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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA Colegiado dos Cursos de Graduação em Geografia LEANDRO LOPES FIÚZA SANTOS GEOGRAFIA HISTÓRICA DA FORMAÇÃO TERRITORIAL DO MUNICÍPIO DE JACOBINA-BA. Salvador - Bahia 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

Colegiado dos Cursos de Graduação em Geografia

LEANDRO LOPES FIÚZA SANTOS

GEOGRAFIA HISTÓRICA DA FORMAÇÃO TERRITORIAL DO MUNICÍPIO DE

JACOBINA-BA.

Salvador - Bahia

2014

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LEANDRO LOPES FIÚZA SANTOS

GEOGRAFIA HISTÓRICA DA FORMAÇÃO TERRITORIAL DO MUNICÍPIO DE

JACOBINA-BA.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Curso de Graduação em Geografia como requisito

parcial para obtenção do Grau de Bacharel em

Geografia pela Universidade Federal da Bahia.

Orientador (a): Prof. Dr. Antonio Angelo Martins da Fonseca

Salvador - Bahia

2014

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Ficha catalográfica elaborada pela

Biblioteca do Instituto de Geociências – UFBA

S237g

Santos, Leandro Lopes Fiúza Geografia histórica da formação territorial do município de

Jacobina-BA / Leandro Lopes Fiúza Santos.- Salvador, 2014. Folhas f. 93 il. Color

Orientador: Prof Dr. Antonio Angelo Martins da Fonseca Monografia (Conclusão de Curso) – Universidade Federal da

Bahia. Instituto de Geociências, 2014.

1. Ouro - Minas e mineração - Jacobina (BA). 2. Geografia - Jacobina (BA) - História. 3. Recursos minerais - Bahia. I. Fonseca, Antonio Angelo Martins da. Universidade Federal da Bahia

CDU: 55(813.8)

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TERMO DE APROVAÇÃO

LEANDRO LOPES FIÚZA SANTOS

GEOGRAFIA HISTÓRICA DA FORMAÇÃO TERRITORIAL DO MUNICÍPIO DE

JACOBINA-BA.

Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel

em Geografia, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:

Prof. Dr. Antonio Angelo Martins da Fonseca – Orientador

Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia

Prof. Dr. Pedro de Almeida Vasconcelos

Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia

Universidade Católica de Salvador

Prof. Dr. Renato Leone Miranda Léda

Universidade do Estado da Bahia

Salvador, 09 de dezembro de 2014.

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar como ocorreu a formação territorial do

município de Jacobina no século XVIII na Capitania da Bahia de Todos os Santos. Para isso,

a premissa fundamental aqui assumida, entende que o sistema moderno-colonial expressou-se

nas formações sociais latino-americanas com o proeminente signo da conquista territorial, o

que decorre de tal fato a emergência da espacialidade como dimensão central no estudo da

geografia histórica que aqui nos fundamentamos. Neste sentido, o município brasileiro ganha

relevo, pois expressa – a partir da sua instalação – o móvel da expansão e consolidação

territorial do Estado. As relações entre a sociedade colonial e o espaço são contextualizadas a

partir da expansão do povoamento na área denominada de ‘Sertão das Jacobinas’, no século

XVII e XVIII. Para o primeiro período destaca-se a expansão da pecuária, para o segundo o

empreendimento minerador. Na esteira dessas questões apontam-se na pesquisa os agentes

envolvidos na construção de tal realidade geográfica, assim como as dinâmicas sociais

decorrentes de tal processo, por sua vez, através do ciclo do ouro, tentou-se demonstrar

também como tal empreendimento expressou-se no interior da Capitania da Bahia, destacando

desta maneira os rebatimentos territoriais da atividade mineradora na conformação da Vila de

Santo Antonio de Jacobina.

Palavras-chave: Ciclo do ouro, formação territorial, geografia histórica, Jacobina, município,

Sertão das Jacobinas.

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ABSTRACT

The present study aims to analyze how the territorial formation of the municipality of

Jacobina in the eighteenth century the then Capitania da Bahia de Todos os Santos. For this,

the fundamental premise assumed here that understands the modern-colonial system

expressed itself in Latin American social formations with the prominent sign of territorial

conquest, which stems from such fact the emergence of spatiality as a central dimension in the

study of historical geography here we base it on. In this sense, the Brazilian municipality

becomes important because it expresses - from its installation - the moving of territorial

expansion and consolidation of the State. The relations between the colonial society and space

are contextualized from the expansion of peopling in the area named the ‘Sertão das

Jacobinas’ in the seventeenth and eighteenth century. For the first period stands out expansion

of cattle raising, for the second miner enterprise. In the wake of these questions is to point you

in the research the agents involved in the construction of such a geographical reality, as well

as the social dynamics arising from this process, in turn, through the gold cycle is also

attempted to demonstrate how such an enterprise was expressed in inside the Capitania da

Bahia thus highlighting the territorial repercussions of mining activity in the conformation of

the Vila de Santo Antônio de Jacobina

Key-words: Gold cycle, territorial formation, historical geography, Jacobina, the

municipality, ‘Sertão das Jacobinas’.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Mapas históricos brasileiros: Terra Brasilis (1519)..................................... 26

Figura 2 – Sertão das Jacobinas, século XVII-XVIIII.................................................. 45

Figura 3 – Cartograma da Vila de Santo Antônio de Jacobina, 1720........................... 65

Figura 4 – Caminhos do Sertão: Roteiro de Joaquim Quaresma Delgado

1731-1734....................................................................................................................... 81

Imagem 1 – Trecho Estrada real Rio de Contas-Jacobina............................................. 78

Imagem 2 – Trecho Estrada real Rio de Contas Jacobina............................................. 79

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LISTA DE QUADROS E TABELAS.

Quadro 1 – Aldeias criadas por missão religiosa no século XVI.............................. 41

Quadro 2 – Aldeias criadas por missão religiosa no século XVII............................ 50

Quadro 3 – Principais casas de fundição existentes na colônia entre

os séculos XVII e XIX............................................................................................... 69

Tabela 1 – Rendimento das minas baianas entre 1723 e 1743.................................. 70

Tabela 2 – Rendimento das minas de Jacobina de 1750 a 1771................................ 71

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SUMÁRIO

Introdução............................................................................................................. 9

1. A Geografia e o estudo do passado: os desafios da geografia histórica. ..... 11

1.1 A gênese da Geografia Moderna: o espaço destituído do tempo?........ 12

1.2 A Geografia Histórica: um esforço de aproximação conceitual........... 16

1.3 A importância das periodizações na articulação espaço-tempo............ 21

2. A dimensão territorial da colonização............................................................ 25

2.1 Colonização e formação territorial....................................................... 28

2.2 O município no período colonial........................................................... 31

3. O Sertão das Jacobinas: gênese territorial..................................................... 35

3.1. As condições territoriais na Capitania da Bahia de Todos os Santos... 37

3.2. Sertão das Jacobinas: hinterlândia....................................................... 43

4. Das riquezas desejadas a conquista das riquezas: Um território

diferenciado no interior da Capitania da Bahia no século XVIII..................... 52

4.1 O ciclo do ouro no Brasil....................................................................... 54

4.2 O ciclo do ouro na capitania da Bahia................................................... 58

4.3 A abertura das minas e a

necessária criação de uma infraestrutura administrativa.............................. 61

4.4 A tributação das riquezas extraídas........................................................ 67

4.5 Sistemas de circulação............................................................................ 72

Considerações Finais.............................................................................................. 83

Anexos..................................................................................................................... 86

Referências.............................................................................................................. 90

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INTRODUÇÃO

O interesse pelo estudo das realidades passadas emerge no presente trabalho a partir de

uma série de fatores e influências, estas, conjugadas ao longo da graduação, contribuíram para

uma singular curiosidade geográfica acerca dos processos formativos dos atuais territórios

estatais. No que concerne a uma pesquisa de conclusão de curso, tomou-se como ambição

primaz dar continuidade às pesquisas já desenvolvidas ao longo do Programa de Iniciação

Científica (PIBIC) e que desta forma forneceu-me o ponto de partida para a retomada

daquelas inquietações que, agora, eu passo minimamente a explorar.

No Brasil, o processo de divisão territorial do Estado em unidades municipais, ou seja,

unidades político-administrativas não é fato recente e, dada a dimensão do território, parece

até mesmo natural que o país comporte em seu interior diversos mecanismos de divisão

administrativa com vistas à bem geri-lo. No entanto, esse processo, aparentemente natural,

insere-se em uma diversidade de tramas sociais onde variáveis institucionais, políticas e

econômicas alcançam papel significativo no estabelecimento de divisas territoriais. É

reconhecendo o caráter histórico do processo de formação e evolução das mencionadas

unidades de gestão territorial que o presente trabalho fundamenta-se para entender como se

deu a formação territorial do município de Jacobina/BA.

No século XVIII a Vila de Santo Antônio de Jacobina constituiu um dos maiores

municípios existente na então Capitania da Bahia de Todos os Santos, tornando-se sinônimo

de tudo quanto se contasse fora do recôncavo e litoral (IBGE, 1959, VIEIRA FILHO, 2006;

SANTOS, 2011). Em grande medida, variados municípios do atual estado da Bahia derivam

direta ou indiretamente do desmembramento territorial dessa primeira localidade. No interior

de uma pesquisa exploratória justifica-se aqui a importância do presente estudo, haja vista que

a conformação de um município implica uma importante decisão estatal, sobretudo no século

XVIII, no âmbito de um domínio territorial da Coroa lusitana com vistas a garantir a

soberania sobre os espaços coloniais.

Ao se colocar como objetivo a análise da formação do referido município, fornecendo

elementos para se apontar a importância do mencionado território no contexto da Bahia

setecentista, destacando a materialidade técnica decorrente da variada gama de dinâmicas

socioespaciais naquele período, colocou-se como necessidade básica a busca por uma mínima

fundamentação teórica capaz de fornecer, no bojo de uma pesquisa geográfica que volta-se ao

estudo do passado, aquelas orientações metodológicas que poderiam diminuir as dificuldades

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oriundas da relação espaço-tempo na Geografia. Assim, uma indicação fundamental que

tentou-se aqui apreender é aquela formulada por Santos (2006, p. 33) para quem:

Tempo, espaço e mundo são realidades históricas, que devem ser mutuamente

conversíveis, se a nossa preocupação epistemológica é totalizadora. Em qualquer

momento, o ponto de partida é a sociedade humana em processo, isto é, realizando-se.

Essa realização se dá sobre uma base material: o espaço e seu uso; o tempo e seu uso; a

materialidade e suas diversas formas; as ações e suas diversas feições.

Com base no que foi exposto, dividiu-se a pesquisa em quatro frentes de trabalho,

objetivando alcançar assim, de forma integrada, os necessários elementos basilares para

discorrer em busca dos objetivos postos acerca da presente temática.

O primeiro capítulo objetiva fornecer um panorama geral dos estudos em Geografia

Histórica, apontando os desafios e as recomendações postuladas por diversos autores que

debruçaram-se sob este sub-ramo geográfico, neste sentido, as contribuições postas por

autores como Hartshorne (1969), Abreu (1998), Vasconcelos (1999, 2009), Erthal (2003),

Moraes (2009) e Silva (2012) foram significativas para o melhor delineamento metodológico

dos processos chaves capazes de fornecer uma maior compreensão do dinamismo social em

sua relação intrínseca com o espaço, destacando assim a importância da periodização e da

abrangência da pesquisa no âmbito dos desafios postos nos estudos que recuam em um tempo

relativamente distante. No segundo capítulo busca-se entender como o advento colonizador,

realizado no âmbito da expansão do capitalismo comercial europeu, expressou-se na formação

social do Brasil sob a ótica da conquista territorial, nestes termos, o espaço emerge como

dimensão central na conformação do domínio territorial da Coroa lusitana (NOVAIS 1969;

MORAES 1993, 2001, 2009). No terceiro capítulo apresenta-se como a expansão do

povoamento para interior da capitania da Bahia foi realizada, destacando assim a importância

das famílias tradicionais, o papel da pecuária na dilatação do território colonial, as dinâmicas

das sociedades originárias e a força e os receios da Metrópole no âmbito da ocupação

daqueles espaços mais distantes do litoral, os fundos territoriais (MORAES, 2009). O sertão é

assim contextualizado pois constituiu o lócus principal dos acontecimentos que dinamizaram

aquele amplo espaço denominado de ‘Sertão das Jacobinas’. Por fim, o quarto capítulo

presta-se a resgatar os elementos postos anteriormente e integrá-los na ótica dos

acontecimentos do ciclo do ouro e seus rebatimentos territoriais na conformação da

materialidade técnica do território, nesta seção percebe-se como a conjunção das ações

realizadas no século XVII, a partir da expansão curraleira no sertão, imbricou-se com as

estabelecidas no século XVIII, convergindo para o estabelecimento da Vila de Santo Antônio

de Jacobina.

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CAPÍTULO 1 – A GEOGRAFIA E O ESTUDO DO PASSADO: OS DESAFIOS DA

GEOGRAFIA HISTÓRICA.

A construção do conhecimento geográfico tem sido atravessado nas últimas décadas

por um leque tão diversificado de temas e questões que nos intercâmbios existentes entre os

avanços e retrocessos a consolidação de um substancial edifício teórico tornou-se de fato

inegável. Entender a Geografia enquanto uma ciência de apreensão da realidade social que

toma para isso o espaço geográfico como categoria fundamental de análise é sem dúvida uma

tarefa hoje muito menos nebulosa que em outros momentos. Dizemos menos nebulosa pois o

processo de construção do conhecimento é sempre um devir, e, sendo assim, as certezas em

geral são passageiras e as dúvidas pairam entre nós prontas a precipitar uma infinidade de

proposições, as quais, por sua vez, nos impelem a terrenos desconhecidos ou quando

conhecidos que não tardam a serem ressignificados no interior da epistemologia científica.

Com vistas a alcançar o conhecimento mais ou menos delimitado do que venha a ser,

na nossa perspectiva, a Geografia Histórica, cabe realizar sinteticamente algumas ponderações

acerca da Geografia. Para isso, temos que ter em mente que buscar a natureza da Geografia

nos saberes anteriores a sua fundamentação científica, em verdade, constitui um grande

desafio, isto porque os rigores da sistematização científica postas no século XVIII não podem

ser inadvertidamente buscados em construções de saberes anteriores a tal empreendimento

moderno, em outros termos, buscar uma unidade científica em modos de fazer e pensar não

cientificamente sistematizados coloca primeiramente o problema de se condicionar os termos

de um debate às características postas a posteriori de sua respectiva existência.

As formas e os conteúdos das geografias pré-científicas, que são qualificadas, de

preferência, de etnogeografias, variam de uma cultura a outra. Pode-se

esquematicamente opor as geografias vernaculares transmitidas pela palavra, e os

quadros descritivos redigidos por especialistas para responder às curiosidades dos

públicos cultos ou às necessidades das administrações. As primeiras são características

das sociedades históricas. As segundas aparecem em Estados já estruturados do mundo

tradicional (CLAVAL, 2011, p.23).

No interior da proposta aqui apresentada estamos mais inclinados para os preceitos

postos no momento da institucionalização da ciência geográfica, nos afastando assim das

diversidades colocadas pelas ‘etnogeografias’. Sabemos, no entanto, que o conhecimento

produzido quando da emergência da moderna geografia apreendeu as influências postas

anteriormente. O que devemos entender aqui é que diante da infinidade de Geo-grafias já

existentes há que se buscar os elementos anteriores que permaneceram quando da edificação

científica moderna.

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1.1 A gênese da Geografia Moderna: O espaço destituído do tempo?

O rompimento das estruturas medievais, em variados aspectos relacionados a

economia, política, religião e etc. a partir da Idade Moderna são de fato bastante significativos

no que tange o desenvolvimento social como um todo. Idade moderna esta que tem como

marco de sua gênese o Renascimento, considerado grosso modo como a valorização das artes,

filosofia e ciências sob novos ângulos de referência, atrelado a elementos postos na

antiguidade clássica. Assim, no ramo do saber geográfico este retorno ao passado também se

refletiu.

A retomada aos pressupostos assumidos por Ptolomeu (78-161 d.C) contribuiu a uma

conduta geográfica que consistiu em um amplo conjunto de estudos voltados a dimensão da

terra, sua forma, assim como a localização rigorosa dos lugares e a busca de um conjunto de

princípios gerais (GOMES, 1996). Este fato realizou-se em razão da concepção cosmológica

predominante na antiguidade, ligada ao geocentrismo. Ou seja, se se entendia que a Terra era

o centro do universo a qual todos os outros corpos celestes gravitavam em movimento ao seu

redor, partia-se do princípio que o conhecimento da Terra somente poder-se-ia realizar através

da sua imagem, esta por sua vez representada nos mapas. Gomes (Ibidem, p.128, grifo meu)

nos diz que:

Sendo a unidade da Terra fundamental em seu sistema, Ptolomeu era levado a recusar

toda descrição apoiada unicamente sobre uma ou várias partes da terra, procedimento

conhecido então pelo nome de corografia. A imagem que o período ulterior à

Renascença reteve dele acentua sua preocupação de explicar a Terra no que ela

tem de geral.

Em outro sentido, por sua vez, o retorno às contribuições de Estrabão, através da sua

obra Geographia, colocou para os geógrafos posteriores àquele período renascentista o

interesse no conhecimento exaustivo das diferentes regiões conhecidas do mundo de então. A

descrição dos aspectos econômicos, etnográficos, históricos e naturais na obra do referido

autor tornavam-se condizentes com o interesse da época nas narrativas de viagem, e sendo

assim, esta outra perspectiva de apreensão dos estudos geográficos foi potencializada. “O

modelo de Estrabão é considerado como histórico-descritivo em oposição àquele de

Ptolomeu, tido como matemático-cartográfico” (GOMES, 1996, p.130).

Temos até aqui duas das questões ainda hoje muito debatidas no interior das ciências,

refiro-me as condições nas quais se constrói o conhecimento científico e a sua respectiva

legitimidade. Na Geografia, com a perspectiva que se apresentou, naquele período, sob as

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lentes da contribuição buscada em Ptolomeu, temos a formação do conhecimento que realiza-

se relegando o particular em face do geral na busca racionalista acerca das explicações

geográficas. Já com os geógrafos que enveredaram pelos estudos como colocados na obra

exaustiva de descrição dos elementos regionais em Estrabão, o conhecimento dava-se a partir

de casos específicos (únicos) e não redutíveis. Ao que parece a dualidade dessas perspectivas

expressaram-se quando da constituição da Geografia Moderna, desdobrando-se na clássica

dicotomia entre geografia geral/regional1 tão debatida ao longo da história desta ciência.

Antes da institucionalização propriamente dita da Geografia enquanto ciência é com o

filósofo Imannuel Kant (1724-1804) que tal conhecimento alcança de forma mais consistente

um relativo respaldo dentro das instituições acadêmicas do século XVIII (GOMES, 1996;

SANTOS, 2002; MOREIRA, 2008; CLAVAL, 2011). É com ele também que emerge mais

explicitamente uma problemática que, se hoje é dissipada em razão dos avanços teórico-

metodológicos das produções geográficas, por outro lado continua a permanecer quando da

discussão da pertinência da denominada Geografia Histórica.

Kant ministrou o curso de Geografia na Universidade de Konigsberg ao longo de

quarenta anos (1756-1796), no entanto sua produção geográfica limitou-se aos manuais

preparados por ele para exposição em sala de aula, ou seja, quando fala-se da contribuição do

referido filósofo para a Geografia não podemos remeter o leitor a nenhuma obra

especificamente geográfica, como as postuladas pelos seus fundadores modernos, Alexander

Humboldt e Carl Ritter. Devemos salientar que enquanto filósofo sua produção é bastante

complexa e em razão disso não pode ser apreendida como um pensamento uniforme, há

assim, evidentemente, muitas divergências quanto ao caráter positivo das suas contribuições

no que refere-se a futura ciência geográfica. No entanto, aqui iremos nos ater somente a uma

questão que para os propósitos aqui buscados nos parece mais fundamental, a saber, a sua

concepção de Geografia.

Sob os acontecimentos da época na qual constrói-se o pensamento de Kant, onde a

ciência naquele instante em significativa metamorfose incrementa em seu bojo as

contribuições da Astronomia de Copérnico, da interpretação da natureza para além do

pensamento aristotélico assim como as novidades da física newtoniana, o filósofo alemão

percebe os direcionamentos duais que ali se delineavam. Em suma, “[...] uma concepção de

natureza-sem-o-orgânico-e-sem-o-homem, da qual uma dualidade natureza-homem que, ao

lado da dualidade sujeito-objeto de Descartes, incomoda Kant” (MOREIRA, 2008, p.13).

1 De acordo com Moreira (2008) essa dicotomia em termos explícitos, no cenário da produção geográfica

,remonta a Bernhard Varenius, a partir da publicação da sua Geographia generalis.

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Percebendo isso, Kant vai encontrar na Geografia o terreno ideal para reagrupar esse mundo

em fragmentação através de uma disciplina que lhe possibilitava a sistematização. É nesse

sentido que justifica-se a afirmação de Ribas e Vitte (2008, p.107) quando dizem:

Desse modo, mais do que um Curso ministrado para atender tão somente a uma

obrigação profissional ou financeira ou, então, para experimentar (e manifestar) seu

gênio universal e enciclopédico, a “Geografia Física” – ininterruptamente – se mostrou,

a Kant, como um conhecimento provido de uma desmedida significação metafísica, já

que ela lhe sugeria a própria possibilidade de empiricização de sua filosofia.

Consequentemente, seria um profundo desacerto desprender os estudos geográficos de

Kant dos conteúdos e das intenções de seu sistema filosófico.

Kant vai enxergar na Geografia o ramo científico por excelência para realização da sua

concepção sistemática, cabendo assim a descrição da totalidade da superfície da terra.

Ressalte-se, não uma descrição por si só meramente, mas uma descrição integrada (associada)

dos elementos constituintes da empiria colocada. "Por isso, a geografia (física) seria um

inventário raciocinado dos quadros do mundo, ou então, uma descrição raciocinada da

superfície da Terra" (RIBAS; VITTE, Ibidem, p.112). Se com o prestígio intelectual de Kant

a Geografia galgou a partir de então um status diferenciado no interior das ciências (GOMES,

1996), por outro lado a sua classificação dos ramos científicos impôs uma dura perspectiva até

hoje ainda um tanto disseminada, esta refere-se ao entendimento de que para Kant:

[...] a história diz respeito aos eventos que são desenrolados uns após os outros do

ponto de vista do tempo enquanto que no concernente a Geografia, esta "[...] diz

respeito aos fenômenos que se produzem ao mesmo tempo do ponto de vista do

espaço (RIBAS; VITTE, Ibidem, p.113, grifo meu).

Esse modelo rígido de pensamento destituiu a dialética existente entre espaço e tempo.

Ressalte-se novamente que existe ainda hoje uma grande polêmica quanto as contribuições de

Kant a Geografia (GOMES, Ibidem) e devemos ressaltar que os seus postulados precisam ser

entendidos dentro da perspectiva de apreensão naquele período dos termos desse debate.

Como se vê, a emergência da Geografia científica não surgiu descolada dos

constructos postos muito antes da sua institucionalização. “Assim, uma das primeiras tarefas

da geografia moderna foi a reatualização destes conhecimentos, ajustando-os às exigências do

discurso científico” (GOMES, Ibidem, p. 127). Não caberia aqui – e de certa forma tornar-se-

ia enfadonho – a tarefa de apresentar, ainda que de forma sintética, as concepções de

Geografia dos principais nomes na sua história. Em verdade, concordamos em parte com

Santos (2002) quando ao discorrer sobre as necessidades de uma ‘Geografia Nova’ argumenta

que todo esforço colocado em definir a Geografia muito mais emperrou seu desenvolvimento

enquanto uma ciência madura que de fato contribuiu para a sua evolução. Se isso é verdade,

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necessitamos ter em mente também – de acordo com o próprio autor – “[...] que não pode

haver progresso científico sem meditação a propósito da forma como os diferentes aspectos da

realidade são estudados” (SANTOS, 2002, p.145).

Reconhecemos que encontrar um consenso no que tange a Geografia torna-se a cada

dia uma tarefa mais complexa, sobretudo após as contribuições mais recentes emergidas a

partir das décadas de 60 e 70 que contribuíram para aumentar o caudal de possibilidades e

extrapolar limites antes impensáveis dentro do positivismo científico – talvez o grande

elemento unificador na dita Geografia Tradicional.

Na esteira das questões apresentadas, às máximas e princípios geográficos poderiam

em parte delinear mais claramente esse temário geral existente quando da discussão acerca da

Geografia, contudo, Moraes (2007, p.43) nos lembra que “ambos veiculam formações de um

nível bastante elevado de generalidade e vaguidade, permitindo que se engoblem em seu seio

propostas díspares e mesmo antagônicas”. No que concerne aos princípios geográficos,

ressaltamos aqui que estes não podem ser postos aquém dos debates e avanços conseguidos

nos últimos anos no interior da ciência. Nos parece oportuno também destacar a importância

do princípio da individualidade, o qual reconhece que "cada lugar tem uma feição, que lhe é

própria e que não se reproduz de modo igual em outro lugar" (MORAES, ibidem, p.42).

Com base no que foi exposto, cabe um esforço contínuo em fugir do positivismo ainda

presente que reconhece o estudo do passado como sendo o domínio eminente dos

historiadores. Reconhece-se aqui que existem tantas geografias quanto forem os métodos de

interpretação da realidade, no entanto assume-se também que o temário geral da Geografia

discute o espaço, este geográfico na medida em que a sua apreensão se realiza na busca da

compreensão da sua formação, organização e dinâmica, ou em outros termos, através de "[...]

um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e

sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único qual a história

se dá" (SANTOS, 2006, p. 39). Explicitar um delineamento do que seria a Geografia de forma

mais precisa redundaria em mais uma 'definição formal' que tentaria impor um consenso ainda

sobrecarregado de vaguidade e generalidades que muitas vezes se dissolvem na ordem prática

dos estudos realizados. É justamente aceitando esses pressupostos que devemos reiterar a

necessária atenção com o estudo do passado, contribuindo assim para afastar a Geografia de

“[...] uma lei castradora, que impele na direção exclusiva da interpretação do presente dos

lugares, e não no caminho da interpretação dos lugares” (ABREU, 1998, p.23 grifo meu).

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1.2 A Geografia Histórica: um esforço de aproximação conceitual.

A Geografia teve ao longo de seu desenvolvimento momentos de relativa valoração da

categoria temporal, ainda que, saliente-se, não necessariamente e precisamente sob os

auspícios de um rótulo claramente delineado como a assim denominada Geografia Histórica.

A existência deste sub-ramo, no entanto, esteve em grande medida atrelada ao fato de ser

considerado como um mero ‘apêndice’ da história, desta forma, o seu lugar no seio do

pensamento geográfico esteve muito mais relegado a uma posição secundária – de pouco

destaque – frente aos outros sub-ramos da Geografia, tais como aqueles denominados de

Geografia Econômica, Geografia Urbana, Geografia Regional e etc. (PHILO 1996; ERTHAL,

2003). Aliás, deve-se salientar já de saída que diferente dos mencionados sub-ramos a

Geografia Histórica não pode reivindicar para si uma especificidade analítica quanto ao seu

objeto, pois que absurdo não seria argumentar que a “história é este objeto quando a história

por si é tão heterogênea e pode ser estudada em tantos aspectos diferentes (e quando os

próprios historiadores dividem suas investigações em caixas rotuladas ‘econômica, ‘social’,

‘política’?”. (PHILO, Ibidem, p, 269). Na verdade, até mesmo uma possível exclusividade

quanto ao objeto de determinada ciência não passa em certa medida de uma ambição

positivista que burocratiza as diversas formas de apreensão da realidade. Erthal (Ibidem, p.30)

na esteira dessas questões acrescenta que:

Se a geografia se coloca como um campo de conhecimento preocupado com a dimensão

espacial da sociedade, não se pode esquecer que os fenômenos sociais são, também,

temporais. Tempo e espaço, fenômenos inter-relacionados e que ocorrem de modo

simultâneo são tomados pela filosofia e pela ciência como categorias universais e

históricas, respectivamente. Portanto, estas categorias não são prisioneiras desta ou

daquela ciência e podem, consequentemente, ser apreendidas por todas.

Uma possível periodização acerca da evolução da Geografia Histórica torna-se uma

tarefa difícil em virtude da diversidade de estudos que tiveram na base de seu

desenvolvimento uma integração mais consistente entre espaço-tempo e que não

necessariamente autodenominaram-se a partir do rótulo que aqui estamos a discutir. Atrela-se

a isso o fato de que:

A geografia histórica, muitas vezes, tem sido confundida com história da geografia e,

em função de falta de uma definição mais precisa, apresenta uma imensa gama de

definições como geografia do passado, paisagem em mudança, ou passado no presente

(ERTHAL, 2003, p.31).

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17

O esforço de síntese realizado por Rubin Butlin, tal como é apresentado por Erthal

(2003)2, nos parece uma tentativa válida àqueles que pretendem aproximar-se com o tema.

Para os termos do trabalho aqui apresentado nos interessa a discussão de algumas questões

contemporâneas acerca dos estudos de Geografia Histórica e as suas contribuições com vistas

a delinear mais claramente as possibilidades dessa temática. Assume-se nesta perspectiva que

o tema em tela demanda uma ampla discussão de cunho epistemológico, no qual não

pretendemos aqui aprofundar, mas que ao mesmo tempo não nos permite prescindir de

algumas discussões.

De acordo com Rucinque e Velásquez (2007) a Geografia histórica tem a sua

contemporaneidade nascida no período pós-segunda guerra e tendo ganhando desde então um

forte impulso teórico-metodológico, predominantemente nos países de língua inglesa. Erthal

(2003, p.32) salienta que “nos Estados Unidos, as bases da geografia histórica podem ser

atribuídas, entre outros, a Barrows, Hartshorne, Sauer e na Inglaterra a H.C Darby”. Este

argumento constitui com certeza um aspecto muito peculiar no âmbito deste sub-ramo, haja

vista que a posição de Hartshorne – naquele momento um dos principais expoentes da

geografia anglo-saxônica – quanto à pertinência da Geografia Histórica em um primeiro

momento não foram muito favoráveis. Esta primeira posição, em verdade, justificava-se em

razão do substrato teórico-metodológico que apoiou-se o autor, muito ligado naquele período

a divisão analítica proposta por Kant – já comentada no primeiro tópico deste trabalho – e em

grande parte aceita por Hettner. Acrescente-se, no entanto, que a partir de sua segunda

publicação3 o peso das suas afirmações foram relativizadas, o mesmo chegando a afirmar que:

A discussão dessa matéria em The Nature Of Geografphy, [...], não atribuiu um lugar,

na Geografia Histórica, aos estudos que versam diretamente sobre as mudanças no

tempo. Na acepção de ‘História” como descrição das variações no tempo, e de

Geografia como descrição das variações no espaço, as duas disciplinas não poderiam ser

combinadas. Nesse sentido, não haveria lugar para a ‘Geografia Histórica’.

(HARTSHORNE, 1969, p.138)

2 "Grosso modo, a evolução da geografia histórica acompanhou a própria evolução da geografia (tradicional,

nova e crítica) e Butlin periodizou-a em três fases e as denominou de clássica, neoclássica e social” (ERTHAL,

2003, p.31). 3 R. Hartshorne (1899-1992) publicou em 1939 o livro denominado “A natureza da Geografia” que alcançou

uma significativa repercussão nos meios científicos. A partir das críticas postas sobre este trabalho o autor

publicou em 1959 o livro “Questões sobre a natureza da Geografia” que constitui a síntese de seu pensamento.

De forma sintética algumas características existentes na proposta geográfica posta pelo autor referem-se ao:

Entendimento de que as ciências se definiriam pelos seus métodos e não pelos seus objetos; O método

geográfico refere-se ao estudo dos fenômenos variados em seu aspecto real e por isso mesmo significativamente

complexos; A Geografia trabalharia com inter-relações e não com elementos isolados;

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A partir das ‘correções’ realizadas e publicadas em sua segunda obra podemos

encontrar importantes contribuições de Richard Hartshorne no tocante a Geografia Histórica.

O primeiro ponto refere-se a medida em que um determinado estudo deixaria de ser

meramente histórico para tornar-se geográfico. Para o autor, o limite desses campos estaria na

aceitação por parte do geógrafo de que seus estudos não poderiam ter como finalidade em si a

apreensão de um aspecto particular de uma dada área apenas em seu caráter genético, mas sim

em seu caráter genético e evolutivo tomado em conjunto (HARTSHORNE, 1969). Ou seja,

apoiando-se em H. C. Darby (PHILO, 1996) e no que este denominou de tema vertical da

Geografia Histórica, Hartshorne conclui que o estudo genético é geográfico a medida que ele

não encerra-se nas características fundantes de determinado espaço, mas sim no seu caráter

evolutivo através do tempo como parte de uma geografia total de uma área considerada. O

segundo ponto importante em que o autor levanta algumas significativas considerações refere-

se aos limites de um estudo evolutivo na apreensão de um “[...] continuum da geografia

histórica constituído de um número ilimitado de cortes no tempo” (HARTSHORNE, 1969,

p.140). A questão então era entender os limites práticos destes tipos de estudo. Diante da

complexidade admitida pelo autor com relação aos estudos integrados que visam analisar as

variações através do tempo e do espaço simultaneamente, Hartshorne recomenda em um

primeiro momento que a escolha de uma área de estudo volte-se para uma região

relativamente pequena, com restritos fatores determinantes capazes de produzir mudanças

históricas, o que possibilitaria assim um maior número de resultados úteis com um grau

relativamente equilibrado entre a ambição científica e as possibilidades práticas.

Hartshorne (1969) irá ressaltar a partir das contribuições advindas de trabalhos de

C.Sauer e H. Darby, algumas questões metodológicas importantes a serem consideradas nos

estudos que tenham na sua base uma elevada importância de apreensão das condições

genéticas de determinadas áreas. Podemos sinteticamente entendê-las como:

Quantidade de aspectos a serem considerados na apreensão dos fenômenos no interior de uma dada área de estudo. Entendendo que “[...] cada um desses

aspectos muda segundo seu ritmo próprio” (HARTSHORNE, 1969, p.133).

Compreensão por parte do pesquisador dos limites próprios da busca pela gênese dos fenômenos, pois deve-se entender que uma interpretação completa

nunca é possível em razão das distintas temporalidades existentes impelirem a

um recuo no tempo sempre muito exaustivo. “É lícito apenas afirmar que numa

pesquisa bem organizada deve haver equilíbrio racional quanto à profundidade

em que se investiguem, no passado, os vários fenômenos e relações”

(HARTSHORNE, Ibidem, p.134).

Necessidade de seções espaços-temporais bem limitadas.

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Em um trecho de sua obra que me parece fundamental para entender as contribuições

metodológicas postas diante dos desafios de um estudo denominado de geografia do presente

histórico, o referido autor (1969, p.136-137) expressa que:

Considerada, [...], a vasta multiplicidade de aspectos culturais, cumpre recordar que

nem todos são igualmente significantes para a integração dos fenômenos nas áreas. Os

pesquisadores que desejarem evitar dissipação de esforços terão de selecionar os

aspectos culturais de significância capital para a variação da integração em áreas, ou que

se tenham revelado ser claros indícios de fatores capitais que não possam ser

prontamente medidos de maneira direta.

Como salientado anteriormente, as definições acerca da Geografia Histórica são tão

variadas quanto genéricas, Rucinque e Velásquez (2007) sinteticamente nos informam esta

diversidade. De acordo com os referidos autores, C. Sauer, a título de exemplo, entendia que

este sub-ramo da Geografia teria como objeto de estudo a reconstrução através do tempo das

paisagens culturais pretéritas. L.R. Jones por sua vez não apresentava uma distinção

claramente delineada do campo da Geografia Histórica, pois entendia que se a geografia

definia-se como o estudo da relação homem/meio então esta não poderia realizar-se distante

de seu conteúdo histórico. E.W. Gilbert entendia que a Geografia histórica deveria limitar-se a

descrição de uma região em seus momentos pretéritos sem comprometer a explicação dos

eventos históricos. Nesta perspectiva a Geografia Histórica combinaria em seu

desenvolvimento os métodos da Geografia regional com os métodos da história e em razão

disso, para o referido autor, a busca dos limites entre estes campos constituiria uma simples

quimera.

A perspectiva que nos apresenta Butlin (Apud RUCINQUE e VELÁSQUEZ, 2007,

p.134), apesar do caráter generalista, nos fornece um caminho de identificação deste campo

disciplinar, pois, no seu entender:

La geografia histórica es [...] el estudio de las geografias de tiempos pasados, mediante

la reconstrucción imaginativa de fenómenos e procesos claves para nuestra comprensión

del dinamismo de las actividades humanas, concebidas en amplio contexto espacial,

tales como el cambio en la evaluación y uso de los recuros humanos y naturales, en la

forma y funciones de los asentamientos humanos y del entorno construido, en los

avances en cantidad yu formas del conocimiento geográfico, y en el ejercicio del poder

y control sobre territorios y pueblos.

Como se vê, a Geografia Histórica como compreendida no excerto logo acima

apreenderia em seu bojo uma série de desafios que atrelam-se em grande medida a problemas

de métodos, objetos, escalas e etc. Ainda assim, alguns pontos nos são interessantes para os

objetivos deste trabalho e retornaremos a este assunto logo mais.

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No âmbito das discussões mais recentes a respeito da temática aqui tratada, Rucinque

e Velásquez (2007) apontam as bases atuais das pesquisas realizadas. A primeira refere-se a

uma notável expansão quantitativa e qualitativa de uma bibliografia a tratar das geografias

passadas. Esta ampliação também é salientada por Horácio Capel (2006) para quem as

perspectivas de estudos referem-se a uma série de questões das quais podemos destacar: a

migração desde a antiguidade até os dias atuais, o estabelecimento de fronteiras nacionais, as

crises agrícolas, o imperialismo e colonialismo, as religiões, festas e celebrações e etc. Em

outro aspecto, no entanto, vem realizando-se contraditoriamente um insistente retorno a uma

denominada Geografia Histórica tradicional em detrimento dos debates mais atuais que

reclama ao geógrafo histórico “uma más activa participación em los procesos de cambio

teórico y filosófico de la geografia en general” (RUCINQUE;VELÁSQUEZ, 2007, p.136).

Percebe-se assim que a evolução do tratamento da Geografia Histórica vem realizando-se em

um misto de permanências, inovações e ressignificações de toda ordem.

Exposto as questões colocadas, ainda que destituídas dos pormenores da abrangência

temática, cabe estreitar por nossa parte os horizontes mais objetivos da pesquisa tal como ela

é vislumbrada. Assim, no interior da diversidade de caminhos postos no âmbito da Geografia

Histórica nos parece importante, sobretudo para os países de formação territorial vinculados

ao advento colonial, como os existentes nas formações latino-americanas, lançar um olhar

retrospectivo acerca da produção e organização territorial que em função do seu caráter

teleológico repõe uma necessária dialética a ser desvendada em um intercâmbio dinâmico

entre espaço e tempo.

Destarte, a Geografia que aqui se assume é entendida como uma ciência capaz de

através da compreensão da disposição e organização dos objetos na superfície terrestre, assim

como do caráter intencional por trás dos processos, explicitar o espaço enquanto geográfico

pois imbricado em um incessante devir de valorizações simbólicas e materiais. Neste sentido,

e resgatando em parte a Geografia Histórica tal qual colocada por Butlin (apud RUCINQUE;

VELÁSQUEZ, 2007), acrescida dos termos postos por Moraes (2009, p.61) no âmbito das

formações territoriais de base colonial, entende-se a “geografia histórica como um caminho de

reconstituição (em várias escalas) do processo de formação dos atuais territórios, postura que

– inapelavelmente – repõe uma ótica de história nacional (mesmo no âmbito de uma

perspectiva crítica)”.

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1.3 A importância das periodizações na articulação espaço-tempo.

Na perspectiva da Geografia Histórica, talvez seja no tocante à empiricização dos

tempos passados onde esteja alocado um dos principais desafios ao pesquisador. Buscar a

gênese das transformações espaciais já distantes no tempo e associá-las a partir de

acontecimentos significativos no âmbito da espacialidade considerada constitui sem sombra

de dúvida um enfrentamento que enseja grandes contribuições teóricas. Encontrar os limites

entre as questões cotidianas e os momentos em que predominaram práticas e transformações

que escaparam aos acontecimentos corriqueiros coloca em relevo o necessário esforço de

periodização e que aqui já foi brevemente ressaltado a partir das contribuições postas por

Hartshorne (1969). Entendendo os desafios postos nesta temática que Abreu (1998, p.22) nos

informa que:

Para se estudar e interpretar os espaços do passado, o que é fundamental então é definir

quais são os conceitos e variáveis adequados à análise do tempo que se decidiu estudar.

Se o objeto de estudo é uma cidade, o ponto de partida é a recuperação do quadro

referencial maior daquele lugar naquele tempo, ou seja, o seu enquadramento espaço-

temporal.

É reconhecendo as complexas correlações e imbricações nessa questão que nos é

apontado por Vasconcelos (2009, p.148) à importância de se apreender os períodos densos,

estes representariam “[...] momentos de grande intensidade, de importantes transformações

que extrapolam o quotidiano, mas que não seriam ainda momentos de ruptura, que colocam a

sociedade urbana (ou a mais ampla) diante de uma nova realidade”. O pesquisador ao utilizar

a referida noção, aceita que no estudo do passado faz-se necessário encontrar e apreender os

momentos que romperam com o predomínio das dinâmicas cotidianas, ou seja, aqueles fatos

que proporcionaram em um dado período uma significativa alteração de uma dada sociedade.

É somente aceitando essa perspectiva que termos como ‘ruptura’, ‘descontinuidade’ e etc.

fazem sentido diante de uma proposta que tente resgatar o advento transformador, em

determinado espaço-tempo, do devir social.

O importante que aqui objetiva-se reter relaciona-se a importância de elementos

factuais representativos na apreensão das geografias do passado. Assim, tem-se que a

cartografia de uma época constitui um interessante registro social, haja vista que a própria

confecção de um dado documento deste tipo acrescenta grandes contribuições a Geografia

Histórica, isto porque:

[...] os próprios mapas são marcos definitivos de etapas das transformações espaciais da

cidade, nos dando uma informação precisa (em diferentes graus) do que já existia, do

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que estava consolidado, e do que tinha importância em ser registrado e mapeado

(VASCONCELOS, 2009, p.148).

Ainda de acordo com Vasconcelos (1999; 2009) percebe-se que a preocupação dos

geógrafos acerca da necessidade das periodizações e o consequente tratamento da questão

temporal têm-se mostrado presente ao longo da evolução da ciência geográfica. No âmbito

dos estudos específicos que buscavam resgatar a evolução histórica das cidades, o referido

autor nos alerta que as contribuições postas dão-se, sobretudo, a partir dos critérios que cada

pesquisador utiliza na busca coerente do exame de uma dada realidade. Assim, têm-se aqueles

que optam por compreender as dinâmicas postas quando da fundação de uma determinada

cidade e a evolução desta até determinado período, como fez o geógrafo português Orlando

Ribeiro ao debruçar-se sobre a cidade de Lisboa. Outros, por sua vez, tomam um advento

específico no âmbito das suas pesquisas, como assim o fez a pesquisadora francesa Anne-

Marie Seronde-Babonaux ao examinar a partir da perspectiva da Geografia Histórica as

transformações na Itália quando da posição da cidade de Roma como capital do estado

italiano, examinando nessa perspectiva as implicações dadas a partir deste advento político-

institucional (VASCONCELOS, 2009). Os exemplos nessa seara são bastante numerosos e

demonstram que os marcos de apreensão dos fenômenos podem ser tão múltiplos quanto

forem os objetivos postos pelo pesquisador.

No que refere-se as contribuições mais teóricas há que se ressaltar as realizadas por

Fernand Braudel e as suas colocações no tocante as noções de tempos curtos – aqueles que

buscam apreender a realidade no cotidiano do indivíduo – , as conjunturas – períodos

intermediários tomados em uma realidade que não se detém somente ao cotidiano – e a longa

duração que volta-se a apreender determinados fenômenos em uma duração de tempos muito

longos (VASCONCELOS, 2009). Indo no que nos é mais próximo, no tempo e no espaço,

temos as significativas contribuições realizadas por Milton Santos (1926-2001) no tocante a

empiricização dos tempos, que ressalte-se, insere-se em uma discussão metodológica

complexa pois "enfrentamos, aqui, o difícil problema de discernir, através de uma geografia

retrospectiva, o que, num dado ponto do passado, era, então, o presente. Essa questão,

continua sendo um pesadelo para os geógrafos" (SANTOS, 2006, p.51)

Para o referido autor a imensa gama de avanços relativos ao tratamento da questão

temporal no interior da Geografia, a partir da segunda metade do século XX, ainda que tenha

por um lado conseguido expandir a ótica dos estudos e alertar aos geógrafos da necessidade

do enfrentamento desta questão, por outro lado não conseguiu avançar significativamente nas

possibilidades operacionais do tratamento do tempo nos estudos geográficos, ou seja, era

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necessário ir além da mera constatação de que a separação entre espaço e tempo não passava

de uma abstração. Avanços pontuais relacionados a difusão de inovações e a modernização

mostraram-se satisfatórios na apreensão da gênese de dados fenômenos (SANTOS, 2006). No

entanto, de acordo com o autor:

“[...] através da chegada de um novo item, numa determinada data, a um determinado

lugar, era como se apenas o ‘tempo’ fosse atravessando o ‘espaço’, mediante objetos e

ações, passando, mas não se misturando ao lugar. Não era atingido o objetivo de prover,

com um método, essa fusão do tempo e do espaço” (SANTOS, ibidem, p.52)

Apontando para uma tentativa de reconciliação dessas duas categorias na análise

geográfica, Santos (2006) salienta o necessário esforço de tornar, ambos, espaço e tempo,

passíveis de empirização em igual medida na apreensão de uma materialidade concreta. “A

questão da medida recíproca pode ser vista como uma maneira de dizer que tempo e espaço

são uma só coisa, metamorfoseando-se um no outro, em todas as circunstâncias” (SANTOS,

2006, p.53). Partindo desta premissa e explicitando o tempo e espaço enquanto realidades

históricas é que o referido autor propõe a empiricização do tempo através das técnicas, estas

por sua vez funcionariam como elo unificador entre as duas dimensões postas no acontecer

dinâmico da sociedade (VASCONCELOS, 2009; SILVA, 2012). “As técnicas, de um lado,

dão-nos a possibilidade de empiricização do tempo e, de outro lado, a possibilidade de uma

qualificação precisa da materialidade sobre a qual as sociedades humanas trabalham

(SANTOS, 2006, p.54).

Na perspectiva apresentada seria então através das técnicas que o tempo poderia ser

empiricizado, pois "a técnica é tempo congelado e revela uma história". A partir da

imbricação da técnica – sempre contida por uma temporalidade – enquanto materialidade

concreta no lugar, que, na perspectiva do autor, pode-se alcançar a empiricização do tempo no

espaço e estipular assim as necessárias periodizações. De acordo com Silva (2012, p.5):

[...] através da empiricização do tempo, proposta por Milton Santos, podemos identificar

os lugares pela implantação diferencial e não simultânea das técnicas, pelo acúmulo

sempre diverso de modos de produção dominantes e subalternos, o que configura um

método para se estudar o tempo relacionando-o ao lugar, levando à datação diferencial

dos lugares.

As contribuições postas por Milton Santos nos deixa claro que a problemática no

tratamento do espaço-tempo a partir de uma perspectiva que busca reconciliar no âmbito da

pesquisa científica estas duas categorias filosóficas complexifica-se e abre um grande leque

de possibilidades no incremento teórico-metodológico da ciência geográfica. Os desafios

postos atrelam-se, sobretudo aos critérios estabelecidos para o alcance das periodizações, pois

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impõe necessárias discussões acerca dos recortes espaços-temporais, o tratamento do tempo e

o eixo de análise aceitado, ou seja, o eixo das sucessões (diacronia) ou o eixo das

coexistências (sincronia), escalas dos fenômenos e etc. Entendendo os limites deste trabalho e

aceitando a amplitude das discussões decorrentes da temática aqui tratada, nos cabe apontar

claramente algumas posições aqui aceitas.

A primeira noção a ser posta em relevo refere-se ao entendimento de que o tempo

histórico não nos parece suficiente no âmbito das apreensões aqui objetivadas. Isto porque

constitui o tipo de tratamento que congelando o espaço negligencia as transformações

espaciais decorrentes da indissociabilidade entre o sistema de ação e o sistema de objetos

contidos em dada formação socioespacial. Concordamos com Santos (2006, p.159) para

quem:

O tempo como sucessão, o chamado tempo histórico, foi durante muito tempo

considerado como uma base do estudo geográfico. Pode-se, todavia, perguntar se é

assim mesmo, ou se, ao contrário, o estudo geográfico não é muito mais essa outra

forma de ver o tempo como simultaneidade: pois não há nenhum espaço em que o uso

do tempo seja idêntico para todos os homens, empresas e instituições. [...]. Poderíamos

mesmo dizer, com certa ênfase, que o tempo como sucessão é abstrato e o tempo como

simultaneidade é o tempo concreto já que é o tempo da vida de todos.

Exposto esse fragmento nos é valido o retorno neste momento a perspectiva dos

tempos densos como colocado no início deste tópico, tentando a partir dele expor algumas

perspectivas de análise.

É seguindo os direcionamentos apontados por Vasconcelos (2009) que se toma aqui

como caminho metodológico uma periodização que associa momentos de continuidade e

descontinuidade para entender a dinâmica da formação territorial de uma dada localidade,

para isso analisa-se o contexto de cada período ressaltando os eventos4 mais importantes para

o enquadramento socioespacial no tempo, buscando valorizar os elementos de maior

relevância no âmbito político, econômico e social, assim como o caráter intencional imposto

pelos agentes mais hegemônicos do período analisado. Destaca-se desse modo a mineração

como força propulsora de um novo evento no sertão baiano – mais precisamente no Sertão das

Jacobinas do século XVIII – justamente para identificar as dinâmicas ali postas e como um

período denso, situado entre 1700 e 1730, impôs uma significativa reestruturação territorial no

presente de então.

4 "Os eventos históricos supõem a ação humana. De fato, evento e ação são sinônimos. Desse modo, sua

classificação é, também, uma classificação das ações. Os eventos também são idéias e não apenas fatos. Uma

inovação é um caso especial de evento, caracterizada pelo aporte a um dado ponto, no tempo e no espaço, de um

dado que nele renova um modo de fazer, de organizar ou de entender a realidade." (SANTOS, 2006, p.96)

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CAPÍTULO 2 – A DIMENSÃO TERRITORIAL DA COLONIZAÇÃO.

A área territorial do que viria a tornar-se o Estado brasileiro, como é bem sabido, têm

nos povos originários5 os seus primeiros detentores. A partir das práticas no uso das terras

assim como através das relações sociais estabelecidas em seus respectivos grupos étnicos

realizou-se dispersamente a ocupação desse amplo espaço com características continentais.

Diferentemente de outros grupos, aqueles denominados de povos 'pré-colombianos', os

nativos aqui estabelecidos não realizaram ao longo da sua territorialização uma significativa

malha de cidades e assim não agregaram ao território a densidade técnica proveniente desse

empreendimento. Nessa perspectiva, os colonizadores que aqui chegaram depararam-se com

um espaço ainda muito condicionado a fatores naturais, fato este atrelado em grande medida a

um modo de vida originário baseado na subsistência e no nomadismo, características estas

presentes em muitos dos povos aqui estabelecidos.

Esta condição territorial primeira impôs obstáculos significativos a um eficiente

processo de colonização por parte dos portugueses, que não obtiveram a princípio nenhum

atrativo – tais como os metais encontrados na ‘América espanhola’ – que estimulasse assim

uma ocupação territorial de forma imediata e efetiva, daí advém a constatação de Felipe

Barreto: "o Brasil é uma zona de quase esquecimento no Quinhentismo português." (apud,

MORAES, 1993, p.33). Salienta-se aqui que esse quase esquecimento não constituiu um

desprezo6 ou um total abandono no âmbito das relações estabelecidas pela Coroa portuguesa

com as novas terras no ultramar. Em verdade, a posição secundária que no plano geopolítico

lusitano iria assumir o novo domínio territorial decorria da existência de outros circuitos de

alta rentabilidade e que proporcionavam naquele momento os necessários lucros decorrentes

do capital mercantil investido no empreendimento ultramarino. Por outro lado a nova colônia

constituía um interessante conjunto estratégico para os interesses lusitanos. O amplo litoral

localizado exclusivamente no hemisfério austral possibilitaria uma vasta possibilidade de

articulação através do Oceano Atlântico com os domínios em expansão existentes ao longo do

continente africano (MORAES, 1993).

5 Recupera-se aqui a mesma preocupação posta por PORTO-GONÇALVES (2006) no que tange a utilização dos

termos sociedades originárias e tradicionais, recusa-se esta última por conclamar uma relação hierárquica em

relação ao seu par moderno, arraigado em uma perspectiva eurocêntrica que destitui os valores existentes nas

sociedades já estabelecidas antes da chegada do colonizador. 6 O pedido de ratificação dos termos acordados em Tordesilhas junto a Santa Sé realizado por Portugal em 1506

constitui um significativo exemplo das ambições coloniais da Coroa para com a sua nova conquista no além-mar,

a saber, o reconhecimento de que "qualquer terra descoberta deveria ser incorporada, pois seu controle abria a

possibilidade para o conhecimento e exploração futuros" (MORAES, 1993, p.34).

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Os fatores elencados juntamente com as dificuldades atravessadas por Portugal no que

concerne ao gerenciamento dos seus extensos territórios coloniais convergiram para que a

possessão de terras sul-americanas procedesse de forma bastante lenta. A Coroa estabeleceu

assim algumas expedições na primeira metade do século XVI com vistas a explorar as novas

terras e realizar trocas comerciais com os povos autóctones através do escambo do pau-brasil.

Estas expedições tinham um primeiro objetivo bastante claro, no âmbito das estratégias

lusitanas, conhecer o novo território para reivindicar sua soberania assim como estabelecer as

estratégias mais adequadas vislumbrando o futuro processo de ocupação efetiva. Nesse

sentido o conhecimento bem delineado da costa brasileira é já explicitado em 1519 através do

mapa Terra Brasilis do cartógrafo e cosmógrafo português Lopo Homem (Figura 1).

FIGURA 1 – MAPAS HISTÓRICOS BRASILEIROS – TERRA BRASILIS (1519)

Fonte7: Imagem: Mapas Históricos Brasileiros, da enciclopédia Grandes Personagens da Nossa História, ed.

Abril Cultural, São Paulo/SP, 1969. Reprodução do fac-simile existente na mapoteca do Ministério das Relações

Exteriores, situada no Rio de Janeiro, no então estado da Guanabara

Diante deste cenário de ocupação rarefeita as feitorias ganharam importância devido

ao seu papel de entreposto comercial e base de patrulhamento da costa. A princípio um espaço

de armazenamento e embarque do pau-brasil, posteriormente "[...] uma base de ocupação cuja

7 Retirado de: http://www.novomilenio.inf.br/santos/mapa25.htm - último acesso em 01/11/2014

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edificação revelaria um intuito protocolonizador um pouco menosprezado por alguns analistas

da história colonial brasileira" (MORAES, 1993, p. 34). Ressalte-se que as feitorias

constituíram também um espaço privilegiado de trocas culturais dos colonizadores com os

nativos. Nestas circunstâncias tornava-se cada vez mais iminente a ameaça de perda das novas

terras em virtude do caráter pouco abrangente destas edificações frente ao amplo território a

ser patrulhado. As constantes trocas comerciais, estabelecidas entre os povos originários e os

franceses, constituem um significativo exemplo dos perigos que a Coroa portuguesa

atravessara em relação ao seu novo domínio territorial, diga-se de passagem, de apropriação

mais potencial que efetiva.

Aos olhos da Coroa fazia-se necessário alcançar uma posição estratégica que

possibilitasse uma ocupação efetiva das novas terras, para isso era necessário criar uma

exploração econômica, ou seja, ir muito além da coleta de riquezas em trocas comerciais com

os povos originários. Assim, as experiências já realizadas em outros espaços coloniais

autorizava Portugal a implantar uma produção de lavouras tropicais objetivando um retorno

econômico e territorial tendo a cana-de-açúcar como principal propulsor de uma ampla

lucratividade a ser extraída na relação de dominação com a mais nova colônia. Dessa forma

os municípios e o sistema de capitanias hereditárias irão surgir como uma saída viável com

vistas a garantir a posse do território. (MORAES, 1993; FONSECA, 2005)

Concluindo essa primeira aproximação com as premissas que aqui serão assumidas, o

presente capítulo pretende expor a importância que a dimensão territorial adquire em países

de formação colonial, tal como o Brasil. O processo de apropriação de terras constituiu ao

longo de toda a colonização brasileira um móvel recorrente dos interesses estabelecidos pelos

colonizadores frente às sociedades originárias. Nessa perspectiva, cabe desde já salientar que

o presente trabalho resgata o conceito de Território no campo da Geografia Política enquanto

expressão das relações de poder projetadas no espaço onde a relação com e através do Estado8

mostra-se fundamental. As motivações econômicas existentes nas intencionalidades que

impulsionam processos de dominação atrelam-se também àquelas determinações políticas,

assim, os territórios são também "[...] construções jurídicas, que necessitam ser legitimadas

interna e externamente ao seu âmbito de exercício do poder" (MORAES, 2000, p.34). Para os

objetivos aqui postos a inter-relação do território e do Estado nos parece o caminho mais

coerente na tentativa de ressaltar elementos constitutivos do processo de formação territorial

da capitania da Bahia e, consequentemente, do Brasil.

8 Refiro-me aqui ao “[...] Estado Territorial, forma geográfico-política por excelência no mundo moderno-

colonial” Porto-Gonçalves (2010, p13.)

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2.1 Colonização e formação territorial.

Com base no que até aqui foi apontado, pode-se constatar que o móvel da dominação

territorial intrínseco ao processo de colonização constitui uma dimensão central para a

compreensão dos elementos que o presente estudo vislumbra apreender. Nesse sentido,

destaca-se que o Brasil emerge no cenário do ‘velho mundo’ como espaço de dominação,

capaz de ser moldado aos interesses provenientes de uma sociedade e de um contexto externo

que colocaram como imperativo a apropriação dos recursos territoriais sob o advento do

empreendimento colonizador, nesses termos a violência aparece como elemento chave em um

processo que, por sua natureza, é devassador àquelas sociedades que tem a sua base de

existência expropriada num sistema que se volta para a construção de uma hierarquia entre

lugares, o que bem se expressa nos termos metrópole e colônia. Como bem salientou Moraes

(1999, p.44):

[...] a dimensão territorial recorta profundamente as formações sociais geradas na

expansão européia moderna, que cria a economia do mundo capitalista. Os processos

econômicos, políticos e culturais trazem uma forte marca da geografia nos países de

passado colonial

O Brasil como um típico país desse processo de formação tem na expansão territorial

uma das suas marcas mais significativas no bojo do desenvolvimento que emerge de sua

história. Assim, cabem neste momento algumas considerações sobre a colonização, haja vista

que esta impõe uma forte relação entre a sociedade e o seu espaço de reprodução.

Grosso modo, podemos estabelecer de imediato que a colonização constitui uma forma

de valorização de novas áreas, a assunção desta prerrogativa mais geral constitui ponto de

partida para o refinamento da discussão aqui colocada. Na perspectiva geográfica tem-se que

a colonização têm no seu âmago a possibilidade de expansão do espaço de habitação de

alguns grupos humanos, representado pelos colonizadores, ao mesmo tempo em que por

oposição constitui um ato de retração espacial de outros grupos, as sociedades colonizadas.

Nas palavras de Moraes (2001, p.105), "a colonização em si mesma é conquista territorial.

Ninguém fala em colonizar seu próprio espaço. Na verdade, a colonização diz respeito a uma

adição de território ao seu patrimônio territorial".

No âmbito do processo de colonização portuguesa no Brasil esse processo apresentou-

se muito claramente, foi justamente por estar inserido em um contexto de desenvolvimento do

capitalismo comercial que as futuras economias periféricas tiveram impulsionadas sua

emergência e, portanto, explicita um mecanismo específico de ocupação de novas áreas no

interior da política mercantilista, ou seja, "o Brasil nessa perspectiva apresenta-se como

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produto da colonização européia e parte integrante do antigo sistema colonial" (NOVAIS,

1969, p.247).

Ainda no interior da referida temática convém ressaltar os diferentes tipos de

colonização tendo em vista que essa discussão mostra-se como essencial para o entendimento

das questões aqui abordadas. Seguindo os passos de Novais (1969) temos a classificação

posta por Wilhelm Roscher como uma das que mais conquistaram visibilidade. De acordo

com tal tipologia teríamos as (i) 'colônias de conquistas', caracterizadas pelas vantagens

obtidas pelo colonizador frente a exploração política, militar e territorial, oriunda da

dominação estabelecida sobre grupos autóctones; (ii) 'colônias agrícolas de povoamento'

formando o grupo das que despossuídas de forte povoamento e possuidoras de semelhanças

climáticas e culturais com a metrópole progridem com base no trabalho despendido pelos

povoadores e a estrutura por eles implantadas; Por fim, (iii) 'colônias de plantação exploração'

que seriam as provedoras dos produtos reclamados pelas metrópoles, servindo como uma

espécie de silo, constituindo o local de reserva para aqueles produtos que por razões diversas

não seriam possíveis de produção nos limites originários dos colonizadores, tem a exploração

dos recursos como motivação principal de seu empreendimento.

A classificação que se toma constitui apenas uma tentativa de aproximação analítica

com o complexo processo histórico em que se realizou o advento colonizador, desta forma,

faz-se necessário apreender o que mais significativo pode ser retirado da referida classificação

com vistas a se alcançar mais claramente o que significou a colonização do Brasil no século

XVI. Assim,

[...] as classificações procuram ordenar os componentes da realidade histórica da

colonização em geral, e desta forma acabam por nos abrir caminho na tarefa de

identificar os componentes essenciais da colonização mercantilista (NOVAIS, 1969, p.

251).

Retomando o que foi colocado no início deste tópico referente ao entendimento da

colonização enquanto valorização de novas áreas e aquilo que apontou Moraes (2001) sobre a

colonização entendida como sinônimo de conquista territorial, podemos afirmar que a

primeira classificação que nos trás enquanto tipologia a denominação 'colônias de conquista'

nos parece acrescentar pouco ao debate, afinal, pode haver colonização sem conquista? Nos

termos deste trabalho entende-se que não. As economias coloniais emergentes no século XVI

são fruto da expansão do capitalismo comercial e neste sentido tem um caráter empresarialista

intrínseco, põe assim em evidência que os critérios sócio-econômicos se destacam com

relevância, ainda que não possam ser expostos como um fato absoluto na relação bi-lateral

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existente entre Metrópole e colônia. Neste sentido, emerge elencar mais duas características

na época da colonização mercantilista, o povoamento e a exploração.

Na esteira das prerrogativas já apontadas temos que a colonização enquanto um móvel

de conquista não pode prescindir de um advento migratório, o deslocamento populacional

constitui uma característica presente no interior do próprio processo, seja o deslocamento

populacional do colonizador ou do colonizado – não perdendo de vista que a migração não

está sendo sugerida aqui como provedora de um empreendimento colonizador por si só. Se a

posição de que a expansão territorial no século XVI reflete-se no 'novo mundo' como

resultado das exigências colocadas diante das transformações econômicas das metrópoles

européias, temos então que as colônias de exploração cumprem um papel fundamental no

bojo da produção e comércio de produtos para o mercado metropolitano. Neste sentido, as

noções de colônias de exploração e de povoamento permanecem válidas, ainda que em um

primeiro momento possa parecer que não, pois um questionamento aqui também se faz

presente: Se não pode existir exploração sem povoamento e nem o seu contrário, qual a razão

de ser da distinção colocada em tela? A resposta a esta indagação pode ser apreendida a partir

da contribuição de Novais (1969, p. 253)

[...] posto que obviamente não possa haver exploração sem povoamento nem este sem

aquela, numa estrutura o essencial é a exploração, noutra o povoamento; as colônias de

exploração povoam-se para explorar (isto é, produzir para o mercado metropolitano) as

de povoamento exploram os recursos do ambiente no fundamental para prover o seu

próprio mercado (isto é, exploração para o povoamento); numa situação, povoamento

explica a exploração, noutra é a partir da exploração que se pode entender o próprio

povoamento

No sentido da epígrafe apresentada percebe-se as relações bi-laterais existentes entre

Metrópole e colônia, exigindo de um lado a manutenção das relações para o incremento da

economia metropolitana e de outro, em conformidade com estes mesmos interesses, a

necessidade de se acentuar a permanência do povoamento, o que demanda um processo

interno de subsistência que amplia a dominação sobre as populações originárias na medida em

que as dinâmicas externas e internas requisitam cada vez mais a ampliação e valorização de

novas áreas. Essas duas tipologias metodológicas de apreensão das colônias – povoamento e

exploração – parecem ser assim fundamentais para o entendimento do processo de formação

territorial do Brasil no quadro da expansão européia.

O contexto de expansão do capitalismo comercial realizou-se fundamentalmente

amparado no empreendimento empresarial oriundo das exigências postas pela metrópole, que

através das práticas de dominação frente a colônia configurou o sistema colonial

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historicamente determinado. As premissas aqui então assumidas reforçam os argumentos já

apresentados acerca da colonização entendida em seu sentido genérico como valorização de

novas áreas assim como sinônimo de conquista territorial, geradora de entidades políticas

específicas – o território colonial – subordinadas às dinâmicas advindas da metrópole. O

conjunto de fatores aqui elencados e que explicitam minimamente o móvel da colonização e

seu fundamento territorial, nos permite agora estabelecer minimamente a idéia/noção de

formação territorial, tal como acreditamos ser pertinente para com os objetivos postos neste

trabalho.

Dos variados conceitos disseminados na literatura geográfica, optou-se aqui por aquele

que a nosso ver apresenta um atributo intrinsecamente prenhe das relações sociais e sua

perspectiva política, posto que o advento da apropriação do espaço constitui prerrogativa

primeira para emergência do território. Contudo, se as relações sociais são aqui entendidas

como qualificadores dos lugares, tendo a espacialidade um caráter particularizador no âmbito

dos processos universais e singulares, não se limita aqui o território enquanto o objeto de

investigação por si só, mas ao seu processo de formação, pois nos possibilita o resgate de seu

movimento histórico e contribui para o processo de espacialização das temporalidades

existentes em uma dada formação econômico-social. O pressuposto aqui assumido ampara-se

desta forma nas formulações de Moraes, para quem:

[...] a espacialidade se afirma como um elemento particularizador, uma mediação que

quando aplicada sobre o próprio processo universal de valorização do espaço ajuda a

qualificá-lo como o processo singular de formação de um território. Este resulta da

relação de uma sociedade específica com seu espaço, sendo objetivado pelo intercâmbio

contínuo que humaniza esse âmbito espacial, materializando sincronicamente as formas

de sociabilidade nela reinantes numa paisagem e numa estrutura territorial (MORAES,

2000, p. 30)

A formação territorial emerge aqui como horizonte de pesquisa que proporciona

apreender a dinâmica histórica na qual se fundamenta o processo de valorização do espaço,

relações sincronicamente dadas, onde agentes, interesses e motivações condensam-se na

constituição do território estatal. Entendendo que a expansão das áreas coloniais constitui um

advento primordial para compreensão da formação do território, cabe assinalar em linhas

gerais como a emergência dos municípios e cidades constituíram o corolário geral da

dominação territorial.

2.2 O município no período colonial.

A dimensão político-administrativa da organização territorial em países de base

colonial não poderia escapar das estratégias e determinações jurídicas já implementadas em

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território metropolitano. No Brasil, o município carrega essa herança colonial e institui-se no

contexto da posse das novas terras do Império Português, neste sentido, o município enquanto

principal instituição jurídica e organizacional da Coroa no além-mar implanta-se sob caráter

de dominação explícito, em grande medida através do estabelecimento de cima para baixo das

regras formais a serem impostas na colônia. Fonseca (2005) destaca que se por um lado esse

caráter formal de implementação de leis e ordenamentos de fato ocorreu, e foi predominante,

não se pode olvidar que em virtude da abrangência territorial das novas terras e da

disseminação difusa das populações, muitas vezes constituindo núcleos isolados, a

emergência dos acordos legais mínimos para o bom ordenamento da vida social se estabelecia

a revelia das imposições e determinação advindas da autoridade metropolitana.

Com base nas considerações apresentadas, tem-se que o município brasileiro emerge a

partir de uma dupla face, por um lado através das determinações intencionais colocadas pela

metrópole com vistas a delinear aos seus moldes o ordenamento territorial e assegurar o

controle e posse das novas terras, por outro a partir das iniciativas locais oriundas dos

interesses e objetivos de uma dada comunidade, cabendo a metrópole neste sentido referendar

as decisões já postas. Existia assim um caráter geográfico intrínseco no âmbito da instalação e

funcionamento do município no território colonial, Fonseca (2005, p.86) conclui neste sentido

que:

[...] os portugueses compreenderam, desde o início, a impossibilidade de se instalar na

Colônia um regime de centralização administrativa devido às condições do meio. Por

isso, é natural que o município tenha começado desde cedo, porque era o modelo

político-administrativo e territorial mais adequado às condições geográficas naquela

ocasião.

É diante de tal cenário de administração colonial que emergem as Câmaras Municipais

como o lócus primeiro de um governo local com destacado papel nas decisões estratégicas de

ordenamento do território. Competências judiciária, fazendária e policial instituíam-se através

de tal base local de administração, estabelecida por decreto real ou a partir da petição de

moradores ao rei.

As Câmaras Municipais surgem como modelo de ordenamento em Portugal entre os

séculos XII e XIII e a partir de então evolui e implementa-se nas colônias portuguesas do

século XVI, tendo o estabelecimento de uma hierarquia entre esferas administrativas como

fundamento principal com vistas a descentralizar o controle e posse do território. Em geral, as

Câmaras Municipais eram compostas por um grupo diversificado de indivíduos, eleitos a cada

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três anos9, estes cumpriam funções que variavam desde juízes ordinários e procuradores até

porteiros e carcereiros. Os vereadores assumiam um destacado papel administrativo e neste

sentido eram os principais encarregados de determinar, entre outras funções, os impostos,

fiscalizar os oficiais das municipalidades e aplicar as leis. Os vereadores tinham assim um

papel significativo no interior da administração colonial, pois as principais fontes de

rendimento das câmaras provinham dos impostos municipais, condenações e aforamento de

terrenos 'baldios'.

Dos primeiros núcleos de povoamento estabelecidos no litoral da colônia até o

estabelecimento da Vila de São Vicente em 1532, vê-se com base no que foi apresentado que

as experiências de organização político-administrativa evoluíram de estabelecimentos

militares com um caráter modesto, através das feitorias, até um modelo de administração mais

complexo expresso na posição das Câmaras Municipais e das Capitanias Hereditárias. O

estabelecimento de núcleos de povoamento com um caráter político mais explícito constituiu

assim uma prática secular na garantia de posse de novas áreas.

No Brasil, a expansão da colonização portuguesa traz, inevitavelmente, a presença de

freguesias, patrimônios, cidades, vilas e povoados. A presença desses núcleos urbanos

na paisagem reflete e caracteriza as preocupações político-administrativas da Metrópole

em relação à ocupação e a exploração do território que aos poucos desenha uma nova

cartografia dos limites do seu domínio. (GODOY, 2011, p.10)

De acordo com Azevedo (1994), ao findar do século XVI, existiam no Brasil ao menos

14 vilas, no entanto, em relação a instalação de cidades estas eram apenas três no

quinhentismo, a cidade de Salvador da Baía de Todos os Santos (1549), São Sebastião do Rio

de Janeiro (1565) e Filipéia de Nossa Senhora das Neves (1585). Para Azevedo:

Essa extrema pobreza em cidades, que tão bem caracteriza o Brasil do século XVI, não

só correspondia à modéstia de nossa vida colonial, dando então os seus primeiros

passos, como também era um reflexo da tradição portuguesa da época e, mais

proximamente, resultava do regime dominante das capitanias hereditárias. (AZEVEDO,

1992, não paginado)

Dando um salto no recorte espaço-temporal em direção àquelas dinâmicas que neste

trabalho ganharão mais destaque, emerge no século XVIII um cenário territorial totalmente

diferente daqueles estabelecidos nos primeiros dois séculos da colonização, onde com o

advento da expansão do povoamento através da conquista do Planalto Brasileiro, da

exploração da Amazônia, expansão pastoril no Sertão Nordestino e principalmente através da

9 “O mandato dos componentes das câmaras era de um ano, contudo, o processo eletivo ocorria de três em três

anos, por voto secreto, sendo que somente os considerados ‘homens bons’ – constituídos, geralmente, por

proprietários rurais ou nobreza – tinham direito ao voto” (FONSECA, 2005, p.87)

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indústria mineradora a colonização conseguiu definitivamente livrar-se do seu caráter mais

litorâneo, estabelecendo-se neste período um total de 118 Vilas, muitas delas denominadas de

bocas do sertão. É neste cenário de alteração do eixo geográfico da colonização que se instala

o município de Santo Antônio de Jacobina, uma típica representante das vilas bocas do sertão,

ou seja, municípios fixados a uma significativa distância do litoral e que, neste sentido,

constituíram no âmbito formal o corolário do domínio territorial.

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CAPÍTULO 3. O SERTÃO DAS JACOBINAS: GÊNESE TERRITORIAL.

A palavra sertão é no Brasil de uso muito corrente e ainda hoje utilizada para indicar

por parte de determinado interlocutor alguma característica particular que considera

qualificável a uma dada localidade. Deve-se ressaltar de início que o sertão ao longo do

período colonial constituiu muito mais uma condição territorial do quê uma realidade

empírico-factual claramente delineável. Por outro lado, ressaltamos que ao se aceitar essa

prerrogativa não se está a dizer que localizar cartograficamente o espaço sertanejo constitua

uma quimera, talvez possamos sim, afirmar, que no tocante ao sertão os seus limites sejam

muito menos rígidos que outras realidades empíricas, e assim, as fronteiras estejam muito

mais em movimento do quê em linhas inertes, rígidas.

É no período colonial que o sertão enquanto um qualificativo emerge e consolida-se ao

longo da formação e evolução do território brasileiro. Nesse sentido, pode-se mesmo afirmar

que a idéia/noção de sertão no Brasil está ligada intrinsecamente com o próprio advento do

processo colonizador de base territorial. No século XIV os portugueses já utilizavam a

referida nomenclatura para referirem-se às áreas situadas para além dos limites litorâneos da

cidade de Lisboa. "A partir do século XV, usavam-na [os portugueses] para nomear espaços

vastos, interiores, situados dentro das possessões recém-conquistadas ou contíguas a elas,

sobre as quais pouco ou nada sabiam.” (SANTOS, 2011, p. 22). Vê-se assim que o sertão teve

no seio de sua origem a característica de ser tratado como o "outro" em relação a outras áreas

possuidoras de um caráter ‘ecúmeno’ mais explícito. Desse modo, Moraes (2009, p.89)

conclui que:

Na verdade, o sertão não é um lugar, mas uma condição atribuída a variados e

diferenciados lugares. Trata-se de um símbolo imposto – em certos contextos históricos

– a determinadas condições locacionais que acaba por atuar como um qualificativo local

básico no processo de sua valoração. Enfim, o sertão não é uma materialidade da

superfície terrestre, mas uma realidade simbólica: uma ideologia geográfica. Trata-se de

um discurso valorativo referente ao espaço, que qualifica os lugares segundo a

mentalidade reinante e os interesses vigentes neste processo.

Do exposto na citação acima e pensando no processo de colonização da América

Portuguesa, que teve seu empreendimento locacional fundamentado em um primeiro

momento nas áreas litorâneas, entende-se o sertão enquanto uma imagem muito particular do

colonizador em comparação ao espaço usado e até certo momento o mais representativo do

poder lusitano. “Trata-se, portanto, da construção de uma identidade espacial por

contraposição a uma situação díspare que, pela ausência, lhe qualifica.” (MORAES, 2009,

p.91). Ao que parece é nesse sentido que o sertão da Bahia vai emergir em relação ao litoral e

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recôncavo desta Capitania, tendo sua identidade atrelada a uma contraposição na qual inclui-

se no seu bojo a imbricação de elementos e agentes variados tais como os bandeirantes, os

povos originários bravios, os pecuaristas e os missionários jesuíticos. Através das ações

engendradas por estes grupos, convergiram processos que juntos tornaram-se característicos

da interiorização do advento colonizador, o que nos permite assim delinear uma unidade

espaço-tempo como existente entre a segunda metade do século XVII e início do século XIII,

grosso modo localizada em uma extensa faixa do miolo territorial da Capitania da Bahia.

Cabe ainda ressaltar que o período abrangido inseria-se dentro de uma conjuntura maior

marcado pelo final da união ibérica (1580-1640) e ascensão de D. João IV da dinastia de

Bragança ao trono, pelas ocupações holandesas na Bahia (1624-1625) e em Pernambuco

(1630-1654) (SANTOS 2011). Em relação à atuação holandesa nos limites territoriais da

capitania da Bahia, cabem ainda algumas considerações.

Em 1580 quando Portugal passou a pertencer aos domínios da Espanha – União

Ibérica ou Dinastia Fillipina – esta já era naquele período adversária da Holanda. Entre

algumas das atitudes decorrentes das animosidades estabelecidas tem-se o fechamento do

porto de Lisboa aos holandeses, o que implicou em grandes perdas econômicas por parte

destes no que refere-se ao comércio marítimo praticado. Com base nisso estabeleceu-se o

empreendimento das expedições holandesas paras as Índias e o Brasil, através das respectivas

Companhias das Índias Orientais e das Índias Ocidentais. De acordo com Fleiuss (1958,

p.141):

Procurou-se explicar, política e militarmente, a invasão holandesa uma consequência da

guerra de setenta anos entre a Holanda e a Espanha, como defesa do credo e liberdade

de religião, mas a agressão neerlandesa (sic) teve por principal aspecto histórico a luta

entre o livre cambio e o monopólio, em virtude do descobrimento da América e do

caminho marítimo das Índias.

Seja como for, interessa assinalar que ao longo do período de dominação Holandesa

estabeleceu-se uma aliança destes com os índios do sertão. No entanto, e este é o atributo

significativo a ser pensando no tocante a este evento, ao findar o período de dominação

holandesa nas terras da Capitania da Bahia os índios se vêem "obrigados a voltar para as áreas

da hinterlândia [...] em face da animosidade demonstrada pelos colonos e pela administração

portuguesa.” (MOREIRA, 2011, 53). É na esteira deste acontecimento que se delineia de

forma mais explícita o empreendimento expansionista da administração lusitana para o

interior do território colonial, haja vista que até primeira metade do século XVII o amplo

território a ser administrado mostrou-se bastante vulnerável às incursões de nações que

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cobiçavam exercer posse dos recursos aqui existentes. Entendendo a fragilidade e

vulnerabilidade a que estavam submetidos, coube a administração portuguesa exercer a posse

efetiva da hinterlândia e intensificar assim o empreendimento de interiorização, processo este

que realizou-se através da expansão da pecuária e das expedições mineradoras e missionárias.

Não por acaso é que irá realizar-se entre os anos de 1651 e 1715 a guerra dos tapuios,

decorrente justamente do avanço sistemático da colonização sobre terras dos povos

originários.

Como se vê, o sertão emerge aos olhos estrangeiros enquanto uma dada localidade,

que enquanto discurso e projeto colonial, visa sua própria superação, isso porque era

necessário 'diminuir distâncias', 'conhecer o espaço para melhor apropriar-se', 'civilizar 'índios

bravios' e etc. Em suma, “[...] o sertão é qualificado para ser superado, por meio de um

exercício onde a denominação já expressa interesses projetados pelo qualificador para os

lugares abordados" (MORAES, 2009, p.92).

Exposto estas questões cabe assinalar no próximo tópico algumas características gerais

concernentes à capitania da Bahia10

, tendo mais precisamente como foco as dinâmicas da

cidade de Salvador e o seu recôncavo. No sub-capítulo 3.2 expõe-se de forma mais específica

o processo de interiorização do território baiano e a emergência do ‘Sertão das Jacobinas’.

3.1 As condições territoriais na Capitania da Bahia de Todos os Santos.

Retomando alguns elementos já minimamente apresentados, tem-se que os municípios

e as capitanias hereditárias constituíram as primeiras divisões territoriais estabelecidas pelos

colonizadores na nova colônia. A partir da doação de terras que teve início a partir de 1534 os

donatários tornaram-se os responsáveis principais por colocar em movimento, de forma mais

consistente, o empreendimento colonizador, atrelando-se a este processo o impulso para a

criação de vilas e a consequente conformação das câmaras municipais.

As 14 capitanias hereditárias doadas a membros da baixa nobreza do reino de Portugal

representaram juntamente com os municípios o germe político-territorial do que

posteriormente viria a se transformar em um Estado soberano. A instituição deste sistema de

administração colonial surgiu de condições concretas, neste sentido, ainda que o ímpeto do

10

O atual espaço político-administrativo do estado da Bahia constituiu em momentos passados uma conjunção

físico-territorial das Capitanias da Bahia de Todos os Santos, Capitania de Ilhéus e Capitania de Porto Seguro.

Dado o caráter exploratório e aproximativo desta pesquisa, estas duas últimas capitanias serão tratadas no bojo

das discussões estabelecidas em relação a Capitania da Bahia de Todos os Santos que estendia-se da foz do rio

São Francisco à foz do rio Jiquiriçá, abrangendo de forma mais significativa o espaço territorial no qual

desenrolaram-se os eventos aqui tratados.

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povoamento e consequente domínio territorial tenham sido realizados com vistas a atender

algumas demandas, tal como a oportunidade colocada pelo mercado europeu de açúcar e os

seus preços favoráveis, deve-se ressaltar que o móvel prioritário deste empreendimento de

posse efetiva esteve condicionado às constantes ameaças estrangeiras realizadas

majoritariamente por ingleses e franceses11

e, neste sentido, constituiu um importante advento

propulsor para o estabelecimento de mecanismos eficazes que garantissem a instalação

portuguesa no território. Posto que as feitorias não constituíram as instituições ideais para tal

finalidade, a conformação do sistema de capitanias hereditárias emerge atrelado fortemente a

um caráter geopolítico. Pode-se concordar com Moraes (1993, p.35) quando este afirma que

"[...] o móvel da instalação era especificamente geopolítico, a exploração econômica

aparecendo como um instrumento e uma necessidade deste".

Nos atendo a Capitania da Bahia, pode-se afirmar que antes de sua instalação um dos

primeiros núcleos de povoamento português foi aquele denominado de vila velha, localizado

onde hoje se encontra o atual bairro da Barra, em Salvador. Neste sentido, “a Capitania da

Bahia entre 1534 e 1549 permaneceu com o núcleo de Vila Velha que serviu de suporte ao

primeiro donatário, por isso mesmo também conhecido como Vila de Pereira” (LEÃO, 1989.

p.37). O sobrenome refere-se ao primeiro donatário da capitania da Bahia, Francisco Pereira

Coutinho, fidalgo português capturado e devorado por tupinambás em um ritual antropofágico

na ilha de Itaparica em 1547.

O êxito ou fracasso das variadas capitanias foi resultado das dificuldades postas nos

processos particulares de desenvolvimento de cada uma delas. As relações conflituosas com

os povos originários, a disponibilidade de capitais para impulsionar o empreendimento assim

como os obstáculos naturais existentes podem ser elencados como alguns dos fatores

responsáveis pelas complicações para se alcançar um eficaz processo de fixação portuguesa

na colônia. Na capitania da Bahia a morte precoce de seu donatário constituiu mais um fator

de destaque no bojo das adversidades presentes nos primeiros anos de implantação do sistema

de colonização empregado por Portugal. Tendo em vista que o sistema de capitanias

hereditárias requeria de cada donatário a criação de uma infraestrutura mínima para a

produção e consequente fixação das povoações portuguesas, onde através da implantação de

11

"Notadamente os navios franceses, de modo precoce e cada vez mais frequente, visitavam a costa do Brasil

entabulando trocas com os indígenas e fazendo concorrência às companhias portuguesas no escambo e na

comercialização dos produtos trocados. A consciência dessa concorrência aparece nas reclamações que Portugal

encaminha à chancelaria da Franca, às quais o rei francês responde afirmando que pouco pode fazer, pelo fato de

que as viagens dos 'entrelopos' eram iniciativas de particulares. A resposta portuguesa vem na criação da

'capitania do mar' do Brasil e a das armadas 'guarda-costas' que ao longo das décadas de 20 e 30 policiam o

litoral fazendo a caça aos navios franceses” (MORAES, 1993, p.35)

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gêneros tropicais baseado no estabelecimento dos engenhos e das grandes lavouras a

experiência de posse pudesse alcançar êxito, vê-se a situação que estava inserida a referida

capitania, em razão das dificuldades concernentes frente à morte de Francisco Pereira

Coutinho.

Em 1549 as dificuldades enfrentadas no âmbito da administração territorial sob o

sistema de capitanias hereditárias favoreceu a instalação do Governo Geral com capital na

então fundada cidade de São Salvador da Baía de Todos os Santos, onde implantou-se a Casa

da Câmara, o Colégio de Jesuítas, entre outras instituições.

A centralização da administração da colônia objetivando unificar em um espaço

prioritário os esforços de defesa do território assim como diminuir os gastos financeiros

decorrentes dos primeiros anos da colonização podem ser considerados os fatores essenciais

para o estabelecimento desta nova condição político-administrativa na colônia. A assunção de

Tomé de Souza como primeiro governador-geral do Brasil (1549-1553) realizou-se, assim, em

consonância com as preocupações reais existentes em razão das constantes ameaças

internacionais e dos conflitos internos com as sociedades originárias.

A chegada do governador-geral fez-se assim amparada em orientações muito precisas,

relacionadas à organização do poder público, povoamento, catequese e etc. Interessante notar

que no regimento12

de 17 de dezembro de 1548 D. João III assinalava de imediato a

necessidade de que fosse bem sabido por todos a chegada do novo administrador das terras da

colônia, assim ele recomendava a Tomé de Souza:

Ao tempo que chegardes à dita Bahia, fareis saber, por todas as vias que puderdes, aos

Capitães das Capitanias das ditas costas do Brasil, de vossa chega, e eu lhes tenho

escrito que tanto que souberem vos enviem toda ajuda que puderem de gente e

mantimentos e as mais cousas que na terra tiverem

A fundação da Cidade de Salvador realizou-se deste modo com vistas a superar os

problemas administrativos na colônia. Vasconcelos (2002, p.47) salienta que:

O desenvolvimento da cidade foi condicionado pela escolha do sítio, que partiu de uma

ótica defensiva: no alto de uma escarpa, dificultando a ligação com o porto, surgindo aí

uma primeira oposição: Cidade Alta/ Cidade Baixa.

A Baía de Todos os Santos foi escolhida como lócus dessa nova etapa da colonização

em razão da sua centralidade com relação às outras capitanias. Há que se destacar também o

potencial econômico e as possibilidades existentes no que tange a instalação de engenhos e

12

Disponibilizado em:

http://lemad.fflch.usp.br/sites/lemad.fflch.usp.br/files/1.3._Regimento_que_levou_Tom__de_Souza_0.pdf -

último acesso em 04/11/2014

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fazendas, atributos estes favoráveis para a escolha da referida capitania. O desembarque do

primeiro governador geral do Brasil realizou-se com a companhia de uma armada composta

por diferentes grupos13

, em concordância assim com os objetivos estabelecidos

prioritariamente pelo Rei, a saber, a criação de uma cidade fortaleza capaz de assegurar a

posse territorial combatendo ameaças internas e externas.

Edificar a cidade e estabelecer a catequese do ‘gentio’ foram as primeiras ações

implementadas no processo de ocupação das terras aqui dominadas no período imediato a

instalação do governo geral. A catequização estendia-se territorialmente com o passar dos

anos, de um período inicial de ação pouco consolidada e restrita aos círculos imediatos da

cidade recém-fundada, dilatou-se alcançando o recôncavo e o sertão já no século XVII. As

aldeias jesuíticas possuíram um papel urbanizador significativo na medida em que

estabeleciam núcleos de povoamento, criando em muitas oportunidades condições ideais para

o estabelecimento de atividades produtivas. Nesse sentido, Leão (1989, p.47) irá afirmar que:

As aldeias periféricas à Salvador foram lentamente incorporadas ao tecido urbano e

metropolitano à proporção que evoluíam para bairros e/ou subúrbios. As aldeias,

dispersas pelo litoral e sertão, ascenderam lenta ou rapidamente à categoria urbana de

vilas e cidades.

Ao findar do século XVI as condições territoriais da capitania da Bahia eram

claramente diferenciadas em relação aos anos que precederam a centralização administrativa.

O desenvolvimento dos engenhos de açúcar e os aumentos sucessivos na produção de algodão

impulsionavam os ganhos econômicos da metrópole com relação a colônia de forma

significativa. A capitania da Bahia de Todos os Santos destacava-se em relação às vizinhas,

Ilhéus e Porto Seguro, sobretudo em razão da expansão dos espaços ocupados pela cana,

pecuária, fumo e algodão (TAVARES, 2006). As condições territoriais existentes propiciaram

consequentemente o aumento significativo das populações assentadas em Salvador e no seu

entorno imediato, o recôncavo. Não por acaso são essas as duas principais áreas para as quais

dirigiam-se as populações nos anos finais do século XVI e início do século XVII, fossem

imigrantes europeus ou migrantes de outras capitanias assentadas em um ritmo de

desenvolvimento menos pujante.

A prosperidade alcançada pela cidade de Salvador, capital da colônia, contribuía para

que nela se concentrassem prioritariamente os esforços de estruturação e defesa do território,

bem como as atividades de produção e comércio. Dessa forma, foi a planície costeira a área

13

Vasconcelos (2002) destaca que existem discordâncias em relação a população inicial que desembarcou na

colônia em 1549.

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principal de desenvolvimento territorial, o que resultou em uma dinâmica socioespacial com

tímidas ações no que tange a apropriação dos espaços interioranos. Nas palavras de Leão

(Ibidem, p.49):

O desenvolvimento econômico que se operava na Colônia, centrado principalmente nas

Capitanias do nordeste, teria como consequência mais imediata, o aumento da

população e do número de novos núcleos urbanos, estes últimos imaginados em termos

dos equipamentos e da legislação da época.

Se tomarmos como base de análise a instalação das aldeias religiosas e suas

respectivas evoluções ao findar do século XVI como um exercício reflexivo com vistas a

mensurar a importância das áreas litorâneas no povoamento da colônia, veremos que foram

estas as áreas que abrigaram inicialmente de forma destacada o maior número de povoações e

que demandaram consequentemente o estabelecimento de infraestruturas administrativas

capazes de dar continuidade e garantias a posse territorial dos habitantes ali assentados.

QUADRO 1 – ALDEIAS CRIADAS POR MISSÃO RELIGIOSA NO SÉCULO

XVI.

Denominação Século de Fundação

Localização Evolução Posterior

Monte Calvário XVI Salvador (Carmo) Bairro

São Sebastião XVI Salvador (São Bento) Bairro

Santiago XVI Salvador (Piedade) Bairro

Simão XVI Salvador (Gamboa) Bairro

São Paulo XVI Salvador (Brotas) Bairro

Rio Vermelho XVI Salvador (R. Vermelho) Bairro

São Lourenço XVI Salvador (R. Vermelho) Bairro

São João XVI Salvador (Plataforma) Subúrbio

Santo Antônio XVI ? ?

Espírito Santo XVI Camaçari (Abrantes) Vila

Bom Jesus de Tatuapara XVI

Mta. De S. João (Açu da Torre?) Vila

São Pedro de Saboig XVI ? ?

Santo André de Anhembi XVI Ituberá Vila-Cidade

Santa Cruz de Itaparica XVI Itaparica Vila-Cidade

São Miguel de Taperaguá XVI Taperoá Vila-Cidade

N.S. da Assunção de Tapepigtanga XVI Camamu Vila-Cidade

Santo André de Anhembi XVI

Porto Seguro (Santo André) Povoado

Fonte: Adaptado de LEÃO, 1989, p.46-47

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42

Em síntese, podemos afirmar que a realidade territorial da Capitania da Bahia, ao

findar do século XVI alterara-se de forma significativa em relação aos primeiros anos que

precederam a instalação do governo geral. A prosperidade econômica marcou a evolução da

referida capitania, o que refletia-se na estrutura hierárquica do seu sistema urbano no século

XVII, que distinguia-se dos existentes nas outras duas capitanias que posteriormente

comporiam o Estado da Bahia, Ilhéus e Porto Seguro, estas apresentavam uma inter-relação

muito rarefeita entre suas respectivas vilas e aldeias, características de um dinamismo

econômico ainda tímido e que organizava-se gradualmente. Em oposição, as dinâmicas

estabelecidas na Capitania da Bahia estavam assentadas em uma estrutura hierárquica mais

complexa, servida de vilas e aldeias que cumpriam um papel comercial mais significativo

com relação a cidade de Salvador.

O caráter locacional dos elementos urbanos permanecia prioritariamente voltado para

o litoral, o que não é de se admirar, em virtude dos diversos obstáculos existentes para

imprimir algum tipo de avanço territorial para o interior. Ainda assim, ao final do século XVI

já se esboçavam tentativas de estabelecimento de núcleos de povoamento mais consistentes

nos fundos territoriais. Dessa forma, pode-se afirmar que de pequenos pontos de comércio

dispersos ao longo do litoral e frágil interdependência entre os núcleos urbanos em formação,

as condições territoriais alteraram-se de forma expressiva, ao menos no que tange a cidade de

Salvador e territórios adjacentes, haja vista que a emergência do recôncavo enquanto espaço

de produção de açúcar e fumo impulsionou o intercâmbio comercial de fluxos regulares entre

metrópole e colônia.

Exposto essas questões, cabe assinalar no próximo tópico como foi estabelecida a

territorialização do interior da capitania da Bahia por parte dos colonizadores, destacando

neste sentido o processo de aldeamento dos ‘índios’ e a expansão da pecuária bovina,

ressaltando como estas atividades convergiram para a formação daquele espaço denominado

como “Sertão das Jacobinas”. No capítulo 4 ressaltaremos o caráter minerador na capitania e

o papel desempenhado pelo núcleo de Jacobina – um dos principais núcleos de exploração

aurífera da capitania no século XVIII – no que tange a fixação do povoamento no interior.

A convergência de diferenciados fatores alcançou relevância na multiplicação dos

núcleos urbanos, o que mais tarde resultaria na formação do sistema de cidades do interior da

Bahia. Cabe assinalar, desde já, que as descobertas de ouro funcionaram como foco de atração

e fixação de variadas povoações que impulsionadas pelas perspectivas de enriquecimento

potencializou a criação de vilas e povoados, contribuindo para se assentar de forma violenta

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um fluxo migratório que impunha sobre as sociedades originárias uma dinâmica colonizadora

para além dos espaços litorâneos.

3.2 Sertão das Jacobinas: hinterlândia.

O Sertão das Jacobinas, assim como outras áreas territoriais da hinterlândia do Brasil

colônia constituiu um espaço diferenciado de reprodução social no que tange toda e qualquer

comparação com as regiões submetidas à imediata influência das cidades localizadas ao longo

do litoral brasileiro. Estas eram o lócus privilegiado do poder efetivo dos donatários e da

Coroa, assim como da dinâmica econômica e cultural, opunham-se às terras do sertão, tidas

como "[...] a terra dos índios bravos, do medo, o espaço do outro em oposição à região

colonial, o litoral, o espaço social ocupado". (SANTOS, 2011, p.23)

Como já salientado, o fundamento espacial teve uma importância singular no processo

de colonização das terras aqui encontradas, contudo os desafios para se alcançar o interior

deste domínio eram variados, cabendo assim aos colonizadores encontrarem as melhores

formas de adentrar àqueles espaços. Neste sentido, variados agentes ganharam relevo no papel

que passaram a desempenhar no processo de ampliação das terras conhecidas, o que

contribuiu, entre outros fatores, para o fortalecimento da soberania do território colonial

lusitano no além-mar. Entre os eventos de expedição, visando alcançar o interior, talvez sejam

as entradas e as bandeiras os mais conhecidos e que possuíram como objetivo principal a

descoberta de metais preciosos – expedições denominadas de ‘prospector’ ou ‘monções’ –

assim como a captura e venda de índios como escravos – denominadas de ‘gentios’.

No caso da capitania da Bahia as expedições realizadas a serviço da Coroa ou de

particulares a fim de relatar as realidades existentes nos sertões baianos eram comuns, a título

de exemplo, Capistrano de Abreu (1982) já apontava que em 1553 expedições haviam

alcançado a Chapada Diamantina. Miguel Pereira da Costa14

apresentou por sua vez na

primeira metade do século XVIII um importante relato de viagem onde descrevia as

características e dinâmicas ao longo do percurso que realizou entre Cachoeira e as nascentes

do Rio das Contas. No entanto, antes de alcançarmos este capítulo tão significativo da geo-

história da expansão territorial da Bahia, cabe entendermos no contexto existente do Sertão

14

“O relatório que o mestre de campo de engenheiros Miguel Pereira da Costa apresentou em 1721, ao vice-rei

Vasco Fernandes César de Menezes (1720-1736), descreve o roteiro de Cachoeira às nascentes do rio de Contas,

onde se descobrira ouro. Esse documento, equivalente para o Alto Sertão da Bahia a uma Carta de Caminha [...]”

(NEVES; MIGUEL, 2007, p. 40)

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das Jacobinas o papel das sociedades originárias, dos bandeirantes, das missões jesuíticas e da

pecuária na emergência de uma dinâmica comercial para além dos círculos litorâneos.

A nomenclatura que dá nome a região aqui estudada tem variadas origens, entre as

mais conhecidas está aquela baseada em um mito fundador que atrela o nome Jacobina a

junção dos nomes do cacique ‘Iacó’ e da sua companheira ‘Bina’, ambos índios payayá, grupo

este atrelado aos Tapuias15

, noção esta construída pelos colonizadores ao longo dos séculos

XVI e XVII para diferenciar os indígenas que não pertenciam ao grande grupo dos Tupis.

Pertencentes ao tronco linguístico Macro-Jê os payayá faziam parte da família dos Kariri,

estes por sua vez predominavam ao longo dos sertões do Ceará, Paraíba e Bahia. Nas palavras

de Santos (2008, p.2):

Os temidos "Tapuias" do Sertão das Jacobinas no século XVII eram identificados como

os índios payayá, sapoiá, tocos, moritises e os maracás. Desses tapuias das Jacobinas,

um dos mais cuidadosamente descritos pelos documentos coloniais foram os payayá.

O referido topônimo como tendo origem em uma possível relação amistosa entre

colonizadores e grupos indígenas talvez ganhe mais espaço no imaginário popular que vai

disseminando-se ao longo dos anos sem necessariamente ter fundamentação na realidade

concreta. Santos (2011) aponta explicações alternativas no concernente a origem da expressão

e estas relacionam-se sobretudo aos povos autóctones, mas na perspectiva dos termos oriundo

das línguas nativas. Têm-se como uma das possibilidades o termo tupi Ya-Qua-Apina

significando terreno de mato baixo, geralmente espinhoso e impróprio para lavoura, assim

como derivações das nomenclaturas “Jacoabina” ou “Jacuabina” relacionada também a

terreno ou campo aberto.

Antes de darmos prosseguimento ao modo de vida dos povos originários localizados

no interior deste espaço colonial, há que se salientar que o Sertão das Jacobinas da virada do

século XVII ao XVIII constituía um vasto espaço territorial de contornos pouco precisos,

atrelados em grande medida a própria fluidez das dinâmicas ali estabelecidas. Nas palavras

de Santos (2011, p.23):

[...] uma fronteira móvel que se desloca à medida que a colonização avança, não

designando uma região específica, mas uma área dispersa de terras e povoados ou

despovoado no sentido eurocêntrico, mas também um espaço associado aos povos

"tapuia", ou seja, povos indígenas não pacificados, um cenário que se caracteriza pelo

confronto dos agentes coloniais com as diversas populações indígenas.

15

Moreira (2011, p.53) ao referir-se aos índios tapuios afirma que: “[...] são índios da hinterlândia [...] habitam

aldeias provisórias em migração permanente pelas paisagens secas do sertão. Aliando-se aos holandeses por todo

o período de domínio destes, deslocam-se para a costa setentrional para usufruir da aliança.

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Ainda que sabendo das limitações existentes para o estabelecimento de uma possível

localização da referida área, para alguns autores (SANTOS, 2011; VIEIRA FILHO, 2006)

esta estendia-se possivelmente no sentido Norte-Sul entre os marcos dos rios Itapicuru-Açu e

Paraguaçu, respectivamente, porquanto que no sentido Oeste-Leste estes limites variavam de

acordo com o curso do médio São Francisco e o Recôncavo Baiano. Daí fazer sentido a

afirmação de Afonso Costa para quem a região tornara-se conceito de “tudo quanto se

contasse fora do recôncavo e do litoral” (Apud SANTOS, 2011, p.20). As amplas correlações

de forças estabelecidas em diferentes espaços e a partir de distintas temporalidades

impuseram na ordem do próprio processo o caráter menos rígido dos limites territoriais.

FIGURA 2 – SERTÃO DAS JACOBINAS, SÉCULO XVII-XVIII.

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No que tange o modo de vida dos payayá, estes podem ser classificados enquanto um

misto de caçadores/coletores tornados agricultores com características seminômades. Ainda

que não possuíssem nenhum desenvolvimento tecnológico capaz de tornar densamente

técnico os territórios por eles ocupados, sabe-se que este grupo possuía conhecimento no

manuseio de técnicas de construção com madeiras, palhas, ossos, assim como com a

utilização de artefatos tais como machados, sílex, flechas e etc. (SANTOS, 2008). A

mencionada condição seminômade dos indígenas nos permite falar de uma territorialidade

bastante fluída ao longo da hinterlândia da capitania da Bahia. Se por um lado o cultivo de

culturas tais como a mandioca, o aipim e o cará proporcionavam a fixação desses grupos ao

longo do espaço sertanejo, por outro lado as viagens de caça e coleta assim como as incursões

de guerra favoreciam uma grande mobilidade territorial dos referidos grupos.

É neste cenário de imbricação dos elementos naturais e humanos de forma a expressar

rarefeitas marcas no território que os colonizadores defrontaram-se ao longo da segunda

metade do século XVI e meados do século XVII. Até aqui, o espaço territorial da colônia no

âmbito das áreas interioranas não apresentava grandes distinções no arranjo socioespacial que

elevasse alguma área interiorana a uma condição de destaque ao longo das terras existentes

sob a posse lusitana na América. De todo modo, devemos salientar que ainda que existissem

especificidades quanto aos diferentes grupos indígenas e seus respectivos gêneros de vida,

estes não se tornaram suficientemente consistentes para caracterizar uma dinâmica particular

no âmbito de uma reprodução socioespacial diferenciada no Sertão, o mesmo valendo para as

ações realizadas pelos colonos. Dito isto, concordamos com Moraes (2009, p. 62) quando este

nos diz que “os territórios nacionais se formam a partir dos coloniais, e estes foram muitas

vezes construídos sobre as formações territoriais indígenas”.

Será a partir das incursões colonizadoras através da pecuária juntamente com as

descobertas de minérios e metais preciosos que o território colonial passa, a partir do século

XVII, a se expandir significativamente e esboçar os necessários mecanismos para a formação

de economias regionais e consequente consolidação do domínio territorial.

O processo de interiorização por parte dos colonizadores no até então mais “novo”

território da Coroa portuguesa já tinha alcançado na segunda metade do século XVI áreas de

significativa distância do litoral, como salientado anteriormente no que tange os primeiros

contatos na Chapada Diamantina. Podemos afirmar que os desejos existentes por parte dos

que aqui chegaram pautavam-se no sonho de apropriação das possíveis riquezas minerais,

desejos que constituíram um dos principais fatores a impulsionar as aventuras e incursões ao

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interior dos sertões. Sem dúvida, este empreendimento esteve envolvido em uma série de

misticismos que despertou ao longo dos anos sonhos e lendas na mente dos desbravadores. De

acordo com Santos (2008, p.4):

A partir da segunda metade do século XVI, diversas expedições, em sua maioria, saídas

de Salvador, da Vila de Porto Seguro e de Ilhéus, partiram com um ímpeto inicial em

busca de supostas riquezas minerais das terras incógnitas do sertão, arriscando-se em

aventuras alimentadas por 'mitos da conquista'. Desse período, as principais entradas

para o Sertão das Jacobinas foram [...] Gabriel Soares de Souza e Belchior Dias Moréia.

Belchior Dias Moréia foi um dos primeiros sertanistas a percorrer o ‘Sertão das

Jacobinas’ (FREITAS, SILVA 2004; SANTOS, 2008, 2011; VIEIRA FILHO, 2006). Em

finais do século XVI ao longo de aproximadamente oito anos percorreu uma extensa faixa

territorial na busca incessante por minas de ouro e prata. O seu itinerário iniciou-se nas

proximidades do rio Real e atravessou áreas da Serra do Bendutayú, Picuaraçá, Itiuba e das

Serras das Jacobinas. Acompanhando as margens do Rio Salitre alcançou a Serra Branca e do

Açuruá e após atingir as áreas próximas a Serra de Itabaiana iniciou seu retorno ao ponto de

partida. Pode-se afirmar que através dos seus relatos difundiu-se fortemente ao longo dos anos

o mito do Eldorado nas terras da colônia.

Expedições realizadas ainda no início do século XVII não conseguiram realizar os

seus objetivos, a saber, localizar as possíveis jazidas de metais preciosos existentes no interior

dos sertões. Se por um lado este empreendimento causou grandes frustrações, por outro lado

logrou práticos resultados no que se refere a confirmação da existência do salitre16

, importante

componente naquele período para a fabricação da pólvora negra (SANTOS, 2008). A partir

dessa descoberta, o advento da pecuária17

como atividade preponderante de penetração

colonizadora nos sertões foi potencializada, nesse sentido, explicita-se como os vários

acontecimentos intercalaram-se e resultaram em determinados processos de re-ordenamento

socioespacial. Atrelado à descoberta das minas de salitre foi se tornando mais densa a

ocupação territorial do Sertão das Jacobinas em razão dos necessários mecanismos de

extração e transporte do minério que necessitavam evidentemente de mão-de-obra e

infraestrutura. Ainda de acordo com Santos (2008):

16

Maiores considerações acerca deste empreendimento será abordado no capítulo 4.3, no entanto faz-se

necessário ressaltar que "[...] a exploração do salitre foi uma atividade que se desenvolveu paralelamente às

proibições e à liberação das minas de ouro da Bahia, até mais da metade do século XVIII. A região serrana com

seus íngremes caminhos foi um dos empecilhos a essa indústria, por tornar difícil e oneroso o transporte desse

produto. Também o governo não conseguiu administrá-la, transferindo a particulares o seu contrato"

(VASCONCELOS, 1998, p.68) 17

“A implantação do gado foi acolhida como um benefício para a colonização das terras sertanejas e para a

coroa, porém para os indígenas era uma outra forma de expulsão, pois os grupos nativos sertanejos não

conheciam esse animal estranho, além de causar danos à microecologia local e, consequentemente, ao modo de

vida dos grupos autóctones ligados a ela” (VIEIRA FILHO, 2006, p.48).

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Segundo um Relatório do Conselho Ultramarino de 1679 sobre as minas do sertão das

Jacobinas, a retirada do salitre dessa região envolveria grandes investimentos, pois não

se poderia conduzir o minério em estado bruto, misturado com terra e pedra. Portanto,

seria necessário a instalação de fábricas ou oficinas no mesmo sítio das minas, onde se

separaria o salitre e o recolheria puro em armazéns, uma casa para o feitor e alojamentos

para a mão de obra que executaria o serviço. Entretanto, este empreendimento só seria

levado em frente a partir do Governo de D. João de Lencastro (1694-1702).

Ou seja, se a pecuária consistiu em um poderoso processo de expansão dos domínios

territoriais, esta realizou-se a partir, também, dos anseios por parte dos sertanistas em

conhecer o território para apropriar-se das possíveis riquezas minerais existentes. Francisco

Dias D'Ávila, neto do primeiro Garcia D'Ávila, na primeira metade do século XVII já utilizara

do gado como estratégia de ocupação territorial, como apontado por Calmon (apud SANTOS,

2008, p.41):

Tratou de desvendar o segredo das minas de Belchior Dias Moréia, promoveu o

povoamento dos altiplanos de Jacobina, levou o gado do Itapicuru para o médio São

Francisco. Fez do boi o seu soldado. O rebanho arrastava o homem; atrás deste, a

civilização. A terra ficava à mercê da colonização: ele a inundou de gados, em marcha

incessante para o interior. Aqueles animais levavam nas patas as fronteiras da capitania.

Dilatavam-na

Com base no exposto, têm-se que a pecuária contribuiu fortemente, em um primeiro

momento, para consolidar o ideal de controle e garantia efetiva da soberania real sobre as

terras conquistadas. Justifica-se assim já na primeira metade do século XVII doações de terras

para sesmeiros das famílias Guedes de Brito e dos Garcia D'Ávila, famílias estas tidas como

as maiores proprietárias de terras do sertão da Bahia.

Sendo o sertão da Bahia tão dilatado [...] quase todo pertence a duas das principais

famílias da mesma cidade, que são a da Torre, e a do defunto mestre de campo Antônio

Guedes de Brito. Porque a casa da Torre tem duzentas e sessenta léguas pelo rio de São

Francisco, acima à mão direita, indo para o sul, e indo do dito rio para o norte chega a

oitenta léguas. E os herdeiros do mestre de campo Antônio Guedes possuem desde o

morro dos Chapéus até a nascença do rio das Velhas, cento e sessenta léguas.

(ANTONIL, 1982, p.200)

Assim, criou-se no espaço sertanejo, sobretudo em sua parte mais setentrional, uma

área de reprodução diferenciada das dinâmicas sociais em razão de constituir áreas ideais para

engorda e descanso do gado advindos do Piauí, Pernambuco e Barra do Iguaçu, atribuindo

assim uma forte característica comercial às ‘Jacobinas.

Deve-se ressaltar também o papel significativo que irá exerce-se ao longo desse

processo os padres jesuítas. "[...] A atuação da empresa missionária foi de fundamental

importância para o processo colonizador do Sertão das Jacobinas” (SANTOS, 2008, p.6).

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Pode-se afirmar que, em grande medida, as missões jesuíticas constituíram um advento

fundamental para consolidar o projeto colonial de ocupação interiorana, posto que estivessem

sintonizada adequadamente à expansão curraleira – e os mecanismos de povoamento daí

derivados – e a mineração, no primeiro momento sob o prisma do salitre, posteriormente a

partir da descoberta do ouro.

No âmbito da ação de catequese para além do espaço litorâneo, Freitas e Silva (2004,

p.26, grifo meu) afirmam que:

Um século depois, os continuadores da obra de Manoel de Nóbrega partiram para o

sertão das Jacobinas e lá catequizaram as tribos dos Payayás, Sapoyás, Tocós,

Secaquerinhens e demais nações que habitavam esta região situada entre o Rio de

Contas e o Rio São Francisco.

Como apontado, as missões jesuíticas mais consistentes para a área de abrangência das

“Jacobinas” deram-se a partir da segunda metade do século XVII18

. Ainda de acordo com os

mesmos autores (Ibidem, 2004) estas missões direcionaram-se em um primeiro momento para

a Jacobina Velha19

e Vale do Salitre, àquela época os missionários depararam-se com mais de

oitenta aldeias indígenas. Ainda que muitas informações referentes a essas missões sejam

vagas, pode-se resgatar algumas informações de três delas: Missão de São Gonçalo do Salitre

(1666), Missão da Aldeia dos payayás e Missão de São Francisco Xavier. Em geral as

respectivas missões inseriram-se em áreas de elevada densidade de tribos indígenas com

significativa diversidade de grupos, a título de exemplo há relatos do Padre José da Silva

Pimentel dando conta que em 1758 havia predominância dos índios Secaquerinhens na área

de localização da Missão de São Gonçalo. Em relação às outras duas missões não se tem

notícias exatas das datas de fundação. No que se refere a Missão dos Payayás “era uma

povoação próspera dirigida pelos jesuítas que defendiam os índios da escravização e

exploração por parte dos colonos”(FREITAS, SILVA, 2004). Quanto a esta última descrição

põem-se algumas dúvidas, sobretudo em razão da existência de relatos oriundos dos primeiros

anos do século XVIII que dão conta da requisição – por parte dos representantes da Coroa

portuguesa – de indígenas localizados na referida missão a fim de realizar trabalhos de

18

De acordo com Santos (2011) os missionários da Companhia de Jesus já teriam estabelecido contato com os

povos originários do Sertão das Jacobinas entre os anos de 1553-1555 através da expedição de uma entrada sob

comando de Francisco Espinhosa. No entanto, para o presente trabalho considera-se como marco maior a terceira

década do século XVII em função deste período caracterizar-se predominantemente pelo projeto de

interiorização colonial. 19

Antiga denominação do espaço territorial hoje conhecido como Campo Formoso, atual município do Estado

da Bahia.

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extração e exploração do salitre sob o regime de escravidão20

. Seja como for, o

empreendimento missionário teve um papel importantíssimo no âmbito de expansão e

consolidação do interior do domínio colonial no século XVII e em muitos casos constituiu a

gênese de núcleos populacionais que posteriormente evoluíram para vilas e cidades.

QUADRO 2 – ALDEIAS CRIADAS POR MISSÃO RELIGIOSA

NO SÉCULO XVII. N.S da Escada XVII Ilhéus (Olivença) Vila

São João Batista XVII Porto Seguro (Trancoso)

Vila-Povoado

Espírito Santo XVII Porto Seguro (Vale Verde)

Vila

São Francisco Xavier de Jacobina

XVII Senhor do Bonfim ?

Sta. Tereza de Canabrava

XVII Ribeira do Pombal Vila-Cidade

Maçacará XVII Euclides da Cunha (Maçaraca)

Vila

Jeremoabo XVII Jeremoabo Vila-Cidade

Natuba XVII Nova Soure Vila-Cidade

Saco dos Morcegos XVII Ribeira do Pombal (Mirandela)

Vila

Missão do Sai XVII Senhor do Bomfim (M. Sai)

Vila

Rodelas XVII Rodelas Vila-Cidade

Zorobabé XVII Zorobabé ?

Acará XVII ? ?

Corumambá XVII ? ?

Fonte: Adaptado de LEÃO, 1989, p.46-47

O papel das instituições católicas foi fundamental para o estabelecimento dos núcleos

populacionais assim como para a estruturação das cidades. As Dioceses, a título de exemplo,

delimitavam áreas territoriais e neste sentido tiveram importância fundamental no processo de

divisão administrativa das cidades (VASCONCELOS, 1998). No que tange as expedições

jesuíticas estas passaram a ser incentivadas, em grande medida, a partir da expulsão dos

holandeses do território colonial português, no século XVIII. Tratou-se entre outros fatores de

uma prerrogativa para o aldeamento dos povos originários do sertão com objetivos de

servidão em possíveis campanhas militares, adensamento e formação de núcleos

populacionais. Em suma, tratou-se de uma geopolítica de expansão territorial que imbricada

com as outras frentes colonizadoras permitiu a consolidação da soberania lusitana.

20

“A escravização de índios estava proibida desde 1570 por Ordem Régia de D. Sebastião. Apesar das

sucessivas reedições, os indígenas continuaram a ser escravizados, na região de Jacobina, até o século XIX,

quando encontrei cartas de liberdade de escravizados 'tapuias'" (VIEIRA FILHO, 2006, 51).

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51

Após situar as dinâmicas existentes para a conformação do que ficou denominado

como ‘Sertão das Jacobinas’, cabe assinalar no próximo capítulo como a atividade da

mineração constituiu um advento significativo de fixação das povoações colonizadoras no

território interiorano, assim como evidenciar as implicações decorrentes desse

empreendimento nas dinâmicas territoriais.

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CAPÍTULO 4. DAS RIQUEZAS DESEJADAS A CONQUISTA DAS RIQUEZAS: UM

TERRITÓRIO DIFERENCIADO NO INTERIOR DA CAPITANIA DA BAHIA NO

SÉCULO XVIII.

Como foi visto em capítulo anterior, o processo de ocupação do sertão baiano por

parte dos colonizadores decorreu de uma variada gama de acontecimentos onde o gado

cumpriu um papel fundamental na dilatação do território e consequente expansão do

povoamento, garantindo desta forma os interesses da Coroa na apropriação de terras, estas

concedidas em forma de sesmarias majoritariamente aos membros das casas da Torre e

Guedes de Brito, os quais as tratavam de ocupar21

. Nesse sentido, concordamos com Moraes

(2009, p.62) quando este afirma que “[...] a expansão territorial dos núcleos pioneiros

difundiu a colonização no espaço, criando economias regionais”. A articulação de diversas

economias regionais – minério, pecuária, lavoura – na capitania da Bahia constituiu uma

importante característica regional. Na esteira deste raciocínio é que Vasconcelos (1998, p.69)

irá afirmar que "o estado (Bahia) foi-se gestando pela incorporação gradual dessas economias

regionais, à medida que o processo de ocupação por etapas também se foi efetivando".

É na área das Jacobinas, por sua vez, que inaugurou-se de forma diferencial no final

do século XVII a exploração de jazidas minerais. Podemos afirmar, no entanto, que se por um

lado o advento do minério constituiu um importante acontecimento no que tange ao

incremento populacional e respectivas dinâmicas sociais derivadas de tal empreendimento,

por outro deve-se reconhecer também que foi a criação e comércio de gado a principal

vocação existente naquele imenso território, mesmo depois de fragmentado em variadas

unidades administrativas. Em outros termos, a criação de gado teve um caráter perene na

dinâmica da formação e evolução daquelas imediações em oposição ao surto intermitente,

ainda que potencialmente denso de realizações da exploração de metais. Para Fonseca (1995)

e Vieira Filho (2006) talvez um dos fatores primordiais para constituição de uma vocação

comercial nas ‘Jacobinas’ e que permaneceria como uma das características quando da

fundação da cidade no século XIX tenha sido justamente o fator da localização, haja vista que

a referida área obteve destaque como portadora das rotas de comércio ligando centros de

produção e de consumo no século XVII e XVIII.

O advento do ouro enquanto um metal de exploração e provedor de riquezas

significativas constituiu já no século XVI um importante atributo almejado da Coroa lusitana.

21

Na perspectiva do processo de ocupação das terras sertanejas concedidas no regime das sesmarias, Vieira

Filho (2006, p.47) ressalta que: “Na maior parte das vezes, esta ocupação era realizada por pessoas de total

confiança dos donatários, que deixavam os encargos e perigos de sobreviver nas terras inóspitas e negociar com

os grupos autóctones a cargo desses prepostos".

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53

Prova disto encontra-se sobremaneira nas descobertas de ouro em São Paulo (capitania de São

Vicente). Neste sentido, a expansão da procura em território colonial apresentou-se como uma

prática regular ao longo da colonização. No sertão baiano o primeiro registro de descoberta e

exploração mineral – mais precisamente na região das Jacobinas – atrelou-se ao salitre no

século XVII, sendo reconhecida também em tal período a existência de cobre e prata, ainda

que de forma menos consistente (VASCONCELOS, 1998).

No século XVIII a preocupação da Coroa portuguesa com relação ao ouro no interior

do sertão da capitania da Bahia contribuiu para que a mesma omitisse pareceres consistentes

acerca das possíveis minas auríferas na região. Diante do cenário, naquele momento de

ocupação descontígua e aparato militar rarefeito, compreende-se a tentativa da Coroa em

preservar a região de possíveis incursões estrangeiras. Por outro lado, na região das Minas

Gerais a expansão da exploração aurífera realizava-se de forma pujante ao longo do rio das

Velhas e sertão do rio doce, em direção a região de Ouro Preto. Assim,

“[...] esta região aurífera contava com diversas vilas e câmaras municipais. Esse

processo em território mineiro desencadeou outros que atingiram diversas outras

capitanias, alterando relações inclusive em nível internacional, e transformaram Minas

Gerais num ponto de convergência de migração, comércio e de sérias preocupações, ao

tempo em que, geográfica e simbolicamente, se transformava num 'El Dourado'”

(VASCONCELOS, 1998, p.63)

Diante deste contexto, onde a região de Minas Gerais passou a concentrar as principais

atenções acerca da mineração, realizou-se por parte deste espaço a subordinação direta ou

indireta de outras regiões auríferas na colônia. Ressaltamos aqui que cada centro produtor

exercia um importante papel no interior de suas respectivas capitanias, haja vista o potencial

econômico derivado de tal atividade. A região aurífera da Bahia, em função da sua

localização central no território baiano, contribuiu para que a mesma possuísse um importante

papel de entrecruzamento das diferentes movimentações existentes na colônia, os caminhos já

abertos em função principalmente da ocupação e dilatação dos espaços pela pecuária

proporcionou esta posição estratégica que em geral articulava regiões do Norte, Nordeste e

Centro-sul.

A descoberta de ouro em Jacobina data de início do século XVIII, de acordo com

Freitas e Silva (2004) e Vasconcelos (1998), contudo há escassez de fontes precisas acerca da

localização. Como o domínio efetivo desta área de exploração aurífera não poderia se realizar

alheia a presença do Estado (Coroa lusitana) e, seu consequente aparato institucional, urgia

aos interesses metropolitanos estreitar relações com todos aqueles que pudessem encarar um

empreendimento particular, desta forma, emitir títulos, patentes, assim como toda variedade

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de recompensas consistiu uma característica necessária nos primeiros anos de controle do

território com vistas a exploração de riquezas minerais. "A demanda do governo por esses

prestadores de serviços à Coroa sempre teve acolhida, por haver um contingente de homens

ávidos por essas promoções e que se especializaram no combate a negros e índios fugidos ou

levantados" (VASCONCELOS, 1998, p.66-67).

A mineração proporcionou uma posição de significativa importância ao sertão baiano

e especialmente na região das Jacobinas. Entender mais claramente as dinâmicas ali

estabelecidas desvinculadas dos acontecimentos ocorridos nas Minas Gerais e a sua

consequente repercussão no âmbito político, econômico e social do Brasil colônia contribuiria

para uma visão muito parcial da exploração aurífera na Capitania da Bahia. Cabem assim

algumas considerações gerais antes de adentrarmos as especificidades existentes no tocante ao

re-arranjo socioespacial decorrente do empreendimento minerador no sertão baiano.

4.1 O ciclo do ouro no Brasil.

A riqueza mineral na América – ao menos no que tange a experiência espanhola – fora

desde os primeiros anos da colonização um fato marcante, os adereços suntuosos e a incrível

gama de materiais adornados com metais preciosos – em especial, o ouro – dos povos

originários indicavam aos colonizadores espanhóis que as potencialidades no além-mar

seriam significativas, imprimindo no ‘novo mundo’ a chancela de terra de oportunidades. A

colonização portuguesa, por sua vez, assentou-se nos primeiros três séculos em relatos pouco

consistentes e achados esporádicos de ouro, sobretudo nas áreas aluviais de alguns espaços da

colônia, fato este que começou a alterar-se no final do século XVII à medida que os

bandeirantes adentravam ao interior do Brasil.

Em virtude das diversas incursões realizadas ao longo de todo o espaço colonial e

levando-se em consideração as riquezas no lado espanhol do Tratado de Tordesilhas, tem-se

que o encontro do colonizador português com riquezas minerais realmente significativas

capazes de impulsionar uma exploração substancial seria questão de tempo, ainda que um

tempo bastante longo, seja dito, posto que somente no final do século XVII e início do século

XVIII o empreendimento minerador tenha alcançado êxito nas terras da Coroa lusitana no

além-mar. É justamente ao longo deste período que os relatos da existência de ouro tornaram-

se mais substanciais, a princípio as descrições originavam-se nas imediações do rio das

Velhas, posteriormente relatos advindos da capitania da Bahia ampliavam o horizonte de

possibilidades, primeiramente a partir dos achados existentes em Jacobina, posteriormente nas

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imediações de Rio de Contas. Ao longo dos anos outras áreas iriam sendo incorporadas nesse

novo empreendimento que demandava da Metrópole uma atenção diferenciada, entre estas

áreas destacava-se a região atualmente denominada de 'Minas Gerais'.

Foi através do rio das Velhas que se desenvolveu mais fortemente o período

denominado como ciclo do ouro no Brasil, o que desencadeou nas imediações daquela região

uma forte ocupação territorial atrelada à exploração e especulação das riquezas minerais

existentes. As descobertas nas Minas Gerais – tornada capitania independente em 1720 –

impulsionariam o desbravamento do oeste. As possibilidades de existência de ouro arrastavam

para o interior diversos indivíduos, desses empreendimentos prospectivos resultaram as

descobertas de ouro em Mato Grosso, Goiás e algumas outras localidades que em conjunto

com as já estabelecidas colocavam nos idos de 1750 um cenário bastante amplo de jazidas

localizadas em território colonial.

As sucessivas descobertas de ouro implicavam em uma série de acontecimentos dos

quais a Coroa tinha que tratar. Os inúmeros pedidos de ajuda financeira para empreender a

exploração de possíveis jazidas constituem um exemplo significativo das preocupações.

Concessão de títulos honorários, autorizações para ‘utilização’ dos povos originários em

expedições de prospecção entre outras demandas permaneciam na ordem do dia das

preocupações da Metrópole. Por outro lado, as descobertas bem sucedidas resultavam em uma

ampliação dos caminhos existentes e contribuíam para uma maior ramificação do povoamento

para o interior, fruto da maior facilidade de deslocamento em razão das rotas abertas a serviço

de expedições e/ou entradas. Nesse sentido, pode-se salientar que o empreendimento

minerador – ciclo do ouro – constituiu um dos principais períodos de ampliação do uso do

território (AZEVEDO, 1994; MOREIRA, 2011).

Diferentemente da pecuária, os vastos espaços interioranos atraiam um fluxo

populacional verdadeiramente significativo, posto que neste momento não eram mais os

criadores de gado que exerciam papel principal na dilatação do território, mas sim os homens

e seus anseios de conquista e fortuna na exploração aurífera. Assim, o sucesso das

explorações determinava se dada localidade tornar-se-ia algo mais que uma simples

aglomeração momentânea, ou seja, o germe de municípios e cidades responsáveis pela

fixação das povoações no interior da colônia.

Deve-se destacar, também, que a descoberta de minerais de valor não restringia-se tão

somente ao ouro – ainda que este tenha sido o metal mais cobiçado –, as sucessivas

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expedições acarretaram em descobertas significativas de ferro, chumbo e prata22

. Um

exemplo significativo de bastante importância refere-se ao salitre, que constituía no período

em análise (século XVIII) um importante elemento na fabricação de pólvora.

O rompante de exploração do ouro atingiu a Coroa portuguesa de forma inesperada,

sobretudo no que se refere ao quesito segurança. Uma das preocupações fundamentais

naquele período referia-se a capacidade da Metrópole em empreender uma eficaz defesa do

território colonial se porventura invasões viessem a se realizar em virtude da proliferação de

notícias23

dando conta das descobertas substanciais de ouro nas terras do Brasil. É na esteira

dessas preocupações que a Coroa ordenou nos primeiros anos do século XVIII o fechamento

das minas em áreas vulneráveis, como por exemplo, nas terras do Sertão das Jacobinas.

Das zonas mineiras existentes no Brasil Colônia as "Gerais", constituiu a de maior

dimensão e a que proporcionou um caráter de centralidade no âmbito das dinâmicas

estabelecidas entre as demais24

. O empreendimento minerador foi significativo no tocante ao

estabelecimento de uma outra atividade econômica substancial na colônia, oposta àquela

estabelecida no litoral através dos engenhos. Do final do século XVII às primeiras duas

décadas do século XVIII os principais núcleos no que ficou conhecido como Minas Gerais já

estavam desvendados. Jazidas encontradas em localidades tais como Ouro Preto, Serro do

Frio, rio das Velhas, Itatiaiaçu, Catas Altas e etc. nos fornecem a dimensão das riquezas no

Planalto Central. Em relação ao impacto da atividade mineradora na realidade brasileira, Pinto

(1979, p.53) ressalta:

A paisagem brasileira convulsionou-se em poucos anos. A vida agrícola e pastoril,

embalada pelo moer da cana e pelo ranger do carro de boi, sucedeu a vida da labuta

mineira com o desafio das águas e dos morros; vida trepidante de aventureiros em que a

cobiça estimulava os apetites. Toda uma avalanche de homens, cujo único acerco era a

coragem e a audácia transformou a paisagem solitária e tranquila das Gerais num

pulular de vilas e povoados, surgindo no Brasil Central um tipo de cultura com

características sociais diversas daquela criada pelo senhor de engenho

Este processo de destacado impacto na dinâmica socioespacial brasileira não poderia

realizar-se alheio a algum tipo de crise. Desta forma, em finais do século XVII a fome

mostrava-se uma companhia constante aos indivíduos que para as Gerais deslocavam-se em

22

Por apresentar um processo mais dispendioso, a exploração do minério de prata deslocava-se para segundo

plano em virtude dos lucros obtidos através da exploração do ouro de aluvião. 23

“A circulação da notícia sobre o ouro, além de ter provocado o deslocamento de populações nativas paras as

minas, estimulou também a emigração européia.” (PINTO, 1979, p.54) 24

Apoiando-se em Prado Jr (1961), Moreira (2011, p.58) salienta que "[...] a mineração se organiza em três

'nebulosas de estabelecimentos mineiros', a região de Minas Gerais, que é o seu 'centro de condensação', a região

de Cuiabá, e a imensa região intermediária de Goiás, dentro das quais os centros mineiros se unem, mas entre si

localizam-se de modo disperso, isolado e afastado, situando-se a grande distância uns dos outros".

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busca de oportunidades. Uma região desprovida de infraestruturas tal como as existentes no

litoral e carente de mecanismos que suprissem adequadamente as demandas por alimento do

amontoado de pessoas desorganizadamente estabelecidas nas margens de rios e riachos

favoreceu a tragédia da fome, onde ainda que "[...] com os alforjes cheios de ouro, morria-se

de fome sem encontrar um pedaço de mandioca pelo qual se daria todo o fruto da ambição

satisfeita" (PINTO, Ibidem, p.53).

O surto demográfico proveniente da mineração proporcionava quase que de imediato a

constituição de uma 'vida urbana' na qual os arraiais alcançavam destaque, estes passaram a

polarizar toda a dinâmica comercial da colônia para o planalto central. Desta feita, a inflação

existente no período resultava de um desequilíbrio entre os preços dos produtos/mercadorias

estabelecidos no litoral e no interior. Antonil (1982, p.169-170) nos fornece um excelente

panorama da centralidade mineira nos primeiros anos do século XVIII:

[...] tanto que se viu a abundância do ouro que se tirava e a largueza com que se pagava

tudo o que lá ia, logo se fizeram estalagens e logo começaram os mercadores a mandar

às minas o melhor que chega nos navios do Reino e de outras partes, assim de

mantimentos, como de regalo e de pomposo para se vestirem, além de mil bugiarias de

França, que lá também foram dar. E, a este respeito, de todas as partes do Brasil se

começou a enviar tudo o que dá a terra, com lucro não somente grande, mas excessivo.

E, não havendo nas minas outra moeda mais que ouro em pó, o menos que se pedia e

dava por qualquer cousa era oitavas. Daqui se seguiu mandarem-se às minas gerais as

boiadas de Paranaguá e às do rio das Velhas as boiadas dos campos da Bahia, e tudo o

mais que os moradores imaginavam poderia apetecer-se de qualquer gênero de cousas

naturais e industriais, adventícias e próprias

Como se vê, a eclosão do ciclo do ouro e dos metais preciosos derivados do

empreendimento de exploração mineral contribuiu significativamente para que as dinâmicas

socioespaciais na colônia tivessem seu eixo geográfico deslocado do litoral ao interior. É

diante deste contexto que a capital da colônia fora transferida de Salvador para o Rio de

Janeiro em 1763, afinal, esta última passou a ter no cenário colonial uma significativa

importância em razão do seu porto marítimo, que passou a constituir o principal caminho de

importação e exportação dos variados produtos intercambiáveis na colônia, sobretudo para

que os lucros da mineração chegassem o mais rapidamente possível nas terras do rei no ‘velho

mundo’.

Grosso modo, podemos afirmar que o espaço da mineração, em virtude das dinâmicas

estabelecidas no rearranjo do quadro geral do espaço da colônia, contribuiu de forma

expressiva para o processo de interiorização e povoamento da hinterlândia, tendo como uma

característica distinta em relação aos espaços agrícola e pastoril o fato de emergir quase que

instantaneamente com um caráter 'urbano' mais explícito, pois:

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o espaço mineiro é um espaço de relação de mercado [...] assim, as cidades erguidas na

hinterlândia não são iguais às da costa, em face de sua vida econômica, sua atividade

cultural intensa e sua função político-administrativa o mais das vezes local

(MOREIRA, 2011, p.59).

Exposto minimamente as considerações gerais acerca do processo de mineração no

Brasil Colônia, cabe destacar no próximo subtópico como parte deste processo realizou-se no

território da Capitania da Bahia.

4.2. O ciclo do ouro na Capitania da Bahia.

Na Capitania da Bahia a descoberta do ouro iniciou-se em consonância com o ciclo do

ouro no Brasil. Em 170125

são encontrados os primeiros veios auríferos nas Jacobinas, noutro

ponto mais ao sul, mais precisamente na região de Rio de Contas – nas proximidades do Rio

Brumado – no ano de 1718 dá-se o início mais significativo da exploração nesta localidade,

onde alcançam destaque os bandeirantes paulistas chefiados por Sebastião Raposo Tavares.

Além destas áreas interioranas descobriu-se ouro também em áreas próximas ao litoral, como

em Jequiriçá e Camamu, estas, no entanto, com menos importância em relação às minas

existentes no sertão, que em oposição constituíram significativos núcleos polarizadores.

Ainda que tenha sido descoberta no início do século XVIII, a autorização oficial para

exploração e comercialização das minas de ouro nas Jacobinas somente realizar-se-ia

aproximadamente vinte anos depois. A Coroa portuguesa, receosa das possíveis incursões

estrangeiras que pudessem vir a se desenvolver, tendo em mente a vulnerabilidade com que

foi atacada entre 1624-1625 pelos holandeses, considerou por bem restringir as informações

sobre a existência do ouro. Além deste caráter de segurança, colocava-se em relevo, também,

a possível influência que o empreendimento minerador pudesse exercer sobre a produção de

açúcar e tabaco. Seja como for, o fator principal para restrição de uma oficial exploração

aurífera atrelou-se ao fator segurança. Nas palavras de Russel Wood (1999, p.475):

A interdição real do desenvolvimento das minas da Bahia fora provocada pela

consideração estratégica de que elas induziriam as pessoas a abandonar a cidade de

Salvador e o Recôncavo. O rei temia que a força humana remanescente fosse incapaz de

defender a cidade contra o ataque de estrangeiros, ou de negros ou índios insurretos, que

se sentiriam tentados a fazê-lo diante do pequeno contingente de brancos

25

"A descoberta de ouro em Jacobina está oficializada em 1701, quando o Governador teria recebido 'folhetas de

ouro' que perfizeram o valor de 1.200.000 réis, pelo peso, sendo o seu descobridor, desconhecido ou incerto"

(VASCONCELOS, 1998, p. 66)

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As incursões colonizadoras através da pecuária, das missões jesuíticas e outros tantos

desbravamentos exercidos por particulares no processo de ampliação da ocupação do sertão

ao longo do século XVII, colocaram as bases necessárias para que, no período de exploração

do ouro no século XVIII esta região já estivesse conhecida – mesmo que não totalmente

explorada e ainda que desprovida de um abrangente povoamento. Neste sentido,

compreendem-se as preocupações por parte da Coroa Lusitana, pois uma possível

‘divulgação’ e autorização da exploração das minas descobertas sem o estabelecimento de

todo aparato institucional necessário para o controle, fiscalização e arrecadação contribuísse a

grandes perdas de rendimentos auríferos oriundos do empreendimento minerador. De acordo

com Vasconcelos (1998, p.62) "a conjunção desses processos visou implantar um aparato para

assegurar a 'ordem' social sob o sustentáculo político-administrativo, para defesa do interesse

primordial da política mercantilistas portuguesa, o fisco".

Se por um lado as minas de ouro tinham sua restrição para todas as atividades

concernentes a exploração, o mesmo não aconteceu no tocante às minas de salitre, que

constituíram empreendimento de expressiva importância aos interesses da Coroa. Desta

forma, diligências foram direcionadas ao Sertão das Jacobinas com maior regularidade no

início do século XVIII, sobretudo ao longo da administração do governador geral do Brasil,

Rodrigo da Costa (1702-1708). Sendo o salitre um mineral essencial para o fabrico de

pólvora, e observando a necessidade de fortalecer as debilidades apontadas durante as

invasões estrangeiras e as significativas baixas ocorridas durante as entradas no sertão, fazia-

se imperioso aos olhos da administração colonial – sob recomendação do Rei – potencializar a

exploração do referido minério. A importância deste empreendimento é salientada por

Vasconcelos (1998) quando esta informa que cartas datadas de setembro de 1700

apresentavam, em seu conteúdo, os agradecimentos do Governador ao capitão-mor Antonio

de Almeida Velha por este ter fornecido gado e ‘gentios’ para que os trabalhos nas fábricas

não fossem interrompidos. Na esteira desses fatos, a referida autora ainda complementa: "Dos

currais de Leonor Pereira Marinho (Casa Guedes de Brito), sairia o gado que, quando era

pedido, logo era fornecido, para que não houvesse falta de mantimentos (VASCONCELOS,

1998, p.68).

Ainda que mantendo suas atividades até a segunda metade do século XVIII, é

necessário ressaltar que a exploração do salitre esteve condicionada a variadas dificuldades,

dentre as principais destaca-se a geomorfologia acidentada das serras e os obstáculos naturais

para abertura de caminhos eficientes no trânsito de pessoas e mercadorias, daí a transferência

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dos contratos de exploração a particulares. No entanto, não deve-se também esquecer que na

segunda metade do século XVIII a Coroa já ocupava-se com outras atribuições, tais como a

exploração das minas de ouro, as respectivas instituições de controle e fiscalização, a

necessidade de abertura de estradas, os descaminhos, entre outros fatores casuísticos que

porventura viessem a estabelecer-se ao longo deste processo de exploração. Faz-se necessário

ter em mente também que o ciclo da mineração por ter proporcionado no Brasil colônia um

forte incremento de atividades no interior do território, deslocando assim o eixo social até

então assentado predominantemente no litoral, contribuiu para uma complexa trama de

relações socioespaciais que imbricadas de forma sincrônica refletiu-se em diferentes áreas

com suas respectivas particularidades.

A centralidade mineira na exploração aurífera impôs à capitania da Bahia uma posição

muito desfavorável no cenário das suas dinâmicas inter-regionais. O processo consentido de

exploração em Minas Gerais favorecia a atração para si de todas as atenções, a título de

exemplo, as produções das lavouras paulistas em um primeiro momento passaram

prioritariamente a direcionarem-se para os mercados centrais, causando assim uma alta

significativa de preços e escassez de mantimentos pela carência de gêneros alimentícios. Na

Bahia, as diversas proibições de trânsito de escravos, comboios, assim como abertura de

estradas exemplificam o contexto a que estava subordinada a região central da referida

capitania, ainda que, saliente-se, essas ordenações tenham constituído situações muito mais

potenciais do que efetivas, já que sempre desrespeitou-se estas condições. Em termos oficiais

estava apenas liberado o trânsito do gado para abastecimento das Gerais. Neste sentido,

Vasconcelos (1998, p.71) nos fornece de forma interessante o cenário existente no âmbito das

dinâmicas estabelecidas:

[...] o mal em explorar Minas consistia no privilégio concedido a uma capitania em

detrimento de outra; minas e lavoura não se excluem, antes se complementam, a

exemplo do Rio de Janeiro, que enriquecia. Em compensação, na capitania da Bahia,

seus 'moradores' sujeitavam-se a observar e sofrer as consequências dessa primazia e

avalanche de embarcações no porto do Rio de Janeiro. Com a abertura do 'caminho

novo' para Minas, esta via substituía a antiga, por São Paulo, e por esse porto se

realizavam as importações de escravos e mercadorias. À Bahia coube um papel

complementar, o de ser sustentáculo do abastecimento para Minas

Esta divisão inter-regional do trabalho, assentada no suprimento das variadas

necessidades postas pela exploração aurífera nas Gerais somente ganharia outras dimensões a

partir da liberação da exploração nas minas da Bahia. Até que este processo fosse realizado,

senado, comerciantes e senhores de engenho opunham-se às práticas estabelecidas pela Coroa,

pois estas impossibilitavam o pleno desenvolvimento de suas respectivas atividades e

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contribuíam, em grande medida, para um intenso processo de despovoamento das terras

baianas. Aos que permaneciam, cabia apenas sujeitarem-se a sofrer as consequências de uma

dinâmica sócio-econômica voltada para fora, ou seja, com vistas a atender as necessidades

postas nos centros de exploração do ouro nas Gerais. Produtos de subsistência como carnes e

farinha eram prioritariamente encaminhados para assegurar a continuidade da extração

aurífera na capitania de Minas, fato este que ilustra muito bem o grau de prioridade

dispensado àquele espaço de dominação que gerava grandes ‘soldos’ a metrópole lusitana.

4.3. A abertura das minas e a necessária criação de uma infraestrutura administrativa.

Dentre as principais razões para o processo de abertura das minas baianas destaca-se a

aceitação por parte da Coroa lusitana de que fazia-se necessário implantar de forma efetiva

um infraestrutura local capaz de controlar as dinâmicas territoriais estabelecidas nas diversas

localidades inseridas na ótica do processo de produção aurífera. A morte do Vice-Rei do

Brasil Sancho de Faro e Souza em 1719 e a subsequente assunção de um governo interino,

formado por uma junta, esta composta por Sebastião Monteira de Vide, Caetano de Brito e

Figueiredo e João de Araújo e Azevedo não foi capaz de realizar mudanças significativas,

estas ficariam a cargo do próximo governador geral da referida capitania. No âmbito das

políticas direcionadas para as minas, as ordenações e procedimentos gerais do governo

português foram mantidas. Para a região de Rio de Contas, a título de exemplo, a referida

junta – com vistas a garantir os interesses da Coroa – nomeou um sargento-mor assim como

os respectivos ajudantes com o objetivo de garantir os interesses metropolitanos naquele

território. Assim, o Capitão-Mor de Rio de Contas tinha como obrigação realizar uma série de

levantamentos que pudessem fornecer uma caracterização geral da condição dos moradores da

referida área: quantitativo demográfico, condição social, local de origem, informações sobre

mantimentos, rendimento de minas e etc.

De forma, geral deve-se notar o quanto era portadora de atenção toda a dinâmica que

pudesse ser estabelecida no sertão da capitania da Bahia. Para além da manutenção das

proibições referentes a exploração dos veios auríferos, talvez o atributo diferenciador da

comitiva responsável por administrar os interesses da Coroa antes da chegada do novo

governador tenha sido o seu caráter mais ostensivo frente as dinâmicas existentes no sertão

com vistas a garantir as devidas punições aos transgressores da lei (VASCONCELOS, 1998).

Foi ainda sob a administração desta comitiva que o engenheiro Miguel Pereira da Costa

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realizou sua viagem para Rio de Contas com o objetivo de avaliar a região, dando nota de

tudo que fosse de interesse da Coroa, sobretudo no tocante as minas.

Ao longo da administração do então novo governador geral e vice-rei Vasco Cesar

Fernandes de Menezes, a ofensiva, o ímpeto da conquista e a territorialização de todo aparato

jurídico e administrativo consolidou-se nas Jacobinas. Sem dúvida, pode-se afirmar que o fato

gerador dessa nova postura no sertão decorreu da permissão concedida pelo Rei ao

governador geral para que este autorizasse a retomada da mineração na região de Jacobina.

Neste sentido, não por acaso é que vai instituir-se ao longo do processo de abertura das minas

a infraestrutura necessária para controle e arrecadação do quinto, sendo a criação e instalação

do município a consequência maior no âmbito político-administrativo deste processo. Pode-se

ver através da carta de 05 de agosto de 1720 como estava imbricada a exploração do ouro e o

aparato político-administrativo:

Fui servido permitir se continue a minerar nas minas de Jacobina, sem embargo das

ordens contrárias e ordeno-vos [...] que chegareis a Bahia mandeis o corregedor da

comarca por seu Ministério que vos parecer ao dito sítio da Jacobina para nele se

estabelecer uma vila com seu Magistrado e se informará bem das qualidades das minas

e da forma como que lavram, fazendo uma exata e [precisa] informação que com seu

parecer nos remeterá e tudo me dareis conta (Apud VASCONCELOS, 1998, p.75)

Nesse contexto, e tendo em vista a importância estratégica no processo de acumulação

das riquezas providas da extração dos minérios, o rei expõe ao então governador a

necessidade de estabelecer-se naquelas imediações uma comarca26

específica separada da

comarca da Bahia de forma que a as ordenações atribuídas ao território do sertão pudessem ter

um caráter mais consistente no âmbito da cobrança e arrecadação dos quintos27

. Desta forma,

reafirma-se aqui novamente que o contexto de exploração do ouro tal como vinha sendo

gestado no interior da capitania da Bahia constituiu o fator principal para emergência do

município de Jacobina28

.

As diversas preocupações com as quais a Coroa lusitana necessitava lidar naquele

momento deixavam muito claro que fazia-se urgente estabelecer uma 'base' fixa de controle

político, administrativo e jurídico que favorecesse os interesses reais. O aglomerado de

26

Parte dos limites da referida comarca pode ser visualizada na seção de Anexos, sob o título : ‘Planta

geográfica do continente que corre da Bahia de Todos os Santos até a Capitania do Espírito Santo.’

Para evolução territorial dos limites político-administrativos até conformação da cidade ver seção de Anexos. 27

“Os quintos sobre metais preciosos foram estabelecidos no, Brasil, através da Carta Régia de 15 de agosto de

1603, assinada por Filipe III, quando estavam ainda reunidas as Coroas Ibéricas” (PINTO, 1979, p.59) 28

"[...] o progresso opulento que emanava das minas adquiria forma e a Coroa portuguesa promoveu, por Carta

régia de D. João V, datada de 5 de agosto de 1720, o barulhento arraial à categoria de vila com o nome de 'Vila

de Santo Antônio de Jacobina', integrada pelas freguesias de Santo Antônio de Pambu e Santo Antônio do

Urubu, ficando igualmente criado o município" (IBGE, 1958, 350)

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63

indivíduos que espraiavam-se ao longo das margens do Itapicuru-Mirim crescia

desorganizadamente e as consequências de uma povoação que passava a ter na mineração o

vislumbre de uma meteórica ascensão social apresentava-se como uma fator preponderante de

preocupações.

A proporção que novas levas de braços chegavam para o garimpo, o arruado à margem

do Itapicuru-Mirim ia crescendo rápida mas desorganizadamente, reunindo uma

população inicial bastante densa e heterogênea. Por isso mesmo, a par da fortuna fácil,

proliferavam os vícios e os desmandos com seus cortejos de roubos, assaltos e

assassínios (sic) (IBGE, 1958, 349)

É diante destas circunstâncias que foi incumbido a Pedro Barbosa Leal a

responsabilidade da instalação propriamente dita da Vila de Santo Antônio de Jacobina29

, esta

além de beneficiar os interesses da administração real também o era benéfica para os

moradores e mineiros que ali amontoavam-se, haja vista que "[...] encurtaria distância para a

condução de processos, pois reconheciam as autoridades, neste momento, as dificuldades que

os moradores do sítio de Jacobina e arredores enfrentavam" (VASCONCELOS, 1998, 77).

A localização inicial da sede da Vila esteve em consonância evidente com os

interesses estratégicos que a gestaram. Assim, o local escolhido para erguer a sede foi a então

denominada Missão de Nossa Senhora das Neves do Saí30

, que constituía uma aldeia indígena

fundada por franciscanos em 1697 e que estava assentada em uma posição privilegiada, tanto

no que tange os aspectos físico-naturais como no concernente aos histórico-sociais. Por ser

uma área de terreno plano, encravada em um complexo de serras, constituía o referido sítio

terreno favorável para escoamento e controle de mercadorias, sobretudo do gado que advinha

das áreas do Piauí e do São Francisco, pois podiam repousar por longos meses em períodos de

engorda em virtude da existência de recursos hídricos abundantes no entorno. Devemos

recordar que a área das "Jacobinas" era desde a ocupação do sertão pelo gado no século XVII

uma importante rota de trânsito das boiadas que transitavam por aquelas imediações, pois:

Em tempos de seca, as boiadas vindas desses lugares eram vendidas 'nas Jacobinas'

onde permaneciam por seis, sete ou até oito meses para, só depois de novamente

engordarem, serem enviadas para seu destino final, podendo ser o porto de Cachoeira ou

a 'Cidade da Bahia (VIEIRA FILHO, 2006, p. 52)

29

"A freguesia de Santo Antônio de Jacobina data de 1682, porém sua sede foi erigida onde hoje é a cidade de

Campo Formoso, local conhecido no passado como Jacobina Velha. A freguesia de Santo Antônio da Villa de

Jacobina foi criada somente em 1758, desmembrada da anterior Freguesia de Santo Antônio de Jacobina,

passando a ser denominada Freguesia Velha de Santo Antônio de Jacobina. Mas as confusões entre as duas

permaneceram até o século XIX" (VIEIRA-FILHO, 2006, p.53-54) 30

Atualmente a referida localidades constitui um dos distritos existentes no município de Senhor do Bonfim-BA.

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Neste sentido, a sede erigia-se justamente no eixo de maior dinâmica da referida área,

posto que circunscrevia-se na convergência de caminhos variados que ligavam o sertão das

Jacobinas a outras localidades do território colonial. Se no tocante as estes fatos poucas

dúvidas são ressaltadas, no que refere-se a dimensão do município não pode-se dizer o

mesmo. Devemos ter em mente quanto a esta questão que o estabelecimento de claros limites

de circunscrição administrativa não faziam-se presentes em documentos de criação deste

gênero. Desta forma, para o IBGE (1958, p.350) o município de Jacobina:

[...] estendia-se por cêrca (sic) de 300 léguas, em terras de propriedade da Casa da

Ponte, dos Guedes de Brito, abrangendo desde Rio de Contas, Monte Alto (atual Palmas

de Monte Alto), Cachoeira, e indo até os limites com o Estado de Sergipe incluindo a

cachoeira de Paulo Afonso

Buscando também compreender a extensão municipal, Vieira Filho (2006) apoiando-

se nos relatos de Antonil a respeito das áreas de invernadas nas Jacobinas, conjectura que a

referida localidade abrangia uma vasta região que compreendia a atual cidade de Morro do

Chapéu, a Jacobina atual e Senhor do Bonfim. Seja como for, pode-se afirmar que:

Jacobina foi, no século XVIII, um dos maiores municípios da província. Seu primeiro

desmembramento ocorreu em 1746, quando se emancipou a Freguesia de Urubu de

Cima, com sede na atual Paratinga. No século XIX, três novos municípios se

emanciparam de Jacobina: Monte Alegre (1857), hoje Mairi; Morro do Chapéu (1864);

e Riachão do Jacuípe (1878). (COSTA, Apud VIEIRA FILHO, 2006, p.56)

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A instalação da sede da Vila nas imediações da missão do Saí cumpriu os requisitos

necessários para efetivar o controle do comércio e consequentemente das vias de circulação

estabelecidas ao longo daquela localização inicial. Nota-se assim que os aparatos da esfera

político-administrativo decorreram de processos engendrados anteriormente e que naquele

instante não poderiam mais avançar descolado – como fora antes – de um controle real mais

efetivo, afinal de contas, as riquezas ambicionadas desde o início do século XVI mostravam-

se naquele instante, na capitania da Bahia, como um recurso passível de apropriação e

acumulação por parte dos interesses metropolitanos. Esta materialidade artificial pautada nas

técnicas de controle e da política, expressadas através da instalação da Vila de Santo Antonio

de Jacobina nos fornece assim importantes elementos para compreensão dos processos

ocorridos no presente de então em um espaço geográfico específico do território colonial.

FIGURA 3 – CARTOGRAMA DA VILA DE SANTO ANTÔNIO DE

JACOBINA 1720.

Adaptado de Vieira Filho, 2006.

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66

Aceitando a prerrogativa de que naquele amplo espaço territorial um imbricado

número de temporalidades31

expressou-se, é inegável também que os agentes colonizadores

impuseram hegemonicamente suas práticas culturais no território, favorecendo formas

particulares de utilização daquele espaço-tempo, sobrepondo práticas anteriores, a exemplo

das existentes nas sociedades originárias que os precederam. Deste modo, emerge um

conteúdo territorial concreto, este qualificado enquanto área de dominação e imposição de um

poder (MORAES, 2009). Na esteira dessas questões entende-se mais claramente a fragilidade

das fronteiras concernente aos limites territoriais da hinterlândia da capitania da Bahia, pois

constituiu um fator essencial de um processo mais amplo de formação dos territórios

coloniais, como nos lembra Moraes (2009, p.64)

[...] os territórios coloniais são âmbitos espaciais de pretensão da soberania

interpactuados entre as metrópoles européias, áreas formalmente delimitadas de suposta

jurisdição de uma autoridade metropolitana, de fronteiras vagas ou hipotéticas.

O corolário da ocupação territorial com vistas a congregar toda necessária

infraestrutura de poder nas Jacobinas tornou-se real em 1724, com a transferência da sede

inicial para a missão de Bom Jesus da Gloria. Ainda que envolto em uma série de conflitos,

entre a administração real e os interesses do vigário e de membros da Casa da Torre, podemos

afirmar que o principal motivo para tal empreendimento foi a tentativa de facilitar o controle

do fisco sobre os rendimentos oriundos do garimpo. O sítio escolhido para tal instalação

decorreu da observância do Ouvidor Geral de que naquelas imediações já haveria população

necessária assim como igreja32

e uma rede de caminhos para o rio São Francisco e as Minas

Gerais (VASCONCELOS, 1998).

No que tange os limites de abrangência da vila estes continuariam pouco precisos,

assim, concordamos com Vieira Filho (2006, p.55), pois "na prática, tudo fora da jurisdição

da comarca da Bahia e de Sergipe, era comarca de Jacobina, e a partir daí sua área vai sendo

desmembrada". Discorrendo sobre a importância dos acontecimentos e o grau de

transformação correspondente no contexto local, Vasconcelos (1998, p.84) afirma:

À liberdade para explorar as minas corresponderia o controle sobre tudo e sobre todos,

em que os símbolos de violência real e simbólica também se incorporariam ao cotidiano

do povoado, com ordenação administrativa e jurídica, vila, câmara, cadeia, pelourinho e

forca. Neste espaço, antes território de livre ir e vir, os passantes veriam o simulacro da

31

“Isso, aliás, distingue cada lugar dos demais, essa combinação específica de temporalidades diversas.”

(SANTOS, 2006, p.89) 32

Refere-se aqui a Capela do Bom Jesus da Glória ou Igreja da Missão – como é conhecida pelos moradores do

atual município de Jacobina/BA. Atualmente constitui um patrimônio tombado pelo Instituto do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

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autoridade, do poder, rondando-os, fantasmagoricamente sob o aplauso e concordância

de todos que acorreram ao consignado pelo Ouvidor Geral, de que 'o sítio era vila',

como se quisesse dizer 'o Rei está aqui'.

Diante do contexto apresentado, percebe-se como se deu o processo de produção de

um espaço ‘urbano’ no interior da capitania da Bahia na primeira metade do século XVIII do

Brasil colônia. Através do processo de expansão colonial emergiam as freguesias, povoados,

vilas e cidades33

. A presença das povoações em diferentes espaços da colônia assim como o

entabulamento de determinadas relações econômicas imprimia a necessidade de implantação

de processos político-administrativos capazes de fornecer a Metrópole as condições

necessárias de controle e ordenamento do território colonial, processos estes observados ao

longo da formação político-administrativa de Jacobina.

O declínio do ciclo do ouro em finais do século XVIII e posterior descoberta de

diamantes na região da Chapada no primeiro quartel do século XIX permitiu que a localidade

antes imersa em uma centralidade marcada pela exploração de jazidas minerais retornasse a

àquela função tradicional de centro de comércio das boiadas que cruzavam as diferentes rotas

ali estabelecida. Expressão do relativo declínio territorial das dinâmicas existentes na Vila de

Santo Antônio de Jacobina expressa-se na considerável demora para elevação da vila à

categoria de cidade34

em 1880, "[...] que lhe valeu o título de 'Agrícola Cidade de Santo

Antônio de Jacobina' (IBGE, 1958, p.350).

Cabe assinalarmos ainda o importante papel que veio a cumprir as Intendências de

Minas, Casas de Fundição e o sistema de circulação para a formação de uma materialidade

técnica atrelada a normatização e fluidez do/no território.

4.4. A tributação das riquezas extraídas.

No tocante às questões tributárias, pertinentes a atividade mineradora, foram as

Intendências de Minas35

e as Casas de Fundição os órgãos mais antigos responsáveis pela

fiscalização, arrecadação e tributação dos minérios extraídos nas diversas áreas auríferas

espalhadas ao longo da colônia. No que concernem as Casas de Fundição, estas tinham como

objetivo recolher o ouro extraído e transformá-lo em barras que recebiam a cunhagem que a

33

"O papel específico da cidade liga-se a um aspecto intencional de demarcação de fronteiras e garante o

domínio sobre terras conquistas. A sobrevivência dessas cidades depende menos do campo do que da geopolítica

administrativa realizada pela Coroa." (GODOY, 2011, p.10) 34

Para evolução territorial dos limites político-administrativos até conformação da cidade ver seção de Anexos. 35

De acordo com Prado Júnior, as Intendências constituíam os órgãos responsáveis por “[...] cobrar o quinto,

superintender todo o serviço da mineração e resolver os pleitos entre os mineradores, bem como destes com

terceiros, em questões atinentes à mineração” (PRADO JÚNIOR, 2004, p.173)

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identificavam como sendo ouro ‘quintado’, ou seja, já submetido ao tributo do quinto36

.

Sendo assim, eram compostas por um número significativo de funcionários como provedores,

escrivães, fundidores, cunhadores, ensaiadores, meirinhos, tesoureiros e fiscais.

As Casas de Fundição, enquanto um mecanismo de controle com vistas a maximizar a

arrecadação de riquezas através dos tributos imputados aos mineradores originou, sem sombra

de dúvidas, grandes descontentamentos para estes, sobretudo por acreditarem que tais

medidas contribuíam apenas para dificultar a comercialização e facilitar a cobrança dos

impostos por parte da Coroa. Interesses inconciliáveis realizavam-se assim entre a burocracia

da Fazenda Real e aqueles homens que viam na mineração a possibilidade de ascensão

meteórica de sua condição social. Pode-se imaginar que os conflitos cotidianos assim como as

medidas encontradas pelos mineradores para burlar a arrecadação do quinto não tenham sido

poucas. Não por acaso decorre que em paralelo à existência das casas oficiais de fundição

estabeleceram-se também as ‘casas ilegais’, assim como os ‘descaminhos’ do ouro.

Para além das disputas entre a burocracia real e os mineradores, a exploração do ouro

acentuava as disputas territoriais entre as capitanias, a subordinação de variadas localidades à

realidade econômica estabelecida em Minas Gerais impunha descontentamentos a variados

agentes. As Casas de Fundição emergem, neste sentido, como medida para controlar

efetivamente as riquezas perdidas através dos variados contrabandos estabelecidos no trânsito

do ouro entre as localidades produtoras.

Além das disputas territoriais entre as capitanias da Bahia e de Minas Gerais, suspeitas e

acusações de contrabando e acobertamento iriam estremecer a relação entre as

autoridades regionais. A criação das Casas de Fundição seria uma providência

necessária para coibir os descaminhos e potencializar a arrecadação. Para a coroa, essa

via de enriquecimento era importante e devia ser acompanhada pela instalação de outros

instrumentos de controle e arrecadação, a exemplo dos editais para arrematação dos

dízimos em praça pública. (VASCONCELOS, 1998, P.138)

As Casas de Fundição, por serem os órgãos mais antigos responsáveis pelo controle e

arrecadação de impostos, constituem importantes marcos históricos para a apreensão das

dinâmicas que possivelmente foram realizadas em uma dada localidade. Acrescente-se a isto

que, sendo um órgão administrativo da Coroa portuguesa com uma significativa

infraestrutura, instalava-se somente após ser garantido ao Rei que o ouro extraído – fosse em

pó ou em pepitas – possuía uma produção consistente que lhe possibilitasse assim a cobrança

do quinto. De 1580 às primeiras décadas do século XIX diversas Casas de Fundição foram

36

O quinto constituiu pagamento de um direito de uso/exploração incidindo sobre uma variada gama de coisas,

tais como a produção mineral ou agrícola, abertura de estradas, despojos de guerra e etc. Tem sua origem no

direito feudal Ibérico e foi introduzido na legislação portuguesa pelo rei D.Duarte (1433-1438).

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instaladas na colônia, as quais delineiam claramente os principais pólos de produção e

distribuição no decorrer da extração de ouro na colônia. Q37

QUADRO 338

– PRINCIPAIS CASAS DE FUNDIÇÃO NA COLÔNIA ENTRE

OS SÉCULOS XVII E XIX.

Fonte: Adaptado de Arruda, 1986.

Nota-se com base no Quadro 3 que a localização das Casas de Fundição obedeceu, nos

séculos XVIII e XIX, a lógica de concentração dos principais pólos produtores, ou seja, Minas

Gerais, Goiás e Mato Grosso.

Ainda com base no mesmo quadro nota-se que no tocante a capitania da Bahia criou-

se no ciclo do ouro duas Casas de Fundição, uma localizada em Jacobina e outra na localidade

de Rio de Contas, ambas instaladas em 1726. Se, por um lado, as Casas de fundição

constituem importante marcos para se mensurar as dinâmicas estabelecidas em dado espaço-

tempo, como se afirmou anteriormente, por outro lado constitui também um tema imerso em

ambiguidades, sobretudo no que refere-se ao ano de extinção das mesmas. Para o caso da

Casa de Fundição de Jacobina pode-se afirmar, com bases em documentação histórica38

, que

esta não foi extinta em definitivo antes de 1766, a existência de uma carta do Intendente-Geral

37

Informações referentes à criação e extinção das casas de fundição muitas vezes encontram-se imersas em

incertezas, sobretudo em função dos constantes procedimentos de extinção temporária e re-instalação,

transferências de localidades e etc. Desta forma, algumas Casas de Fundição no presente quadro estão

desprovidas de precisão quanto as suas respectivas datas de instalação e fechamento. 38

As fontes documentais utilizadas para embasar algumas das considerações aqui realizadas pautam-se, em

grande medida no material intitulado: "Documentos manuscritos “avulsos” da Capitania da Bahia: 1604-1828".

Salvador: Fundação Pedro Calmon, 2009.2 v.

CASA DE FUNDIÇÃO

LOCALIZAÇÃO ANO DE CRIAÇÃO

ANO DE EXTINÇÃO

Campanha Minas Gerais - -

Paranaguá Paraná ? 1647-1675 1736

Sabará Minas Gerais ? 1702-1725 1803

Iguape São Paulo ? 1653/1668 -

São Paulo São Paulo 1580 1819

Taubaté São Paulo 1695 1704

São João Del-Rei Minas Gerais 1725 1803

Serro Frio Minas Gerais 1725 1803

Vila Rica Minas Gerais 1725 1803

Jacobina Bahia 1726 -

Rio das Contas Bahia 1726 -

Araçuaí Minas Gerais 1728 -

Meia-Ponte Goiás 1735 1796

Cuiabá Mato Grosso 1751 1823

Goiás Goiás 1752 1823

São Félix Goiás 1757 1796

Vila Bela Mato Grosso 1772 1820

Cavalcante Goiás 1796 1807

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do Ouro da Bahia neste período solicitando ao Conselho Ultramarino cadinhos pequenos para

a ‘Casa da Fundição da Jacobina’, assim como também outra carta datada de 31 de julho de

1766 do provedor da Casa da Moeda da Bahia ao rei D. José “referente aos reais quintos

vindos da Casa da Fundição da Jacobina, que foram arrecadados na Casa da Moeda, desde

19/07/1764 até 17/06/1766”, dão testemunho das afirmações apresentadas.

Na Capitania da Bahia o ouro fundido e já cobrado os quintos (20%) ficava livre para

circular, assim como já ocorria em outras minas. No entanto, no que concerne ao trânsito de

ouro em pó este acarretava em severas penas para aqueles que estivessem sob sua posse.

No que tange as cifras arrecadas sobre a produção do ouro, pode-se afirmar que

alcançar a exatidão dos números tendo como base os quintos não constitui uma tarefa das

mais fáceis, isto em razão das diversas fraudes estabelecidas ao longo da atividade

mineradora, assim como outros fatores, referentes a procedimentos desprovidos de

informações precisas, como as apreensões e confiscos em arrematações públicas, além de toda

sorte de sonegações realizadas. Ainda assim, objetivando delinear um pouco mais a realidade

mineradora na localidade de Jacobina, podemos inferir algumas questões a partir da Tabela 1:

TABELA 1 – RENDIMENTO DAS MINAS BAIANAS ENTRE

1723 E 1743.

ANO JACOBINA RIO DE CONTAS TOTAL oitavas de ouro

1723 3.670 650 4.320

1724 7.320 5.000 12.320

1725 7.320 3.600 10.920

1726 20.240 700 20.940

1728 3.500 3.430 6.930

1729/30 50.600 7.140 57.740

1731 8.250 6.470 14.720

1733 1.420 530 1.950

1734 1.280 250 1.530

1735 3.830 2.250 6.080

1736 7.860 15.220 23.080

1737 - 4.050 4.050

1738 5.520 550 6.070

1739 4.990 6.640 11.630

1740 5.400 26.880 32.280

1741 7.600 6.820 14.420

1742 4.900 - 4.900

1743 4.960 9.840 14.800

TOTAL 148.660 100.020 248.680 Fonte: Adaptado de Vasconcelos, 1998.

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Em geral, a arrecadação do ouro explorado nas minas de Jacobina teve ao longo do

período em tela os maiores rendimentos da capitania da Bahia, ficando atrás das minas do Rio

de Contas apenas em quatro anos – 1736, 1739, 1740 e 1743. Refletindo sobre algumas

questões referentes ao declínio da indústria mineradora no Brasil colônia, Prado Jr (2004)

assinalava que tal atividade já estava em decadência em meados do século XVIII, posto que

naquele momento já teria alcançado o máximo da produtividade. Contudo, os dados aqui

apresentados, atrelado as informações expostas por Vasconcelos (1998) e as existentes na

Tabela 2 nos permitem afirmar que para as minas de Jacobina os rendimentos de ouro no ano

de 1767 teria alcançado sua maior arrecadação, se comparado às primeiras décadas dos anos

50 do século XVIII.

TABELA 2 – RENDIMENTO DAS MINAS

DE JACOBINA DE 1750 A 1771.

Os dados aqui apresentados confirmam a importância que o município de Jacobina

detinha, não só no sertão da capitania da Bahia, no âmbito de uma economia regional, mas no

que concerne aos interesses realizados pela Coroa no território colonial. Deve-se ter em mente

que a criação do município conformou no interior da capitania uma série de estruturas-

administrativas objetivando regular toda a dinâmica concernente a exploração e

comercialização do ouro. Assim, o caráter urbanizador de tal atividade expressava-se também

Ano Valores em kg

1750 44,23

1751 0,76

1752 -

1753 19,32

1754 -

1755 0,42

1756 2,52

1757 0,43

1758 0,17

1759 48,37

1760 32,40

1760 2,1

1766 47,33

1767 93,97

1769 1,8

1771 2,16

Total 296

Fonte: Adaptado de Vasconcelos, 1998.

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nas instâncias metropolitanas instaladas que distribuía no espaço a burocracia e o 'terror'

instaurado através da criação das cadeias, pelourinho e forca.

4.5 – Sistemas de circulação.

Se, como vimos, nas áreas de exploração auríferas exercia-se a produção das riquezas

e através das Casas de Fundição os necessários mecanismos de controle, com vistas a garantir

a quinta parte do empreendimento minerador à Coroa lusitana, coube então garantir o

deslocamento do ouro de forma eficiente do interior para o litoral, ou seja, os centros de

exportação equipados com os seus respectivos portos. É nesse sentido que irá se acentuar um

complexo sistema de circulação no território colonial brasileiro. Devemos ter em mente ainda

que a mineração por ter constituído naquele período um importante advento reestruturador das

relações existentes na colônia, haja vista que potencializou a difusão dos núcleos iniciais de

povoamento para o interior, produziu uma nova espacialidade que se atrelava justamente a

concretização de um sistema de objetos e ações que consagrava à mineração um poderoso

processo de potencial urbanizador39

. Com isto, se está a afirmar que um eficaz sistema de

circulação esteve de fato condicionado ao processo minerador, contudo em um sentido amplo,

ou seja, o empreendimento da mineração pelas características próprias de seu

desenvolvimento necessitava de um eficiente sistema de abastecimento de gêneros

alimentícios, circulação de mercadorias e pessoas, sobretudo àquelas ligadas a administração

lusitana, pois:

De imediato, o surto da mineração rearruma o quadro geral do arranjo do espaço da

colônia, ocasionando a interiorização e povoamento da hinterlândia através de uma

diversidade de núcleos mineiros, fazendas de gado, áreas de policultura de subsistência,

cidades de intensa vida urbana por meio das quais atrai ondas de migração de população

de origem interna e externa, numa brusca aceleração do crescimento populacional e cria

uma densa relação de trocas internas de produtos e forças produtivas na colônia

(MOREIRA, 2011, P.58)

Quando, no período setecentista, eclode o ciclo do outro, com sua 'centralidade

meteórica', no dizer de Moreira (2011), não podemos esquecer que um fato marcante nos anos

iniciais desse período constituiu o caráter disperso das vilas mineiras, desprovidas assim de

uma contiguidade espacial que só seria remediada com a expansão de um sistema de

39

"Nestes caminhos, rotas do impulso desbravador, as trilhas foram mais que meras passagens, foram espaços

onde se assentaram as bases do poder que construía destruindo, alterando, convulsionando a vida de moradores.

Simultaneamente, formaram-se como entroncamento, eixo, para onde convergiam viajantes de diversa natureza e

de distantes povoados e vilas que, antes de dispersarem-se rumo a seus destinos e objetivos, ao tempo que

pousavam, vendiam, trocavam, promoviam contatos, interligações sócio-culturais, mesclavam valores, formas de

pensar e sentir.” (VASCONCELOS, 1998, p.195)

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circulação mais consoante com as dinâmicas que passariam naquele momento a se

estabelecer. Straforini (2006) ao discorrer sobre esta condição desfavorável demonstra que em

1698 já ocorria por parte do então governador do Rio de Janeiro – Artur de Sá e Meneses – a

intenção de se construir uma estrada que integrasse as Minas Gerais com a cidade do Rio de

Janeiro. O início das obras em 1700 demonstra assim a urgência e o enorme interesse em

controlar, o mais rapidamente possível, o novo caminho em razão das perdas existentes por

conta do extravio do ouro através de outros descaminhos40

. “Em outras palavras, podemos

dizer que a exploração das minas de ouro deu-se num ritmo veloz, enquanto a circulação

continuava viscosa em virtude das inúmeras dificuldades encontradas nos primeiros

caminhos” (STRAFORINI, 2006, não paginado). Grosso modo, tem-se que o sistema de

circulação na colônia acompanhou de fato a direção inicial do povoamento, a princípio ao

longo do litoral e posteriormente seguindo as consequentes mudanças espaciais de localização

exercidas ao longo do processo de interiorização.

As vias de comunicação têm esta mesma direção inicial; a elas corresponderá, mais

tarde, uma outra semelhante, mas em sentido oposto, que partindo daqueles núcleos já

constituídos no interior, procuram saída mais rápida ou mais cômoda para o

litoral. É o caso em particular dos centros mineradores das Minas Gerais, que

alcançados inicialmente via São Paulo, e logo em seguida, Bahia, procurarão depois

outras saídas pelo Rio de Janeiro, e muito depois, Espírito Santo, Porto Seguro, Ilhéus.

(PRADO JÚNIOR, 2004, p.235, grifo meu)

No que tange o ciclo da mineração há que se compreender que por ter constituído um

empreendimento gerador de grandes riquezas, esteve assim imerso em todo tipo de disputas e

discórdias que não poucas vezes resultaram em eventos extremamente violentos41

. As rotas de

circulação emergem neste cenário emanando da administração portuguesa os necessários

mecanismos de abertura, proibição e fiscalização dos caminhos, a fim de controlar saques,

roubos e outros tipos de movimentos que pudessem prejudicar os lucros da conquista. Desta

forma, tem-se que "a geografia dos caminhos era uma estratégia de defesa, dominação e

exploração" (VASCONCELOS, 1998, p.189).

Em razão das características físico-naturais da colônia, repleta de uma ampla

diversidade paisagística e por isso mesmo capaz de apresentar os mais difíceis obstáculos ao

40

“Os descaminhos eram numerosos e variados. Quanto mais o Estado português apertava o cerco para assegurar

a sua arrecadação, aí mesmo é que os desvios do ouro prosperavam, com extrema criatividade. O senso comum

tornou notória a imagem do santo de pau oco como símbolo maior dos descaminhos. Imagens ocas de santos

supostamente recheadas de ouro e diamantes nos servem mais como explicitação da contradição entre dois traços

correntes na sociedade colonial – o fervor religioso e a cobiça material – do que como comprovação de práticas

relevantes de evasão.” (CAVALCANTE, 2008, s.p) 41

Documentos manuscritos “avulsos” da Capitania da Bahia: 1604-1828". Salvador: Fundação Pedro Calmon,

2009.2 v.

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pleno processo de interiorização do povoamento, é que devemos ressaltar o caráter

verdadeiramente estratégico do advento do sistema de circulação. As enormes distâncias a

serem percorridas, conjugada com relevos acidentados e matas densas, assim como rios

caudalosos de traçados pouco previsíveis são alguns exemplos dos desafios que tiveram de ser

superados pelos colonizadores no processo de penetração ao interior. Daí fazer sentido a

afirmação de Prado Júnior (2004) ao destacar a morosidade das relações sociais existentes na

colônia até finais do século XVIII e início do século XIX.

Tendo em vista o caráter verdadeiramente significativo dos caminhos e os objetivos

postos a serem alcançados neste trabalho, não nos cabe no presente momento maiores

aprofundamentos dos sistemas e vias de circulação na colônia, realizando um resgate das suas

gêneses e das especificidades encontradas, empreitada esta que demandaria uma pesquisa de

maior fôlego. Cabe, no entanto, destacarmos que em meados do século XVIII um variedade

de caminhos já estavam estabelecidos na colônia. No que se refere ao nordeste, este fato

decorre em grande medida das incursões sertanistas no século XVII que contribuíram para a

penetração e povoamento do interior das capitanias, como, a título de exemplo, podemos

destacar os caminhos percorridos por exploradores que articulavam o Piauí ao Maranhão e

Bahia, vias que prioritariamente destinavam-se a condução de gado do sertão ao litoral.

Contudo, nos lembra Prado Júnior (Ibidem, p. 241)

[...] além desta função, elas tiveram outra de grande relevo na história da formação

brasileira. Elas articulavam o sertão, e ligam intimamente as populações aí

estabelecidas; permitem-lhes estes deslocamentos e migrações em massa, tão freqüentes

por ocasião das secas periódicas em que os sertanejos refluem para os pontos menos

atingidos, regressando mais tarde com as primeiras chuvas

De modo geral, podemos afirmar que o rápido crescimento populacional nas regiões

de exploração aurífera criou a necessidade de que fossem estabelecidos caminhos adequados

para o escoamento seguro do ouro explorado. Diferentemente das outras rotas que precederam

a articulação do sistema de circulação – como os estabelecido no sertão baiano –, os que

serviriam aos interesses do escoamento aurífero deveriam como premissa fornecer maior

segurança no transporte do ouro aos portos litorâneos capazes de exportar as riquezas para a

Metrópole. É neste sentido que a abertura de um 'Caminho Novo' capaz de articular a cidade

do Rio de Janeiro às Minas Gerais dos Cataguás se estabeleceu. Straforini (2006, não

paginado) ressalta que "[...] a possibilidade de fazer o percurso das Minas de Ouro ao Rio de

Janeiro em dez dias era uma vantagem imensurável se comparada aos caminhos Geral e

Velho [...]”. Neste sentido, o proveito decorrente de tal caminho não atingia tão somente os

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interesses reais, como também os comerciantes – principais responsáveis pelo abastecimento

das minas – e os aventureiros migrantes em busca de ascensão social advinda das riquezas do

vil metal.

A inter-relação existente entre os caminhos do ouro e as já mencionadas Casas de

Fundição e Intendências podem ser apontadas neste momento. Como salientado no

subcapítulo precedente, os respectivos órgãos enquanto materialidade técnica normativa dos

territórios constituíam as instâncias centrais para a garantia das riquezas arrecadadas pela

Coroa. Por sua vez, o estabelecimento de um sistema de caminhos, favorecia a presença da

Metrópole no interior de forma mais eficiente, impulsionando um processo de fiscalização,

controle e arrecadação que requalificava os espaços sertanejos das regiões auríferas.

Os Caminhos do Ouro assumiam, nesse sentido, papel central na política territorial

portuguesa, pois não eram apenas eixos de circulação, mas sim e, sobretudo, o

instrumento concreto de controle do território, pois, nenhuma política tributária

teria efeito sem um sistema de circulação que lhe desse sustentação.

(STRAFORINI, 2006, não paginado, grifo meu).

Na capitania da Bahia, a abertura de caminhos constituiu um atributo essencial para a

ampliação do processo de colonização do interior e melhor controle do movimento social

estabelecido entre as minas do sertão e as outras localidades, fossem elas para o interior de

outras capitanias ou mesmo para o litoral. Devemos lembrar que os caminhos fluviais

representaram desde muito cedo alternativas eficazes para o processo de interiorização do

povoamento, haja vista a densa rede hidrográfica existente no território baiano, e que naquele

período já era em grande parte explorada através dos rios São Francisco, Paraguaçu, Itapicuru,

de Contas e Pardo, apenas para citar alguns exemplos.

O advento da mineração fortalece a presença do Estado nas áreas sertanejas, a

instalação de instituições capazes de orientar uma política fiscal eficaz e a disseminação dos

corpos militares decorrentes de tais práticas dão testemunho das ambições estabelecidas pela

Coroa. Os caminhos que serviriam para estabelecer uma rede de tráfego entre as minas e

outras localidades deveriam irromper contra todo e qualquer obstáculo para o pleno

desenvolvimento da atividade mineradora, assim, ao longo dos caminhos estabelecidos

através do São Francisco, que ligavam-se as áreas de Jacobina e Rio de Contas, nos informa

Vasconcelos (1998, p. 192) que:

Os caminhos às minas foram desinfetados, para que 'mineiros', sertanistas e comboeiros,

os de farto cabedais, 'não fossem importunados', nem por roubos e crimes, sequer por

mocambos e 'gentio do corso' que daquela região se afastaram na certeza de serem

extintos e castigados

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A administração colonial imprimiu no sertão da capitania da Bahia um sistema de

circulação que em grande medida acompanhou a rede hidrográfica que ramificava-se pela

região, muitos dos caminhos que partiam ou chegavam as Jacobinas e Rio de Contas

integravam-se às localidades que alcançavam Goiás, Tocantins, Minas Gerais, Minas Novas

de Arassuaí entre outras. Tais trilhas, caminhos e estradas ampliavam a exploração e comércio

do ouro e revelavam uma outra dinâmica econômica e social geograficamente localizada no

interior da capitania, onde pedras preciosas, gados, escravos, instituições reais e comércio

diversificado imbricavam-se em uma complexa trama de relações na sociedade sertaneja do

presente de então. Entre os variados caminhos existentes no interior da capitania da Bahia,

com vistas a favorecer o fluxo entre as minas, um dos mais destacados refere-se à Estrada

Real, que interligava as minas de Jacobina às do Rio de Contas.

A responsabilidade de tal empreendimento coube a Pedro Barbosa Leal, o mesmo que

já tinha instalado em 1720 a Vila de Santo Antônio de Jacobina e em 1724 a Vila de Rio de

Contas, foi ele o principal encarregado naquele momento por empreender a interligação entre

as duas localidades através de uma estrada capaz de garantir, entre outros fatores, a

arrecadação dos quintos reais. A edificação do referido caminho foi concluída em 1725 e "foi

considerada a primeira via de acesso para exploração do ouro da Bahia, por isso, recebeu o

nome de estrada real" (IVO, 2009, p.145). Ainda em relação a importância estratégica de tal

via de ligação entre as minas produtoras de ouro na capitania da Bahia do século XVIII, têm-

se que:

Essa estrada significou, além de via comercial, a possibilidade de fixação de populações

ao longo do seu curso e criação de pontos de apoio para viajantes e estabelecendo novas

alternativas de aglomerados populacionais. Constituíam-se vias de ligação entre

fazendas e povoações, que entabulavam pequenos comércios entre si e estabeleciam

redes de intercâmbio que deram origem e implementaram o mercado interno. (NEVES;

MIGUEL, 2007, p.79)

Os relatos de busca incessante por minas de ouro e prata realizada por Belchior Dias

Moréia42

desde finais do século XVI serviu de base para o estabelecimento do roteiro a ser

delineado por Pedro Barbosa Leal. Borges de Barros apud IVO (2009, p.145) descreve que o

caminho:

42

Lembremos que como apontado no subcapítulo 3.2, Belchior Dias Moréia teria atravessado em finais do

século XVI uma ampla diversidade de locais, entre estes as Serras das Jacobinas. Na esteira dessas questões,

IVO (2009) destaca também que Pedro Barbosa Leal teria edificado a Estrada Real em parte sobre os caminhos

já abertos por Gabriel Soares de Souza, quando este teria – um século antes – seguido pelos sertões em busca das

pratas relatadas por Moribeca.

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[...] partia de Jacobina, atravessando o rio Jacuípe e passava a leste do Morro do

Chapéu, daí vinha até Campestre, atravessava o riacho Cocho e chegava ao Arraial de

Bom Jesus da Lapa. Daí costeando a Serra da Tromba, ia ao rio Água suja, atravessava

o rio das Contas e chegava ao Arraial de Mato Grosso. Daí a estrada chegava à Vila do

Rio de Contas, cunhando com ela a estrada que vai para a Bahia a Minas Gerais

Os relatos do sertanista Joaquim Quaresma Delgado43

entre 1731 e 1734 descrevem os

caminhos percorridos e em razão da gama de detalhes apresentados constitui um importante

documento para se compreender as características naturais e sociais existentes na paisagem de

então daquela realidade geográfica. Destaca-se em tal relato a atenção dispensada pelo

sertanista as fontes de água, a geomorfologia das áreas percorridas pelo caminho, a

quantidade de fazendas de gado e as populações assentadas ao longo dos riachos. Alguns

trechos estão destacados logo abaixo – respeitando-se a grafia original –, e refere-se a

localidades situadas no início, meio e final da Estrada Real.

Da Jacobina á Fazenda da Motuca. Da Jacobina á Lagoa dos Padres da Missão da

Jacobina uma légua, desta ao pé das serras do Tombadouro 2 leguas e aqui está uma

casa com sua roça desta acima do Tombadouro uma légua e meia do Tombadouro ao

Sorvedouro um quarto de légua e está um poço formado da naturesa, cujo fim não se

tem ainda vasado e está a direita da estrada debaixo de umas arvores que o cobrem,

deste á fazenda de gado vacallar por nome a Motuca um quarto de jegua e fica esta á

parte esquerda da estrada. Tem agoa e pastos. (DELGADO apud NEVES; MIGUEL,

2007, p.80)

Ao Bom Jesus44

. Da Várzea da cruz á Vereda uma légua e meia advertindo que mais

atraz meia légua se passa o rio Coxo por uma ponte de páo e uma serra que fica aparte

do sudoeste é que vem sua nascença e chamam a esta os três Morros. Nesta paragem de

vereda há um rancho e um curral de girar gado de um Antonio Francisco que o cria e

aqui á parte esquerda fica o rio Paramitá que se vae meter no Coxo [...] (DELGADO

apud NEVES; MIGUEL 2007, p.83)

A Villa 4 ½ da fazenda do Barbado ao arraial do matto grosso meia légua tudo por

dentro do mesmo matto. Corre este arraial no nornorueste e sueste, tem umas 27 casas

e me dizem que não tem hoje a metade da gente que teve mais ainda se trabalha nele

com força. E´descampado sem matto, mas cercado de serras. Daqui ao riacho das Pedras

há uma légua e aqui mais adiante vem já a estrada da B.a para dentro desta paragem aos

creoulos que é fazenda que criam seus gados é a onde se vai meter a estrada que vem

desta Cidade da B.a há duas léguas desta ao tombador da Villa, duas léguas e já em

baixo se passa um rio que chamam o Passa Quatro e por todo o caminho não falta água

e pasto, daqui a Villa uma légua passando para o rio das Contas pequeno ao entrar da

Villa para dentro. (DELGADO apud NEVES; MIGUEL 2007, p.86)

A edificação de tal Estrada Real resultou diretamente da autorização oficial na

exploração das minas baianas, pois tal ação implicou em diferenciadas modificações na

43

O sertanista baiano fora autorizado em 11 de janeiro de 1731 a realizar uma expedição sondando os minérios

em Jacobina, Rio de Contas, Minas Novas e Médio São Francisco. “Suas anotações de viagem descrevem os

caminhos percorridos, que denominou ‘derrotas’, nas quais ele indicou fazendas, lugares e identificou seus

ocupantes, constituídos, no Alto Sertão da Bahia, quase sempre de arrendatários de terras – embora raramente

informasse – da megalatifundiária Joana da Silva Guedes de Brito. (NEVES, MIGUEL, 2007, p.59) 44

Atual cidade de Piatã/BA

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realidade socioespacial do sertão da capitania da Bahia. Interligar as duas principais áreas de

mineração da Bahia, as quais possuíam rendimentos significativos, mostrou-se assim uma

atitude estratégica por parte da Coroa Lusitana com vistas a consolidar o projeto de conquista

e ocupação do sertão. Desta forma, a abertura de novos caminhos e consolidação dos antigos

tinha como objetivo facilitar o trânsito de mercadorias e o escoamento do ouro, evitar o

contrabando, reprimir conflitos e coordenar novas descobertas. No que tange as casas de

fundição, estas só poderiam ter sido estruturadas de fato a partir da criação de uma edificação

oficial de caminhos que concretizassem o caráter estratégico para emergência das instituições

de controle e fiscalização do ouro extraído, não por acaso o estabelecimento das casas de

fundição na Bahia fora realizado em 1726 sob a determinação do Conselho Ultramarino.

Se as dinâmicas estabelecidas no século XVIII favoreceram a emergência de

conteúdos socioespaciais já não mais existentes, as formas provenientes destes processos

ainda hoje mostram-se presentes nas paisagens das regiões antes inseridas no quadro geral da

mineração da Bahia (Imagens I e II)45

.

IMAGEM 1 - TRECHO ESTRADA REAL RIO DE CONTAS-

JACOBINA.

Fonte: http://soniaguzzi.blogspot.com.br/2010_12_01_archive.html

45

As imagens aqui apresentadas foram retiradas de blogs distintos e nos fornece um panorama geral de como

estava a estruturada a estrada real, deve-se levar em conta que a conservação de tais localidades não se realiza de

forma efetiva, sendo assim, as condições vista nas imagens não representam fielmente o que fora estabelecido no

século XVIII.

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IMAGEM 2 - TRECHO ESTRADA REAL RIO DE CONTAS-

JACOBINA.

Fonte: http://mottareini.blogspot.com.br/2011/12/estrada-real-de-jacobina-rio-de-

contas.html

A noção de rugosidades apresentada por Santos (2006, p.92, grifo meu) mostra-se

bastante pertinente neste momento, de acordo com tal autor:

O que na paisagem atual, representa um tempo do passado, nem sempre é visível como

tempo, nem sempre é redutível aos sentidos, mas apenas ao conhecimento. Chamemos

rugosidade ao que fica do passado como forma, espaço construído, paisagem, o que

resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se

substituem e acumulam em todos os lugares. As rugosidades se apresentam como

formas isoladas ou como arranjos. É dessa forma que elas são uma parte desse espaço-

fator. Ainda que sem tradução imediata, as rugosidades nos trazem os restos de divisões

do trabalho já passadas (todas as escalas da divisão do trabalho), os restos dos tipos de

capital utilizados e suas combinações técnicas e sociais com o trabalho.

Para além da estrada real – Jacobina/Rio de Contas – um outro caminho de

importância estratégica na rota do ouro na Capitania da Bahia foi a que interligava Jacobina a

Salvador, o caminho do ouro fino.

De acordo com Ivo (2009) a distância entre estas duas localidades fora em 1727

estipulada por Pedro Barbosa Leal entre 67 e 81 léguas a depender do caminho trilhado. É

novamente com Joaquim Quaresma Delgado que temos acesso a descrições das realidades

geográficas existentes por entre os locais percorrido para se alcançar Jacobina partindo da

Cidade da Bahia. Nas citações abaixo privilegiou-se duas passagens que indicam as

características do começo do referido caminho e uma na qual destaca-se a chegada na sede da

Vila de Santo Antônio de Jacobina.

Da Passagem, ou Trapixe Velho a Duquiricanga trez legoas. Da Passagem a fazenda

de Alferes Amaro de Souza Coutinho uma legoa, da fazendo ao Rio Joanny légua e

meia, do Rio a Duquiricanga meia legoa, aqui é ranxo com o rio ao pé atraz das casas

que tem o seu morador, e pasto também. (DELGADO apud NEVES 2007, p.68)

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A Pojuca 4 legoa. De agoas Compridas passando o riaxo do Rio Jacuhipe ha meia

legoa, mais adiante um quarto de legoa o Riaxo Arapitanga, mais um quarto ou mais o

Riaxo dos Fogos e d’ahi ao Rio Pojuca duas legoas tem esta capacidade para largar

cavallos ao posto e tem bastante moradores e um engenho de assucar muito bom.

(DELGADO apud NEVES 2007, p.68)

A Villa de S. Antonio de Jacobina 2 e meia. Da tapera á Villa há nesta viagem,

andando uma légua, umas casas com moradores e, algumas roças; daqui um quarto de

légua se passa ao rio Tapicurú-mirim e depois á mão esquerda e já daqui para cima se

larga elle, até mais adiante desta passagem há outro riacho e uma casa e este riacho

chamam da Casa da Telha, mais adiante outra casa com um riacho que chamam a

Taboca e até aqui 2 leguas do caminho de toda a jornada [...](DELGADO apud NEVES,

2007, p.72)

Como foi possível observar, as descrições realizadas pelo sertanista Quaresma

Delgado apresentam descrições variadas dos caminhos existentes para se alcançar as

localidades portadoras das minas de ouro na capitania da Bahia. É baseando-se em tais

descrições que pode-se visualizar uma projeção das mencionadas estradas na Figura 4.

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FIGURA 4 – CAMINHOS DO SERTÃO, ROTEIRO DE JOAQUIM

QUARESMA DELGADO/ 1731-1734.

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82

A conformação de um território diferenciado nos sertões baianos de outrora, produto

de uma economia mineira, proporcionou a emergência de uma realidade geográfica outra se

comparada àquelas existentes nos espaços agrícola e pastoril.

O ciclo do ouro no Brasil Colônia perde sua força antes mesmo do findar do século

XVIII, com ele esvai-se os processos e conteúdos portadores de uma dinâmica socioespacial,

que entre outros fatores, resultou em um acentuado processo de interiorização do colonizador

no território, onde os caminhos do ouro cumpriram um papel fundamental:

Em outras palavras, podemos dizer que foi a partir da abertura destes que novos

sistemas de objetos e sistemas de ações representativos das forças metropolitanas e

locais se densificaram, garantindo e viabilizando a transformação da configuração

territorial brasileira. (STRAFORINI, 2006, não paginado)

A criação de infraestruturas diversas assim como a criação de municípios e os

respectivos empreendimentos decorrentes de tal ação fornecem em conjunto um atestado

significativo dos mecanismos estratégicos da metrópole para efetivar suas relações de

dominação e exploração das riquezas e dos povos aqui já estabelecidos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tentou-se ao longo deste trabalho apontar como em sociedades de passado colonial

realizou-se a formação do território estatal, desta forma, destacamos de modo exploratório a

importância de se empreender nas pesquisas geográficas um necessário olhar retrospectivo

dos arranjos espaciais passados posto que nos trás no presente uma espacialidade repleta de

superposições que, articuladas, imprimem em cada lugar aquele acúmulo de fatores que nos

permite, em Geografia, falar de um princípio da individualidade, tal como foi salientado ao

longo desta pesquisa.

Ao assumirmos como um dos objetivos da Geografia Histórica a investigação da

expansão e consolidação do domínio territorial, em realidades geográficas marcadas pelo

signo da conquista e dominação colonial, nos direcionamos para aquela posição teórico-

metodológica que toma a Formação do Território enquanto um fator singular daqueles

processos universais e particulares que atribuem identidade material e simbólica aos lugares.

A área das Jacobinas evoluiu do século XVII ao XVIII como resultado de uma série de

processos em que variados agentes alcançaram, cada qual a sua maneira, um relativo destaque

para no século XVIII, através da instituição político-administrativa do município, consolidar o

domínio dos fundos territoriais, entendidos aqui enquanto reservas de espaço sob dominação

muito mais política do quê econômica, ou seja, partes do patrimônio colonial sob o imperativo

do poder jurídico. Desta forma, o território enquanto espaço de regulação jurídica transforma-

se em espaço de ocupação e dominação efetiva do colonizador nas terras da hinterlãndia a

partir da exploração econômica criadora de economias regionais (MORAES, 2009). É neste

sentido que a interiorização do povoamento realiza-se na Capitania da Bahia, alterando

durante aproximadamente um século o eixo geográfico do litoral para o interior do sertão, em

virtude do advento minerador.

Na referida capitania a mineração emerge em território colonial e consolida aquele

mosaico diversificado de economias regionais, estabelecidas grosso modo através de relações

de complementaridade integradas verticalmente (SILVA et al, 1989). Quando se resgata, em

uma dimensão histórico-geográfica, as diversas áreas e as respectivas atividades econômicas

nelas estabelecidas, percebe-se a importância e o impacto do desenvolvimento regional

pretérito na conformação das espacialidades atuais. Cabe a ressalva de que não estamos aqui

nos direcionando para atribuir as dinâmicas geográficas relativamente distantes no tempo –

como assim estamos do século XVIII – um peso maior do que verdadeiramente possa existir

no que tange o impacto nos processo socioespaciais existente na atualidade. As

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especificidades dos lugares são fruto das suas respectivas heranças – dos seus acúmulos –, o

que nos autoriza assim a afirmar que as formas e os conteúdos provenientes do passado mais

remoto tendem a se expressar em realidades menos dinâmicas com maior força de

permanência, em comparação com aquelas que historicamente foram tornadas mais

desenvolvidas.

As práticas estabelecidas na expansão do povoamento do sertão expressaram a

simbologia imposta pelo colonizador no processo de caracterização daquele espaço, que se

contrapunha às realidades possuidoras de um caráter ecúmeno mais explícito – na visão do

colonizador, evidentemente – nas áreas litorâneas. Os povos originários, desterritorializados

dos seus espaços de vivência, vêem no decorrer do século XVII o Estado territorial alcançar

zonas distantes da costa e tomar posse das áreas que ao longo do primeiro século da

colonização não constituíram nada além de um domínio político juridicamente determinado,

contudo esporadicamente apropriado. Saliente-se que as amplas terras interioranas tinham nos

criadores de gado seus principais agentes de dilatação do território, dilatação esta que insere-

se no conjunto geral da interiorização do povoamento no seiscentismo brasileiro e que, no

entanto, não foi portadora de uma obra ‘urbanizadora’ – refere-se aqui a criação de

municípios e cidades – mais efetiva, em comparação com a existente no século XVIII. Assim,

no sertão da capitania da Bahia, a conformação das condições territoriais no século XVII

conjugou famílias tradicionais – os Guedes de Brito e o Garcia D’Ávila –, expansão pastoril,

opressão e submissão de populações autóctones. No âmbito geral desse encadeamento de

processos, os preceitos da fé católica, através das missões jesuíticas, constituíram um dos

principais empreendimentos responsáveis pela emergência de variados povoados no interior

da referida capitania.

A assunção das premissas colocadas assim como a apreensão decorrente do

desenvolvimento da pesquisa nos forneceram o substrato apropriado, no âmbito de uma

pesquisa de conclusão de curso, para destacar a importância que a mineração deteve na

capitania da Bahia ao longo do ciclo do ouro, estabelecido entre final do século XVII e final

do século XVIII no Brasil. Prado.Jr (2004), a título de exemplo, já assinalava que a mineração

em território baiano teria alcançado uma relativa importância em tal período, no entanto, tal

autor não explicitou as referidas dinâmicas com a devida profundidade. Foi tentando

contribuir, ainda que minimamente, para o entendimento deste período de densas realizações

que este trabalho debruçou-se, tentando apontar, sob uma ótica geográfica, os rebatimentos

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territoriais do ciclo minerador na conformação do território estatal daquelas amplas áreas

sertanejas, hoje, inseridas nos limites político-administrativos do estado da Bahia.

De fato, o ciclo do ouro proporcionou, de forma mais significativa, no século XVIII, o

deslocamento das dinâmicas econômicas, sociais e demográficas para o leste brasileiro. As

especificidades existentes em território colonial da Capitania da Bahia conformaram uma

série de ações estatais iniciadas a partir de 1701 com a descoberta oficial do ouro nas

imediações de Jacobina. É a partir de tal período que a densidade técnica do território se

concretiza de forma mais contundente no interior da Bahia, assim, a indústria mineradora

constituiu a principal atividade econômica na criação e no desenvolvimento de municípios e

cidades na hinterlãndia da colônia. Demonstrar a importância atribuída pela Coroa Lusitana a

região de Jacobina ao longo do ciclo do ouro no Brasil constituiu um objetivo que espera-se

ter sido alcançado, reconhecendo, contudo, os limites da presente pesquisa. A emergência de

determinações reais frente ao ordenamento e controle das áreas auríferas, a construção de

casas de fundição e expansão dos sistemas de circulação territorial através da construção das

estradas do ouro parecem atestar a importância da referida localidade no desenvolvimento

territorial da Capitania da Bahia. A criação do município de Jacobina concretizou a posse do

território estatal com vistas a controlar eficazmente o domínio territorial.

Pensando nos horizontes temáticos aberto por essa pesquisa, nos chama atenção a

importância que as denominadas vilas Bocas do Sertão detiveram ao longo do processo de

desenvolvimento territorial do Brasil. Entender com maior profundidade a gênese e formação

de tais espaços, em comparação com as condições atuais de seus desenvolvimentos territoriais

parece ser um caminho promissor de estudos geográficos que visem não somente resgatar a

memória das cidades, mas também apontar outros caminhos de desenvolvimento, geradores

de ganhos de autonomia no âmbito da sociedade heterônoma.

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ANEXOS

ANEXO 1 - CARTOGRAMA DO MUNICÍPIO DE JACOBINA 1752.

Retirado de Vieira Filho, 2006.·.

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ANEXO 2 – CARTOGRAMA DO MUNICÍPIO DE JACOBINA 1827.

Retirado de Vieira Filho, 2006.

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ANEXO 3 – CARTOGRAMA DO MUNICÍPIO DE JACOBINA 1889.

Retirado de Vieira Filho, 2006.

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89

ANEXO 4 – PLANTA GEOGRÁFICA DO CONTINENTE QUE CORRE DA BAHIA DE

TODOS OS SANTOS ATÉ A CAPITANIA DO ESPÍRITO SANTO E DA COSTA DO

MAR ATÉ O RIO SÃO FRANCISCO- 170046

Fonte: Arquivo Público Mineiro (APM).: Acesso em:

http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/grandes_formatos/brtacervo.php?cid=241

09/11/2014.

46

Data de produção provável.

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