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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SILVIA DE SOUZA DIAS O BAIRRO ZUMBI NA PERSPECTIVA DE QUILOMBOS EM CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM, ESPÍRITO SANTO (1960-2012) VITÓRIA 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

SILVIA DE SOUZA DIAS

O BAIRRO ZUMBI NA PERSPECTIVA DE QUILOMBOS EM CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM, ESPÍRITO SANTO (1960-2012)

VITÓRIA 2014

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SÍLVIA DE SOUZA DIAS

O BAIRRO ZUMBI NA PERSPECTIVA DE QUILOMBOS EM

CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM, ESPÍRITO SANTO (1960-2012)

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em História do Centro de

Ciências Humanas e Naturais da Universidade

Federal do Espírito Santo, como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em

História na área de concentração em História

Social das Relações Políticas.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Cláudio M. Ribeiro.

VITÓRIA 2014

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Dias, Sílvia de Souza, 1979- D541b O bairro Zumbi na pespectiva de quilombos em Cachoeiro de

Itapemirim, Espírito Santo (1960-2012) / Sílvia de Souza Dias. – 2014. 90 f. : il. Orientador: Luiz Cláudio Moisés Ribeiro. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do

Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais. 1. História - Cachoeiro de Itapemirim (ES). 2. Quilombos -

Cachoeiro de Itapemirim (ES) - 1960-2012. 3. Zumbi (Cachoeiro de Itapemirim, ES). I. Ribeiro, Luiz Cláudio Moisés). II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Humanas e Naturais. III. Título.

CDU: 93/99

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

SILVIA DE SOUZA DIAS

O BAIRRO ZUMBI NA PERSPECTIVA DE QUILOMBOS EM CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM, ESPÍRITO SANTO (1960-2012)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em História Social das Relações Políticas do

Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade

Federal do Espírito Santo como requisito parcial para

obtenção do título de Mestre em História.

Aprovada em _____ de ____________ de 2014.

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________________

Prof. Dr. Luiz Cláudio Moisés Ribeiro

PPGHIS/UFES – Orientador

_____________________________________________

Profa. Márcia Barros Ferreira Rodrigues

PPGHIS/UFES – Membro Titular

_____________________________________________

Prof. Dr. Osvaldo Martins de Oliveira

UFES – Membro Titular

_____________________________________________

Prof. Dr. Pedro Ernesto Fagundes

PPGHIS/UFES – Membro Suplente

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AGRADECIMENTOS

Muitos foram aqueles que contribuíram de forma significativa para o presente

trabalho.

Primeiro, agradeço a Deus, todo poderoso!

Agradeço ao meu querido pai José Carlos Dias, pelo incentivo e pelo apoio em todos

os momentos, compartilhando enorme sensibilidade.

À minha mãe Regina Maria de Souza, pela educação sensível e politizada, sempre

valorizando o negro e as minorias.

Ao meu filho Henrique Dias Sório, pela compreensão com as ausências durante as

idas à Vitória e ao bairro Zumbi, e torcida positiva.

Ao meu irmão Fabiano Souza de Lima, sempre na torcida, contribuindo com

palavras carinhosas.

Ao professor Aldiéris Caprini, pela ajuda na temática do projeto, e no processo de

inscrição no Programa de Pós graduação de História da UFES, incentivando sempre

a participação nos Encontros científicos de História.

Ao professor Adílson Silva Santos, por ter me apresentado o bairro Zumbi.

Ao meu orientador Luiz Claudio Moisés Ribeiro, pela sensibilidade e apoio através

de livros, ideias e orientação.

A Niecina Ferreira de Paula Silva, sempre solícita e carinhosa.

Ao mestre Rogério Vieira Machado e aos integrantes da folia de reis “Estrela do

Mar”, por terem me proporcionado momentos mágicos acompanhando a folia.

Ao Zé Palhaço.

A Gilberto Lopes Elias.

A dona Eleny dos Santos.

A Roberto Valadão.

A Juarez Tavares Mata.

A Marcelle Ferreira Lins, pelo incentivo e ajuda no processo.

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Ao querido amigo Diego Stanger.

Aos Colegas de mestrado Joana Darck Caetano, Philipi Gomes Alves Pinheiro,

Joana Paula Pereira Correia, José Junior Rocha, Bruno Sorbosa, Danielle Simiquelli

Durante Siqueira, juntos compartilhamos sentimentos e responsabilidades.

Aos Professores Márcia Barros Ferreira Rodrigues e Osvaldo Martins de Oliveira.

Ao Programa de Pós Graduação de História da UFES.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (fui bolsista de setembro de

2012 a fevereiro de 2014).

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Aos moradores do bairro Zumbi

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“Escovar a história a contrapelo.”

Walter Benjamin

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Resumo

A pesquisa propõe uma interpretação do bairro Zumbi, o mais populoso de

Cachoeiro de Itapemirim – ES, a partir de uma perspectiva de quilombos urbanos.

Local de diversidade, o bairro apresenta fortes indícios de manifestações religiosas e

culturais afro-brasileiras, dentre elas a Umbanda.

Superado o conceito passado de lugar de fuga de escravos, o quilombo se tornou

um conceito aberto que vai inscrito desde o direito constitucional até as experiências

culturais dos grupos. Sendo assim, a pesquisa propõe uma discussão acerca de

quilombos no campo historiográfico, político e ideológico, demonstrando as relações

políticas entre grupos sociais e a realidade social do bairro. A pesquisa utilizou a

metodologia da história social e da antropologia histórica a partir de uma abordagem

histórica, política e econômica do Espírito Santo, em que se observou os rituais e os

símbolos, privilegiando a narrativa dos atores sociais.

Palavras chaves: bairro Zumbi, quilombos urbanos, Cachoeiro de Itapemirim.

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Abstract

The research proposes an interpretation of the most populous neighborhood of

Cachoeiro Itapemirim, in Espírito Santo, named Zumbi, from a perspective of urban

Quilombos. Place of diversity, the neighborhood has strong evidence african-

Brazilian religious and cultural events, among them the Umbanda.

Overcome the past concept of place of escape of slaves, the Quilombo now

becomes an open concept that goes enrolled since the constitutional right to the

cultural experiences of the groups. Thus, the research proposes a discussion of the

Quilombo historiographical, political and ideological field, demonstrating the political

relations between social groups and the social reality of the neighborhood. The

research used the methodology of social history and historical anthropology from a

historical, political and economic approach of the Espírito Santo, in which the rituals

and symbols was observed, favoring the narrative of social actors.

Key words: Zumbi neighborhood, Urban Quilombo, Cachoeiro de Itapemirim

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11

Capítulo 1 - O negro no Espírito Santo.................................................................. 18

1.1– CONTEXTUALIZAÇÃO E FORMAÇÃO HISTÓRICA ....................................... 18

1.1.1 Presença negra no Espírito Santo ................................................................ 18

1.2 – O pensamento político-científico no Brasil na virada do século XIX ................. 25

1.3 – Predomínio sul na economia do Espírito Santo no século XIX e na conjuntura

do século XX ............................................................................................................. 28

Capítulo 2 - O quilombo, o bairro Zumbi e a luta negra ....................................... 36

2.1 Quilombos ........................................................................................................... 36

2.2 O que faz do bairro Zumbi um quilombo? ........................................................... 41

2.3 A conquista do direito e valorização da ancestralidade ....................................... 47

Capítulo 3 - A voz do quilombo Zumbi .................................................................. 52

3.1 Etnografia ............................................................................................................ 53

3.2 Narrativas da comunidade - bairro Zumbi ........................................................... 56

3.2.1- Dona Isolina .................................................................................................... 56

3.2.2 - Centro do Galo - Centro Espírita Nossa Senhora da Conceição. ............ 63

3.2.3 Mestre Rogério ............................................................................................... 66

3.2.4 - Gilberto Lopes Elias .................................................................................... 71

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 77

5 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 80

ANEXOS ................................................................................................................... 82

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INTRODUÇÃO

Cachoeiro de Itapemirim é a maior cidade do sul do Espírito Santo, com uma

população de 189.889 habitantes1. Assim como outras cidades, Cachoeiro teve seu

nome ligado à natureza, mais especificamente ao rio encachoeirado que havia no

último lugar navegável, na formação da cidade, local de parada de tropeiros no

século XIX.

Atualmente é considerada pólo econômico de mármore e granito, pois são indústrias

primárias que não configuram um pólo industrial. Contudo, teve, no século XIX, uma

economia predominante de cultivo de café, baseada no sistema “plantation”,

momento esse no qual se deu o povoamento da região, propiciado pelas excelentes

terras para o cultivo do café.

O período do auge da produção cafeeira, entretanto, coincide com o fim da

escravidão (Almada; 1983), até as vésperas da abolição, os escravos continuaram

exercendo a mão de obra escrava no sul do Espírito Santo, em um sistema

econômico, político e social arraigado há séculos no Brasil.

Entretanto, movimentos conhecidos como quilombos sempre estiveram instituídos

na história do Brasil como forma de combater a opressão do sistema estabelecido.

Após a abolição, aos afrodescendentes foi destinada a marginalização, sobretudo

levando em consideração o discurso eugênico que abalou tanto os negros e pardos

livres/pobres e negros/pardos, vistos naquele momento como: “marginal, indolente

(...)” (ALMADA 1993, e; SALETTO, 1996). O negro excluído de participar da vida

política e econômica teve negado o direito do trabalho, da terra e, sobretudo, da

cidadania.

Ao longo da história do Espírito Santo, a história da exclusão de boa parte da

população afrodescendente se torna evidente quando se contrapõe ao domínio das

elites historicamente estabelecidas no poder.

O bairro Zumbi, em Cachoeiro de Itapemirim, o maior em população da cidade,

surgiu no contexto histórico de migração urbana ocorrida no Brasil em algumas

regiões do Brasil, durante os anos 60. Em uma cidade onde se privilegiou dar nomes

1 Censo Demográfico IBGE 2010

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às ruas, aos bairros e aos prédios públicos homenageando grandes personagens

políticos como Bernardo Horta (republicano de destaque no Estado) e Bernardino

Monteiro, a presença de um bairro chamado Zumbi é, no mínimo, curiosa e

instigante, já que o mesmo foi chefe político de um dos maiores quilombos da

América: o Palmares.

Localizado dentro da área urbana, o bairro apresenta diversos indícios de quilombos

urbanos. Além da enorme diversidade étnica e cultural, a presença de uma herança

africana se manifesta em diversas práticas sociais, culturais e religiosas no bairro.

No ano de 2010, o Espírito Santo lançou um atlas do seu folclore. Tratou-se de um

mapeamento sobre a cultura popular do estado. O bairro Zumbi apareceu no

mapeamento com duas folias-de-reis (que absorveram traços da negritude) e o

caxambu. Em Cachoeiro de Itapemirim, o município reconhece o caxambu, o bate-

flechas e as folias de reis como cultura popular – práticas culturais que se

relacionam com a Umbanda.

A presença da Umbanda ocorre de forma bastante acentuada pelo bairro através de

“centros” que se espalham por todo o território, onde se encontram presentes figuras

de pretos velhos (espíritos que habitam lugares da África como Angola e Aruanda) e

abençoam ou aconselham os integrantes e os visitantes sobre diversas áreas da

vida. Há também outros espíritos, dentre eles os marinheiros, que recebem todo o

respeito e a acolhida nesses locais.

Outro indício relevante da caracterização de quilombos urbanos do bairro Zumbi

está presente no trabalho de Bonadiman2. O trabalho que demonstra a relação dos

foliões do bairro Zumbi, em seu ritual com os santos e o imaginário da Umbanda,

aponta como formação do bairro:

Desde o inicio do processo de expansão cafeeira no Vale do Itapemirim, muitos quilombos se formaram na região. Todavia, mesmo após o esfacelamento das grandes fazendas de café, os territórios quilombolas foram (e continuam sendo) alvo de contínuas disputas territoriais de empresas agropecuárias. Muitos então, não viam outra possibilidade a não ser deslocarem-se para os centros urbanos. O bairro Zumbi em Cachoeiro de Itapemirim foi o principal ponto de aglomeração desta população, formado de uma “roça dentro da cidade”, como contam os antigos moradores, rapidamente passou a integrar a região com maior densidade demográfica do município. Os moradores contam que até pouco tempo o Zumbi era praticamente uma localidade rural dentro da cidade de

2 BONADIMAN, Diogo. Dissertação de mestrado apresentada na UnB (Departamento de Antropologia, 2010),

intitulada Santos Guerreiros: Relato de uma experiência vivida nas jornadas de folia de reis no sul do Espírito

Santo.

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Cachoeiro, já que as famílias que chegavam ao lugar - que era tudo pasto - traziam consigo suas práticas de cultivo do solo e de animais, assim como sua forma de sociabilidade (BONADINAM, 2010, p.13).

No primeiro capítulo, fizemos uma abordagem político-econômica e social do estado

do Espírito Santo para melhor compreensão da condição negra ao longo da história.

Dessa forma, ressaltamos dois momentos que consideramos importantes: o

desenvolvimento da cafeicultura em meados do século XIX – momento em que se

deu a povoação do sul do Espírito Santo e os anos 60, pois o Espírito Santo é

inserido no cenário econômico internacional – e o momento em que surgiu o bairro

Zumbi, em Cachoeiro de Itapemirim.

No primeiro momento houve uma mudança no eixo econômico do Brasil, pois se

transferiu grande parte da população escrava para o centro sul do país que se

encontrava no auge da atividade cafeeira. Entender esse período se torna

extremamente importante: primeiro para compreender as relações sócio afetivas

entre escravos e senhores, que se deram de forma bastante conflituosa no estado

(Almada,1993), além das políticas nacionais naquele momento convergindo em leis

para o fim da escravidão, levando também em consideração a Lei de Terras (1850),

uma preocupação por parte do Governo Imperial em legalizar as terras no Brasil, em

artigos que excluíam também os afrodescendentes. Mais importante, contudo, é

entender o pensamento político e cientifico difundido no Brasil a partir de 1870,

influenciado pelas teorias raciais importadas da Europa, mal interpretadas, mas que

tiveram enorme vigência no Brasil.

De acordo com Lilia Schwarcz, em sua obra O Espetáculo das Raças, as teorias

raciais foram pouco investigadas pela Academia, (ao contrário dos estudos sobre

teorias, como o Liberalismo e o Positivismo), entretanto, no fim do século XIX, o país

foi considerado um lugar de aberração por diversos estrangeiros devido à sua

miscigenação. O país contou com uma política de embranquecimento no início do

século XX, registrado em documentos pelo Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Outra questão importante se refere aos primeiros centros de ensino instituídos no

Brasil, tanto no Nordeste como no Sudeste, tendo bases evolucionistas como

produção intelectual e científica. O pensamento eugênico utilizado também no

discurso político como forma de segregação social, justamente no período que

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coincide com o fim da escravidão, apesar de modificado, mostra-se ainda atingindo

boa parte da população afrodescendente.

No segundo capítulo, conceituamos os quilombos em uma perspectiva histórica,

desde sua origem até a atual região do Zaire na África. Discutimos a visão

mitológica, em que houve a separação de um Reino, a qual deu início a um conflito

por terras e poder político, desencadeando o surgimento de grupos de resistência,

conhecidos como quilombos. O quilombo até o século XIX, em algumas regiões da

África, devido a sua história mítica, estava ligado a uma iniciação, um ritual.

Esse modelo advindo da África surge aproximadamente na mesma época no Brasil,

com semelhanças na construção e na sociabilidade. Nos quilombos da região

nordeste, no século XVII, o de maior duração e de maior importância para a América

foi o Quilombo de Palmares.

Os diversos estudos sobre o que foi e como surgiu apresentam divergências, não

sendo possível uma história autêntica do Quilombo dos Palmares, mas o ponto em

comum, desde os mais antigos aos mais recentes, é o caráter muito étnico, no qual

existia a diversidade de negros africanos, brancos livres, pobres e indígenas.

A história do quilombo é intrínseca à história do Brasil. Do século XVI às políticas

públicas atuais, ela está presente tanto no debate territorial e de Direito

Constitucional, a sua identidade, como no debate ideológico, nos diálogos com a

negritude, na equidade dessa população.

O conceito de quilombo se tornou um conceito aberto, em constante transformação.

Atualmente, o conceito colonial de fuga de escravos foi superado. Passando por

debates de ancestralidade, sociabilidade e cultura, o conceito de quilombos é

centrado na identidade do grupo e em suas tradições, além de enfocar os quilombos

historicamente.

Existe um equívoco quando se diz que não houve resistência e luta dos negros ao

longo do processo histórico. O próprio quilombo é um movimento de luta, surgindo

outros após, na mesma busca de equidade. A perspectiva do bairro Zumbi como

quilombos se dá devido ao território possuir uma presença negra, além de uma

fronteira simbólica expressada na prática de tradições africanas e fazendo interface

com a discriminação racial.

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No terceiro capítulo, é apresentada ao leitor a perspectiva de quilombos do bairro

Zumbi através da etnografia e de narrativas das lideranças negras presentes no

bairro. Para isso, utilizamos o conceito da prática etnográfica presente na obra A

interpretação das culturas de Clifford Geertz (1978).

De acordo com Geertz, a prática etnográfica não é uma questão de métodos.

Segundo ele, “praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes,

transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário”, não se

limitando a essas técnicas, pois os processos determinados que definem o

empreendimento vão além,

Olhar as dimensões simbólicas da ação social- arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum - não é afastar se dos dilemas existenciais da vida em favor de algum domínio empírico de formas não emocionalizadas; é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da antropologia interpretativa não é responder ás nossas questões mais profundas, mas colocar a nossa disposição as respostas que outros deram- apascentando outros carneiros em outros vales- e assim incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou (GERRTZ, 1978, p. 15).

Geertz ainda nos alerta quanto à necessidade de se prestar atenção às

necessidades e às realidades sociais para não transformar a análise cultural em

esteticismo sociológico.

As narrativas dos atores sociais refletem suas histórias de vida, a realidade social e

econômica. Essas narrativas demonstram suas trajetórias e estão ligadas às suas

práticas sagradas. Analisar o bairro Zumbi na perspectiva de quilombo é vivenciar a

cultura africana através das práticas religiosas que germinam e fortalecem com o

passar no tempo.

O maior desafio do pesquisador ao lidar com temáticas que envolvam práticas

culturais religiosas africanas é superar a historiografia de referência europeia

estabelecida historicamente para obter uma interpretação que não seja

estigmatizada no sentido de subjugar a cultura afrobrasileira/capixaba.

Uma interessante reflexão envolvendo a temática é a proposta do autor Jack Godoy

em sua obra intitulada O roubo da História, na qual faz uma crítica sobre a

dominação da história imposta pelo Ocidente ao resto do mundo.

O autor, após permanecer vários anos entre etnias africanas, questionou a

pretensão europeia de afirmar como invenções próprias formas de governo como

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democracia, formas de parentesco (como a família nuclear), formas de troca (como o

mercado) e formas de justiça, quando essas já se encontravam de estágio

embrionário em outros lugares.

O autor afirma que essas pretensões foram incorporadas tanto pela história como

disciplina acadêmica, como nas representações populares, e critica o fato de muitos

historiadores europeus afirmarem que o desenvolvimento no resto do mundo tenha

ocorrido diferentemente do continente Europeu. Continentes como a Ásia –

classificada como “despotismo asiático” (Marx) – e África, tidos como inferiores, são

ideias que vão contra o entendimento de cultura atual, confrontando os estudos na

área da arqueologia:

Em particular, alguns escritores tendem a menosprezar o fato de África utilizar mais a agricultura de enxada que o arado e a irrigação. A África não passou pela experiência da revolução urbana na idade do bronze. No entanto, o continente não estava isolado. Os reinos de Assante e do Sudão Ocidental produziram ouro que, juntamente com escravos, era transportado pelo Saara até o Mediterrâneo. Lá era usado na troca por produtos orientais (via cidades de Andaluzia e da Itália). A Europa nessa época necessitava muito de metais preciosos. Em troca a Itália enviava contas venezianas e sedas e algodão indiano. Um mercado ativo conectava “as economias de enxada”, o incipiente “capitalismo” mercantil e as agriculturas de estação, do sul da Europa, de um lado, com as economias manufatureiras, urbanas e de agricultura irrigada do Oriente, de outro (GOODY, 2008, p. 14).

A questão, para Goody, é a forma como se tem comparado o desenvolvimento da

Europa com o resto do mundo:

A Europa passou por eras como antiguidade, feudalismo, capitalismo, que os outros não experimentaram. Diferenças certamente existem. Mas o que se requer é uma comparação mais cuidadosa, não um contraste grosseiro entre Ocidente e Oriente que sempre acaba favorecendo o primeiro (ibid, p.15).

O autor ainda explica que há uma tendência em organizar a experiência a partir

daquele que a examina, seja indivíduo, grupo ou comunidade, o que acaba

resultando no etnocentrismo, postura que caracterizam gregos e romanos, e o resto

das comunidades. Para ele,

todas as sociedades possuem certo etnocentrismo que em parte é requisito da identidade pessoal e social de seus membros. Porém se a Europa não inventou o amor, a democracia, a liberdade e o capitalismo de mercado, ela também não inventou o etnocentrismo (ibid).

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Ele afirma que o etnocentrismo europeu foi ampliado pela visão da antiguidade na

Europa, cuja autoridade foi reforçada pelo excessivo sistema de escrita grega

apropriada e absorvida pelo discurso historiográfico. O etnocentrismo, então, foi

agravado posteriormente com a dominação europeia mundial em várias esferas

vistas como primordiais e que, no século XVI, a Europa teria alcançado uma posição

dominante no mundo devido à Renascença e aos avanços na navegação que

permitiram armamentos, possibilitando explorar e colonizar novos territórios,

desenvolvendo sua empresa mercantil. Entretanto:

Pelo final do século XVIII, com a revolução Industrial, a Europa alcançou o domínio econômico e mundial. No contexto da dominação, o etnocentrismo assume um aspecto mais agressivo. “Outra raça” passa a ser automaticamente “raça inferior” e na Europa um ensino sofisticado (às vezes racista no tom, embora a superioridade fosse considerada de caráter cultural e não natural) criou justificativas para explicar porque as coisas eram assim” (GOODY, 2008, p. 16)

Sendo assim, a história mundial tem sido escrita e dominada por categorias como o

feudalismo e o capitalismo por historiadores que pensam, sobretudo, na Europa.

Goddy critica a comparação sociológica feita dessa forma e, dentre suas diversas

sugestões de interpretação da história, sugere começar a interpretação por questões

como a da propriedade condicional da terra. Para o leitor, tornam-se importantes

essas pontuações, devido à visão sobre a religiosidade afro-brasileira permeada por

estigmas e preconceitos estabelecidos historicamente, para assim superar a visão

eurocêntrica do desenvolvimento econômico, mas ampliando o entendimento de

culturas.

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Capítulo 1 - O negro no Espírito Santo

1.1– CONTEXTUALIZAÇÃO E FORMAÇÃO HISTÓRICA

Para se estudar a identidade afro-brasileira presente no bairro Zumbi em Cachoeiro

de Itapemirim, faz-se necessária uma abordagem histórica acerca do negro na

região. Sendo assim, é de extrema relevância uma análise política, econômica e

social do desenvolvimento econômico que aconteceu na região no século XIX. O

desenvolvimento da cafeicultura e a sua importante inserção na economia nacional

contribuíram para o povoamento da região e para o desenvolvimento urbano.

Entender as relações político-sociais presentes durante esse processo é

fundamental para conhecer a perspectiva quilombola do bairro Zumbi na atualidade.

1.1.1 Presença negra no Espírito Santo

Mesmo levando em consideração a produção cafeeira do século XIX e a escravidão,

não existem dados precisos acerca da origem dos negros capixabas.

O estudioso do assunto, Cleber Maciel, em pesquisas publicadas em duas obras: A

religiosidade afro-capixaba: Candomblé e Umbanda no Espírito Santo e Práticas

culturais e religiosas afro–capixabas e Negras no Espírito Santo, chama a atenção

para a existência de negros desde 1550, dado registrado em um documento de

arrematação de bens de um feitor da capitania que constava com 12 escravos,

porém, afirma que os documentos oficiais informam que somente em 1561 a força

de trabalho importada da África ocorreu no Espírito Santo.

De acordo com Maciel, no século XVI o Brasil recebeu numerosos africanos

sudaneses. Já no século XVII houve a entrada de um grupo conhecido como bantos;

do século XVII ao XIX, escravos chamados de Mina, acompanhados de bantos e

sudaneses; e que, após 1850, com a lei que impedia o tráfico negreiro, os escravos

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continuaram chegando ao Espírito Santo, mas teriam sido registrados como

nascidos nas fazendas a fim de burlar a lei.

Algumas fontes que tratam da origem dos negros, de acordo com Maciel, podem ser

encontradas em notícias de jornais do século XIX:

Em Cachoeiro de Itapemirim eram conhecidos os escravos da fazenda Monte Líbano pela aparência robusta e boa vestimenta. Eram quase todos minas”. Publicado no Correio Vitória, em 22.02.1872 (MACIEL, 1992, p.19).

O autor explica que o termo “mina” se refere ao castelo da Mina, famosa fortaleza

Lusitana no porto de Al Juba, por onde passaram os que embarcavam nos navios

negreiros. Ele também ressalta que, até o final do século XIX, havia o xingamento

pejorativo: “seu negro mina”, em relação à população negra. Fato contraditório,

entretanto, é que, ao mesmo tempo em que muitos senhores de escravos diziam

que os escravos minas eram inclinados à embriaguez, consideravam-lhes muito

resistentes fisicamente. Existia também uma crença geral, de acordo com Maciel,

que os minas eram perigosos, temíveis feiticeiros e insuperáveis nas preparações de

remédios e benzeções; ele cita um famoso curandeiro em Cachoeiro de Itapemirim,

Tio Lalau, que confirmara sua origem como um mina legítimo.

Além disso, é ressaltado pelo autor que havia – na tradição oral do Espírito Santo –

a crença de que as mulheres minas tinham a pele muito preta, eram corpulentas e

enfeitiçavam os senhores, tendo com eles filhos mulatos.

De acordo com Maciel, muitas nações africanas presentes no Espírito Santo

possuíam um gênio aguerrido e de bravura.

Sabe-se, entretanto, que no Espírito Santo houve uma intensa comercialização de

escravos e uma presença forte da origem banto, porém diversas outras etnias

estiveram presentes e, no século XX, houve uma intensa mobilidade migratória da

população negra no país.

Sendo assim:

Falar da origem dos negros capixabas é, primeiro, pensar os remanescentes de muitas culturas e etnias africanas. Segundo, somar isso às miscigenações ocorridas com os pioneiros brancos e índios. Terceiro, nessa resultante mestiça deve se incluir ainda a participação, mesmo que em escala pequena, dos brancos da grande imigração européia, e dos brasileiros em geral (ibid, p. 21).

Entretanto, já havia uma pequena população presente na região do Espírito Santo. A

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historiografia, já no século XVII, aponta a existência de pessoas na região de

Castelo (sul do estado), na tentativa da exploração de metais preciosos, que teria

fracassado devido a conflitos com indígenas e também pela presença de fazendas

com população em Itapemirim (Bittencourt). Além da capital Vitória, outros locais são

tidos como povoados na região do Espírito Santo, dentre eles destacam-se:

Itapemirim, Benevente, Vila velha, Guarapari, Nova Almeida e Viana.

O século XIX, portanto, foi o momento no qual o Espírito Santo se destacou, foi

incluído no panorama da economia nacional e sofreu mudanças profundas em seu

território. O fruto do café, originário da Etiópia/África, já havia sido produzido no

Brasil, porém, no século XIX – especificamente no centro-sul – sua produção

alcançou escala mundial, conforme lemos:

Chegado ao Rio de Janeiro, o café dinamizará a economia brasileira, em desempenho superior a todas atividades precedentes. Já na virada de transformação do regime, há pouco mais de 150 anos, o rio de janeiro era um imenso cafezal (BITENNCOURT, 1987, p. 18).

E ainda:

(...) a partir daí que deu margem ao aparecimento de uma nova classe agrícola dos grandes potentados, barões e reis do café, alguns com mais de 6.000 escravos, em vinte fazendas distintas, que chegavam a ter estradas e portos próprios para escoamento de alguns milhões de quilos de café (ibid).

Junto a estes senhores e às suas ambições vieram também os primeiros

importantes impactos ambientais:

Ele entrou como um conquistador inimigo; matando as florestas, destruindo os animais que ali viviam, dizimando as tribos indígenas... Com a destruição das florestas espírito santenses nos tempos do império, fazia-se a exportação do pau brasil, depois do jacarandá e mais tarde da peroba do campo, cedro, sucupira e outras essências...é justamente sobre as cinzas dessas essências preciosas que coloriram essas terras, que vicejaram os cafezais (RUSCHI apud BITTENCOURT, 1996, p. 30).

No Brasil, a região predominante do café já na metade do século XIX era Rio de

Janeiro. Nesse momento, o nordeste passava por uma visível decadência na

produção da economia açucareira, o que impulsionou uma mudança no eixo

econômico do país: deslocando-o do nordeste para o centro-sul.

No Espírito Santo, o cultivo do café já ocorria no início do século XIX, no Vale do Rio

Doce, entretanto, sua eclosão privilegiada se deu ao sul da província. A expansão

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cafeeira no sul do Espírito Santo veio com a produção fluminense, atravessando os

limites territoriais diante das excelentes terras da região. Esse favorecimento ao

cultivo do café despertou o interesse de desbravadores, os quais, mais tarde,

entraram no panorama nacional junto à produção do Oeste Paulista e do Vale do

Paraíba no Rio de Janeiro (Almada 1984, Saletto 1996).

O povoamento na região do sul do Espírito Santo, pelos fazendeiros de café,

Penetrou nos vales do Itapemirim e do Itabapoana, este já na fronteira com o Rio de Janeiro. Nessa região o povoamento era feito por fluminenses e mineiros, que penetravam pelo interior, até então dominado pelos indígenas. Muitos eram fazendeiros, que levavam seus escravos e outros haveres, e instalavam fazendas de café (SALETTO, 1987, p. 28).

Dentre os desbravadores da região, constam os nomes do Barão de Benevente,

produtor de açúcar e café, com oito fazendas e 400 escravos; de Manoel Esteves de

Lima, outro fazendeiro português que, em 1820, realizou uma expedição com

escravos e indígenas pelo Rio Itapemirim (SALETTO, 1996, p. 30); de alguns

fluminenses e mineiros; e, mais tarde, nota-se a presença de Francisco de Souza

Monteiro, senhor de importância significativa no município de Cachoeiro de

Itapemirim, já que sua família se tornou a mais poderosa do estado no início do

século XX.

A terra no sul do Espírito Santo, naquele momento, era um grande empreendimento.

Por isso, homens com ferramentas e escravos com condições para exploração

invadiram as terras capixabas a fim de se beneficiarem. Um fato importante a ser

destacado é que, quando o pensamento político abolicionista ganhou fôlego no

Brasil, também surgiram impedimentos como, por exemplo, a lei de terras de 18503

que fez com que grande parte da população negra, que não obtinha condições

econômicas para adquirir as terras, ficasse excluída dessa lei.

O momento do surgimento dessa lei se deu ao mesmo tempo em que ocorria o fim

do tráfico negreiro no Brasil (atividade que proporcionou ao país enorme riqueza). A

maioria dos escravos livres não tiveram condições de se igualar aos outros

indivíduos da sociedade, pois ficaram livres sem condições materiais (não tiveram

direito ao trabalho) e, devido ao pensamento eugênico da época, eles não eram

mais capacitados para o trabalho, sendo marginalizados.

3 A lei de terras foi uma iniciativa de se organizar a propriedade privada, com o objetivo de regulamentar as

posses de terras, no Brasil.

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A população imigrante branca, ao mesmo tempo, recebeu incentivo financeiro e

político do Governo na política de ocupação das terras brasileiras.

No artigo 1º, ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que

não seja o de compra, ou seja, aqueles que se apossarem de terras alheias,

derrubarem matos, ou colocarem fogo serão despejados, perderão benfeitorias,

terão decretada a pena de dois a seis meses de prisão, uma multa de R$ 100 e

deverão restaurar dano causado.

No artigo 5º, serão legitimadas as posses mansas e pacíficas adquiridas por

ocupação primária, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas, ou

como princípio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem

represente.

No artigo 12, o governo reservará das terras devolutas as que julgarem necessárias:

1º, para a “colonização dos indígenas”; 2º para a fundação de povoações, abertura

de estradas, e quaisquer outras servidões, e assento e estabelecimento públicos; 3º

para a construção naval.

No artigo 14, fica o Governo autorizado a vender as terras devolutas em área

pública, ou fora dela, como e quando julgar mais conveniente, assim esses lotes,

como as sobras de terras, em que se não puder verificar a divisão acima indicada,

serão vendidos.

O tráfico proibido em meados do século XIX coincide, entretanto, com a expansão

cafeeira no Brasil (Ca. 1850), o contínuo crescimento do mercado do café no século

XIX refletiu sobre os cafeicultores escravistas que se empenharam ainda mais na

busca de novas terras e, consequentemente, precisaram de mão de obra.

Contudo, o fim do tráfico não representou o fim do sistema escravista arraigado na

sociedade por mais de três séculos, pelo contrário, na região de Cachoeiro, à

medida que expandia os cafezais, concentrou-se enorme contingente de africanos.

Conforme Almada (1984, p. 54), “(...) constatamos em 1872 taxas de crescimento

médio anual das populações escravas da região do Itapemirim e do município de

Cachoeiro era respectivamente em 6,3 % e 9,7%”.

O cenário no sul do Espírito Santo, nessa ocasião, caracterizava grandes fazendas:

A região sul do Espírito Santo caracterizou-se pela existência de grandes fazendas produtoras de café, dentre as quais se destacava a fazenda Monte Líbano 1, de propriedade do Cel. Francisco de Souza Monteiro, patriarca de

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uma família de importantes políticos que tiveram projeção municipal, estadual e até federal, como por exemplo, Jerônimo e Bernardino Monteiro, ambos presidentes do estado em 1908-1912 e 1916-1920 respectivamente (SANTOS, 2012, p.155).

Um dos nomes significativos para a região sul é o de Francisco de Souza Monteiro,

senhor conhecido em Cachoeiro de Itapemirim como proprietário da fazenda Monte

Líbano. Na metade do século XIX, ele possuiu numerosos escravos, além de ter

alcançado expressivo poder político.

A descrição de sua fazenda em Cachoeiro de Itapemirim impressiona:

O cafezal possuía mais de 200 mil pés, sendo um dos maiores da província. “tudo ali se encontrava com fartura”. O gado fornecia o leite, a carne e o couro, além de assegurar o transporte; fabricava se queijo, com sebo fazia se sabão. Cultivava se algodão, que era fiado e tecido por escravas. Criavam se carneiros, com cuja lã faziam se cobertores e agasalhos. Produzia se açúcar branco e mascavo para consumo, melado e aguardente. Colméia forneciam mel e cera. O aviário possuía galinhas, patos, perus e marrecos. Telhas e tijolos eram produzidos na olaria, jazidas de calcário forneciam cal. A madeira era preparada na serraria. Funcionavam ali diversos maquinismos, desenhados e montados pelo proprietário e cujos resultados eram: arroz pilado, fubá, canjiquinha, café pilado para exportação e moído para o consumo interno, aguardente, álcool, açúcar farinha, maisena, araruta, polvilho, velas de carnaúba, doces, fumo, rapé etc. (SALETTO, 1996, p. 36).

Mesmo sofrendo uma queda, a partir de 1880, às vésperas da abolição, a mão de

obra escrava ainda era utilizada em Cachoeiro de Itapemirim. Antes de 1888, a

liberdade teria ocorrido apenas para alguns e, mesmo com a concessão de alforria

ao escravo, os documentos revelam a dependência econômica que os senhores

tinham da mão de obra escrava:

Na verdade, com a concessão de alforrias os senhores demonstravam principalmente precisarem continuar contando com o trabalho escravo, ou transformá-lo em capital, muito embora estas necessidades se apresentassem quase sempre dissimuladas por razões sentimentais indicadas no texto legal por expressões tais como: “reconhecimento pelos bons serviços prestados”, “relevantes serviços”, “amor de criação”, estes e mais repetidos chavões encontrados nas cartas de alforria (ALMADA, 1984, p.149).

Diferentemente do fazendeiro do oeste paulista que concedia a liberdade ao

escravo, detendo-o por um tempo limitado de trabalho, as cartas de alforrias

capixabas analisadas pela autora demonstram uma “promessa” de liberdade por

parte dos senhores a seus escravos, a qual garantia o recebimento de terras e

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cafezais juntamente com a “liberdade”, enquanto os senhores vivessem.

A imigração no Espírito Santo, ocorrida na época do fim da escravidão, foi uma

tentativa do governo Imperial para substituir a mão de obra escrava, porém, isso não

aconteceu de imediato:

Outras evidências da vitalidade da escravidão no Espírito Santo referem se ao fracasso dos núcleos coloniais de imigrantes europeus criados ali pelo Governo Imperial desde 1847, bem como as tentativas frustradas de introdução dos trabalhadores livres, nacionais e estrangeiros, nas fazendas de café. Na verdade, constatamos terem sido poucos os fazendeiros que no Espírito Santo mesmo após 1888 que tiveram condições econômicas para tal empreendimento (ALMADA, 1984, p. 56).

Em Cachoeiro de Itapemirim, os senhores de escravos demoraram a romper com a

escravidão e a aderir as leis abolicionistas. Muitos se mostraram incapazes de

conceber o projeto da imigração europeia na substituição da mão de obra escrava,

porém, a fazenda de seu Francisco Monteiro, um senhor de posses na região do

Itapemirim, logo após a abolição, recebeu diversas famílias de imigrantes para o

trabalho, evidenciando suas excelentes condições econômicas para tal investimento

(Bittencourt, 1987).

Vários dos imigrantes que chegaram aqui atraídos pela propaganda difundida pelo

governo imperial de que ganhariam terras, pereceram, pois receberam terras

improdutivas e foram obrigados a trabalhar em fazendas de senhores de cultura

escravocrata. Entretanto, ao chegarem às fazendas para o trabalho, não se

adaptaram aos maus tratos desses senhores acostumados à coerção e à violência

com o escravo, querendo retirar-lhes o lucro máximo através da exaustão do

trabalho (ibid).

Podemos destacar que o imigrante queria ser proprietário de terra, pois já carregava

consigo o significado de propriedade, o que parece ser diferente do quilombola, o

qual, ao longo da história, aprendeu a conviver em comunidade como forma de

resistência.

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1.2 – O pensamento político-científico no Brasil na virada do século XIX

Foi a partir do século XIX, que o termo “raça”, impregnado de preconceito – do qual

ainda não nos desvencilhamos – surgiu.

Entretanto, o negro, de acordo com André (2010), está ligado historicamente a um

fenômeno negativo, que precisou ser explicado pelas disciplinas acadêmicas como

Biologia, Geografia, Etnologia e Antropologia, em parte, por ter sido considerado

como anormal, apesar da discriminação a essa população ser uma prática antiga.

Registros de antigos navegantes à África demonstram a impureza atribuída à

população africana, uma ideia reforçada pela igreja, que considerava o negro como

herdeiro de Caim – aquele que matou o próprio irmão – constituindo uma população

amaldiçoada. Ou seja, ora o negro foi estudado como um fenômeno da natureza, ora

como criação divina, mas sempre diferenciado. Essas justificativas, de acordo com a

autora, serviram para naturalizar a inferioridade do negro nos aspectos intelectual,

emocional e social, assim como a própria caracterização da cor negra ao longo da

história se deu de forma negativa (a cor, como símbolo da hierarquia, de classes,

marcou a moralidade; negro como signo de morte e corrupção e o branco como

signo da vida, da pureza). Com o Iluminismo no século XVIII, teorias também foram

produzidas para justificar as diferenças entre os homens, como por exemplo, a tese

de Rousseau, em seu conceito de “bom selvagem” atribuído aos povos não

europeus, apesar do trabalho apresentar uma noção de humanidade.

Todavia, a partir da obra célebre de Charles Darwin A origem das Espécies no

século XIX, com os primeiros modelos de análise da biologia da evolução se deram

diretamente a influência para o surgimento da eugenia (SCHWARCZ, 1993).

Sobre a origem do conceito de eugenia, podemos observar que:

a eugenia eu: boa; genus: geração - foi criado em 1883 pelo cientista britânico Francis Galton, conhecido por trabalhos como geógrafo e naturalista, publicou em 1869 Hereditary genius texto considerado o fundador da eugenia, após ter lido a Origem das espécies. De acordo com Galton a capacidade humana era função da hereditariedade e não da educação (ibid, p. 60).

A mesma foi utilizada para diversos fins,

Transformada em um movimento cientifico e social vigoroso a partir dos anos 1880, a eugenia cumpria metas diversas. Como ciência, ela supunha uma nova compreensão das leis da hereditariedade humana, cuja aplicação

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visava a produção de “nascimento desejáveis e controlados” enquanto movimento social, preocupava-se em promover casamentos entre determinados grupos e – talvez o mais importante desencorajar certas uniões consideradas nocivas a sociedade (SCHWARCZ, p. 61).

Nesse momento, duas escolas importantes permearam o pensamento europeu: a

escola determinista geográfica, que tem, na explicação da evolução, o meio físico

que se encontra o país (sendo o país tropical não evoluído, aos olhos do europeu); e

a escola do determinismo racial ou social, que previa a evolução humana social a

partir da hereditariedade racial, indo totalmente contra a miscigenação (parte da

construção do povo brasileiro).

No fim do século XIX, a região sul capixaba – não diferente de outras regiões do

Brasil – foi marcada pela formação de uma nova sociedade constituída por

imigrantes e pelo afrodescendente “livre”, atingido pelo discurso eugênico.

Mitos de vadiagem, imprevidência e preguiça, entre outros, acompanharam desde então os ex- escravos e seus descendentes, forjando segunda Emília Viotti da costa, um estereotipo que as gerações futuras repetirão sem se deter em analisar a origem (ALMADA, 1984, p. 211).

Após a escravidão, a situação do ex-escravo na sociedade, principalmente no que

concerne à política destinada aos negros, foi de degradação:

o negro passou para o trabalho livre sem a menor condição, pois se encontraram totalmente desfavorecidos, pois houve uma mudança na organização do trabalho, substituído pelo branco (imigrante), ficou responsável pela sua própria sorte e de seus descendentes, sem possuir bens materiais, nem morais (ANDRÉ, 2010, p. tal).

A situação do negro após a “liberdade” se tornou bastante difícil. Muitos

perambularam sem destino, sem terras, sem alimentos e há casos de ex-escravos

que retornaram às fazendas e se submeteram novamente à mão de obra por

alimento, além daqueles escravos que nem saíram de perto de seus senhores

devido a falta de perspectivas. Porém, não foi somente a falta de perspectivas de

trabalho que afetaram os negros após a abolição,

Após a abolição, o negro permaneceu atrelado a ideologia racista, primeiro devido a mudança organizacional de trabalho, sendo agora o trabalho do imigrante, o mais valorizado e segundo porque nas relações sociais o negro ainda permanecia escravo (ANDRÉ, 2010, p. 167).

A política, de acordo com o republicano cachoeirense Bernardo Horta, não

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beneficiava o trabalho ao ex-escravo agora livre, expresso em um artigo escrito no

jornal O Cachoeirano, em Cachoeiro de Itapemirim:

(...) existindo o trabalhador nacional, não fora de bom aviso incentivar com igualdade de proteção o agricultor brasileiro, que também precisa de terras?...Parece que nada autoriza legitimar menosprezo com que se quer tratar o filho do país, colocando o em posição de julgá-lo incapaz de lavrar a terra ao lado de estrangeiros (ALMADA, 1984l, p. 211).

No Brasil, criou-se um mito de democracia visando, dentre outros fatores, a negação

do racismo, justificada pela miscigenação do povo brasileiro, sem, contudo,

esconder as diferenças econômicas e políticas que continuavam existindo:

A democracia racial enquanto política e ideologia racista acentuam a diversidade de interesses entre os vários segmentos dominados. O privilégio econômico, político, ideológico e sócio cultural do branco estão imbricados com a divisão social e funcional que dá acesso ao trabalho, a educação, a saúde, ao lazer, o que torna mudanças ou transformações no plano estrutural da sociedade e no plano de distribuição de renda e de recursos, processos que possivelmente darão, em sua maior parte, conquistas ao segmento branco (ANDRÉ, 2010, p. 152).

O discurso político abolicionista no fim do século XIX se mostrou bastante presente

em Cachoeiro de Itapemirim com o movimento republicano, publicações em jornais e

uma elite predominantemente ativa, apesar da política e do pensamento intelectual

da época apontarem para um discurso científico evolucionista determinista,

reconhecendo as diferenças e determinando a inferioridades dos negros.

O fim da escravidão no Brasil não representou o direito à cidadania aos negros,

dessa forma, o século XX foi iniciado por políticas higienistas lançadas em várias

regiões do Brasil. Na região sudeste, políticas de segregação espacial ocorreram

tanto no Rio de Janeiro, com a classe menos favorecida sendo empurrada para os

morros, como em Vitória, onde grande parte da população foi destinada às

periferias.

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1.3 – Predomínio sul na economia do Espírito Santo no século XIX e na conjuntura

do século XX

Na primeira metade do século XX, Cachoeiro de Itapemirim teve um grande

momento de desenvolvimento político e intelectual, o qual é lembrado com certo

saudosismo até os dias atuais. O movimento republicano, criado na virada do século

em Cachoeiro, foi considerado extremamente ativo, tanto no debate político através

de jornais, como na propaganda republicana, destacando-se a figura de Bernardo

Horta, que atuou como governador municipal em 1900, e implementou, durante seu

governo, a energia elétrica na cidade de Cachoeiro, uma das primeiras do Brasil

(Vestígios da história sul capixaba, 2011).

Os grupos políticos presentes nos primeiros anos da República estiveram ora no

poder, ora na oposição, mas convergiram para os interesses daqueles que

dominavam a região: os coronéis, ou seja, a elite agrária propiciada pelo café.

A oligarquia Monteiro esteve no poder (filhos do coronel Francisco Monteiro,

próspero produtor em Cachoeiro de Itapemirim) e atuou na esfera municipal,

estadual e federal. Como a produção cafeeira se encontrava sujeita à oscilação

econômica e aos fatores climáticos, uma política de inserção de fábricas pelo estado

ocorreu, sem, entretanto, concorrer ao mercado internacional.

Nas primeiras décadas do século XX, um distrito industrial foi implantado na região

sul pelo então presidente Jerônimo Monteiro, significativo na política cachoeirense e

capixaba, “Jerônimo atuou como promotor público, advogado, comerciante industrial,

além de ter sido presidente do Espírito Santo, deputado estadual, federal e senador”

(Habib, 2012, p. 215). Homenagens são rendidas a ele também na cidade de Vitória

através de nomes de avenidas.

Mesmo após a República, Cachoeiro esteve ligado ao Rio de Janeiro principalmente

no que concerne a exportação de café. Cachoeiro, devido à proximidade com o Rio

de Janeiro e à ligação ferroviária, teve uma importância enorme nesse intento.

Várias foram as tentativas de empreender uma ferrovia para o escoamento do café

para Vitória no fim do século XIX, pois o produto produzido nas terras capixabas era

negociado no Rio de Janeiro, deixando o este estado sem tributos e sem impostos.

O projeto em questão atravessou vários governos e enfrentou diversas dificuldades,

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algumas vezes tendo financiamento estatal e, outras, privado, enfrentando um

enorme obstáculo: a geografia montanhosa da região.

O Rio de Janeiro era a capital do Brasil e onde acontecia a negociação de compra,

além de toda a operação para a exportação do café, por isso a ferrovia era

estratégica para a economia de toda a região baseada na produção do café.

Cachoeiro, como entroncamento ferroviário, sempre foi importante para o transporte

e para o comércio:

Mesmo a descentralização de federalismo republicano não foi capaz de romper com certo atrelamento ao Rio de Janeiro, que manter se ia, por algum tempo ainda como o centro exportador que saía da principal região produtora do espírito Santo (HABIB FILHO, 2012, p.164).

Em Cachoeiro de Itapemirim, no início do século XX, o republicano Bernardo Horta

alavancou o processo de concessão de energia elétrica e a montagem de diversas

fábricas, como as de tecidos, cimento, açúcar e serrarias, que ocuparam o cenário

cachoeirense. Nessa época, a indústria não teve relevância na ordem econômica do

estado, pois ainda não era projetada no cenário nacional. Até a década de 30, o país

ainda se estava numa posição agrária4.

Em um segundo momento – de industrialização – entre as décadas de 1930 e 1945,

uma política nacional com o então presidente Getúlio Vargas resultou em uma

centralização política e uma tentativa de desestabilizar as elites locais. Se o plano

nacional desenvolvimentista proposto por Vargas concentrava um esforço de

industrialização no país, no estado do Espírito Santo ocorreu um predomínio político

do setor cafeeiro.

De acordo com Achiamé (2010) a política espírito-santense sofreu rupturas e

continuidades no período de Vargas; em um primeiro momento, as elites mantiveram

seus privilégios de classe e sua autonomia política, logo depois, houve uma abertura

para que a política fosse exercida por outros representantes de segmentos sociais,

desde que os mesmos não tocassem nos privilégios dos fazendeiros e dos

comerciantes da região. O que se configurou no estado, entretanto, foi a tentativa de

controle das elites pelo governo central, porém o sistema político permaneceu.

O objetivo deste trabalho não é o aprofundamento do período histórico de Vargas,

4 Conforme BITTENCOURT, Formação Econômica no Espírito Santo.

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mas, demonstrar que, historicamente, no estado do Espírito Santo, assim como nos

outros estados do Brasil, as elites sempre estiveram presentes no controle do poder

político governamental.

O propósito, portanto, é colocar em evidência dois momentos históricos importantes:

o desenvolvimento da cafeicultura no século XIX – quando o estado apareceu no

panorama nacional por sua principal atividade (produção de café) baseada na mão

de obra escrava e seus desdobramentos na condição do ex-escravo livre – e os

anos 60, momento no qual o estado concorreu a uma economia internacional,

juntamente com uma migração urbana, data do surgimento do bairro Zumbi.

O ano 1960 representou para o estado significativas mudanças econômicas e

sociais, já que o mesmo esteve em dois momentos considerados importantes no

panorama econômico nacional.

Inserido inicialmente no panorama econômico nacional a partir da atividade cafeeira

em meados do século XIX e a partir dos anos 1960, o Espírito Santo despontou

economicamente devido a uma política nacional de desenvolvimento industrial que

resultou em importantes atividades econômicas dos dias atuais. Conforme vemos:

[...] a partir de meados da década de 1960, no contexto da aceleração industrial ocorrida no Brasil, a trajetória da economia estadual, constituída predominantemente por relações familiares de produção, sofreria mudanças substanciais. A economia estadual seria inserida nos novos circuitos de expansão e de acúmulo de capital, tendo a industrialização como principal vetor desse processo. Com isso a economia passou a crescer a taxas superiores às nacionais, o que veio produzindo impactos na dinâmica social, econômica, política e cultural do Estado (Zorzal, 2004, p. 6).

O desenvolvimento industrial acarretou uma migração e uma concentração urbana

em Vitória e em Cachoeiro de Itapemirim.

Se em Vitória a economia passou a um nível mundial, constando diversas

instalações de empresas, dentre elas a Vale do Rio Doce, em Cachoeiro de

Itapemirim se configurou de forma menos intensiva.

De acordo com Zorzal, se o estado possuía altos índices econômicos devido à

inserção no modelo econômico do capital estrangeiro, os indicadores sociais

denunciavam quanto à falta de infraestrutura da maior parte da população e

afirmava que, mesmo após as mudanças o Espírito Santo continuava sob a mesma

dominação:

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Apesar da relativa emergência de novas lideranças seja nos movimentos populares e estudantis, seja no movimento operário, a cena política ainda seria dominada nas décadas de 80 e 90 pelos velhos caciques e suas estratégias mais afeitas aos padrões personalistas e clientelistas (Zorzal, 2004, p.9).

De acordo com Zorzal, a perpetuação de uma política clientelista é uma

característica do Espírito Santo. Para uma compreensão da política em Cachoeiro

de Itapemirim nos anos 1960, época do surgimento do bairro Zumbi, duas

entrevistas foram realizadas com aqueles que tiveram participação efetiva naquele

momento.

Foi entrevistado Roberto Valadão e Juarez Tavares Mata. Valadão foi prefeito de

Cachoeiro de Itapemirim em dois mandatos, deputado federal também em dois

mandatos, líder estudantil e presidente da Casa do Estudante entre as décadas de

60 e 70, além de membro do PMDB. Juarez, político atuante há 32 anos, vereador

por oito mandatos e principal gerente do empreendimento do bairro Zumbi.

Em um sábado pela manhã, Roberto Valadão me recebeu no centro de Cachoeiro

de Itapemirim, em sua casa, com arquitetura sóbria e fachada decorada em madeira

maciça. Valadão surgiu na sala com um jornal na mão, mostrando-se interessado

pelo estudo envolvendo o bairro Zumbi.

De acordo com ele, o que ouvia na infância era que os negros, após abolição, teriam

se concentrado no interior do município de Pacotuba – ES e na região de Pedra Lisa

– ES, onde há um pequeno povoado. Para Valadão, a cidade sempre foi muito

mesclada, muita “gente de cor” e só mais tarde os negros teriam vindo habitar o

bairro Zumbi e parte do bairro Aquidabã em Cachoeiro de Itapemirim – ES.

Valadão lembrou que, em 1960, a principal atividade econômica de Cachoeiro era o

comércio. O cachoeirense sempre teve uma atividade rural um pouco restrita, por

conta da formação do solo, que tem uma topografia bastante acidentada,

dificultando a agricultura, mas propiciando a pecuária e a exploração de pedras

ornamentais. “Cachoeiro tem um potencial muito grande, principalmente no mármore

e particularmente mármore branco que tem um valor no mercado internacional muito

elevado”, Valadão recorda. Nos anos 60, a cidade possuía uma fábrica de cimento e

de tecidos com uma capacidade relativa, pois as indústrias se encontravam em um

plano doméstico.

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Sobre a sociedade cachoeirense, Valadão explica que sempre foi uma cidade como

qualquer outra do Brasil, com uma elite localizada nas instituições (e que não

esconde que é a elite) com clubes e serviços sociais, tais como: Lyons, Rotary,

Maçonaria e um conjunto de instituições que formou – e ainda forma – a elite de

Cachoeiro de Itapemirim.

Uma elite, entretanto, que se mostrava bastante preconceituosa no passado:

Eu costumo dizer que Cachoeiro de Itapemirim, até muito pouco tempo, tinha um preconceito racial muito elevado. Aqui a sociedade tem ainda uma mágoa porque em um dos clubes de Cachoeiro – clube social sem atividade esportiva - recusou a entrada de um grande professor

5 porque ele era preto.

Ficou marcada na alma do cachoeirense essa mágoa, esse tipo de preconceito, que infelizmente ainda existe” (VALADÃO, entrevista concedida a mim)

Para Valadão, a fábrica de tecidos que empregava mais de 400 operários teve um

contingente elevado para a cidade de Cachoeiro de Itapemirim, cujos trabalhadores

moravam no Morro de Santo Antônio. Esse contingente de operários da fábrica foi,

aos poucos, transferindo-se para o bairro Zumbi.

Na década de 60, de acordo com Valadão, não existia planejamento urbano, apenas

as leis e os códigos que toda cidade é obrigada a ter. “Não havia um planejamento

rigoroso no sentido de organizar a cidade urbanisticamente. Naquele tempo em

Cachoeiro era tudo muito aleatório, não era muito organizado”. Sobre as poucas

recordações que guarda do ex-prefeito Abel Santana, Valadão relata que o mesmo

era um homem muito rude, que não estudou e que, apesar de ter sido um homem

muito severo, era muito honesto, aplicou um modelo “arroz com feijão”, um modelo

básico de governar, sem fazer um planejamento durante seu mandato.

Durante o mandato de Abel Santana, foi fundada a Faculdade de Direito de

Cachoeiro de Itapemirim, iniciativa essa que Abel apoiou e propiciou todas as

condições para que fosse criada, certamente motivado pela população.

Sobre a formação do bairro Zumbi, Valadão assegura que o objetivo era

assistencial: “Coisa que o Abel Santana fez a vida toda. O grande autor disso aí do

bairro Zumbi foi realmente o Abel e a família dele, muito assistencialista. E o gerente

desse processo foi o ex-vereador Juarez Tavares Mata, vereador por mais de trinta

5 Professor Deusdetti Batista, já falecido. Professor negro que atuou na área do direito na cidade de Cachoeiro de

Itapemirim.

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anos, com oito mandatos. Foi também presidente da Câmara de Vereadores e era

uma espécie de gerente do Abel Santana. Começaram então a distribuir lotes sem

nenhum planejamento. Os lotes eram dados. O Juarez ia lá e riscava a quantidade

de terra e dizia “faz sua casa aí” – e foi fazendo assim de modo muito natural.

Valadão afirma que o ex-prefeito Abel Santana (1963-1967) era uma pessoa muito

religiosa, extremamente católica e, curiosamente, apesar da fama de pertencer a

uma família muito rica, ele teria morrido muito pobre. “Muito pobrezinho, uma

miséria. Eu posso dizer porque via os contracheques dele, uma mísera pensão do

INSS, muito pobre, e era uma família muito querida na cidade, porque era muito

dada, muito assistencialista”.

O bairro Zumbi teria se formado a partir de doações de lotes, com a população

acreditando ser o responsável pelo empreendimento o político Juarez Tavares,

quando, na verdade, o autor seria Abel Santana, aponta Valadão.

O bairro foi nomeado Zumbi pela concentração de famílias que tinham uma base

negra, vindas da cidade de Caqueiro e de outros municípios como Rio de Janeiro e

Campos, trabalhadores que encontraram no bairro um lugar para morar, mais

acessível, com distribuição gratuita de lotes a algumas pessoas.

Sobre as religiões de matrizes africanas, Valadão afirma que sempre foram muito

respeitadas na cidade, pois:

Aqui em Cachoeiro, a maioria não, todas elas são cristãs. A umbanda, o pessoal todo, tudo cristão. Tem outra denominação, mas eu gostei muito do bispo Dom Célio, ele até enfatizava muito isso, que são tudo nossos irmãos cristãos etc. e tal, embora a igreja deles tenha outra denominação, acho que é por aí! (VALADÃO, entrevista concedida a mim)

Sobre a presença do caxambu, uma dança de origem africana, Valadão explica que

sempre foi tradicional em Cachoeiro de Itapemirim:

Eu me lembro de que quando a cidade fazia uma festa mais modesta, festa de padroeiro São Pedro, sempre tinha no programazinho meia folha de ofício, programa pequenininho, muito modesto, mas sempre tinha lá “Caxambu na ilha”, era um local aonde se fazia a apresentação do caxambu, geralmente pelos negros que vinham de Pacotuba, Monte Alegre, Pedra Lisa. Um espetáculo muito bonito, muitos professores ilustres, juízes, o pessoal ia lá prestigiar o caxambu uma tradição muito grande, muito forte e cultural também aqui da região.

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Nos anos 60, houve um processo de esvaziamento da área rural e inchaço da área

urbana em Cachoeiro de Itapemirim. Valadão afirma que até 1988, quando foi

deputado federal, metade da população estava no meio rural e distritos enormes

como Burarama e Pacotuba teriam permanecido com a população alta devido a uma

indústria de extração, moagens de pedras e calcário que contribuiu para a

permanência das pessoas no local. Atualmente, entretanto, muitos distritos

expressivos como Soturno, Itaoca e Burarama definharam. Burarama tinha uma

exuberância enorme, além de uma indústria de cachaça que representava um item

relevante da economia na região.

Sobre o desenvolvimento de Cachoeiro de Itapemirim, Valadão enfatiza a

importância da cidade:

O setor de serviços em Cachoeiro faz com que as pessoas que estão lá em Muniz Freire, Ibatiba, e por aí afora no Sul, caso precisem de um bom médico venham a Cachoeiro. Ou se precisarem de um bom advogado, um bom profissional de qualquer área. As coisas mais sofisticadas no ramo da mecânica e até outras atividades, é Cachoeiro de Itapemirim que socorre a região toda, e o comércio sempre foi muito forte. Desde que a cidade possuía aqui uma linha férrea que fazia ligação com o Rio de Janeiro isso ajudou a criar um movimento comercial muito grande em Cachoeiro que chamava atenção de toda a região (VALADÃO, entrevista concedida a mim)

Outra pessoa que participou nos anos 60 e afirma ser um dos responsáveis pelo

empreendimento do bairro Zumbi é o ex-vereador Juarez Tavares Mata. Ainda

atuando como político na câmara de vereadores em Cachoeiro de Itapemirim,

Tavares declarou que sua trajetória política começou há 32 anos e cita o fato de ter

exercido dois mandatos consecutivos no governo de Castello Branco6: “duas vezes

com um mandato só”.

Tavares faz questão de esclarecer que a política dos anos 60 era mais dura do que

a atual, “era a política de coronéis, muito mais difícil, o que atualmente existe é uma

política de conveniência”. Ele também afirma que o ex-prefeito Abel Santana (1963-

1967) foi como um pai para ele, a quem deve tudo o que se tornou. “Abel era o

dono das terras e eu era o homem de confiança dele. Eu que marquei tudo, o

6 Presidente do Brasil Marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Governou o Brasil no período da

ditadura militar, nos anos 60. A gestão do Marechal Castelo Branco caracterizou-se pela obrigatoriedade de se

cumprir leis impostas pelos Atos Institucionais, as quais pretendiam fortalecer, gradualmente, o novo sistema

político que governaria a nação. Os Atos Institucionais foram responsáveis também pela expansão dos poderes

do Executivo.

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escritório era na minha casa no Zumbi. Homem como Abel não existe. Aquele sim

que tinha cheiro de pobre”.

De acordo com Tavares, o bairro Zumbi tem aproximadamente 55 anos, no lugar

não havia água tratada e as terras pertenciam às famílias Vivácqua Vieira, Pascoal,

e Passamani7. Já havia poucas pessoas morando na parte abaixo do morro (quatro

a cinco casas) quando começaram o loteamento. De acordo com ele, as pessoas

vinham de todo o Cachoeiro de Itapemirim: “As pessoas vieram para o bairro Zumbi

porque o terreno era 70, 80 reais, 5 reais, muita mulher e muito homem. Era gente

jovem”.

Nos anos 60, de acordo com ele, muitas pessoas trabalhavam nas fábricas, sendo

ele mesmo funcionário da fábrica de tecidos por muitos anos e os lotes do bairro

Zumbi teriam sido mais doados que vendidos. Sobre a situação atual de escritura

dos terrenos, diz:

Quem procurar eu indico. Tem recibo do Abel assinado, do filho dele. Quando o Abel comprou aquilo tinha cavalo, tinha boi. Aí foi crescendo, crescendo, subindo, subindo até chegar. Depois daquelas torres de televisão, o Abel deu tudo pro outros.

Quanto ao nome do bairro, Tavares afirma que já era Zumbi antes dele chegar e que

não teve mais como tirar, desconhecendo a origem da história do nome, porém no

local se deu enorme concentração de negros e além da igreja católica, havia os

“crentes”, e muitos “macumbeiros”. Curiosamente, ele relata que a Umbanda era

maior numero que o Candomblé, pois “o católico domina, o católico era muito maior”.

Sendo assim, a relação entre os dois momentos apresentados no texto demonstram

o papel das elites políticas de Cachoeiro de Itapemirim na primeira república nos

períodos de Vargas e, consequentemente, no desenvolvimento econômico, social e

urbano da cidade a partir dos anos 60.

7 Família Passamani, dona de uma parte das terras na atual região do bairro Zumbi.

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Capítulo 2 - O quilombo, o bairro Zumbi e a luta negra

O nome do bairro, Zumbi, o mais populoso da cidade de Cachoeiro de Itapemirim,

exerce um poder ideológico, pois está relacionado à população negra, que se faz

presente desde sua origem em maioria. O bairro apresenta caráter multiétnico, com

identidade afro-brasileira e permanência de tradições, como o caxambu e forte

presença de entidades espirituais, chamados de pretos-velhos, espíritos que

habitam as cidades, como, por exemplo, Aruanda-África.

Outro fator importante é que a presença da Umbanda já foi dominante no local (já

foram constados 200 centros) e, antes de qualquer outro, foi a Umbanda o primeiro

sinal de religiosidade no local, no intuito de reunir pessoas. Atualmente, não existem

dados estatísticos que levantam o número atual de praticantes, devido à

perseguição sofrida pela sociedade, que associa a prática da Umbanda a algo

maligno, e pelo fato de alguns dos centros serem em residências. O surgimento de

igrejas evangélicas fez com que houvesse uma migração e novas adeptos, além do

falecimento dos anciãos umbandistas.

As próximas reflexões percorrem sobre os diversos conceitos de quilombos, como

locais de fuga de escravos, resistência, luta por equidade. O bairro Zumbi é

analisado pela perspectiva de um local político e ideológico onde se apresenta

resistência cultural e urgências sociais.

2.1 Quilombos

Para uma identificação do bairro Zumbi como quilombo, o trabalho propõe uma

discussão do conceito quilombola. Atualmente, o conceito é centrado na identidade

do grupo e suas tradições e enfoca os quilombos historicamente. Em termos

historiográficos, encontramos as referências dos quilombos expressos por diversos

autores.

Na obra “Origem e histórico do quilombo na África”, Kabengele Munanga enfoca que

o quilombo possui uma origem histórica e mítica.

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De acordo com o autor, havia um império chamado “Luba” no centro e sudeste do

Zaire no fim do século XVI, que era governado por Kalala Ilunga Mbidi, cuja morte

criou conflitos de sucessão entre filhos herdeiros do trono. O príncipe perdedor teria

partido em busca de novos territórios e teria avistado uma aldeia na qual o rei

acabara de morrer. A rainha dessa aldeia (Rwee) teria se encantado com as belezas

e maneiras nobres do príncipe caçador e, para se casar com ele, teria se utilizado da

tradição lunda, a qual não permitia a mulher governar no ciclo menstrual. Sendo

assim, a rainha teria se casado com o príncipe e ele governou a aldeia. Entretanto, o

irmão da rainha teria partido com um grupo para Angola e, consequentemente,

incorporou-se ao povo jagas adotando o quilombo, formando um exército mais

poderoso, constituído de bandos de guerreiros nômades conhecidos como

imbangala. O quilombo era compreendido como:

A palavra quilombo tem a associação de homens abertos a todos sem distinção de filiação de qualquer linhagem, na qual os membros eram submetidos a dramáticos rituais de iniciação que os retirava do âmbito protetor de suas linhagens e os integrava como co-guerreiros num regime de super homens invulneráveis as armas do inimigo. (Munanga, 1996, p. 60)

De acordo com Munanga, na língua umbundu, perto de Benguele no século XIX, a

palavra quilombo significava campo de iniciação:

Sem dúvida o quilombo brasileiro é uma cópia do quilombo africano reconstituídos pelos escravizados para se opor a uma estrutura escravocrata, pela implantação de uma outra estrutura política na qual se encontraram todos os oprimidos (ibid).

E ainda:

Imitando o modelo africano eles transformaram esses territórios em espécie de campos de iniciação de resistência, campos esses abertos a todos os oprimidos da sociedade (negros, índios brancos) prefigurando um modelo de democracia plurirracial que o Brasil ainda está a buscar (CARNEIRO, 1950)

Edson Carneiro, em sua obra intitulada “O quilombo de Palmares”, da década de

1950, afirma que os quilombos se originaram em Palmares. Validamos esse

conceito, inicialmente, porque considera Palmares um movimento organizado

politicamente e de longa duração, constituído não somente de negros angolanos,

mas negros de diversas etnias, além de índios e brancos livres, com uma

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organização política fortemente estruturada.

Para compreender a importância do Quilombo de Palmares na história Brasil,

Carneiro fornece dados acerca da organização do Quilombo de Palmares.

Diversas foram as tentativas de ataque ao Quilombo de Palmares e, de acordo com

Carneiro, os documentos informam que os quilombos se tornaram um caso de

polícia em 1654.

De acordo com Carneiro, a região era montanhosa e de difícil acesso, a mata

fornecia uma enorme diversidade de alimentos, frutas, além da caça. Os

quilombolas tiravam da terra seu sustento e suas casas se caracterizavam:

Os negros habitavam grande números de mocambos – pequenos ajuntamentos de casas primitivas, coberta de folhas de palmeira- protegido por duas ordens de paliçadas. esses mocambos se espalhavam por uma vasta área, que as entradas forma progressivamente reduzindo até que em 1675, já era de sessenta léguas em redondo a região ocupada pelos quilombolas (Carneiro, 1950, p. 40)

Outra autora a definir quilombos é Kátia Mattoso. Em sua obra “Ser escravo no

Brasil”, esclarece que as relações sociais do Brasil nos séculos XVII, XVIII e XIX

apresentavam uma complexidade: além do senhor dominante e o escravo

dominado, havia casos de escravos apresentarem uma relação amena com seu

senhor e de conflitos com outros escravos. Porém, o escravo tinha fome de

solidariedade, característica dos quilombos.

A autora afirma que as relações sociais dos escravos no Brasil teriam se dado

diferentemente dos Estados Unidos, que adotou uma política na qual mantiveram as

famílias escravas unidas. Objetivando uma função econômica, a família escrava

permanecia na terra com os seus familiares, trabalhando para o senhor, evitando

uma consciência de classe; e, mesmo após o fim do tráfico, muitos continuaram

nessa relação servil.

No Brasil, havia mortalidade infantil, e os senhores de escravos precisavam esperar

de 10 a 15 anos (tempo que levava para a criança crescer), o que fez surgir, entre

os escravos, relações efêmeras e a poligamia. Quando a mulher africana

engravidava, a criança então pertencia à comunidade, pois a vida familiar era quase

inexistente:

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Na África ser primo ou irmão não implica qualquer vinculo sanguíneo. Os membros de uma mesma etnia consideravam geralmente irmãos. Ser primo é, sobretudo ser amigo. O conjunto de moradores da mesma casa congrega primos distantes, tios e tias, jamais se limita aos pais e aos filhos. O que define a família africana é o antepassado comum. Se a descendência se faz numerosa, um ramo se separa e constitui nova família. As sociedades africanas fundamentam-se pois na linhagem (MATTOSO, 1982, p 125).

De acordo com Mattoso, a vida das crianças escravas era constituída na vizinhança,

com o trabalho, a recreação, a ajuda mutua e a associação religiosa.

Acerca de quilombos, a autora define como um esconderijo de escravos fugidos,

mas ressalta que o quilombo quer paz, somente recorrendo à violência quando

atacado:

Quilombos e mocambos são constantes na paisagem brasileira desde o século XVI. Reação contra o sistema escravista? Retorno a pratica da vida africana ao largo da dominação dos senhores? Protesto contra as condições impostas aos escravos? Mais do que contra o próprio sistema, espaço livre para a celebração religiosa? Os quilombos são tudo isso ao mesmo tempo (ibid, p. 159).

E continua:

Os quilombos encontram sempre apoios e solidariedades que lhes possibilitam viver fora da sociedade. Contudo o quilombo jamais é fruto de um plano premeditado, nascem espontaneamente, pode reunir num mesmo refugio a negros e crioulos, escravos ou homens livres, vitimas de alguma lei discriminatória (ibid, p.159).

Segundo a autora, o célebre quilombo de Palmares do século XVII, em Pernambuco,

teria abrigado 30.000 pessoas em uma terra fértil que esteve sob a liderança do

primeiro de rei Ganga Zumba e, depois, do resistente Zumbi.

De acordo com Clóvis Moura, na obra Intitulada Quilombos: Resistência ao

Escravismo, a quilombagem e o sistema escravista, os quilombos estavam

presentes em todo o território brasileiro. O autor conceitua quilombos como forma de

resistência, e expõe as características da quilombagem e, dentre elas, a sua

continuidade histórica:

No Brasil, o quilombo marcou sua presença durante todo o período escravista e existiu praticamente em todo o território nacional. A medida que o escravismo aparecia e se espreitava nacionalmente, a sua negação também surgia como sintoma de antinomia básica desse tipo de sociedade (MOURA, 1993, p. 13).

E ainda:

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Pelo que se pode constatar dessa serie de fatos, uma das características da quilombagem é sua continuidade histórica. Desde o século XVI, ela é registrada e vai até as ‘o chefe Zumbi, tido como a “flama da resistência contra as incursões dos brancos” (ibid).

Na introdução da obra Uma história de Liberdade, de João José Reis e Flávio dos

Santos Gomes, os autores enfocam que, desde o século XVII, cronistas coloniais

destacavam a resistência quilombola e as dificuldades para erradicar os quilombos.

No panorama historiográfico apresentado sobre a temática, os autores Reis e

Gomes (1996), ressaltam que mesmo com toda a diversidade (dentre elas a

culturalista, a marxista, os movimentos de esquerda na década de 50, a Escola

Paulista USP), o autor afirma que as problemáticas cultural e marxista ainda se

fazem presente, porém renovadas na discussão, já que foram incorporadas ao

universo das preocupações, a antropologia social, os aspectos simbólicos e rituais

da vida em sociedade, contextualizando historicamente, além das fontes orais que

ampliaram bastante o entendimento sobre quilombos.

Fica claro que o conceito de quilombos não é fechado, mas se metamorfoseia no

campo conceitual político e ideológico.

Constantemente, a historiografia tem sofrido mudanças objetivando estabelecer uma

autenticidade temporal, com constantes mudanças no conceito de quilombo, de

acordo com o período histórico e as novas reflexões. A contribuição, entretanto, dos

autores como Carneiro, Mattoso e Moura se torna inegável, vindo a somar o

conhecimento sobre a temática. Pedro Funari afirmou que a arqueologia tem exigido

um novo olhar para a temática do Quilombo de Palmares evidenciando sua

diversidade étnica, o que já havia sido colocado pela historiografia no passado.

De acordo com Funari, o quilombo de Palmares, surgido no século XVII, foi

considerado o mais importante quilombo da América, tendo a maioria de sua

população africana vindo de áreas bantos, atual Angola e Zaire.

Incrustado na área da Zona da Mata, Palmares possuía nove aldeias, concentrando

o senhor Ganga Zumba na fortaleza principal. Porém, após diversas batalhas que

culminaram no acordo de paz entre ganga Zumba e a Colônia, muitos não teriam

concordado, sendo Zumbi, naquele momento aclamado rei. E nos revela que o

Zumbi se refere ao seu provável papel espiritual na comunidade nzumbi e é

associado a um título banto, religioso e militar.

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2.2 O que faz do bairro Zumbi um quilombo?

O artigo 68 do Ato das disposições Constitucionais Transitórias – ADCT – pontua o

reconhecimento de direitos aos descendentes de escravos, sobretudo no que

concerne à propriedade de terras e aos escravos que foram trazidos da África para o

Brasil durante quase séculos de vigência do sistema oficial do trabalho escravo.

Sendo assim identificados como remanescente das comunidades quilombolas, cabe

ao Estado lhes conferir direitos de títulos de propriedade de terra. De acordo com

Leite (2004), desde os primeiros pleitos sobre a temática quilombola no Brasil, houve

uma necessidade de significar os quilombos contemporâneos, por se tratarem de

uma realidade não evidente.

Para se interpretar os quilombos atuais, faz-se necessário um conjunto de

pesquisas, dentre elas as práticas etnográficas para darem suporte à demanda

sobre quilombos. Além das práticas etnográficas que consistem em conferir o título

de quilombola elaborado por antropólogos, historiadores e arqueólogos, o trabalho

tem dialogado com os movimentos sociais e políticos em torno da aplicação do

artigo constitucional.

Leite (2004) afirma que o termo quilombola foi lançado pelo movimento conhecido

como Frente Negra Brasileira na década de 30 e foi ressurgido por intelectuais

afrodescendentes nas décadas de 70 e 80, quando se tornou um fato político ao

alcançar visibilidade e interagir com diversos movimentos progressistas na

Assembleia constituinte.

O debate acerca de terras quilombolas no Brasil durante algum tempo causou certo

estranhamento por parte da elite brasileira que acreditava serem pontuais os casos

de quilombos no Brasil, como, por exemplo, o conhecido quilombo de Palmares na

região nordeste do Brasil.

Sendo assim, o pleito (no que se refere ao artigo constitucional 68), passou a um

debate que perpassa a valorização dos Direitos humanos e a promoção da

igualdade, recebendo apoio de diversos setores da sociedade através de

intelectuais, além de organizações não governamentais (ONGS) e outros:

Nos anos seguintes à promulgação da Constituição, movimentos negros,

núcleos de pesquisas cientificas, associações profissionais e sindicatos,

estaduais e federais do governo direcionados às políticas sociais – tais

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como a Fundação Cultural Palmares, os Institutos de Terras estaduais e o

Instituto nacional de colonização e Reforma Agrária (INCRA) – passaram a

se envolver,em alguma medida, com o pleito pela titulação de terras dos

“remanescentes das comunidades de quilombos”, tal como referido na carta

constitucional. (LEITE, 2004, p. 20).

As comunidades negras rurais e os redutos negros das periferias – Leite afirma que

vêm sendo descritas em pesquisas antropológicas pelo menos há meio século –

vistos sob a ótica de quilombos, recebera, portanto o estranhamento de significativas

parcelas da população comprometidas com a suposta democracia racial que, de

acordo com ela, representa o Brasil do retrocesso, cujo discurso sobre a condição

miscigenada do povo sob o manto novo do Brasil miscigenado desconhece

novamente o pedido de inclusão social dos afrodescendentes.

Uma mudança só seria possível através das disposições em constatar uma situação

persistente, anterior a 1888, incompleta ou desfocada.

De acordo com autora, desde a promulgação da carta constitucional, ações civis,

mobilizações e a criação de associações quiombolas permitiram aos

afrodescendentes recompor e reescrever sua história

Essa historia foi convergindo para o quilombo como expressão máxima da luta dos afrodescendentes pela cidadania e, ao mesmo tempo constitui se um projeto de afirmação da liberdade, de desejo de acolhimento na sociedade brasileira. Tentativa de fazer a passagem da cidadania negada para a emancipação possível (LEITE, 2004, p. 23).

O quilombo passa a metaforizar as experiências dos afrodescendentes, mas

principalmente as vitórias ocorridas sob o manto anódino do racismo. “O imaginário

do quilombo, conectado as lutas cotidianas, fornece bases para a construção da

autoestima, a conquista de uma identidade na diáspora” (ibid).

Ainda sobre os quilombos, a autora relata um autoconhecimento entre as

“comunidades negras” através de fóruns, documentos e manifestações como cartas

abertas, reafirmando a veracidade dos fatos no que concerne a exclusão injusta da

discriminação que recorre boa parte da sociedade brasileira, sobretudo, no que se

refere às terras.

Os quilombos contemporâneos passaram a constatação e a reflexão e constituem, inegavelmente uma das mais visíveis provas da discriminação racial engendrada pelo sistema escravista colonial e realimentadas pelos

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diversos mecanismos de marginalização social a grupos humanos (LEITE, 2004, p. 2)

O bairro Zumbi, em Cachoeiro de Itapemirim, apesar de não haver dados

específicos sobe sua extensão territorial, fica localizado em uma parte central da

cidade, apresentando características de bairro periféricos, com casas aglomeradas

ruas e vielas. Considerado o bairro mais populoso da cidade e contando com uma

topografia extremamente acentuada, refletido em um morro altamente inclinado,

casas surgem próximas umas as outras. Muitas delas não estão terminadas e

apresentam reboco aparente.

Surgido nos anos sessenta, através de uma política do prefeito Abel Santana (1963-

1965), que teria comprado as terras e desenvolvido um empreendimento através de

venda de lotes a preços populares e doações, o bairro concentrou enorme

contingente de pessoas, sendo a maioria negra. Essa migração teria se dado em um

momento no qual parte da população rural migrava em busca de trabalho para a

cidade de Cachoeiro, que concentrava fábricas e empregos.

Apesar de não haver uma fonte documentada exata sobre a origem do nome do

bairro Zumbi, relatos apontam uma associação de identidade entre a população

negra ali estabelecida. O fato de muitos negros terem povoado o bairro demonstra a

situação econômica desfavorável de boa parte de uma população afrodescendente

que se perpetuou desde a escravidão. O bairro vem sendo associado pelas mídias e

pelo senso comum como um local de violência e de tráfico de drogas, que contribui

para perpetuar estigmas historicamente estabelecidos contra a população

afrodescendente.

Ou ainda sendo alvo de deboches devido a forte presença de uma comunidade de

terreiros, já que o bairro apresenta enorme diversidade religiosa, contando

especialmente, com diversos professantes umbandistas.

No ano de 2010, ao inaugurar uma biblioteca em um centro de umbanda, local

certificado como patrimônio Imaterial pelo IPHAN, devido à presença da dança

africana conhecida como caxambu e o bate flechas, um jornal da cidade postou em

sua capa, uma foto montagem do prefeito da época (Carlos Casteglione) vestido

com uma roupa de mãe de santo com o dizer na capa: macumba. Observamos, por

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esse exemplo, uma clara intolerância religiosa e desrespeito à população de

terreiros.

O antropólogo Diogo Bonadinam, que tem desenvolvido estudos sobre a cultura do

bairro zumbi, em sua dissertação de mestrado, demostrou a falta de cidadania,

sofrida por alguns moradores do bairro:

A situação de marginalidade e difícil acesso a cidadania chega ao desrespeito á dignidade das pessoas, fazendo valer, ainda nos dias de hoje, um tipo de relação baseada na intolerância e preconceito racial. A associação direta da negritude a violência, uma herança colonial, tem um peso enorme nas representações da população do sul espírito-santense em relação ao Zumbi, peso que pode ser sentido nas declarações dos moradores sobre as ações policiais no bairro. De acordo com alguns jovens foliões, no Zumbi é normal “tomar dura” (BONADINAM, 2012, p. 13)

O nome Zumbi, que associa a quilombo, África e negros, somado com uma

comunidade de terreiros e outras manifestações culturais, sugere uma identidade

relacionada à ancestralidade de diversos sujeitos com a herança africana, através

de tradições como a dança do caxambu, as folias de reis que também incorporaram

aspectos relacionados a essa comunidade, através da convivência e outras

socializações feitas por alguns foliões à umbanda.

Outro aspecto que é conferido ao termo quilombola é a sua territorialidade: o local

possui um morro expoente, que concentrou uma população negra com uma

identidade afro-brasileira.

O poder público municipal enxerga essas manifestações como o caxambu, folia de

reis, bate flechas como folclore. O caxambu e o bate flechas, intitulados como

patrimônio cultural, são artes importantes do ritual religioso da umbanda que, aliás, a

mestre dona Isolina conheceu a partir da religião umbanda, quando criança. Outras

experiências também apresentam caráter sagrado, assim como as folias de reis, que

em suas saídas e jornadas, são compartilhadas com as comunidades de terreiros.

O bairro possui um nome que remete a identidade afro-brasileira, devido a enorme

concentração de negros que migrou para o local pelas condições econômicas

relacionadas aos baixos preços dos lotes e casos de doações, em uma política

assistencialista do prefeito Abel Santana, que assentou essa populção negra local

aparentemente de difícil acesso e que se diferencia de outros bairros pelas suas

vielas. O bairro tinha aspecto de uma fazenda no seu surgimento e são vários os

relatos de que animais viviam pelas ruas, além da ausência de infraestrutura. As

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pessoas que ali chegaram tiveram dificuldades devido à ausência de água e energia

elétrica. O bairro concentrou essa população, que trouxe suas formas de

sociabilidade.

Isso nos leva a outra reflexão sobre as fronteiras simbólicas, territórios,

discriminação e resistência.

Ressaltamos que, na região do Sul do Espírito Santo, havia vários quilombos por

causa da produção cafeeira, além da proximidade com Minas gerais e Rio de

Janeiro, grandes produtores de café.

A perspectiva do bairro zumbi como quilombo se refere primeiro ao seu aspecto de

negritude. Muitos ali, descendentes de escravos e negros, compartilham práticas

culturais que remetem à identidade africana, como a dança do caxambu, o passado

histórico de escravidão presente através da oralidade nas comunidades de terreiros,

além da resistência relacionada às desigualdades sociais.

Não é um quilombo que pleita terras, mas urge por cidadania, já que o Sul do

Espírito Santo concentra muitos remanescentes quilombolas, mas, sobretudo, um

quilombo das experiências que levam a uma resistência cultural refletida nos grupos

que expressam uma etnicidade e desenvolvem uma autoestima e diversas formas

de sociabilidade. Cada centro de Umbanda do bairro possui uma programação de

eventos, que podem ser religiosos, jornadas espirituais, comemorações de datas

oficiais (como o 13 de Maio, data da abolição), aniversários e congregação de

famílias e comunidade. Grupos se visitam, formando, assim, uma comunidade.

Outras questões relacionadas à perspectiva de quilombo do bairro Zumbi são as

fronteiras simbólicas. As fronteiras simbólicas descritas por Leite (2004), baseado

nos estudos de Fredrik Barth (1969), tornam-se simbólicas porque nem sempre são

territoriais, mas apresentam formas de organização social, relacionado diferença

cultural, caracterizando uma identidade coletiva que é construída e transformada na

interação dos grupos. Não necessariamente territorial, mas naquelas que os próprios

atores consideram significativas suas expressividades e que são alçadas ao plano

de representação política.

Na expressão de indivíduos que afirmam tal pertencimento, essas fronteiras

simbólicas relacionam com os acontecimentos históricos em sua medida, já que a

história do estado está intrinsecamente ligada à negritude.

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Ainda tendo como base os estudos de Leite (2004), propomos uma reflexão. O

bairro Zumbi é um território que faz interface com a discriminação e o quilombo?

Os estudos atuais acerca de quilombos têm feito essa relação entre discriminação e

a população afrodescendente, e suas as lutas e experiências que emergem em um

espaço como resistência, o quilombo. Nesses redutos, a interface com a

discriminação se faz presente, apontando nitidamente para um grupo específico de

segregação.

Suas experiências, entretanto, como a dança do caxambu, a o bate flechas, a

Umbanda, as folias de reis e as festividades operam na construção dos valores e na

sedimentação de sua autoestima. Se a discriminação contra o bairro Zumbi é fator

preponderante, quando são relacionados a macumbeiros e marginais, a autoestima

se constrói nesses grupos nos quais os sujeitos compartilham uma identidade negra.

O bairro Zumbi apresenta uma população bastante diversificada, existindo brancos e

também pessoas com renda econômica satisfatória, que se expressam em melhores

habitações e apresentam bens de consumo. Entretanto, partimos a estudar o viés

quilombola, enfatizando algumas lideranças de grupos tidos como folclóricos e

pertencentes a uma comunidade de terreiros que apresentam essas características

quilombolas. Grupos com base familiar negra que sofrem discriminação por parte da

sociedade.

O quilombo do Zumbi se relaciona com tradições e ancestralidades, tradição

africana que vem com a dança do caxambu de dona Isolina, que também exerce um

papel na comunidade de terreiros ao discursar sobre a valorização ancestral de

negros e o passado histórico de escravidão. Ancestralidade essa afirmada por dona

Eleny, dona do centro de Umbanda mais antigo do bairro Zumbi, advém de sua

tataravó escrava e de Rogério, mestre folião, também de origem de escravos,

sobrinho de dona Eleny.

O quilombo, proposto por Leite (2004), refere-se às vitórias e lutas desses grupos

em uma sociedade racista. Também essas experiências são vitoriosas em um bairro

que não apresenta uma escola de ensino médio – grande parte dos jovens não tem

acesso ao trabalho, perpetuando uma situação histórica do negro no Brasil.

Sendo assim, concluímos que o bairro Zumbi evidencia a perspectiva quilombola,

devido ao fato da concentração da população negra na região, que levou o nome

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Zumbi como referência; a presença de praticas ancestrais africanas, como a dança

do caxambu, utilizada também no folclore e no centro de Umbana de Dona Isolina, já

tombado como patrimônio cultural pelo IPHAN; a presença de descendentes de

escravos, dentre eles, dona Eleny, dona do centro mais antigo de Umbanda do

bairro Zumbi, fundado em 1960, que afirmou ser sua tataravó escrava; e Mestre

Rogério, umbandista e mestre folião.

A segregação (exclusão) se torna evidente na própria forma organização

urbanísticas, com inúmeras casas não terminadas, lotes contendo mais de uma

construção e diversos núcleos familiares no mesmo local.

Como metodologia, utilizamos a antropologia cultural, compreendendo a análise

etnográfica através das narrativas, saberes transmitidos oralmente,

contextualizando-os historicamente.

Para GEERTZ (2008), o homem é um animal amarado por uma série de teias que

ele mesmo teceu e a cultura é esse conjunto de teias. A função dos cientistas

sociais é, portanto, interpretá-las, procurar seus significados, descrevê-las.

A oralidade, durante muito tempo, não foi tida como importante para a história,

simplesmente por não ser um registro escrito. Atualmente, ela é valorizada nas

novas pesquisas metodológicas. A memória de um grupo pode ser estudada através

da oralidade. E, em busca da memória coletiva, entrevistamos um líder comunitário,

que refletiu a memória social da população, fornecendo vestígios e indícios de uma

história oculta sobre a questão afrodescendente, pouco investigada. Buscamos

sempre valorizar os relatos individuais e histórias de vidas.

A memória, onde cresce a historia, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens (Le Goff, 1990, p.47).

2.3 A conquista do direito e valorização da ancestralidade

Antes de apresentar as narrativas do bairro Zumbi como quilombos urbanos, é

necessário frisar que, além dos diversos entendimentos sobre quilombos no início do

século XX, diversos movimentos em âmbito internacional e nacional nas Américas e

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no Brasil atuaram com o objetivo de conquistas de direitos da população

afrodescendente. Fatos esses relevantes, pois demonstram a luta e organização de

diversos setores em prol da população negra.

O Pan-africanismo “trazia no seu bojo ideias que valorizavam a história do negro,

sua cultura” (André, 2008, p. 50), já o Harlem Renaissance, surgido em Nova Iorque,

tinha como objetivo:

Influenciar a história e a política de modo a atingir todas as camadas do grupo negro, esse movimento expressava se por meio da dança, das artes visuais, da literatura porque acreditava que tais expressões eram do conhecimento dos diversos grupos. As várias manifestações culturais desdobradas por esse movimento possibilitaram uma articulação política, principalmente porque tais manifestações foram absorvidas pela indústria cultural, o que permitiu a conquista de espaços, que antes eram negados, bem como a divulgação da cultura afro e o exercício de resgate da historia dessa população, o que ficou conhecido como Movimento Negro (ANDRE, 2008; 51).

Por conseguinte, de acordo com André, a negritude é importantíssima para se

compreender o processo de identidade e subjetivação dos negros:

Pensamos que a temática da negritude poderá ganhar relevância, tanto como definição como forma de ação a partir do momento em que houver aceitação e valorização do ser negro, dos objetos representativos dessa origem, da identificação com a ancestralidade, da luta pela afirmação e emancipação garantindo um lugar como protagonista e cidadão. No momento em que a maioria dos afrodescendentes puder transformar sentimentos de vergonha, de medo, de inferioridade por outros como orgulho de sua ancestralidade, por mais fragmentada que a mesma se apresente, veremos possibilidades da ocorrência de mudanças de visões sobre o negro no imaginário social, a partir dos próprios negros, o principal objetivo do movimento negro precedente e acreditamos que ainda seja o objetivo dos Movimentos Negros atuais (ANDRE, 2008, p. 56).

Na década de 30 no Brasil, diversas organizações se fizeram presente na luta pelos

afrodescendentes, como A Frente Negra brasileira, o Centro de cultura afro-

brasileira, o Grupo Palmares, Evolução, Festival Comunitário Negro Zumbi, Instituto

de Pesquisas Afro-Brasileiros IPEAFRO, Instituto de Pesquisas e Cultura Negra,

dentre outros.

Um importante movimento político e cultural se refere ao “Teatro experimental do

negro”, criado por Abdias Nascimento, importante agitador cultural e político.

Nascimento atuou como senador na década de 50, deputado Federal nos anos 80,

sendo indicado ao premio Nobel da paz pela luta em prol dos direitos do negro na

sociedade, em 2010. Lutou pelo reconhecimento dos remanescentes quilombolas e

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também é a ele relacionado o dia da consciência negra. Além de ter atuado em

diversas frentes como ativista político, foi pintor, ator, escritor e professor

universitário. Dentre as obras escritas por ele, encontram-se Quilombismo e Negro

Revoltado.

Acerca da sua luta, Nascimento afirma que “quando for normal o negro ser ministro

de Estado, general, dono de banco, dono de televisão no Brasil, aí não terá

problema nenhum”.

O autor nos fornece uma visão do Brasil na década de trinta em São Paulo, ao

narrar que o Brasil naquele momento ainda vivia o rescaldo da revolução de 30,

chefiada por Getúlio Vargas, e havia, na sociedade de São Paulo, uma grande

agitação política, da qual a população negra também participou – momento esse que

surgiu a Frente Negra Brasileira, cujo principal objetivo era combater a discriminação

racial, que naquele tempo era muito ostensiva, já que os negros sofriam

discriminação em hotéis, bares, cinemas, barbearias, entre outros locais. A

discriminação naquele tempo lembrava muito o clima racista dos Estados Unidos.

Em 1944, quando criou o teatro negro, experimental no Rio de Janeiro, Nascimento

não tinha só como objetivo debater a discriminação e desigualdade racial, mas

ampliar os horizontes e as ambições da população afrodescendente, buscando

outros objetivos, sendo o principal deles o resgate da história do negro, o resgate de

seus valores culturais e, principalmente, oferecer alternativas criativas para um

futuro de melhor qualidade para a população de origem africana no Brasil.

Abdias Nascimento idealizou projetos sempre valorizando a ancestralidade africana

através do candomblé expressado em suas pinturas, que atravessaram as fronteiras

brasileiras.

Em Cachoeiro de Itapemirim, o bairro Zumbi, com importante e numerosa população

negra e com manifestações que remetem à África em suas práticas culturais, tem

sofrido constantemente discriminação. O bairro é localizado na região central da

cidade, com magnitude geográfica, de difícil acesso, cheio de vielas e rotas de fuga,

em um morro com visão panorâmica da cidade.

Isso nos faz refletir quais os espaços destinados aos negros na sociedade brasileira.

De acordo com a pesquisa de mestrado de Bonadinam, a população do bairro Zumbi

tem sofrido muitos preconceitos:

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A situação de marginalidade e difícil acesso a cidadania chega ao desrespeito á dignidade das pessoas, fazendo valer, ainda nos dias de hoje, um tipo de relação baseada na intolerância e preconceito racial. A associação direta da negritude a violência, uma herança colonial, tem um peso enorme nas representações da população do sul espírito-santense em relação ao Zumbi, peso que pode ser sentido nas declarações dos moradores sobre as ações policiais no bairro. De acordo com alguns jovens foliões, no Zumbi é normal “tomar dura” (BONADINAM, 2012, p. 13).

Geralmente, as manifestações afro-brasileiras tomam um caráter de espetáculo,

folclore e cultura popular, negando ao negro a construção de sua própria memória,

tornando-o parte do controle político de um segmento dominante8.

Antropólogos9 demonstram uma prática de higienização quanto à religiosidade

africana, quando apresentada como espetáculo, retirando-lhe a relevância do

sagrado, da história e resistência, passando a existir como espetáculos em

apresentações toleradas pela sociedade em espaços diferentes de suas vivências e

práticas habituais. Isso ocorre constantemente em datas comemorativas com

incentivo do poder público, no convite a festivais e encontros. Os grupos em

Cachoeiro de Itapemirim também integram a Associação de Folclore10, ocorrendo

geralmente à existência do governo diretamente ou indiretamente ligado ao grupo.

Dessa forma, não se constrói uma identidade, uma construção de memória, com o

olhar daqueles que vivenciam a experiência, que atualmente é controlada pelo

governo, através da criação de espaços, com o registro da memória de acordo com

seus interesses políticos e na cobrança de contrapartida desses grupos. Não existe

capacitação dessas pessoas, que geralmente são tidas como folcloristas, não têm

acesso aos meios de comunicação, geralmente são semianalfabetas e não possuem

acessos aos editais de cultura nas esferas de governo.

O Estado do Espírito Santo lançou, em 2010, um atlas folclórico, expondo diversas

de suas manifestações, dentre elas as de origem africana, das quais o bairro Zumbi

compareceu com o caxambu, além do bate flechas e folias de reis (que absorveram

o histórico da negritude presente no bairro).

8 Ver mais em CHAUÍ, Marilena. Cidadania Cultural o direito à cultura.1.ed-São Paulo: Editora Fundação

Perseu Abramono,2006 9 Sobre o assunto: ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. Editora brasiliense: 1981.13

10 Associação de Folclore de Cachoeiro de Itapemirim

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As políticas municipais também as reconhecem como cultura popular. Já as políticas

afirmativas, em prol do negro, que têm sido incentivadas pelo Governo Federal e

que são de extrema importância, muitas vezes se tornam excludentes, porque a

população baixa renda não possui mecanismos de competição para lidar com a

elaboração dos projetos (Ministério da Cultura, produtor Negro, Biblioteca Nacional),

sendo destinados aos governos municipais a intermediação entre os grupos e as

leis.

É importante ressaltar que essas políticas públicas são imprescindíveis, porque é

através delas que se constroem os acessos aos bens culturais destinados a esses

grupos.

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Capítulo 3 - A voz do quilombo Zumbi

O bairro Zumbi, em Cachoeiro de Itapemirim, apresenta diversas manifestações

religiosas afro-brasileiras, que constituem uma herança africana.

Muitas foram as heranças deixadas pelos africanos no Brasil e no Espírito Santo,

que se encontram também no bairro Zumbi, entretanto tidas como “macumba”.

Cleber Maciel, estudioso da temática, explica que macumba, a princípio, era uma

espécie de tambor e, com o tempo, teria passado a designar os grupos de africanos

que se reuniam para conversar, dançar ou cantar, geralmente sob uma árvore,

acompanhados quase sempre desse instrumento. Essas manifestações de escravos

eram compostas por danças, cantos, toques de tambores, que podiam expressar

alegria, tristeza, comemoração, protesto, culto religioso, além de festas profanas.

Essas reuniões de negros foram denominadas pelos senhores de escravos como

“macumba”. Depois, as reuniões se disseminaram pelo Rio de Janeiro e Brasil, como

práticas religiosas de negros, criando uma perseguição da Igreja – que as

caracterizava como feitiçaria e coisa do diabo.

De acordo com Maciel, a macumba na década de 1950, já era bem popular no

Espírito Santo:

Roger Bastide destacava, por volta de 1950, que não foi apenas no Rio de Janeiro que a macumba difundiu-se, pois já era bem popular no Espírito Santo, onde utilizava principalmente os Exus e Caboclos, isto é, os espíritos africanos e ameríndios. Aí os Exus presidem principalmente as atividades mágicas e, os caboclos, as “obras de caridade”, vale dizer, as consultas de doentes e dos infelizes que nela procuram resolver seus problemas pessoais. Os santos católicos estão presentes, e são justamente aqueles que foram identificados como os orixás, tais como São Cosme e Damião, São Jorge, São Sebastião, Nossa Senhora da Conceição, Santa Bárbara etc., que permanecem prudentemente no altar, sem interferir nas cerimônias (CLEBER, 1992, p. 68)

De acordo com Maciel, a umbanda é, basicamente, um conjunto de práticas

religiosas resultantes do sincretismo, isto é, da mistura ocorrida de religiões

africanas com religiões indígenas, catolicismo e espiritismo no Brasil. Porém, no

estado do Espírito Santo, diferencia-se:

A exemplo do que ocorre no Rio de Janeiro, na macumba capixaba o que predomina, no decorrer das cerimônias, são as descidas dos espíritos familiares dos caboclos ou dos pretos velhos. Tudo isso de

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acordo com os estudos de Douglas Teixeira Monteiro (MACIEL, 1994, p. 68)

A presença de caboclos e pretos velhos tidas pela historiografia como características

constantes no Estado do Espírito Santo, podem ser percebidas também no bairro

Zumbi, em Cachoeiro de Itapemirim, como veremos a seguir.

3.1 Etnografia

Minha experiência no bairro Zumbi começou no ano de 2009, através de um projeto

de iniciação cientifica realizado durante o período de graduação na área de História.

Após participar de um encontro tradicional de folia de reis na cidade de Muqui/ES,

surgiu a curiosidade em estudar as folias de reis, sendo o bairro Zumbi o local

propício, devido à concentração de grupos ali presentes.

Sendo muito bem recebida pelos grupos e visitando as casas dos foliões na época

de ensaios, pude perceber a enorme diferença entre a prática da folia de reis

durante o período do Natal até o dia de São Sebastião, daquela apresentada em tom

de festividade pela cidade de Muqui.

Foi com uma das folias de reis, durante uma visita que conheci a Umbanda, no

bairro Zumbi, estando presente na ocasião também um antropólogo estudioso da

folia. Ao entrarmos no centro de Umbanda, o mesmo se encontrava todo

ornamentado, com enfeites, brinquedos pendurados à parede, muitas velas acesas,

imagens de santos, chapéus e outros tantos detalhes.

A folia que chegou cantando logo se integrou ao trabalho da Umbanda, no qual a

dirigente do centro incorporou um espírito de um folião, que abençoou o filho jovem

do palhaço, que se estendeu pelo chão. A partir desse momento, fui sugerida por um

professor investigar a história do bairro mais populoso de Cachoeiro de Itapemirim a

partir de sua identidade quilombola.

Uma das folias, pertencente ao Seu Zé Palhaço, um senhor de idade avançada com

residência localizada no alto do morro, tem em sua casa imagens de santos. Fui

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recebida por ele cantando Caxambu no local em que guardava com a indumentária

da folia de reis.

Outra folia, em suas saídas para a “missão”, toma como espaço um centro de

Umbanda, local onde o mestre e seu tio professam a religião. Junto à dona Isolina,

dirigente de uma casa de Umbanda, convidada por ela várias vezes, estive batendo

flecha e acompanhando os trabalhos.

O alimento se encontra sempre presente e durante um intervalo ao longo do trabalho

é comum presenciarmos um tacho enorme contendo angu e carne moída, sendo

oferecido aos frequentadores, ou ainda, um bolo de aniversário, balas e café.

Talvez ocorra como forma de proporcionar energia, já que o trabalho que exige

muito esforço físico, pois se dança, canta, e são tocados instrumentos (presença de

muitas crianças), movimenta-se todo o corpo, e todo o processo pode durar diversas

horas.

Também foi no centro de Umbanda de dona Isolina que um pequeno objeto

artesanal, em formato de uma galinha caipira, foi passado por uma das zeladoras,

pedindo uma pequena contribuição dos praticantes, já que a mesma galinha, tão

pequena, não suporta nenhuma nota de mais valor.

Na umbanda, o trabalho em equipe é fundamental, e quando os médiuns

incorporam, (como, por exemplo, os pretos velhos), pessoas os ajudam ao longo do

trabalho, a acender seus cachimbos, trazendo-lhes cafés, ajudando os a andar,

colocando-lhes as sandálias, limpando seus rostos, recebendo suas bênçãos.

Tanto no centro de dona Isolina, como no centro do Galo, o respeito existe com as

lideranças, expressadas geralmente por mulheres mais velhas, que sempre trazem

alguma sabedoria, ou memória de seus ancestrais em seus discursos.

Quando recebem jornadas vindas de fora, é visível a organização dos

frequentadores para alimentar todos os visitantes, sempre com um cardápio

bastante diversificado.

A organização também presente nas folias de reis, ao entregarem sua bandeira

sagrada no dia 6 de Janeiro, onde um banquete é servido, junto à comunidade.

Difícil, entretanto é definir em palavras o significado das folias de reis, que abrange a

concentração, o poder mágico que as envolve nas madrugadas, as paradas

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obrigatórias frente aos presépios, a missão colocada muitas vezes acima de

qualquer cansaço e claro, a hospitalidade.

Com a folia de reis “Estrela do Mar” estive visitando uma casa de um antigo palhaço,

um senhor de idade, muito simples. A folia de reis chegou em marcha, pararam em

frente à casa , cantou-se ,e ritualisticamente se ascendeu uma luz e a porta se abriu.

A bandeira à frente, junto à fé estampada no rosto daquele senhor, entrou

abençoando e logo após a trova, uma mesa farta com sanduíches e sucos,

aguardavam pelos foliões e agregados.

Também é no frio da madrugada, que se visitam casas, onde nem sempre

alimentos são oferecidos, mas outras experiências, dentre elas, pessoas que beijam

e depositam fé na bandeira.

Na casa do mestre folião, a cozinha muitas vezes é compartilhada, com alguns

integrantes, que vão chegando após um dia de trabalho e encontram um prato de

comida.

Uma das folias esteve em minha residência e, após passar a noite acompanhando o

trabalho dela, ao chegarmos próximo a casa, o mestre me pediu para que eu fosse à

frente, pois chegariam depois em marcha. Chegaram naquelas primeiras horas da

manhã, com o palhaço folião sempre protegendo a folia.

Conta-se que, das folias de reis que, no passado, havia certa violência e uma

disputa através de rimas entre os palhaços. Passado tantos anos, um dia estando

com uma das folias, encontramo-nos com outra do mesmo bairro, com pessoas

conhecidas e uma rixa, mesmo que discreta, evidenciou-se através de olhares entre

os foliões, como um sentimento exacerbado de um torcedor pelo seu time de futebol,

de pertencimento àquele grupo.

Outra vez estando com uma folia do bairro Zumbi em outro Município, de

madrugada, ouviu-se um barulho e fomos direcionados pelos palhaços a nos

protegermos. A surpresa, entretanto, é que o barulho em questão era de outra folia

de reis e a tensão só findou quando os palhaços se cumprimentaram.

Da Umbanda, o que fica é o contato entre os mundos, uma experiência espiritual tão

complexa, mas que se manifesta de forma tão natural, entre os encarnados e

espíritos conhecidos como guias e entidades.

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3.2 Narrativas da comunidade - bairro Zumbi

3.2.1- Dona Isolina

Subindo um pouco um dos morros do bairro Zumbi, em uma rua simples com casas

coladas umas às outras, próxima a uma igreja evangélica, e cheguei à casa de dona

Isolina, local onde também funciona o “centro” de Umbanda com um cruzeiro logo na

entrada. Em todas as vezes que estive com Dona Isolina nunca a encontrei sozinha.

São constantes as companhias de familiares e frequentadores: uma sogra já em

idade avançada, filhos, genros e netos, e como ela mesma afirma, já possui dois

bisnetos.

O nome dela é Niecina Ferreira de Paula Silva, mais conhecida como dona Isolina.

Aos 58 anos estudou até a 3º série primária, e como profissão se intitula costureira.

Dona Isolina nasceu em Itaici, município de Muniz Freire ES, e aos cinco anos de

idade mudou-se para Ibatiba ES com sua família. Foi aos onze anos que se

transferiu para a cidade de Cachoeiro de Itapemirim, local destinado a trabalhar,

morando nos bairros Vila Rica, Novo Parque, Aeroporto, até se estabelecer no bairro

Zumbi em 1972.

Dona Isolina explica que ela e a mãe compraram o lote do ex-prefeito Abel Santana

(1963-1967) e construíram um “barraco para morar”, pois até então pagavam

aluguel. As duas que trabalhavam como empregadas domésticas foram morar no

bairro Zumbi na década de setenta, local que possuía poucos moradores e era

constante a presença de muitos animais que andavam e viviam pelo bairro, havendo

pouca água e nenhuma luz.

Conheceu a religião conhecida como Umbanda em Anitíba, onde a professava em

um centro espírita de nome “Nossa Senhora da Conceição e São Sebastião“ em um

lugarejo chamado Travessão. Nesse local, começou a bater flecha. Havia uma parte

de oração na casa espírita, que era destinado “aos cuidados de crianças”, que

pertencia a “Santa Tereza”. Então, aos cinco anos de idade aprendeu a bater flecha

e a rezar nessa casa.

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Dona Isolina tornou-se dirigente (responsável pelo centro de umbanda) porque a

mãe era rezadeira e possuía um orador em casa, e que a mesma todas às quartas-

feiras gostava de fazer orações e “rezar quem vinha para rezar com ela”.

Segundo dona Isolina, sua mãe tinha um “guia” (um espírito) que trazia o nome de

José Antônio de Moraes Calunga. Esse espírito teria chegado a ela dizendo para

“botar sentido e prestar atenção nas palavras” que ele ia falar. Foi em um louvor que

disse a ela para tomar conta do orador, olhar bem as vasilhas de água (um conforto

para depois que os espíritos rezam), e para cuidar bem das três bandeiras que

tinham, “porque isso ajudaria não somente a ela mas muitas pessoas”.

Dona Isolina explica que “pegou as palavras” do espírito e “as guardou” e que

quando foi na próxima quarta-feira após o espírito lhe falar, sua mãe morreu às oito

horas da manhã, ficando ela com esse compromisso espiritual, pois não teve a

quem entregar. O espírito que teria passado a ela, o compromisso da Umbanda.

Ela se lembra de que o pai já carregava esse compromisso, porém quando o pai

faleceu em 1975 não esteve com ele, pois a mãe se encontrava muito doente e de

cama. Como dona Isolina não esteve com o pai naquele momento, ela alega não ter

tido essa conversa com seu pai, mas garante que o pai tinha um orador em casa,

sendo ele um tratador (função dentro do rito da umbanda), deixando o oratório com

um dos irmãos, porém dona Isolina alega nunca ter perguntado aos irmãos sobre o

destino do oratório.

A avó materna Cândida Pinto de Lima, já falecida, é a pessoa mais antiga que dona

Isolina consegue se lembrar de praticar a Umbanda em sua família, e diz que todos

moravam na mesma casa da avó, que era viúva.

Esse compromisso, entretanto vem passando de geração para geração. Dona

Isolina tem somente um filho, de vinte e quatro anos, que de acordo com ela gosta

do trabalho e a acompanha; e que devagar e aos poucos está entregando a ele à

missão, e de acordo com ela “tem que saber segurar”, e têm confiança no filho, em

soltá-lo para viajar, cuidar da missão na casa, pois ele “faz direitinho”.

Dona Isolina aponta que a responsabilidade em ser dirigente de uma casa de oração

é muito séria porque todas as pessoas que a procuram para pedir uma ajuda na

parte espiritual são pessoas que têm necessidades, cabendo a ela “ter um

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pensamento firme, pronto e preparado”, pois se uma pessoa chega ao centro e pede

ajuda, e ela não der importância a pessoa não vai receber nada.

Afirma que o número de pessoas que frequenta a casa é superior a oitenta, apesar

da não se encontrarem sempre. São eles professores, estudantes de faculdade,

enfermeiros, agentes de saúde, um advogado, ou seja, um público bastante

diversificado. A maioria dos frequentadores mora em outros bairros e municípios,

sendo somente três, os frequentadores moradores do bairro.

Ela alega que isso ocorre porque a casa não aceita pessoas vestindo roupas

decotadas, bebidas que atrapalhem o desenvolvimento do trabalho, além da casa

não fornecer bebida alcoólica ou cigarros, e que atualmente o que mais dá

frequência nas casas de oração “é a mocidade, quando recebe essa liberdade”.

Sendo assim, em sua casa não existe mocidade.

Os dias de funcionamento são às quartas-feiras e os primeiros e terceiros domingos

do mês. Quarta-feira o trabalho inicia às dezoito horas e vai até as vinte e uma

horas, quando é realizada a missão diária da casa, que é “a missão de conforto e

limpeza das vidas, porque a vida é o corpo da pessoa, o viver da pessoa” finalizando

com os pretos velhos rezando com quem os procura.

Dona Isolina afirma que a única corrente (parte do trabalho na Umbanda) que não

consegue se lembrar de nada é a dos Pretos Velhos, pois é a primeira a entrar e a

última a sair durante o transe espiritual. Nessa corrente espiritual que culmina na

incorporação dos médiuns, as pessoas pedem bênçãos, ocorrendo uma “limpeza no

corpo”. Aos domingos a primeira “corrente” é a comunhão seguida da inspiração de

São Sebastião.

A comunhão, ela esclarece, que é a corrente do Círculo Esotérico do Pensamento

(filosofia esotérica que influenciou algumas religiões sincréticas no Brasil), o trabalho

inicia com a prece de pai nosso, hinos cantados e ladainha rezada; a banda toca no

começo e também na inspiração que, segundo afirma, é com “São Sebastião”.

São Sebastião é muito importante para os frequentadores, pois é um santo guerreiro, trabalhador, onde depositam muita fé. Todos têm confiança e gostam dele,... Os que pedem a ele com fé recebem. Isolina, 2014 Entrevista concedida a mim.

Outras entidades que se manifestam na casa de oração, são os “marinheiros”, que

visitam a casa as quartas-feiras e aos domingos, trazendo mensagens espirituais

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pelo louvor. Na Umbanda existem diversas funções que vão desde o zelador

responsável por cuidar da casa e o secretário, cabendo a ele marcar a data do dia e

as presenças dos trabalhos em um livro.

As despesas da casa são poucas, usa se pouca água cabendo à dona Isolina e ao

marido arcarem com as despesas.

Contemplada pela lei Rubem Braga11 do município de Cachoeiro de Itapemirim com

dez mil reais, o dinheiro foi utilizado na compra de um veículo (Kombi) destinado ás

viagens do grupo. Dona Isolina foi escolhida por ter sido considerada uma boa

zeladora dos grupos que possui que são o caxambu e o bate- flechas, projeto esse

inscrito na lei, pelo antigo diretor da Associação de Folclore de Cachoeiro de

Itapemirim e funcionário da prefeitura.

As datas comemorativas do centro de umbanda são o dia 12 de outubro, domingo

de Páscoa (começa- se o trabalho no sábado de aleluia), dia de Cosme e Damião

(quando há distribuição de balas, bolos e refrigerantes para as crianças), além do

dia 13 de Maio, entretanto somente no dia 13 de Maio, quando é realizada

tradicionalmente uma feijoada que a casa de oração recebe apoio da Secretaria de

Cultura do Município. No ano de 2013, recebeu pouco mais de mil reais para ajuda

de custo que teve a presença de diversos representantes do governo: “Prefeitos,

vereadores, vários deles aparecem por aqui” Quando existe algum edital da

secretaria de Cultura, dona Isolina alega que o contato é difícil, quase não é

passado aos grupos, dependendo muito da direção.

Além dessas datas existem as jornadas que são visitas dos grupos a outros centros

de Umbanda.

A jornada constitui na chegada do grupo ao local, onde é servido um almoço, café

da tarde e jantar, que também serão retribuídos pelo próprio grupo em outro

momento. São através das jornadas que se recebem orientações, espirituais. “Se a

pessoa tem algum problema, ou está desorientada, precisando de uma

concentração para saber o que fazer, recebe-se uma orientação nessas viagens”.

As jornadas ocorrem em outros municípios e estados como: Minas Gerais MG, Rio

de Janeiro RJ, Vitória ES, viagens essas onde o combustível do automóvel são

custeados pelo grupo.

11

Lei que leva o nome do cronista cachoeirense, que visa a incentivar á cultura no Município.

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As jornadas são práticas antigas, das quais dona Isolina participa desde os cinco

anos de idade, levada pela mãe.

Acerca do bairro Zumbi, dona Isolina alega ter ouvido do ex-prefeito de Abel

Santana (1963-1967) que, no bairro Zumbi, só moravam negros, não havia luz e

tudo era escuro, e que havia um negro que só aparecia à noite, no escuro. E faz

questão de esclarecer que Caxambu é uma dança pertencente à África, o bate-

flechas faz parte de São Sebastião e a Umbanda é uma linha espiritual.

Na linha espiritual conhecida como Umbanda, é frequente a presença de “guias”,

É uma coisa muito assim... sensível. O guia quando chega e usa a pessoa,

que ele encontra a pessoa firme na fé, que ele acolhe a pessoa inteira, ele

muda a fisionomia da pessoa... E muda a fala, o andar, a voz fica diferente.

Muito difícil é dona Isolina conversar com algum guia, mas no tempo que a mãe era

viva, se recorda que teve oportunidade de conversar com os guias de sua mãe, e

que esses “eram muito orientadores, ensinadores (sic) e doutrinadores. Ensinava o

que tinham que fazer, o que não era pra fazer, se tinha facilidades, se tinha

dificuldades, eles falavam e avisavam”.

Além dos guias africanos conhecidos como pretos velhos, existem outros,

Todos os pretos velhos africanos é nego que tinha carne no tempo do escravo, era vivente igual nós. Eram escravos. Eu tenho muito amor a esse guia porque é um guia caridoso, carinhoso, presta muita caridade à gente.

E ainda:

Os caboclos da mata que fazem parte dos índios existem os mineiros que são aqueles antiguíssimos que trabalhava tocando boi, tocando lote de tropa. Existem os boiadeiros também que trabalhavam carregando aquelas boiadas de distância pra distância, que quando dava alagamento num lugar eles saiam com aquela boiada carregando, que dormia fora uma porção de tempo até chegar naquela terra pra onde eles iam, tem os ciganos que até hoje a gente ainda vê os ciganos ainda andando e montando barraca, só que naquele tempo era diferente, mas era cigano de barraca do mesmo jeito. Tem os marinheiros que são os navegadores que trabalham com navios e barcos na água, são os pescadores. Entrevista concedida a mim.

A Umbanda de acordo com ela é muito próxima ao candomblé, “o candomblé dá

satisfação à Umbanda”, pois o mesmo “santo” está presente nas duas práticas

religiosas.

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Acerca do título do IPHAN12 que sua casa de oração recebeu recentemente de

patrimônio cultural, ela afirma ter recebido a palavra em 2012, porém a certificação

ainda não chegou, pois estão na preparação do mesmo e que ainda não tem data

marcada para chegar. O reconhecimento de patrimônio cultural não modificou em

nada a sua vida, pois afirma continuar do mesmo jeito.

O que chama atenção é a crítica tecida sobre os umbandistas atuais:

Os umbandistas precisam entender que são todos espíritas, que são iguais, sem diferenças, muitos responsáveis por casas de oração não cuida direito da missão que têm na casa de oração, da corrente da umbanda, não cuida dos mensageiros, não pede orientação, não conversa com guia nem pede a instrução e fica uma pessoa invocada e é uma linha que ela é muito atingida pelo aço da inveja, da ambição e do quebrante do mau olhado, muitas pessoas maldosas.

Tudo que se diz que trabalha com espíritos do invisível é umbanda, afirma dona

Isolina, porém insistem em separar a umbanda branca e a umbanda preta,

conhecida como umbanda traçada. Umbanda traçada de acordo com ela é que

trabalha com o “povo de rua”, que são espíritos que gostam de beber e fumar; sendo

que a umbanda branca trabalha somente com água e vela. Tanto a Umbanda

branca como a preta trabalham com os mesmos guias, entretanto,

Os mesmos guias: preto velho, mineiro, baiano, cigano, boiadeiro, corrente de Cosme e Damião e Santa Tereza que é criança, corrente dos marinheiros, corrente de ogum, corrente de xangô, é tudo a mesma coisa, só é diferente a posição do mistério da ligação da corrente. Entrevista concedida a mim.

Sobre ter sido escolhida como representante dos Terreiros do Espírito Santo: “É

aquele negócio, você é escolhida naquele momento, e você não pode falar nada,

mas pra mim tá bom”. Porém, há uma dificuldade em chegar aos centros de

Cachoeiro de Itapemirim, pois as pessoas ficam desconfiadas, não querem dizer

seus nomes, existe um medo de que se faça algum mal.

Cabe à representante de terreiros visitar as casas de oração, fazer um levantamento

de dados promovendo o encontro das casas de oração com Governo do Estado.

Integrante da Associação do Folclore acredita que o folclore tirou muitos grupos do

anonimato e seu cargo de secretária consiste em fazer anotações, mas, atualmente,

12

IPHAM Instituto Patrimônio Histórico Artístico Nacional

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trabalha muito pouco, pois as reuniões não estão correndo. Mas enfatiza a diferença

entre a umbanda e o folclore.

No folclore está presente o caxambu e bate-flechas, não usados da mesma forma

como na Umbanda.

Eu quando jogo lá fora, pra apresentar pra alguém que pede, eu jogo ele em posição diferente, porque aqui eu tenho ele pra nossa missão. Os dois, o caxambu e o bate-flechas. Agora quando eu jogo ele lá fora, eu jogo ele em outra posição. A banda vai tocar outro hino, aí tem diferença.

Apesar de afirmar não existir o candomblé no bairro Zumbi, recebe visitas de grupos

do candomblé, dos quais, dois pais de santo de Cachoeiro de Itapemirim (Paulinho

do Village e Amarildo) que foram da Umbanda antes de migrarem para o candomblé,

e apesar de conviver bem com todas as religiões, sofre preconceito constantemente

através de palavras como “macumbeiro”, vindo de vizinhos e outras regiões do

bairro.

Seis centros de Umbanda estão presentes atualmente no bairro Zumbi: Loló, Elenyr,

Adriano, Arino, Terez e Isolina. (dirigentes), contudo mais de duzentos centros

existiram no bairro, entretanto de acordo com ela, há pelo menos vinte anos, muitos

teriam migrado para as Igrejas evangélicas, outros morridos e ainda cita o fato de

terem acabado devido à incapacidade da função.

O cruzeiro na porta explica é um ponto de obediência de chegada faz parte do

padroeiro da casa. O cruzeiro é a mesma coisa de se passar perto de uma igreja

católica ela estando fechada ou aberta é dever de nós cristãos fazer pai filho e

espírito santo.

Já as folias de reis, frequentam a casa de oração e compartilham o amor por São

Sebastião além dos três reis do Oriente, e dona Isolina afirma que nem todos os

foliões professam a Umbanda, uns estão ali por missão (porque fez um pedido),

estão ali cumprindo aquela sentença, outros acompanham por amor, por gostar e

ainda outros por diversão.

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3.2.2 - Centro do Galo - Centro Espírita Nossa Senhora da Conceição.

Dona Eleny é a dirigente de um dos centros mais antigos do bairro Zumbi. A senhora

baixinha, meio curvada de voz rouca, com cabelos longos e castanhos, maquiada

com os olhos bem marcados, vestindo uma saia bem rodada toda de branco, me

recebeu em sua casa simples. Do lado de fora, o reboco nas paredes e diversas

outras casas no mesmo terreno. A escultura de um galo em frente a casa chama

atenção.

Dona Eleny dos Santos tem 62 anos e reside na Rua João Passamani, uma das

principais ruas próxima à entrada do bairro. Tendo estudado até a quinta série do

ensino fundamental, tem como profissão: doméstica e do lar.

Nascida no município de Jerônimo Monteiro, mudou-se para a cidade de Cachoeiro

de Itapemirim, bairro Zumbi no ano de 1960, com os pais, Maria Lita dos Santos e

Manoel dos Santos. Os pais de dona Elenyr já eram donos de um centro de

Umbanda no Município de Rive, Alegre ES, porém quando o pai se mudou para o

Zumbi, construiu outro centro nas terras doadas pelo ex-prefeito Abel Santana

(1963-1967).

O primeiro centro em Rive ES pertencia à mãe e um senhor conhecido como Chico

Mariano. Uma lembrança que dona Elenyr ela não tem, mas afirma que o centro de

Umbanda ainda existe, com outras pessoas dirigindo e o pai que sempre se mudava

de lugar para outro, (foi delegado em Itaóca ES), fazia com que a mãe levasse o

centro de Umbanda com ela, sendo o bairro Zumbi o lugar onde decidiram

permanecer desde 1960.

Cinco anos antes de a mãe morrer, o centro de Umbanda foi passado a dona Elenyr

pela sua mãe, que desde então vem desenvolvendo suas práticas junto á sua

comunidade. Comunidade composta pelos “filhos de santo” que a ajudam a carregar

a missão.

Apesar de herdar a missão da mãe, conta que a mãe era católica, porém, aos

dezesseis anos, incorporou uma entidade (espírito) chamada Anjo Custódio, o qual

fazia muita caridade e muitas curas. No começo, sua avó não entendia nada, o que

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fez com que os pais assustados a levassem a um benzedor, onde foi confirmada a

presença de tal entidade, surgido através de incorporações dentro de casa.

Recorda que quando chegou ao bairro Zumbi quase não havia casa. O pai

trabalhava em plantação de algodão no alto do morro. Não havia água,

pouquíssimas casas, sendo ela testemunha do crescimento do bairro. Após a morte

da mãe, ficou com a missão da Umbanda. Sobre essa missão, afirma ser a mesma

umbanda que a mãe praticava e relata sobre as habilidades do espírito Anjo

Custódio “dava receita, operava no invisível, fez muitas operações que foram

confirmadas por médico”.

A mãe de dona Elenyr atendia no centro de Umbanda pessoas vindas de vários

lugares e em muita quantidade e explica a existência de uma linha branca da qual a

base do trabalho espiritual se dá através de água e vela; além da Umbanda que de

acordo com ela se encontram presentes entidades espirituais como

boiadeiros,mineiros, pretos velhos, guias que já fazem uso de bebidas alcoólicas. “A

diferença é que com água e vela, é só cura, cura de pessoas que já tiveram

desenganadas”.

Os guias de acordo com dona Elenyr: “Para mim são luz. Luz e verdade, porque a

entidade ,ela não está aí para chegar e enganar as pessoas”.

O centro funciona todo último domingo do mês, onde se inicia o trabalho com a

“imaculada pura” onde estão presentes as velas, seguidos pelo campo de entidades

conhecidas como marinheiros ao som dos instrumentos musicais tarol e bumbo. Ao

finalizar essas linhas de trabalho, é que ao som e toque do atabaque, surge a

Umbanda “mas não é umbanda de fazer mal, é umbanda de paz, de descarrego, de

entidade conversar com as pessoas que querem conversar seus problemas”.

A primeira linha do trabalho onde se é utilizado somente água e velas, não é a

preferida de muitas pessoas, entretanto quando a Umbanda surge e o atabaque

toca, muitas pessoas enchem o local, dona Elenyr explica que somente as pessoas

que possuem uma entidade, aguentam melhor essa primeira linha. “As pessoas

acham a linha pesada, cansativa e por ser uma linha tão pura de ver os médiuns

molhados a ponto de trocar de roupa, muitos não veem”.

O perfil dos frequentadores é bastante diversificado; “Tem classe média alta, tem

classe média, tem os meus humildinhos, e é negro, é branco, não tem discriminação

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e todos são bem vindos desde que entrai e respeitai”, e apesar de serem poucos os

moradores do bairro Zumbi a frequentarem, a maioria vem de outros bairros e

municípios, frequentadores que ajudam a manter o centro com elas e bebidas.

Dona Elenyr relata que começou a “trabalhar no santo”, aos nove anos de idade com

a mãe, e que já era para ter parado, pois já está com 62 anos e que não sabe ao

certo quantos centros de Umbanda existem no Zumbi , porém já visitou o de Dona

Isolina, e conta que no dia 8 de dezembro recebe mais de dez jornadas de centros

vindos de fora, dia de Nossa Senhora da Conceição.

Além disso, relata que existem mais cristãos e espíritas no Zumbi, desconhecendo a

existência do candomblé no bairro, e afirma que a Umbanda foi a primeira religião a

chegar ao bairro sendo o primeiro centro o dela, quando não havia nem a Igreja

Católica.

Dona Eleny relata que a origem da Umbanda, é a pura de linha branca e que foi

através dessa religião que surgiu o candomblé,

Porque quando os escravos vieram de longe, de Portugal, que quiseram montar um templo, então eles ia tocar, fazer o ritual deles. Quando os senhores donos de escravos ia lá: eles tão fazendo macumba, vamos meter o pau! Então chegava lá e encontravam São Benedito, aí falava: não..., deixa eles, estão orando pro São Benedito! Então veio surgindo a Umbanda e o Candomblé através das imagens, pelos escravos. Outra hora eles colocavam as imagens de Nossa Senhora da Conceição: Ah, não, não judia..., não vamos bater, eles tão com Senhora da Conceição, é a oração deles.

O espiritismo para dona Eleny é um dom dado por Deus, e sobre a relação com a

Associação de Folclore do qual foi convidada a associar-se recentemente, afirma

que para reunião ela vai, mas demonstrar o ritual de santo, não.

Estou entrando agora. Custaram muito a me levar porque eu não gosto desse negócio assim de estar em praça representando e demonstrando, aparecer na televisão, essas coisas não. Eu acho que o espiritismo é uma coisa da gente.

O galo na porta do centro de Umbanda é em homenagem ao pai que era de Ogum,

sendo a mãe de Oxum, e ela de Xangô com Iansã.

Acerca do nome do bairro ser Zumbi, dona Eleny afirma ter ouvido que o mesmo era

um bairro de escravo e que apesar das pessoas falarem muito mal, muitas pessoas

de bem se encontram por ali, entretanto acredita que o bairro precisa de mais união

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e paz, devido à violência e critica o fato dos próprios espíritas negarem a religião ,

religião essa que ela tem com muito orgulho.

União também que falta entre os Umbandistas. De acordo com muitos, referem-se a

ela como metida, mas afirma ser humilde,

Se os umbandistas levassem a sério e acreditassem e colocassem amor nessa religião, cada um erguesse a bandeira de paz, prosperidade, pra ajudar e se unissem mais uns aos outros, que houvesse mais amor entre os espíritas, as pessoas me acham metida, mas sou humilde, estou aqui para ali ajudar e não demonstrar lá fora.

Da relação com os grupos “folclóricos”, uma das folias de reis, concentra-se no

centro do Galo, sendo o mestre seu sobrinho.

Neta de avó italiana e tataravó escrava, dona Elenyr, distribui bênçãos aos netos,

familiares e filhos de santos, que carinhosamente frequentam sua casa.

3.2.3 Mestre Rogério

Nascido em Cachoeiro de Itapemirim, no bairro Zumbi, Rogério Vieira Machado 43

anos, não concluiu o ensino fundamental. Mestre da folia de reis “Estrela do Mar” se

lembra de que aos seis anos, o bairro era um pasto, principalmente na rua dele que

é a principal, havendo somente umas oito casas.

O nome Zumbi de acordo com ele foi dado devido à escuridão na época, pois não

existia energia além do fato de existirem muitos negros no lugar.

A folia de reis conheceu em casa com a folia “Estrela Dalva”, do seu tio, irmão de

seu pai, o mestre de nome Jorge Carias, entretanto, quem levantou a bandeira de

sua folia (ritual para o surgimento de uma folia de reis) foi outro mestre, João

Ignácio. Sua trajetória com a folia começou aos oito anos de idade batendo caixa

(instrumento musical), passando a palhaço aos doze anos, e finalmente aos trinta

anos, começou a cantar a frente da folia com seu mestre João Ignácio, o que

despertou ciúmes em seu tio,que queria que ele cantasse com a família.

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Rogério explica que para um grupo de folia de reis ter sucesso, é necessário muita

organização; e duas folias se destacavam naquele momento; a de João Ignácio, e

uma outra de um mestre chamado Sallatti, apesar de todas as bandeiras de folias de

reis serem sagradas. “As bandeiras são sagradas porque carregam a imagem de

São Sebastião e os três reis do Oriente, é onde é a fé da gente. A minha crença

primeira é Deus no céu e depois os três reis do Oriente e São Sebastião.”

Quando saía aos oito anos de idade com a folia, lembra-se que havia dezoito folias

no total, que foram findando, e em um dado momento de sua vida, teve que escolher

se pegava a bandeira da estrela Dalva do tio ou ficava com aquela, a qual saiu

durante toda a sua vida, escolhendo permanecer com a Estrela do Mar, da qual

virou mestre após a morte de João Ignácio.

Uma preocupação de mestre Rogério, entretanto é se após a sua morte, haverá

alguém para dar continuidade à missão e ressalta a importância de apoios para

direcionar os meninos a serem um futuro folião, tirando-os da rua.

Rogério relata que a população abraça a bandeira da folia de reis “Estrela do Mar”, e

muitos são os foliões que tem o desejo em sair em sua folia, porém afirma como

fundamental o companheirismo existente no grupo. “Precisa ter um companheirismo

pra ter um grupo na mão, dar amor, dar carinho, tirar das drogas, colocar para

trabalhar.” A maioria dos foliões tem entre dezesseis e vinte anos de idade, sendo os

mais velhos, o mestre, tio do mestre, irmão do mestre, totalizando uns cinco ou seis

somente. Grupo esse tido como o “tronco” do grupo, aquele que o sustenta. O grupo

ao todo possui vinte integrantes, sendo a maioria menor de idade. Maioria que de

acordo com o mestre, dão trabalho a ele,

Um não respeita a mãe, outro quer cair no mundo da droga, e se cair na droga não sai na folia mais, só esse ano eu já conversei com uma mãe que me pediu pra eu colocar o filho pra trabalhar, converso com eles, eu vivo com meu grupo, não é só na época da folia, eu vivo com ele é todos os finais de semana, é toda noite, eu procuro fazer um meio de esporte com eles, eu jogo bisca e aquele grupo meu, é um grupo fechado, eles respeitam muito.

Constante é a presença de parentes nas folias de reis e aqueles que não são,

acabam se referindo ao mestre como tio, ou pai, devido ao carinho que ali

encontram. Rogério afirma que muitos mestres têm dificuldade em lidar com o

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adolescente “Da mesma forma que se abraça e beija é necessário brigar com ele.

Não é batendo que se resolve, jamais”.

Rogério cita a importância do abraço, e especifica que o abraço é antes de tudo ser

amigo na hora da dificuldade e doença, ele que trabalha como segurança em um

supermercado, afirma também trabalhar para duas farmácias, das quais não recebe

salário, porém quando algum de seus foliões necessita de um medicamento, são as

farmácias que o socorrem, “é a minha farmácia, pra eles”.

Outro fato que chama atenção é a carência alimentar, ainda presente no bairro

Zumbi, então quando um folião precisa de uma cesta básica, é do supermercado

onde trabalha que Rogério que dispõe, fazendo de tudo para que seus foliões não

entrem no mundo das drogas.

Tido como o maior bairro de Cachoeiro de Itapemirim, o mestre folião diz que se não

houvesse o Zumbi, a cidade seria “apagada”, pois o bairro conta com grupos de

folias de reis, caxambu, bate-flechas, quadrilha de rua, grupos de carnaval e

capoeira.

Nascido e crescido no centro de Umbanda da avó (centro do galo), afirma que a

mesma trouxe conhecimentos das raízes africanas, da cidade de Jerônimo Monteiro

ES. A folia de reis inicia seus trabalhos saindo do centro de Umbanda, onde recebe

toda a proteção espiritual de que necessita,

A gente pede a proteção dos orixás, que nos ajuda a seguir e tirar tudo

quanto é mal, que a gente consegue caminhar pra cumprir a missão na paz,

levando a paz, trazendo a paz, e levando alegria, pedindo que onde existir

doença que Jesus entre na frente e abençoe, a gente consegue tirar a

tristeza e deixar só alegria.

O mestre folião pontua que o correto seriam saírem da Igreja Católica, já que os reis

saíram para visitar o Cristo, mas que a mesma não abraça a folia de reis, não

havendo convite e atenção à realidade e necessidade dos grupos, apesar de

cantarem nas Igrejas Católicas da cidade de Muqui ES, além do bairro Aeroporto em

Cachoeiro de Itapemirim.

Rogério acredita que talvez seja preconceito que impeça a Igreja Católica de recebê-

los e diz que os próprios católicos não sabem a importância da bandeira dos três

reis, devido à falta de conhecimento ao acreditarem que a bandeira tenha surgido do

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espiritismo, quando na realidade a bandeira sagrada foi surgida na Igreja Católica

em Portugal.

Dos foliões existem os que seguem o espiritismo e ainda os que não gostam de

cantar em centros de Umbanda, mas todos cantam. O tio e o irmão do mestre

Rogério são médiuns, e ele próprio é umbandista.

Muitos foram os preconceitos sofridos pelo mestre, através de amigos,

principalmente antes de se aposentar quando necessitava trocar um plantão no

trabalho (agente penitenciário) para cumprir sua missão na folia de reis, o que ouvia

era: “já vai para a macumba”.

Atualmente, o gosto pela folia de reis se encontra dividido, muitas pessoas gostam e

vários rejeitam, apesar de muitos lugares que o recebiam, não o receberem mais,

como o bairro Praça da Bandeira em Cachoeiro de Itapemirim, lugar que sempre

cantaram, e encontram dificuldade, pois os mais velhos que os recebiam morreram,

não havendo continuidade por parte dos filhos.

Perante aos outros grupos Rogério admite que seja mau visto, pelo fato de gostar de

andar muito bem arrumado, e que muitas vezes deixa de comprar alguma coisa para

sua casa, para colocar em seu grupo,

Eles acham que sou metido, que a prefeitura me dá alguma coisa, a

prefeitura não me dá nada, o Governo do Estado não me dá nada, esse ano

talvez vou ver se arrumo uma pessoa que faça um projeto pra gente pra ver,

seu eu consigo uma verba para comprar um outro uniforme, novo. Sapato

pra minha turma, meu pessoal, meu grupo e espero se eu conseguir, fazer

dia onze de outubro um encontro em Cachoeiro de folia de reis.

A Umbanda é tradicional no bairro Zumbi e de acordo com Rogério, a primeira

religião a chegar, apesar de existirem menos centros atualmente e em meio aos

cristãos, evangélicos católicos, o candomblé também se faz presente. “Não existe

centro de Candomblé, mas existe pessoa que foi feita e que pode fazer uma casa

pra ela”.

Com o governo atual conseguiu ser contemplado com a lei Municipal que leva o

nome de seu mestre “João Inácio”, lei essa que já existe há quatro anos.

Contemplado com três mil reais, destinado a melhorias do grupo, entretanto alega a

dificuldade em estar em todos os lugares estipulados pela prefeitura para entrega

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dessa indumentária e critica os projetos lançados em editais para a promoção da

cultura, pois a maioria das lideranças não possui conhecimento para concorrer.

O grupo que possui negros e brancos, maioria baixa renda, teve um problema

recentemente ao sair com mais palhaços do que o ideal, o ideal é sair na folia com

dois palhaços e mestre Rogério saiu com cinco. Alega o fato de não saber como

deixar essas pessoas que devotam tanto carinho ao grupo impedidos de sair e relata

que a maior necessidade das folias de reis atualmente é o transporte.

Constantemente viajando com a folia de reis, esteve recentemente em Mimoso do

Sul ES, com seu grupo de vinte integrantes e alugou um veículo (uma van) no valor

de quatrocentos reais, dos quais ainda deve duzentos. Valores esses que o mestre

acredita que poderiam ser usados para comprar camisas e roupas para os foliões,

caso houvesse uma ajuda no transporte pela prefeitura. Cabe ainda ao mestre

promover a alimentação do grupo durante as viagens.

As folias entram em atividade no dia 24 de dezembro a 20 de janeiro, e viajam para

diversos municípios e o bairro necessita de um apoio cultural para suprir algumas

dificuldades tais como: instrumentos musicais, calçados, além de melhorias na área

da saúde.

Geralmente em época de eleições, é constante a procura de políticos pelo mestre

Rogério, e já no inicio de 2014, mais de dez candidatos já o procuraram. Integrante

da Associação de Folclore de Cachoeiro de Itapemirim, o mestre folião não

considera a folia de reis um folclore.

Sobre o bairro Zumbi, a comunidade é excelente, alegre, respeitosa, relata Rogério,

porém a discriminação ainda é fator presente principalmente no que se refere a

população negra:

Existe um preto que já não trabalha, talvez fica aí bebendo que o vício tomou conta, são muito discriminados, porque se entregou à bebida, muita das vezes se entregou a droga, mas não faz mal a ninguém, só fica andando pra lá e pra cá...são discriminados por um e por outro, se não fosse preto não tava nessa vida”.

A folia de reis do bairro Zumbi, apesar de ter uma origem Ibérica, ao mesmo tempo

se integra com o Caxambú, participando de encontros e manifestações. As folias de

Reis também sofreram algumas transformações ao longo do tempo, muitos palhaços

ainda fazem “promessas”, porém muitos atualmente tiram suas máscaras durante a

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missão, o que não deveria ser feito, devido ao papel do palhaço, de proteção, fato

que o mestre chama atenção, “se soubessem o que é um palhaço não tiraria”.

A experiência mais bonita que vivenciou com sua folia de reis, se deu no bairro

Paraíso em Cachoeiro de Itapemirim, havia uma pessoa que conhecia a folia de reis,

e que estava com uma parente em má situação, muito doente, acamada, então a

folia foi convidada a entrar na casa dessa pessoa, então o marido pediu que

cantassem para sua mulher que se encontrava acamada. A mulher com muita

dificuldade se ajoelhou aos pés dá bandeira puxando-a para si, e chorando fez um

pedido. Passado uma semana aquela mulher foi ter com os foliões, de pé, relatou

sua cura e agradeceu á São Sebastião e aos três reis magos do Oriente. Esse fato

emocionou a todos, e mestre Rogério enfatiza que fé e a cura ainda se fazem

presentes.

3.2.4 - Gilberto Lopes Elias

Gilberto Lopes Elias 44 anos, é morador do bairro Zumbi, atuando como bombeiro

hidráulico possui o ensino fundamental, é se encontra atualmente como presidente

da Associação de Moradores do bairro Zumbi (2014).

Gilberto nasceu em Alegre, veio pra o bairro zumbi em 1974, um desejo do pai ao

perder a mãe. Daquela época as lembranças são de um lugar pacífico, bom para se

viver, onde todos se conheciam, sem tráfico de drogas e desigualdade social, como

ocorre atualmente.

Gilberto afirma que um dos maiores problema do bairro atualmente é o tráfico e a

desigualdade social, e que apesar do bairro zumbi possuir toda uma infraestrutura, a

desigualdade social ainda persiste naquela comunidade.

Um dos fatores é a baixa escolaridade, principalmente da população negra, pessoas

essas com poucos recursos financeiros e ausência de bons empregos. De acordo

com ele as pessoas ao arrumarem um emprego, após três, quatro meses se

encontram desempregados novamente, pois não condizem com o mercado de

trabalho, devido à dificuldade de adequação ao ritmo que as empresas exigem.

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Ainda ressalta que o maior problema é a questão da escolaridade e cita o fato de

setenta por cento da população do bairro ser negra, por isso o nome de referencia á

Zumbi.

O trabalho do presidente da associação de moradores consiste em levar os anseios

dos moradores a municipalidade: ao prefeito municipal, secretários, (como

manutenção de lâmpadas, melhorias de ruas, limpeza, capina, reuniões periódicas

com a comunidade).

Além desses fatores existem as parcerias com a Igreja Católica (a entrevista foi

realizada na Igreja católica São José do Operário), com a professora de balé Cida

(que desenvolve um projeto social), a Umbanda (dona Isolina), além do grupo

carnavalesco presente no bairro.

Ainda afirma que, para as pessoas que não moram no bairro, recebem informações

que não condizem com a realidade, daquela comunidade, e que pessoalmente não

troca o bairro zumbi por nenhum outro bairro de Cachoeiro de Itapemirim.

O bairro Zumbi atualmente considera como um bairro único, devido ao fato do bairro

ser maior que dezesseis municípios do Estado do Espírito Santo, sendo atualmente

o Zumbi, o maior cartório eleitoral do sul do estado, com pouco mais de quatorze mil

e setecentos eleitores, ou seja, quase o tamanho do município de Castelo ES, em

números de eleitores. Cartório eleitoral que de acordo com ele não reflete em

melhorias para o bairro e propõe a criação de uma ONG, para dar assistência as

crianças carentes, juntamente com a professora de dança que tem formação em

balé clássico.

Gilberto explica que o bairro Zumbi começa na Igreja São Francisco de Assis até a

Selita (empresa de laticínios), que a entrada principal se dá pelo mercado Baratão

na Rua Icoporanga km 90/, havendo outra entrada pela Igreja São Francisco de

Assis e ainda outra pelo Alto Eucalipto, que na verdade não é um bairro como

alguns desejam atribuir, mas um nome fictício devido a existência de pés de

eucalipto próxima a empresa Selita.

As dimensões geográficas, entretanto, não existem, mas de acordo com ele o senso

de 2011, calculou 18.930 habitantes no lugar13.

13

Fonte: IBGE: www.ibge.gov.br.

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Gilberto relata que a sua geração estudou pouco, porém seus três filhos estão

fazendo um curso universitário, e cita o fato da população negra, não concluir o

ensino fundamental. “Estuda-se até a quarta e o quinto ano, onde paralisam aos

doze, treze e quatorze anos”, se inserindo no risco social, dominado pelo tráfico de

drogas.

O tráfico de drogas, de acordo com o presidente da Associação de Moradores era

mais esporádico no passado, mas atualmente ocorre a olho nu e afirma que o tráfico

está presente em todos os bairros, mas que a imagem recai sobre o maior deles: o

Zumbi. “Pode perguntar a qualquer pessoa, o local que mais ocorre risco social e é

perigoso em regime de tráfico? Vão responder Zumbi”.

Discordando dessa imagem atribuída ao bairro Zumbi, Gilberto afirma existirem

problemas em outros bairros que não ocorrem no Zumbi, como por exemplo

questões de infra estrutura, e alega que somente uma única rua de trezentos metros

não está asfaltada no Zumbi, o bairro possui oito linhas de ônibus , que vão no alto

do morro.”Na ultima casa no alto do bairro a pessoa pega um ônibus que passa na

porta”. Além disso, com o governo atual, diversas pessoas começaram a pagar

impostos, sessenta por cento da população paga imposto, sendo que barbeiro que

não pagava IPTU, começou no governo atual a pagar.

O bairro que possui uma escola estadual, três creches municipais, e uma de ensino

fundamental não consegue atender a população, pois não oferece o Ensino Médio,

sendo 21% pessoas analfabetas (censo de 2010), apesar do ensino noturno.

Gilberto defende que das religiões presentes, o bairro possui quatro Igrejas

Católicas, quarenta e duas Igrejas evangélicas e quatro espíritas catalogadas, se

destacando, as evangélicas. Cita o fato ainda de haver divisões entre elas, devido às

reflexões distintas. Na rua que Gilberto mora, em um raio de cem metros, existem

quatro igrejas evangélicas.

Existe muita contradição entre as religiões de acordo com Gilberto, existem pastores

que não conversam com pastores, padres que não conversam com pastores, e

ainda os espíritas que conversam com pastores e padres. Curioso que sejam estes

espíritas os que mais “recebem pedradas” ou seja , são discriminados.

Recebem “pedradas” por não fazerem a leitura da Bíblia, pois de acordo com

Gilberto, os espíritas acreditam em santos e espíritos. Somado a questão religiosa,

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ainda existe o preconceito racial, sobretudo, aos afros descendentes. Gilberto relata

que apesar de ser evangélico, seus pais eram candomblecistas.

E explica que o candomblé é parte da identidade negra, expressando o que o negro

acreditava no passado, e no presente contando o bairro com lideranças expressivas

como dona Isolina, mestre Rogério, entre outros.

Ele afirma que o Candomblé está presente no bairro Zumbi, e que muitos moradores

frequentam o candomblé em outros bairros, como por exemplo o pai de santo

Amarildo, no bairro Novo parque.

Sobre a história do bairro, Gilberto esclarece que o mesmo foi fundado na década de

sessenta pelo ex-prefeito Abel Santana (1963-1967), que comprou as terras que

foram doadas grande parte e o nome é uma referência a Zumbi de Palmares, porém

não instituído pelo ex-prefeito.

Ressalta ainda que algumas famílias, entretanto teriam vindo de comunidades

quilombolas principalmente da região de Monte Alegre, além de famílias de outros

lugares de Cachoeiro de Itapemirim. Para os desfavorecidos eram doados terrenos e

que de acordo com Gilberto, a população desfavorecida foi destinada para o bairro

Zumbi, o que acabou formando uma grande comunidade.

O maior desafio do bairro zumbi de acordo com Gilberto é “que cada família tenha

um prato de comida para a hora que desejar comer”. Ao todo doa sessenta cestas

básicas por mês da empresa da qual é ligado à população, o que o ajudou a ganhar

para presidente da Associação e pretende se candidatar como vereador para

solucionar os problemas do bairro, caminho esse percorrido por todos os outros

vereadores.

Sobre a carência alimentar, um problema existente no bairro,

Existem pessoas passando fome e necessidades na comunidade, que fazem parte de algum programa do governo como a “cesta verde” que a cada quinze dias recebem uma cesta verde básica do CRAS itinerante. CRAS

14 de outro bairro, porque o do Zumbi está acabando

de ser construído.

Setenta e cinco por cento dos lotes do bairro Zumbi não são escriturados existindo

somente recibos, porém uma iniciativa do prefeito atual Carlos Casteglione (PT )

14

Centro de referencia assistencial.

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junto a um vereador municipal , contribuiu com o projeto de lei, acerca da

regularização fundiária para a obtenção de escrituras e documentos pela população,

fato importante pois a maioria da população possui somente recibos passados de

pais para filhos e Gilberto relata a existência de um mapa do bairro contendo todos

os nomes de ruas disponíveis na internet pelo Google.

Gilberto diz que dentro do bairro existe uma divisão social, sendo a parte central do

bairro a mais valorizada, no alto do morro onde a situação de risco social é maior,

possui menos valor comercial, e afirma que onde a situação financeira das pessoas

é mais baixa, o risco social e tráfico de drogas é maior. E ainda relata o fato de uma

parte do bairro que mora onde existe a presença de eucaliptos, acreditarem e

afirmarem ser outro bairro, o que não é verdade. Separação essa também causada

pelo tráfico de drogas, e grupos rivais.

Para ele, o que o bairro zumbi se diferencia dos outros é a sua magnitude. O povo

do zumbi é orgulhoso de morar no bairro gigante, e defende que ser soberano em

tamanho é muito bom, porém o tamanho proporcional de problemas também é

maior.

Tesoureiro da escola de samba “Unidos do Zumbi”, explica o enredo escolhido para

2014: “Zumbi canta Mandela. O enredo é uma mensagem sobre dois homens

nascidos em gerações diferentes, mas que tiveram o mesmo ideal da libertação do

seu povo, e diz que ainda hoje o povo negro se sente escravizado pelo branco, na

luta por um emprego melhor, por uma situação melhor.

E cita a situação que o jogador de futebol brasileiro Tinga passou recentemente em

um caso de racismo. De acordo com Gilberto basta um olhar para a pessoa

perceber que está sendo olhada pela sua cor e esse é o maior problema do nosso

bairro.

Gilberto descreve que diversos são os casos de jovens que quando vão procurar

emprego ao relatarem que são moradores do bairro Zumbi, deixam de ser

privilegiados por associarem essa população á bandidos e muitos jovens não

trabalham por falta de oportunidade, migrando para o mundo do crime por falta de

oportunidade, já que com o que os pais ganham não é suficiente para manter a

família, que em sua maioria é composta por mais de cinco pessoas. Gilberto relata a

discriminação sofrida por ser negro e morar no bairro Zumbi. Aos quinze anos,

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quando estudou em curso técnico do SENAI15, sempre era deixado de lado, o último

a ser escolhido para manusear a máquina de solda, o último nome da lista.

15

SENAI- Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento do sul do Espírito Santo esteve ligado à produção cafeeira no

século XIX, momento no qual houve enorme concentração de escravos na região.

O período considerado auge da produção cafeeira, entretanto coincidiu com leis

abolicionistas, e fim do trafico negreiro. Anteriormente as leis abolicionistas, o

governo imperial instituiu em 1850 a lei de terras a primeira iniciativa de

regulamentar as terras no Brasil, leis essas que privilegiaram somente uma parte da

população, excluindo grande parte da população negra. No final do século XIX e

inicio do XX, o pensamento de teor eugênico, que vicejou no Brasil, tornou ainda

mais difícil a condição negra na sociedade, já que o negro foi visto como marginal.

Os quilombos, historicamente instituídos no Brasil, demonstram a resistência contra

o sistema opressor vigente durante quase quatro séculos no Brasil, escravidão.

De acordo com moradores mais antigos do bairro Zumbi, a ocupação do bairro teve

início na década de 30, acentuando-se a partir de 60. O bairro Zumbi é situado à

Oeste, no município de Cachoeiro de Itapemirim. Uma fonte de estudos publicada -

e única - foi o livro intitulado “Zumbi: por todas as raças de todas as cores”, escrito

por acadêmicos do Centro Universitário São Camilo no ano de 2003 que tem por

base a história oral.

A área pertencia a uma antiga fazenda de propriedade da família Passamani, que

vendeu parte de suas terras para o Sr. Abel Santana que de acordo com o senhor

Juarez tavarez que foi uma espécie de gerente do empreendimento do bairro, as

terras forma compradas pelo Abel Santana antes de se tornar prefeito, já que a

família possuía muitas propriedades, só então foram doadas prefeito de Cachoeiro

de Itapemirim (1963-1967) dando início ao loteamento. Os preços baixos dos lotes, e

a insatisfação de muitos com as dificuldades na área rural procuraram encontrar ali

melhores condições de trabalho e moradia em um ambiente que oferecesse

tranquilidade e segurança.

Essa migração se originou de municípios vizinhos, bem como de áreas rurais

tangidas pela possibilidade de se ver livre do aluguel pela aquisição do lote. Quanto

à origem do nome do bairro Zumbi, há diversas versões todas em referência a

população negra ali estabelecida.

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Muitos negros se concentravam no bairro Zumbi, trazendo consigo sua forma de

sociabilidade.

O conceito de quilombos tem sido amplamente utilizado sob diversas visões, tanto

na questão conceitual, em que sofreu e vem sofrendo transformações como no

campo ideológico. O conceito desenvolvido por Abdias Nascimento em sua obra

“Quilombismo”, demonstra o viés político e ideológico que também está presente no

debate constitucional, que é a luta pela equidade de direito dos afrodescendentes, o

reconhecimento e valorização de sua ancestralidade africana, sem distinção e

estratificação.

A luta pelo direito dos afrodescendentes requer que os mesmos ocupem e tenham

acesso a todos os lugares, mas perpassa também pelo reconhecimento e

valorização de sua origem e herança africana.

Nos anos sessenta se deu o surgimento do bairro zumbi em Cachoeiro de

Itapemirim, e múltiplas são as histórias ali presentes, o que apresentamos,

entretanto é apenas uma faceta do bairro.

O Quilombo, conceito que tem sido amplamente debatido e estudado, se

metamorfoseia, estando sempre em construção. È estudado no campo antropológico

associado ao debate constitucional, e tem sido estudado cada vez mais estudado no

campo das ciências como, a arqueologia. O conceito que apresenta uma

complexidade está sempre em construção.

Nosso conceito de quilombos relacionado ao bairro Zumbi converge com tantos

outros, como, por exemplo, o de Abdias Nascimento, conceito político ideológico. O

quilombo do bairro Zumbi, localizado em área urbana, com suas casas aglomeradas,

e a presença de uma diversidade étnica e religiosa urge por acesso á educação de

qualidade, liberdade religiosa, e sustentabilidade alimentar principalmente. Também

vamos de encontro ao conceito de quilombo proposto por Leite, o quilombo das

experiências vitoriosas da sociedade racista, presentes nas manifestações mágicas

das folias de reis, na alegria da trança tradicional africana do caxambu, e no rito

sagrado da Umbanda.

O bairro em Cachoeiro de Itapemirim que leva o nome de Zumbi, chefe político de

um dos maiores quilombos da América, possui um alto teor ideológico no que se

refere á identidade africana, o bairro mais populoso da cidade de Cachoeiro de

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Itapemirim possui enorme diversidade com a presença de brancos, negros e pardos,

diversidade religiosa com diversas religiões presentes.

Zumbi é um mistério, e não validamos a visão romantizada a ele atribuída de herói

da resistência, mas, sobretudo a militar, o chefe habilidoso e político que tanto

incomodou por um ideal.

Zumbi não morreu, ele perambula a mais de trezentos anos no imaginário do povo

brasileiro, e se encontra atualmente em Cachoeiro de Itapemirim, talvez seja o negro

que só pode ser visto á noite como relatou dona Isolina, andando na escuridão, o

tempo na Umbanda é outro, talvez há algo que o ligue o passado ao presente. O

espírito do preto velho que incorpora na umbanda é o escravo que viveu em outrora.

Muitas vezes ao presenciar as falas dos líderes aqui narradas, ou observando os

rituais da Umbanda e folias de reis, cheguei a pensar em Zumbi, na figura de São

Sebastião, um mártir, representado flechado, sempre com prontidão, fé, obediência

e acima de tudo o exaltado como um grande guerreiro.

Espero que o presente trabalho possa contribuir para pesquisas futuras envolvendo

a temática negra e cultura afro-brasileira em Cachoeiro de Itapemirim. Dado o tempo

curto do curso de mestrado, privilegiamos essa faceta de algumas narrativas de

atores sociais além, de suas histórias de vida. Surpreendentemente a pesquisa

apresenta questões relevantes para próximas investigações, como sentimentos e

afeiçoes entre a comunidade, o declínio da prática umbandista nos últimos vinte

anos, e a denuncia relacionada a carência alimentar ainda presente no lugar. Todos

os entrevistados do bairro Zumbi, não concluíram o ensino fundamental, e a

ausência de uma escola de ensino médio no bairro, são fatores que contribuem para

o forte estigma do preconceito relacionado a cor da pele ainda vigente.

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ANEXOS

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ANEXO 01 Mapa de Cachoeiro de Itapemirim Fonte: http://www.cachoeiro.es.gov.br/mapaci.htm

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ANEXO 02

Mestre Rogério (direita) folia de Reis Estrela do Mar

Fonte: Gazeta Online

ANEXO 03

Mestra de folclore (dona Isolina) de Cachoeiro ganha prêmio estadual

Fonte: http://www.viaes.com.br/site4/exibir/12972

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ANEXO 04

Dona Isolina leva o caxambu de Cachoeiro ao Maranhão

Fonte: http://viaes.com.br/site4/exibir/12494

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ANEXO 05

Jerônimo Monteiro 1910, presidente do Espírito Santo, sua família exerceu poder

político até anos 30 no estado. Arquivo Higner Mansur

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ANEXO 06

Integrantes do partido da Arena, Abel Santana, prefeito de Cachoeiro de Itapemirim

1963-1965, empreendedor do bairro Zumbi.

Fonte: Arquivo pessoal de Higner Mansur

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ANEXO 07

Bairro Zumbi, Cachoeiro de Itapemirim

Fonte: acervo pessoal

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ANEXO 08

Capa do jornal Folha do ES, 03 de marco de 2011 - Intolerância religiosa

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ANEXO 09

Dona Isolina, tradição do Caxambu, presidente dos terreiros, dirigente de centro de

Umbanda no bairro Zumbi, em Cachoeiro de Itapemirim