the dispersion of the “pentecostal flame” in the baptist ... · doutorando e mestre em ciência...

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  • Comunicao

    DOI 10.5752/P.2175-5841.2017v15n45p285

    Horizonte, Belo Horizonte, v. 15, n. 45, p. 285-297, jan./mar. 2017 ISSN 2175-5841 285

    A disperso da chama pentecostal na seara batista em meados das dcadas de 1950 e 1960 notas histricas sobre a formao da ala carismtica batista brasileira

    The dispersion of the pentecostal flame in the Baptist field in the mid-1950 and 1960s historical notes on the formation of the Brazilian Baptist charismatic setor

    Thiago Moreira

    Resumo

    A presente comunicao fruto de pesquisa histrica sobre o curso da manifestao ou irrupo do movimento carismtico no protestantismo brasileiro, mais especificamente, nas igrejas batistas e pretende mostrar a formao do que futuramente se convencionou chamar de protestantismo renovado. Para tanto, nos valemos de fatos ocorridos no final da dcada de 1950, bem como ao longo da dcada de 1960, com as tenses e rupturas institucionais provocadas pelo encontro entre as experincias protestante e pentecostal.

    Palavras chaves: Renovao Espiritual; Pentecostalismo; Igreja Batista da Lagoinha.

    Abstract This communication is the fruit of historical research on the course of the manifestation or irruption of the charismatic movement in Brazilian Protestantism, more specifically in the Baptist churches and intends to show the formation of what in the future has been called the renewed Protestantism. To do so, we use facts that occurred in the late 1950s, as well as trough out the 1960s, with the institutional tensions and ruptures provoked by the encounter between the protestant and pentecostal experiences.

    Abstract: Spiritual Renewal; Pentecostalism; Igreja Batista da Lagoinha.

    Comunicao submetida em 16 de janeiro de 2017 e aprovada em 17 de maro de 2017. Doutorando e mestre em Cincia da Religio pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Pas de Origem: Brasil. E-mail: [email protected].

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    Introduo

    O carter multifacetado do campo religioso brasileiro j conhecido dos

    estudiosos da Religio. Diversos congressos e conferncias so dedicados ao debate

    acerca das diversas formas atravs das quais o homem se apropria da relao com o

    sagrado, com suas simbologias e significados; seus sentidos e apropriaes em

    planos seculares e profanos; seus rituais e narrativas e o rico carter que se

    desvela mostrando, tambm, ambiguidades e idiossincrasias.

    Os que voltam seus olhares para a tradio crist, mais especificamente para

    a ramificao que advm da Reforma Protestante podem ter uma compreenso

    rgida sobre o que viria a ser o protestantismo e o pentecostalismo. Este se basearia

    em uma experincia carismtica de efervescncia espiritual, quente; enquanto

    aquele teria uma experincia religiosa mais pautada em uma mstica letrada, algo

    mais frio.

    No obstante tal quadro servir para alguns fins didticos e nos dar subsdios

    para iniciar pesquisas sobre o tema, no devemos esquecer que existem algumas

    arestas que no se permitiram aparar nestes quadros. Assim, surgiram

    protestantismos, (neo)pentecostalismos com convergncias e divergncias,

    formao de ortodoxias, fundamentalismos, heresias, liberalismos. Nesta

    comunicao tem-se o objetivo de mostrar como as igrejas batistas das dcadas de

    1950 e 1960 se relacionaram com a experincia pentecostal e como da resultou o

    que se convencionou chamar protestantismo renovado.

    O Movimento de Renovao Espiritual que ser abordado a seguir, e que

    propagou a experincia carismtica em muitas igrejas protestantes brasileiras, teve

    papel fundamental na formao de diversas igrejas evanglicas, como, por

    exemplo, a Igreja Batista da Lagoinha (Belo Horizonte, MG). Tal movimento

    merece detalhamentos e olhares dos pesquisadores da Cincia da religio e reas

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    afins para melhor compreenso da dinmica do campo religioso evanglico

    brasileiro.1

    1 Movimento carismtico no protestantismo brasileiro

    O surgimento de estruturas teolgicas diversas, e at mesmo divergentes nas

    igrejas protestantes no recebeu um tratamento uniforme. H igrejas em que esta

    nova articulao da f no se apresentou como um perigo concreto; enquanto que,

    em outras, as novas articulaes ameaaram a ortodoxia, o domnio do discurso

    teolgico tradicional. Como aponta Rubem Alves (1979, p. 29), em alguns casos

    certas igrejas no viram a uniformidade doutrinria como essencial unidade da

    comunidade; para outras, por sua vez, a unidade doutrinria se constitui na marca

    fundamental de identidade.

    O advento desta expanso pentecostal, ou melhor, da experincia

    pentecostal em meio s igrejas protestantes tradicionais, trouxe baila novas

    formas de experienciar sua religiosidade que para uns seria uma forma mais livre,

    emocional e viva, para outros, uma forma hertica, irracional e infantil. Assim, a

    questo do batismo no Esprito Santo e as possveis manifestaes que lhe seriam

    caractersticas apresentaram-se como um desafio teolgico e institucional o que

    se deu, no caso deste estudo, com as igrejas batistas.

    Com o intuito de proporcionar um novo flego experincia religiosa

    protestante, especialmente nas dcadas de 1950 e 1960, a experincia pentecostal

    adentrou as portas do protestantismo tradicional histrico como uma possibilidade

    de se (re)apropriar de uma espiritualidade originria do protocristianismo.

    A atitude inicial foi acolhedora, j que o prprio corpo protestante

    tradicional j se empenhara em ver suas fileiras acrescidas de um dinamismo

    1 O texto desta comunicao traz reflexes a partir da pesquisa histrica que subsidiou a elaborao de minha dissertao de mestrado defendida no Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio da UFJF em 2016. (MOREIRA, 2016). A pesquisa compila eventos e pessoas que seriam de grande relevncia para a formao do movimento carismtico protestante no Brasil.

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    evangelstico, expansionista e que proporcionasse uma elevao da experincia

    religiosa e do fervor religioso.

    Podemos vislumbrar, neste mesmo perodo, o incio de campanhas de

    avivamento espiritual e cura divina promovidas pelos pastores e evangelistas

    avivalistas que por vezes eram recebidos em igrejas tradicionais. Tal recepo foi

    o prenncio de um movimento interdenominacional chamado de Cruzada

    Nacional de Evangelizao (e que mais tarde constituiria a Igreja do Evangelho

    Quadrangular). Diversas igrejas do protestantismo histrico abriram suas portas

    para estas campanhas e at mesmo as incentivavam (CAMPOS, 2011, p. 511), j que

    iam ao encontro de suas expectativas de crescimento e no feriam, em princpio,

    seus preceitos teolgicos e doutrinrios. Entretanto, devemos lembrar o exemplo

    do setor batista que j havia passado por uma experincia conflituosa quando da

    passagem dos missionrios suecos, Gunnar Vingren e Daniel Berg, em solo

    brasileiro, no incio do sculo XX (1911), originando, aps, as Assembleias de Deus,

    causando certo estranhamento frente a certos cultos mais avivalistas.

    Ao mesmo passo em que o propsito evangelstico estava sendo atingido

    com o alcance do crescimento numrico de visitantes nos cultos, as manifestaes

    mais efusivas, caractersticas dos cultos pentecostais, comearam a ser alvo de

    debate interno dentro das igrejas tradicionais, o que, mais tarde, seria motivo de

    cismas institucionais em algumas ocasies.

    Desta feita, no mais promovendo estas campanhas de evangelizao, cura e

    avivamento nestes moldes, as igrejas tradicionais fecharam suas portas fazendo

    com que os pregadores avivalistas e de cura divina passassem a realizar seus

    encontros em tendas de lona trazidas dos EUA, motivo pelo qual ficaram

    apelidados de Cultos das Tendas (CAMPOS, 2011, p. 511); posteriormente viriam

    a compor o que Paul Freston (1994) chamou de segunda onda do

    pentecostalismo.

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    Sobre a relao no muito harmnica que estava se desenvolvendo nos

    setores batistas em relao experincia carismtica, bem como as campanhas de

    avivamento e cura divina, podemos colher excertos de matrias jornalsticas de

    publicaes no peridico oficial da denominao, O Jornal Batista, podendo-se

    citar o texto de Jos F. de Mendona (1959) intitulado Curas Divinas ou Tendas

    das Curas Divinas. No texto, o autor traa crticas a Manoel de Melo que deu

    origem ao Movimento Brasil para Cristo. Dentre as crticas ventiladas no referido

    artigo, Jos F. de Mendona acusa tal movimento das tendas de cura divina de

    no ser evanglico ou protestante, haja vista que tinha claras conotaes

    pentecostais. Diz o autor:

    um novo movimento que se iniciou em So Paulo em 1952 e tem com pioneiro o missionrio pernambucano, Manuel de Melo, ltimo dos 21 filhos dados luz por uma piedosa Me que, apesar de to experimentada em por gente no mundo, havia sido terminantemente proibida pelo mdico de ter mais um rebento. Por esse motivo, Manuel de Melo se considera um novo Messias, familiarizado com Billy Graham, consciente de sua obra a ser realizada, a qual deu o nome de: Movimento Brasil para Cristo. No Teatro de Alumnio, pagando cinco mil cruzeiros por uma noite de segunda-feira, Manuel comeou a promover sermes pblicos, sempre baseados no Vinde para serdes curados. Uma verdade que precisa ser dita bem alto a de que esse movimento no protestante nem evanglico, pois que secundado pelo pentecostalismo, em cujos templos o sr. Manuel de Melo se pontifica e realiza seus milagres de cura divina. (MENDONA, J. F., 1959).

    As denominaes protestantes passaram a tratar o tema do pentecostalismo

    com tons mais crticos, inclusive publicando diversos artigos em seus respectivos

    peridicos, demonstrando, em suas concepes, os eventuais desvios teolgicos

    perpetrados pelos pentecostais e os danos que isto poderia causar igreja e a uma

    espiritualidade saudvel. Esta atitude mais direta no tratamento da questo

    pentecostal no seio destas denominaes no impediu a debandada de certo

    nmero de seus adeptos em busca de outra forma de espiritualidade.

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    2 O caso batista: Renovao Espiritual

    Para melhor compreendermos como se deu o processo histrico de

    carismatizao das igrejas protestantes brasileiras, proveitoso que debrucemos

    por alguns momentos em alguns aspectos biogrficos de figuras que foram, dentre

    outras, cruciais para a propagao deste movimento dos carismas. Neste sentido,

    damos destaque a trs pessoas em especial, Rosalee Mills Appleby (1895-1991),

    missionria norte-americana enviada ao Brasil juntamente com seu esposo; Enas

    Tognini (1914-2015) e Jos Rego do Nascimento (1922-2016), pastores batistas de

    igrejas tradicionais at o momento de ciso institucional, quando se tornaram

    membros da igreja batista nacional (advindos do Movimento de Renovao

    Espiritual).

    Rosalee Mills Appleby e seu esposo, o tambm missionrio batista norte-

    americano David Percy Appleby, chegam ao Brasil em 1924 e fazem planos para

    este seu campo missionrio. Para tanto, conseguem auxlio financeiro da Primeira

    Igreja Batista de Tulsa e da Primeira Igreja Batista de Springfield. Contudo, um ano

    aps a chegada do casal em terras brasileiras (primeiramente no Rio de Janeiro e

    depois em Belo Horizonte), Rosalee perde seu esposo e d a luz ao filho do casal,

    dando-lhe o nome de David em sua homenagem. (XAVIER, 1997).

    Com a perda de seu esposo e a continuidade de seu trabalho missionrio,

    Rosalee inicia seus trabalhos no Colgio Batista Mineiro, lecionando para crianas

    e escrevendo folhetos e livros com cunho devocional e com uma tonalidade mais

    pautada na busca por uma vida mais devotada de comunho divina. A produo

    bibliogrfica de Rosalee grande. Destacam-se os chamados Folhetos de Vida

    Vitoriosa que eram enviados a pastores e missionrios em todo o Brasil e que

    tiveram papel fundamental na veiculao da mensagem avivalista.

    Um dos pastores que compartilhava em boa medida do propsito de Rosalee

    foi Jos Rgo do Nascimento que, ainda enquanto pastor batista de uma igreja

    tradicional (Igreja Batista de Vitria da Conquista), confessou algum tempo depois

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    ter passado pela experincia denominada batismo pelo Esprito Santo em 1955

    (XAVIER, 1997, p. 54). O reconhecimento de Jos Rgo enquanto pregador

    pautado por busca mais avivalista de experincia espiritual levou-o a ser convidado

    para pastorear uma recm-formada igreja batista em Belo Horizonte em dezembro

    de 1957 e que viria a se tornar a Igreja Batista da Lagoinha.

    A vinda de Jos Rgo a Belo Horizonte facilitou seu contato com Rosalee, o

    que em certa medida foi benfico para a expanso das premissas carismticas no

    seio protestante. Enquanto pastoreava a Igreja Batista da Lagoinha e pregava em

    diversas igrejas sobre o avivamento espiritual, Jos Rgo ainda possua um

    programa de rdio batizado, por sugesto de Rosalee, de Renovao Espiritual. A

    propsito, foi a partir desse nome que o movimento de carismatizao ficou mais

    conhecido, a saber, Movimento de Renovao Espiritual.

    A tnica do movimento primordialmente voltada para a necessidade do

    batismo do Esprito Santo como uma experincia distinta da salvfica e que seria

    capacitante para a vida evangelstica e devocional dos fiis da igreja com um todo.

    Para os adeptos do movimento, tal batismo era uma necessidade para combater o

    esfriamento espiritual que assolava as igrejas tradicionais que no possuiriam

    mais fervor. Os dons espirituais, glossolalia e demais manifestaes advindas do

    fervor carismtico seriam uma evidncia de um renovo. Deve-se destacar,

    todavia, que para este setor batista a ocorrncia de glossolalia no seria a evidncia

    por excelncia para se saber se determinado indivduo foi ou no batizado; outras

    evidncias seriam capazes de comprovar tal batismo como o aumento do fervor

    espiritual.

    Outro pastor que somou foras ao movimento de renovao, depois de Jos

    Rgo e Rosalee, foi Enas Tognini, que se tornou um dos maiores propagadores da

    renovao espiritual, seja atravs de seminrios, seja atravs de extensa

    bibliografia produzida.

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    A mensagem avivalista toma flego e os convites para prelees de Rosalee e

    Jos Rgo se avolumam, mas um evento em especial ser destacado pela relevncia

    histrica de suas repercusses no rumo do setor da tradio batista no Brasil.

    Durante os dias 11 a 18 de outubro de 1958, no ainda incipiente movimento

    carismtico no protestantismo brasileiro, realizou-se a Semana de Renovao,

    organizada pelo Grmio do Seminrio Teolgico Batista do Sul do Brasil, no Rio de

    Janeiro, com o tema O Pentecostes se repete?. Um dos preletores do evento foi

    justamente o pastor Jos Rgo do Nascimento (XAVIER, 1997, p. 58-59).

    Em uma sexta-feira, penltimo dia do evento, o pastor Jos Rgo recebeu

    um convite por parte de alguns seminaristas para participar de uma reunio de

    orao (viglia) na biblioteca do Seminrio. Jos Rgo, em carta endereada a

    Enas Tognini (TOGNINI; ALMEIDA, 2007, p. 55-57), narra que cerca de 50

    seminaristas oravam e cantavam at que, por volta da quarta orao aconteceu

    pentecostes. O Esprito caiu sobre a casa, possuindo a muitos. Alguns seminaristas

    se deixaram cair no cho, outros por sobre as mesas, outros se levantaram e muitos

    confessavam pecados em voz alta, ouvindo-se gemidos e sons de choro incontido.

    As experincias narradas eram variadas, riso, choro, alguns pediam para que a

    experincia parasse por no mais suportarem e outros, pelo contrrio, no queriam

    que ela cessasse.

    As reaes a este evento, bem como a prpria existncia do movimento,

    provocaram celeumas internas. Crticas contundentes ao movimento surgiram

    quase que imediatamente aps os eventos ocorridos na biblioteca do Seminrio

    Batista do Sul. Oficialmente, o Seminrio se posiciona atravs de diferentes

    declaraes. Uma delas fala de ocorrncias caracterizadas pelo extremado

    emocionalismo e excessos perturbadores [...] a necessidade de se distinguir entre a

    verdadeira espiritualidade e os excessos de emocionalismo, que so

    desvirtuamentos perigosos contra os quais devemos nos acautelar (TOGNINI;

    ALMEIDA, 2007, p. 59).

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    A partir desse momento a reao do setor tradicionalista (em contraposio

    ao setor renovacionista) comea a tomar ares mais incisivos a fim de manter sua

    unidade institucional, teolgica e ideolgica.

    3 A ciso batista

    O movimento de renovao pode ser dividido em dois momentos em razo

    de sua nfase experiencial, embora seja difcil separ-las em termos cronolgicos, a

    saber, um momento pr-renovacionista, com Rosalee, e um momento

    renovacionista propriamente dito com Jos Rgo do Nascimento e Enas Tognini

    (pode-se citar tambm a pessoa de Rosivaldo Arajo, pastor que comps o hino

    oficial do movimento, chamado Obra santa). A nfase primeira, de Rosalee, no

    se voltava para as experincias de xtase, glossolalia e dons espirituais; estava mais

    direcionada a uma busca por uma vida devocional intimista de orao e pregao

    evangelstica (o que em princpio no ia de encontro ao ethos batista de vida

    devocional e cltica). Provavelmente foi por esse mesmo motivo que Rosalee no

    encontrou os empecilhos que Jos Rgo e Enas Tognini encontraram perante a

    instituio, j que quando o movimento j estava sob a chancela dos mesmos a

    disseminao das manifestaes carismticas se avolumou.

    Jos Rgo, Enas Tognini e outros pastores e membros que aderiram ao

    movimento comearam a receber as reaes institucionais, a comear pela reitoria

    do Seminrio Teolgico Batista do Sul (STBS). Em declarao publicada no Jornal

    Batista de 27 de outubro de 1958, a reitoria do STBS repudiou o ocorrido em sua

    biblioteca quando da viglia de seminaristas (conforme narrado acima), referindo-

    se ao evento como extremado emocionalismo e excessos perturbadores, sobre os

    quais a Administrao e os professores vm sendo arguidos por terceiros. [...] so

    desvirtuamentos contra os quais devemos nos acautelar.

    Alm de haver a beligerncia institucional, a Igreja Batista da Lagoinha,

    que na poca j comeava a se destacar no movimento carismtico protestante

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    brasileiro, passa a ter que lidar com problemas internos (disputas entre membros

    acerca da legitimidade ou no do movimento e da experincia carismtica nos

    moldes em que se propagava) e externos, j que foi alvo de presso institucional.

    Durante assembleia da Conveno Batista Mineira realizada em Juiz de Fora, em

    julho de julho de 1961, a Igreja Batista da Lagoinha teve sua filiao cancelada sob

    alegao de desvirtuamento doutrinrio.

    No mbito nacional, durante a quadragsima quarta Assembleia da

    Conveno Batista Brasileira - CBB, em 1962, formou-se uma comisso (que ficou

    conhecida como Comisso dos Treze em razo do nmero de seus componentes)

    para a anlise da legitimidade do movimento de renovao e, mais ainda, para

    estudo do tema do Batismo no Esprito Santo luz da tradio batista. A comisso

    deveria ser composta por trs membros favorveis renovao espiritual e trs

    contrrios, sendo que os sete restantes deveriam ter a funo de rbitros. Os

    membros desta comisso eram: Rubens Lopes, Werner Kaschel, J. Reis Pereira,

    Achilles Barbosa, Harald Schaly, David Gomes, Jos Rgo do Nascimento, David

    Mein, Joo F. Soren, Delcyr S. Lima, Reynaldo Purim, Enas Tognini e Thurmon

    Bryant (CBB, 1963, p. 9).

    Um ano depois, na quadragsima quinta Assembleia da CBB realizada em

    Vitria, Esprito Santo, no dia 26 de janeiro de 1963, foi lido em plenrio um

    parecer sobre a questo, do qual destacamos:

    II) Verificamos que a expresso batismo no Esprito Santo nunca foi definida em declaraes de f publicadas pelos batistas atravs dos sculos e sobre seu significado as opinies de telogos e pensadores batistas so divergentes; mas tambm, reconhecemos: 1. Que a crena no batismo no Esprito Santo como uma segunda bno, ou seja, como segunda etapa na vida crist, ou seja, ainda como uma nova experincia posterior converso no tem sido crena que caracterize os batistas brasileiros. 2. Que a prtica do que ainda hoje chamam de dom de lnguas e dom de curas milagrosas igualmente estranha s crenas e prticas caractersticas dos batistas brasileiros. 3. Que o consenso geral dos batistas sobre a atuao do Esprito Santo na vida do crente que ele se faz como um processo em toda a sua vida, processo esse que chamamos de santificao progressiva, a qual depende da cooperao do prprio crente.

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    4. Que qualquer experincia emotiva ou sensvel de cunho pessoal que algum crente ou grupo de crentes tenha tido e que atribuem ao Esprito Santo, por mais genuna que seja para o indivduo ou para o grupo, de modo nenhum pode constituir um exemplo ou um padro a ser imitado por outros crentes, nem tampouco pode constituir base para doutrinamento dos outros ou para campanhas de avivamento. III) Apraz-nos assinalar no haver divergncia entre os batistas da Conveno Batista Brasileira nos pontos fundamentais da doutrina do Esprito Santo e que so os que constam da Declarao de F das Igrejas Batistas do Brasil. IV) Achamos que se deve reafirmar o direito inerente a cada batista de se pronunciar livremente sobre a matria, mas em linguagem crist em que se perceba a preeminncia do amor e o sincero desejo de um fortalecimento espiritual que se torna cada vez mais necessrio em nossas igrejas e em nosso povo. V) Mas achamos tambm que a nfase dada a determinada interpretao da doutrina do batismo no Esprito Santo tem originado os seguintes abusos que, sinceramente, deploramos: 1. A realizao de reunies em que se notam os mesmos vcios prprios de reunies pentecostais, isto , a confuso no ambiente, a gritaria, os descontroles fsicos, o falar em lnguas e outros excessos de emocionalismo. 2. Uma atitude de orgulho espiritual que no quer admitir opinies opostas e que classifica os que no experimentaram as mesmas emoes e experincias de carnais e mundanos. 3. Tentativas ostensivas ou veladas de proselitismo entre outras igrejas. VI) Achamos conveniente que esta Conveno advirta aos que porventura assim procedam que esto saindo da linha apostlica da ordem e da decncia e que prejudicam com tal comportamento as relaes entre as igrejas. (CBB, 1963, p. 14).

    Este parecer foi aprovado por 477 votantes de um total de 488 presentes,

    sendo ainda decidido que aquelas igrejas que forem expulsas de suas respectivas

    convenes regionais o seriam tambm da nacional. Algumas igrejas foram

    retiradas do rol convencional e formaram posteriormente o que viria a ser a

    Conveno Batista Nacional que seria uma juno das igrejas adeptas do

    movimento de renovao espiritual.

    Consideraes finais

    Por certo, trata-se de uma viso sumria das dinmicas que permearam a

    formao da ala carismtica no protestantismo brasileiro, notadamente no que

    concerne s igrejas batistas.

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    Contudo, pode-se averiguar que esse processo de tenses e rupturas sofrido

    pela instituio batista nos revela aspectos interessantes acerca do homem com a

    experincia religiosa que poderiam ser destacados.

    Existe sempre a busca por uma identidade com uma experincia primordial,

    originria, que nesse sentido seria a mais fundamental, mais pura e at mesmo

    arquetpica. O modelo no caso aqui narrado seria a experincia crist primitiva da

    igreja no primeiro sculo.

    Interessante notar que tanto aqueles que buscavam a renovao quanto

    aqueles que se pautavam pelo rigor doutrinrio com a finalidade de manter a

    tradio estavam ao fim e ao cabo com a inteno de alcanar ou manter-se de

    acordo com tal experincia. Obviamente, as leituras eram divergentes, da as

    tenses e rupturas nesse processo dialtico de tradio/renovao.

    Se por um lado os adeptos do movimento de renovao espiritual alegavam

    se apropriar da experincia originria atravs da vivncia carismtica, os que

    pugnavam pela tradio se diziam guardies da mesma.

    REFERNCIAS

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