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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PEDAGOGIA
ANDRESSA SOUSA DE AZEVEDO
“O IMPORTANTE É DESENVOLVER A ORALIDADE, ATÉ PRA TRABALHAR A
PRONÚNCIA CORRETA DAS PALAVRAS E, LOGICAMENTE, A ESCRITA”:
CONCEPÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE ORALIDADE E ESCRITA NO
ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
FORTALEZA
2015
ANDRESSA SOUSA DE AZEVEDO
“O IMPORTANTE É DESENVOLVER A ORALIDADE, ATÉ PRA TRABALHAR A
PRONÚNCIA CORRETA DAS PALAVRAS E, LOGICAMENTE, A ESCRITA”:
CONCEPÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE ORALIDADE E ESCRITA NO ENSINO
DA LÍNGUA PORTUGUESA
Monografia apresentada ao Curso de
Pedagogia da Faculdade de Educação da
Universidade Federal do Ceará, como requisito
parcial para a obtenção do título de Licenciado
em Pedagogia.
Orientadora: Profa. Dra. Ana Paula de
Medeiros Ribeiro.
FORTALEZA
2015
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal do Ceará
Biblioteca de Ciências Humanas
A986i Azevedo, Andressa Sousa de “O importante é desenvolver a oralidade, até pra trabalhar a pronúncia correta das palavras e,
logicamente, a escrita”: concepções sobre a relação entre oralidade e escrita no ensino da língua
portuguesa. Andressa Sousa de Azevedo. – 2015.
51 f.; 30 cm.
Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Curso de
Pedagogia, Fortaleza, 2015.
Orientação: Profa. Dra. Ana Paula de Medeiros Ribeiro.
1. Oralidade 2. Escrita 3.Alfabetização de crianças I. Título.
CDD 372.414
ANDRESSA SOUSA DE AZEVEDO
“O IMPORTANTE É DESENVOLVER A ORALIDADE, ATÉ PRA TRABALHAR A
PRONÚNCIA CORRETA DAS PALAVRAS E, LOGICAMENTE, A ESCRITA”:
CONCEPÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE ORALIDADE E ESCRITA NO ENSINO
DA LÍNGUA PORTUGUESA
Aprovado em: ____/_____/______.
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Ana Paula de Medeiros Ribeiro (Orientadora)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Profa. Dra. Adriana Leite Limaverde Gomes
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Profa. Esp. Rosa Gomes de Oliveira Kubernat
Secretaria da Educação Básica (SEDUC)
A Antonio & Vilma, meus pais, meus amores,
minha vida!
AGRADECIMENTOS
À Deus, pela vida maravilhosa e, especialmente, por esta conquista.
À minha querida orientadora, Ana Paula de Medeiros Ribeiro, que, para mim, é
um exemplo como profissional, mas acima de tudo, é uma pessoa incrivelmente maravilhosa,
que foi capaz de transformar um trabalho massificante em uma produção repleta de alegrias.
À Adriana Leite Limaverde Gomes e Rosa Gomes de Oliveira Kubernat, por
gentilmente aceitarem participar deste trabalho, contribuindo para torná-lo melhor.
À instituição, à diretora, aos professores e às crianças do 3º ano C, por terem
permitido que eu fizesse parte de suas vidas e da sua realidade.
Aos meus avós, tios e tias, primos e primas, amigos e amigas, em especial, à
minha tia-avó, Francisca Guedes, por me incentivarem a todo dia ser uma pessoa melhor.
Às minhas amigas, Ana Larissa e Caroline, que foram, sem dúvidas, um dos
maiores presentes que a Pedagogia me proporcionou.
À José Vitório Alfieri, um querido amigo e o melhor técnico-administrativo da
Faculdade de Educação.
À todos os professores, que foram responsáveis pela a minha formação
intelectual, crítica e humana.
“As crianças têm que ter muita paciência com
as pessoas grandes” (Antoine de Saint-
Exupéry).
RESUMO
Este trabalho objetiva investigar as concepções de uma professora do Ensino Fundamental
sobre a relação entre fala e escrita no processo de alfabetização, bem como analisar de que
modo o trabalho didático com a oralidade se apresenta no livro de Português utilizado em
sala. Compreende-se que a comunicação é uma necessidade humana, neste sentido, cabe à
escola auxiliar as crianças no processo de desenvolvimento da oralidade, da escrita e da
leitura, sem negligenciar um conhecimento em detrimento de outro. Entretanto, a relação
entre fala e escrita foi historicamente marcada por uma dicotomia e, somente após os anos
1990, a fala passou a ser considerada como objeto de ensino e aprendizagem. Nesta
perspectiva, através de uma pesquisa qualitativa de natureza descritiva, investigou-se a
concepção de professores do 3º ano do Ensino Fundamental sobre a relação entre fala e
escrita, assim como as implicações em sua prática docente. Para isto, recorreu-se a uma
pesquisa de campo utilizando-se das técnicas de observação, entrevista e análise de conteúdo
do livro didático de Português. Os resultados demonstram que, no contexto investigado, os
professores preocupam-se mais com o ensino das competências de leitura e escrita do que
com a fala, do mesmo modo, a fala ainda é vista como o lugar do erro e precisa ser
“consertada”. Diante dos dados evidenciados, conclui-se que, mesmo com os avanços nas
pesquisas e nas discussões sobre o tema, as concepções da professora e as atividades
propostas no livro didático perpetuam a visão dicotômica entre fala e escrita.
PALAVRAS-CHAVE: ORALIDADE - ESCRITA - ENSINO FUNDAMENTAL.
ABSTRACT
This study aims to investigate the teacher concepts’ of elementary school on the relationship
between speech and writing in the literacy process, and examine how the didactic work with
orality is presented in Portuguese book used in class. It is understood that communication is a
human need, in this sense, is the school help children in the development process of orality,
writing and reading, while addressing knowledge over another. However, the relationship
between speech and writing was historically marked by a dichotomy, and only after the
1990s, the speech came to be regarded as a teaching and learning object. In this perspective,
through a qualitative research of descriptive nature, investigated the design of teachers of the
3rd year of elementary school on the relationship between speech and writing, as well as the
implications on their teaching practice. For this, we used a field research using the techniques
of observation, interviews and teaching of Portuguese book content analysis. The results show
that in the investigated context, teachers are more concerned with the teaching of reading and
writing skills than with speech, likewise, speech is still seen as the place of the error and
needs to be "repaired". Given the evidenced data, it is concluded that, despite advances in
research and discussions on the subject, the conceptions of the teacher and the activities
proposed in textbooks perpetuate the dichotomy between speech and writing.
KEYWORDS: ORALITY - WRITTEN - ELEMENTARY EDUCATION.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................... 10
CAPÍTULO 1 - A RELAÇÃO ENTRE ORALIDADE E ESCRITA NO
ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA: DAS PRÁTICAS DICOTÔMICAS
ÀS INTEGRADORAS...............................................................................................
14
1.1 O desenvolvimento da fala e da escrita: Alguns aspectos sobre a temática.......... 14
1.2 Um olhar sobre a relação histórica entre fala e escrita........................................... 17
CAPÍTULO 2 - AS PRÁTICAS DE ORALIDADE NA SALA DE AULA: O
QUE E COMO ABORDAR.......................................................................................
21
2.1 O ensino da oralidade e o livro didático de Português............................................ 22
2.2 A oralidade no contexto da sala de aula: Orientações para o trabalho docente... 24
3 METODOLOGIA....................................................................................................... 27
3.1 Tipo de pesquisa.......................................................................................................... 27
3.2 Sujeitos......................................................................................................................... 28
3.3 Lócus da pesquisa....................................................................................................... 28
3.4 Instrumentos e técnicas de coleta de dados.............................................................. 30
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS.................................................................... 33
4.1 “A tia falou véia! ”: Oralidade e escrita no contexto da sala de aula..................... 33
4.2 “Na verdade, se analisar bem, a oralidade não é muito valorizada não, sabe?”:
As concepções da professora sobre oralidade e escrita na aprendizagem da
Língua Portuguesa......................................................................................................
39
4.3 A fala no livro didático de Português: Análise da obra utilizada na turma.......... 44
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................... 46
REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 48
APÊNDICE A – ROTEIROS DE OBSERVAÇÃO................................................. 50
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA REALIZADO COM A
PROFESSORA REGENTE A...................................................................................
51
10
INTRODUÇÃO
A comunicação é uma necessidade dos indivíduos, por isso se torna
imprescindível à apreensão de uma língua, seja esta oral ou gestual. O homem pode por meio
da linguagem “[...] comunicar ideias, pensamentos e intenções de diversas naturezas e, desse
modo, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais anteriormente inexistentes”
(BRASIL, 2000, p. 24).
Desde os primórdios, o homem elabora formas de comunicação, que foram se
aprimorando e se diferenciando de acordo com o desenvolvimento da nossa sociedade. Hoje,
existem diferentes línguas e dialetos difundidos pelo mundo, dentre eles, a Língua Portuguesa
e suas variações regionais.
O primeiro contato com a língua materna, quase que exclusivamente, ocorre no
contexto familiar. Desde os balbucios – primeiras tentativas de comunicação verbal dos bebês
– até os discursos elaborados, há um longo percurso para a aquisição da linguagem oral. Do
mesmo modo, ocorre com o desenvolvimento da escrita. Nesta perspectiva, cabe à escola
auxiliar as crianças no processo de desenvolvimento dessas duas dimensões.
Contudo, a relação entre fala e escrita é historicamente marcada por uma
dicotomia. Segundo Marcuschi (2001, p. 24) esta posição era “[...] comum nas décadas de
1950 a 1980, que defendia a ‘grande divisão’ entre oralidade e letramento”. No mesmo
sentido, afirma que esse posicionamento foi assumido por muitos estudiosos da época,
inclusive linguistas. Fávero et al (2007, p. 15) mencionam que “[...] a língua falada foi
considerada durante muito tempo, até meados da década 1960, como o lugar do ‘caos’”.
Marcuschi (2001, p. 26) afirma que a “grande divisão” introduziu “[...] uma nova
forma de conhecimento e ampliação da capacidade cognitiva [...] Era a supremacia da escrita
e sua condição de tecnologia autônoma, percebida como diferente da oralidade do ponto de
vista do sistema, da cognição e dos usos”.
Nesse contexto, a oralidade passa a ser entendida como simples e temporal, e a
escrita “[...] tem sido vista como de estrutura complexa, formal e abstrata [...]” (FÁVERO et
al 2007, p. 9). Essa concepção dicotômica entre fala e escrita influenciou diretamente as
práticas pedagógicas, passando-se a valorizar mais um conhecimento em detrimento do outro.
Segundo Fávero et al (2007, p. 10), “[...] a escrita, sobretudo a literária, sempre
foi considerada a verdadeira forma de linguagem, e a fala, instável, não podendo constituir
objeto de estudo”. Entretanto, na década de 1990, a fala começa a ser abordada por estudiosos
e por documentos oficiais, inclusive nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua
11
Portuguesa (PCNLP). Discutia-se que ao ensino da fala não caberia ensinar qual modo era
certo ou errado, e sim “[...] qual forma de fala utilizar, considerando as características do
contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações
comunicativas” (BRASIL, 2000, pp. 31-32).
Nesta perspectiva e diante dessas mudanças que deveriam influenciar diretamente
o contexto didático na escola, buscou-se nesta pesquisa investigar quais as concepções de uma
professora do Ensino Fundamental sobre a relação entre a fala e a escrita. As teorias atuais da
Linguística e os documentos oficiais recomendam um trabalho didático que promova a
mesma importância para a oralidade e para a escrita. Sendo assim, procurou-se saber como
está acontecendo esse trabalho nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Sabe-se que cada vez mais é exigido dos alunos habilidades de leitura, escrita,
compreensão, interpretação, criação e desenvoltura oral, que ultrapassam o ato de ler e
escrever e, portanto cabe ao educador organizar atividades que levem em consideração todos
os aspectos do desenvolvimento dos alunos, pois a alfabetização nos moldes atuais estabelece
“[...] um novo papel para o professor das séries iniciais: o de professor da Língua Portuguesa”
(BRASIL, 2000, p. 35).
Ao professor compete também considerar as diferenças linguísticas existentes em
nosso país, e sendo a escola uma das principais vias para a consolidação e ampliação da
oralidade e da escrita, seu papel é:
[...] ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações
comunicativas, especialmente nas mais formais: planejamento e realização
de entrevistas, debates, seminários, diálogos com autoridades,
dramatizações, etc. Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas
atividades façam sentido de fato, pois seria descabido ‘treinar’ o uso mais
formal da fala. [...] (BRASIL, 2000, p. 32)
Entretanto, nos anos iniciais do Ensino Fundamental há uma preocupação
exacerbada com a apreensão da língua escrita. Nessa fase, as crianças estão imersas no
processo de alfabetização, nessa perspectiva, indaga-se de que maneira os professores
articulam os três eixos da Língua Portuguesa: oralidade, leitura e escrita? Concorda-se que
oralidade, leitura e escrita compõem a língua, portanto são necessárias para a apreensão do
sistema linguístico. A fala é objeto de ensino e de aprendizagem no âmbito escolar e não deve
ser negligenciada nos planejamentos diários dos educadores.
Desse modo, esta pesquisa traçou como objetivo geral, investigar as concepções
da professora sobre a relação entre fala e escrita no processo de alfabetização. Como objetivos
específicos, buscou-se (1) analisar a visão da professora sobre fala e escrita; (2) compreender
12
as práticas pedagógicas realizadas pelos professores no trato da oralidade e da escrita; (3)
analisar como o trabalho didático com a oralidade se apresenta no livro de Português utilizado
em sala.
A relevância deste estudo se justifica pelo fato de que é necessária aos educadores
a consciência do papel da oralidade e da escrita no contexto escolar, tendo em vista o
desenvolvimento dos educandos. Sem, é claro, negligenciar alguns conhecimentos em
detrimentos de outros. Percebe-se que o estudo sobre o desenvolvimento da oralidade infantil
não se constitui um foco no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará. Ao longo
das disciplinas específicas sobre desenvolvimento e aprendizagem, pouco se aborda sobre o
tema.
Através da disciplina de Ensino da Língua Portuguesa, ofertada pelo
Departamento de Teoria e Prática do Ensino, teve-se o contato com a temática, pois, sabe-se
que, no geral, o curso de Pedagogia forma professores polivalentes, porém proporciona aos
estudantes poucos subsídios para atender esta demanda. Desta forma, a elaboração de um
trabalho desta natureza é concebida como uma oportunidade pessoal de aprofundamento neste
campo.
Diante de um levantamento acerca de publicações sobre o tema, nos portais da
Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), no banco de teses da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e no portal da Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), identificou-se um número significativo
de trabalhos entre os anos de 2010 a 2013. Contudo, a partir da leitura dos títulos e dos
resumos, notou-se que a maior parte das pesquisas encontradas possuía como foco a
perspectiva de análise de textos, livros e/ou médica (fonológica).
Na busca, foram encontradas três pesquisas que enfocavam a investigação das
concepções de professores e/ou alunos sobre a relação entre oralidade e escrita: Silva (2011),
que investigou as representações de alunos e professores de Educação de Jovens e Adultos
(EJA) sobre fala e escrita; Maciel (2011) investigou os saberes docentes com o intuito de
compreender o ensino da oralidade; e Costa-Maciel e Barbosa (2012) investigaram os
conhecimentos docentes sobre o trabalho com a oralidade, tiveram como sujeitos três
professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Neste sentido, a relevância social da pesquisa está relacionada com a restrita
produção que tem como foco a investigação das concepções dos professores. Pretende-se que
esta pesquisa tenha uma aplicabilidade social e por meio do contato com os sujeitos e com as
práticas pedagógicas compreenda-se de que maneira a linguagem oral está sendo ensinada e
13
como se articula ao texto escrito, pois a oralidade precisa ser reconhecida como um
componente da língua que possui o mesmo grau de importância que a escrita.
Nesta perspectiva, realizou-se um estudo de natureza descritiva. Recorreu-se aos
procedimentos de coleta de dados classificados como pesquisa de campo, assim como, a
técnica de entrevista e de observação, cujos dados são de natureza qualitativa. Fez-se uso de
roteiros como instrumento de coleta de dados. Tendo em vista os objetivos, foram sujeitos da
pesquisa os três professores de uma turma de 3º ano do Ensino Fundamental de uma escola no
munícipio de Fortaleza, entretanto, a entrevista foi realizada apenas com a professora regente
A da turma. Além disso, analisou-se o livro didático de Português utilizado em sala.
Este trabalho estrutura-se em quatro capítulos. No primeiro, faz-se um apanhado
histórico sobre a relação entre oralidade e escrita, assim como aborda-se o desenvolvimento
de ambas as linguagens durante os primeiros anos de vida. O segundo retrata a oralidade e a
escrita no contexto da sala de aula. No terceiro, traça-se a metodologia da pesquisa,
caracterizando o tipo, os sujeitos, o lócus e os instrumentos de coleta de dados. No quarto
capítulo, analisam-se os dados coletados durante a pesquisa de campo à luz das teorias
estudadas. Por fim, encontram-se as considerações finais que emergem a partir das leituras e
dados evidenciados durante a investigação.
Este estudo é, pois, apenas um ensaio para futuras e mais aprofundadas
investigações sobre o tema.
14
CAPÍTULO 1 - A RELAÇÃO ENTRE ORALIDADE E ESCRITA NO ENSINO DA
LÍNGUA PORTUGUESA: DAS PRÁTICAS DICOTÔMICAS ÀS INTEGRADORAS
Este capítulo apresenta a trajetória da relação histórica e teórica entre oralidade e
escrita, uma vez que foi necessário um longo período, marcado por mudanças conceituais,
para que ambas fossem entendidas como integradas e subjetivas.
No início da história da Humanidade, a fala era concebida como superior à escrita,
pois os indivíduos que dominavam a arte da oratória eram reconhecidos e tinham suas ideias
ovacionadas. Cambi (1999, p. 86) afirma que na Grécia antiga a formação do cidadão
contemplava além das virtudes, “[...] uma educação que se liga à palavra e à escrita e tende à
formação do homem como orador”.
Deste período, destaca-se a atuação dos grandes filósofos que discursavam sobre
suas teorias e pensamentos para aqueles que tivessem interesse em ouvi-los. Sócrates (470-
399 a. C.), por exemplo, “[...] libera as consciências com seu diálogo e que depois
universaliza e radicaliza seu pensamento [...] se choca com o poder político e religioso da
pólis, até que esta o condena a morte por corromper as consciências e os jovens” (CAMBI,
1999, p. 87).
Rojo (2001, p. 52) afirma que durante a Idade Média “[...] o escrito vai se prestar
à transcrição ou à escrituração da palavra falada. [...] Muitas vezes, o escriba do manuscrito
não coincide com o autor que lhe dita o texto”. A autora expõe que após o advento da
impressa e da escrita mecânica, a escrita passa a ser reconhecida como autônoma.
Antes de prosseguir na discussão sobre o contexto histórico da relação oralidade e
escrita, considera-se interessante caracterizá-las tendo como foco o seu desenvolvimento nos
seres humanos. Na seção seguinte busca-se conceituar e caracterizar ambas as linguagens, de
acordo com suas especificidades.
1.1 O desenvolvimento da fala e da escrita: alguns aspectos sobre a temática
A fala pode ser entendida como aquilo que é expresso através da voz e a escrita
como uma representação gráfica. Contudo, resumir estes dois conceitos a estas definições
seria diminuir o potencial que ambos representam, pois nem sempre a fala é expressa através
da voz e a escrita vai muito além de apenas uma representação gráfica. Marcuschi e Dionisio
(2005, p. 14) explicitam que “[...] a língua é uma prática social que produz e organiza as
15
formas de vida, as formas de ação e as formas de conhecimento. Ela nos torna singulares no
reino animal, [...] ela é uma atividade conjunta e trabalho coletivo [...]”.
Desde o nascimento, o indivíduo está exposto ao contato com a língua oral.
Normalmente, ainda nos primeiros anos de vida, os bebês são expostos a monólogos
elaborados pelos adultos ao seu redor. Conforme a criança cresce neste meio rodeado de
estímulos orais surge a tentativa de reprodução de sons. A princípio, a comunicação é
estabelecida através do choro, uma comunicação não verbal que só será compreendida por
aqueles que estão em contato direto com a criança.
A partir dos seis meses identifica-se a presença do arrulho. Para Silva e Farias
(2008, p. 12), este é “[...] constituído principalmente de sons de vogais”. Entre o sexto e o
décimo mês de vida, identifica-se a presença dos balbucios. Sobre eles, as autoras afirmam
que este estágio “[...] é constituído pela união de sons vogais e consoantes como papapa...”.
Expõem que estas etapas são consideradas como o período pré-linguístico.
Depois destes estágios, inicia-se o período linguístico, propriamente dito. Neste,
as crianças recorrem ao uso de palavras. Entre o décimo segundo e o décimo oitavo mês,
observa-se a presença da holófrase, que segundo Silva e Farias (2008, p. 12),“[...] a criança
costuma dizer uma única palavra, atribuindo a ela, no entanto, o valor de frase. Por exemplo,
diz ua, apontando para a porta da casa, expressando um pensamento completo: Eu quero ir
para a rua”.
Após esse período, entre os dois e cinco anos, a criança amplia seu vocabulário e
sua fala torna-se mais compreensível, recorre ao uso de duas ou três palavras para formar uma
frase. Entre três e sete anos, Cagliari (2007, p. 19) afirma que,
Uma característica da fala da criança que chama atenção do adulto é o fato
de ela generalizar regras, ou seja, o fato de ela aplicar a regra geral quando
deveria aplicar uma particular. É quando a criança diz eu fazi, em vez de eu
fiz, como eu vendi, comi, etc.
Em relação à aquisição da escrita pela criança, normalmente, antes de ingressarem
na escola, as crianças já possuem algum conhecimento sobre o registro escrito.
Principalmente, aquelas que estão imersas em um contexto que lhes proporciona o contato
com textos, por exemplo. Silva e Farias (2008, p. 25) afirmam que “Durante o processo de
aprendizagem, as crianças criam suas próprias regras até compreenderem as regras
convencionais do nosso sistema de escrita”.
Neste sentido, Ferreiro (2000, p. 18) afirma que “As primeiras escritas infantis
aparecem, do ponto de vista gráfico, como linha onduladas ou quebradas (ziguezague),
16
contínuas ou fragmentadas, ou então como uma série de elementos discretos repetidos (série
de linhas verticais, ou de bolinhas)”.
No início, a escrita se apoia e, por vezes, se confunde com o desenho, pois a
criança recorre ao desenho para deixar o seu texto mais claro. Ferreiro (2000, p. 20)
reconhece que neste período as crianças não criam novas letras, mas sim recorrem as já
existentes e estabelecem dois critérios para que o texto possa ser lido: O primeiro é em
relação à quantidade mínima de letras, sendo necessário “geralmente três” para que a escrita
“diga algo”; o segundo é em relação à variedade de letras, significa que “se o escrito tem ‘o
tempo todo a mesma letra’, não se pode ler, ou seja, não é interpretável”.
Este estágio foi nomeado pela autora como nível pré-silábico. No estágio
seguinte, nível silábico, a criança percebe que a escrita tem relação direta com a emissão oral
da palavra e, portanto, isto influenciará a quantidade de letras.
O nível silábico-alfabético, segundo Ferreiro (2000, p. 27) “[...] marca a transição
entre os esquemas prévios em via de serem abandonados e os esquemas futuros em vias de
serem construídos”. Neste momento, a criança passa por um momento de transição entre o
nível silábico e o nível alfabético, ou seja, é possível identificar na escrita traços de ambos os
níveis, pois a criança mescla elementos dos dois níveis na mesma palavra e/ou frase.
No nível alfabético, a criança compreende aspectos da escrita convencional e
domina o código escrito deste modo é capaz de escrever corretamente palavras e frases, assim
sendo é capaz de construir textos simples e complexos. Sobre esse aspecto, Cagliari (2007, p.
96) discute que ao final de um ano de alfabetização a criança “[...] saiba e não saiba escrever
tudo e com correção absoluta”, com esta afirmação o autor deixa claro que os erros são
comuns ao início do processo de alfabetização. Ainda segundo o mesmo autor,
Escrever é também uma forma de expressão artística e até um passatempo.
As crianças podem ficar muito motivadas para escrever; por outro lado, se
elas não tiverem uma motivação real, poderá ser inútil mostra-lhes toda a
parafernália de letras e rabiscos própria da alfabetização. (p. 102)
Ou seja, é necessário que no processo de aprendizagem da língua escrita as
crianças sejam expostas à atividade que tenham significado. Na seção seguinte, retoma-se a
discussão sobre a relação entre fala e escrita no contexto histórico.
17
1.2 Um olhar sobre a relação histórica entre fala e escrita
No início do capítulo discutia-se que a fala, inicialmente, foi concebida como
superior à escrita, mas o advento da impressa permitiu que a escrita se desvencilhasse do texto
oral, sendo concebida como independente. Como afirma Fávero et al (2007, p. 69), “Ao tratar
da fala e da escrita, é preciso lembrar que estamos trabalhando com duas modalidades
pertencentes ao mesmo sistema linguístico; o sistema da Língua Portuguesa, [...]”.
Entretanto, a escrita nem sempre existiu conforme os dias atuais. Segundo
Cagliari (2007, p. 106), a escrita “[...] pode ser caracterizada como tendo três fases distintas: a
pictória, a ideográfica, e a alfabética”. A primeira contempla a escrita feita através de
desenhos e pictogramas, comuns a escrita asteca, representavam eventos e situações da vida
cotidiana no povoado. Na segunda fase, o autor afirma que os ideogramas eram um tipo
especial de desenho, que conforme o tempo passava perdiam alguns traços e se assemelhavam
a forma das letras que se conhecem atualmente. A última fase é caracterizada pelo uso de
letras e se formou a partir da fase ideográfica.
Durante um longo período na história, concebia-se que a escrita e a fala eram
linguagens opostas e que, portanto, não poderia ser entendidas como complementares. A
escola passou a ensinar e valorizar apenas a escrita, em contraposição, não compreendia que
fala poderia ser ensinada.
Entre os linguistas, observa-se a presença de três grandes posições acerca da
relação entre a fala e a escrita: a grande divisão, continnum fala-escrita e perspectiva
sociointeracionista.
Segundo Marcuschi (2001, p. 26), até meados dos anos 1950, a discussão sobre
fala e escrita não despertava interesse aos estudiosos da época. Fávero et al (2007, p. 15)
expõem que durante a década de 1960 a fala foi considerada “como o lugar do caos”, em
função do volume de pausas, hesitações e outros elementos típicos do texto falado.
Entre os anos 1950 e 1980, os estudiosos debruçaram-se sobre a temática,
chegando à conclusão de que havia uma “grande divisão” entre oralidade e escrita. Entre os
defensores desta corrente, estão Jack Goody (1977), David Olson (1977) e Walter Ong
(1998), como afirma Marcuschi (2005, p. 58). Esta divisão impunha a supremacia da escrita
sob a fala, por ser compreendida como autônoma e estruturada.
A concepção da “grande divisão” começa a ser contestada ainda nos anos 1980,
como afirma Marcuschi (2001, p. 27):
18
A visão dicotômica embutida no modelo teórico da “autonomia da escrita”
começa a ser ameaçado nos anos 80 com estudos, em especial nos EUA e na
Inglaterra, que sugerem uma relação contínua entre letramento e oralidade,
evitando a autonomia e a supremacia da escrita.
Essa vertente ficou conhecida como “continuum fala-escrita”. Entretanto, este
modelo não superava totalmente a dicotomia entre e fala e escrita, pois ainda conservava em
sua essência resquícios da teoria anterior como expõe Street (1995, pp. 167-170 apud
MARCUSCHI, 2001, p. 29):
(a) a idéia de que a escrita codifica lexical e sintaticamente os conteúdos,
enquanto que a fala usa os elementos paralingüísticos como centrais; (b) a
idéia de que o texto escrito é mais coesivo e coerente do que o oral, sendo a
fala fragmentária e sem conexão (ou com uma conexão marcada
interacional); (c) a noção de que a escrita conduz os sentidos diretamente a
partir da página impressa, sendo que a fala se serve do contexto e das
condições da relação face a face.
Em ambas as vertentes persistiam a concepção de que a fala era fragmentada,
temporal e sem planejamento prévio, por exemplo, e, em contrapartida, a escrita era
considerada complexa, atemporal e autônoma.
A partir dos anos 1990, por influência dos Parâmetros Curriculares Nacionais de
Língua Portuguesa (PCNLP), assim como pelos estudos na área, a fala passa a ser percebida
como objeto de ensino, entretanto, “Não é papel da escola ensinar o aluno a falar: isso é algo
que a criança aprende muito antes da vida escolar”, mas sim, “[...] ensinar-lhe os usos da
língua adequados a diferentes situações comunicativas” (BRASIL, 2000, pp. 48-49).
Busca-se, a partir deste período, a superação da relação dicotômica entre oralidade
e escrita. Neste sentido, Marcuschi e Dionisio (2005, p. 28) apresentam, através de um quadro
(QUADRO 1), as características atribuídas às linguagens e como isto influencia a percepção
sobre as mesmas.
19
QUADRO 1 - Dicotomias perigosas
Fala Escrita
contextualizada
implícita
concreta
redundante
não-planejada
imprecisa
fragmentária
descontextualizada
explícita
abstrata
condensada
planejada
precisa
integrada
Fonte: Marcuschi e Dionisio (2005, p. 28).
Observa-se que a dicotomia reside na tentativa de comparar fala e escrita levando
em conta, principalmente, os aspectos que caracterizam a língua escrita. Por esse motivo,
torna-se quase impossível que a fala se encaixe nos padrões da escrita, pois, normalmente, o
modo e a forma como a fala se desenvolve depende do contato direto entre os interlocutores e
se baseia na situação a qual estão imersos. Mas, isto não quer dizer que a fala é imprecisa e
não-planejada, por exemplo.
Marcuschi (2005, p. 62) propõe que ao se comparar fala e escrita, é necessário ter
em mente as especificidades de cada texto, por exemplo, “[...] comparando uma carta pessoal
em estilo descontraído com uma narrativa oral espontânea, haverá menos diferenças do que
entre a narrativa oral e um texto acadêmico escrito”. Nesse sentido, a relação entre fala e
escrita apresentará uma proximidade e, deste modo, se distanciará das características
apresentadas no quadro anterior, pois a forma e o uso que se faz de ambas as linguagens tem
ligação direta com a percepção de formalidade e informalidade do texto.
Nesta perspectiva, Marcuschi (2001, pp. 30-32) afirma que o estudo sobre as
linguagens deve considerar os aspectos etnográficos, pois sendo a escrita uma construção
social tem relação direta com a cultura não sendo “algo natural, objetivo, neutro e igual”.
Explicita que nem toda fala e nem toda escrita pode ser considerada coesiva, dando como
exemplo um flanelógrafo de uma Universidade, que é composto por uma pilha de textos
escritos amontoados e desconexos. O autor propõe uma nova forma de pensar sobre fala e
escrita, por meio do “modelo ideológico” que é “[...] uma visão que possibilita um leque
muito grande de análise sem trazer como central a questão ideológica e sem se fixar na
morfossintaxe nem em modelos estratificados e alienados da realidade sociocomunicativa.”
20
(MARCUSCHI, 2001, p. 28), ou seja, analisar de forma geral e considerar todos os aspectos
pertinentes à fala e a escrita.
Valendo-se dessa breve abordagem, pretendeu-se, neste capítulo, discutir sobre a
relação entre fala e escrita, observando principalmente o contexto histórico. Do mesmo modo,
discutiu-se o desenvolvimento das linguagens na criança.
21
CAPÍTULO 2 - AS PRÁTICAS DE ORALIDADE NA SALA DE AULA: O QUE E
COMO ABORDAR
Neste capítulo, aborda-se a presença da oralidade na sala de aula, assim como a
discussão sobre a teoria sociolinguística, com enfoque nos Parâmetros Curriculares de Língua
Portuguesa - PCNLP.
A partir dos anos 1990, a oralidade começa a ser repensada, assim como a sua
relação com a escrita passa a ser percebida como integrada e complementar. Os estudos sobre
a temática demonstram que existem semelhanças e diferenças nesta relação. Pode-se definir
como marco histórico a teoria sociolinguística e os PCNLP, pois ambos foram responsáveis
por uma nova concepção sobre o ensino da oralidade nas escolas.
Segundo Marcuschi (2005, p. 73), “A sociolinguística pode ser feita tanto na fala
como na escrita, pois ela é o estudo da relação sistemática entre linguagem e fatores sociais
em todos os níveis de funcionamento da língua”. Explicando de forma bastante simplista, a
sociolinguística pode ser entendida como a teoria que defende as variações linguísticas,
levando em conta o que é socialmente difundido.
Ensinar, nesta perspectiva, impõe ao educador uma visão ampla de língua e
linguagem, um ensino que considere as diferenças e as incorpore como um conhecimento a
ser debatido e não se restringe simplesmente a dizer o que é certo ou errado. Cagliari (2007, p.
47) aponta que “Não basta reconhecer as variações históricas da língua. As variações
geográficas, sociais e estilísticas devem ser levadas em conta, também”.
No Brasil, essas variações apontadas pelo autor são facilmente identificadas, pois
cada região detém um modo e uma forma de falar. Observa-se que além do estilo, algumas
nomenclaturas variam, por exemplo: para um o cearense, a tiara é chamada de gigolete, mas
para um paulista é diadema. Essa pequenas variações tendem a identificar e caracterizar as
regiões e as cidades brasileiras.
Por conta dessas diferenças, surge a discussão sobre o preconceito linguístico.
Para Cagliari (2007, p. 48), “[...] O preconceito é social, mas sua manifestação se dá através
das pessoas diante de fatos linguísticos. Por isso ensinar português nas escolas é uma forma
de promoção social”. O autor compreende que não é que a escola propague o discurso de que
toda forma de comunicação é válida, mas permita ao aluno perceber as diversas formas e
compreendê-las socialmente, pois como afirma Ramos (1997, p. 4), “De fato, é inegável que
existe no Brasil uma norma culta. Em qualquer comunidade de fala, seus membros se
22
orientam por um conjunto de normas depreendidas do uso efetivo da língua por usuários que
pertencem ao grupo de prestígio”.
Sobre o preconceito linguístico, os PCNLP (BRASIL, 2000, p. 31) defendem que
as escolas devem abandonar dois mitos durante o ensino da língua: o primeiro refere-se à
existência de uma única forma correta de fala, e esta se parece com a escrita; a segunda
refere-se a pensar que a escrita é um espelho da fala e que, portanto, é essencial corrigir a fala
dos alunos.
Nesse sentido, a principal função da escola no ensino da oralidade é a promoção
de atividades diversificadas que permitam ao aluno o contato com as diferentes formas de
fala, mas sem desqualificar a língua coloquial em função da língua culta. Sobre isso os
PCNLP enfatizam: “Não se trata de ensinar a falar ou a fala ‘correta’, mas sim as falas
adequadas ao contexto de uso” (BRASIL, 2000, p. 22).
Com o intuito de discutir o ensino da oralidade na sala de aula, observam-se dois
grandes aspectos: o livro didático e as atividades que promovem essa linguagem. Na seção
seguinte, discute-se o ensino da fala e o livro didático.
2.1 O ensino da oralidade e o livro didático de Português
O livro didático costuma ser o principal aliado do trabalho docente. Por vezes, os
professores elaboram seus planejamentos levando em conta apenas o que está posto no livro e
o seguem cronologicamente. Bittencourt (1998, p.71) afirma que “Existem professores que
abominam os livros escolares, culpando-os pelo estado precário da educação escolar. Outros
docentes calam-se ou se posicionam de forma positiva pelo auxílio que os livros prestam ao
seu dia-a-dia complicado”.
A importância do livro didático no contexto da sala de aula é um fato inegável,
pois este organiza de forma didática os conteúdos e o conhecimento científico, facilitando o
trabalho do professor e colaborando para uma compreensão dos conteúdos pelos alunos. Mas,
como ressalta Bittencourt (1998, p.71), “O livro didático é, antes de tudo, uma mercadoria;
um produto do mundo da edição que obedece à evolução das técnicas de fabricação e
comercialização pertencentes à lógica do mercado”, não se pode negar que carrega consigo
uma ideologia e valores de um grupo. Marcuschi (2002, p. 24) afirma que,
Os autores de manuais didáticos, em sua maioria, ainda não sabem onde e
como situar o estudo da fala. A visão monolítica da língua leva a postular um
23
dialeto de fala padrão calcado na escrita, sem maior atenção para as relações
de influências mútuas entre fala e escrita.
Ou seja, colocam em suas obras suas concepções sobre fala e escrita, e a forma
como o professor deve abordá-las em sala. Compreende-se que o livro didático influencia o
ensino e a aprendizagem, deste modo, torna-se cada vez mais difícil para a fala ter um lugar
de destaque, pois os próprios autores não compreendem como esta linguagem deve ser
abordada em sala.
Marcuschi (2002, p. 26-27) expõe que um ponto a favor dos livros didáticos de
português é “[...] o fato de não considerarem mais de maneira tão incisiva a fala como o lugar
do erro”, mas pensa que isto se deve ao fato de eles não darem a devida atenção à oralidade.
Revela que a oralidade ocupa apenas 2% do total de páginas do livro didático e falta nas obras
uma melhor compreensão sobre a língua falada, pois sempre é concebida sempre como
informal e, em contrapartida, a escrita é formal.
Sabe-se que esta concepção de fala e escrita está fadada ao erro, pois nem sempre
a língua escrita é formal, por exemplo, pelo contrário, varia de acordo com o propósito
comunicativo. Ainda segundo Marcuschi (2002, p. 27-30), nos livros didáticos a fala é vista
como uma “questão lexical”, restrita a gírias e aspectos coloquiais, e as atividades se baseiam
na substituição de palavras e expressões. Esses livros propagam a discriminação linguística,
pois, além de desconsiderarem as diferenças, e as excluem-nas. O autor revela que “Poucas
obras demonstram uma consciência sistemática das relações entre fala e escrita como duas
modalidades de uso da língua com funções igualmente importantes na sociedade [...]” (2002,
p. 29).
Nessa perspectiva, cabe aos professores a análise e reflexão crítica sobre os
conteúdos do livro didático, visando sempre à aprendizagem de seus alunos. Compreende-se
que o livro é um instrumento pedagógico, e deve ser utilizado como um suporte para o
trabalho docente e não como substituto do mesmo, pois como afirma Bittencourt (1998, p.73):
[...] o livro didático é limitado e condicionado por razões econômicas,
ideológicas e técnicas. A linguagem que produz deve ser acessível ao
público infantil e juvenil e isso tem conduzido a simplificações que limitam
sua ação na formação intelectual mais autônoma dos alunos.
Na seção seguinte, discute-se o ensino da oralidade na perspectiva dos PCNLP e
dos estudiosos da área, tendo como foco principal as sugestões de atividades para a sala de
aula.
24
2.2 A oralidade no contexto da sala de aula: orientações para o trabalho docente
O ensino da oralidade deve estar presente cotidianamente nas atividades escolares,
pois a sociedade atual impõe aos sujeitos o domínio de diversas competências. Nesta
perspectiva, cabe ao educador articular os três eixos da língua – leitura, escrita e oralidade.
Segundo Marcuschi (2002, p. 25), “[...] não se trata de transformar a fala num tipo
de conteúdo autônomo no ensino da língua: ela tem de ser vista integradamente e na relação
com a escrita”, no mesmo sentido, Fávero et al (2007, p. 70) expõem que “[...] a língua falada
não possui uma gramática própria; suas regras de efetivação é que são distintas em relação à
escrita”, ou seja, a gramática que orienta a fala é a mesma que orienta a escrita, o que as torna
diferentes são as condições em que são produzidas.
Desta maneira, não é adequado que o educador proponha atividades desconexas
com o contexto e com os conteúdos, pois como afirmam os PCNLP, “Não basta deixar que as
crianças falem; apenas o falar cotidiano e a exposição ao falar alheio não garantem a
aprendizagem” (BRASIL, 2000, p. 50). Reforçam que as atividades propostas em salas sejam
“contextualizadas em projetos de estudo”, que envolvam pesquisa, elaboração, estudo e
apresentação, por exemplo.
Nota-se que há uma ênfase nas atividades que envolvem o uso da língua culta,
pois os textos conversacionais não aparecem como uma prioridade de ensino e de estudo,
sobre a produção desse tipo de texto Fávero et al (2007, p. 21) afirmam que:
Para participar de atividades dessa natureza, são precisos conhecimentos e
habilidades que vão além da competência gramatical, necessária para
decodificar mensagens isoladas, pois que as atividades conversacionais têm
propriedades dialógicas que diferem das propriedades dos enunciados ou dos
textos escritos.
Ou seja, atividades desta natureza impõem ao aluno um grau de articulação de
ideias e, portanto, analisar e pensar sobre esse tipo de texto pode ser útil para a apreensão e
para o entendimento da linguagem oral. Fávero et al (2007, p. 83-91) sugerem a
transformação de textos orais para escritos, para que o aluno perceba as distinções entre as
modalidades, assim como compreenda o funcionamento destas. Para essa atividade o
professor pode solicitar que o aluno construa uma narrativa oral e o próprio professor a
transcreve, depois apresenta o texto para o aluno e pede que ele reescreva o texto.
Ramos (1997, p. 47) explicita que pedir ao próprio aluno para fazer a transcrição
de textos orais é algo interessante para a aprendizagem da língua, porém,
25
[...] dada a complexidade envolvida na tarefa de transcrição, o mais
aconselhável será começar com transcrições já prontas e pedir aos alunos
que identifiquem unidades de sentido, acrescentem marcas referentes a
certos traços entoacionais mais visíveis ou mesmo “traduzam” o texto falado
(isto é, fragmentos ainda bem curtos) em textos escritos.
Segundo a autora, esse tipo de atividade permite ao aluno o desenvolvimento da
habilidade de revisão de textos, assim como, de compreensão das “exigências do texto escrito,
pela prática”. Ramos (1997, p. 21) afirma que para trabalhar a língua culta, o professor pode,
Selecionar uma notícia que seja do interesse dos alunos, anotá-la ou registrá-
la em fita cassete ou vídeo [...] Uma vez registrada, a notícia poderia ser,
então, apresentada e comentada na sala de aula. Desse modo, seria
instaurada uma interlocução entre alunos e professor, em dialeto culto, de
modo natural, a partir do texto da mídia.
Marcuschi (2002, p. 33-34) sugere a atividade de audição de fitas, contendo as
variadas formas da fala do povo brasileiro, e o professor pode solicitar aos alunos que
observem as diferenças entre elas, assim como, propor um debate sobre essas variações, no
sentido de contribuir para diminuição da discriminação linguística. Sugere também uma
análise sobre a fala e sua organização, sobre os interlocutores, sobre os tópicos da
conversação e sobre os aspectos típicos da língua falada (hesitações, marcadores etc.). Propõe,
do mesmo modo, a reescrita de diálogos, observando as mudanças provocadas ao texto.
Observa-se que há muitas possiblidades para o trabalho com a oralidade, contudo,
é necessário ao professor o conhecimento e o bom senso para saber de que forma deve
abordar esse conteúdo em consonância com os demais. Ramos (1997, p. 3-4) explicita que
“O novo professor se vê obrigado a lidar com conteúdos muitíssimos diferentes com os quais
lidou durante a graduação1”. Fávero et al (2007, p. 92) ressaltam que ao educador é necessário
o conhecimento sobre os textos orais, pois,
Talvez conhecendo um pouco mais como se processa a elaboração de um
texto oral, o professor possa não só compreender melhor as produções
escritas de seus alunos, como também aprimorá-las sem que percam a sua
expressividade, fazendo um trabalho com textos uma atividade dinâmica e
produtiva.
Portanto, é essencial ao educador e à escola compreender a importância da fala no
contexto escolar e social, realizar atividades que permitam aos alunos compreenderem esta
linguagem, assim como, utilizá-la de maneira satisfatória nos diversos eventos comunicativos,
pois como afirmam os PCNLP, “[...] o desenvolvimento da capacidade de expressão oral do
1 Ressalta principalmente no caso do licenciado em Letras, que se vê preso ao ensino das regras gramaticais,
ficando impossibilitado de explorar o próprio conteúdo dos textos, por exemplo.
26
aluno depende consideravelmente de a escola constituir-se num ambiente que respeite e
acolha a vez e a voz, a diferença e a diversidade” (BRASIL, 2000, p. 49).
Desse modo, objetivou-se com este capítulo discutir sobre a relação entre fala e
escrita, no contexto da sala de aula, priorizando-se a observação da oralidade nas atividades e
no livro didático. Ao mesmo tempo, buscou-se discutir a teoria sociolinguística e as suas
implicações na compreensão da relação fala e escrita.
27
3 METODOLOGIA
Pretende-se com este capítulo apresentar as opções metodológicas adotadas, assim
como, caracterizar os sujeitos e o ambiente da pesquisa. Na primeira seção, caracteriza-se a
tipologia da pesquisa de acordo com os objetivos, os procedimentos e a natureza dos dados. A
segunda seção apresenta os sujeitos da pesquisa a partir do que foi observado. A terceira traz a
descrição e a caracterização da escola e da sala de aula observada com o intuito de situar o
lócus da pesquisa. A quarta e última seção detém-se sobre as técnicas e os instrumentos
utilizados durante a investigação.
3.1 Tipo de pesquisa
Com o intuito de investigar as concepções dos professores dos anos iniciais do
Ensino Fundamental sobre a relação entre fala e escrita, assim como as implicações destas em
suas práticas docentes, realizou-se um estudo de natureza descritiva. Como afirma Triviños
(2013, p. 110), “O foco essencial destes estudos reside no desejo de conhecer, a comunidade,
seus traços característicos, suas gentes, seus problemas, suas escolas, seus professores, [...]
etc.”, ou seja, objetiva-se compreender um contexto específico.
Ainda, segundo o mesmo autor, esse tipo de estudo “[...] pretende descrever ‘com
exatidão’ os fatos e os fenômenos de determinada realidade” (2013, p. 110). Nesse sentido,
recorreu-se aos procedimentos de coleta de dados classificados como pesquisa de campo. Para
Lakatos e Marconi (1991, p. 186),
Pesquisa de campo é aquela utilizada com o objetivo de conseguir
informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se
procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou,
ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles.
Nesse procedimento, observam-se os fenômenos no contexto em que eles
acontecem. As referidas autoras apontam que não se deve pensar que esse tipo de
procedimento consiste em uma simples coleta de dados, ao contrário, a primeira fase da
pesquisa de campo é constituída pela “realização de uma pesquisa bibliográfica sobre o tema
em questão”.
Nesta perspectiva, uma vez que o objetivo principal da pesquisa é descobrir as
concepções dos professores sobre fala e escrita, recorreu-se à técnica da entrevista, cujos
dados são de natureza qualitativa. Segundo Triviños (2013, p. 118), “[...] muitas pesquisas de
28
natureza qualitativas não precisam apoiar-se na informação estatística” deste modo, permite
ao pesquisador uma “[...] ampla liberdade teórico-metodológica para realizar seu estudo”
(TRIVIÑOS, 2013, p. 133).
A seção seguinte aborda as características referentes aos sujeitos da pesquisa.
3.2 Sujeitos
Para a efetivação da pesquisa, observou-se uma turma de 3º ano do Ensino
Fundamental, por compreender que nesta etapa as crianças têm familiaridade com o código
escrito e, portanto, poder-se-ia observar a relação (ou a ausência dela) entre oralidade e
escrita. Nesse sentido, encaminhou-se ao 3º ano C por orientação da coordenadora pedagógica
da escola.
A turma era composta por crianças entre 09 e 11 anos de idade e, segundo dados
fornecidos pela escola, há 21 alunos matriculados na turma, dentre estes, 01 é aluno público-
alvo da educação especial (deficiência, transtorno), porém a professora regente A revelou que
apenas 18 alunos frequentam regularmente as aulas.
Sobre os professores da turma, optou-se por denominá-los usando nomes fictícios
a fim de garantir o anonimato. Os três professores, sujeitos da pesquisa foram: a professora
regente A, Eva, a professora regente B, Soraia, e o professor regente B, Edmundo. Os dois
últimos substituem a professora Eva em dias reservados ao planejamento e às formações
continuadas. Ambos os professores são formados em Pedagogia e são efetivos na rede pública
de ensino de Fortaleza. Entretanto, apenas a professora Eva foi entrevistada durante a
realização da pesquisa.
3.3 Lócus da pesquisa
A pesquisa aconteceu em uma instituição pública, localizada no munícipio de
Fortaleza – CE. A escola é mantida pela Prefeitura Municipal de Fortaleza e pela Secretaria
Municipal de Educação (SME), e se integra a Secretaria Executiva da Regional I. A escolha
desta instituição justifica-se pela proximidade com a residência da pesquisadora, facilitando o
seu deslocamento.
A escola encontra-se situada em uma comunidade periférica, compreendida por
classe média e baixa. No bairro, identificam-se residências, casas populares e pequenos
29
comércios, deste modo, o público atendido pela escola são moradores do bairro e das
adjacências.
Funciona nos turnos manhã, tarde e noite, e atende o total de 910 alunos,
distribuídos nas turmas de 1º ano ao 5º ano do Ensino Fundamental, assim como nas turmas
de Educação de Jovens e Adultos (EJA) de nível III à V. A escola possui seis turmas que se
voltam para o Programa de Consolidação da Alfabetização (PCA) e os alunos que estavam
com dificuldades de leitura e escrita foram retirados das salas regulares e colocados nestas
turmas.
Observando o mapa de turmas disponibilizado pela instituição, constatou-se que
há o total geral de 35 turmas distribuídas nos três turnos, sendo 15 turmas pela manhã, 14 à
tarde e 06 à noite. Estas turmas se distribuem entre as 17 salas de aulas da escola.
Além das turmas regulares, de EJA e de PCA, na escola há o atendimento no
contra turno no projeto Mais Educação, que atende o total de 220 alunos, e o Atendimento
Educacional Especializado (AEE), que atende 24 alunos.
Em relações aos espaços, a escola possui sala da direção, sala da coordenação,
secretaria, sala dos professores, pátio, quadra poliesportiva coberta e com arquibancada, um
pequeno estacionamento, cozinha e banheiros. Esses espaços estão distribuídos em dois
andares. Nas paredes, identificam-se afixadas decorações em EVA que remetem ao universo
infantil. Na sala dos professores e na coordenação, encontram-se expostos imagens e fotos
que remetem à religião católica, rompendo com laicidade da educação.
Observa-se que, embora a escola tenha um tamanho apropriado, alguns materiais
de uso coletivo e de infraestrutura estão em péssimo estado de conservação, por exemplo, as
portas e cadeiras das salas, demonstrando o desleixo dos responsáveis pela instituição. Como
afirma Freire (2013, p. 45), “Há uma pedagogicidade indiscutível na materialidade do
espaço”, ou seja, não é necessário que um diretor, por exemplo, exponha sua opinião sobre a
importância de manter a escola limpa e agradável, mas suas ações e suas orientações
evidenciam tal cuidado.
Sobre as relações entre os profissionais, durante o período de permanência na
escola notou-se que, embora professores, gestão e demais funcionários tenham se mostrado
simpáticos e acessíveis, o relacionamento entre a diretora e os professores é pautado em
rispidez e distanciamento.
Presenciaram-se ataques de ordem profissional e pessoal entre ambas as partes, a
exemplo, no dia da entrega de um cartão contendo uma mensagem em homenagem ao dia do
professor. A equipe gestora pensando que agradaria os professores com o gesto, criou uma
30
situação conflituosa, pois os professores se incomodaram com o teor da mensagem. Diante do
fato, no dia seguinte, a diretora foi até a sala dos professores durante o intervalo e repreendeu
aqueles que estavam presentes, alegando que a má interpretação da mensagem tinha a ver com
o fato das pessoas serem “mal amadas e viver num mundo cinza”. Ao se retirar da sala, alguns
se sentiram ofendidos e outros faziam chacota de suas palavras.
Em relação à sala observada, tem um tamanho favorável ao número de crianças e
cadeiras suficientes, porém estas estão em péssimo estado de conservação e são bastante
desconfortáveis. Durante a realização da pesquisa, presenciou-se as crianças riscando as
cadeiras, contribuindo para a degradação do material, citando Freire (2013, p. 45) “Nas
minhas primeiras visitas à rede quase devastada eu me perguntava horrorizado: Como cobrar
das crianças um mínimo de respeito às carteiras escolares, à mesa, às paredes se o Poder
Público revela absoluta desconsideração à coisa pública?”. É necessário refletir sobre as
condições de funcionamento das escolas públicas atuais, pois uma parcela significativa da
vida do ser humano se desenvolve neste espaço.
Além das cadeiras dos alunos, há a cadeira e a mesa do professor. Do mesmo
modo, existem três ventiladores que apesar do barulho contribuem para a ventilação da sala.
A luminosidade da sala é razoável, entretanto, em alguns locais é impossível identificar o que
está escrito na lousa.
Possui um armário com tranca, que guarda os materiais da professora e alguns
livros. Há uma estante onde ficam dispostos os livros didáticos de todas as matérias, assim
como os livros do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC). As crianças
têm acesso irrestrito a esses livros, inclusive se alguma delas esquece o material em casa pode
recorrer ao da sala de aula.
Nas paredes da sala há vários e diversificados materiais afixados, alguns são
denominados “cantinhos”, há números, letras, calendário, poemas, relógio de papel e etc.
Existe uma televisão exposta em um móvel de madeira, entretanto, durante o período de
permanência na sala, não se observou a utilização desses recursos pelos professores.
Na seção seguinte apresentam-se os instrumentos e técnicas utilizados durante a
realização da investigação.
3.4 Instrumentos e técnicas de coleta de dados
Tendo em vista os objetivos e procedimentos da pesquisa, recorreu-se a duas
técnicas de coleta de dados: observação e entrevista.
31
Sobre a observação, Lakatos e Marconi (1991, p. 190) afirmam que “[...] é uma
técnica de coleta de dados para conseguir informações e utiliza os sentidos na obtenção de
determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em
examinar fatos ou fenômenos que se desejam estudar”.
Nessa perspectiva, fez-se uma observação não-participante, que segundo Lakatos
e Marconi (1991, p. 193), o pesquisador,
Presencia o fato, mas não participa dele; não se deixa envolver pelas
situações; faz mais o papel de expectador. Isso, porém, não quer dizer que a
observação não seja consciente, dirigida, ordenada para um fim determinado.
O procedimento tem caráter sistemático.
Ou seja, embora o pesquisador não participe ativamente do contexto investigado,
isso não quer dizer que ele seja totalmente neutro, ao contrário, seu olhar sobre determinadas
situações carregam consigo suas percepções sobre o que está sendo observado.
Com o intuito de orientar o olhar e a escuta diante das situações em campo,
elaboraram-se dois instrumentos de coleta de dados: o roteiro de observação da escola e o
roteiro de observação da sala. O primeiro é composto por 08 questionamentos que serviram de
base para a observação de aspectos gerais da instituição, seja sobre a estrutura física, seja de
relações pessoais. O segundo possui 20 questionamentos que privilegiaram a estrutura física
da sala de aula, relações pessoais e aspectos pertinentes ao conteúdo das aulas.
Ambos os roteiros se organizaram em torno de questionamentos, portanto, podem
ser considerados semiestruturados, em função de não terem uma estrutura rígida. Recorreu-se,
do mesmo modo, à escrita de diário de campo como forma de registrar as aulas observadas.
Investigou-se, conjuntamente, o livro didático de Português utilizado na turma
observada. Objetivava-se identificar, principalmente, a presença ou a ausência de atividades
voltadas para o ensino e a aprendizagem da oralidade. Neste sentido, foi necessária a leitura
das atividades e dos textos utilizados na obra. Não se fez uso de roteiro ou fichas, mas sim de
anotações sobre os achados.
A segunda técnica utilizada foi a entrevista, que segundo Lakatos e Marconi
(1991, p. 194),
A entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas
obtenha informações a respeito de determinado assunto, mediante uma
conversação de natureza profissional. É um procedimento utilizado na
investigação social para a coleta de dados ou para ajudar no diagnóstico ou
no tratamento de um problema social.
32
Neste sentido, realizou uma entrevista semiestruturada, que segundo Triviños
(2013, p 146) é
[...] aquela que parte de certos questionamentos básicos, apoiados em teorias
e hipóteses, que interessam a pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo
campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida
que recebem as respostas do informante. Desta maneira, o informante,
seguindo espontaneamente a linha de seu pensamento e de suas experiências
dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na
elaboração do conteúdo da pesquisa.
Para a realização da entrevista recorreu-se a um roteiro como instrumento de
coleta de dados. A entrevista teve como finalidade identificar a concepção da professora
acerca do ensino e da aprendizagem da oralidade, da escrita e, em aspectos gerais, da Língua
Portuguesa. O roteiro de entrevista foi composto por 14 questionamentos, sendo que 06 são de
ordem pessoal (formação, profissão etc.) e 08 se centram na prática docente.
Lakatos e Marconi (1991, p. 198) explicitam que uma das limitações dessa técnica
é o fato de que “Ocupa muito tempo e é difícil de ser realizado”, em função de o pesquisador
estar submetido à disponibilidade do entrevistado, porém, as autoras colocam como vantagem
a flexibilidade que o pesquisador tem durante a entrevista, principalmente, em relação às
perguntas.
Durante a realização da entrevista com a professora regente A foi necessário o uso
de gravador de voz e algumas anotações em papel, com o intuito de preservar as respostas na
íntegra, e assim, garantir a veracidade dos dados.
No capítulo seguinte, discute-se sobre os dados evidenciados durante a realização
da pesquisa de campo.
33
4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS
Nesta seção, debruça-se sobre os dados evidenciados durante o período de
permanência na instituição investigada. Durante a ida à instituição, objetivou-se compreender
a relação entre fala e escrita no ambiente da sala de aula, assim como as concepções dos
professores e de que forma estas influenciavam suas práticas.
A primeira seção trata da discussão sobre oralidade e escrita no contexto da sala
de aula a partir do que foi observado durante as atividades elaboradas pelos professores. Na
segunda, analisa-se a entrevista realizada com a professora regente A, Eva, com o objetivo de
identificar quais as suas concepções sobre oralidade e escrita no processo de ensino e
aprendizagem da Língua Portuguesa. Na terceira e última seção, faz-se uma análise sobre o
livro didático de Português (LDP) adotado na sala de aula, tendo como fundamentação teórica
principalmente as contribuições de Marcuschi (2002) e os PCNLP (2000).
4.1 “A tia falou véia!” 2: oralidade e escrita no contexto da sala de aula
Nesta seção discute-se o que foi observado durante as aulas, focando
principalmente a relação entre oralidade e escrita no contexto da sala de aula, do mesmo
modo, analisam-se as relações professor-aluno e aluno-conhecimento.
Durante o período de permanência na instituição, presenciou-se o trabalho dos três
professores da turma. Entretanto, no dia reservado para a aula da professora Soraia, esta
chegou atrasada e a coordenadora pedagógica da escola iniciou a aula. Inicialmente, a
coordenadora explicou a programação da escola para o Dia das Crianças.
Neste momento, os alunos estavam bastante inquietos e faziam perguntas que
giravam em torno do que estava sendo explicitado. Muitas perguntas repetiam-se e isso
irritava bastante a coordenadora, que respondia de forma bastante agressiva e grosseira,
gritando e constrangendo os alunos que faziam as perguntas.
Deve-se ter em vista que todo trabalho que implica à relação entre pessoas exige
do profissional a escuta e o olhar atento, pois é preciso respeitar às demandas dos indivíduos e
tentar entender os porquês. No caso em questão, perguntar-se-ia: será que a coordenadora
estava usando uma linguagem clara para os alunos? Será que os alunos são desatentos? Ou
2 Comentário feito por uma aluna diante a pronúncia da palavra velha pela professora regente A.
34
talvez estivessem bastante empolgados com a possibilidade de passarem uma manhã inteira
brincando?
Somente um educador aberto aos questionamentos e as atitudes dos alunos se
questionará, e a partir disso, tentará criar um ambiente harmônico e rico em experiências,
pois, como afirma Freire (2013, p. 111), “O educador que escuta aprende a difícil lição de
transformar o seu discurso, às vezes necessário, ao aluno, em uma fala com ele”.
Outra atitude desrespeitosa da coordenadora aconteceu quando uma das alunas
informou que faltaria no dia seguinte, a coordenadora pulou de alegria, literalmente,
mostrando seu contentamento com a ausência da aluna. Após esse momento, a coordenadora
foi até a sua sala pegar os materiais para uma aula não planejada. Enquanto estava fora, a
professora regente B, Soraia, chegou à sala.
Quando a coordenadora retornou, Soraia justificou seu atraso e a coordenadora
explicou a atividade que deveria ser realizada com a turma. Nitidamente não havia um plano
de aula e o primeiro tempo restringiu-se à elaboração de um bilhete para a professora Eva.
Percebeu-se que, embora as crianças reconhecessem o gênero bilhete, faltavam-
lhes conhecimentos sobre a organização e/ou a função do gênero. Preocuparam-se mais com
os desenhos do que com a escrita. Algumas alegaram que não tinham nada para escrever,
afinal o bilhete era direcionado à Eva.
Freire (2013, p. 42) discute a importância do professor na vida dos alunos,
segundo ele, “Às vezes, mal se imagina o que pode passar a representar na vida de um aluno
um simples gesto do professor. O que pode um gesto aparentemente insignificante valer como
força formadora ou como contribuição à assunção do educando por si mesmo”.
Não apenas a assunção, mas o declínio do educando. Pois, existem professores
que falam mal de seus alunos, desqualificam-nos e julgam-nos incompetentes para realizar
feitos de diferentes ordens. Uma vez pensado isto, questiona-se: será que a ausência de algo
para escrever dá indícios de uma falta de gestos positivos? Ou será que a dificuldade está na
própria construção do texto, no sentido estrutural-gramatical, por exemplo?
A partir desta atividade, notou-se que a escrita dos alunos ainda é bem elementar,
entretanto, quando questionados sobre a estrutura de algumas palavras demonstram ter
conhecimentos necessários sobre o alfabeto, assim como a relação entre os sons das letras e a
formação das sílabas.
Apenas dois bilhetes eram ilegíveis. A professora Soraia indagou um a dos
meninos sobre o que havia escrito, e ele respondeu que não sabia, e quando a professora
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perguntou o que ele havia pensando durante o processo, ele respondeu: “Não pensei nada”.
Ou seja, apenas escreveu várias letras pelo papel sem nenhuma significação.
Cagliari (2007, p. 27) aponta que:
A escola diz que quer ensinar, mas no final das contas percebe-se que ela
ensina de maneira muito estranha, e esconde mais do que mostra. Contudo,
cobra de seus alunos um conhecimento pleno, como se eles fossem
obrigados a tê-lo, sem ela ministra-lo e sem eles poderem perguntar.
No caso da Língua Portuguesa, atualmente é crescente a discussão sobre
letramento e alfabetização nos meios acadêmicos e escolares, afirma-se que ao aluno já não
cabe mais apenas a codificação e a decodificação do código escrito, mas compreendê-lo em
sua função social. Entretanto, ainda se presencia práticas docentes que não atendem nem ao
propósito da alfabetização, e muito menos, ao do letramento.
Durante a escrita do bilhete não se percebeu um cuidado ou mesmo uma
preocupação com o ensino da oralidade. Pelo contrário, nesta e em outras atividades, as
crianças deveriam ficar sentadas, quietas e sem conversas paralelas, entretanto, ocorria o
inverso, pois exigir de uma criança que permaneça sentada e quieta durante todo o período da
aula é um trabalho árduo e totalmente em vão, pois até mesmo para um adulto é difícil
permanecer longos períodos sentado e concentrado em uma mesma atividade.
Nas aulas regidas por Eva, normalmente antes de iniciar as atividades, copiava a
agenda na lousa e solicitava que os alunos transcrevessem. Durante a aula de Ciências, passou
uma atividade do livro didático e pediu que cada aluno falasse um exemplo de ser vegetal e de
ser animal. Utilizou apenas o livro didático durante a explicação e resolução das atividades, e
fez algumas explicações no quadro. Explicou a atividade de casa, também do livro, e propôs
um ditado com cinco palavras que estavam no quadro e que haviam sido ditas pelas crianças.
Nesta aula, a oralidade se restringiu apenas à participação dos alunos na atividade
de falar um exemplo de vegetal e animal. Fávero et al (2007, p. 116) defendem que, “É
necessário mostrar como a fala é variada, que há diferentes níveis de fala e escrita (diferentes
graus de formalismo), isto é, diferentes níveis de uso da língua, e que a noção de dialeto
padrão uniforme é teórica, já que isto não ocorre na prática”, ou seja, a oralidade na sala de
aula deve permitir ao aluno o contato e a compreensão de que não há apenas uma forma
correta de fala, mas que, pelo contrário, saber que existe uma variedade.
Em outra ocasião, a professora Eva iniciou a aula com perguntas sobre o Dia das
Crianças, perguntava quem tinha ganhando presente, quantos presentes haviam ganhado e
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quem havia lhes dado o presente. Apenas quatro crianças respondiam aos questionamentos da
professora.
Enquanto os alunos transcreviam a agenda, Eva entregou a cada um dos alunos
um livro de atividades chamado Arca Literária3, nesse havia perguntas sobre uma história. Era
uma espécie de ficha de leitura e para a resolução da atividade, a professora leu a história
“Confusão no Jardim” de Ferruccio Verdolin Filho.
Antes da leitura, questionou os alunos sobre suas concepções acerca do conteúdo
do livro, a partir do título. As crianças começaram a expor ideias sobre a história, algumas já
conheciam e diziam: “Professora, de novo?” ou “A tia já leu esse livro”, a professora,
respondia: “Já li, mas vocês não tiveram que fazer essa atividade e hoje vocês vão fazer”.
Conforme a professora lia, ia fazendo explicações sobre o texto, contudo, essas
explicações por vezes confundiam a compreensão do conteúdo do texto pelos ouvintes, pois
não era possível manter o raciocínio com o texto todo fragmentado. Neste momento, era
possível observar muitas crianças bocejando e alheias à leitura. Além das explicações dadas
pela professora, algumas crianças interrompiam constantemente, dificultando ainda mais a
audição da história.
Terminada a leitura, Eva solicitou que os alunos respondessem as questões do
livro entregue antes da atividade. Dois alunos não realizaram a atividade, e um deles jogou o
livro no chão da sala e ficou fingindo que dormia enquanto os outros faziam. O livro
permaneceu o primeiro período da aula inteiro no chão, sendo pisoteado inclusive pela
professora.
Durante a resolução da atividade, a professora respondeu de forma hostil às
demandas das crianças, gritando para elas, coisas como: “Que letra horrível!” ou “Se não quer
fazer nada deveria ficar em casa!”. Muitas vezes costumava constranger os alunos com seus
comentários: “Vamos tirar as patas do meio? Porque se eu cair vou passar quinze dias de
licença!” ou “De que adianta ser chique e ser burra?”4, e, constantemente, refere-se as
crianças por “minha filha” ou “meu filho”.
Segundo Freire (2013, p. 49), “Por mais que me desagrade uma pessoa, não posso
menosprezá-la com um discurso em que, cheio de mim mesmo, decreto sua incompetência
absoluta”. Tal menosprezo é ainda mais grave por se tratar de crianças. Entretanto, mesmo
com toda a hostilidade da professora, as crianças continuam participando da aula e fazendo
3 Livro de atividades elaborado pela Secretaria Municipal de Educação do munícipio de Fortaleza. 4 Esta fala da professora foi em função de uma das meninas estar usando óculos escuros durante a atividade,
sendo que a professora já havia pedido que ela tirasse várias vezes durante a atividade.
37
perguntas. Esse é um fato curioso e contraditório, pois se espera que as crianças passem a
falar cada vez menos nas aulas em função do comportamento da professora, entretanto, no
geral, isso não aconteceu.
Em relação aos conflitos, Eva não os resolveu de forma satisfatória. Em uma
situação ficou alterada diante dos insultos e palavrões de um dos meninos e empurrou-o, a
briga gerou um clima bastante incômodo na sala.
Freire (2013, p. 138) afirma que para ensinar é preciso querer bem aos alunos e ao
próprio processo de ensinar, e “Na verdade, preciso descartar como falsa a separação radical
entre seriedade docente e afetividade”. Seriedade docente não significa distanciamento e
rispidez com os alunos, mas sim, compromisso com o trabalho docente. Percebe-se que,
durante os dias de permanência na instituição, a violência dos professores com os alunos é
preocupante e recíproca, pois ao mesmo tempo em que os professores destratam os alunos,
estes não respeitam os professores. Não há uma imagem de autoridade, mas sim um
autoritarismo vazio.
Por orientação da escola, Eva aplicou um simulado composto por cinco questões
baseadas nas provas anteriores da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA). Visivelmente,
a maior parte das crianças não conseguia resolver satisfatoriamente as questões, ficavam
constantemente perguntando para professora como deveriam fazer e qual a opção correta.
Entretanto, a professora não auxiliou as crianças na resolução das questões.
Após esse momento, Eva solicitou a leitura de um quadrinho e a resolução da
atividade no livro didático de Matemática. O conteúdo era divisão. No início da explicação a
professora recorreu ao texto do livro e juntos tentaram resolver como seria feita a divisão (48
alunos divididos em 06 minivans). Neste momento, as crianças estavam atentas e
apresentavam suas hipóteses de divisão e a professora realizava os cálculos tendo em vista o
que elas diziam. Utilizava desenhos para retratar a divisão.
Quando chegaram a um resultado, a professora propôs outro cálculo, neste,
recorreu ao material concreto (tampinhas de garrafa pet), porém, mesmo utilizando o material
concreto a aula se tornou desinteressante, pois apenas uma criança utilizava o material
enquanto as outras aguardavam.
Do mesmo modo que Eva, a aula regida pelo professor Edmundo foi iniciada pela
escrita da agenda. Após esse momento, solicitou que um dos alunos fizesse a leitura do texto
no livro didático de História.
O tema da aula era cultura africana e, conforme o texto era lido, o professor fazia
explicações e chamava os alunos a participar, fazendo perguntas e pedindo exemplos de
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comidas, danças e religiões tipicamente africanas. Os alunos participavam atentamente e, no
momento em que o assunto foi sobre capoeira, uma das alunas logo se pronunciou, então,
Edmundo solicitou que ela cantasse uma música da capoeira. Depois a menina explicou como
se jogava capoeira e qual era a marcação das músicas. O professor aproveitou para explorar a
temática falando dos instrumentos utilizados.
Segundo Freire (2013), ao professor é necessário ter consciência de que ensinar
exige respeito aos saberes dos educandos e, do mesmo modo, deve-se partir do contexto dos
alunos para tornar o conhecimento significativo. Na atividade proposta por Edmundo ficou
claro que os alunos sabiam o que era capoeira, sabiam como funcionava e, portanto, era mais
fácil para eles discutir sobre o assunto, tornando a discussão interessante.
Após as explicações, o professor solicitou que as crianças resolvessem uma
atividade do livro didático de História. Durante a aula, os alunos tinham total acesso ao
material do professor: estilete, pincel, apagador e até mesmo as provas corrigidas. Isso
demonstra falta de limites na relação professor-alunos, pois eles não pediam nem permissão
para pegar o material.
Edmundo revelou que a partir daquele dia iria deixar de trabalhar História e
Geografia, e passaria a trabalhar com os livros do PNAIC, pois com as avaliações externas se
aproximando a orientação da gestão era focar nesse material com o intuito de preparar os
alunos. Ou seja, em função das avaliações externas, duas matérias essenciais seriam
negligenciadas, produzindo um novo déficit na aprendizagem dos alunos.
Na volta do intervalo, a aula era Geografia e a temática era profissões. Edmundo
realizou a mesma metodologia da aula anterior: leitura de um texto do livro didático,
discussão sobre o tema, resolução de atividades. Nesta aula, solicitou que os alunos fizessem
um desenho de alguma profissão, mesmo não incentivando todas as crianças na mesma
proporção, todas elas realizaram a atividade.
Diante das observações, chega-se a conclusão que a oralidade na sala de aula, no
contexto da turma, restringe-se apenas a participação nas atividades, seja dizendo um exemplo
ou contando um fato. Os professores, no geral, não incentivaram os alunos a falarem
recorrendo à norma culta da língua, do mesmo modo, não incentivam a participação de todos
os alunos nas atividades, somente aqueles mais comunicativos participam da atividade.
Em relação à escrita, normalmente, os professores apontavam os erros
ortográficos e não permitiam que os alunos refletissem sobre os escritos, dessa forma, os
alunos não se apropriavam do conhecimento e faziam as correções sem pensar sobre elas.
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Na seção seguinte, analisa-se a entrevista realizada com a professora Eva, com o
intuito de identificar suas concepções acerca de ensino da oralidade e da escrita.
4.2 “Na verdade, se analisar bem, a oralidade não é muito valorizada não, sabe?”: as
concepções da professora sobre oralidade e escrita na aprendizagem da Língua
Portuguesa
Nesta seção apresentam-se os dados colhidos durante a entrevista realizada com a
professora Eva. Objetiva-se discutir sobre as concepções da professora acerca de oralidade e
escrita no contexto da sala de aula, assim como as implicações no trabalho com estas
linguagens.
Eva é formada em Pedagogia, pela Universidade Federal do Ceará e, em Filosofia,
pela Universidade Estadual do Ceará. Sobre os cursos informou que:
Quando eu entrei pra fazer Filosofia – que eu entrei primeiro na Filosofia –
eu queria ser professora, pedagoga... Filosofia é por que na época eu vi que
sobrou vaga, aí eu digo vou entrar aqui depois eu mudo (...) só que eu gostei
de Filosofia, eu achei legal logo no primeiro semestre e a Filosofia só ajudou
na Pedagogia.
Revelou que trabalha como professora desde os 17 anos de idade. Começou sua
atuação sem nenhuma formação e isto influenciou diretamente em suas tomadas de decisões
em sala de aula, segundo ela: “[...] só depois de muito tempo fui descobrindo que fazia muita
besteira ((risos))”. Durante sua carreira atuou tanto na sala de aula quanto na gestão, sendo
durante algum tempo supervisora e coordenadora de escola. Afirma que essas experiências
contribuíram para a formação de sua identidade profissional.
Quando questionada sobre sua escolha profissional, informou que não estava
arrependida, porém teme pelo futuro da profissão em função das responsabilidades que o
professor tem com a aprendizagem e com o fracasso dos alunos.
Eva revela que durante o ensino da Língua Portuguesa recorre ao uso de textos
literários, segundo ela,
Quase todo dia eu conto uma história pra eles e com essa atividade que você
viu da Arca Literária, eu costumo fazer assim: eu empresto um livro, eles
levam no final de semana, leem e na segunda feira fazem a Arca Literária,
cada um que leu vai responder de acordo com o seu livro, então, eu já não
trabalho tanto, quem trabalha são eles.
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Ou seja, o foco de suas aulas é o desenvolvimento da leitura e da escrita, pois não
menciona atividades que contribuem para o desenvolvimento da oralidade, como por
exemplo, uma “roda de conversa” ou um reconto de uma história. Cagliari (2007, p. 30)
explicita que no ensino da Língua Portuguesa é preciso distinguir as atividades relacionadas à
fala, a escrita e a leitura, pois segundo ele “São três realidades diferentes da vida de uma
língua, que estão intimamente ligadas em sua essência, mas que têm uma realização própria e
independente nos usos de uma língua”.
Expôs que, em suas aulas, procura trabalhar com diversos gêneros textuais, tendo
como principal fonte de pesquisa os livros do PNAIC, sobre os quais afirma que:
[...] é um material muito bom que vem todo tipo de texto, vem interpretação
de texto, trabalho com a estrutura de todo tipo de texto, aí facilita a vida,
porque você não precisa ir procurar o texto, o texto já vem no livro é só
colocar no planejamento e colocar a metodologia de trabalho.
Quando questionada sobre como trabalhava a oralidade em suas aulas,
prontamente respondeu:
Eu acho legal ouvir, né? É tanto que tem hora que parece uma bagunça. Que
todo mundo fala... tem uns que falam mais, outros que falam menos... tem
uns que conseguem falar exatamente aquilo que está sendo proposto [...] às
vezes tem aluno que fala alguma coisa que não tem nada a ver com o livro,
mas ele fala, o importante é desenvolver a oralidade, até pra trabalhar a
pronúncia correta das palavras e logicamente a escrita.
Percebe-se que a concepção da professora sobre oralidade está situada na
informalidade da língua, pois afirma que o importante é falar, mas que nem sempre essa fala
está voltada para o contexto da atividade. Não promove com os alunos atividades que
permitam o contato com a língua formal. Sobre esse aspecto, Ramos (1997) afirma que no
ensino da norma culta da língua é essencial contato direto com essa forma de linguagem, seja
ela escrita ou falada, para que os alunos tenham modelos.
Eva expõe que o trabalho com a oralidade é uma forma de corrigir os “erros” dos
alunos, principalmente os aspectos ligados à gramática da língua, desconsiderando as
diferenças linguísticas. Cagliari (2007, p. 36-37), discutindo sobre as variações linguísticas,
aponta que, “Para a escola, infelizmente, a variação linguística é vista como uma questão
gramatical, de certo ou errado. O diferente não tem lugar em sua avaliação, [...]”. É necessário
que escolas e professores compreendam que não basta apontar os “erros” da fala, mas sim
explorá-los, discuti-los e problematizá-los junto com os alunos.
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Discute que a oralidade faz parte do processo de alfabetização e que deveria ser
trabalhada desde a Educação Infantil, porém tece a crítica que nesta etapa não há uma
intervenção eficiente dos professores, pois segundo ela, “[...] quando aqui (na escola) tinha
Educação Infantil, eu via como trabalho acontecia na sala de aula, era: bota uma musiquinha,
um CD, uma história... só que os meninos ficavam ouvindo sem nenhuma intervenção, era
mais pra passar o tempo”.
De fato, a linguagem oral deve ser prevista nos planejamentos diários dos
professores de Educação Infantil, porém isto não exclui a responsabilidade do Ensino
Fundamental sobre essa competência, pois como afirmam os PCNLP (BRASIL, 2000), é
preciso que os professores propiciem atividades que permitam aos alunos o contato com as
mais variadas formas de fala pertinentes a cada contexto, tendo em vista principalmente as
situações formais, e não, simplesmente, apontar qual a fala certa ou errada.
A professora aponta que os próprios alunos não reconhecem as atividades de
conversas e exposições orais como atividade, segundo ela “[...] tem alguns alunos que acham
que quando tá falando, tá ouvindo uma história ou recontando oralmente a história, não é
aula, às vezes eles dizem assim: ‘Tia, a aula não vai começar não? Cadê a atividade?’”, desta
forma, argumenta a importância da agenda no estabelecimento das atividades do dia.
Outro ponto que destaca como importante no trabalho com a oralidade é a
possibilidade de deixar a criança desinibida, a habilidade de falar em público, porém durante
as observações notou-se que as atitudes hostis da professora diante da participação das
crianças poderiam contribuir para uma inibição e uma exclusão, pois Eva respondia de forma
ríspida e em, alguns casos, costumava constrangê-las.
Em relação à escrita, Eva aponta que, no caso do 3º ano do Ensino Fundamental,
no início de um ano letivo as crianças possuem conhecimentos sobre a escrita, porém
apresentam dificuldades na sua efetivação, para ela “[...] à medida que vai se habituando (a
escrever) vai melhorando, vai conseguindo... produzir um texto com coerência... é lógico que
alguns com erros ortográficos, mas que não impedem a compreensão do texto”.
A professora afirma que, durante o ensino da escrita, o primordial é promover
atividades que demandem a escrita dos alunos, primeiramente recorrendo ao que os alunos já
sabem ou suas hipóteses sobre a escrita. Depois propõe a reescrita do texto, tendo em vista as
regras gramaticais da língua, revelando sua metodologia de trabalho: “Eu vou chamando cada
um, ele vai lendo e vamos nós dois juntos corrigindo, eu vou mandando ele apagar, ou vou
corrigindo de caneta e ele vai reescrevendo em outro papel, às vezes tem umas atividades do
livro que já vem com espaço do rascunho”. Eva conta que uma das alunas não aceita que ela a
42
corrija, e diz: “Não, tia não é assim não”, a professora responde a demanda: “É minha filha,
porque se não corrigir você vai continuar escrevendo errado, não é isso, à medida que você
vai mudando de série você tem que melhorar sua escrita”.
Nota-se, a partir desse relato, a impossibilidade do aluno de refletir sobre o que
escreveu, consiste apenas em apontar os erros dos alunos, não há um diálogo e nem um
posicionamento crítico diante do escrito. Mesmo que haja boa intenção da professora, isto
contribui para uma educação mecanizada, apenas uma transferência de conhecimento e,
segundo Freire (2013, p. 47), “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.
Questionou-se a professora sobre as cobranças e as “pressões” dos pais ou da
escola sobre a aquisição da linguagem oral e escrita pelos alunos, porém Eva revelou que
nunca presenciou nenhum pai ou responsável indo até a escola perguntar sobre isso e que eles
costumam estar mais preocupados com as brigas entre os alunos do que com a aprendizagem.
Eva aponta que a cobrança da escola em torno da aprendizagem dos alunos se
deve, principalmente, à existência das avaliações externas, as notas e os rankings. Afirma que
em função das avaliações,
[...] toda semana tem simulado tanto no 2º, no 3º, no 5º ano, as turmas que
vão ser avaliadas aí... fazem o simulado pra já ir, tipo assim, treinando o
menino pra fazer a prova, né? Às vezes o aluno sabe ler, mas na hora de... ir
fazer a avaliação, responder a avaliação ele tem uma certa dificuldade... de
compreensão.
Ou seja, a escola se preocupa apenas com as notas atribuídas pelos órgãos
externos em detrimento da real função da escola: a promoção do conhecimento
contextualizado. De fato, é inegável que as boas notas rendem as escolas investimentos e
premiações, contudo, não se deve perder de vista as reais necessidades dos alunos e restringir-
se a um “treinamento” para a resolução de uma prova, como afirma Eva:
Escola boa é escola que apresenta bom resultado... e se essa avaliação é
fidedigna em relação a medir a aprendizagem do aluno, aí só Deus sabe,
porque quando o distrito fez essa avaliação deles, organizaram a::: prova e
trouxeram, aluno da minha sala do 2º ano que já sabia ler ele fez menos de
50% da prova e ele sabe lê, né? Ele fala bem... ele consegue interpretar
literalmente, né? Aí até que ponto a avaliação foi bem feita?
É preciso que os órgãos superiores da educação revejam suas formas de avaliar as
escolas e/ou prevejam outras maneiras de identificar os níveis das crianças e o desempenho
das escolas, sem que haja um abandono dos diversos conteúdos pertinentes à escola, em
função das avaliações externas e, também que os resultados sejam utilizados não apenas para
43
construções de rankings, mas que as notas impulsionem mudanças, pois segundo Luckesi
(2003, p. 34), “[...] o ato de avaliar implica em dois processos articulados e indissociáveis:
diagnosticar e decidir. Não é possível uma decisão sem diagnóstico, assim como não é
possível um diagnóstico, sem uma consequente decisão”.
Eva aponta que não há uma cobrança em torno da aprendizagem e
desenvolvimento da oralidade, pelo contrário, valoriza-se apenas a leitura e a escrita. Segundo
ela:
Na verdade, se analisar bem, a oralidade não é muito valorizada não, sabe?
Até porque os alunos não tem essa prática de saber falar na hora certa,
escutar a fala do outro, e à medida que o aluno vai crescendo eles ficam
assim mais teimosos e rejeitam determinadas coisas, acham que é besteira.
Deve-se ter em mente que as concepções dos alunos têm relação direta com o
contexto no qual estão imersos, assim como as práticas de seus professores, pois como esperar
que uma criança de oito anos valorize a fala dos colegas e/ou a sua própria fala se
constantemente seus professores solicitam que ela permaneça quieta?
Sobre a relação entre fala e escrita, Eva acredita que as linguagens estão
diretamente relacionadas e, no começo do processo de apreensão da escrita, isso é mais
evidente, segundo ela:
[...] a falta de segmentação é uma das evidências pra mim que mostra que
essa relação forte da fala e da escrita. Os alunos escrevem do jeito que falam,
né? Um aluno um dia chegou e falou assim: “Tia como é que se escreve
Ontonho?”, aí eu digo “Antônio, A-N”, aí ele disse: “Não tia”, quer dizer,
ele já tinha perfeitamente essa relação na cabeça dele.
Neste exemplo, a professora demonstra que não indagou o aluno sobre qual
palavra ele gostaria de escrever, apenas foi dizendo como deveria ser e isto gerou uma
confusão para a criança, pois nem todas as palavras ditas oralmente são iguais à escrita, pelo
contrário, a fala é muito influenciada pelos regionalismos, por exemplo.
Ao ser questionada sobre o modo que a oralidade é abordada no livro didático de
Português e de que forma realiza as atividades, Eva respondeu:
No livro ele não aborda muito a questão da oralidade não, é mais a escrita...
mas antes de fazer essa parte da interpretação escrita eu gosto de fazer a oral,
que é pra facilitar a escrita, que aí ele vai compreender e depois vai
escrever... mas o livro não aborda muito a questão da oralidade não... a
questão da oralidade depende muito do professor... como ele compreende a
importância da oralidade, né? Pra aprendizagem da leitura e da escrita...
porque quando eu faço a leitura pra um aluno e ele lê, então a compreensão
dele é diferente, ele diz até assim: “Quando a tia lê eu entendo, quando eu
44
leio eu não entendo”, porque ele não consegue... ele tá só decifrando o
código.
Na resposta a professora concebe a oralidade como um meio para outro fim, ou
seja, através da explicação e da leitura feita por ela, os alunos passam a compreender melhor o
conteúdo dos textos. Compreende que o papel do professor no trato da oralidade é
fundamental, pois caberá a ele selecionar e desenvolver atividades que promovam este
conhecimento. Entretanto, fica claro que escrita e leitura são o foco das suas aulas.
Na seção seguinte, discute-se sobre o livro didático de Português utilizado na sala
de aula observada.
4.3 A fala no livro didático de Português: análise da obra utilizada na turma
Tendo como pressuposto teórico Marcuschi (2002), buscou-se durante a pesquisa
de campo analisar o livro didático de Português (LDP) utilizado na turma, com o intuito de
compreender a influência deste instrumento no contexto da sala de aula, observando
principalmente as propostas para o trabalho docente com a oralidade.
Solicitou-se à professora o acesso ao material, e ela respondeu da seguinte forma:
“Agora nós não estamos usando o livro do PNLD5, estamos usando o do PAIC, por conta das
avaliações externas”. O comentário da professora retoma a discussão sobre as avaliações
externas, como foi explanado nas subseções anteriores, as escolas negligenciam conteúdos em
função das avaliações, pois preocupa-se apenas com as notas e classificações atribuídas
mediante o rendimento dos alunos.
A respeito do livro utilizado na turma, é da autora Samira Campedelli, Coleção
hoje é dia de Português 3º ano, e foi publicado em 2011 pela editora Positivo. Nas primeiras
páginas, há algumas explicações sobre a estrutura do livro e uma carta ao leitor. A obra se
estrutura em torno dos seguintes blocos: Lendo o texto, que traz textos de diferentes gêneros
textuais, porém reportagens e textos oriundos da internet compõem a maior parcela da obra;
Conversando sobre o texto, situa as atividades voltadas para o tratamento com a oralidade;
Compreendendo o texto, contempla as perguntas em torno de um texto, é uma espécie de ficha
de leitura; Produzindo o texto, trata-se da produção e redação de textos.
Observa-se que a estrutura do livro é simples, todas as atividades e textos estão
dentro de cada um desses blocos. Aqui, debruça-se em torno do bloco Conversando sobre o
texto, pois é ele que trata do ensino e da aprendizagem da oralidade.
5 Programa Nacional do Livro Didático.
45
Assim como a estrutura, o próprio conteúdo do livro é simplório. Na maior parte
da obra, a aprendizagem da oralidade depende de um texto, em que são sugeridas perguntas e
ações, que devem ser respondidas e realizadas pelos estudantes. Basicamente, as perguntas e
ações giram em torno de trocas de ideias com colegas e/ou com o professor, gostar ou não
gostar, conhecer ou não conhecer, opinião sobre o assunto. A oralidade consiste em expressar-
se através da fala, e principalmente, expressar sua visão sobre a temática trabalhada.
Essa forma abordada pelo livro restringe o ensino da oralidade, na verdade,
enfraquece e perpetua a visão de que a fala é o lugar da informalidade, pois não permite uma
exploração dos textos orais e restringe-se à fala cotidiana, normalmente já dominada pelos
alunos, pois as atividades consistem em uma conversa sobre o texto.
Como afirma Marcuschi (2002, p. 21) “Observando os LDP em geral, constata-se
que poucos se preocupam em explicitar a noção de língua com que operam”, porém o autor
deixa claro que em suas análises sobre o material, no geral, a maior preocupação dos livros é
com os aspectos relacionados à gramática. A obra analisada não se distingue do que foi
apontado pelo autor.
Embora haja uma parte do livro dedicada à oralidade, esta permanece situada na
informalidade e no cotidiano, não permitindo ao docente e aos discentes a análise mais crítica
da língua, assim como o contato com a formalidade da língua oral. Segundo os PCNLP, “É
preciso, portanto, ensinar-lhes a utilizar adequadamente a linguagem em instâncias públicas, a
fazer uso da língua oral de forma cada vez mais competente” (BRASIL, 2000, p. 49), pois a
língua cotidiana, normalmente, já é dominada pela criança e, portanto, cabe ao docente e ao
livro didático refletir criticamente sobre a língua coloquial, assim como voltar-se para o
ensino da língua oral pautada nas normas cultas.
Em suma, é primordial que o educador reflita criticamente sobre este instrumento
didático para que seja capaz de tornar os conhecimentos significativos e não apenas utilizá-lo
de maneira mecânica, pois como propõe Freire (2013, p. 28) “Percebe-se, assim, a
importância do papel do educador, [...] não apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar
a pensar certo”.
Com este capítulo, objetivou-se analisar e discutir o que foi evidenciado em
campo, relacionando com as teorias discutidas nos primeiros capítulos, a fim de compreender
o lugar da oralidade e da escrita na sala de aula. Do mesmo modo, pretendeu-se problematizar
a concepção da professora sobre o ensino e a aprendizagem da língua, e a presença da
oralidade no livro didático de Português.
46
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização da pesquisa permitiu a formulação de hipóteses e algumas
conclusões acerca da relação entre oralidade e escrita no contexto da sala de aula, porém,
ressalta-se que os dados analisados nesta pesquisa não podem ser generalizados ou estendidos
a outras salas de aulas, entretanto, podem servir de encaminhamento para outras pesquisas ou
para comparar realidades distintas.
Durante a investigação bibliográfica notou-se que o advento da impressa
propagou a concepção dicotômica entre fala e escrita, pois a escrita passou a ser concebida
como autônoma em relação à fala. Os linguistas da época compreendiam a fala como o lugar
do “caos”, em função de seus elementos (pausas e hesitações, por exemplo) e, portanto, não
cabia à escola ensiná-la. Estabelecia-se uma supremacia da escrita sobre a oralidade.
Entretanto, a partir dos anos 1990, os estudos passam a conceber que a fala pode ser ensinada
e que não pode ser vista dentro dos parâmetros da escrita, pois mesmo fazendo parte do
mesmo sistema linguístico, possui uma organização distinta da escrita.
Neste sentido, compreendeu-se que a escola deveria ensinar à escrita, a leitura e
também a fala. Deste modo, buscou-se na pesquisa compreender as concepções da professora
sobre o ensino e a aprendizagem da oralidade e da escrita. Contudo, os dados revelam que o
ensino da oralidade ainda é muito restrito e se centra, principalmente, na informalidade da
língua. Evidenciou-se que os professores, no contexto investigado, preocupam-se mais com as
competências de leitura e escrita do que com a fala. Do mesmo modo, a fala ainda é vista com
o lugar do erro e a escrita como superior.
Percebe-se que a valorização da escrita e da leitura está diretamente relacionada
com as avaliações externas, pois há todo um aparato da instituição e dos órgãos superiores em
relação à entrega de materiais, aplicação de simulados e mudanças no cronograma de
disciplinas, para que o aluno seja “treinado” para a realização destas provas. Acredita-se que
esse seja um dos aspectos determinantes para a ausência do trabalho pedagógico com
oralidade na sala de aula.
Outra consideração que se faz, a partir desta pesquisa, é o fato de que a
compreensão da professora sobre oralidade é primordial durante o ensino da Língua
Portuguesa, pois ao entender que a oralidade é um recurso para trabalhar escrita e leitura,
tende a “consertar os erros” dos alunos, por achar que fazendo isto formará um escritor e
leitor competente. Desta forma, desconsidera as diferenças e as variações linguísticas da fala.
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Ou seja, a visão dos professores sobre o ensino da oralidade e da escrita está diretamente
ligada à forma com que as competências são trabalhadas em sala de aula.
Em relação ao livro de didático de Português, nota-se que a obra analisada
contribui para a manutenção de práticas simplórias no trato da oralidade em função de propor
atividades que remetem, principalmente, à informalidade da língua. Entretanto, é preciso
deixar claro que cabe ao professor ter um olhar crítico sobre o livro, pois estando consciente
das potencialidades e das limitações do instrumento, poderá fazer uma prática que valorize,
analise e problematize a oralidade e as suas variações estilísticas, buscando sempre a
superação de concepções dicotômicas da língua.
Considera-se que haja possibilidades de aprofundamento a partir desta pesquisa, a
exemplo, uma investigação que contemple um maior número de professores, assim como,
entrevista com alunos, para que se compare e problematize as concepções dos envolvidos,
poderão revelar outras conclusões acerca do tema.
Diante dos dados, conclui-se que, mesmo com os avanços nas pesquisas e nas
discussões sobre o tema, as concepções da professora e as atividades propostas no livro
didático perpetuam a visão de “grande divisão” entre fala e escrita. Contudo, reafirma-se que
a pesquisa possui limitações, por se focalizar na realidade de uma determinada turma, e,
portanto, não se apresenta dados mais amplos, entretanto, acredita-se que servirá de base para
outros estudos posteriores.
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APÊNDICE A – ROTEIROS DE OBSERVAÇÃO
Roteiro de observação da escola
Quais são os espaços da escola, como estão distribuídos? É um ambiente agradável? Arejado?
Existem muitos conflitos? Os funcionários são simpáticos e acessíveis? Funciona em quais
turnos? Há quantos alunos matriculados? Atende quais séries?
Roteiro de observação de aula
Dia observado:
Horário:
Série: Turma:
Número de alunos matriculados: Número de alunos presentes na aula:
Em relação à estrutura física
Descreva a estrutura da sala. Há cadeiras suficientes para todos os alunos? Há materiais
diversificados? É um ambiente agradável? Arejado? Iluminado?
Em relação à aula
Conteúdo da aula:
Atividades realizadas:
Quais os conhecimentos e atitudes valorizados pela professora?
Os alunos são participativos ou alheios?
A professora elaborou e recorreu ao plano de aula?
De que forma está sendo trabalhada a oralidade e a escrita na atividade?
Os alunos são incentivados a se expressarem oralmente diante as atividades? Ou devem
permanecer quietos?
Quais os materiais utilizados pela professora durante a aula? Recorre a jogos, mídias, etc, ou
se restringe ao quadro branco?
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APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA REALIZADO COM A PROFESSORA
REGENTE A
Pessoal
Formação (onde, quando, em que):
Há quanto tempo leciona?
Trabalha em quantas escolas?
Atua em quais séries?
Quais disciplinas ministra?
Acredita ter feito uma boa escolha profissional?
1. Durante o ensino da língua portuguesa, que conteúdos e conhecimentos são valorizados
em suas aulas?
2. Em relação à oralidade, como você trabalha na sala de aula?
3. Em relação à escrita, no início de um ano letivo, as crianças já demonstram possuir
conhecimentos sobre a escrita? Ou normalmente, você se depara com a maior parte da turma
alheia a esse conhecimento?
4. De que forma se dá o ensino e a aprendizagem da escrita em suas aulas? A escrita se
articula a outros conhecimentos? Ou é vista individualmente?
5. Existe algum tipo de “pressão” social, da escola, dos pais, por exemplo, para que ao
final de um ano letivo as crianças sejam escritoras competentes? Se sim, como você lida
com isso?
6. Essa mesma “pressão” recai sobre a oralidade?
7. Você acredita que haja uma relação entre fala e escrita, no sentido de que a fala
interfere na escrita, e vice-versa? Ou são dependentes, ex.: um aluno pode cometer diversos
erros de norma culta quando está falando, porém escreve corretamente, dentro dos padrões.
8. De que modo à oralidade é abordada no livro didático? Você realiza as atividades
propostas? Fale um pouco isso.