínio da realidade. É um sistema derepresentações, ideias, referentes à essência do objeto, asuas conexões internas, às leis do seu funcionamento e aosprocessos e operações no domínio teórico e prático darealidade. A teoria consiste também num conjunto de princípiose exigências interligadas que norteiam os homens no processode conhecimento e na atividade transformadora. Por isso,então, na teoria marxiana a questão do conhecimento estáinternamente ligada com a questão da transformação. Oconhecimento visa a transformação que é a prática social. Aprática social, aqui entendida num sentido do mais amplo,não se reduz à prática profissional, pois esta constitui umadimensão da práxis70 entendida como totalidade. No entanto,a teoria em si não transforma o mundo. Ela pode contribuirpara a transformação desde que seja assimilada por aquelesque, através de atos reais e efetivos, visem tal transformação.Esta ação efetiva de transformação é a prática entendida comoatividade racional e social dos homens na transformação da

70 De acordo com Vasquez (1977) a práxis compreende prática produtiva, práticapolítica e a prática do conhecimento ou investigativa. Existe no entanto umadistinção entre essas três práticas. A prática na produção material, ou seja, apráxis produtiva, é a práxis fundamental, porque nela o homem não só produz omundo humano e humanizado, mas transforma a si mesmo. É o trabalho que ohomem realiza sobre a natureza – relação homem/natureza. Trata-se portanto deum “processo de transformação material da natureza e deve-se entender, também,que ao final do qual” se produz um resultado que já existia idealmente (cf. Marx,1980).

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natureza e da sociedade. Essa prática se efetiva na produçãomaterial, na atividade social e política e na investigação (oque chamamos de prática de conhecimento)”71

Os principais esclarecimentos que o autor faz neste artigosão a respeito da unidade indissolúvel da teoria e prática, acompreensão e aceitação dessa premissa da totalidade evitaque seja reproduzida a dicotomia fundada pelo funcionalismo.A importância da teoria marxista para o avanço do saber naárea é indiscutível, face ao sentido existente nas suasexplicações dos fenômenos sociais admitirem a ação do homeme a possibilidade da transformação social ser realizada pelaação política na prática social. Além dessas explicações,apontava um caminho, uma proposta de futuro onde ascondições de vida do homem caminhariam para a liberdade.

Chama a atenção ainda para o equívoco existente no seioda profissão quando se dedica à articulação entre a teoria e aprática, um esforço empreendido por muitos profissionais nointuito de romper com a dicotomia. O autor revela que oimportante é conceber essas dimensões de forma indissolúvel,reconhecendo o movimento dialético na ação do homem nasociedade e sobre a natureza. Esta postura garante a unidade.

Nesse sentido pode-se dizer que a prática é o fundamentoda teoria, ou seja, o ponto de partida e a base principal esubstancial do conhecimento. O próprio conhecimento sedesenvolve com base na prática, pois o conhecimento e asciências surgem e se desenvolvem devido às necessidadesda prática, às necessidades da vida. Na 8ª tese sobreFeurbach, Marx afirma: “Toda vida social é essencialmenteprática. Todos os mistérios que induzem a doutrina domisticismo encontram sua solução racional na práxis humanae na compreensão dessa prática”. Quando se afirma:“Devemos partir da prática”, essa prática deve ser entendidaa partir de categorias mais globais. Na prática colocam-se àprova os conceitos e as teorias, estabelecem-se a suaveracidade ou falsidade, precisam-se e sistematizam-se os

71 KAMEYMA, 1989, p. 100.

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conhecimentos.72

A condição de processo contínuo no desenvolvimento doconhecimento forja o caráter provisório das teorias emetodologias em função dessa unidade teoria-prática.

Embora a teoria tenha na prática a sua essência e o moteda sua dinâmica, a teoria também alimenta a prática social pormeio de da condição de anunciar os caminhos promissores paraa transformação social. Admitindo essa unidade, garante-seque “se na prática a teoria é outra” conforme referimosanteriormente, a teoria precisa voltar a alimentar-se da práticapara ser capaz de apreender o processo de transformação queocorreu pelo movimento da ação social.

3 O Método DialéticoAs considerações do autor sobre a metodologia referem-

se à distinção que deve ser feita entre a metodologia doconhecimento e metodologia de ação, necessária a compreensãode que “a prática do Serviço Social é diferente da práxis, dentroda concepção marxista”.73 Estas distinções são necessárias,visto que existe um risco de se abordar como se fossem amesma coisa. É fundamental compreender que a práticaprofissional também faz parte da práxis social.

A metodologia, ou método do conhecimento, é analítico esistemático utilizando os critérios da indução e da dedução,como já foi referido anteriormente, o que revela a forma deobter o conhecimento. A indução é o movimento que vai doparticular para o geral, ao passo que a dedução faz o caminhoinverso, do geral ao particular, que gera a teoria.

Na metodologia da ação, o método utilizado também éanalítico, e está imbuída da teoria, das “lentes”, que possibilitamao profissional apreender as particularidades e as singularidadesde uma determinada situação. Acontece que a teoria sematerializa na prática quando ocorre um trabalho de mediação.Em síntese, o que o autor defende é que:

72 Ibid., p. 101.73 Ibid., p. 101.

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Há um método do conhecimento que cria uma teoria, masessa teoria precisa ser transformada em prática, através dasmediações adequadas. O que vem a ser mediação? É exata-mente a relação entre o mediato e o imediato. Como se fazessa mediação? Há todo um procedimento que seria aorganização dos materiais, organização das consciências,plano concreto de ação, reconhecimento das condiçõesmateriais, pesquisa, análise de conjuntura. Feita a análisede conjuntura entra-se com a estratégia e tática e com osprocedimentos metodológicos ou as formas pedagógicas quepode se chamar de instrumentalização. Isso é o método deconhecimento. Na teoria marxista o método de conhecimentosó tem razão de ser quando há relação com a prática. E aprópria transformação vira uma nova realidade a qual precisase conhecer de novo. Então, é um processo dialético. A práticafundamenta a teoria e a teoria orienta a prática.74

A escolha do método está condicionada à realidade sociale aos objetivos, isso conecta o método á teoria. A análise émediada pelo conhecimento abstrato que, no caso da teoriamarxista, está relacionado ao movimento histórico da realidadesocial. A realidade social é dada, determinada pelas relaçõesde produção no processo no capital x trabalho. O que possibilitaa mediação é o processo que envolve a prática social e seuobjeto.

O método dialético possibilita uma análise critica, a medidaem que não aceita o fenômeno a partir das aparências imediatas,vai mais além, e compreende o fenômeno dentro de umaperspectiva histórica, admitindo as contradições como partedeste fenômeno. Os condicionamentos históricos sãoevidenciados por meio de da prática social que contém a teoriae a prática indissociavelmente, uma vez que ela, no confrontoda realidade social, se transforma.

Note que a realidade histórica não é estática, elapotencialmente pode ser transformada, pois os determinismoshistóricos não se referem a todos os tempos, e a todas asdimensões da realidade. Existe a realidade social objetiva, masainda existe uma realidade social subjetiva, onde a ação do

74 Ibid., p. 105.

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homem sobre os homens e sobre a natureza, garantindo atransformação. O homem é o agente de mudanças, pois ele é oseu criador. A realidade que existe foi criada pelo homem, oque oferece a ele a possibilidade de romper com o que estáfeito e instaurar uma nova determinação, que é institucionalizadapor meio de da prática social, os seja, pelas estruturas quegarantem a operacionalização das ideias.

Outro aspecto fundamental para o método é ter no objetode sua ação a realidade social com toda a sua complexidade edimensões. A compreensão da prática social e da realidadesocial como uma totalidade significa dizer que em diferentesobjetos a totalidade existe. Sendo assim, não importa qualconjunto de relações vamos delimitar como o objeto de análise,pois a totalidade da realidade social está contida em todas asrelações sociais manifestadas, sejam elas familiares, de trabalho,religiosas, de amizade ou as relações econômicas, sociais epolíticas.

Kameyma explicita o objeto do Serviço Social em umaperspectiva marxista como sendo:

“na perspectiva marxista, quando se fala no objeto do ServiçoSocial, estamos referindo-nos também ao sujeito que seconstroi historicamente. A abordagem metodológica, nestecaso, diz respeito à relação sujeito/objeto. O que interessasão as relações que o Serviço Social estabelece com o objetode sua ação no processo de conhecimento e da intervenção,dos quais a teoria é o ponto de partida e a realidade suareferência fundamental. As regras, as técnicas, não têm valorem si mesma, elas se valorizam a partir das perspectivas quelhes dão feição”.75

O destaque principal fica na definição do objeto que dizrespeito às relações sujeito/objeto. Esta perspectiva, porconceber o sujeito histórico, permite alcançar um nível abstratomaior, o que possibilita a compreensão da realidade social emum movimento dialético onde a teoria/prática resulta em umasíntese de nova concepção teórica-prática da realidade.

Ainda na segunda parte do caderno, o texto de Vicente de

75 Ibid., p. 106.

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Paula Faleiros intitulado: “A Questão da Metodologia em ServiçoSocial: Reproduzir-se e Representar-se” é uma importantecontribuição para a apreensão da concepção teórico-metodologica do Serviço Social.

Faleiros tem uma abordagem distinta da de Kameyma eestá destinada, segundo suas palavras, a “fazer uma reflexãodo desdobramento das condições e das práticas de trabalhodos assistentes sociais num contexto histórico determinado”.76

Curiosamente, o inicio do texto registra uma situação deencaminhamento de uma criança para uma unidade da FEBEMe o registro das impressões dela sobre a forma de como foiatendida pelos profissionais do Serviço Social. Na sequência, oautor faz uma ressalva quanto a quem não se destina o texto:“não é dirigido à tribo dos filósofos que considera o núcleometodológico como hardware, como equipamento disponível paraprocessar qualquer realidade”.77 Este início, um tantocontroverso, parece sugerir uma “resposta ou provocação” aoutros autores.

Na sequência do texto o autor se propõe “a compreendere explicar o processo de trabalho social nas relações complexasem que se dá a prática”78. Defende a necessidade de umareflexão dialética que tem a crítica como instrumento depenetração “nos meandros da produção de uma atividadeprofissionalizada, institucionalizada e organizado no contextopolítico das relações capital e trabalho”79.

Sua abordagem parte da necessidade de se conhecer oespecífico da profissão, uma dimensão que, segundo ele, não élevada em conta pelos marxistas, quando define que: “oespecífico da profissão só se torna específico na medida emque é visto nas relações mais globais da sociedade, onde adquirepresença na dinâmica dos conflitos de manutenção etransformação da ordem social capitalista”80. Aponta em umadireção que fala de dentro da profissão, mas considerando oquanto esta contém a representação social da sociedade comoum todo. Não existe específico sem consentimento do geral.

76 FALEIROS, 1989, p. 132.77 Ibid., p. 132.78 Ibid., p. 133.79 Ibid., p. 133.80 Ibid., p. 134.

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Note que nesta definição de específico, o que é do ServiçoSocial não está descolado da realidade global, pelo contrário,só se constitui na especificidade se a sociedade aceita comorepresentação este específico. Grosso modo, o específico édado pelo conjunto da sociedade e não definido a priori,teoricamente. Para ilustrar Faleiros exemplifica:

Com relação à questão de mediações, é a sociedade quearticula todas essas relações para apreender as suasespecificidades. Na prática de um arquiteto, a sociedadearticula a construção de uma casa, através de inúmerasmediações que não exigem a presença do arquiteto, nem doengenheiro, a saúde não precisa do médico. Ao pensar emestruturar a mediação, há uma formulação consistente dealternativas que o profissional pensa. O assistente social nãovai constituir essa mediação mas vai intervir nela, pensando-a e fundamentando alternativas. O assistente social não vaisozinho mudar a política, assim como o arquiteto não muda apedra, mas vai trabalhar as mediações de tal forma que tragaao interesse do usuário as alternativas não só eficazes, masautogestionárias, mais articuladas com a vida social e maisvantajosas em termos de reprodução.81

A menção da especificidade do Serviço Social é um pontoimportante, pois, diante da complexidade da realidade social,para compreender como ocorrem as relações do homem com anatureza e com os outros homens, considerando que o objetodo Serviço Social seja as relações sociais, é preciso demarcaruma especificidade que precisa ser mediada pela realidade.Considerando a existência de especificidade, concebe-setambém a existência de uma generalidade. Sobre a generalidade,o autor posiciona-se diante de que esta se “constitui no modode produzir o mundo e de se reproduzir a si mesmo”82:

A generalidade é construída como categoria histórica negada,e realizada no particular, superada nas mediações das

81 Ibid., p. 135.82 Ibid., p. 135.

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relações, na maneira de ser singular. Assim, é preciso que areflexão sobre a metodologia supere tanto o formalismo dasetapas preconcebidas, dos elementos preestabelecidos numaestrutura rígida, como o empirismo do “vamos-ver o que éque dá.83

Sugere ainda rejeitar o ecletismo84 que considera comouma perspectiva que retira a vida a e dinâmica da realidade.No seu entendimento, o ecletismo não possibilita uma direçãoou ainda representa um fazer desprovido de critica. Reconheceque o “empirismo tem consistido em uma experimentaçãoinspirada nas situações pessoais, na projeção de cada caso acada hora”85, no sentido de desencorajar esta abordagem, quereforça o caráter pragmático da área e enfraquece a construçãodo conhecimento teórico.

Em um esforço de evidenciar os obstáculos que aindaexistem para a formulação de uma metodologia mais consistente,faz referências aos resultados da pesquisa realizada sobre oensino da Metodologia, destacando desta a dificuldade desuperação das concepções de caso, grupo e comunidade noprocesso de formação profissional, ainda em 1987, creditandoao ecletismo que “posiciona lado a lado, sem crítica,funcionalismo, fenomenologia e dialética”86 a responsabilidadepela manutenção desta visão tripartite no ensino dametodologia.

Sua preocupação é com a falta de postura crítica quandose aborda cada uma das teorias sociais, que se refletiram naprodução do conhecimento do Serviço Social. Como já foiexplicitado, o Funcionalismo e o Materialismo (muitas vezesreferido como marxismo ou marxista ou materialismo dialéticona produção do Serviço Social e das ciências sociais em geral)são as correntes que mais são citadas devido ao fato de que ofuncionalismo está na base de todo o conhecimento produzidoantes do movimento de reconceituação e foi justamente esta83 Ibid., p. 136.84 Ecletismo é uma proposta que busca a conciliação de teorias distintas. Pode serconsiderado também uma reunião de elementos doutrinários de origens diversasque não chegam a se articular em uma unidade sistemática consistente. Abordagemfilosófica que consiste na apropriação das melhores teses ou elementos dos diversossistemas quando são conciliáveis, em vez de edificar um sistema novo.85 Ibid., p. 136.86 Ibid., p. 137.

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corrente a mais “atacada” em contraposição a “nova” teoria,que é a marxista.

O que se pode perceber desta postura beligerante emrelação ao conhecimento produzido com base no funcionalismoé que este foi deixado de lado, negado. Por um bom tempo lerum livro dito funcionalista era motivo para desprezo. Isso fezcom que a produção da gênese do Serviço Social e,consequentemente, sua especificidade, aquela reconhecida pelasociedade, tenha sido negligenciada. O fato é que, mesmosendo negada no seio da profissão, continua sendo atribuída aprofissão historicamente e, assim, passa a ser reproduzida pelosprofissionais no exercício da intervenção.

Como a intervenção (prática) ainda utiliza os mesmosinstrumentos e técnicas, não constroi um simbolismo novo capazde superar a aparência do seu fazer. Na aparência, a profissãofica reduzida ao uso dos instrumentos. Não é incomum quandose pergunta para um usuário dos serviços o que o AssistenteSocial faz e ele responder que faz entrevistas, visitas domiciliarese grupos, e que atende muito bem, diferentemente do restantedos funcionários. Os usuários não conseguem alcançar um nívelde entendimento sobre o que é que faz a diferença no atenderbem. Não fica evidente que é uma postura de reconhecimentode direitos, não fica explicita a mediação no acesso ao direitoa assistência. Isso reforça na generalidade e,consequentemente, no específico de que a “Assistente Socialé ainda a moça boazinha que ajuda os pobres”.

A proposta de Faleiros é de que seja feita a leituracontextualizada, crítica destas obras, para evitar a reproduçãodo caráter ideológico existente em toda a teoria. Chama aatenção para o risco de simplesmente adotar uma teoria comoverdade absoluta sem crítica e operacionalizá-la mecanicamente.Nesse sentido, defende que tanto o funcionalismo quanto adialética são resultado de uma determinação histórica e foramconcebidos claramente em oposição e que, por esta razão,orientam para resultados opostos. O fato de identificar essascontradições não resulta na produção do novo, sendo apenasa constatação do óbvio.

A construção de conhecimentos novos que deem conta dedesenvolver novas metodologias requer um movimento mais

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profundo, onde os fundamentos das teorias sejam colocadosem discussão, sejam falseados, não concebidas como verdadesabsolutas, teorias certas ou erradas. O autor sugere rompercom o predefinido e propor novas estratégias possibilitadaspela “análise da conjuntura, das forças, do objeto do ServiçoSocial e da instituição, tanto teórica como pratica”.87

Faleiros defende também a ideia de que o objeto precisaser construído e reconstruído a partir do estudo da realidadesocial imediata, mediada pela teoria.

Feita esta advertência, o autor passa a apresentar a suaproposta de metodologia a partir do seguinte questionamento:– Como desenvolver, então, esta reflexão do objeto, daconjuntura, das forças sociais no capitalismo?

A resposta a esta questão tão pertinente foi parcialmentetranscrita no quadro a seguir, dada a relevância do conteúdo eda proposição metodológica de Faleiros ainda nacontemporaneidade.

(...) Nas relações capitalistas de exploração e de dominaçãoexistem inúmeras mediações para a produção articulada daestrutura e dos sujeitos, da totalidade, das condições geraise dos cenários específicos. Não cabe aqui discursar, aindamais, sobre a relação de exploração, mas sobre a mediaçãoexercida pelo Serviço Social neste contexto. Como produtoda sociedade o Serviço Social consiste na mediação entre aprodução material e a reprodução do sujeito para estaprodução, e na mediação da representação do sujeito nestarelação. A mediação da reprodução implica o trabalho e oprocesso de se manter a sobrevivência da força de trabalhono cotidiano. Esta manutenção, no entanto, se apresentade forma separada entre as condições da produção e asobrevivência, pela disjunção realizada entre trabalho econdições de vida (Grevet, 1976). Esta disjunção decorreda forma capitalista de apropriação dos meios de produçãoque transforma o trabalhador em vendedor da força detrabalho e comprador de bens de consumo. Embora nãoconsuma sem trabalhar nem trabalhe sem consumir, a esferada produção lhe aparece separada da reprodução, no

87 Ibid., p. 119.

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espaço, nas suas organizações, no dia a dia. Além disso,esta disjunção se manifesta na atribuição de recursos paraa sobrevivência fora do processo de pagamento do trabalho,aparecendo este como manutenção do não trabalho, ou seja,do excluído da produção. Tanto pode ser pelo desemprego,como pela doença, pelo acidente, pela velhice, pelaseparação conjugal, pela migração, pela “menoridade”. Onão trabalho, no capitalismo, entretanto, não dá “direito” àsobrevivência, apesar de o sistema não absorver a todosque queiram trabalhar e estigmatiza-os como vagabundos.A sobrevivência do “não trabalhador” (deve-se entender aexpressão “não trabalhador” como o excluído da produçãopelas condições impostas pelo capital em cada conjuntura)no capitalismo deve ficar às custas da família ou sob a formade ajuda temporária inferior ao salário (Faleiros, 1987). Suatransformação em direito é um processo econômico e políticode mudanças no capitalismo e nas relações de força. As crisesde produção/consumo e as lutas sociais dos trabalhadoresforçaram a garantia de uma prestação mínima através deformas variadas como seguro, subvenções, prestações deemergência, transferências a fundo perdido (Faleiros, 1987).Se a sobrevivência do trabalhador pelo salário é dura e difícil,a do “não trabalhador” não se mediatiza no mercado detrabalho e de consumo, mas num “mercado político”, que ocoage a trabalhar, sem podê-lo fazer, ou a submeter-se àobtenção de recursos fora das relações de trabalho, atravésde instituições. A mediação da sobrevivência se constroi numprocesso político complexo, combinando benefícios e coerção,que avançam e recuam conforme conjunturas, lutas e crises.O benefício aparece como separado da produção, como atoapenas de reprodução.Esta mediação do benefício é um processo de relações deforça, pois pode assumir a forma autoritária da outorga(quem dá, ostenta e define o que dá) ou a forma daconquista. Outorga e conquista, no entanto, não sãocategorias cíclicas simplificadoras das relações de força, masformas de relações que atravessam a mediação dareprodução.Nesta mediação a dinâmica da reprodução não se reduz ao

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gesto de doação, que é uma estratégia do dominante quedoa diante da fraqueza do dominado. Este, então, pede,implora, demanda, se submete à espera e ao resultado. Aestratégia do dominado é resultante de sua força ou de suafraqueza. A sobrevivência no cotidiano implica assim relaçõescomplexas tanto com o Estado, como com diversosorganismos privados de assistência. O intelectual queorganiza, que conecta o “não trabalhador ou otemporariamente excluído da produção” com o Estado e osorganismos de assistência é o Assistente Social. Ele ou elarecebe ou informa, seleciona, encaminha, aceita, rejeita,administra um lugar, um dinheiro, uma informação, umprocedimento, um prontuário. Ela, por sua vez, se encontrasubmetida a normas de políticas, e não controla as principaisdecisões sobre recursos, em geral reduzidas. A reproduçãoé desvalorizada frente à produção. Reproduzir-se é meiopara produzir na lógica do capital; já na lógica do sujeito oproduzir é meio para reproduzir-se.88

A produção e reprodução problematizada por Faleiros refere-se à necessidade do ser humano de produzir (gerar produtos)para ser capaz de se reproduzir (continuar vivo, criar os filhos).A produção da vida material se dá na sociedade capitalistapela relação capital x trabalho que se materializa por meio doassalariamento.

Simplificando, na sociedade capitalista o valor estácolocado como mediador da relação de forças existentes. Odono do meio de produção possui a máquina, mas precisa dooperário para realizar o processo de trabalho, e o operárioprecisa da máquina para realizar trabalho e gerar um produtoque, para o operário é o salário, e para o capitalista, o lucro. Ainterdependência está colocada e o equilíbrio parece possível,mas no cotidiano sabemos que tal equilíbrio está longe de existir.

As formas de se operacionalizar o jogo capitalista é perversoe faz desaparecer a importância do trabalhador nesse processo.O desemprego não é mais um fantasma que assombra otrabalhador, e sim uma realidade. Este processo impõe um ritimoacelerado nas perdas e precarização do trabalho que força os

88 Ibid., p. 120 – 125.

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trabalhadores excluídos do mercado formal a acessar osprogramas assistenciais, que são operacionalizados na suamaioria por assistentes sociais. Novamente a realidade evidenciao trabalho junto às condições de pobreza e de miserabilidade.

As mediações possíveis ficam por conta de realizar umtrabalho de forma a atender o cidadão com dignidade e mediara informação e a aceitação da assistência como um direitoconcedido num contexto de exclusão, junto à população queacessa o direito de forma mais ampla na sociedade, difundindoa concepção de assistência como um direito e não como umabenesse, uma esmola. Muitas pessoas ainda olham o trabalhadordesempregado como vagabundo, e não como um trabalhadorque foi descartado pelo perverso jogo do capitalismo.

A mediação, assim concebida, também vai sendotransformada, a medida em que mudam as relações sociais eas nossas representações sociais em relação ao objeto damudança. Nas palavras de Faleiros:

“A mediação da sobrevivência nas condições dadas pelo capitalvaria de acordo com a conjuntura política e as relações deforça condicionadas tanto pela formação do bloco dominantecomo do bloco dominado e pelas crises do sistema esubsistemas capitalistas. Em época de crise também seagudiza a questão da sobrevivência. A organização do blocodominante também vai definir o direito e o dever do nãotrabalhador, ou do excluído do trabalho no confronto com aorganização do bloco dominado. Este confronto é mediadopela formação de associações, grupos, elaboração deestratégias de pressão e contrapressão, alianças emobilizações mais ou menos fundadas em estudos e teoriasque orientam estratégias e táticas”.89

As estratégias e táticas referem-se às formas que cadagrupo social “dominante” e “dominado” apresentam-se diantedo “jogo”. Estas estratégias apresentam-se de formacontraditória, em uma luta ora da negação, ora da identificação.

No cotidiano isso aparece representado por discursos

89 Ibid., p. 122.

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meritórios que são proferidos tanto pelos dominados quantopelos dominantes. A melhor representação são os chamados“casos de sucesso” que narram histórias de sujeitos pobres,que acenderam socialmente por meio de muito trabalho e deuma atitude empreendedora. Nesta narrativa existe umaidentificação do trabalhador com este empresário. O sujeitonão se dá conta de que as condições que cada um tem sãodiferentes, faz uma identificação pelo que aparentemente osassemelha, sem uma mediação.

A mediação é possível quando podemos construir umacompreensão do imediato com o mediato90. Esta é uma ação dereflexão que precisa ser orienta por um método capaz de traduzirpara a realidade aquilo que se apresenta abstratamente. “Ointelectual que trabalha a mediação da representação articuladaà reprodução é o Assistente Social. É uma de suas tarefasdesafiar e retraduzir a representação do dominado na visibilidadedo dominante”.91

Nas greves ou invasões as estratégias são outras, assimcomo no pacto social onde todos estão lutando pela mesma“causa”. Assim, as classes se representam por meio de processoscontraditórios de identificação e de resistências que sãoperpetuados por intermédio de diversas manifestações. Estaspodem ser da cultura familiar, cultura empresarial, culturaétnica, dos valores individuais, coletivos, religiosos, do modode vida cotidiano, das músicas, novelas. São múltiplas as formase apresentam-se de maneira heterogênia. A este conjuntodenomina-se ideologias das classes sociais. Estas vão pouco apouco construindo identidades, que não são reconhecidas deimediato, sem uma mediação política que implica tomar partedo poder para si ou capturar a existência do seu poder narelação de forças.

A identidade, seja de classe ou de categoria social, não émecânica. O sujeito precisa de mediações para compreender-se como parte desse processo. Não são todas as mulheres quese engajam na luta pela igualdade de gênero, por exemplo. Sermulher não credencia o sujeito para a luta pela igualdade; énecessário que ela se reconheça fazendo parte desta luta,

90 Recorde o capítulo 1 sobre a construção do conhecimento.91 Ibid., p. 124.

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garantindo-lhe o poder para o enfrentamento da desigualdade.Este “fazer parte” outorga aos sujeitos sociais o poder

que foi retirado da relação. Com o poder “de volta” para osujeito de direito, este então lança mão das estratégias etáticas para expressar-se, aliar-se, refletir, recusar, dispor desi, definir demandas, explicitar o adversário e marcar um campode disputas políticas resultando nas posições heterogêneas docenário social.

A mediação realizada pelo Assistente Social está assimligada à necessidade de conhecer profundamente como a culturae a ideologia de uma determinada comunidade, de uma famíliae da sociedade como um todo vai sendo reproduzida a fim deabsorver as mudanças. Nesse processo, é importante identificaro que não está variando, quais as estruturas que estãocomandando a aceitação sem luta, o que faz com que a sociedadecontinue pensando, acreditando e reproduzindo esta ideologia.Por exemplo, a ideia de que “para quem quer trabalhar sempretem serviço” é uma frase que ouvimos com muita frequência.Quando se discute o direito a assistência para o desempregadoou os investimentos em políticas de redistribuição de renda (osfamosos programas “bolsa”), estas representações são“ahistóricas”, ou seja, não concebem o processo de exclusãogerado e intensificado pelo poder do capital, não concebem anecessidade das garantias de seguridade, a aposentadoria, oseguro doença, enfim, conquistas da classe trabalhadoraenquanto se reconhece como trabalhadora. Estes estatutossão o que conferem um status de classe trabalhadora.

A medida em que o emprego (usado normalmente comosinônimo de trabalho) vai sendo extinto da nossa sociedade(uma realidade presente), as concepções sobre trabalhoigualmente precisam ser reconsideradas. Isso envolve ainstituição de uma nova concepção de trabalho, uma novaidentidade para os trabalhadores. Este trabalho de mediaçãona cultura e com a cultura no regate da identidade é referidopor Faleiros como:

O resgate da identidade se produz através de um processosocioafetivo de relações complexas envolvendo mitos, valores,sentimentos, poderes, discriminações. Estas relações não se

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esgotam nas relações de classe e de exploração, masconstituem reforços a elas ou forças de superação dasmesmas. Existe uma superposição intrincada de dominaçõesque faz com que, por exemplo, se torne muito mais difícilencontrar emprego para um negro do que para um branco,para um nordestino do que para um gaúcho, para umhomossexual do que para um heterossexual.Os mitos da sociedade capitalista são formas de sedespolitizar (Barthes, 1982: 163) a fala, purificando,inocentando as relações sociais e dando-lhes um caráternatural e eterno.No cotidiano as relações entre ricos e pobres, brancos enegros, mãe e filho, religioso e ateu são transformadas emmito quando naturalizadas, simplificadas, sem mediaçõespolíticas, culturais, econômicas, ideológicas. O mito doconquistador, do sábio, do “representante de Deus” influi eperpassa o mundo cotidiano servindo à estagnação, aocongelamento da ordem vigente.Desmistificar é um processo de politização: desordenar onaturalizado pelo socializado e pelo histórico e o congeladopelo pôr-se em ação e pelo ver-se na ação histórica, natransformação das relações sociais.92

4 ConclusãoA proposta metodológica de Faleiros revela a função do

assistente social como sendo o mediador do processo dedesmistificação. Para tanto, existe a necessidade de identificar,nas situações do cotidiano, que é objeto da intervenção diretado assistente social, formas de materializar esta desmistificação.Logo, é fundamental que o Assistente Social, ao atender umasituação de violência doméstica, por exemplo, possa ser capazde compreender esta situação para além do aparente, do mitode que é por ciúme que o homem bate, e ainda do mito de queo ciúme é prova de amor. Se esta compreensão não se fizerpresente no processo e não forem mediados pela necessidadede enfrentamento político desta violência, à situação será

92 Ibid., p. 126.

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classificada como mais uma briga entre “o senhor e a senhorax”.

A mediação existe como potência à medida que o sujeitopassa a identificar as conexões existentes entre uma dadasituação histórica (a violência de gênero) e a situação vividapor si próprio. Este processo é capaz de construir uma conexãoentre a “senhora x” e a luta pela igualdade de gênero.

Essa compreensão da potência existente para atransformação por meio da mediação revela as condições deemergência de estratégias e táticas que vão servir aosinteresses dos diferentes grupos sociais, revelando as condiçõesde transformação da realidade social imediata.

A análise do texto de Faleiros possibilita que se identifiquetanto o aspecto teórico, que é expresso pela explicação doprocesso da realidade apreendida, quanto o metodológico, quesão as mediações realizadas metodologicamente. Chama aatenção o papel atribuído ao assistente social pelo autor, ofato de explicitar a prática, traduzindo com exemplos o fazercotidiano do assistente social nesta metodologia. Refere-se aoque, no inicio, ele caracterizou por falar de dentro sem prescindirdo fora ou incorporando o dentro e o fora, em uma concepçãode que um não existe sem o outro. Evidenciando o erro dedesconsiderar as metodologias que geraram o Serviço Social,nos seus primórdios, esta postura pode estar ancorada nacompreensão da totalidade dos fenômenos, categoria estamarxista.

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1 IntroduçãoOs anos 1990 foram marcados pelo que se chama Crise da

Ciência ou do Paradigma Clássico de Ciência. Esta crise revela-se pelo reconhecimento da complexidade existente nosfenômenos sociais emergentes e a dificuldade do conhecimentocientífico cartesiano em dar respostas a estas novas formasde expressão do real, dadas as suas características binárias.

Existe também outra problematização que diz respeito àorigem dos conhecimentos produzidos nas ciências sociais serrepresentativa de um modelo de sociedade do norte, ao passoque nós nos constituímos como sociedades do sul.93

Alguns autores defendem a ideia de que o embasamentoteórico e científico das ciências sociais alicerçados na produçãodo norte seja incapaz de compreender e explicar os fenômenossociais emergentes no sul, face às diferenças culturais,geográfica, e as condições de subjugação da ciência face aoprocesso de colonização.

Quanto à questão binária, se problematiza a divisão doconhecimento e, portanto, o poder, na forma como sãorepresentadas na sociologia e na antropologia, quando se

93 Refere-se aos países de primeiro mundo (norte) e terceiro mundo (sul).

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assume uma determinada teoria de explicação do real,subentende-se que este real seja representativo a fim de seproceder as generalizações. Uma vez o real estudado, possuindocaracterísticas diversas do real pesquisado, será que esta teoriaé mesmo representativa?

Outra questão significativa é o fato dos pesquisadores oumesmo representantes dos colonizadores enxergarem nossacultura sob o ponto de vista deles. Por exemplo, o Brasil foiestudado por Levis-Strauss94, que apreendeu as estruturasexistentes, dentro de um modelo teórico produzido naperspectiva do eurocentrismo (conhecimento europeu comosendo o certo ou o melhor). Estes estudos geram umconhecimento que classifica e categoriza os grupos ecomunidades da nossa sociedade, o que possibilita ahomogeneização e a criação de regras de interesse dos paísesdominantes.

Outra questão para a crise refere-se ao fato doconhecimento das ciências sociais clássicas ter sido produzidoem períodos em que não existia a globalização. Assim, comoessas perspectivas poderão responder ao desafio daglobalização?

Diante destas questões estabeleceu-se um amplo debatenas ciências sociais, de crítica aos limites da concepçãobachelardiana, como paradigma delimitante da ciência moderna.

O reconhecimento das dificuldades da teoria crítica seestabelece face à sua vinculação teórica e política à totalidade,que passou a alimentar a necessidade de uma rupturaepistemológica e a favorecer a emergência de novasperspectivas.

A crise das ciências sociais afetou seu status e modificoua forma de representação social do seu papel. Nas palavras deRuben Alves:

“E aqui estamos nós, com esta sugestão estranha de que aciência é uma, dentre muitas outras atividades com que seocupam as pessoas comuns. E que, portanto, não existe

94 Claude Lévi-Strauss (Bruxelas, 28 de novembro de 1908) é um antropólogo,professor e filósofo francês, considerado o fundador da Antropologia Estruturalista,em meados da década de 1950, e um dos grandes intelectuais do século XX.

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motivo para orgulho.As teorias nascem com os sonhos, as fantasias, os poemas,as sonatas, em meio das visões mais místicas, do prazer doscharutos, do lazer das caminhadas, do amor intelectual pelosobjetos”.95

O orgulho, ao que o autor se refere, evidencia o caráter“indolente” do conhecimento científico, que costumavaapresentar-se como verdade e certeza, desconsiderando outrasformas de conhecer. A ciência, por conhecer a verdade e ascertezas, possuía igualmente um poder de superioridade e, comotudo na sociedade capitalista, era terreno para poucos: os“escolhidos”, ou melhor, para aqueles que possuíam condiçõesde acessar o conhecimento. Para o senso comum, arepresentação assemelhava-se como um poder de superioridadee de inacessibilidade. Ainda podemos encontrar posturas assim,mas foi exatamente contra este tipo de postura que a crise seconsolidou.

Os tempos de crise são também tempos de superação dascrises. Nesse sentido, inauguram-se os primeiros passos aoparadigma da complexidade. Este se concentra na necessidadede problematizar a crise do paradigma clássico de ciência, queutiliza o método cartesiano de análise (decomposição das partes)para propor a transição para o paradigma da complexidade,que admite a necessidade de (re)compor os fenômenos paramelhor conhecê-los.

A proposta fundamenta-se pelo entendimento de que aspartes contêm características diferentes quando são isoladasdo todo. Assim, o paradigma da complexidade propõe não quese abandone o método cartesiano de análise, ou o conhecimentoespecializado, mas que se possa articular estes princípios aoutros mais amplos. Não podemos correr o risco de cairmosnessas armadilhas reducionistas, pois o objetivo do pensamentocomplexo é integrar e não descartar; a lógica é permeada porum processo de associação.

Segundo Edgard Morin:

95 ALVES, 1986, p. 167

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“Certamente não é possível conhecer tudo sobre o mundo,nem apreender suas multiformes transformações. Mas, pordifícil que seja, o conhecimento dos problemas chave domundo deve ser tentado, para não cairmos na imbecilidadecognitiva”.96

Abandonar a ideia de que complexo é algo indecifrável,para incorporar o princípio da complexidade requer o que EdgardMorin denomina “Reforma do Pensamento”:

“De uma parte, é preciso complementar o pensamento quesepara por um pensamento que une. Complexus significa oque está tecido junto. O pensamento complexo é umpensamento que busca ao mesmo tempo distinguir - mas semseparar - e unir. De outra parte, é preciso lidar com a incerteza.O dogma de um determinismo universal foi superado. Ouniverso não está submetido a soberania absoluta da ordem,ele é o campo de uma relação dialógica (ao mesmo tempoantagônica, concorrente e complementar) entre a ordem, adesordem e a organização. Portanto o objetivo dacomplexidade é, de uma parte, unir (contextualizar eglobalizar) e, de outra, enfrentar o desafio da incerteza”.97

A ideia da complementaridade e da pluralidade de olharesestá expressa no pensamento complexo. Morim aponta comopossibilidade de enfrentar o desafio da incerteza, acomplementaridade das três teorias (da informação, a sistêmicae a cibernética), cada uma complementando a outra numatentativa de (re)composição do pensamento dissociado.

Na esteira da crise do paradigma clássico de ciência temosainda as formulações de Boaventura de Souza Santos deconstruir uma epistemologia do sul, para criar uma relação de“conhecimento para a emancipação”. Propõem a presença dasociologia das emergências para construir um trabalho detradução. Parte da ideia de que a razão crítica moderna, entreoutras dificuldades, concebe a sociedade como uma totalidadee, assim, não consegue visualizar e propor senão uma alternativa

96 MORIN, 1996, p. 10.97 Ibid., p. 10-11.

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total à sociedade que existe, esquecendo que no momentoatual de transição em que vivemos tal alternativa não existe.Esta tese é apresentada no artigo de Boaventura de SousaSantos: “Por que é tão difícil construir uma teoria crítica?”Ainda aponta para a esperança de utopia na teoria crítica:

A esperança não reside, pois, num princípio geral queprovidencia por um futuro geral. Reside antes na possibilidadede criar campos de experimentação social onde seja possívelresistir localmente às evidências da inevitabilidade [dosriscos], promovendo com êxito alternativas que parecemutópicas em todos os tempos e lugares, exceto naquelas emque ocorreram efetivamente. Esse é o realismo utópico quepreside às iniciativas dos grupos oprimidos”.98

A proposta de soluções locais para questões locais sugerea importância da produção do conhecimento não se pautar emteorias eurocêntricas ou elaboradas pelos colonizadores. Apossibilidade de libertação do oprimido encontra-se na produçãode conhecimentos e identificação das potencialidades existentesem cada cultura. Precisa partir dela, segundo o autor, “A teoriacrítica não reduz a realidade ao que existe, vê a realidadecomo um campo de possibilidades e trata de definir e avaliar anatureza e o âmbito das alternativas ao que está empiricamentedado”99.

Para concluir, podemos nos inspirar nos princípios utópicosde Ernest Bloch, publicado no livro “A Outra Economia”, deAntônio Cattani, que anuncia: “verdadeira utopia é umaantecipação criativa que conjuga a corrente fria doconhecimento científico com a corrente quente daesperança”100.

Estas transformações geradas pela crise nas ciênciassociais refletem diretamente na construção do conhecimentocientífico do Serviço Social, como poderemos ver nos próximostópicos.

98 SANTOS, 1999, p. 21399 Ibid. p. 197.100 CATTANI, 2003, p. 272.

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2 Anunciando tendênciasO papel da Ciência é anunciar as tendências por meio da

construção do conhecimento teórico. A possibilidade dasciências anunciar as tendências societárias não implica em fazeradivinhações, mas por intermédio do estudo das questões queestão colocadas no presente, apontar tendências que podemse estabelecer ou não, na esfera da dinâmica social. Tendênciasestas que afetam diretamente o conjunto da vida social, eincidem fortemente sobre as relações sociais. Isso acontecepela possibilidade da mesma partir do real, para analisar astransformações, funcionalidades e bases das estruturas quese apresentam pela leitura do período histórico determinado.

A ciência não se apresenta de forma linear, e asreformulações científicas são rompimento, negação, passagemde um paradigma101 a outro, mas nunca eliminação, descartedo conhecimento produzido em um determinado espaço tempo.

O fato de um paradigma teórico superar o outro, significaque é mais claro, mais provável, que oferece melhores condiçõesde conhecer as relações existentes no real, mas não que écerto ou o último.

As ciências humanas e sociais, hoje, não pretendem atingirum grau de maturidade capaz de sustentar uma teoria de formadefinitiva, a maturidade pretendida pelas ciências humanas estána busca incansável do rigor científico metodológico da pesquisa,a fim de capturar as realidades sociais e as relações existentesnesta realidade, de forma a contribuir com o avanço doconhecimento e a consequente melhoria nas condições de vidada população.

Nesta busca é que as questões de caráterepistemológicos102, filosóficos e ontológicos103 ainda fazem parte

101 Paradigma (do grego Parádeigma) literalmente modelo, é a representação de umpadrão a ser seguido. É um pressuposto filosófico, matriz, ou seja, uma teoria, umconhecimento que origina o estudo de um campo científico; uma realização científicacom métodos e valores que são concebidos como modelo; uma referência inicialcomo base de modelo para estudos e pesquisas.102 A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade doconhecimento (daí também se designar por filosofia do conhecimento). Ela serelaciona ainda com a metafísica, a lógica e o empirismo, uma vez que avalia aconsistência lógica da teoria e sua coesão fatual, sendo assim a principal dentre asvertentes da filosofia (é considerada a “corregedoria” da ciência).103 Ontologia (<grego ontos+logo = “conhecimento do ser”) é a parte da filosofia que

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do seu dia a dia, ao lado das teorias explicativas e das visõesde homem e mundo, como já trabalhado em capítulos anteriores.

Entendemos que as questões epistemológicas emetodológicas nas ciências sociais estão, por definição,subordinadas às teorias explicativas que o pesquisador elegecomo responsáveis pelo funcionamento da sociedade. Por trásdelas situa-se em última instância, sua visão de mundo, ousua ideologia, que fornecerá o substrato da sua crença naforma como a sociedade se mantém, na inevitabilidade destamanutenção ou na possibilidade e necessidade de umatransformação.104

3 ConclusãoAs contribuições que os referenciais teóricos: funcionalismo,

estruturalismo e marxismo trouxeram às ciências sociais e,especificamente, na produção do Serviço Social, constitui-seno próprio saber acumulado.

Estas teorias e seus postulados, seus enunciados, asdescobertas e a compreensão que se têm hoje da sociedade edas relações existentes no seu seio são frutos fecundos destesreferenciais, que possibilitam aos pesquisadores analisar fatossociais sob pontos de vista diversos, utilizando-se das maisvariadas técnicas e instrumentais de pesquisa, com apossibilidade de conhecer o real a partir do modo como ele seconstitui. Isto possibilita, igualmente, a conceber a crítica aestas mesmas teorias e os conhecimentos por elas gerados.

A possibilidade de captar a teia de relações sociais, deestudar suas estruturas e identificar a hierarquia destas, quepossibilitam ao ser social compactuar ou não com a ordemestabelecida, se deve a esses referenciais.

O papel do pesquisador, seja ele orientado por qualquerreferencial teórico, constitui-se em tarefa árdua, pois analisar,interpretar e protagonizar as transformações sociais na dinâmica

trata da natureza do ser, da realidade, da existência dos entes e das questõesmetafísicas em geral. A ontologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebidocomo tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres.104 HAGETTE, 1995, p. 18.

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da sociedade moderna não nos parece tarefa fácil de esgotar,a partir de um único referencial. Nesse sentido, a transiçãoparadigmática e a epistemologia do sul podem auxiliar muitasdisciplinas científicas, como o Serviço Social, que produzemum conhecimento que se aplica na sociedade. Acomplementaridade dos saberes é promissora à medida queestão a serviço da qualidade de vida da população.

Aos pesquisadores cabe conhecer a fundo este real, suastramas, suas especificidades, seus mecanismos de sustentaçãoe mudanças, a fim de responder as demandas postas ao ServiçoSocial. A pesquisa é uma das dimensões da prática doAssistente Social, ela não pode estar em níveis diferentes,setorizada, dicotomizada na ideia de que existem os que pensame os que fazem.

É pela postura e disciplina de estudo que o profissionalpode explorar o real, pesquisando e observando o movimentolocal-global, reconhecendo o conhecimento científico evalorizando o saber produzido pela comunidade. Assim serácapaz de formular as respostas, mesmo que transitórias, aoenfrentamento da questão social.

Nesse sentido que o estudo do conhecimento produzidona contemporaneidade está mais concentrado na produção desaberes que materializem as práticas do cotidiano, como veremosa seguir.

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A construção doconhecimento

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1 IntroduçãoDiante da crise do paradigma clássico de ciência, observou-

se uma modificação radical na orientação das pesquisas emServiço Social. Os esforços da categoria profissional em definiruma perspectiva teórica metodológica única para o ServiçoSocial reconceitualizado cedeu lugar à multiplicidade de saberes.

Na atualidade, a concepção teórico-metodologica estáconstruída como uma unidade sem necessidade de fazer adistinção. O mundo está repleto de teorias que são materializadasnas práticas sociais do cotidiano e também nas práticasprofissionais, que cada vez mais exigem respostas complexas.A dimensão da prática de pesquisa precisa ser incorporadacomo condição para o enfrentamento das demandas postas àprofissão. O desafio de consolidar o projeto ético político daprofissão, igualmente precisa ser compreendido como parte daconcepção teórica da categoria profissional.

É preciso reconhecer que o conhecimento está emconstante construção. Trata-se de um processo dinâmico que

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é determinado por crises e transições que incidem na realidadesocial e provocam a necessidade de buscar no real novasexplicações que resultam novas estruturas do saber. Por essarazão, o conhecimento teórico metodológico do Serviço Socialnão está pronto, e sim permanentemente em construção.Imagine um movimento de reconceituação permanente; estacertamente é a imagem que você deverá ter em mente quandopensar sobre a construção do conhecimento do Serviço Social.A controvérsia existente entre os alunos, geralmente, é querersaber qual é a melhor teoria ou qual metodologia dá mais certo.Felizmente não existe esta teoria mágica ou este método certoem nossa profissão. Nos cercamos de uma postura deinvestigação, temos uma atitude crítica diante das contradiçõesexistentes na realidade e usamos a pesquisa como instrumentocapaz de nos fornecer condições de trilhar caminhos em buscade respostas, mesmo que transitórias.

Nessa dinâmica dialética de permanente construção e críticana produção do conhecimento é preciso ter em mente atransitoriedade do saber e a coexistência de correntes teóricasdiversas.

Os embates teóricos continuam e devem ser pensadoscomo necessários para a superação, nunca para a depreciaçãodo trabalho realizado. As diferenças teóricas, de visão de homeme mundo, precisam encontrar espaços para serem expressasrespeitando a individualidade de cada um e resguardando osprincípios de uma ética respaldada nos direitos humanos.

2 Serviço Sociale a PluralidadeVocê vai encontrar em muitos textos produzidos no Serviço

Social expressões e afirmativas sobre a “hegemonia dopensamento marxista” na produção teórico-metodológica. Estaé uma questão importante a ser esclarecida, logo, buscamosum texto de Myrian Veras Baptista, publicado no caderno ABESSnº 5, intitulado “A produção do Conhecimento SocialContemporâneo e sua Ênfase no Serviço Social”, que fazreferência a esta afirmativa. No quadro a seguir apresentam-

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se fragmentos do referido texto.

Vamos encontrar conhecimentos cuja produção se faz sob ahegemonia de um determinado paradigma, mas que sofre aimpregnação de outros modos de pensamento. Por exemplo,na tradição do pensamento marxista, vamos encontrarautores que têm uma formulação epistemológica de leiturado real muito aproximada do estruturalismo positivista pelasua ahistoricidade, muito embora a perspectiva da históriaseja um dos pilares desse paradigma.

O conhecimento do Serviço Social detém as mesmascaracterísticas do todo do qual é uma particularidade: é umatotalidade estrutural, parcial, histórica, complexa, comdominantes. Nós não temos um único Serviço Social. Temosum conhecimento do Serviço Social que é complexo,diferenciado, o qual, historicamente, sofre a dominação dedeterminados modos de pensamento: houve um momento,por exemplo, em que o pensamento social da igreja católicafoi dominante, o que não significou, necessariamente, queoutros modos de pensamentos - tal como o funcionalismonorte-americano - não convivessem com este, mas sim queo modo de pensar da igreja determinava novos conteúdose novas características àqueles outros modos de pensar.Em um outro momento, a situação se inverteu e tivemos adominação do pensamento funcionalista, com a permanênciada perspectiva doutrinária, mas já, esta, na condição desubordinada aos requisitos daquele.Hoje, podemos dizer que temos, no Serviço Social, ahegemonia de um pensamento forjado na tradição marxista.No entanto, isto não quer dizer que o Serviço Social brasileiro(ou, mesmo, latino-americano) seja, em termos numéricos,predominantemente marxista. Não significa que a maiorparte dos assistentes sociais se posicionem como marxistas,mas sim que aquelas pessoas reconhecidas pela categoriacomo representantes do avanço de seu saber se filiam ascorrentes de pensamento predominantemente marxistas.Também, mesmo aqueles profissionais que professam outrosmodos de pensar têm o seu horizonte de apreensão do real

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e de intervenção impregnado por ideias e polêmicasgestadas pelo marxismo.A especificidade que particulariza o conhecimento produzidopelo Serviço Social é a inserção de seus profissionais empraticas concretas. O assistente social se detém frente àsmesmas questões que outros cientistas sociais, porém o queo diferencia é o fato de ter sempre em seu horizonte umcerto tipo de intervenção: a intervenção profissional. Suapreocupação é com a incidência do saber produzido sobre asua prática: em Serviço Social, o saber crítico aponta para osaber fazer crítico”105.

Estas considerações de Myriam Veras Batista puderam seridentificadas na pesquisa de Maria Dalva Casimiro da Silva, quepesquisou a produção do conhecimento no Serviço Social, tendocomo objeto para a análise os documentos gerados nas váriasedições do Congresso Brasileiro de Assistência Social.

Os resultados foram publicados no artigo “A produção doconhecimento no Serviço Social e sua Relação com os PrincípiosÉticos”, na Revista Serviço Social e Sociedade nº 77. Vamosdestacar deste artigo os “achados” da autora na década de1990, embora suas análises tenham sido feitas desde a primeiraedição.

Segundo Maria Dalva, a profissão ingressou na década de1990 como uma categoria amadurecida em termos derepresentação políticocorporativo e como pesquisadora. Adécada é marcada pela necessidade da produção doconhecimento passar a ser condição para uma abordagem darealidade para além da sua aparência.

As transformações sociais geradas pelo acesso às políticasde saúde como direito universal renovam as lutas por melhorescondições de vida. O contexto global, marcado pela criseinternacional do capitalismo, acabou por gerar efeitos na práticaprofissional que, por meio de mobilizações organizadas com ofim da garantia de direitos sociais, estão influenciadas pelaaproximação, cada vez mais engajada, do Serviço Social com105 BAPTISTA, 1995, p. 88-89.

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as correntes do marxismo. Se a corrente teórica confirmou-secom a hegemonia do marxismo, a década de 1990 ficou tambémmarcada pelas intervenções práticas.

A emergência do trabalho com comunidades foi realizadacom uma intencional busca de organização do coletivo commetodologias de caráter pedagógico e uma orientação políticade estímulo às reivindicações pela garantia de direitos sociais,pela melhoria na qualidade dos serviços prestados à populaçãoe na forma do atendimento às necessidades, não mais comodemandas individualizadas, mas contextualizadas na realidadesocial.

Com a realidade da Lei Orgânica da Assistência Social, asfunções do Serviço Social começam a ser pensadas para alémda prestação de serviços, estendendo-se à promoção e acapacitação, sem deixar de lado e aprofundando contato coma população usuária dos serviços se saúde e assistenciais.

As transformações advindas do contexto global reforçama necessidade de aprofundamentos na área do conhecimentodos aspectos econômicos da realidade social, a fim de garantiruma compreensão mais ampliada dos processos de exclusão eagravamento da Questão Social.

O aprofundamento do estudo das leis da sociedade noneoliberalismo garante um conhecimento das contradições enegações ocorridas nesse estágio avançado do capitalismo, erevela o enxugamento das obrigações do estado para com apopulação.

A problematização da prática profissional passa a ser objetode estudo e fonte de pesquisa em busca de respostas aosdesafios da contemporaneidade. Este movimento resultou nocrescimento dos cursos de pós-graduação marcado pela voltados profissionais para as universidades, o que colocou a produçãodo conhecimento em franca expansão.

Segundo a autora, as produções apresentadas noscongressos até finais de 1998 evidenciam uma preocupaçãocom a reinserção social, não mais como enquadramento, mascomo conquista de cidadania, pela obtenção de direitos.Destacam-se, particularmente, o trabalho realizado comfamiliares e doentes mentais, que já desfrutam das novas leisda reforma psiquiátrica.

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A década é marcada pelo agravamento da crise econômicae pela emergência e novas formas de prestação de serviços deassistência social. O enxugamento das funções do estado e ocrescimento do chamado 3º setor impõem um ritmo de trabalhoassociado. A realidade dos trabalhos em equipesinterdisciplinares, nos serviços de saúde e assistência, realizadospelo setor emergente, gera novas demandas de saberes quepossam ser articulados e compartilhados.

As novas exigências e a complexidade do mundo do trabalhoinauguram uma nova visão de concepção da ciência e dasáreas do saber. As mudanças ocorrem especialmente na áreada saúde que, historicamente, era dominada pelos profissionaismédicos orientados pelo binômio saúde-doença.

Esta compreensão da necessidade da prática do ServiçoSocial estar articulada a projetos interdisciplinares se refletena identificação e elaboração de projetos sociais, de trabalhosvoltados a práticas e posturas interdisciplinares e da necessidadede acompanhamento técnico, como meios viáveis para perceberresultados importantes na qualidade de vida dos pacientes esua inserção na sociedade.

A pesquisa revela que “existe uma importante contribuiçãoda profissão nos trabalhos interdisciplinares manifestadaprincipalmente nas avaliações e análises das situações tendocomo referência a vida do paciente em seu conjunto. Talsituação aparece associada à concepção de saúde não comoausência de patologias”106.

Percebe-se, como resultante do trabalho associado, umapreocupação em estimular os setores populares a sefortalecerem; a coletivização do saber a serviço da população;o confronto cotidiano com relação à ética e a posturas deoutros profissionais.

Ainda como resultantes dessas transformações, a pesquisaevidenciou a percepção/vivência de choques entre objetivosprofissionais e institucionais, ocasionando a supressão doprimeiro; denúncias com relação ao SUS, acompanhadas deuma análise crítica da sociedade; desenvolvimento de trabalhosna mobilização da comunidade para melhorias nas condições

106 SILVA, 2004, p. 140.

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de vida e práticas de captação de recursos para o financiamentodos projetos de organizações não governamentais, além deassociações sem fins lucrativos.

A autora ainda identificou uma “vinculação do Serviço Sociala uma ação de caráter preventivo/educativo, assistencial e deapoio psicossocial, com práticas voltadas à intervenção psico-pedagógica, de terapia família, intervenção psicossocial,atendimentos psicoterápicos individuais e grupais, psicoterapiae psicodrama. Em síntese, convivência da concepção desociedade e de indivíduo como sujeito, juntamente com práticasainda voltadas para o psicologismo da década de 1970”107.

O cenário da década de 1990 mostrou-se particularmentepróspero na multiplicidade de práticas e de espaços do AssistenteSocial que, historicamente, foi sempre um profissional absorvidopelo Estado. A emergência do terceiro setor, sem sombra dedúvidas, é o grande responsável por esta mudança no perfil doprofissional, mas as alterações no mercado de trabalho nãoafetaram somente os assistentes sociais, mas também oconjunto dos trabalhadores brasileiros pela precarização dotrabalho.

Essas descobertas evidenciam a tendência de construirconhecimentos localizados, em um primeiro momento, paraqualificá-los no confronto com o real. Os princípios expressosno projeto ético político profissional estão presentesabundantemente nos trabalhos, o que pode sugerir uma adesãoda categoria e uma atitude intencional de materializá-los noprocesso de intervenção.

As principais questões sobre o objeto do Serviço Socialnão estão mais sendo problematizadas no conjunto da produçãodo conhecimento da categoria profissional, como ficouevidenciado pela pesquisa dos trabalhos apresentados noscongressos nacionais. Estes trabalhos expressam o saberproduzido pelo conjunto de profissionais que não estão ligadospermanentemente aos espaços acadêmicos. São resultados daspesquisas realizadas por assistentes sociais em seus estudosde pós-graduação, e que refletem preocupações de outra ordemque não as específicas relativas à definição de um objeto do

107 Ibid., p.142.

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conhecimento, como exigido pelo método cartesiano de ciência.A categoria provou, pela quantidade e qualidade dos

trabalhos apresentados, que assumiu para si a missão de realizarpesquisas e construir conhecimentos. O exercício da pesquisacomo dimensão da prática profissional revela a maturidade dacategoria profissional, quando à pesquisa e à produção doconhecimento da área, não estão mais atrelados aos espaçosacadêmicos que, historicamente, foram definidos como os locaisonde se produz conhecimento científico. Podemos identificarque foi superada a fase dicotômica na produção da área, ondeexistiam os que pensavam e os que faziam, que alimentaramtantos debates nos anos passados, como vimos nos capítulosanteriores.

Esta realidade evidencia a mudança nas perspectivasteórico-metodologica proposta pelo paradigma da complexidadeque valoriza o conhecimento produzido no cotidiano como válido.Nesse sentido, o conhecimento gerado na atualidade estáconstruído por uma unidade e não é mais possível separar ateoria da metodologia, assim como não é mais possível dizerque na teoria é uma coisa e na prática é outra. O que ocorre éque existe uma coexistência teórico-metodologica plural.

Contudo, é importante destacar que o objeto teórico-metodológico do serviço social é a Questão Social.

3 Questão Sociale Serviço SocialSegundo José Paulo Netto, o estudo da vasta bibliografia

da área do serviço social evidencia que sua emergência teveuma íntima relação com a chamada Questão Social108.

Como ficou explicitada nos capítulos anteriores, a gêneseda profissão está representada por duas teses opostas, queforam formuladas por Iamamoto e Netto, como visão endógenaou “de dentro” e a tese de que a profissão nasce na divisãosócio técnica do trabalho. Estas teses defendidas por JoséPaulo Netto e Marilda Iamamoto são analisadas por Carlos

108 NETTO, 1992.

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Montaño que as reforça e problematiza sobre o ponto de vistada sua relação com a chamada Questão Social109.

Para Iamamoto:

O Serviço Social tem na questão social a base de sua fundaçãocomo especialização do trabalho. Questão social apreendidacomo o conjunto das expressões das desigualdades dasociedade capitalista madura que tem uma raiz comum: aprodução social e cada vez mais coletiva o trabalho torna-semais amplamente social, enquanto a apropriação dos seusfrutos mantém-se privada monopolizada por uma parte dasociedade”110.

Para Montaño, a existência de uma perspectiva endógenanão impede que esta também reconheça a Questão Social comoobjeto de sua ação, mas que nesta perspectiva, quando elegea questão social como objeto, o faz de forma linear,acompanhando passivamente o movimento histórico,preocupando-se em elevar a eficácia de seus métodos. Estavisão, preocupada com a prática interventiva, aborda asexpressões da Questão Social e seu agravamento a partir dasmanifestações que se apresentam no cotidiano da vida social,tendo no método hipotético dedutivo, centrado no empirismo,a base para a construção das metodologias de intervenção narealidade social.

Os destaques feitos na análise de Montaño sobre aperspectiva histórico-crítica, como oposta a endogenista,apresentam o Serviço Social como uma profissão inscrita nadivisão sociotécnica do trabalho e cujo surgimento se deve asnecessidades de reforma conservadora da ordem capitalista noestágio de monopólio.

Esta perspectiva oferece uma visão da profissão comoproduto histórico e não como um desenvolvimento e evoluçãointerna das formas de ajuda e filantropia, assim explicada, nãopode ser compreendida de forma endógena, de dentro de simesma.

A necessidade de conceber a questão social em um

109 MONTAÑO, 1998.110 IAMAMOTO, 2001, P. 27.

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movimento histórico e determinado se deve ao estágio dedesenvolvimento do capitalismo, que alcança níveissurpreendentes de exclusão, exigindo cada vez mais a presençados profissionais de serviço social, que têm neste conjunto decontradições seu espaço de ocupação profissional. Iamamotoapresenta o paradoxo desigualdade e resistência da seguinteforma:

Questão social que, sendo desigualdade é também rebeldiapor envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a elaresistem e se opõem. É nesta tensão entre produção dadesigualdade e produção da rebeldia e da resistência quetrabalham os assistentes sociais, situados nesse terrenomovidos por interesses sociais distintos, aos quais não épossível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida emsociedade. Exatamente por isso, decifrar as novas mediaçõespor meio das quais se expressa a questão social, hoje, é defundamental importância para o Serviço Social em uma duplaperspectiva: para que se possa tanto apreender as váriasexpressões que assumem, na atualidade, as desigualdadessociais - sua produção e reprodução ampliada - quantoprojetar e forjar formas de resistência e de defesa da vida.111

O trabalho dos assistentes sociais, diante da emergênciadessas novas formas de enfrentamento da questão social, ocorreem espaços tradicionais como os serviços públicos, exigindosaberes relacionado à elaboração e a gestão de políticas públicase emergentes, como as organizações do 3º setor e as práticasde responsabilidade social e ambiental disseminadas no discursodas empresas. Para Iamamoto, estas práticas estão voltadas ágestão da pobreza, à medida em que as empresas estãoassumindo uma parcela do seu atendimento, como vem sendoamplamente divulgado pelo marketing social. O risco dessasubstituição do papel do estado é a volta ao clientelismo emdetrimento da garantia da universalidade no acesso, tal comoo previsto pela Constituição vigente no país.

Para tanto, requer que as contradições sejam identificadas

111 Ibid., p. 28.

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e transformadas em práticas pela ação profissional, realizadapor sujeitos com competências para propor, para negociar coma instituição os seus projetos, para defender o seu campo detrabalho, suas qualificações e funções profissionais. Requer,pois, ir além das rotinas institucionais e buscar apreender omovimento da realidade para detectar tendências e“possibilidades nela presentes passíveis de serem impulsionadaspelo profissional”112. Estas competências estão ligadas àformação continuada e o compromisso com a construção esistematização do conhecimento resultado de pesquisas.

Segundo Iamamoto, “Os assistentes sociais trabalham coma questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas,tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família,na área habitacional, na saúde, na assistência social públicaetc”113. Estes exigem respostas profissionais articuladas ao novomodelo globalizado de relações socias de reprodução da vidasocial e também aos projeto ético político da categoria,requerendo mediações cada vez mais complexas.

112 Ibid., p.21.113 Ibid., p.29.

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4 ConclusãoNeste cenário de rápidas mudanças sociais, que exigem

novas formas de organização das tradicionais instituiçõespolíticas e sociais, é fundamental que as práticas profissionaisnão percam de vista sua opção pela defesa da classetrabalhadora e da manutenção e ampliação dos direitos,conquistados ao longo de muitas disputas no campo políticosocial.

A gestão competente e a formulação de políticas publicas,que garantam renda mínima de sobrevivência, têm se reveladoimportantes no processo de resistência ao avanço da pobreza.Mas identifica-se ainda uma necessidade de voltar a investirna mobilização das comunidades a fim de demarcar o direito aassistência, e não retirar o poder de reivindicação da populaçãopor meio de de práticas coercitivas, que revelam oconservadorismo.

O papel do Assistente Social junto à mobilização eorganização das comunidades parece ser um caminho promissorpara o resgate de uma postura de participação mais efetiva dapopulação no planejamento e controle social.

Neste processo de transição, para a garantia da pluralidadeteórico-metodologica, podem ter ficado um pouco esquecidasas ideias de democracia e do direito à participação efetiva,não uma participação burocrática e de um controle socialcoercitivo, como se vê nas ações de muitos conselhos deAssistência Social e da Criança e Adolescente, que passaram arealizar práticas de meros “angariadores e redistribuidores” defundos das entidades não governamentais, mas de umaparticipação efetiva na vida em comunidade. Este talvez sejao grande desafio desses tempos contemporâneos no que tangeàs construções teóricas e metodológicas.

Para tanto, se sugere a leitura de Boaventura de SouzaSantos, principalmente dos livros da coleção produzir para viver.Alguns artigos deste autor podem ser acessados no site doCentro de Estudos Socias da Universidade de Coimbra, emPortugal, no link Revista de Ciências Socias.

Para finalizar, queremos reforçar a ideia de que oconhecimento teórico-metodológico do Serviço Social é

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construído e reconstruído no movimento histórico, tendo naQuestão Social seu objeto de abstração e nas expressões daquestão social a realidade empírica demandando intervenções,que precisam ser permanentemente construídas e reconstruídasnum esforço de síntese dialética.

As respostas são transitórias e revelam condições limitadaspelos espaços sócio ocupacional e temporal. As incertezas sãopróprias do nosso tempo, mas não devem ser encaradas comoausências, mas como possibilidades de construção do novo.

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