uma nova especie de tropidurus do brasil (sauria, iguanidae)

5
Papeis A vulsos de Zoologia ISSN 031-1049 Papeis Avulsos de Zool. , S. Paulo, 34(13): 145-149 24.IV .1981 UMA NOVA ESPECIE DE TROPIDURUS DO BRASIL (SAURIA, IGUANIDAE) M. T. RODRIGUES ABSTRACT Tropidurus nanuzae, sp. n., is characterized by the presence of a dorsal crest and by the arrange- ment of the mite pockets; it was found in saxicolous communities at the Serra do Cipd. Minas Gerais. between 1200 and 1480 m. The species is locally syntopic with one from of the torquatusspecies group. INTRODU<;AO Durante os meses de novembro e dezembro de 1979 realizei duas breves excursoes a Serra do Cip6 para amostrar a fauna herpetologica local e, mais especialrnente, tentar ob- ter series de Tropidurus do grupo torquatus. Entre os materiais obtidos figura uma amos- tra de Tropidurus que me parece representar uma especie ainda nao descrita . Tropidurus nanuzae, sp. n. Hol6tipo: MZUSP 54869, d , Brasil: Minas Gerais: Serra do Cipo, rodovia MG2 Km 109, 25.XI.79, M. T. Rodrigues col., numero de campo 79.3116. Paratipos: MZUSP 54850-54868, 54870-54874, 24-25.XI.79: MZUSP. 54939, 19.XII.79: todos da mesma localidade que 0 hol6tipo. MZUSP 54937,54938, rodovia MG2 Km 127, 18.XII .79: USNM 213514-213517, rodovia MG2 Km 108-110, 21-31.i.80, R. I. Crombie col. DIAGNOSE Tropidurus pequeno , com cauda urn pouco mais longa que 0 corpo. Crista dorsal presente nos dois sexos. Dobra gular ausente, Uma bolsa profunda no pescoco, seguida por uma pre-humeral obliqua, que Ihe fica paralela. Regiao preanal e face ventral da coxa arnarelo-ouro no macho adulto. DESCRI<;:AO Rostral arnpla , mais larga do que alta, separada da nasal. Escamas do topo da cabe- ca poligonais, carenadas ou nao. Semicirculos supraorbitais bern definidos, alguma s ve- Museu de Zoologia, Universidade de 540 Paulo. Bolsista da Fundacao de Amparo aPesquisa do Estado de 540 Paulo (FAPESP).

Upload: basiliscus

Post on 09-Nov-2015

3 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Uma Nova Especie De Tropidurus Do Brasil (Sauria, Iguanidae)

TRANSCRIPT

  • Papeis A vulsos de ZoologiaISSN 031-1049

    Papeis Avulsos de Zool. , S. Paulo, 34(13): 145-149 24.IV .1981

    UMA NOVA ESPECIE DE TROPIDURUS DO BRASIL (SAURIA, IGUANIDAE)

    M. T. RODRIGUES

    ABSTRACT

    Tropidurus nanuzae, sp. n., is characterized by the presence of a dorsal crest and by the arrange-ment of the mite pockets; it was found in saxicolous communities at the Serra do Cipd. Minas Gerais.between 1200 and 1480m. The species is locally syntopic with onefrom ofthe torquatusspecies group.

    INTRODU

  • 146 Papeis Avulsos de Zoologia

    zes interrompidos pela s supraoculares . Esta s sao imbricadas, dispo sta s em tre s ou qu atr ofileira s longitudinai s; as da fileira que toea 0 semicirculo sao rnaiore s, pentagonais, quan -do rnuito, dua s vezes ma is la rgas do que longas.'Cinco ou seis supercilia res alongadas, to -da s lisas e imb ricadas. Occipita l irregular, geralmente mais longa do que larga ; margina-da lateralmente por escamas semelhantes as do topo da cab eca e posteriormente iguai s asdo rsais .

    Canthus rost ralis arredondado, formado por uma cantallonga, inserida entre a pri -meira superciliar e os griinu los post-nasais . Narina arredondada, voltada para a frente ; si-tuada na porcao pos terior de uma nasal pentagonal e entumescida . Duas a quatro fileirasde loreais, carenadas ou nao, ent re a cantal e as supralabiais. Sub ocula r longa e com qui-lha bern marcada na porcao superior; entre a margem anterior da suboc ular e acantalexiste uma escama menor, igualmente carenada . Quatro ou cinco supralabiais aumenta-das ate a altura da porcao posterior da subocular, as demais red uzida s. Temporais iguai sas dorsais, porern com 0 mucro meno s acentuado . Margem anterior do ouvido com umafranja de tres a cinco escamas aciculares , lisas, as superio res por vezes cobrindo a abertu-ra . Escamas do pescoco mucronadas, meno res que as dor sais .

    Sinfisal hexagonal, quase tao larga quanto longa, muito meno r que a rostral; seguidade cada lado por dois pares de post- sinf isais divergen tes, caracteristicamente maio res queas gula res adjace ntes . Estas se apresentam lisas e ligeiramente imbricadas na porcao ante-rior da garganta, passando posteriormente a mucronadas; 26 a 34 entre a sinfisal e 0 nivelda ma rgem anterio r do brace .

    Dor sais pentagonais, carenadas, imb ricadas e mucronadas; menores nas proximida-des das vent rais. Crista dorsal mais pronunciada no macho; formada por escamas aumen-ta das, qu ilhadas e imbricad as, da margem posterior da occipital ate 0 inicio do terce dis-ta l da cauda . Tr inta e oito a 51 escamas na crista e 54 a 72 dorsais, contadas entre a occi-pital e 0 nivel da margem posterior da raiz da coxa; 55 a 74 escamas ao redor do meio doco rpo .

    Ventrais urn pouco menores que as dorsais, lisas, dispostas em 37 a 49 fileiras tran s-versais, conta das na linha medio -ventra l entre 0 nivel da margern posterior da ra iz do bra-,0 e 0 da marge m anterior da raiz da coxa .

    Membros do rsalmente revestidos por escamas igua is as dor sais, apre sentando care-nas mais altas no carpo e tar so . Ventralmente , escamas men ores e levemente qui lhadas nobrace , antebraco e perna; na coxa escamas cicloides, lisas e forternente imbricada s. La-melas infradigitais tr icarinadas, 9 a 16 no 4? dedo, 15 a 22 no 4? arte lho .

    Faces dor sal e laterais da base da cau da com escamas aumentadas, mais largas doque longas, dirninu indo progressivamente em tamanho e tornando-se mais alo ngadas dis-talmente . Ventralme nte a cauda tern escamas lisas na base; as demais sao carenadas e mu-cronadas como na face dor sal.

    Uma bolsa later al profunda no pescoco , obliquarnente dispo sta, seguida por umapre -humeral paralela , que a ultrapassa vent ra lmente. Nao ha bol sas post -humerais oupre-femorais diferen ciada s.

    Colorido de fundo castanho-escuro no do rso . De cada lado, corre uma faixa dorso-la teral amarela do olho a raiz da coxa. Uma serie de ma lha s rnedio-dorsais castanhas,mais largas do que longa s, tornando- se obsoletas na base da cauda . Pa ralela a primeirafa ixa longitudinal arnarela , existe outra, partindo da parte lateral da rostral, pas sandosob 0 olho, pelo centro do ouvido e terminando a altura da raiz do brace. Fla ncos comuma serie de ma lhas verticai s enegrecida s sob re fundo amarelo ou alaranjado no macho,acinzentado na fernea .

    Ca beca castanho-claro do rsalmente. Garganta creme nas femeas , ferrugem ou ama-rela no mac ho ad ulto; com linhas negras obliquas dispostas de modo irregular.

    Ventre sern manchas, acinzentado na femea , com ton s amarelados no macho . Facedorsal do braco e da perna com malhas amareladas ou ave rmelhadas; face ventral das fe-meas cinzento uniforme. Regiao prea nal e face ventral da coxa do macho adu lto,amarelo -ouro.

  • Vol. 34 (13), 1981 147

    Existem variacocs quan to ao padrao descrito . Nas femea s. as duas faixas longitudi-nais amarelas pod em se ap resentar mai s palidas: 0 co lorido de fundo tende, em algumas ,pa ra 0 acinzenta do, ficando obsoletas as malhas dorsais.

    Esta especie e dedicada a Ora . Nan uza L. Menezes, do Depart am ento de Botan ica daUniversida de de Sao Paulo , qu e po r anos tern traba1hado sobre as Velloziaceas da Serrado Cipo e que me int rod uziu a regiao .

    DISCUSSJ\O

    A caracteristica mais mar cante de Tropiduru s nanu zae e a presenca de crista dorsal.Nas for mas do genero com escamas dorsais q uilhadas e imbricadas este carater ocorre nogru po occip italis (sensu Dixon & Wright , 1975) em T. melanopleurus e em Tropidurusspinulosus , mas nao nas especies do gr upo to rquatus (Vanzo lini & Go mes, 1979). Emboramenos diferenciad a , ela tam bern aparece nas formas do gru po peruvianus, qu e diferemmuito de T. nanuzae por apresentarem esca mas dor sais lisas e jus ta pos tas ,

    Como a sistema tica do genero e muito confusa , incluind o mesmo formas cuja posi -cao nao e segura (e. goo Tropidurus arenarius), so e possivel assina lar as dif'erencas exis-tentes ent re T. nanu zae e seus congeneres com dorsais ca rena das e imbricadas .

    A distincao entre 0 grupo occip italis e T. nanuzae pode ser feita por : (i) Supraocula-res largas e em nurn ero reduzido no gru po occipit alis, ma is estreitas e numerosas em T.nanuzae; (ii) bolsa lateral do pescoco disposta quase na hor izontal no grupo occipitalis ,obliqua em nanuzae; (iii) regiao preanal e face ventr al da coxa nao pigmentada nos ma-chos do grupo occipitalis, arnarelo-ouro no macho adulto de T. nanu zae.

    To ma ndo por base os dados da literatura e da colecao do MZUSP , a localidade de T.spinulosus mais proxima da Serra do Cipo e Tres Lagoas (20047'S , 5144' W) separa dadaq uela po r uma distiincia de aproximadamente 900 km. Uma cornparacao entre 3 especi-mes de T. sp inulosus daquela localidade e T. nanuzae revela as seguintes diferen cas (da-dos do ultimo entre parenteses) : escamas na crista dor sal 61-86 (38-5 1); dorsais 131-137(54-72); escamas ao redor do meio do corpo 102-114 (55-74); ventra is 70-84 (37-49); gula-res 67-79 (26-34). Tod os os ca racteres foram ano tados com o ja definidos para T. nanu-zoe.

    Embora 0 macho de T. sp inulosus apresente a regiao preanal e a face vent ral da s co-xas pigmenradas, ha do is ca racteres, tam bern present es em T. melanopleurus, que perrni-tern a sua separacao imed iata, nao so de T. nanuzae, mas de tod as fo rmas do genero comdor sais quilhada s e imbri cadas: (i) franja do o uvido redu zida a urn tu fo de escamas dis-posta s irregu larmente; (ii) presenca de uma dobra gular tran sversal com extremida desapro fundadas e recobertas po r granulos.

    Tropidurus nanuzae difere da s especies do grup o torquatus por apresentar crist a dor-sal e pela coloracao da regiao prean al e da face ventral da coxa , negras no segundo.

    ECOLOGIA

    A Serr a do Cipo e parte da porcao sui do Sistema do Espinhaco, qu e se estende a les-te do vale do Rio Sao Francisco desde Ouro Preto ate 0 no rte da Bahia . No sope da serrapredom inam os cerr ad os; a part ir do s 1000 metros eles vao sendo subst ituidos , seja bru s-ca, seja gradativamente, par "campos rupestres" , reconheciveis pela abundiincia macicadas familias Erio caul aceae, Velloziaceae e Melastomataceae (Silveira , 1908; Mello-Barreto , 1942).

    Na ausencia de melhores pon tos de referencia, os loca is de coleta e as alt itud es toma-das fo ram associ adas ao quil6metro mais pro ximo da rodovia MG2, qu e corta a Serra doCipo, embora ainda sem tracado defin itivo .

  • 148 Papeis Avulsos de Zo o logia

    Tropidurus nanuzae fo i co letado entre os 1200 e os 1480 metr os, sempre nos camposrupest res. Embora eu tenh a tra ba lha do no limit e superior dos cerrados e em alg umasmanchas isoladas na parte alta da Serra , nao encontrei ali esta forma . A especie foi sern-pre enco ntrada sobre rochas, lad o a lado com 0 represent an te local do grupo torquatus.Ob servei vari as vezes indi viduos das du as for mas sobre a mesma pedra e mesmo fug indopar a 0 mesmo a brigo , sem perceber qu alqu er tipo de interacao entre elas . Urn especirne deTropiduru s nanuz ae foi visto qu and o'subia sobre uma Velloziacea arboresce nte ate apro-ximadamente 50 em; outro comendo 5 ou 6 form igas de urn ninh o recentemente perturba-do.

    o cornportamento term orregulat 6rio e caracteristico e aparentemente semelha ntenas duas fo rmas: pela manh a toda a superficie vent ra l dos lagar tos esta em contato com arocha; na s horas mais qu ent es do d ia estao sempre com as paras levantadas e a causa soer-gu ida , evitando 0 contato com 0 substrato ; no fina l da tard e volta m a assum ir a posicaoda rnanh a.

    As distr ibui coes de frequencia do compri mento do co rpo das du as especies estao re-present ad as no grafico I . Os aste riscos na base dos histogram as ind icam 0 comprimentodo menor exemplar em que foi constatada a tividade reprodutiva, nas femeas pela presen-ca de foliculo s vitelinos e nos macho s pela co loracao da regiao preanal e face ventra l dascoxas.

    Parece claro qu e as diferencas existen tes no tam anho do corpo dos adultos, consti-tuem por si 56 urn excelen te mecan ismo de coexi stencia, mes mo aqui o nde a sintopia estri -ta e0 caso . Os materiais sao insufici ente s para anali sa r com seguranca as dife rencas de-tectadas no tam anh o a matu ridad e ent re os sexos das duas especies, mas e inco ntest ave lque ele e mui to maier em T. torquatus.

    A quase au sencia de joven s de Tropiduru s nanuzae nos in form a sobre dois as pectos:(i) a idade adulta eatingida rapidamente nesta populacao e (ii) a reprodu cao eesta cion al.

    Durante novembro e dezembro, quando os especirnes foram obtidos , as du as formasesta vam em plena estacao repr odutiva, evidenciada pela presenca de ovos no oviduto efol iculos vitelino s. Ern.seis femea s a uto psiada s de T. nanuzae 0 numero de ovo s ovid ucaisvariou de 2 a 3, enquaruo em nove de T. torquatus 0 tam anho da ninhada variou de 2 a 5.A presenca sim ultiinea de ovos no oviduto e de foliculos so frendo de po sicao de vitelo noovario , nas du as form as, nos indica que ao menos dua s ninh ad as sao produzidas.

    ll...- -"-_---"----Ul.OOuuOLL*

    T . t.o r q ua tU B

    T . nanuza e

    3 0 50 70 10 11 0Comp rime n to c orpp ra l , mm

    Grafico I . Dist ribu icocs de tre q uen cia do comprimento corporalde T. nanuzae e T. torquatus.

  • Vol. 34 (13), 1981

    AGRADECIM ENT OS

    149

    \.I

    Este trabalho foi rea lizado dur an te 0 periodo de vigencia de uma bolsa de MestradoI, concedida pela Fundacao de Amparo a Pesqu isa do Estado de Sao Paulo (FA PES P),proce sso 04/78-1 194. P . E. Vanzolini criticou 0 manucristo e cont ribuiu para a sua me-Ihor ia . R. Rebou cas-Spieker e N. Gomes leram as varias versoes do manu scrito. As cole-tas na Serra do Cip6 teriam sido muito menos rentaveis se nao pud esse contar com a va-liosa ajuda no campo de N. L. Menezes.

    REFERENCI AS

    Dixon , J . R. & 1. N. Wright, 1975. A review of the lizar ds of the iguanid genus Tropidurus in Peru .Nat. Hist. Mus. Los Ang eles Co . Contrib . SCi. 271: 39 p .

    Mello-Barr eto, H. L. , 1942. Regioes fitogeograficas de Minas Gerais. Belo Ho rizont e . Publicacoes doDepartamento Geografico de Minas Gerai s 4. 30 p. .

    Silveira , A. A. , 1908. Flor a e serras mineiras . 206 + iii pp, 30 p ls. Belo Ho rizonte: Imprensa Official.Vanzolini , P . E. & N. Gomes, 1979. On Tropidurus hygomi: Rede scription , ecological note s, dis-

    tribution and histor y (Sa uria , Iguani dae). Pap . Avulsos Zoo I. , S. Paulo , 32 (21): 243-259.