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    Trilhas: Territrio e identidade entre os ndios do sul da Bahia/Brasil.

    Susana de Matos Viegas Departamento de Antropologia da Faculdade de Cincias e Tecnologia

    Universidade de Coimbra

    ABSTRACT: This paper is an ethnographic account of place-belonging among Indians presently living in the southern part of the Bahia region of Brazil. Despite the fact that the Indians have been dealing with state policies of indigenous settling since colonial time, they intertwine belonging to enclosed places such as villages, with a notion of belonging through lines of interpersonal social relations. These lines result from the intensifying practices of visiting, the recalling of narratives of trade contact situations and migratory circuits, and the transformation of institutionalized meetings promoted by governmental and missionary entities into visiting and meeting situations. By means of systematizing a phenomenology of place as a trailed-territory, the paper argues that these senses of belonging may become an heuristic device for thinking about territory in a wider comparative perspective. [South American Indians, identity, territory, sense of place belonging, settling policies, sociality].

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    Trilhas: Territrio e identidade entre os ndios do sul da Bahia/Brasil.

    Susana de Matos Viegas Departamento de Antropologia da Faculdade de Cincias e Tecnologia

    Universidade de Coimbra

    Aquele lugar era histrico. Ali, no passado, abicavam as canoas dos ndios; em torno daquele leito de rio sombreado surgiram aldeias indgenas e hortas. As hortas sobreviveram aos ndios: embora as aldeias tivessem dado lugar floresta, depois s grandes plantaes coloniais e por fim s casas de praia, ainda brotava mandioca em lugares inesperados. Naipaul, V.S., 1990: 106

    A descrio da paisagem porturia de uma ilha do Caribe por V. S. Naipaul introduz-nos

    exemplarmente ao tema a tratar neste artigo: o processo de identificao e pertena

    territorial de populaes de ndios que tm convivido, numa proximidade estrangeira, com

    a histria da colonizao, os tempos modernos e a globalizao. Tal como a paisagem deste

    porto de uma ilha das Carabas, tambm a regio da Mata Atlntica, habitada por diversos

    grupos de ndios na regio sul do Estado da Bahia/Brasil, foi transformada ao longo dos

    tempos. A sequncia dessa transformao que faz das aldeias floresta, depois plantaes

    (coloniais) e, finalmente, empreendimentos tursticos, tambm decorre dos mesmos

    factores histricos enunciados por Naipaul: o colonialismo e os tempos modernos1. Ao

    Este artigo a verso portuguesa do artigo intitulado New life to forest trails: Indian territory through colonial and modern times (Bahia/Brasil) submetido revista Identities em Outubro de 2000. Foram apresentadas verses anteriores deste artigo no grupo de Identidades do projecto do CES em Julho de 1999, em Novembro de 1999 no Seminrio Tenses Coloniais e reconfiguraes ps-coloniais: dilogos luso-brasileiros/Convento da Arrbida, e em Maio de 2000 no seminrio Imperial Tensions in postcolonial times: case studies from the portuguese speaking world/ Brown University (EUA). Agradeo a todos os participantes destes seminrios os comentrios encorajadores, e aos organizadores Cristiana Bastos (ICS), Miguel Vale de Almeida (ISCTE) e Bela Feldman-Bianco (UNICAMP-Brasil) por terem viabilizado a realizao do encontro da Arrbida e da Brown. Este artigo representa tambm o resultado do intercmbio estabelecido com Bela Feldman Bianco num convnio CES/UNICAMP, financiado pelo acordo CNPQ/JNICT. A consolidao do argumento desta verso final do artigo no teria sido possvel sem os comentrios de Joo de Pina Cabral (ICS) e de Alcida Rita Ramos (UNB-Braslia) a verses anteriores, pelo que lhes estou muito grata. Agradeo ainda a Bela Feldman-Bianco o entusiasmo que tem manifestado face ao desenvolvimento do meu trabalho, e Sandra Xavier pelas sugestes relativas antropologia da paisagem. 1 A expresso tempos modernos usada neste artigo para descrever a transformao operada, simultaneamente, nos ndios e na floresta atravs de uma ideologia moderna i.e. onde o desenvolvimento econmico era visto como prioritrio por relao a valores humanos, sociais, culturais e ecolgicos. Poderamos tambm usar o conceito de direitos de primeira gerao de Boaventura de Sousa Santos (1989) para caracterizar esse perodo mas o uso do conceito moderno evoca, de forma mais explcita, a destruio da diferena tnica e da paisagem que o artigo trata.

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    dizer que as hortas sobreviveram aos ndios, Naipaul evoca um dilema sobre a

    capacidade relativa da paisagem e a dos ndios em resistir a transformaes histricas de

    tamanha profundidade.

    Ao longo dos tempos, no sul da Bahia, a Mata Atlntica foi dando lugar a cidades, a

    largas extenses de cultivo de cacau, a pequenos empreendimentos de lazer, a indstrias de

    celulose, a reas tursticas, e ainda ao cultivo intensivo de fruta e coco. A Mata Atlntica

    hoje patrimnio mundial, preservada em pequenos nichos e vigiada por organizaes

    transnacionais, sob a gide da defesa de valores ecolgicos globais. Para os ndios do Sul da

    Bahia o processo de mudana da paisagem, provocado pelo desflorestamento, e o das suas

    prprias vidas evoca experincias paralelas de destruio. Ao mesmo tempo que se cortava

    a mata, e nela se construam espaos urbanos e plantaes agrcolas (principalmente de

    cacau), os ndios eram desalojados2 e expulsos dos locais que hoje identificam como o seu

    lugar de habitao.

    Esta ligao entre a destruio da floresta e a da vida das pessoas apenas

    formalmente equiparvel ao esprito de preservao ambiental que faz recair a ateno do

    mundo global sobre locais como a regio da Mata Atlntica. Maurice Bloch (1995) usou a

    expresso pnico ecolgico do Ocidente para se referir a essa ordem de valores e para os

    opor aos sentimentos dos Zafimaniry (Madagascar) para com a floresta. Bloch defende que

    os Zafimaniry se sentem ligados floresta valorizando, no entanto, o desflorestamento por

    ser atravs do corte de rvores que se marca a paisagem com monumentos, lembrando os

    antepassados, e oferecendo uma viso da perpetuidade da vida que se ope ao efmero do

    quotidiano (Bloch, 1995:65-66; Hirsh, 1995:10). Para os ndios do sul da Bahia a situao

    inversa dos Zafimaniri, no sentido em que o desflorestamento no desejado; porm, o

    sentimento negativo que o corte da floresta transporta para as suas vidas tambm se

    distingue dos valores globais de desastre ambiental, necessitando ser descrito e analisado.

    Tendo por terreno de reflexo emprica o contexto de identidade e pertena

    territorial dos ndios no sul da Bahia, este artigo contribui para enriquecer os dispositivos

    heursticos a que podemos recorrer para compreender fenmenos de identidade e pertena

    territorial no mundo contemporneo. Recorre-se aqui ao conceito de pertena territorial

    e no ao conceito antropolgico de paisagem por existir uma proximidade apenas parcial

    2 Uso o termos portugus de desalojado como traduo do ingls displacement. No contexto da literatura antropolgica tem-se usado o conceito de displacement para descrever processos de desalojamento que se reportam quer situao dos refugiados quer de populaes que so sujeitas a lgicas de habitao foradas, como o caso aqui em estudo.

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    entre este ltimo e a forma como a questo da identidade e do territrio aqui abordada.

    Tal como defende Barbara Bender, a paisagem (landscape) define uma rea onde as

    identidades so criadas e politizadas: A paisagem um conceito de grande tenso, que

    opera na articulao entre histria e poltica, relaes sociais e percepes culturais

    (1995:3). No caso indgena no sul da Bahia esta criao e politizao da identidade resulta

    de trs processos, interligados, que no so normalmente associados ao conceito de

    paisagem, a saber: a terra como mercadoria e meio de produo, o solo como territrio-

    nao e o lugar como forma de pertena localizada.

    Um dos aspectos relevantes na caracterizao da populao indgena do sul da

    Bahia o facto de ter sido sujeita, h longo tempo, a formas de aldeamento3 ditadas, num

    momento inicial, pelo regime colonial/missionrio e depois pelo Estado independente

    brasileiro. preciso recordar que a Bahia uma das primeiras regies da Amrica do Sul

    onde o colonialismo se implantou. Em concomitncia, os ndios que vivem na regio foram

    perseguidos por tentativas de aldeamento desde, pelo menos, o sculo XVII, quando os

    Jesutas que haviam chegado Bahia em meados do sculo XVI - consolidaram a sua

    poltica de aldeamento. Essa poltica inspirou-se em diversas ideias, entre as quais se

    destaca a noo de que os ndios eram por natureza seres fugidios. Se de incio pareciam

    aderir de forma rpida aos processos de converso religiosa, mostravam depois resistir a

    uma continuada vida crist, voltando a recolher-se no mato e a deixar o espao de

    convivncia com os cristos.

    As polticas de aldeamento jesuta tiveram na sua origem uma noo de espao

    panptico (cf. Foucault, 1984), inscrita na planta quadricular das aldeias, que mostra o

    quanto elas se conformaram a uma imagem ocidental de paisagem i.e. de uma realidade

    fechada, que se pode medir, descrever e mapear (Kuchler, 1995:85). A etnografia

    desenvolvida neste artigo permite-nos entender, porm, que o facto dos aldeamentos serem

    habitados pelos ndios faz com que esta imagem ocidental no seja apenas transformada

    - como se estivssemos perante um contraponto entre as representaes que os ndios

    trazem consigo, e que imprimem no espao vigiado, e o que esse espao promove.

    preciso assumirmos uma postura fenomenolgica para que possamos entender o sentido

    total da transfigurao destes lugares, atravs da vivncia dos seus habitantes. No contexto

    3 O termo aldeamento aqui utilizado como traduo do termo ingls settlement. O termo ingls tem um espectro semntico mais vasto que esclarece a situao aqui em causa. Ele pode ser usado para referir formas de constituir habitao e para referir formas de colonizao evocando, deste modo, o facto das polticas de colonizao terem passado por polticas de fixao e sedentarizao de populaes nativas.

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    etnogrfico das sociedades aborgenes australianas, que j foi designado o contexto

    prefigurado da antropologia da paisagem, este assunto tem sido objecto de um debate

    interessante e rico que merece ser continuado (cf. Morphy, 1995:205, cf. Morphy, 1995,

    Myers, 1988, 1991; Layton, 1995). Mas a questo ultrapassa, ainda, a validade estrita de um

    estudo de caso. A anlise deste sentido de transfigurao dos lugares enquadra-se na

    descrio e aprofundamento dos processos de alojamento, desalojamento (displacement) e

    realojamento (emplacement) que constituem, reconhecidamente, um dos temas centrais ao

    estudo da identidade e globalizao, como lembra Sousa Santos (cf. Captulo 1).

    A complexidade desta abordagem na actualidade decorre do facto de no estarmos

    perante situaes em que uma comunidade indgena com um padro de habitao mvel

    aldeada (como aconteceu no tempo colonial) mas perante fluxos de alojamento,

    desalojamento e realojamento, repetidos ao longo do tempo. Face a estas situaes, os

    sentimentos de pertena assumem formas serpenteadas de definio no monoltica e,

    muitas vezes, ambivalente e controversa. Mesmo os autores mais atentos a esta

    complexidade tm tido dificuldade em abandonar uma perspectiva que tenda a partir do

    contraste entre os modos tradicionais de conceber o territrio (entendidos como prvios

    ao desalojamento) e aqueles que esto a ser reivindicados numa situao ps-

    desalojamento. Nadia Lovell (1998), por exemplo, colocou a questo da seguinte forma: a

    reivindicao de territrios localizados por populaes que tinham modos de vida

    tradicionais no sedentrios um meio de negar as formas anteriores de vivncia do

    espao, nas quais se transcendia a fixao a um territrio (Lovell, 1998:4). Encontramos

    ainda esta mesma sequncia de argumentao nos debates que contrapem noes

    confinadas de localizao com o fluxo de mercadorias e pessoas. Neste contexto, as

    culturas que viajam aparecem como complementos, ou pares de oposio, a sentimentos

    de pertena local (cf. Clifford, 1997; Mitchell, 1998 para uma perspectiva crtica).

    Este artigo desafia a ideia da existncia de uma relao necessria de oposio ou

    complementaridade entre a pertena a territrios atravs de noes de fixao vs. de

    movimento. Apesar de se concentrar na descrio etnogrfica de um estudo de caso ligado

    identidade tnica sul amerndia, no contexto regional especfico do sul da Bahia (e de

    manter a tese de que essa diferena no redutvel), a abordagem a desenvolver neste

    artigo tem um alcance mais geral. As alternativas conceptuais que sero aqui apresentadas

    resultam da descrio de uma filosofia de pertena ao territrio onde o confinamento a um

    lugar constitui, simultaneamente, a abertura a uma rede de relaes. Um dos desafios

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    conceptuais inscrito nesta filosofia que ela comea por parecer assentar nos mesmos

    princpios que so descritos por John Comaroff (1996) para a constituio de um territrio

    confinado euronacionalista. Para Comaroff aquilo que define este modo de identificao

    que a pertena ao territrio se funda em fronteiras fsicas geogrficas, as quais so

    legitimadas atravs da inveno de um local de origem histrico (1996:176). Apesar dos

    processos de pertena territorial dos ndios no sul da Bahia partirem dessas mesmas

    premissas, eles conduzem-nos a formas de sociabilidade e de poltica territorial totalmente

    contrrias s que resultam da perspectiva euronacionalista. deste modo que se edifica

    uma fenomenologia que, apesar de se sustentar em noes de sociabilidade amerndia, pode

    contribuir para uma heurstica de entendimento dos processos de pertena territorial no

    mundo contemporneo.

    A etnografia a apresentar neste artigo resulta do trabalho de campo com observao

    participante que desenvolvi entre uma comunidade de descendentes de ndios Tupi,

    remanescente de uma aldeia jesuta fundada no perodo colonial (finais do sculo XVII) e

    conhecida actualmente pelo nome de Olivena4. No presente etnogrfico, entre Agosto de

    1997 e Agosto de 1998, os ndios de Olivena no habitavam uma terra indgena a

    designao oficial para descrever as reas territoriais indgenas reconhecidas pelo Estado

    Brasileiro actualmente. No entanto, durante o perodo do trabalho de campo, os ndios de

    Olivena comearam a participar em encontros regionais de ndios do sul da Bahia. Foi ao

    longo deste processo que tive oportunidade de conhecer representantes das comunidades

    de ndios Patax e Patax H H Hi e ainda Maxacali, Guarani e Xacriab, que habitam

    em regies circundantes. Estes encontros eram promovidos normalmente por entidades

    institucionais, desde organizaes missionrias - tais como o Conselho Indigenista

    Missionrio (CIMI)5 - prpria agncia governamental que trata dos assuntos indgenas, a

    4 O trabalho de campo foi financiado no mbito do projecto da Fundao da Cincia e Tecnologia, referncia PRAXIS PCSH/P/ANT/42/96, tendo como responsvel cientfico Miguel Vale de Almeida (ISCTE).

    At o ano 2000 os ndios de Olivena eram o nico grupo de ndios do sul da Bahia que se apresentava com um nome topogrfico: ndios de Olivena. Os ndios aldeados no sculo XVII eram ndios Tupi. Contudo, o seu nome tnico omitido pela documentao histrica desde o sculo XVIII, passando a design-los por ndios de Olivena. No ano 2000 os ndios de Olivena escreveram uma petio pblica (uma carta aberta) reivindicando a sua identidade enquanto ndios Tupinamb. A populao indgena fala apenas portugus e vive, actualmente, no meio de proprietrios e trabalhadores rurais que migraram para a regio. Definem-se como caboclos ou ndios, distinguindo-se, por vezes, desta ltima designao por alegarem que ela deve descrever os ndios que vivem em aldeias de ndios ou aqueles que habitam a longnqua e idealizada regio Amaznica. 5 O Conselho Indigenista Missionrio formou-se em decorrncia das reformas do Conclio Vaticano II e do Conselho Nacional de Bispos do Brasil (CNBB). Um dos papis mais importantes desta entidade foi a organizao das primeiras reunies de lideranas indgenas a nvel nacional na dcada de 1970 (cf. Ramos, 1998:168). O CIMI a nica organizao missionria dedicada causa indgena que actua no no sul da Bahia.

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    Fundao Nacional do ndio (FUNAI)6. medida que fui acompanhando representantes

    da comunidade de ndios de Olivena a estes encontros fui-me apercebendo que eles eram

    meios primordiais na constituio de redes de relao entre diferentes grupos e de

    sentimentos de pertena territorial. Foi a participao nestas reunies e as visitas

    subsequentes que fiz a aldeias de ndios no sul da Bahia, a convite de lideranas

    indgenas7, que forneceram a base emprica da etnografia que aqui apresentada.

    O processo histrico do aldeamento de ndios no sul da Bahia

    Os ndios que habitam actualmente a regio sul da Bahia foram aldeados durante trs

    perodos histricos: o perodo colonial do sculo XVI at 1822; o perdo de etnognese

    do Estado-Nao brasileiro o sculo XIX; e parte do perodo moderno desde os

    anos 1920 at 1940. Em 1998 havia dezasseis aldeias indgenas no sul da Bahia, que

    resultaram de uma desmultiplicao de trs aldeamentos fundadores: Olivena, Barra

    Velha e Caramuru-Paraguau. Cada um destes aldeamentos fundadores identificado,

    respectivamente, pelos trs grupos tnicos mais representativos na regio: os Tupi para

    Olivena, os Patax para Barra Velha e os Patax H H Hi para Caramuru-Praguau.

    Actualmente, as reas indgenas reconhecidas pelo Estado brasileiro so designadas no s

    de terra indgena como de aldeia de ndios ou aldeia indgena, sabendo-se que a

    designao de aldeia uma categoria da demografia oficial brasileira que descreve formas

    de povoamento de ndios, sejam eles resultantes de aldeamentos oficiais ou tradicionais.8

    Entre os trs aldeamentos fundadores aquele que mais antigo Olivena, a aldeia

    jesuta fundada em 1680 (cf. Leite, 1945). Depois da expulso dos jesutas do Brasil em

    1758, o nome religioso da aldeia (Nossa Senhora da Escada) foi substitudo por um nome

    topogrfico importado da ento metrpole: Olivena. Mais de um sculo depois, e em

    6 A FUNAI o rgo do governo brasileiro que trata de todos os assuntos relativos aos ndios no contexto do Estado-Nao, exceptuando-se apenas o sector da sade que em 1998 foi entregue ao rgo nacional de sade - Fundao Nacional da Sade (cf. Almeida e Oliveira, 1998; Lima, 1995; Ramos, 1998). 7 Cada aldeia de ndios tem mais que um lder ou liderana indgena. Os critrios mais importantes para a eleio de um lder pelos membros de uma aldeia so, por um lado, a sua capacidade de lidar com as entidades que apoiam o ndio (o governo, as ONGS, a Igreja), e por outro, a participao de um indivduo ou de um parente prximo no processo de reconhecimento de uma terra indgena ou de trazer a aldeia de volta (cf. seces seguintes deste artigo). Sobre os processos de liderana indgena na regio nordestina no Brasil veja-se Brasileiro, 1999; Sampaio, 1996; Arruti, 1996.

    No ltimo ms de trabalho de campo decidi gravar algumas entrevistas livres com os lderes que conhecia melhor, conduzindo a conversa de forma a que falassem das relaes com os ndios de Olivena. As citaes de conversas que apresento no artigo provem dessas gravaes. 8 Actualmente o termo aldeia usado no Brasil para designar, especificamente, formas de habitao de ndios. A unidade demogrfica menor que existe no Brasil para populao no indgena a vila. Assim, o tamanho das aldeias de ndios pode variar muitssimo. De acordo com dados de 1995, a aldeia maior no sul da Bahia Caramuru-Paraguau que foi fundada em 1926 com 52.000 hectares e tem agora 1.200 hectares. A aldeia mais pequena que resultou de uma fisso com a aldeia fundadora de Barra Velha tem 0,1 hectares.

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    resultado da lei estabelecida pelo Estado independente brasileiro para regulamentar todas as

    aldeias missionrias remanescentes, Olivena foi classificada administrativamente como

    uma vila (no indgena).9 Apesar dos ndios de Olivena serem descritos, desde ento,

    como assimilados, mestios ou civilizados, a populao continuou a identificar-se a

    si prpria como ndia, ainda que civilizada ou cabocla. 10 A populao no indgena da

    regio tambm foi mantendo esta representao dos caboclos de Olivena como uma

    espcie de ndios, ainda que misturados ou civilizados. Um outro aspecto que ajudou a

    perpetuar a identificao indgena foi o facto de durante a primeira metade do sculo XX

    esta populao indgena ter mantido o seu modo de residncia em pequenos ncleos

    habitacionais mveis, que se foram deslocando na regio da mata, tendo vindo a fixar-se

    apenas na dcada de 1960 em consequncia da mercadorizao da terra (cf. Viegas, 2000;

    2000a).

    O segundo aldeamento fundador a referir Barra velha. Diferentemente do que

    aconteceu com os ndios Tupi de Olivena, s em 1861 que o Estado independente

    brasileiro aldeou os ndios Patax. De acordo com a verso oficial, o objectivo desta

    poltica de aldeamento era criar uma reserva de mo de obra e domesticar a natureza bravia

    e hostil que marcaria a ndole desta raa (Sampaio, 1996:15; Carvalho, 1977:81).11 Na

    altura da Comemorao do quarto centenrio da Descoberta do Brasil (1900), o Estado

    tentou apropriar-se de parte de uma rea de floresta, includa na rea indgena de Barra

    Velha, com o objectivo de a transformar num Parque Nacional. Desde ento, a relao

    entre os ndios Patax e o Estado passou por diversos momentos de tenso. Na dcada de

    1950 deu-se um dos confrontos mais violentos entre os ndios e a polcia militar e parte da

    rea indgena conhecida como o Monte Pascoal - foi transferida para a fundao do

    Parque Nacional, sob a alegao oficial de se tratar da primeira paisagem avistada da 9 O decreto que declara a extino de todos os antigos aldeamentos de ndios data de 1875. Em 1888 a lei executada, concedendo-se ao municpio de Ilhus o direito de alienar as terras dos aldeamentos (Carneiro da Cunha, 1998:145-146; Campos, 1981:260, 271). A legislao sobre a extino dos aldeamentos seguiu-se ao Regimento das Misses de 1845, instrumento legal que dispunha sobre a administrao dos ndios e seu patrimnio. Nesse regimento, a extino dos aldeamentos justificada segundo princpios de assimilao, tais como a necessidade de se incorporar aos Prprios Nacionais as terras dos ndios, que j no vivem aldeados, mas sim confundidos com a massa de populao civilizada (Dantas, Gonalves & Sampaio, 1998:451-2). Sobre a forma como os ndios integram este processo histrico de mercadorizao da terra em Olivena numa perspectiva sobre o tempo, a permuta de bens, e noes de espao e terra veja-se Viegas (2000a). 10 A palavra caboclo um termo brasileiro que, segundo alguns autores, tem raiz no Tupi ca-boc, que significa tirado ou procedente do mato, sendo tambm, de acordo com Capistrano de Abreu primitivamente chamados os ndios catequisados em aldeias pelos Jesutas e seus rivais de catequese (cf. Machado, 1977).

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    Caravela do navegador portugus Pedro Alvares de Cabral, quando se aproximava da costa

    brasileira em 1500.12

    O terceiro aldeamento fundador Caramuru-Paraguau. Foi fundado em 1926 e

    habitado maioritariamente por ndios Patax H H Hi. O objectivo poltico que presidiu

    constituio deste aldeamento foi o de fixar, por um lado, ndios que habitavam antigas

    aldeias missionrias j extintas e, por outro, os ndios Patax H H Hi que viviam na

    regio de forma descrita como selvagem e errante i.e. no sedentria. Esta rea

    indgena um exemplo da poltica de aldeamento estabelecida pelo Estado brasileiro desde

    a dcada de 1910, aquando da constituio de um rgo governamental que lidava directa e

    exclusivamente com assuntos dos ndios: o Servio de Proteco aos ndios (cf. Lima,

    1995). A poltica governamental que orientava a questo indigenista na poca foi

    fortemente inspirada pelas ideias de assimilao dos ndios ao mundo civilizacional, as quais

    vm a reforar-se a partir da dcada de 1930 com a ditadura que se instala no Brasil. O

    governo estabelece um estatuto especial de cidadania para os ndios desde esse perodo, o

    qual prev que a sua identificao enquanto ndios seja transitria, destinada a desaparecer

    com a desejada assimilao cultura e civilizao brasileira. Os aldeamentos, ento

    chamados de Postos de Atraco, executavam esse princpio civilizatrio segundo

    mtodos sofisticados que pressupunham uma espcie de Iluminismo indgena. Os ndios

    deveriam ser atrados e no forados a fixar-se nestas reas, levados a concluir dos

    benefcios da civilizao por sua livre vontade.13

    Trazer aldeias de volta

    No perodo imediatamente posterior a 1920-1940 e at dcada de 1970 a situao dos

    aldeamentos e condies de habitao dos ndios do sul da Bahia reverteu-se: os Patax e

    Patax H H Hi que viviam nas reas indgenas de Barra Velha e Caramuru-Paraguau

    11 A imagem dos ndios Patax na documentao oitocentista fortemente racializada. O facto de terem sido descritos como um grupo nmada e entregue a prticas antropofgicas colocou-os no patamar mais baixo da hierarquia racial oitocentista (cf. Schwarcz, 1993; Paraso, 1976:16). 12 Os ndios Patax investiram de forma mais incidente numa tentativa de recuperao desta rea a partir de 1999. Em Agosto de 2000 ainda no haviam conseguido regularizar a situao, apesar de j terem reocupado parte da rea, continuando a sofrer ameaas de morte da parte de proprietrios que viram as suas terras includas nesse processo de recuperao. As ameaas so normalmente dirigidas aos lderes indgenas. 13 Existem j numerosos estudos sobre a poltica indigenista neste perodo, entre os quais se destaca o de Antnio Carlos de Souza Lima (1995). O caso do Posto de Caramuru-Paraguau paradigmtico desta poltica por duas razes principais. Por um lado, o nome escolhido refere a unio matrimonial mtica entre um suposto navegador portugus (Caramuru) e uma ndia Tupi (Paraguau) (cf. Monteiro, 1992:136). Este matrimnio veio a ser usado como o smbolo mestre do sucesso da miscigenao. Por outro lado, a rea do posto estava dividida em duas partes, sendo que uma ala se designava Caramuru e era para onde se levavam os ndios provenientes das antigas misses. A segunda ala, designada Paraguau, era onde ficavam os que viviam de forma errante na mata e precisavam de ser totalmente iniciados aos modos de vida da civilizao.

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    foram insidiosamente expulsos das reas indgenas. A descrio deste facto feita pelos

    depoimentos orais dos ndios, podendo tambm ser analisada em fontes da imprensa e

    depoimentos jurdicos em tribunal (cf. Silva, 1983). Aquilo que o conjunto destas fontes

    permite concluir que os procedimentos de expulso dos ndios so equiparveis a guerras

    campais, executados atravs de ameaas constantes de morte at efectiva destruio de

    plantaes, tiroteio e homicdio. em resultado desse clima de tenso, legitimado por um

    regime poltico militar e por um governo de Estado com fortes caractersticas coronelistas -

    que justificava que os proprietrios de grande extenses de terra tivessem polcia privada -

    que os ndios vo migrando a partir dos antigos aldeamentos, de forma compulsiva, em

    pequenos grupos de parentes, dispersando-se na regio.

    Na dcada de 1970 o Governo Federal defendeu a extino deste tipo de

    aldeamentos, que se dizia terem sido abandonados pelos ndios em decorrncia de terem

    cumprido o seu processo civilizatrio, e estarem j integrados na sociedade nacional, no

    devendo, portanto, manter-se em territrio prprio mas assimilados ao espao da

    populao no indgena. O caso da rea de Caramuru-Paraguau o mais representativo

    desta situao, no contexto sul da Bahia, mas o processo foi discutido a nvel nacional e

    visava aplicar-se a muitos outros casos.14

    Os ndios que habitam a regio sul da Bahia no vem as formas de expulso

    territorial ocorridas entre 1940 e 1970 como meros factos histricos. Para eles trata-se de

    um processo de desalojamento que retractam como um meio de desaldear. Um dos

    aspectos que pode parecer estranho a um observador exterior que as aldeias das quais

    reclamam terem sido expulsos, querendo agora voltar a habitar, so os aldeamentos

    fundadores, criados na ordem colonial e ditatorial. Actualmente, estes aldeamentos so o

    smbolo da anttese da expulso e disperso que caracterizou o desalojamento vivido no

    perodo de 1940-1970. Desde a dcada de 1980 que a memria da experincia negativa do

    desalojamento constitui o maior incentivo para levar a cabo uma forma de realojamento

    (emplacement), isto , de procurar um local de pertena depois de se terem visto fora de

    qualquer referncia de localizao (cf. Olwig & Hastrup, 1997; Lovell, 1998). J que o

    14 Na verdade, este processo relaciona-se com a directiva governamental conhecida como decreto de emancipao que teria consequncias vastas e devastadoras para os ndios (cf. Lima, 1995; Oliveira, 1998a; Ramos, 1998: 124-266). O decreto acabou por nunca ser posto em vigor. No caso da Bahia a resistncia execuo deste decreto foi apoiada por antroplogos da Universidade Federal da Bahia, nomeadamente atravs de um contacto com os ndios originrios da rea. Esta contestao faz parte da histria da fundao da actual Organizao No Governamental ANA da Bahia. As aces desempenhadas nesses finais da dcada de 1970 basearam-se num esprito de voluntarismo que levou muitos acadmicos e intelectuais, no Brasil, a apoiar a causa indgena (cf. Ramos, 1998:270-271).

  • 11

    desalojamento por eles descrito como uma forma de desaldear, o realojamento

    descrito como uma forma de trazer a aldeia de volta.

    Trazer a aldeia de volta significa, neste contexto, reavivar a conscincia poltica e

    encontrar uma referncia de localizao. O perodo de desaldeamento visto,

    actualmente, como um tempo em que os ndios no tinham o conhecimento das aldeias

    porque no tinham ningum para organizar. A ideia de trazer a aldeia de volta a de

    reunir os ndios, que se haviam dispersado, para um ponto territorial fixo, e melhorar o seu

    estilo de vida. Uma das memrias negativas que ficou da experincia de ser desalojado

    que os ndios foram forados a suportar um estilo de vida urbano onde, como dizia um

    ndio Patax que viveu muitos anos nessa situao, nos perseguem ladeiras de som que

    deixam a gente maluco.

    Os significados do territrio como terra - i.e. como meio de produo como solo

    i.e. uma rea dentro do Estado-Nao e como lugar - i.e. um meio de pertena

    localizada - acabam por se entrelaar num novelo denso de relaes. Neste sentido, a

    alterao da legislao que define o direito de acesso terra na Constituio de 1988 um

    dos elementos (mas no o determinante) para entendermos este processo de pertena

    territorial. De facto, a partir desta altura que o direito de reivindicar uma terra indgena

    passa a assentar na prova de que a terra tem sido tradicionalmente ocupada pela

    comunidade que a reclama (artigo 231 da Constituio).15 Contudo, os procedimentos para

    o reconhecimento de uma terra indgena so apenas parcialmente administrativos.

    Depois de passar as primeiras fases de regularizao, o Estado tem ainda que pagar uma

    indemnizao aos anteriores proprietrios, para que eles abandonem a rea. Acontece,

    porm, que os proprietrios resistem e aqueles que tm mais poder (e pistoleiros

    particulares) ameaam os ndios de morte. Em suma, para que os ndios vejam o seu direito

    constitucional de acesso terra cumprido eles tm que lutar no s nos tribunais

    15 Esta lei facilitou as formas de acesso terra em situaes como a dos ndios no sul da Bahia. Contudo, a demarcao e posse da terra por comunidades indgenas muito mais precria do que possa parecer. Em primeiro lugar, a lei no reconhece aos ndios o direito propriedade da terra; eles apenas podem aceder ao seu usufruto. Em segundo lugar, o nmero de terras indgenas regularizadas corresponde apenas a 3,8% em relao aos nmero oficiais (Oliveira, 1998a: 49). Um terceiro aspecto referente regio nordestina ainda significativo. Segundo dados de 1997 haveria 55 terras indgenas nesta regio. Porm, nenhuma delas estava completamente regularizada e apenas metade se encontrava na fase final do processo de regularizao (Sampaio, 1997). Note-se ainda que a legislao brasileira no assenta o direito de reivindicao de terra indgena na noo de os ndios terem um meio diferente e intenso de ligao com uma determinada paisagem, como acontece, por exemplo, no caso dos aborgenes australianos desde a Northen Territory Land Right Legislation, que define como condio de reivindicao de uma terra pelas sociedades aborgenes o facto de elas terem afiliaes espirituais a lugares particulares e consequentes responsabilidades espirituais primrias para com esses lugares (cf. Morphy, 1995: 230; Layton, 1995: 211).

  • 12

    (recorrendo a dispositivos discursivos com os quais esto pouco familiarizados) mas

    tambm no terreno, em conflitos face a face que resultam, invariavelmente, na morte de

    algumas das suas lideranas.

    Quando preciso apoio para retirar um anterior proprietrio de uma terra indgena

    e/ou trazer uma aldeia de volta o envolvimento dos ndios no se alinha por quem

    pertena aldeia a recuperar. nos encontros promovidos a nvel regional e nas visitas

    que se fazem entre aldeias que nasce esse sentimento de ajuda mtua. A sua eptome a

    noo de todos serem parentes. De facto, a noo de ser parente comum e tem

    significados muito similares em diversos contextos de poltica tnica na Amrica do Sul,

    indicando um sentimento de pertena mesma humanidade e uma autenticidade no

    envolvimento nos processos de identificao tnica (cf. McCallum, 1991: 416; Ramos,

    1998: 169). Este um dos casos que nos mostra, de forma inequvoca, como a poltica

    tnica deve ser descrita no s como um sentimento de pertena mas, principalmente,

    como um comprometimento colectivo para a aco. Trata-se, com exactido, daquilo que

    Joo de Pina Cabral descreve para o caso de identificao tnica dos macaenses: os

    membros desta comunidade no s partilham um sentimento de pertena como so

    conduzidos a agir de acordo com os princpios que reflectem essa pertena (2000:201).

    Para os ndios do sul da Bahia, a experincia que une estes parentes e os convida

    aco identificada com o sofrimento vivido na poca do desalojamento. Em situaes

    pblicas, os ndios do sul da Bahia apresentam populao no indgena esse valor

    partilhado atravs de uma formatao narrativa que podemos designar histrias de vida de

    sofrimento.16 Estas narrativas operam um colapso entre o tempo colonial e o passado

    mais recente, sob a gide de ambos serem momentos de desaldeamento i.e. de extorso

    de um modo de vida e localizao. Uma mulher lder Patax H H Hi iniciou a

    apresentao pblica da sua histria de vida de sofrimento desta forma: Minha famlia Patax. Minha me era a Patax Bahen. Quando foi a Conquista pegaram

    meus pais l no mato. Pegavam os ndios no mato para amansar e aprenderem a vestir a roupa e a comer.

    16 A mobilizao de minorias tnicas atravs da noo de partilha de uma comunidade de sofrimento tambm foi descrita para contextos como o dos movimentos negros na Colmbia e no Brasil (cf. wade, 1995:344; Viegas, 1998). Nestes contextos a experincia histrica do sofrimento lembrada atravs do processo de escravatura e da resistncia das comunidades de escravos fugidos, conhecidas como quilombos ou cimarrons. A poltica afro-tnica na Bahia tambm evoca estas ideais. Contudo, como Vale de Almeida (1999) defendeu recentemente, no contexto da Bahia a poltica cultural tambm est fortemente relacionada com a transformao do corpo negro, anteriormente negativizado, num locus de resistncia poltica.

    O uso da linguagem do parentesco e do sofrimento pode reportar-se, no caso indgena brasileiro, primeira reunio de organizaes de ndios, a nvel nacional, em 1974, exemplificando-se no discurso de um lder indgena Sherente: meus irmos, eu chamo-os de irmos porque eu sou um ndio, sou um irmo da mesma cor, do mesmo massacre (cf. Ramos, 1998:170).

  • 13

    Trouxeram minha me presa. Pegavam a pessoa no mato, vivendo sua vida, sua crena, para viver como civilizado, para aprender.

    At certo tempo a gente tinha mato para pescar, para caar. Depois, o rio secou, ficou sem mato e nesse meio tempo, muito [ndio] foi morrendo. A gente encontrava era ndio morto na estrada.

    (Lder das mulheres da rea Caramuru-Paraguau. Apresentao pblica dos Patax H H Hi num Seminrio promovido pela Universidade regional em Ilhus em Novembro 1997).

    Esta narrativa de vida usa a referncia do corte da mata para descrever o sofrimento dos

    ndios. O desflorestamento e a morte dos ndios so aqui apresentados como factos

    paralelos. tambm de notar como nestas narrativas a histria de uma mulher (a me

    Bahet) apresentada no como uma biografia singular ou excepcional mas, pelo contrrio,

    como testemunho de processos que foram vividos por todos os ndios da regio. Estas

    mesmas ideias iro surgir-nos repetidamente mais frente.

    As histrias de vida de sofrimento surgem-nos aqui como uma espcie de n final

    numa sequncia interpretativa que nos vinha a mostrar que o realojamento - ou seja, o

    processo de trazer aldeias de volta - uma forma de se alcanar uma referncia local,

    uma pertena localizada, sem que, no entanto, se opere o fechamento a um espao

    delimitado e fronteirio que a imagem da aldeia, e de juntar os ndios num ponto fixo,

    parecia evocar. O processo social de trazer aldeias de volta mostra-nos, de forma clara,

    que localizar-se numa aldeia indgena implica, necessariamente, ser capaz de ultrapassar as

    fronteiras fsicas e humanas da aldeia. Para trazer uma aldeia de volta preciso apelar a

    modos latos e difusos de solidariedade, entre todos aqueles que partilharam experincias

    similares de desalojamento e sofrimento.

    Circuitos migratrios e um local de origem histrica

    Se o passado lembra o desalojamento, o presente corresponde ao tempo onde os modos de

    realojamento se multiplicam. Veremos agora que a procura de referentes locais no passa

    apenas por trazer aldeias de volta mas tambm por procurar lugares de origem comum.

    Este processo constitui-se na narrao de episdios de migrao entre diferentes aldeias,

    realando-se a provenincia de Olivena. Diversos ndios Patax de Barra Velha relatam a

    sua chegada aldeia de canoa, vindos da regio de Olivena, enquanto que na rea de

    Caramuru-Paraguau a provenincia de um grupo de Olivena incontestvel, j que ele

    mesmo se reconhece como o grupo dos ndios de Olivena dentro da rea indgena. A

    importncia de Olivena como o local de origem topogrfica no lhe confere, no entanto,

    um estatuto de lugar de venerao ou de peregrinao secular, como acontece com os

    lugares histricos de origem (de uma nao ou um povo) inventados na perspectiva

    euronacionalista. Diferentemente, como veremos de seguida, ela ganha um estatuto de

  • 14

    lugar de arquivo. Numa conversa entre dois lderes indgenas Patax este fundamento

    arquivistico dos relatos de migrao foi explicitado quando um dos interlocutores

    assegurou que o conhecimento sobre a origem da sua famlia resultava da sua pesquisa

    histrica: tudo mostra, segundo os registros, alguns registros histricos, que nasceu de l

    de Olivena.17 Olivena , portanto, o local de onde vieram e por onde passaram

    diferentes grupos de ndios da regio e, tambm, o local cuja existncia histrica no perodo

    colonial pode ser documentalmente comprovado por ser um antigo aldeamento jesuta.

    O arquivo tem hoje um significado amplo para os ndios. O conhecimento

    adquirido em documentos histricos vital para os procedimentos administrativos de luta

    pelo direito de demarcao de uma terra indgena, ou de trazer aldeias de volta. Numa

    das aldeias Patax, que estava numa fase inicial de regularizao como terra indgena no

    presente etnogrfico, este valor do conhecimento arquivstico posto em evidncia. Neste

    caso, a iniciativa de se fazer um estudo arqueolgico e antropolgico de artefactos

    encontrados na rea partiu do prprio lder indgena. Entre estes artefactos destacava-se

    um antigo forno de mandioca e um sambaqui18 que deveria remontar ao tempo pr-

    colombiano, ambos encontrados na mata. Do ponto de vista deste lder indgena, os

    artefactos materiais so um tesouro arquivstico. Eles so fotografados para que possam ser

    vistos mesmo por aqueles que no tm oportunidade de visitar a zona de mata onde se

    encontram e devem ser estudados e documentados.

    Mas a importncia do conhecimento arquivstico para os ndios do sul da Bahia

    pode ser ainda inferido de muitas outras situaes, sem uma ligao to directa com os

    processos jurdicos. Entre elas destaca-se o facto das lideranas indgenas considerarem que

    a actividade de pesquisa histrica no deve ser reservada aos antroplogos e historiadores

    mas praticada pelos prprios lderes indgenas em primeira mo. Para uma liderana Patax

    o arquivo um lugar de esperana, onde se joga o futuro dos ndios na regio. Numa

    17 Alguns documentos histricos referem, explicitamente, que, no sculo XVIII os ndios Patax habitavam na rea de mata das redondezas da aldeia de Olivena. Num documento de 1756 diz-se que a rea no estava habitada por populao no indgena por ser uma parte deserta e costumar andar tambm por ela o gentio chamado Patax (Araujo, 1757 in Almeida, 1913: 184, 185). Um outro documento datado de 1799 menciona tambm o facto dos ndios Patax habitarem a regio sul de Olivena e acrescenta que essa situao se verifica desde 1730 quando os Patax foram expulsos do interior do actual Estado de Minas Gerais pelos Bandeiranteso (Lisboa, 1799 in Almeida, 1916:108-109; Lisboa, 1802 in Almeida, 1916a: 8, 10). 18 Um sambaqui um vasto depsito de ostras e outras conchas resultantes das prticas alimentares dos ndios no perodo pr-colombiano, sendo uma das evidncias da presena antiga de ndios na regio. Este testemunho histrico no apenas relevante do ponto de vista da regularizao administrativa de uma terra indgena. tambm de importncia vital para os ndios como uma forma de constituio dos seus sentimentos de pertena a um lugar (agradeo ao antroplogo Jos A. Sampaio Laranjeira, que tem feito relatrios para a regularizao de terras indgena no sul da Bahia, a troca de impresses a este respeito).

  • 15

    ocasio em que gravava uma conversa com diversos lderes Patax este valor do arquivo

    foi-me dado a ver de forma explcita. Eu queria fazer um apelo a voc, Susana, que de l do nosso pas. Eu digo nosso pas porque ns estamos na mar, tambm. uma mistura de Portugal com o Brasil, negros ndios e brancos, est na Histria. E eu fao um apelo, em nome dos ndios, nossa companheira: que faa uma interveno s autoridades portuguesas para que nos ajudem nessa luta... porque tem vrios culpados: a Igreja... porque no dizer as autoridades portuguesas na poca?

    E eu j procurei em alguns estudos, o conhecimento histrico [e verifiquei] que o catecismo dos livros cristos, na poca [colonial] foram feitos na lngua indgena e que esses livros foram levados para outros pases, pelos portugueses da poca. E que hoje ns temos necessidade desses registos, desses manuais histricos. Que iriam nos ajudar a voltar ao nosso passado, que pra mim, eu digo de corao... pra mim me eleva a um sentimento muito profundo.

    (Lder Patax de Barra Velha. Conversa com seis lideranas em Eunpoles. Julho 1998).

    At o dia da gravao desta conversa o facto de eu ser portuguesa nunca tinha sido

    evocado pelas lideranas como uma forma de identificar o pas colonizador. Usualmente,

    viam a minha presena como uma forma de espalhar, em Portugal, o sofrimento dos

    ndios do sul da Bahia. A projeco da minha cidadania para o tempo colonial foi trazida

    nesta nica situao e sob a gide do conhecimento de arquivo.

    A afirmao desta liderana tem a sua singularidade por se tratar de um lder

    indgena que se dedica pessoalmente pesquisa de arquivo. Sempre que pode, quando vai

    ao Rio de Janeiro, procura na biblioteca do Museu do ndio alguma pista que possa indiciar

    o caminho para a recuperao da sua prpria lngua. Mas a valorizao do conhecimento de

    arquivo ultrapassa essa peculiaridade pessoal. Ela enquadra-se na viso, recorrente nos

    ndios no sul da Bahia, segundo a qual o arquivo no uma realidade inerte referente a um

    passado distante e morto, mas um dos files de esperana futura.

    Em suma, vimos como o valor simblico de um lugar (como Olivena) enquanto

    local de origem histrico a nvel regional, sendo inferido do facto de ser uma fonte de

    conhecimento arquivstico, no assume uma posio de local hierarquicamente superior, no

    contexto de uma topografia das aldeias indgenas da regio. Diferentemente, ela refora o

    sentimento de pertena vasta rea regional atravs do testemunho da sua longevidade,

    transformando toda a regio ( e no o local preciso de Olivena) num lugar de onde podem

    surgir sentimentos de pertena territorial .

    Visitas e contactos entre trilhas

    Os episdios migratrios, as formas de trazer aldeias de volta e as histrias de contactos

    entre ndios so hoje parte da prtica discursiva e vivida dos ndios do sul da Bahia. Mas a

    ideia que vem dar um sentido mais lato ao modo de pertena territorial, a nvel regional, a

    intensificao de formas de contacto interpessoais, de visitas e encontros. Estas situaes

  • 16

    de contacto so muitas vezes formuladas a partir de uma imagem de trilhas na mata que

    trazem e levam animais, caa e ndios amigos e inimigos. A configurao desta imagem

    surgiu-me de uma conversa com um ndio Patax quando se referia relao dos Patax

    com os Maxacali. Ao narrar a desorientao existencial dos Maxacali na actualidade, ele

    alegou tratar-se de um problema que resultou, principalmente, do corte das trilhas que, no

    passado, antes dos ndios terem sido civilizados, conectavam estes grupos de ndios. Antigamente as caa viviam vontade, ultrapassava limites, rios e florestas e fundava de mato a dentro e ia embora. O ndio tambm. Ele vivia assim. Aonde tinha mata, ele achava que era dele. E ele vivia vontade. Atravessava rios, floresta e ia embora. Depois tornava a voltar.

    Ento, nossos ancestrais, nossos avs, nossos pais conta que os Maxacalis tinha linha directa com Barra Velha [aldeia Patax], no passado, mais ou menos h 50 anos atrs. Ento: quando foi tirada as mata a tambm foi cortado os seus caminhos. Igualmente s caas, ao passarinho: onde faltou a mata, os passarinho precisa voar muito pra ir a outro pedao de mato.

    Nos caso, por exemplo, o macaco: onde tem a mata, o caminho deles; se tirou o mato, a cortou o seu caminho. Por a ele no passa mais. A paca, por exemplo, que uma caa muito desconfiada, aonde tem a mata tem fruta pra ela e ela vai l comer, as frutas. Mas se tirou a mata, acabou-se seu local de alimentar.

    Ento, o ndio tambm tem essas mesmas caractersticas fsicas e moral e a causa de hoje os Patax estar distante do Maxacali e o Maxacali distante do Patax. E outros grupos, n? Indgena...

    Ento, aonde ns vivemos essa situao de contacto. Aonde ns temos saudade e dizemos: se os Pataxs e outros grupos adjacente, prximo do Maxacali, se ns estivesse sempre l junto com eles, eu acredito que eles no iria beber mais, iria matar a saudade deles e iam chegar ao ponto de viver alegre.

    (lder indgena Patax de barra Velha. Conversa com seis lderes em Eunpoles. Julho de 1998).19

    A existncia de relaes sociais entre os Patax e os Maxacali pode ser deduzida a partir de

    diversos nveis discursivos, inclusive o das fontes etnolgicas que mostram a presena de

    proximidades culturais e lingusticas entre estes dois grupos e atestam que eles viveram em

    locais geogrficos fisicamente contguos, num perodo histrico no muito distante (cf.

    Mtraux and Nimuendaju, 1963; Carvalho, 1977). Actualmente, os Maxacali habitam uma

    terra indgena na regio interior de Minas Gerais, enquanto que os Patax se vieram a

    fixar na zona costeira. A justificao da enfermidade dos Maxacali pelo corte das trilhas

    com os Patax sustenta a ideia que, sem contacto com outros grupos, a vida de cada um

    deles fica comprometida. nesta sequncia de ideias que este lder conclui o discurso

    dizendo que o nico meio de reverter esta situao de desorientao existencial dos

    Maxacali seria reatando as visitas entre os ndios Patax e Maxacali.

    Os ndios de Olivena (que s em 1997 comearam a participar nas reunies

    indgenas) recordam pequenas visitas que receberam de ndios Patax, desde a dcada de 19 A falta de concordncia gramatical na linguagem oral um trao muito marcante do modo de falar dos estratos menos escolarizados nesta regio da Bahia (e suponho que no nordeste em geral). por essa razo que optei por no fazer correces nas vrias transcries orais que apresento.

  • 17

    1980, com os quais aprenderam a fazer o arco e a flecha. As visitas so interpessoais e, por

    isso, no so partilhadas por mais que as pessoas da unidade familiar que as recebem. Os

    visitantes podem pernoitar por vrios dias, meses, ou mesmo anos. Este ltimo tipo de

    visitas no comum em Olivena, mas em reas indgenas do sul ela acontece com alguma

    recorrncia. O caso de um visitante Patax H H Hi que encontrei numa aldeia Patax a

    cerca de 300km do local da sua habitao exemplificativo desta situao. Depois de

    explicar com detalhe a sua provenincia de outra aldeia e o seu estatuto de visitante entre

    os Patax, onde dizia estar a passar uns dias entre os parentes do sul, acaba por

    acrescentar, para minha surpresa, que ali estava j l vai dois anos. Neste perodo de

    tempo, justificou, tem vindo a aprender com o paj Patax algumas prticas curativas. E de

    qualquer forma, na sua perspectiva, a sua situao no singular mas exemplificativa de

    uma tendncia mais geral dos ndios para a no fixao a um lugar eles fica uns tempos

    num stio, depois farta-se e vai para outro.20

    O debate antropolgico sobre o contexto sul amerndio tem realado a importncia das

    prticas de visitao sem que se tenha, contudo, explorado o seu papel na constituio de

    processos de pertena territorial.21 Um dos estudos etnogrficos que destaca a relevncia da

    prtica de visitar o de Alcida Rita Ramos, entre os ndios Sanum/yanomami, ao salientar

    o facto das visitas entre aldeias serem constantes e marcantes do modo de vida social desta

    populao (1990:50). Recentemente, Cecilia McCallum chamou a ateno para a

    importncia central das prticas de visitao entre casas e unidades residenciais na

    constituio da sociabilidade entre os ndios Kaxinau, habitantes da Amaznia na fronteira

    entre o Brasil e o Peru (1998:13).

    No contexto do sul da Bahia a prtica de visitao assume formas diversas mas

    igualmente importantes no entendimento dos modos de pertena territorial dos ndios a

    20 Christina Hugh-Jones (1988) ao descrever a organizao social dos Barasana, ndios Tucano, oferece uma imagem sugestiva de relaes desta natureza, ao dizer que o circuito de visitao de tal forma intenso que se torna difcil distinguir entre quem um visitante permanente e quem um residente temporrio. 21 Na Amaznia e, especificamente, na regio das Guianas as conexes sociais entre unidades de residncia so intensas a diversos nveis, que vo da troca comercial ao casamento e actividades cerimoniais (cf. Rivire, 1984:56, Shapiro, 1987:303, C. Hugh-Jones, 1988:169). Estas redes entre aldeias confirmam as teses segundo as quais a noo de territrio como espao fechado ou delimitado no til para o estudo das sociedades do contexto sul amerndio (cf. Wade, 1997:91; Jackson, 1995:4; Viveiros de Castro, 1996:187; S. Hugh-Jones, 1996:126). Para o contexto indgena do nordeste brasileiro a intensificao de viagens entre aldeias de ndios tem sido interpretada como constitutiva dos processos actuais de identificao tnica. Como defende Arruti, estas visitas estabelecem um facto social central para a vida destes grupos e para a sua organizao poltica (Arruti, 1996:189; 1999: 240, 276). Joo Pacheco de Oliveira (1998, 1999) tem vindo a salientar a importncia da noo de viagem para os processos de identidade social dos ndios que habitam a regio nordestina, fazendo uso da noo de viagens da volta.

  • 18

    nvel regional. As visitas de ndios Patax aos ndios de Olivena ocorrem com muita

    frequncia, desde que os ltimos comearam a participar nas reunies indgenas do sul da

    Bahia. A expectativa criada por estas visitas em Olivena muito grande. As pessoas da

    comunidade indgena acorrem ao local do encontro com curiosidade para ver como so os

    ndios das aldeias. Ao voltarem das reunies regionais os representantes de Olivena

    tambm fazem reunies de ndios onde do conta do que viram nas aldeias: como se

    dispunham as casas, que cerimnias eles tinham e como eles se pareciam fisicamente

    (trazendo, para o efeito, fotografias).

    Os encontros indgenas regionais em que participei com maior frequncia estavam

    integrados num programa de aco governamental que juntava representantes de rgos de

    sade do Estado Federal, do Estado da Bahia, e de rgos municipais, com os lderes de

    sade e polticos de cada uma das aldeias de ndios do sul da Bahia. Estas reunies

    permitem o encontro de ndios vindos das dezasseis aldeias localizadas em regies que

    podem distar, entre si, 500 km. Assim, o facto destas reunies serem promovidas por

    rgos governamentais torna-se secundrio quando, ao fim de um dia de convvio formal,

    se regressa ao hotel onde a FUNAI aloja os ndios. A estabelecem-se laos interpessoais

    entre lideranas indgenas que fazem parte integrante das prticas de visitao.

    Mas, entre os encontros em que participei, aquele cuja integrao em noes de

    visitao se torna mais evidente diz respeito a um seminrio promovido pelo Conselho

    Indigenista Missionrio (CIMI), onde tambm participaram ONGs e at representantes de

    partidos polticos. O encontro realizou-se numa das aldeias indgenas e juntou quarenta

    ndios dos trs Estados vizinhos da Bahia, Esprito Santo e Minas Gerais. O objectivo do

    Seminrio era discutir aces de desenvolvimento sustentvel, isto , uma forma de

    produo econmica que garantisse a autosubsistncia dos ndios e minorasse o nvel de

    dependncia exterior. Esta agenda formal do encontro no , no entanto, seno um dos

    seus propsitos. As reunies viabilizam a visita entre ndios que se chamam, entre si, de

    parentes. Para alguns, estes seminrios (cuja deslocao e estadia subsidiada),

    constituem a nica oportunidade para entrar em contacto directo com ndios de outras

    reas. Durante os encontros, a possibilidade de troca de experincias concretiza-se nos

    momentos formais de reunio, nos quais, por exemplo, se relatam processos de luta pela

    regularizao de terras indgenas, ou casos concretos de execuo de planos de

    desenvolvimento, com apoio de entidades governamentais e no governamentais. Mas o

    facto dos encontros envolverem o convvio, por vrios dias, num mesmo local fsico,

  • 19

    sedimenta mais ainda esta noo de visita. A satisfao de um ndio Tupiniquim do Estado

    de Esprito Santo em conversar com um ndio Krenak ou Maxakali justifica uma noite em

    branco. Trocam-se impresses sobre o manejo da terra, sobre o apoio de organismos

    oficiais aos ndios mas, tambm, sobre as formas de acesso a elementos da cultura do

    ndio, que vo do artesanato lngua. Aprende-se a dizer mulher bonita noutra lngua,

    as mulheres trocam experincias domsticas na cozinha improvisada e, noite, o barraco

    de tbuas de madeira - que j serviu de escola e recinto para reunies - transforma-se na

    sala de dana.

    Entendemos agora que os contactos criados nas visitas entre aldeias, quer seja

    informalmente, quer nas reunies formalmente marcadas, so constitutivos da prpria

    noo de pertena a um territrio enquanto solo e meio de localizao. Se trazer aldeias de

    volta a prtica de pertena que mais se associa ao reconhecimento administrativo de uma

    terra indgena, visitar (ou estabelecer linhas de contacto, ou trilhas) o modo de

    transcender o possvel encerramento em que essa forma de pertencer a uma aldeia poderia

    incorrer.

    A importncia que os ndios facultam a esta forma de ligao trilhada no est

    apenas presente, para os ndios, nas prticas de visita mas tambm na memria da

    existncia de redes de troca entre os Patax que viviam na costa e os ndios que vinham da

    mata. Estas redes so descritas como linhas ao mesmo tempo humanas e constitutivas da

    paisagem da mata. Uma das descries que ouvi sobre estas redes de troca diz o seguinte: Os ndios fazia contacto com os outros ndio Patax de Barra Velha. O que que eles fazia? Os Patax de Barra Velha fazia roa, plantava banana, plantava cana. Quando ficava madura ele j tinha o contacto com os outros parentes da mata. E trazia de l a Paca, trazia o Tatu, trazia o Catitu e colocava ali. No dia seguinte eles ia l buscar, fazia uma troca. Quer dizer que a j levava de c da praia, levava o caranguejo, levava o siri, levava o ourio. Levava a farinha, levava a banana, levava a mandioca... a, eles pegava esses trem e fazia a troca. (Lder Patax de Barra Velha. Conversa com seis lideranas em Eunpoles. Julho de 1998)

    Esta descrio torna claro que o objectivo das actividades econmicas dos Patax da costa

    era criar situaes de contacto. Eles cultivam mandioca, plantam banana e deixam-na

    amadurecer sabendo que as trilhas da floresta iriam trazer os ndios da mata aldeia.22 As

    22 A antroploga brasileira Maria do Rosrio G. Carvalho apresenta narrativas de ndios Patax recolhidas no trabalho de campo que realizou na dcada de 1970, em Barra Velha, onde estas mesmas situaes de troca so descritas numa espantosa semelhana com aquelas que me foram narradas vinte anos mais tarde. As narrativas que ela transcreve referem ndios caadores que chegam da mata para realizar permuta com os da costa, sustentando a imagem da extrema selvajaria dos ndios da mata atravs da atribuio de prticas canibais (cf. Carvalho, 1977:93-94).

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    redes de troca vm sobrepor-se s redes de visita, sendo que ambas so concebidas em

    paralelo com as trilhas da floresta.

    Esta concepo do territrio em circuitos e linhas abertas atravs de prticas de

    visitao e troca, em detrimento de espaos fronteirios que encerram o horizonte, pode

    tornar-se ainda mais significativa se a enquadrar-mos no contexto comparativo sul

    amerndio, abrangendo grupos diferentes e abarcando quer o contexto amazoniano quer o

    nordestino no Brasil. No contexto indgena nordestino tm sido mencionadas noes de

    pertena atravs de rastos, trilhas, linhas e crculos (cf. Arruti, 1995:9; 1996:141;

    1999:240).23 Para a regio do Xingu, e segundo Gregor, os ndios Mehinku tambm

    sustentam uma noo de territrio sem fronteiras fsicas e mensurveis. Gregor afirma que

    se diz que a fronteira entre a tribo Mahinku e a dos Awet fica, aproximadamente, no

    ponto de onde um homem deve voltar se deseja chegar a casa antes do anoitecer (Gregor,

    1982:43). Em relao aos Arawet, grupo Tupi que habita a regio do Xingu, Viveiros de

    Castro (1992) defende existir uma noo de territrio sem alicerces fronteirios, que tem

    como corolrio poltico o facto das guerras entre grupos que habitam reas territoriais

    diferentes no serem vistas como disputas territoriais. De facto, Viveiros de Castro

    mostra como a chegada de um estranho a um territrio habitado pelos Arawet no

    concebida como a chegada de invasores que tinham que ser expulsos mas como sujeitos

    que protagonizavam a diferena (Viveiros de Castro, 1992:33). Apesar desta tese de

    Viveiros de Castro dizer respeito, principalmente, ao entendimento de processos de

    identidade pela diferena, ela no deixa de ser importante para entendermos esta dimenso

    poltica comum aos territrios trilhados (que ser especificada na concluso) que o facto

    do seu modo de aco poltica no assentar na disputa de fronteiras fsicas.

    Nesta mesma sequncia descritiva de territrios delineados em forma de redes, a

    imagem que Alcida Rita Ramos nos oferece sobre o territrio Yanomami ganha particular

    fora evocativa: Respondendo disperso natural [do seu modo de habitar], as comunidades Yanomami esto distanciadas entre si de umas poucas horas a dias de caminhada, e ligadas por uma intricada teia de atalhos. Finas nervuras de terra, ora tortas, ora retas, sempre resolutas, subindo e descendo encostas,

    23 Arruti incorpora estas noes de pertena territorial na geografia mtica dos Pankararu (ndios que habitam a regio prxima ao Rio So Francisco), na qual se inclui o lugar onde as entidades dos encantados vivem, protegendo os Pankararu e delineando linhas de comunicao entre humanos e o mundo sobrenatural (1996:141). No contexto da Amaznia encontram-se tambm inmeras referncias a este tipo de configurao territorial: linhas, carreiros e trilhas inscritas ao nvel do mundo cosmognico. Diversos mitos fundadores referem a aco de entidades semi-humanas que vomitam seres humanos ao longo das bordas dos rios, fazendo destas linhas dos rios os marcos definicionais do territrio (cf. Hugh-Jones, 1993:107).

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    detendo-se em igaraps para ressurgir do outro lado, confundindo-se com razes que serpenteiam o cho da mata, com troncos de rvores cados sobre rios, so trilhas Yanomami. (Ramos, 1996:18).

    Pode alegar-se que esta imagem territorial de uma rede densa de trilhas no apenas

    recorrente no contexto amerndio. Ela tem paralelo noutros contextos etnogrficos onde a

    pertena territorial tambm se faz por intermdio de um territrio serpenteado por linhas,

    carreiros ou trilhas. Um dos casos que facilmente associamos com essa imagem o dos

    aborgenes australianos. Mas h autores que conferem a este modo de concepo do

    territrio uma generalizao ainda maior, defendendo que o uso da metfora dos caminhos

    (paths) caracterstico das formas de descrever a territorialidade em sociedades de pequena

    escala (cf. Tilley, 1994:30). A descrio etnogrfica da rede territorial de trilhas da mata

    desenvolvida neste artigo no nos deixa sucumbir, no entanto, a esse nvel de generalizao

    porque ele oferece-nos uma perspectiva fenomenolgica sobre a pertena territorial onde

    lugares no fronteirios, como as trilhas, so constitudos com a mesmas prticas de

    sociabilidade que os lugares delimitados, tais como as aldeias. Ao invs da generalizao, o

    contributo da anlise desenvolvida neste artigo deve completar-se sujeitando-se a uma

    sistematizao densa.

    Um territrio trilhado (concluso).

    A melhor forma de concluirmos sobre o sentido das trilhas na orientao de um processo

    de pertena territorial dos ndios do sul da Bahia sistematizando a fenomenologia de um

    territrio trilhado.

    O primeiro princpio que define um territrio trilhado a sua natureza histrica.

    Vimos como a constituio da noo de pertena territorial dos ndios do sul da Bahia

    parte de um processo histrico de localizao e deslocalizao. Os ndios desenvolvem

    formas de pertena ao territrio que resultam de uma reaco a histrias sucessivas de

    destruio. O desalojamento e o desflorestamento so pontos nevrlgicos neste sentido

    negativo da histria e so ambos responsveis pelo corte das trilhas i.e. das conexes

    sociais entre os ndios.

    A segunda ideia inscrita num territrio trilhado diz respeito ligao entre a aco

    humana e a paisagem. Este aspecto relaciona-se com o dilema anunciado na introduo do

    artigo, sobre o poder relativo das pessoas (em sociedade) e da paisagem em resistir a

    transformaes histricas profundas. Num territrio trilhado a destruio da paisagem

    ultrapassada - ou tornada humanamente suportvel -, atravs do refazer de conexes

    sociais. Este princpio incorpora uma noo fenomenolgica da relao entre a aco

  • 22

    humana e a paisagem, que se adensa e esclarece quando vista luz do contexto

    comparativo mais vasto das sociedades sul amerndias. Nesse contexto, a destruio da

    paisagem em consequncia de explorao selvagem de ouro por garimpeiros, a construo

    de estradas alcatroadas, ou de barragens que cruzam reas indgenas, tem constitudo um

    desafio constantes ligao entre os ndios e a paisagem, tendo suscitado reaces de

    revitalizao da paisagem pela parte dos ndios (cf. Arhem, 1998:78, 89, 98; 1998a; Turner,

    1993, Arruti, 1999:272). Os ndios do sul da Bahia tambm reverteram a destruio da sua

    relao com a paisagem da Mata Atlntica e fizeram-no segundo uma filosofia de aco

    especfica: a activao de aces humanas socializadas - i.e. prticas de conexo social -

    atravs de visitas.

    A terceira caracterstica de um territrio trilhado a sua simultnea fluidez e

    localizao. Um territrio trilhado fluido no sentido em que as suas fronteiras no so

    objecto de disputa. A delimitao do territrio assenta na mobilizao e desejo de pertena

    localizada, a qual resulta de uma reaco experincia negativa de desalojamento e no da

    necessidade de controlo sobre fronteiras territoriais, medindo-as ou mapeando-as. A

    diferena entre um forma de pertena a um territrio trilhado e um lugar delimitado

    euronacionalista assenta neste contraste entre uma forma de identificao que passa pelo

    controlo mensurvel do espao ao qual se pertence, e o sentimento de conexo a um

    territrio por vias de comunicao como as trilhas, ou prticas intersubjectivas como as

    visitas.

    O quarto princpio de um territrio trilhado a sua reversibilidade. As trilhas da

    floresta so lugares reversveis: elas atenuam-se se deixarem de ser percorridas, podendo

    mesmo desaparecer (cf. Tilley, 1994:30; Gow, 1995:55). Esta caracterstica das trilhas da

    floresta constitutiva da reversibilidade das conexes sociais: tambm estas s existem na

    medida em que sejam activadas atravs da interaco social. Sempre que se rompem

    relaes entre habitantes de diferentes aldeias as trilhas fecham i.e. o territrio perde uma

    das suas vias de existncia.

    Os territrios trilhados esto, portanto, dependentes da indeterminao da aco

    social tendo, consequentemente, uma existncia intermitente, e podendo mover-se ao

    longo da histria. Um territrio trilhado alarga-se sempre que aumentam as redes de

    relaes sociais e fecha-se quando as pessoas deixam de se visitar. Vimos como as redes

    antigas de troca podem ser lembradas e reabertas, mas elas nunca sero efectivas se forem

    apenas descritas por palavras e no, efectivamente, palmilhadas. Em concomitncia, o

  • 23

    alargamento ou fechamento deste territrio no depende de discursos ou representaes

    das suas fronteiras, mas da interaco efectiva das pessoas que se identificam com ele e

    que, por essas prticas interactivas, o constituem.

    Estas quatro caractersticas de um territrio trilhado mostram-nos, em suma, uma

    forma de pertena territorial fundada na histria e capaz de ser, simultaneamente, localizada

    e livre de fronteiras, dependendo da solidariedade social entre grupos de pessoas

    diferenciadas, e estando ligada a uma configurao reversvel e intermitente do espao. Em

    conjunto, estas caractersticas podem ser vistas como uma densa e rica filosofia de

    sociabilidade e pertena territorial. nesta medida que a noo de um territrio trilhado

    deve ser tida em conta na anlise de fenmenos de identidade e pertena territorial no

    mundo contemporneo, nomeadamente por relao a contextos onde o projecto colonial

    se tenha efectivado h longo tempo atravs de polticas de aldeamento.

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