universidade federal do cearÁ centro de ciÊncias ... · troca iônica em matriz de deae-celulose...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE BIOQUÍMICA E BIOLOGIA MOLECULAR
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOQUÍMICA
RENATO MARTINS ANDRADE
CARRAGENANAS DA ALGA MARINHA VERMELHA Solieria filiformis:
CARACTERIZAÇÃO ESTRUTURAL E AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE
CICATRIZANTE
FORTALEZA
2016
RENATO MARTINS ANDRADE
CARRAGENANAS DA ALGA MARINHA VERMELHA Solieria filiformis:
CARACTERIZAÇÃO ESTRUTURAL E AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE
CICATRIZANTE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Bioquímica da Universidade
Federal do Ceará, como requisito parcial à
obtenção do título de mestre em Bioquímica.
Área de concentração: Bioquímica Vegetal.
Orientadora: Profa. Dra. Norma Maria Barros
Benevides.
Coorientadora: Dra. Natássia Albuquerque
Ribeiro.
FORTALEZA
2016
A Deus.
À minha família.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida, pelas oportunidades, por me conceder saúde, disposição,
determinação, força e sabedoria para conquistar meus objetivos.
À professora Dra. Norma Maria Barros Benevides, por ter me acolhido em seu
laboratório, pelos ensinamentos e por me orientar durante os dois anos de mestrado com muita
dedicação e disponibilidade.
À Dra. Natássia Albuquerque Ribeiro, por todos os ensinamentos, pela
colaboração nos experimentos e por sua dedicação em me coorientar.
Ao professor Dr. Vitor Hugo Pomin, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), por ter me recebido em seu laboratório e por sua essencial colaboração na realização
dos experimentos de caracterização estrutural.
Ao professor Dr. Renato de Azevedo Moreira e a Dra. Ana Luíza Gomes
Quinderé, por gentilmente terem aceitado integrar a banca examinadora deste trabalho.
A todos da farmácia de manipulação Magistral Medicina e Estética, pela
colaboração na formulação dos géis.
Aos amigos Ismael Nilo, Kátia Ribeiro, Ariévilo Rodrigues, por me receberem em
sua residência no Rio de Janeiro e pelas valiosas contribuições nos experimentos de
ressonância magnética nuclear.
Ao colega Felipe Bezerra pela ajuda na interpretação dos resultados de
ressonância magnética nuclear.
Ao colega Gustavo Ramalho pela ajuda nos experimentos de composição
monossacarídica.
À Associação dos Produtores de Algas de Flecheiras e Guajirú (APAFG), pelo
cultivo da macroalga marinha vermelha Solieria filiformis.
Ao casal de amigos e companheiros de jornada Rogênio Mendes e Kueirislene
Amâncio, pela amizade, incentivo, colaboração e companheirismo.
Aos amigos e ex-professores Ana Angélica e Laécio Macêdo, pela amizade,
conselhos, dedicação, incentivos e por sempre acreditarem no meu potencial.
À minha querida mãe Antônia Irenilda, por todo amor, apoio, dedicação, cuidado
e pela compreensão nos momentos em eu precisei estar ausente.
Aos meus irmãos Ricardo Martins e Henrique Martins, pelo carinho, incentivo e
apoio.
A todos do laboratório de Carboidratos e Lectinas (CARBOLEC) com quem tive a
oportunidade de conviver e aprender: Acrísio Uchôa, Andressa Alexandre, Chistiane Coura,
Cirlânio Albuquerque, Edna Silva, Felipe Barros, Fernanda Pires, George Meredite, Géssica
Hellen, Helaynne Gomes, Ianna Wivianne, José Gerardo, Luiz Miranda, Marjory Holanda,
Neto Silva, Patrício Servente, Pedro Nonato, Pietro Danziato, Raquel, Ramon Mota, Rayena
Koana, Dantas, Renata Rivanor, Roberta Cristiane, Ticiana Abreu, Ticiana Lima, Valdécio
Silvano, Willame Alves.
À Melissa Ribeiro e Andrei dos Santos, que fizeram parte no desenvolvimento
deste trabalho, colaborando com os experimentos e como meus alunos de Iniciação Científica.
Aos Amigos Ricardo Basto, Annyta Frota e Vitória Virgínia por todas as
colaborações nos experimentos, pelos conselhos e amizade.
À Universidade Federal do Rio de Janeiro, através do Instituto de Bioquímica
Médica.
À Universidade Federal do Ceará e a todos do Departamento de Bioquímica e
Biologia Molecular.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a
Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP), pelo
apoio financeiro com a manutenção da bolsa de auxílio.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
pelo apoio financeiro dos projetos desenvolvidos no Laboratório de Carboidratos e Lectinas.
“Nenhuma grande descoberta foi feita jamais
sem um palpite ousado.”
(Isaac Newton)
RESUMO
Nas macroalgas marinhas vermelhas (Rhodophytas) os polissacarídeos sulfatados estão
presentes majoritariamente na forma de galactanas sulfatadas, subdividindo-se em
carragenanas e agaranas. O estudo destes polissacarídeos se justifica pelo fato de serem
descritos na literatura como possuidores de várias atividades biológicas, tais como
anticoagulante, antitrombótica, antioxidante, antiviral, antitumoral, imunomodulatória,
antinociceptiva, anti-inflamatória, pró-inflamatória, gastroprotetora, ansiolítica, dentre outras.
Entretanto, não há relatos da atividade cicatrizante de polissacarídeos sulfatados de algas
marinhas. No presente trabalho, determinou-se a caracterização estrutural de carragenanas da
alga marinha vermelha Solieria filiformis e avaliou-se a atividade cicatrizante de géis
formulados com as referidas carragenanas, em modelo de feridas induzidas em camundongos.
As carragenanas foram obtidas por extração enzimática, fracionadas por cromatografia de
troca iônica em matriz de DEAE-celulose e caracterizadas por espectroscopia de
infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) e ressonância magnética nuclear (RMN),
sendo as frações (Sf I e Sf II) constituídas por um híbrido do tipo k- e ι-carragenana. Ambas
as frações híbridas apresentaram potencial não irritante dermal e atividade cicatrizante em
modelo de feridas induzidas em camundongos. No entanto, a carragenana constituída por
kappa (30%) e iota (70%), na concentração de 10 mg/mL, foi a que evidenciou um melhor
efeito no processo de cicatrização. Sugerindo assim, uma nova aplicabilidade biológica da
referida carragenana no processo de cicatrização de feridas cutâneas.
Palavras-chave: κ-carragenana. ι-carragenana. Cicatrização.
ABSTRACT
In Red seaweeds (Rhodophyta) the sulfated polysaccharides are present mostly in the form of
galactans sulfated subdividing themselves in carrageenan and agaranas. The study of these
polysaccharides is justified by the fact that they are described in the literature as having
various biological activities such as anticoagulant, antithrombotic, antioxidant, antiviral,
anti-tumor, immunomodulatory, antinociceptive, anti-inflammatory, pro-inflammatory,
gastroprotective, anxiolytic, among others. However, there are no reports of healing activity
of sulfated polysaccharides from seaweed. In this study, we determined the structural
characterization of carrageenan from red seaweed Solieria filiformis and evaluated the healing
activity gels formulated with these carrageenan in model induced in mice wounds. The
carrageenans were obtained by enzymatic extraction and fractionated by ion exchange
chromatography on DEAE-cellulose matrix and characterized by infrared Fourier transform
spectroscopy (FT-IR) and nuclear magnetic resonance (NMR), and the fractions (SF I and sf
II) composed of a hybrid of k- and ι-carrageenan type. Both hybrid fractions showed no
irritant potential dermal and healing activity model induced in mice wounds. However, the
carrageenan consisting of kappa (30 %) and iota (70 %) at the concentration of 10 mg/mL,
which was showed a better effect on healing. Thus suggesting a new biological applicability
of said carrageenan in the healing process of cutaneous wounds.
Keywords: κ-carrageenan. ι-carrageenan. Healing.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Estrutura química repetitiva de carragenanas com unidades D-alternantes ...... 18
Figura 2 – Estrutura química repetitiva de agaranas com unidades L-alternantes ............. 18
Figura 3 – Estruturas químicas de unidades diméricas de carragenanas comerciais .......... 19
Figura 4 – Alga marinha vermelha Solieria filiformis ........................................................ 29
Figura 5 – Fluxograma da extração de polissacarídeos sulfatados totais ........................... 31
Figura 6 – Camundongos tricotomizados para o teste de irritabilidade dermal ................. 35
Figura 7 – Corrida eletroforética em gel de agarose .......................................................... 39
Figura 8 – Monossacarídeos detectados ............................................................................................ 42
Figura 9 – Espectros de infravermelho dos polissacarídeos sulfatados totais de S.
filiformis ............................................................................................................................. 44
Figura 10 – Espectros de infravermelho da fração Sf I de S. filiformis .............................. 45
Figura 11 – Espectros de infravermelho da fração Sf II de S. filiformis ............................. 46
Figura 12 – Espectros unidimensionais da fração Sf I e de carragenanas comerciais......... 47
Figura 13 – Espectro bidimensional 1H/
13C – HSQC editado da fração Sf I de S.
filiformis .............................................................................................................................. 48
Figura 14 – Espectros unidimensionais da fração Sf II e de carragenanas comerciais ....... 50
Figura 15 – Espectro bidimensional 1H/
13C – HSQC editado da fração Sf II de S.
filiformis. ............................................................................................................................. 51
Figura 16 – Estrutura química da carragenana presente na fração Sf II. ............................. 52
Figura 17 – Avaliação da irritabilidade dermal dos controles e dos géis da fração Sf I. ....... 53
Figura 18 – Avaliação da irritabilidade dermal dos controles e dos géis da fração Sf II. ...... 54
Figura 19 – Teste de irritabilidade dermal dos controles e dos géis da fração Sf I ............. 55
Figura 20 – Teste de irritabilidade dermal dos controles e dos géis da fração Sf II ............ 55
Figura 21 – Aspectos macroscópicos das lesões tratadas com os controles e os géis da
fração Sf I. ............................................................................................................................ 57
Figura 22 – Contração da área das lesões tratadas com os controles e os géis da fração
Sf I ....................................................................................................................................... 58
Figura 23 – Aspectos macroscópicos das lesões tratadas com os controles e os géis da
fração Sf II. .......................................................................................................................... 59
Figura 24 – Contração da área das lesões tratadas com os controles e os géis da fração
Sf II ...................................................................................................................................... 60
Figura 25 – Cicatrização das lesões tratadas com os controles e os géis da fração Sf II .... 61
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Análise físico-química dos polissacarídeos sulfatados de Solieria filiformis ...... 40
Tabela 2 - Composição monossacarídica ............................................................................. 42
Tabela 3 - Absorbâncias de espectros de infravermelho de carragenanas kappa, iota e
lambda ................................................................................................................................. 43
Tabela 4 - Deslocamentos químicos de 1H e
13C da carragenana presente na fração Sf I. .. 49
Tabela 5 - Deslocamentos químicos de 1H e
13C da carragenana presente na fração Sf II. . 51
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
C Carbono
kDa Kilodaltons
RMN Ressonância magnética nuclear
IL-1
IL-6
Interleucina 1
Interleucina 6
TNF-α
FGT-β
PDGF
VEGF
FGF
EGF
TGF-β
KGF
PST
Sf I
Sf II
UFC
UFRJ
COBEA
CEUA
v
V
g
mg
μg
μL
M
mM
mL
nm
Min
Do inglês “Tumor necrosis factor alpha”
Do inglês “Tumor growth factor beta”
Do inglês “Platelet-derived growth factor”
Do inglês “Vascular endothelial growth factor”
Do inglês “Fibroblast growth factor”
Do inglês “Endothelial factor growth”
Do inglês “Transforming factor growth beta”
Do inglês “ Factor growth keratinocyte”
Polissacarídeos sulfatados totais
Fração polissacarídica sulfatada eluída com 0,5 M de NaCl
Fração polissacarídica sulfatada eluída com 0,75 M de NaCl
Universidade Federal do Ceará
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Colégio Brasileiro de Experimentação Animal
Comissão de Ética no Uso de Animais
Volume
Volts
Grama
Miligrama
Micrograma
Microlitro
Molar
Milimolar
Mililitro
Nanômetro
Minuto
pH
EDTA
CPC
DEAE-celulose
ADM
BSA
h
HCl
NaCl
CGMS
FTIR
KBr
MHz
HSQC-ED
i.p.
Kg
cm2
mm
PE
II
PF
PN
PC
TG
ANOVA
1D
2D
Potencial hidrogeniônico
Etilenodiaminotetracético
Do inglês “Cetylpyridinium chloride”
Dietilaminoetil-celulose
Azul de 1,9-dimetilmetileno
Albumina sérica bovina
Hora
Ácido clorídrico
Cloreto de sódio
Do inglês “Gas chromatography/mass spectrometry”
Do inglês “Fourier transform infrared spectroscopy”
Brometo de potássio
Mega hertz
Do inglês “Hetronuclear Single Quantum Coherence – Editing”
Intraperitoneal
Kilograma
Centímetros quadrados
Milimetro
Presença de epitelização
Infiltrado inflamatório
Presença de fibroblastos
Presença de neovasos
Presença de colágeno
Tecido de granulação
Análise de variância
Unidimensional
Bidimensional
LISTA DE SÍMBOLOS
Α Alfa
Β Beta
Ι Iota
Κ Kappa
Λ Lambda
Μ Mu
Ν Nu
%
ºC
Porcentagem
Graus Celsius
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................. 14
1.1 Algas marinhas ................................................................................................... 14
1.2 Polissacarídeos sulfatados de algas marinhas .................................................. 16
1.3 Características estruturais de galactanas sulfatadas ...................................... 17
1.4 Atividades biológicas de polissacarídeos sulfatados de algas marinhas ........ 20
1.4.1 Polissacarídeos sulfatados da espécie Solieria filiformis .............................. 21
1.5 Feridas cutâneas ................................................................................................. 21
1.6 Fisiologia da cicatrização ................................................................................... 22
1.6.1 Fase de hemostasia ......................................................................................... 23
1.6.2 Fase inflamatória .......................................................................................... 24
1.6.3 Fase de proliferação ....................................................................................... 24
1.6.4 Fase de remodelamento tecidual .................................................................... 25
1.7 Polissacarídeos utilizados na cicatrização de feridas cutâneas ....................... 26
2 OBJETIVOS ....................................................................................................... 28
2.1 Geral ..................................................................................................................... 28
2.2 Específicos ............................................................................................................ 28
3 MATERIAIS E MÉTODOS ............................................................................... 29
3.1 Materiais .............................................................................................................. 29
3.1.1 Coleta e identificação da alga marinha ......................................................... 29
3.1.2 Animais ........................................................................................................... 30
3.2 Métodos ................................................................................................................ 30
3.2.1 Extração de polissacarídeos sulfatados totais (PST) ..................................... 30
3.2.2 Fracionamento dos PST por cromatografia de troca iônica ........................ 32
3.2.3 Eletroforese em gel de agarose....................................................................... 32
3.2.4 Caracterização físico-química e estrutural .................................................... 32
3.2.4.1 Quantificação de carboidratos totais .............................................................. 32
3.2.4.2 Quantificação de contaminantes proteicos ..................................................... 33
3.2.4.3 Quantificação de sulfato livre ......................................................................... 33
3.2.4.4 Composição monossacarídica ......................................................................... 33
3.2.4.5 Espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) ....... 33
3.2.4.6 Espectroscopia de ressonância magnética nuclear (RMN) ............................ 34
3.2.5 Formulação dos géis ....................................................................................... 34
3.2.6 Teste de irritabilidade dermal ......................................................................... 34
3.2.6.1 Parâmetros macroscópicos ............................................................................. 35
3.2.7 Avaliação da atividade cicatrizante ................................................................ 35
3.2.7.1 Avaliação e medida da área das lesões ........................................................... 36
3.2.8 Análises estatísticas ........................................................................................ 37
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES ...................................................................... 38
4.1 Rendimento dos polissacarídeos sulfatados totais (PST) ................................. 38
4.2 Rendimento do fracionamento dos PST ............................................................ 38
4.3 Perfil eletroforético em gel de agarose ............................................................... 39
4.4 Caracterização físico-química ............................................................................ 40
4.5 Caracterização estrutural ................................................................................... 41
4.5.1 Composição monossacarídica ........................................................................ 41
4.5.2 Espectros de FTIR .......................................................................................... 42
4.5.3 Espectros de ressonância magnética nuclear ................................................ 47
4.6 Avaliação da irritabilidade dermal das frações polissacarídicas sulfatadas .. 52
4.7 Atividade cicatrizante das frações polissacarídicas sulfatadas ....................... 56
5 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 62
REFERÊNCIAS .................................................................................................. 63
ANEXO - Certificado de aprovação pela Comissão de Ética no Uso de
Animais ....................................................................................................................... 75
14
1 INTRODUÇÃO
1.1 Algas marinhas
As algas constituem-se em uma grande diversidade de organismos que, na sua
maioria, estão apenas remotamente relacionados uns aos outros. Além disso, sendo produtores
primários as algas apresentam funções biológicas e ecológicas semelhantes as plantas, apesar
de não compartilharem uma história evolutiva comum e sua bioquímica diferir
significativamente. A grande variedade de algas pode ser explicada com base em relações
taxonômicas ou filogenéticos, estágio de vida, reprodução, desenvolvimento, estrutura
morfológica e celular, composição química e habitats ocupados por diferentes grupos
(STENGEL; CONNAN; POPPER, 2011).
Abrangendo um grupo heterogêneo de organismos fotossintetizantes, as algas
atuam como produtoras da maior parte do oxigênio da Terra e necessárias para o metabolismo
dos organismos consumidores (KILINÇ et al., 2013). A matéria orgânica é sintetizada a partir
do consumo de dióxido de carbono, água, captação de energia solar e absorção de nutrientes
presentes na água, desse modo, esse processo é fundamental para a sustentação de todas as
formas de vida e para a estruturação de muitos sistemas aquáticos (TEIXEIRA, 2002). As
algas marinhas representam a base da cadeia alimentar nos oceanos. Sua distribuição depende
da temperatura, disponibilidade de luz solar, correntes oceânicas, salinidade da água e das
condições físicas e químicas do ambiente (EL GAMAL, 2010).
Predominantemente aquáticas, as algas podem ser encontradas nos oceanos, águas
estuarinas, dulcícolas e em superfícies úmidas. Em regiões tropicais, esses organismos
ocorrem com grande variedade de espécies, diferente dos encontrados em zonas temperadas,
que apresentam maior biomassa disponível (TEIXEIRA, 2002). As algas variam bastante em
tamanho, podendo apresentar de 3-10 µm como as algas unicelulares (microalgas) ou mais de
70 m de comprimento como as gigantes kelps (macroalgas), apresentando variação
morfológica extremamente diversa (VIDOTTI; ROLLEMBERG, 2004). Entre os organismos
marinhos, as macroalgas se destacam como fonte de compostos biomédicos (MANILAL et
al., 2010).
As algas estão incluídas no Reino Protista, pois se diferenciam dos vegetais
superiores (Reino Plantae) por serem desprovidas de raízes, caule, folhas e frutos, quando
comparadas a outros grupos de plantas, principalmente as vasculares (RAVEN; EVERT;
EICHHORN, 2014). A classificação das algas está em constante evolução à medida que mais
15
evidências genéticas e de ultraestruturas são descobertas. Do ponto de vista botânico, as
macroalgas são classificadas de acordo com a organização celular, filogenia molecular, ciclo
reprodutivo, polissacarídeos de reserva e quantidade de pigmentos em: Chlorophyta (algas
verdes), devido à predominância das clorofilas “a” e “b”; Phaeophyta (algas pardas) pela
presença majoritária dos pigmentos xantofila e fucoxantina; Rhodophyta (algas vermelhas)
pela presença predominante dos pigmentos ficoeritrina e ficocianina (BARSANTI;
GUALTIERI, 2006; GUPTA; ABU-GHANNAM, 2011).
As algas vermelhas apresentam grande variedade, sendo encontradas desde
regiões tropicais até ambientes frios. Existe cerca de 6000 espécies de algas vermelhas, a
maioria de habitat marinho e cerca de 100 espécies de ambiente de água doce. Possuem
coloração avermelhada devido à presença majoritária do pigmento ficoeritrina, e em menor
quantidade dos pigmentos ficocianina e aloficocianina. Apresentam o “amido das florídeas”
como principal polissacarídeo de reserva. São predominantemente dotadas de estrutura
multicelular, filamentosa ou pseudoparenquimatosa, com ou sem ramos, podendo ser
encontradas na forma cilíndrica ou foliácea (RAVEN; EVERT; EICHHORN, 2007).
As algas utilizam diversas estratégias reprodutivas e de síntese de inúmeras
classes de compostos bioativos, os quais estão normalmente envolvidos nos processos
metabólicos (primário e secundário), responsáveis pelas mais diversas funções biológicas
comuns a todos os seres vivos ou particulares de grupos taxonômicos específicos. A
investigação de muitos de seus metabólitos (polissacarídeos, lipídios, alcalóides, terpenóides,
entre outros.) tem despertado o interesse de diversos grupos de pesquisa no Brasil e exterior
(TEIXEIRA, 2002).
Em muitos países, as algas são amplamente utilizadas na medicina popular devido
a seus efeitos benéficos à saúde, e na indústria alimentícia, por apresentarem altas
concentrações de polissacarídeos, fibras, minerais, ácidos graxos poli-insaturados, vitaminas,
antioxidantes e baixo teor de lipídeos, que tornam as algas uma fonte de alimento saudável
(HOLDT; KRAAN, 2011; VO; KIM, 2013).
Além da utilização para fins alimentares, as algas ainda produzem inúmeros
compostos químicos que têm revelado importantes resultados nas mais variadas aplicações
biológicas e industriais (CRAIGIE, 2011; AHMED et al., 2014; MARTINS et al., 2014). E
metabólitos com potencial econômico, inclusive farmacológico, como proteínas (lectinas),
aminoácidos, compostos halogenados e principalmente polissacarídeos sulfatados, que fazem
destes organismos foco das mais diversas pesquisas biomédicas (O’SULLIVAN et al., 2010;
MAYER et al., 2013).
16
1.2 Polissacarídeos sulfatados de algas marinhas
Polissacarídeos sulfatados são descritos como uma classe de macromoléculas
bioativas, polianiônicas complexas e heterogêneas formadas por unidades repetitivas de um
único tipo de monossacarídeo ou de diferentes tipos, e carregadas negativamente, devido
principalmente à substituição de alguns dos grupos hidroxila dos resíduos de carboidrato por
grupamentos sulfato (PÉREZ-RECALDE et al., 2014).
Estes polissacarídeos são encontrados em gramíneas marinhas (AQUINO et. al.,
2005), em animais mamíferos e invertebrados (MOURÃO, 2007), fungos (CARDOZO et al.,
2011), plantas (DANTAS-SANTOS et al., 2012) e em altas concentrações nas algas marinhas,
com estruturas químicas que variam de acordo com a espécie (COSTA et al., 2010;
RODRIGUES et al., 2009;), compondo a matriz extracelular e atuando como mecanismo de
defesa (ANDRADE et al., 2010). Além de proteger contra desidratação durante a maré baixa,
o que justificaria o maior teor de polissacarídeos sulfatados nas algas no nível entre marés
(DANTAS-SANTOS et al., 2012; MICHELOTTI; IODICE, 2010).
Nas macroalgas marinhas os polissacarídeos sulfatados estão presentes
majoritariamente na forma de arabino-galactanas, ramnanas ou ulvanas, nas Chlorophytas
(PERCIVAL; McDOWELL, 1967), em fucanas sulfatadas, nas Phaeophytas (BERTEAU;
MULLOY, 2003), e galactanas sulfatadas, subdividindo-se em carragenanas e agaranas, nas
Rhodophytas (PAINTER, 1983). Além de carragenanas e agaranas as algas vermelhas
sintetizam outros polissacarídeos sulfatados contendo diversas substituições envolvendo
grupos sulfatos, metoxilas e ácido pirúvico (JIAO et al., 2011).
As carragenanas possuem propriedades estabilizantes, espessante e gelificante,
além de características como biodegradabilidade, biocompatibilidade, resistência mecânica de
seus géis e elevada capacidade de retenção de água (PRAJAPATI et al., 2014). Devido a essas
propriedades as carragenanas são amplamente utilizadas na indústria alimentícia. Sendo ainda
empregadas na fabricação de cosméticos e como excipientes de medicamentos pela indústria
farmacêutica devido a suas excelentes compatibilidade e viscoelasticidade (CAMPO et al.,
2009).
Atualmente, a carragenana é usada principalmente como matriz de polímero na
forma de comprimidos de liberação prolongada por via oral, como um auxiliar de extrusão
para a produção de pellets e como um carreador/estabilizador em sistemas de micro e
nanopartículas (LI et al., 2014). Em ensaios laboratoriais a carragenana é utilizada para
induzir inflamação em testes de agentes anti-inflamatórios. O modelo de edema em pata de
17
rato induzido por carragenana é o mais adotado para determinar a atividade anti-inflamatória,
com a vantagem de produzir resposta em doses abaixo do nível tóxico (PRAJAPATI et al.,
2014).
Agaranas possuem a capacidade de formar gel em pequenas concentrações de
água, sendo assim conhecido genericamente como ficocolóide (ARMISEN, 1995). Na
indústria alimentícia as agaranas são amplamente utilizadas na produção de gelatinas, queijos,
enlatados e doces. Na fabricação de laxantes, agentes emulsificantes e estabilizantes de
medicamentos pela indústria farmacêutica (RINAUDO, 2008).
1.3 Características estruturais de galactanas sulfatadas
Galactanas sulfatadas são constituídas por uma cadeia linear formada por
unidades dissacarídicas repetitivas de β-D-galactose ligadas através do C-1 e C-3 e α-
galactose através do C-1 e C-4, sendo as unidades de α-galactose também encontradas na
forma 3,6-anidrogalactose (POMIN; MOURÃO, 2008).
Apesar de possuírem uma estrutura básica repetitiva, as galactanas sulfatadas de
diferentes espécies de algas apresentam ampla variedade estrutural, uma vez que podem
apresentar diferentes tipos de substituintes em sua cadeia principal (ERREA;
MATULEWICZ, 2003), como a presença dos grupos éter metílico no C-6 ou sulfato nos C-2,
C-4 ou C-6, na unidade A, e no C-2, C-3 ou C-4 na unidade B (PAINTER, 1983).
As galactanas sulfatadas comumente apresentam altas massas moleculares
(≥ 100 kDa) e densidade de carga altamente eletronegativa devido à presença de grupos éster
sulfato. Suas interações intermoleculares com proteínas específicas, suscitando suas
atividades biológicas, têm sido consideradas estéreo-específicas e não uma mera consequência
de interações de cargas (POMIN, 2010). A caracterização da estrutura química dos
polissacarídeos sulfatados de algas marinhas é imprescindível para relacionar detalhes
estruturais com propriedades físico-químicas e suas diferentes atividades biológicas (USOV;
BILAN, 2009).
A determinação estrutural de novas moléculas a partir de fontes naturais tem
proporcionado o desenvolvimento de novos agentes terapêuticos e a compreensão da ação
destes compostos em determinadas doenças. O surgimento de técnicas espectroscópicas
modernas revolucionou o processo de determinação estrutural (SUYAMA et al., 2011).
A ressonância magnética nuclear (RMN) é considerada na atualidade a técnica
mais avançada e rica em informações para caracterizar a estrutura de biomoléculas. A
18
qualidade das informações obtidas por meio da espectroscopia de RMN não é superada por
nenhuma técnica analítica. Diversos métodos experimentais estão disponíveis para RMN
bimolecular, compreendendo experimentos unidimensionais ou multidimensionais, tais como
homo e heteronucleares. O número e as combinações de sequências de pulso, transferência de
magnetização através de diferentes isótopos (geralmente 1H,
13C e
15N), geram várias
permutações que contribuem para solucionar questionamentos estruturais (POMIN, 2014a).
As carragenanas e agaranas são galactanas sulfatadas que diferem na configuração
enantiomérica da α-galactose, sendo atribuída à série D para as carragenanas (Figura 1), e L
para agaranas (Figura 2). Estudos estruturais mais avançados revelaram um terceiro grupo de
galactanas, o hibrido D/L, onde as unidades de α-galactose apresentam configuração D ou L na
mesma molécula (ESTEVEZ; CIANCIA; CEREZO, 2004).
O
OO
O
OR
HO
OH
CH2OR R'OH2C
HO
n
Fonte: Elaborada pelo autor. Grupos substituintes: R = H ou CH3; R’ = H ou SO-
3.
Figura 1 - Estrutura química repetitiva de carragenanas com unidades D-alternantes.
Fonte: Elaborada pelo autor. Grupo substituinte: R = H ou SO-
3.
Figura 2 - Estrutura química repetitiva de agaranas com unidades L-alternantes.
CH2OR
RO
OR HO OR
n
O
OO
O O
CH2OR
19
A classificação das carragenanas é realizada de acordo com o número e posição
dos grupos sulfato na unidade α-D-galactose, e a presença de 3-6-anidrogalactose no resíduo
de galactose 4-O-ligado (unidade B). Deste modo, são geralmente classificadas com base em
suas características estruturais (VAN DE VELDE et al., 2002). A classificação das agaranas
não é tão específicas quanto à das carragenanas (STORTZ; CEREZO, 2000).
Tem sido descrita na literatura a ocorrência de 15 diferentes estruturas de
carragenanas (JIAO et al., 2011). Dentre estas, destacam-se comercialmente seis formas
básicas: Iota ()-, Kappa ()-, Lambda ()- Mu (µ)-, Nu (v)- e Theta (ɵ)-carragenanas, como
demonstradas na Figura 3, todas contendo cerca de 22-38% de grupos sulfatos (CAMPO et
al., 2009).
Fonte: Adaptado de Campo et al., 2009.
- OH
enzima
O
OH
O
OH
O
O
O
OH
O
-O3SOO
OOH
O
OH
O
OSO-3
HOOH
-O3SO
O
OOH
O
OH
O
HO
OSO-3
-O3SO
-O3SO
O
OH
OO
OH
O
O-O3SO
OSO-3
- OH
enzima
OH
O
O
OH
O
O
HO
OSO-3
-O3SO
-O3SO
OH
O
OSO-3
OO
OH
O
O
OSO-3
- OH
enzima
μ-carragenana κ-carragenana
ν-carragenana ι-carragenana
λ-carragenana θ-carragenana
Figura 3 – Estruturas químicas de unidades diméricas de carragenanas comerciais.
20
As agaranas são estruturalmente semelhantes às carragenanas, sendo constituídas
por unidades de β-D-galactose (unidade A) e α-L-galactopiranose (unidade B), diferindo,
portanto, das carragenanas pela forma estereoquímica L na unidade B. Assim como nas
carragenanas, essa unidade pode estar na forma de seu derivado 3,6-anidrogalactose
(FERREIRA, 2011).
1.4 Atividades biológicas de polissacarídeos sulfatados de algas marinhas
Algas marinhas são importantes fontes de compostos bioativos estruturalmente
diversos, os quais apresentam diversas atividades biológicas. (WIJESEKARA; YOON; KIM,
2011). Dentre estes compostos que tem despertado interesse biomédico e biotecnológico,
destacam-se as lectinas e os polissacarídeos sulfatados.
Por apresentarem grande variedade de estruturas, os polissacarídeos obtidos de
organismos marinhos são considerados uma importante fonte natural de compostos para a
prospecção de novos fármacos (SENNI et al., 2011). As aplicações dos polissacarídeos
sulfatados de algas marinhas como agentes terapêuticos têm sido pesquisado intensamente no
campo acadêmico e científico (NA et al., 2010).
Estudos demonstraram que as propriedades biológicas dos polisscarídeos
sulfatados dependem do padrão de sulfato, densidade de cargas, estrutura química,
conformação de cadeia e peso molecular (ZHANG et al., 2008), além de apresentarem
toxicidade relativamente baixa (TALARICO et al., 2005) e risco mínimo de contaminação por
partículas virais (LEITE et al., 1998).
O estudo destes polissacarídeos se justifica pelo fato de serem descritos na
literatura como possuidores de várias atividades biológicas, tais como anticoagulante,
antitrombótica (POMIN, 2014b; QUEIROZ et al., 2014), antioxidante e gastroprotetora
(SOUSA et al., 2016), antiviral (MENDES, 2014; VANDERLEI et al., 2016), antiadesiva
(ROCHA et al., 2001), antitumoral e imunomodulatória (FEDOROV et al., 2013),
antinociceptiva (CARNEIRO et al., 2014; QUINDERÉ et al., 2013, RIBEIRO et al., 2014),
anti-inflamatória (ARAÚJO et al., 2016; COURA et al., 2015), pró-inflamatória (SILVA et al.,
2010; BANDYOPADHYAY et al., 2011), ansiolítica (MONTEIRO et al., 2016).
21
1.4.1 Polissacarídeos sulfatados da espécie Solieria filiformis
Estudos relataram algumas atividades biológicas de frações polissacarídicas
sulfatadas da alga marinha vermelha Solieria filiformis. Rodrigues et al. (2010) reportaram
que suas frações são capazes de alterar a coagulação sanguínea, porém com atividade
anticoagulante in vitro inferior à da heparina. Adicionalmente, Assreuy et al. (2010)
mostraram que uma fração polissacarídica sulfatada de S. filiformis apresentou efeito
edematogênico e relaxante no endotélio vascular in vitro.
Araújo et al. (2011) estudaram os efeitos de uma fração polissacarídica sulfatada
da alga marinha vermelha S. filiformis utilizando modelos clássicos de nocicepcão e
inflamação aguda. A pesquisa demonstrou que o composto foi eficaz como agente analgésico
via mecanismo de ação periférica. Sua atividade edematogênica in vivo sugeriu o
envolvimento de prostaglandinas, óxido nítrico e citocinas primárias (IL-1 e TNF-α), além de
não apresentar sinais visíveis de toxicidade in vivo. Recentemente, Sousa et al. (2016),
demonstraram que uma fração polissacarídica de S. filiformis possui atividade antioxidante e
gastroprotetora em lesões induzidas por etanol. Porém, não há na literatura relatos de estudos
com frações polissacarídicas sulfatadas de S. filiformis em modelos de cicatrização ou
irritabilidade dermal.
1.5 Feridas cutâneas
As feridas ou lesões cutâneas surgem quando ocorre a ruptura do tecido cutâneo-
mucoso, alterando sua estrutura anatômica e/ou fisiológica. Pode ser ocasionada por
exposição a traumas de origem química, mecânica, física ou microbiológica (LEITE, 2014;
LIMA, 2010). São classificadas de acordo com a sua etiologia em: agudas e crônicas, em
relação à intensidade podem ser: superficiais ou profundas (CHAYAMITI et al., 2011).
Feridas agudas ocorrem em decorrência de queimaduras, lesões traumáticas,
abrasões ou procedimentos cirúrgicos, em que a cicatrização completa ocorre em tempo
adequado (BOATENG et al., 2008; LI; CHEN; KIRSNER, 2007). No entanto, as feridas
crônicas apresentam atraso no reparo do tecido lesionado, que não cicatriza mesmo depois de
decorridas 12 semanas da lesão. Esse atraso é causado por uma falha nos estágios iniciais da
cicatrização ou devido às etapas do processo de cicatrização não estarem ocorrendo de modo
ordenado, prolongando o tempo de inflamação e provocando a incapacidade cicatricial
(MENKE et al., 2008; YOUNG; MCNAUGHT, 2011).
22
As úlceras de pernas (diabéticas, isquêmicas e venosas) e úlceras de pressão, são
os tipos de feridas com maior dificuldade de cicatrização. Esse tipo de lesão afeta
principalmente as pessoas idosas, e à medida que as úlceras cronificam, os pacientes tendem a
sofrer com reincidência destas, que podem até mesmo causar a morte dos pacientes (JAUL,
2004).
O retardo da cicatrização de feridas é um dos principais problemas terapêuticos e
econômicos da medicina. Diversos recursos são disponibilizados para auxiliar no processo de
cicatrização e na aplicação de curativos e técnicas para o tratamento de feridas
(MANDELBAUM; DI SANTIS, 2003). Apesar desta grande disponibilidade de recursos,
novos métodos que sejam mais eficazes no reparo de feridas têm sido buscados. Os métodos
estudados atualmente incluem tanto o uso de terapias alopáticas quanto de terapias
complementares, sendo parte destas a utilização de bioprodutos que há séculos são aplicadas
empiricamente, mas que atualmente vem recebendo maior atenção em estudos científicos
(SCHREML et al., 2010).
1.6 Fisiologia da cicatrização
A cicatrização de feridas é um processo sistêmico e dinâmico que está diretamente
relacionado a diversos tipos celulares, fatores de crescimento, citocinas e componentes da
matriz extracelular (colágeno, elastina e fibras reticulares), que são ativados imediatamente
após a injúria com a finalidade de regenerar o tecido lesionado, quer a lesão tenha sido
traumática ou necrótica. A reconstituição do tecido pode ser desenvolvida pelo mecanismo de
reparação ou regeneração, sendo o primeiro responsável pela formação de uma cicatriz
(PANOBIANCO et al., 2012; REINKE; SORG, 2012; YOUNG; MCNAUGHT, 2011).
Após a lesão, uma série de eventos bioquímicos se estabelece para reparar a ferida
(PAGANELA et al., 2009) e promover a cicatrização. Os eventos que desencadeiam a
cicatrização são guiados por mediadores bioquímicos, descritos em diferentes fases, que estão
relacionados aos principais episódios observados na cicatrização (LIMA et al., 2012).
Os eventos biológicos que caracterizam o reparo tecidual devem ocorrer com
intensidade adequada, em sequencia correta e duração controlada. No entanto, vários fatores
podem influenciar negativamente na cicatrização, como, infecção bacteriana que prolonga a fase
inflamatória, devido ao aumento na produção de citocinas pró-inflamatórias (GUO; DIPIETRO,
2010) e deficiência de nutrientes, visto que os processos bioquímicos requerem nutrientes para
23
proliferação e diferenciação celular, síntese de fatores de crescimento e citocinas (BROWN;
PHILLIPS, 2010).
A reconstituição tecidual ocorre em quatro fases distintas, sucessivas e precisamente
programadas, ainda que não aconteçam em um período de tempo preciso: hemostasia, inflamação,
proliferação celular e remodelação tecidual (MAHDAVIAN et al., 2011).
1.6.1 Fase de hemostasia
Esta fase é iniciada logo após a injúria tecidual e persiste por até 6 horas,
procedida pela inflamação (NAWAZ; BENTLEY, 2010). Imediatamente após a lesão, ocorre
a vasoconstrição, primeira resposta dos vasos sanguíneos à injúria, que é mediada pela
norepinefrina, secretada pelos vasos sanguíneos rompidos, e pela serotonina, secretada pelas
plaquetas e mastócitos, impedindo, deste modo, a hemorragia e consequentemente o
extravasamento de fluidos e proteínas. As plaquetas entram em contato e se aderem às fibras
de colágeno expostas no local da lesão (STRECKER-MCGRAW; JONES; BAER, 2007).
O endotélio lesionado expõe fibras de colágeno, onde as plaquetas irão se agregar
liberando o conteúdo de seus grânulos que ativam as cascatas intrínseca e extrínseca da
coagulação (GANTWERKER; HOM, 2012). Com a cascata de coagulação ativada, a
protrombina é convertida em trombina, resultando na quebra de fibrinogênio em fibrina e na
formação de um tampão rico em fibrina sobre o local da lesão (YOUNG; MCNAUGHT,
2011).
O tampão formado funciona como uma barreira protetora temporária, prevenindo
a entrada de microrganismos, a perda de eletrólitos e fluidos, além de fornecer resistência
limitada à ferida e formar uma matriz provisória para que as células inflamatórias alcancem o
local da lesão (MENDONÇA; COUTINHO-NETO, 2009; THEORET, 2004).
A matriz provisória é composta por proteínas biologicamente ativas, tais como:
trombina, fator de crescimento tumoral (TGF-β), fator de crescimento derivado de plaquetas
(PDGF) e fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) que promovem a quimiotaxia de
neutrófilos, monócitos e ativação de macrófagos, (KONDO; ISHIDA, 2010; MARDAVIAN
et al., 2011). Com a evolução da cicatrização, a matriz provisória é gradualmente substituída
por um tecido de granulação rico em fibronectina que fornece um leito vascularizado para a
deposição de colágeno (MIDWOOD, et al., 2004).
24
1.6.2 Fase inflamatória
A inflamação que ocorre durante a cicatrização é caracterizada pela resposta
vascular e celular, sendo a primeira representada pela vasodilatação local, com
extravasamento de fluidos para o espaço extravascular e consequentemente formação de
edema, além do aumento no fluxo sanguíneo, responsável pela hiperemia (MACHADO,
2011).
No início da inflamação os neutrófilos migram para o local da lesão, atraídos por
fatores quimiotáticos liberados pelas plaquetas (PDGF), por células do sistema imunológico e
pela ativação do sistema complemento. A atividade fagocitária dos neutrófilos garante
proteção à ferida contra infecções por meio da eliminação de bactérias e restos celulares
(MIDWOOD et al., 2004; GANTWERKER; HOM, 2012). Além da ação fagocitária, os
neutrófilos possuem ação pró-inflamatória por meio da liberação de citocinas que ativam
fibroblastos e queratinócitos. Decorridas 48 horas, os monócitos chegam ao local da lesão, são
ativados e se diferenciam em macrófagos, finalizando a fase inflamatória (SZPADERSKA;
DIPIETRO, 2005; MARTIN, 2005).
Os macrófagos promovem a transição da fase de inflamação para a proliferação,
atuando de modo similar aos neutrófilos, realizam a digestão de microrganismos, remoção de
neutrófilos mortos e restos celulares, degradação do tampão de fibrina e liberação de óxido
nítrico (GUTWEIN et al., 2012). Além de promoverem a liberação de citocinas pró-
inflamatórias e fatores de crescimento: interleucina 1 (IL-1), interleucina 6 (IL-6), fator de
crescimento de fibroblasto (FGF), fator de crescimento endotelial (EGF), (TGF-β) e (PDGF)
(KONDO; ISHIDA, 2010). Estes fatores de crescimento estimulam a formação do tecido de
granulação e, podem influenciar as fases tardias da cicatrização, como: neovascularização,
granulação e reepitelização. Adicionalmente, estes fatores promovem também a quimiotaxia
de neutrófilos e monócitos na fase inicial da inflamação e impulsionam a proliferação de
fibroblastos na fase proliferativa (LI; CHEN; KIRSNER, 2007; SANTOS, 2000).
1.6.3 Fase de proliferação
Nesta fase ocorre a formação do tecido de granulação com proliferação endotelial
e de fibroblastos. Estes últimos são direcionados por estímulos químicos para o leito da ferida,
produzindo matriz extracelular e angiogênese. Os fibroblastos surgem 48 horas após o trauma
e, são as principais células envolvidas no processo de cicatrização. Estes eventos são
25
necessários para promover a reepitelização e a proliferação vascular (DESMOULIÈRE et al.,
2005). Durante a reepitelização, o exsudato presente na camada mais externa da ferida fornece
umidade necessária para a produção de fatores essenciais para o reparo, além de proteger a
ferida de desidratação infecção (GANTWERKER; HOM, 2012).
O tecido de granulação se forma no espaço da ferida a partir do quarto dias após o
trauma, onde os capilares se difundem no novo estroma adotando um aspecto granular. Os
macrófagos permanecem no local da lesão após a inflamação e contribuem para a liberação de
fatores de crescimento necessários para estimular a fibroplasia e angiogênese (KONDO;
ISHIDA, 2010).
A função dos fibroblastos é produzir glicosaminoglicanos, proteoglicanos e
colágeno, que são os principais componentes do tecido de granulação. Os fibroblastos são
fontes únicas de colágeno e fibronectina, proteínas constituintes do tecido conectivo da
derme. A síntese de colágeno é imprescindível para a cicatrização cutânea (YOUNG;
MCNAUGHT, 2011). O colágeno garante força e integridade ao tecido, e quando depositado
de forma insuficiente, a cicatriz se torna frágil e a ferida pode ressurgir (CORSETTI et al.,
2010).
Durante a cicatrização, os fibroblastos que migram para o local do trauma iniciam
a proliferação celular e se diferenciam em miofibroblastos, fundamentais ao processo de
contração da ferida por segunda intenção (GUTWEIN et al., 2012). Os fibroblastos liberam
ainda o fator de crescimento de queratinócitos (KGF) que contribuem para a reepitelização e
remodelamento tecidual (TSIROGIANNE; MOUTSOPOULOS; MOUTSOPOULOS, 2006).
A angiogênese, processo de formação de novos vasos sanguíneos, fornece
nutrientes e oxigênio para o tecido de granulação. Em resposta a hipóxia, fatores de
crescimento são liberados para reconstituir os vasos lesionados e estimular a produção de
novos (YOUNG; MCNAUGHT, 2011; GANTWERKER; HOM, 2012).
1.6.4 Fase de remodelamento tecidual
A maturação ou remodelação tecidual é a última fase da cicatrização, sendo
responsável pela formação de um tecido cicatricial maduro. Nesta fase, além da deposição,
agrupamento e remodelamento do colágeno, ocorre a regressão endotelial. A resposta
inflamatória que ocorre logo após o trauma, é capaz de estimular a reparação tecidual por
meses, até mesmo quando a presença das células inflamatórias no tecido cicatricial é reduzida
(WILGUS, 2008).
26
No tecido regenerado, as fibras de colágeno sintetizadas são menores, pouco
organizadas e extremamente frágeis, conferindo ao novo tecido uma espessura fina, pálida e
de fácil rompimento (DIEGELMANN; EVANS, 2004). O colágeno do tipo III, depositado
aleatoriamente no tecido de granulação, é substituído gradualmente pelo tipo I, uma forma
mais resistente, até alcançar a proporção da pele normal de 4:1 organizando o novo tecido e
aumentando sua resistência (NAWAZ; BENTLEY, 2010; GUTWEIN et al., 2012).
O tecido reparado apresenta uma redução no seu volume de forma gradativa, de
acordo com a maturação da estrutura formada, apresentando uma coloração inicial
avermelhada, consequência da inflamação local, evoluindo para uma cor rosa pálida eu
corresponde ao término do processo de cicatrização (BLANCK, 2008).
Para que o reparo de uma lesão ocorra de forma apropriada, deve envolver uma
rápida hemostasia, inflamação adequada, proliferação, diferenciação e migração de células,
angiogênese, reepitelização e remodelamento tecidual. No entanto, prolongamentos e
interrupções nos eventos fundamentais de cada fase podem provocar atrasos ou resultar em
feridas crônicas que não cicatrizam (GUO; DIPIETRO, 2010).
1.7 Polissacarídeos utilizados na cicatrização de feridas cutâneas
Diversos artigos já foram publicados relatando a utilização de bioprodutos para
promover as várias fases da cicatrização (MURTI et al, 2012.; OLIVEIRA et al., 2013). Por
serem biomoléculas os polissacarídeos sulfatados de algas marinhas tem sido uma alternativa
para investigação de potenciais ferramentas auxiliares na cicatrização de ferida. Diante do
exposto, foi reconhecido que não só pode ser atribuído aos polissacarídeos características
necessárias de um curativo, mas também, como participantes ativos no processo de
cicatrização de feridas. Com base na necessidade de se obter formulações mais eficientes e
nas propriedades apresentadas pelas moléculas oriundas de algas marinhas, acredita-se que
estas possam ser eficazes no processo de cicatrização.
A aplicação de compostos isolados de diversas classes de algas tem visado obter
importantes novos agentes, citando-se, como exemplo, os polissacarídeos sulfatados (PS)
(CARDOZO et al., 2007). Na maioria da sinalização celular, da adesão célula-célula ou
interações parasito-hospedeiro são devido às interações entre os carboidratos a partir do
sistema extracelular e receptores da superfície das respectivas celulas. Receptores celulares
são, em muitos casos, por si só altamente glicosilados com polímeros na superfície da sua
membrana, formando o glicocálice da célula. A interação positiva carboidrato-carboidrato ou
27
carboidrato-proteína levará posteriormente a uma transdução de sinal para dentro da célula,
iniciando vários efeitos fisiológicos. Estes polissacarídeos já são descritos na literatura por
apresentarem diversas atividades biológicas, como a anti-inflamatória e por serem substâncias
não tóxicas (ANANTHI, et al., 2010).
Diallo et al. (2001), estudaram os polissacarídeos extraídos das raízes de Entada
africana Guill e observaram que estes interferiam com o sistema do complemento em testes
realizados in vitro, podendo ser parcialmente responsáveis pela cicatrização de feridas, efeito
este observado quando os curandeiros em Mali aplicavam unguentos com preparações
extraídas das raízes de E. africana em diferentes tipos de feridas.
O polissacarídeo de Angelica sinensis apresentou efeito cicatrizante em úlceras
gástricas experimentais em ratos Sprague-Dawley, além de mostrar efeito estimulante in vitro
da proliferação de células epiteliais gástricas (YE, et al., 2003). Foi relatado também que o
polissacarídeo da planta Anacardium occidentale L. favoreceu a resolução do período
inflamatório da cicatrização, onde os resultados demonstraram que os animais apresentaram
sinais flogísticos menos intensos e o aumento da presença do tecido de granulação
fibrovascular e fibras colágenas nas feridas (SCHIRATO et al., 2006). No entanto, a literatura
não faz referência a produtos cicatrizantes obtidos a partir de algas marinhas.
28
2 OBJETIVOS
2.1 Geral
Isolar carragenanas da alga marinha vermelha Solieria filiformis, caracterizar a
estrutura química e avaliar a atividade cicatrizante em modelo de feridas induzidas em
camundongos.
2.2 Específicos
• Extrair e fracionar por cromatografia de troca iônica em DEAE-celulose, as
carragenanas da alga marinha vermelha S. filiformis;
• Determinar a estrutura química das carragenanas através das técnicas de
Espectroscopia de Infravermelho e RMN uni e bidimensional;
• Formular géis com as carragenanas, utilizando como veículo o carbopol 940;
• Analisar a irritabilidade dermal dos géis em camundongos;
• Avaliar a atividade cicatrizante dos géis em modelos de feridas induzidas por
trauma mecânico em camundongos.
29
3 MATERIAIS E MÉTODOS
3.1 Materiais
3.1.1 Coleta e identificação da alga marinha
A alga marinha vermelha Solieria filiformis (Kützing) P. W. Gabrielson foi
coletada no período de agosto de 2014 a agosto de 2015, durante a maré baixa (-0,2 a 0,3 m),
no cultivo localizado na praia de Flecheiras município de Trairí-CE. Após a coleta as algas
foram transportadas em sacos plásticos ao Laboratório de Carboidratos e Lectinas (Carbolec)
do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal do Ceará –
UFC, Campus do Pici. No laboratório as algas foram lavadas com água corrente e destilada
para a remoção de areia, epífitas e/ou organismos incrustantes. Em seguida foram secas em
temperatura ambiente (25 ºC), maceradas com nitrogênio (N2) líquido e armazenadas para uso
posterior. A espécie S. filiformis (Figura 4) foi identificada e uma exsicata foi depositada no
Herbário Prisco Bezerra (EAC) da Universidade Federal do Ceará (UFC), sob o número
35682.
Figura 4 - Alga marinha vermelha Solieria filiformis.
Filo: Rhodophyta
Subfilo: Eurhodophytina
Classe: Floridophyceae
Subclasse: Rhodymeniophycidae
Ordem: Gigartinales
Família: Solieriaceae
Gênero: Solieria
Epíteto específico: filiformis
Espécie: Solieria filiformis (Kützing)
P. W. Gabrielson 1985
A B
(A) Fonte: Holanda, 2007. Aspecto macroscópico da alga marinha vermelha Solieria filiformis.
(B) Fonte: Algaebase, 2016. Classificação taxonômica.
30
3.1.2 Animais
Foram utilizados camundongos albinos (Mus musculus) machos da linhagem
Swiss, (30 ± 35 g), provenientes do Biotério Central da UFC Campus do Pici, e mantidos em
gaiolas em ambiente controlado (período de 12 h claro/escuro), temperatura (23 ± 2 ºC), com
livre acesso à ração e água no biotério do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular
da UFC. Todos os esforços foram feitos para minimizar o sofrimento e o número de animais
utilizados. Os ensaios foram realizados de acordo com os padrões éticos estabelecidos nos
Princípios Éticos da Experimentação Animal adotados pelo Colégio Brasileiro de
Experimentação Animal (COBEA), analisados e aprovados pela Comissão de Ética no Uso de
Animais da UFC (CEUA-UFC nº 74/2015), em anexo.
3.2 Métodos
3.2.1 Extração de polissacarídeos sulfatados totais (PST)
A extração dos PST foi realizada conforme metodologia descrita por Farias et. al.,
(2000), com modificações. A alga (5 g) desidratada em temperatura ambiente (25 ºC) e
macerada em nitrogênio líquido foi hidratada em 233 mL de tampão acetato de sódio 100 mM
(pH 5,0) contendo EDTA 5 mM e cisteína 5 mM, e digerida com 17 mL de solução de papaína
bruta (30 mg/mL), durante 6 horas em banho-maria a 60 ºC. Após esse período o material foi
filtrado, o resíduo obtido foi ressuspendido em água destilada e submetido à filtração, o
filtrado obtido foi adicionado ao da primeira filtragem e centrifugado (8000 x g, 20 min, 4
ºC), os PST presentes no sobrenadante foram precipitados por meio da adição de 10,2 mL de
solução de cloreto de cetilpiridínio (CPC) 10% (24 h, 8 ºC). Após a precipitação o extrato de
PST foi centrifugado, o precipitado lavado três vezes com 180 mL de CPC 0,05%, seguido de
centrifugação. Em seguida o precipitado foi dissolvido com 90 mL de uma solução de cloreto
de sódio 2 M : etanol comercial (100:15, v/v), e precipitado novamente por meio da adição de
180 mL de etanol absoluto (24 h, 8 ºC). Após a segunda precipitação o extrato foi
centrifugado novamente, o precipitado foi lavado duas vezes com 180 mL de etanol comercial
80% e uma vez com 180 mL de etanol absoluto. O material obtido foi dissolvido em água
destilada, dialisado, liofilizado e denominado de PST, (Figura 5).
31
ALGA DESIDRATADA (5 g)
HIDRATAÇÃO (tampão acetato de sódio 100 mM (pH 5,0) + cisteína 5 mM + EDTA 5 mM)
DIGESTÃO (papaína bruta 30 mg/mL; 60 ºC; 6 h)
FILTRAÇÃO
PRECIPITAÇÃO (CPC 10%; 8 ºC; 24 h)
LAVAGEM (CPC 0,05%)
PRECIPITADO SOBRENADANTE
(descartado)
DISSOLUÇÃO (NaCl 2 M : etanol comercial (100:15; v/v)
PRECIPITAÇÃO (etanol absoluto, 8 ºC; 24 h)
PRECIPITADO SOBRENADANTE
(descartado)
LAVAGEM (2 x etanol comercial 80%; 1 x etanol absoluto)
DIÁLISE
LIOFILIZAÇÃO
Centrifugação (8000 x g; 20 min; 4 ºC)
Centrifugação (8000 x g; 20 min; 4 ºC)
Centrifugação (8000 x g; 20 min; 4 ºC)
Centrifugação (8000 x g; 20 min; 4 ºC)
Centrifugação (8000 x g; 20 min; 4 ºC)
POLISSACARÍDEOS SULFATADOS TOTAIS (PST)
Fonte: Elaborada pelo autor.
Figura 5 - Fluxograma da extração de polissacarídeos sulfatados totais.
32
3.2.2 Fracionamento dos PST por cromatografia de troca iônica
Os PST (100 mg) foram dissolvidos em tampão acetato de sódio 50 mM, pH 5,0
(2 mg/mL) e submetidos à cromatografia de troca iônica em matriz de DEAE-celulose, que
foi equilibrada e lavada com o mesmo tampão até a remoção completa dos polissacarídeos
sulfatados não retidos. As frações polissacarídicas sulfatadas retidas na matriz foram eluídas
por step wise com NaCl nas concentrações de 0,25; 0,5; 0,75; 1,0; 1,25 e 1,5 M, preparado
com o mesmo tampão de equilíbrio, utilizando um coletor de frações com fluxo ajustado para
2,3 mL/min. Alíquotas de 4,6 mL foram coletadas e monitoradas por meio da reação
metacromática utilizando o azul de 1,9-dimetilmetileno (ADM) e as leituras realizadas em
espectrofotômetro a 525 nm (FARNDALE; BUTTLE; BARRET, 1986). As frações
polissacarídicas sulfatadas majoritárias, obtidas nas concentrações de 0,5 e 0,75 M de cloreto
de sódio foram denominadas Sf I e Sf II respectivamente. Em seguida as frações foram
dialisadas contra água destilada, liofilizadas e armazenadas à temperatura ambiente para os
ensaios posteriores.
3.2.3 Eletroforese em gel de agarose
Os PST e as frações polissacarídicas sulfatadas Sf I e Sf II foram analisados por
eletroforese em gel de agarose, de acordo com a metodologia descrita por Dietrich e Dietrich
(1977). As amostras (20 µg) foram aplicadas em gel de agarose 0,5% e submetidas à migração
eletroforética durante 1 hora em voltagem constante (110 V), com tampão 1,3-acetato
diaminopropano 50 mM (pH 9,0). Em seguida, os PST e as frações Sf I e Sf II foram fixados
no gel com uma solução de N-cetil-N,N,N-brometo de trimetilamônio 0,1% durante 24 horas,
seguido de secagem. Após a fixação o gel foi corado com azul de toluidina 0,1% e, descorado
com uma solução de etanol absoluto, água destilada e ácido acético concentrado (4,95: 4,95:
0,1; v/v/v).
3.2.4 Caracterização físico-química e estrutural
3.2.4.1 Quantificação de carboidratos totais
O teor de carboidratos totais presentes nos PST e nas frações Sf I e Sf II, foi
determinado pelo método fenol-ácido sulfúrico (DUBOIS et al., 1956). As leituras foram
33
realizadas em espectrofotômetro a 490 nm, utilizando D-galactose para a obtenção da curva-
padrão.
3.2.4.2 Quantificação de contaminantes proteicos
A concentração de proteínas contaminantes foi quantificada nos PST e nas frações Sf I
e Sf II, segundo o método de Bradford (1976), utilizando Albumina Sérica Bovina (BSA)
como padrão. As leituras foram realizadas em espectrofotômetro a 525 nm.
3.2.4.3 Quantificação de sulfato livre
O teor de sulfato livre nos PST e nas frações Sf I e Sf II, foi determinado após
hidrólise ácida (HCl 1 M, 5 h, 105 ºC), pelo método gelatina-bário (DODGSON; PRICE,
1962). As leituras foram realizadas em espectrofotômetro a 360 nm. O sulfato de sódio foi
utilizado como padrão.
3.2.4.4 Composição monossacarídica
Os PST e as frações polissacarídicas sulfatadas Sf I e Sf II (5 mg) foram
hidrolisados (ácido trifluoroacético 5 M, 4 h, 100 ºC), reduzidos com boro-hidreto e os
alditois acetilados com anidrido acético:piridina (1:1 v/v). Os alditois acetilados foram
dissolvidos em clorofórmio e analisados em cromatografia gasosa/espectrometria de massa
(CGMS-QP2010 Shimadzu, Japão) utilizando uma coluna Restek RTX-5MS, de acordo com
Kircher (1960).
3.2.4.5 Espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR)
Espectros na região do infravermelho, dos PST e das frações polissacarídicas
sulfatadas foram obtidos em espectrômetro (IRTracer-100 Shimadzu, Japão), utilizando
pastilhas de KBr com resolução de 4 cm-1
e 26 scans por segundos na faixa de 400-4000 cm-1
,
conforme especificado por Albuquerque et. al. (2014).
34
3.2.4.6 Espectroscopia de ressonância magnética nuclear (RMN)
Espectros de RMN uni (1D) e bidimensionais (2D) foram obtidos segundo
metodologia descrita por Pomin et al. (2005) e Queiroz et al. (2015). As amostras (10 mg de
cada fração) foram dissolvidas em 600 μL de D2O (óxido de deutério a 99,9%) e as soluções
colocadas em tubos de RMN de 5 mm. Os espectros unidimensionais de 1H foram corridos a
25 ºC com 16 acumulações em espectrômetro Bruker DRX de 400 MHz. Os espectros
bidimensionais 1H/
13C HSQC-ED (Hetronuclear Single Quantum Coherence – Editing) foram
corridos com 64 acumulações a 25°C nos espectrômetros Bruker DRX 400 MHz e 600 MHz.
3.2.5 Formulação dos géis
Foram formulados dois géis, um com a fração Sf I e outro com a fração Sf II,
onde foram adicionados a cada fração polissacarídica sulfatada nas concentrações 1; 5 e 10
mg/mL, Carbopol 940 1% (5 mL), silicone S.F. 1204 (500 µL), aminometilpropanol-95 (300
µL) e água desmineralizada q.s.p. 10 mL. Para comprovar a atividade cicatrizante dos
polissacarídeos presentes nos géis, foi preparado um gel nas mesmas condições descritas
acima, sem a presença das frações polissacarídicas, denominado veículo.
3.2.6 Teste de irritabilidade dermal
Para avaliar se o veículo ou os géis contendo as frações polissacarídicas sulfatadas
Sf I e Sf II provocariam alguma irritação, foi realizado o teste de irritabilidade dermal em
animais com pele íntegra e escarificada, conforme metodologia descrita por Jia et al. (2008),
com modificações. Os camundongos foram anestesiados por via intraperitoneal (i.p.) com
cloridrato de xilazina 2% (10 mg/Kg) associado ao cloridrato de ketamina 10% (80 mg/Kg).
Em seguida foi realizada a tricotomia no dorso dos animais, e após 24 horas os animais foram
anestesiados novamente e a pele da região dorsal foi escarificada, com o auxílio de uma lixa
de aço inoxidável, até a presença de fluido tissular perceptível, mas sem presença de sangue.
A região escarificada foi identificada pelo escurecimento e perda de brilho, quando
comparada à pele íntegra.
Para cada teste de irritabilidade dermal, os animais foram divididos em dois
grupos: 1-animais com pele íntegra e 2-animais com pele escarificada (Figura 6), e cada grupo
foi subdividido em 5 grupos (n=6), de acordo com o tratamento tópico: salina, veículo e gel
35
das frações Sf I ou Sf II nas concentrações (1; 5 e 10 mg/mL). Em seguida, foi delimitada
uma área de 1 cm2 na região dorsal dos camundongos com pele íntegra e escarificada, onde o
veículo, os géis e a salina (50 µL) foram administrados topicamente logo após a realização da
escarificação e diariamente por um período sete dias consecutivos.
3.2.6.1 Parâmetros macroscópicos
Antes de iniciar o tratamento e durante os sete dias, a espessura da pele dos
camundongos foi mensurada com o auxílio de um micrômetro digital (mm). Durante o
experimento foram observadas nos animais, com pele íntegra e escarificada, as reações
dermatológicas macroscópicas provenientes do tratamento: edema, eritema, exsudação e
presença de crosta, sendo estas reações classificadas em escores (0: ausente, 1: leve, 2:
moderado e 3: intenso). Ao final do experimento os animais foram anestesiados, uma amostra
de pele (± 5 mm) da área tratada foi coletada, e em seguida, os animais foram eutanasiados. A
amostra de tecido removida foi pesada (P inicial), colocada em estufa (1 h, 60 ºC) e pesado
novamente (P final). O exsudato presente nos tecidos foi calculado utilizando a fórmula: P final -
P inicial = exsudato.
3.2.7 Avaliação da atividade cicatrizante
Para avaliar a atividade cicatrizante de cada gel formulado com as frações
polissacarídicas sulfatadas Sf I e Sf II nas concentrações (1; 5 e 10 mg/mL), foi adotado o
modelo de indução de lesão tecidual descrito por Schirato et al. (2006), com modificações.
Figura 6 – Camundongos tricotomizados para o teste de irritabilidade dermal.
Fonte: Elaborada pelo autor. (A) animal com pele íntegra, (B) animal com pele escarificada.
36
Inicialmente, os camundongos foram anestesiados por via i.p. com cloridrato de
xilazina 2% (10 mg/Kg) associado ao cloridrato de ketamina 10% (80 mg/Kg). Em seguida
foi realizada a tricotomia da região dorsal dos animais e 24 horas após a tricotomia os animais
foram anestesiados novamente para a realização da assepsia da região dorsal, utilizando álcool
iodado 0,15%, e da indução da lesão tecidual. A lesão foi induzida cirurgicamente na região
dorsal dos camundongos, por incisão da pele e remoção das camadas de derme e epiderme
com o mínimo de sangramento, com auxílio de um punch cirúrgico (5 mm), pinça de
dissecação e tesoura cirúrgica. Ao término do procedimento cirúrgico os animais foram
mantidos em ambiente aquecido até total recuperação da anestesia e divididos em 5 grupos
(n=6), aos quais foram administrados topicamente (50µL) de gel contendo as frações
polissacarídicas sulfatadas Sf I e Sf II nas concentrações (1; 5 e 10 mg/mL), veículo e como
controle positivo foi administrada colagenase, uma pomada cicatrizante. Os tratamentos
foram administrados logo após a indução da lesão e diariamente por um período de 15 dias
consecutivos.
3.2.7.1 Avaliação e medida da área das lesões
As avaliações macroscópicas das lesões no dorso dos camundongos foram
realizadas logo após a indução da lesão e diariamente por um período de 15 dias. Antes de
cada tratamento tópico foram evidenciados os sinais flogísticos: edema, eritema, exsudação e
presença de crosta, e classificados em escores (0: ausente, 1: leve, 2: moderado e 3: intenso),
foram evidenciados ainda os sinais de reepitelização: presença de tecido cicatricial,
desprendimento da crosta e percentual de contração da área da ferida.
Com relação à medida da área das feridas, nos dias 0, 3º, 7º, 11º e 15º após a
indução da lesão, as feridas no dorso dos camundongos foram fotografadas com uma câmera
digital Sony DSC-H100, modo básico, sem flash, zoom óptico de 7.2, com resolução de 16.1
mega pixels. Para a padronização da distância da câmera à ferida, a câmera foi posicionada
em um tripé com distância de 30 cm e perpendicular a ferida. Os camundongos foram
fotografados sobre um papel milimetrado para a padronização da unidade da área da ferida em
mm2 e para servir como medida conhecida na calibração do softwear ImageJ, onde as
imagens foram analisadas e a área das feridas foi mensurada. O percentual de contração da
área das feridas foi determinado utilizando a equação: % da contração = 100 . [(Wo –
Wi)/Wo], onde Wo = área inicial da ferida e Wi = área final da ferida (Ramsey et al., 1995).
37
3.2.8 Análises estatísticas
Os resultados foram expressos como média ± E.P.M. (Erro Padrão da Média), para
a verificação das diferenças estatísticas entre os grupos foi realizada Análise de Variância
(ANOVA) e, quando observado diferenças significativas entre as médias, aplicou-se o teste de
Bonferroni. Foi adotado nível de significância de P<0,05 em todos os teste realizados. Para a
plotagem dos gráficos e tabelas foram utilizados os softwears GraphPad Prism 4.0 e Origin
7.0.
38
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1 Rendimento dos polissacarídeos sulfatados totais (PST)
A partir da extração enzimática de 5 g de alga seca da espécie S. filiformis,
seguida de diálise e liofilização, obteve-se 1 g de polissacarídeos sulfatados totais (PST)
totalizando um rendimento de 20%. Resultados semelhantes foram obtidos por Pontes et al.
(2009), Assreuy et al. (2010) e Araújo et al. (2011), onde os PST da alga marinha vermelha S.
filiformis apresentaram um rendimento de 24%, 25% e 19,14%, respectivamente.
O rendimento dos PST foi superior ao obtido para algas marinhas vermelhas
Botryocladia occidentalis 4% (FARIAS et al., 2000), Gelidium crinale 2,4% (PEREIRA et al.,
2005), Solieria chordalis 14,6% (STEPHANIE et al., 2010) e Gracilaria birdiae 4,66%
(VANDERLEI et al., 2011). Contudo o rendimento dos PST foi inferior ao obtido para as
espécies Halymenia pseudofloresia 40,5% (RODRIGUES et. al., 2009) e Halymenia sp. 46%
(RODRIGUES et al., 2010).
A disparidade entre os rendimentos dos polissacarídeos sulfatados extraídos de
algas marinhas pode ser justificada pelas diferentes metodologias de extração que podem ser
adotadas, variações sazonais, bem como da espécie de alga utilizada (MARINHO-SORIANO;
BOURRET, 2003).
Os polissacarídeos sulfatados de algas marinhas podem ser obtidos por diversas
metodologias de extração, tais como: aquosa a frio (MACIEL et al., 2008) e a quente
(SOUZA et al., 2011), enzimática (FARIAS et al., 2000), por tratamento alcalino
(STEPHANIE et al., 2010), entre outras. Neste trabalho foi utilizada a extração por digestão
enzimática.
4.2 Rendimento do fracionamento dos PST
O fracionamento dos PST obtidos da alga marinha vermelha S. filiformis foi
realizado por meio de cromatografia de troca iônica em matriz de DEAE-celulose, obtendo-se
duas frações polissacarídicas sulfatadas majoritárias denominadas Sf I eluída com 0,5 M de
NaCl e Sf II eluída com 0,75 M de NaCl. O rendimento obtido após diálise e liofilização foi
de 7,72% (Sf I) e 5,76% (Sf II). Corroborando com os resultados encontrados por Araújo et
al., (2011), para a referida alga marinha, que foram de 6,80% e 4,80% para as frações Sf I e Sf
II, respectivamente.
39
As duas frações Sf I e Sf II foram utilizadas nos ensaios biológicos e de
caracterização estrutural, por apresentarem um bom rendimento e por haver na literatura
relatos de algumas de suas atividades biológicas (ARAÚJO et al., 2011; ASSREUY et al.,
2010; RODRIGUES et al., 2010; SOUSA et al., 2016).
4.3 Perfil eletroforético em gel de agarose
A eletroforese em gel de agarose revelou que os PST da espécie S. filiformis
apresentaram uma banda polidispersa ao longo do gel, corroborando com Assreuy et al.
(2010), que também observaram para os PST obtidos por extração enzimática a partir da alga
marinha S. filiformis, um resultado semelhante. A eletroforese mostrou ainda que cada fração
polissacarídica sulfatada Sf I e Sf II, apresentou uma banda no gel de agarose, estando de
acordo com os resultados já relatados por Araújo et al. (2011), que também observaram
apenas uma banda no gel de agarose para cada fração SfI e Sf II.
Neste trabalho, a eletroforese em gel de agarose mostrou que tanto os PST quanto
as frações Sf I e Sf II, da alga S. filiformis, apresentaram homogeneidade de cargas, sendo
observada uma maior densidade de cargas negativas nos PST e na fração Sf II (Figura 7),
sugerindo ser a fração Sf II mais sulfatada que a Sf I, uma vez que o azul de toluidina é capaz
de se associar a compostos sulfatados e apresentar uma coloração violácea.
Sf II Sf I PST
Fonte: Elaborada pelo autor. Os polissacarídeos sulfatados totais (PST) e as frações
Sf I e Sf II (20 μg de cada) da alga Solieria filiformis foram aplicados em gel de
agarose 0,5%. Em seguida o gel foi corado com azul de toluidina.
Figura 7 – Corrida eletroforética em gel de agarose.
Origem
+
40
4.4 Caracterização físico-química
A quantificação de carboidratos totais, sulfato livre e contaminantes proteicos dos
PST e das frações Sf I e Sf II da alga marinha S. filiformis estão descritos na Tabela 1.
Tabela 1 – Análise físico-química dos polissacarídeos sulfatados de Solieria filiformis.
Solieria
filiformis
Rendimento
(%)
Carboidratos
totais (%)
Sulfato livre
(%)
Contaminantes
proteicos (%)
PST 20 57,74 35,89 0,03
Sf I 7,72 46,53 13,76 -
Sf II 5,76 35,84 19,53 -
Fonte: Elaborada pelo autor. (-) Não detectado.
O percentual de carboidratos totais obtido para os PST (57,74%) e para as frações
Sf I (46,53%) e Sf II (35,84%) mostraram-se superiores aos encontrados por Araújo et al.
(2011), em que os percentuais foram de 29,21% (PST), 30,09% (Sf I) e 23,92% (Sf II) para a
mesma espécie de alga. Analisando outras espécies de algas marinhas vermelhas, Vanderlei et
al. (2011) obtiveram um teor de 68,2% para os PST da alga marinha Gracilaria birdiae, que
foi superior ao obtido neste trabalho para a espécie S. filiformis, porém o teor de carboidratos
totais da frações Sf I e Sf II mostrou-se superior ao obtido para as duas frações
polissacarídicas sulfatadas de G. birdiae, eluídas por cromatografia de troca iônica em DEAE-
celulose, que foi de 37,4% e 30,8% para as frações F I e F II, respectivamente.
O teor de sulfato livre quantificado para os PST da espécie S. filiformis foi de
35,89% e para as frações Sf I e Sf II foi de 13,76% e 19,53%, respectivamente, sendo
observada uma diferença no teor de sulfato livre entre as duas frações avaliadas e um maior
percentual de sulfato na fração Sf II. Resultados semelhantes foram obtidos por Araújo et al.
(2011) para a mesma alga, sendo quantificado um teor de sulfato livre de 27,75% para os PST,
obtidos por extração enzimática, e de 12,69% e 22,35% para as frações Sf I e Sf II,
respectivamente, eluídas por cromatografia de troca iônica em DEAE-celulose. O teor de
sulfato livre avaliado neste trabalho para os PST e as frações da alga S. filiformis foi superior
ao obtido por Coura et al. (2012), que avaliaram o teor de sulfato livre dos PST e das frações
polissacarídicas da alga marinha vermelha Gracilaria cornea obtendo um percentual de
15,66% para os PST, 16% para a fração F I e 11% para F II.
41
No intuito de comparar os teores de carboidratos totais e sulfato livre procurou-se
na literatura artigos que comparassem esses valores. Os teores de carboidratos totais e sulfato
livre de três carragenanas comerciais (ι-, λ- e κ-carragenana) foram avaliados por Silva et al.
(2010). O percentual de carboidratos totais e sulfato livre obtidos para a ι-carragenana foi de
64,5% e 27,2%, respectivamente, a λ-carragenana apresentou os maiores teores de
carboidratos totais (61,20%) e sulfato livre (33,38%), enquanto a κ-carragenana mostrou os
menores percentuais de carboidratos totais (60,26%) e sulfato livre (17,89%). Apesar de
diferirem, os teores de carboidratos totais são bem semelhantes entre as carragenanas
avaliadas. De acordo com Campo et al. (2009), os teores de sulfato livre tipicamente
apresentados para as κ-, ι- e λ- carragenanas comerciais são de 22%, 32% e 38%,
respectivamente.
O rendimento e a composição química dos PST e das frações polissacarídicas
sulfatadas de algas marinhas podem sofrer variações dependendo: da espécie estudada, das
metodologias adotadas no estudo destes compostos, localização geográfica, condições
ambientais e climáticas, e do período do ano em que a alga for coletada (RODRIGUES,
2011).
O teor de contaminantes proteicos presentes nos PST, obtidos por extração
enzimática da alga S. filiformis, foi de apenas 0,03%, já nas frações Sf I e Sf II sua presença
não foi detectada. Os PST e as frações Sf I e Sf II mostraram-se isentos de contaminantes
proteicos, quando comparados os seus teores aos quantificados para outras espécies de algas
utilizando o mesmo protocolo de extração de polissacarídeos sulfatados (ARAÚJO et al.,
2011; COURA et al., 2012; RODRIGUES et al., 2010a; 2010b; VANDERLEI et al., 2011;).
Ressaltando, assim, a eficiência da extração de PST por digestão enzimática.
4.5 Caracterização estrutural
4.5.1 Composição monossacarídica
A composição de monossacarídeos dos polissacarídeos sulfatados totais (PST) e
das frações polissacarídicas sulfatadas Sf I e Sf II, foi determinada por meio de cromatografia
gasosa acoplada a espectrometria de massa dos alditois acetilados após hidrólise ácida,
utilizando os padrões: manose, glucose e galactose. A análise revelou um rendimento em
% m/m de glucose: 7% para os PST, 14% para Sf I e 7% para Sf II e de galactose: 93% para
os PST, 86% para Sf I e 93% para Sf II, respectivamente, (Tabela 2).
42
Tabela 2 - Composição monossacarídica
Monossacarídeos PST Sf I Sf II
Glucose 7% 14% 7%
Galactose 93% 86% 93%
Fonte: Elaborada pelo autor.
A cromatografia gasosa acoplada a espectrometria de massa revelou que os PST e
as frações Sf I e Sf II de S. filiformis são constituídos por dois tipos de monossacarídeos
galactose e glucose, conforme a Figura 8 nenhum outro monossacarídeos foi detectado até o
limite < 2% em % do peso seco.
4.5.2 Espectros de FTIR
A espectroscopia de FTIR infravermelho com transformada de Fourier é uma
importante técnica para auxiliar na caracterização estrutural de polissacarídeos sulfatados de
algas marinhas. A Tabela 3 relaciona as principais características estruturais de carragenanas
dos tipos kappa, iota e lambda com suas absorbâncias na região do infravermelho (IV).
Figura 8 - Monossacarídeos detectados.
Fonte: Elaborada pelo autor.
43
Tabela 3 - Absorbâncias de espectros de infravermelho de carragenanas kappa, iota e lambda.
Número de
ondas (cm1)
Grupo funcional Carragenanas
Kappa Iota Lambda
3400-3000 O-H + + +
2920 C-H + + +
1380-1355 Sulfato + + +
1250-1230 O=S=O + + +
1190 S=O + + -
1160-1155 C-O-C + + +
1125 Ligação glicosídica + + +
1090 S-O + + +
1080-1040 C-O + C-OH + + +
1045 C-OH + S=O + + +
1026 S=O em C2 - + +
1012 S=O em C6 - - +
1002 Ligação glicosídica + + +
970-975 Ligação glicosídica + + +
930 C-O-C (3,6-anidrogalactose) + + +
900-890 Grupo em C6 da -D-galactose + + +
850-840 C-O-S em C4 da galactose + + -
830-825 C-O-S em C2 da galactose - - +
820-810 C6-O-S - - +
805-800 C-O-S em C2 de 3,6
anidrogalactose
- + -
740-725 C-O-C (13) + + -
705 Sulfatos em C4, galactose
615-608 O=S=O + + +
580 O=S=O + + +
Fonte: Prado-Fernández et al., 2003; Holanda, 2007.
Os PST e as frações polissacarídicas sulfatadas Sf I e Sf II da alga marinha
vermelha S. filiformis foram anteriormente caracterizados pela técnica de espectroscopia de
FTIR por Araújo et al. (2011), onde os espectros obtidos mostraram sinais intensos típicos de
44
4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
Ab
sorb
ân
cia
Comprimento de onda (cm-1)
3452
2926
1637
1373
1242 1074
930
850
805
galactanas do tipo carragenanas. Neste trabalho, os PST e as frações Sf I e Sf II da referida
alga, também foram caracterizados pela mesma técnica para averiguar a ocorrência de alguma
modificação na estrutura dos polissacarídeos.
Os espectros na região do IV obtidos para os PST revelaram bandas em torno de
930, 850 e 805 cm-1
, atribuídos à presença de 3,6-anidrogalactose, β-D-galactose-4-sulfato e
3,6-anidrogalactose-2-sulfato, respectivamente. A região dos espectros localizada entre 1400 e
400 cm-1
foi ampliada para permitir uma melhor visualização das bandas de menor
intensidade. Deste modo é possível observar, nos espectros de IV dos PST, uma banda de
baixa intensidade em torno de 970 cm-1
atribuído à presença de β-D-galactose-4-sulfato ligada
a α-D-galactose-2-sulfato (CHOPIN; WHALEN, 1993), e ainda uma banda na faixa de 1250-
1230 cm-1
, característica de grupos sulfato (Figura 9).
Absorbâncias em torno de 1690 e 1425 cm-1
, associadas a grupos amidas
provenientes de proteínas (CHOPIN; KERIN; MAZEROLLE, 1999), não foram observadas
nos espectros de IV dos PST, estando este resultado de acordo com o baixo teor de
contaminantes proteicos (0,03%), determinado pelo método de Bradford (1956). Os espectros
de IV dos PST da alga S. filiformis revelam que estes contêm tanto κ-carragenana quanto ι-
carragenana, como relatado anteriormente por Murano et al. (1997).
1400 1200 1000 800 600 400
0,32
0,34
0,36
0,38
0,40
0,42
0,44
0,46
705
580
805850
930
970
1033
1155
10741242
Ab
sorb
ân
cia
Comprimento de onda (cm-1)
Fonte: elaborada pelo autor. (A) Espectros de IV dos PST de S. filiformis na região entre 4000 a 400 cm-1
.
(B) Ampliação dos espectros na região entre 1400 a 400 cm-1
.
B
Figura 9 – Espectros de infravermelho dos polissacarídeos sulfatados totais de S. filiformis.
A
45
Os espectros de IV obtidos para a fração polissacarídica Sf I mostraram bandas
com absorbâncias nas regiões de 930 cm-1
(3,6-anidrogalactose), 850 cm-1
(galactose-4-
sulfato), características de κ-carragenana (Figura 10), porem não foi observado absorbância
entre 890 e 900 cm-1
(β-D-galactose-6-sulfato), mesmo com a ampliação da região dos
espectros situada entre 1400 e 400 cm-1
.
Absorbâncias em torno de 1690 e 1425 cm-1
, referentes a grupos amidas
provenientes de proteínas, também não foram observadas confirmando assim, a inexistência
de contaminantes proteicos na fração polissacarídica Sf I.
A fração Sf II apresentou espectros de IV com bandas de absorbâncias em 930
cm-1
(3,6-anidrogalactose), 850 cm-1
(β-D-galactose-4-sulfato), 805 cm-1
(3,6-anidrogalactose-
2-sulfato), que são referentes à galactanas do tipo ι-carragenana (Figura 11). Estes resultados
estão em concordância com os obtidos por Araújo et al. (2011), para os espectros de IV dos
PST e das frações Sf I e Sf II de S. filiformis.
1400 1200 1000 800 600 400
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
623
1153
638
997
850930
Ab
sorb
ân
cia
Comprimento de onda (cm-1)
4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500
0,0
0,5
1,0
1,5
2,0
2,5
3,0
3,5
Ab
sorb
ân
cia
Comprimento de onda (cm-1)
3442
1629
1153
623
930
997
Fonte: elaborada pelo autor. (A) Espectros de IV da fração Sf I de S. filiformis na região entre 4000 a 400 cm-1
. (B)
Ampliação dos espectros na região entre 1400 a 400 cm-1
.
A B
Figura 10 – Espectros de infravermelho da fração Sf I de S. filiformis.
46
1400 1200 1000 800 600 400
0,30
0,35
0,40
0,45
0,50
0,55
0,60
0,651070
705
580
805850930
1045 613
Ab
sorb
ân
cia
Comprimento de onda (cm-1)
12501130
A ampliação da região localizada entre 1400 e 400 cm-1
, dos espectros da fração
polissacarídica Sf II, permite uma melhor visualização de absorbâncias na região em torno de
1080-1040 cm-1
, que corresponde à estrutura característica de galactanas. Além disso, os
espectros de IV dos PST e da fração Sf II apresentaram absorbância na região compreendida
entre 1250-1230 cm-1
correspondentes aos estiramentos assimétricos dos grupos éster sulfato
presentes na estrutura química de galactanas extraídas de algas marinhas vermelhas (PRADO-
FERNÁNDEZ et al., 2003). No entanto esta absorbância não foi observada nos espectros da
fração Sf I, que pode ser justificado em função da distribuição de grupos que ocorre quando
os PST são fracionados na cromatografia de troca iônica em matriz de DEAE-celulose, onde
as frações são eluídas em diferentes concentrações de NaCl.
O pico de absorbância em torno de 1250-1230 cm-1
corrobora com os teores de
sulfato determinados para a fração polissacarídica Sf II pelo método descrito por Dodgson e
Price (1962). Além disso, a não ocorrência de absorbâncias em torno de 1690 e 1425 cm-1
,
associadas a grupos amidas provenientes de proteínas, permite afirmar que a fração Sf II está
livre de contaminantes proteicos.
Os espectros de IV obtidos para as frações Sf I e Sf II da alga S. filiformis em
conjunto com os resultados relatados na literatura para a mesma espécie de alga (ARAÚJO et
al., 2011; HOLANDA, 2007; MURANO et al., 1997), sugerem que as frações Sf I e Sf II são
galactanas do tipo κ-carragenana e ι-carragenana, respectivamente. Conforme Campo et al.
4000 3500 3000 2500 2000 1500 1000 500
0,1
0,2
0,3
0,4
0,5
0,6
0,7
0,8
805
Ab
sorb
ân
cia
Comprimento de onda (cm-1)
3383
3444
1645
1402
12501130
1074
930
850
Fonte: elaborada pelo autor. (A) Espectros de IV da fração Sf I de S. filiformis na região entre 4000 a 400 cm-1
.
(B) Ampliação dos espectros na região entre 1400 a 400 cm-1
.
B A
Figura 11 – Espectros de infravermelho da fração Sf II de S. filiformis.
47
(2009), a diferença entre as galactanas κ- e ι-carragenana se dá devido ao número e a posição
dos grupos éster-sulfato nas estrutura química destas galactanas.
4.5.3 Espectros de ressonância magnética nuclear
Com base nos resultados obtidos na espectroscopia de infravermelho, comparou-
se o espectro 1D da fração Sf I de S. filiformis com os espectros de duas diferentes
carragenanas comerciais. Na fig. 12 observa-se em verde na parte superior o espectro da
kappa carragenana tipo III de Eucheuma cottonii, cuja unidade dissacarídica repetitiva é
formada por [→3-β-D-galactopiranose-4-sulfatada (1→4)-3,6-anidro-α-D-galactopiranose-
(1→], em vermelho o espectro da iota carragenana tipo V de Eucheuma spinosa, a qual
possui unidade dissacarídica repetitiva formada por [→3-β-D-galactopiranose-4-sulfatada
(1→4)-3,6-anidro-α-D-galactopiranose-2-sulfatada (1→] e em azul o espectro da fração Sf I.
Figura 12 - Espectros unidimensionais da fração Sf I e de carragenanas comerciais.
Kappa-carragenana
Iota-carragenana
Sf I - S. filiformis
Fonte: Elaborada pelo autor. 10 mg da fração Sf I foi dissolvida em 600 µL de D2O (óxido de
deutério a 99,9%) e a solução colocada em um tubo de RMN de 5 mm. O espectro foi corrido a
25° C com 16 acumulações no espectrômetro Bruker de 400 MHz.
1H Deslocamento químico (ppm)
48
No espectro 2D 1H/
13C-HSQC da fração Sf I (Figura 13 e Tabela 4), os picos de
correlação H/C foram assinalados como: (A) G4S - unidade de β-D-galactopiranose-3-ligada
e sulfatada no carbono 4; (B) DA2S - unidade de uma 3,6-anidro-α-D-galactopiranose-4-
ligada e sulfatada no carbono 2 e (C) DA - unidade de uma 3,6-anidro-α-D-galactopiranose-4-
ligada, com a respectiva correlação de 1H/
13C assinalada após a nomenclatura. O
assinalamento foi baseado na sobreposição do espectro da fração Sf II sobreposto ao da Sf I.
1H Deslocamento químico (ppm)
13C
Deslo
camen
to q
uím
ico (p
pm
)
Fonte: Elaborada pelo autor. O espectro foi corrido com 64 acumulações a 25°C em
espectrômetro Bruker de 600 MHz.
Figura 13 – Espectro bidimensional 1H/
13C – HSQC editado da fração Sf I de S. filiformis.
49
Devido à dificuldade no assinalamento da fração Sf I não foi possível elucidar a
estrutura como foi realizado para a fração Sf II, porém os dados obtidos dos espectros 1D e
2D (Figuras 12 e 13), sugerem que a fração Sf I é constituída por um híbrido de kappa e iota
carragenana, embora a proporção de cada carragenana na fração Sf I ainda não esteja bem
determinada.
Com base nos espectros de IV da fração Sf II, foram comparados separadamente
espectros de carragenanas comerciais do tipo iota e kappa com a finalidade de correlacionar o
espectro da fração Sf II. Na Figura 14 podemos comparar os espectros 1D da fração Sf II com
os espectros de duas carragenanas padrões, obtidas comercialmente. Em verde na parte
superior o espectro de uma iota carragenana comercial, na qual a unidade dissacarídica
repetitiva é formada por [→3-β-D-galactopiranose-4-sulfatada (1→4)-3,6-anidro-α-D-
galactopiranose-2-sulfatada (1→], em vermelho o espectro de uma kappa carragenana
comercial cuja unidade dissacarídica repetitiva é formada por [→3-β-D-galactopiranose-4-
sulfatada (1→4)-3,6-anidro-α-D-galactopiranose- (1→] e em azul o espectro da fração Sf II
de S. filiformis cujo espectro apresenta uma mistura de ambas as carragenanas descritas
anteriormente.
Deslocamento Químico (ppm)
Unidade
repetitiva H1/C1 H2/C2 H3/C3 H4/C4 H5/C5 H6/C6 H6’/C6
G4S (A) 4.68/102.3 3.64/69.5 4.04/76.9 - 3.93/72.1 3.98/61.0 3.85/61.2
DA2S (B) 5.09/109.4 4.70/75.1 4.68/77.1 - 4.85/77.9 4.33/68.1 4.29/68.2
DA (C) 4.45/79.5 4.4/76.9 - - - 3.82/75.1 3.67/75.7
Tabela 4 – Deslocamentos químicos de 1H e 13C da carragenana presente na fração Sf I.
Fonte: Elaborada pelo autor.
50
A partir da análise dos espectros 1D da fração Sf II e dos resultados obtidos por
Van de Velde et al. (2001), em que são estudados diferentes proporções de híbridos de κ- e ι-
carragenana, é possível propor que a fração Sf II é formada por um híbrido do mesmo tipo na
proporção de 30% : 70%, respectivamente.
Na Figura 15 e Tabela 5 temos o assinalamento do espectro 2D 1H/
13C-HSQC da
fração Sf II de S. filiformis. Os picos de correlação 1H/
13C foram assinalados da seguinte
forma: (A) G4S - unidade de β-D-galactopiranose-3-ligada e sulfatada no carbono 4, (B)
DA2S – unidade de uma 3,6-anidro-α-D-galactopiranose-4-ligada e sulfatada no carbono 2 e
(C) DA – unidade de uma 3,6-anidro-α-D-galactopiranose-4-ligada, com a respectiva
correlação de 1H/
13C assinalada após a nomenclatura, tendo como base trabalhos semelhantes
já relatados na literatura (SOUSA et al., 2016; VAN DE VELDE et al., 2001 e 2002;
VORON’KO et al., 2016).
Figura 14 - Espectros unidimensionais da fração Sf II e de carragenanas comerciais.
comerciais..
Iota-carragenana
Sf II - S. filiformis
Kappa-carragenana
Fonte: Elaborada pelo autor. 10 mg da fração Sf II foi dissolvida em 600 µL de D2O (óxido de
deutério a 99,9%) e a solução colocada em um tubo de RMN de 5 mm. O espectro foi corrido a
25° C com 16 acumulações no espectrômetro Bruker de 400 MHz.
1H Deslocamento químico (ppm)
51
Tabela 5 – Deslocamentos químicos de 1H e 13C da carragenana presente na fração Sf II.
Deslocamento Químico (ppm)
Unidade
repetitiva H1/C1 H2/C2 H3/C3 H4/C4 H5/C5 H6/C6 H6’/C6
G4S (A) 4.68/102.3 3.64/69.5 4.04/76.9 4.92/72.2 3.93/72.1 3.98/61.0 3.85/61.2
DA2S (B) 5.09/109.4 4.70/75.1 4.68/77.1 4.70/78.5 4.85/77.9 4.33/68.1 4.29/68.2
DA (C) 5.29/92.1 4.04/76.9 4.46/80.1 - - 3.82/75.1 3.67/75.7
Fonte: Elaborada pelo autor.
A Figura 16 mostra a estrutura da carragenana presente na fração Sf II. A unidade
dissacarídica repetitiva consiste numa mistura de dois tipos de carragenanas, kappa (30%) e
iota (70%), ambas são formadas pela ligação de uma β-D-galactopiranose-3-ligada e sulfatada
Figura 15 - Espectro bidimensional 1H/
13C - HSQC editado da fração Sf II de S. filiformis.
13C
Deslo
camen
to q
uím
ico (p
pm
)
1H Deslocamento químico (ppm)
Fonte: Elaborada pelo autor. O espectro foi corrido com 64 acumulações a 25°C em
espectrômetro Bruker de 600 MHz.
52
no carbono 4, que pode estar ligada ao carbono 4 de uma 3,6-anidro-α-D-galactopiranose
sulfatada (iota) ou (kappa) no carbono 2 representado pelo radical R.
Por apresentar características de kappa e iota carragenanas na proporção de 30:70,
respectivamente, a estrutura foi representada com o radical R no resíduo de 3,6
anidrogalactose.
4.6 Avaliação da irritabilidade dermal das frações polissacarídicas sulfatadas
O potencial de irritabilidade dermal dos géis formulados com cada uma das
frações polissacarídicas sulfatadas Sf I e Sf II nas concentrações (1; 5 e 10 mg/mL) e do gel
veículo, formulado com Carbopol 940 (1%) foi analisado durante os sete dias de experimento,
em que as reações dermatológicas macroscópicas: edema, eritema, exsudação e presença de
crosta, foram avaliadas diariamente.
Ensaios adotados com a finalidade de determinar o grau de irritabilidade de
produtos e substâncias químicas, como medicamentos de uso tópico e cosméticos,
denominados testes de irritação ocular ou cutânea, foram primeiramente descritos na década
de 1940 por John Draize e ainda hoje são utilizados mundialmente por órgãos oficiais
(OLIVEIRA et al., 2012).
Durante o experimento, não foi observada nenhuma reação irritante nos grupos de
animais (pele íntegra e escarificada) tratados com os géis formulados com as frações Sf I e Sf
Fonte: Elaborada pelo autor.
Figura 16 - Estrutura química da carragenana presente na fração Sf II.
O
OHR
OOO
O
OH
O
OH
-O3SO
R = OH (70%)
R = OSO-3
(30%)
53
II, nas concentrações avaliadas (1; 5 e 10 mg/mL). Os animais tratados com o gel veículo
(Carbopol 940) também não apresentaram alterações dermatológicas que caracterizassem
irritabilidade, sendo este veículo considerado inerte.
Com a finalidade de comprovar o potencial não irritante das frações
polissacarídicas sulfatadas Sf I e Sf II presentes nos géis, além da avaliação das reações
dermatológicas, foram realizadas medições diárias da espessura da pele dos animais (íntegra e
escarificada). Os grupos de animais com pele íntegra, tratados com os géis formulados com as
frações Sf I e Sf II, assim como os animais tratados com o veículo, não apresentaram
alterações na espessura da pele ao longo do período avaliado (Figuras 17 e 18).
No ensaio de irritabilidade realizado com as frações Sf I e Sf II nas concentrações
de 1; 5 e 10 mg/mL; veículo e salina (grupo controle), foi observado nos animais com pele
escarificada, que apenas o grupo tratado com salina, apresentou um leve edema nos dois
primeiros dias de tratamento. No 2º dia foi observado nos grupos com pele escarificada,
tratados com os géis das frações polissacarídicas a formação de uma crosta, indicativo de uma
possível atividade cicatrizante.
Figura 17 – Avaliação da irritabilidade dermal dos controles e dos géis da fração Sf I.
Fonte: Elaborada pelo autor. (A) Animais com pele íntegra. (B) Animais com pele escarificada. Uma área de 1 cm2 na
região dorsal dos camundongos com pele íntegra ou escarificada foi tratada diariamente durante 7 dias com gel Sf I (1;
5 ou 10 mg/mL), salina ou veículo. Os resultados foram expressos em média ± E.P.M. (n = 6/grupo).
A B
54
Ao final do teste de irritabilidade dermal, os animais foram anestesiados e uma
amostra de pele da área tratada foi coletada para pesagem e análise quanto à presença de
infiltrado celular nos tecidos dermais caracterizados por edema (inflamação). Como
demonstrado nas Figuras 19 e 20, os grupos de animais (pele íntegra e escarificada) tratados
com os géis das frações polissacarídicas Sf I e Sf II nas três diferentes concentrações (1; 5 e
10 mg/mL), assim como os grupos tratados com o veículo, não apresentaram diferenças
significativas em relação ao grupo controle salina.
A B
Figura 18 – Avaliação da irritabilidade dermal dos controles e dos géis da fração Sf II.
Fonte: Elaborada pelo autor. (A) Animais com pele íntegra. (B) Animais com pele escarificada. Uma área de 1 cm2
na região dorsal dos camundongos com pele íntegra ou escarificada foi tratada diariamente durante 7 dias com gel
Sf II (1; 5 ou 10 mg/mL), salina ou veículo. Os resultados foram expressos em média ± E.P.M. (n = 6/grupo).
55
Diante dos resultados obtidos, os géis elaborados com as frações polissacarídicas
sulfatadas Sf I e Sf II da alga marinha S. filiformis, foram considerados seguros para serem
Fonte: Elaborada pelo autor. (A) Animais com pele íntegra. (B) Animais com pele escarificada. Uma área de 1 cm2
na região dorsal dos camundongos com pele íntegra ou escarificada foi tratada diariamente durante 7 dias com gel
Sf I (1; 5 ou 10 mg/mL), salina ou veículo. Os resultados foram expressos em média ± E.P.M. (n = 6/grupo).
Figura 19 – Teste de irritabilidade dermal dos controles e dos géis da fração Sf I.
A B
Figura 20 – Teste de irritabilidade dermal dos controles e dos géis da fração Sf II
Fonte: Elaborada pelo autor. (A) Animais com pele íntegra. (B) Animais com pele escarificada. Uma área de 1 cm2
na região dorsal dos camundongos com pele íntegra ou escarificada foi tratada diariamente durante 7 dias com gel
Sf II (1; 5 ou 10 mg/mL), salina ou veículo.Os resultados foram expressos em média ± E.P.M. (n = 6/grupo).
A B
56
utilizados nos ensaios de atividade cicatrizante, visto que as aplicações tópicas dos géis não
demonstraram irritabilidade dermal, em animais com pele íntegra ou escarificada, em
nenhuma das concentrações utilizadas. Resultados semelhantes foram relatados na literatura
em que, Burlando et al. (2008) demonstraram que o polissacarídeo de Boswellia serrata não
possui efeitos irritante/citotóxicos quando aplicados topicamente. Recentemente, Fernández-
Ferreiro et al. (2015), demonstraram que kappa-carragenana e alginato não apresentaram
potencial irritante em teste de irritabilidade aguda na córnea. E Ribeiro (2016), demonstrou
que frações polissacarídicas sulfatadas das algas marinhas Cryptonemia crenulata, Caulerpa
racemosa e Gracilaria birdiae não possuem efeito irritante em teste de irritabilidade dermal.
4.7 Atividade cicatrizante das frações polissacarídicas sulfatadas
Com a finalidade de mensurar a área das feridas e investigar o efeito do
tratamento tópico com os géis das frações polissacarídicas sobre a contração e cicatrização da
área lesionada, os grupos de animais submetidos ao ensaio de atividade cicatrizante, tratados
com os géis formulados com as frações polissacarídicas Sf I e Sf II, veículo (controle
negativo) e colagenase (controle positivo), foram anestesiados e imagens da lesão na região
dorsal foram registradas após o procedimento cirúrgico e no 3º; 7º; 11º e 15º dia de
tratamento.
As análises macroscópicas dos grupos experimentais tratados com os géis da
fração Sf I e os controles (Figura 21) demonstraram que no intervalo entre os dias 0 e 3 os
animais de todos os grupos apresentaram edema, hiperemia e presença de exsudato variando
de leve a moderado. Nesse período os animais tratados com o veículo e gel Sf I - 5 mg/mL já
apresentaram uma leve crosta de aspecto granular. A partir do 7º dia foi possível perceber uma
crosta espessa de intensidade moderada nos grupos: veículo, colagenase, Sf I 1 mg/mL e 10
mg/mL e intensa no grupo Sf I – 5 mg/mL. No 11º dia foram evidenciados sinais de
reepitelização e desprendimento da crosta em todos os grupos, exceto no grupo veículo. As
feridas dos grupos colagenase, Sf I 5 mg/mL e 10 mg/mL mostraram-se totalmente
cicatrizadas no 15º dia, com formação de novo tecido epitelial semelhante ao que foi
lesionado. No entanto as lesões dos grupos veículo e Sf I – 1 mg/mL apresentaram apenas
sinais de reepitelização.
57
A contração da área das feridas dos grupos tratados com colagenase, Sf I 5 mg/mL
e 10 mg/mL foi de 82,25 %; 88,46% e 71,32% no 11º dia, respectivamente. No 15º dia o
percentual de contração foi de 98,6 % (Colagenase); 97,6% (Sf I 5 mg/mL) e de 97% (Sf I 10
mg/mL), apresentando diferença significativa em relação ao veículo cujos percentuais de
contração foram de 55,07% no 11º dia e de 93,5 % no 15º dia. E, contudo quando comparadas
as duas maiores concentrações dos géis da fração Sf I, o gel formulado na concentração 5
mg/mL foi o que mostrou melhor efeito cicatrizante, sendo seu resultado idêntico ao da
colagenase (Figura 22). O grupo Sf I - 1 mg/mL apesar de ter apresentado 95,6% de contração
da área lesionada no 15º dia, não diferiu significativamente dos demais grupos experimentais.
Fonte: Elaborada pelo autor.
Colagenase
Dia 3
Dia 0
Dia 7
Dia 11
Dia 15
Veículo Sf I - 1 mg/mL Sf I - 5 mg/mL Sf I - 10 mg/mL
Figura 21 – Aspectos macroscópicos das lesões tratadas com os controles e os géis da fração Sf I.
58
O efeito cicatrizante dos géis da fração polissacarídica Sf II e dos grupos
controles, sobre as feridas dos grupos experimentais (Figura 23), foi semelhante ao obtido nas
lesões dos animais tratados com os géis da fração Sf I. Os sinais flogísticos de edema,
hiperemia e presença de exsudato com intensidade moderada foram observados em todos os
grupos experimentais no intervalo entre os dias 0 e 3. Foi percebido ainda nos grupos
colagenase, veículo, Sf II 1 mg/mL e 5 mg/mL a formação de uma crosta de aspecto
granular. No 7º dia de tratamento os animais dos grupos colagenase, Sf II 5 mg/mL e 10
mg/mL já apresentaram expressiva contração da lesão, desprendimento da crosta e formação
de tecido cicatricial. Conforme Wilgus (2008), a fase final da cicatrização é caracterizada pela
remodelação tecidual, que tem início na fase proliferativa, quando os fibroblastos sintetizam
colágeno e os diversos componentes da matriz extracelular, que promovem a formação do
tecido cicatricial maduro.
Os animais tratados com colagenase e com os géis de Sf II 5 mg/mL e 10 mg/mL,
apresentaram um percentual de contração das lesões de 82,25%; 88,85% e 94,32%,
respectivamente, já no 11º dia. Enquanto que o percentual de contração das lesões tratadas
com o veículo foi de apenas 55% e do grupo Sf II 1 mg/mL foi de 78,5% no 11º dia.
Figura 22 – Contração da área das lesões tratadas com os controles e os géis da fração Sf I.
Fonte: Elaborada pelo autor. (A) 11º dia de experimento, (B) 15º dia de experimento. Os resultados foram expressos
em média ± E.P.M. (n = 6/grupo); *,** e *** indicam diferença estatística significativa (p<0,05, p<0,01 e P<0,001,
respectivamente) em comparação ao grupo veículo. # indica diferença estatística (p<0,05), em relação ao grupo
colagenase. (ANOVA; Bonferroni).
A B
59
A cicatrização das feridas ocorre pela substituição do tecido injuriado, por outro
semelhante, porém não idêntico caracterizado pela formação de tecido de granulação e
contração da ferida (Al-Khamis et al., 2011).
No 15º dia as feridas tratadas com colagenase, Sf II 5 mg/mL e 10 mg/mL
mostraram-se totalmente cicatrizadas e com regeneração integral do tecido lesionado. No
entanto as lesões dos grupos veículo e Sf II – 1 mg/mL apresentaram apenas sinais de
reepitelização acentuada.
A cicatrização das feridas dos animais tratados com colagenase, Sf II 5 mg/mL e
10 mg/mL apresentaram diferença significativa em relação ao grupo veículo. Entretanto o gel
formulado na concentração 10 mg/mL apresentou melhor efeito cicatrizante quando
comparado a colagenase e a concentração 5 mg/mL (Figura 24). A concentração 1 mg/mL não
apresentou diferença significativa em relação aos demais grupos experimentais, embora
também tenha mostrado efeito cicatrizante expressivo.
Fonte: Elaborada pelo autor.
Colagenase
Dia 3
Dia 0
Dia 7
Dia 11
Dia 15
Veículo Sf II - 5 mg/mL Sf II - 10 mg/mL Sf II - 1 mg/mL
Figura 23 – Aspectos macroscópicos das lesões tratadas com os controles e os géis da fração Sf II.
60
As duas frações polissacarídicas sulfatadas Sf I e Sf II da alga marinha vermelha
S. filiformis apresentaram efeito positivo na cicatrização e reepitelização do tecido injuriado,
nas três concentrações avaliadas. No entanto, quando comparado o percentual de contração
das lesões e o efeito cicatrizante das duas frações, é possível perceber que a fração Sf II
apresentou melhor resultado, visto que as feridas tratadas com o gel Sf II - 10 mg/mL
apresentaram sinais de reepitelização do tecido lesionado já no 7º dia de tratamento,
remodelamento tecidual no 11º dia e 100% de cicatrização no 15º dia, diferindo
estatisticamente do grupo veículo (controle negativo) e apresentando resultado mais
significativo que o grupo tratado com colagenase (controle positivo), Figura 25.
Fonte: Elaborada pelo autor. (A) 11º dia de experimento, (B) 15º dia de experimento. Os resultados foram expressos em
média ± E.P.M. (n = 6/grupo); *, ** e *** indicam diferença estatística significativa (p<0,05, p<0,01 e p<0,001,
respectivamente), em comparação ao grupo veículo, (ANOVA; Bonferroni).
Figura 24 - Contração da área das lesões tratadas com os controles e os géis da fração Sf II.
A B
61
Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas para investigar o processo de reparação
tecidual e dos eventos que prejudicam ou retardam a cicatrização de feridas cutâneas. Por
meio da compreensão do processo cicatricial é possível desenvolver novas terapias, capazes
de revolucionar o reparo de feridas (WONG; GURTNER; LONGAKE, 2013). Embora a
indústria farmacêutica tenha alcançado grandes avanços no desenvolvimento de novos fármacos, a
capacidade de promover a cicatrização de feridas ainda é limitada. Assim, muitos estudos relatam
a utilização de bioprodutos para promover as várias fases da cicatrização (MURTI et al,
2012.; OLIVEIRA et al., 2013), e atividade cicatrizante de diversos polissacarídeos
(AMMAR, et al., 2015; BURD, A.; HUANG, L., 2008; CHANDIKA et al., 2015; LI et al.,
2015; SCHIRATO et al., 2006). No entanto, vale ressaltar que não há na literatura relatos do
efeito cicatrizante, em modelo de feridas induzidas em camundongos, de polissacarídeos
sulfatados obtidos a partir de algas marinhas.
Figura 25 – Cicatrização das lesões tratadas com os controles e os géis da fração Sf II.
Fonte: Elaborada pelo autor. Os resultados foram expressos em média ± E.P.M. (n = 6/grupo); *, ** e ***
indicam diferença estatística significativa (p<0,05, p<0,01 e p<0,001, respectivamente), em comparação ao
grupo veículo, (ANOVA; Bonferroni).
62
5 CONCLUSÃO
As carragenanas da alga marinha vermelha Solieria filiformis, fracionadas por
cromatografia de troca iônica em DEAE-celulose, foram caracterizadas como um híbrido
constituído por k- e ι-carragenana. As carragenanas híbridas apresentaram comportamento
semelhante, demonstrando potencial não irritante dermal e atividade cicatrizante em modelo
de feridas induzidas em camundongos. No entanto, a carragenana constituída por kappa
(30%) e iota (70%), na concentração de 10 mg/mL, foi a que evidenciou um melhor efeito
no processo de cicatrização, conforme demonstrado por análises de parâmetros
macroscópicos. Sugerindo assim, uma nova aplicabilidade biológica da referida carragenana
no processo de cicatrização de feridas cutâneas.
63
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ANEXO – Certificado de aprovação pela Comissão de Ética no Uso de Animais