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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A MATEMÁTICA NA ENGENHARIA MECÂNICA NA UFES
LUANA POLTRONIERI DE SOUZA
VITÓRIA
2008
LUANA POLTRONIERI DE SOUZA
A MATEMÁTICA NA
ENGENHARIA MECÂNICA NA UFES
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Educação na linha de pesquisa Educação e Linguagens, sublinha Linguagem Matemática vinculada ao campo científico de Educação Matemática. Orientadora: Profª. .Drª. Circe Mary Silva da Silva Dynnikov
VITÓRIA MAIO/2008
3
AGRADECIMENTOS
A Deus, por essa vida e por todas as oportunidades de aprendizado.
Á Diana e Lara que suportaram tantas ausências e nervosismos, com aquele
olharzinho de “o que foi que eu fiz mamãe?”, mas com um enorme sorriso quando
olhava para elas e dizia, “mamãe está ocupada, mas ama muito vocês”.
À querida Professora Circe Mary Silva da Silva Dynnikov, que foi mais mãe que
orientadora.
Ao meu primo Eduardo Vianna Gaudio, pois sem seu incentivo eu não estaria aqui
escrevendo estas linhas.
Aos colegas de mestrado Hélio, Eliane, Cláudia e Ritinha, que engravidaram comigo
e suportaram todas as minhas queixas sempre com palavras e abraços carinhosos.
Aos colegas da UFES Bohland, Geraldo Bull, Laudicéia e Sandra, companheiros de
viagens, que com sua alegria sempre minimizaram a saudade de casa.
Aos meus amigos Amarildo e Aloísio Sfalsin que receberam inúmeros e-mails e
telefonemas ora desesperados, ora efusivos, que relataram os altos e baixos de uma
pesquisa e sempre retornaram palavras de incentivo.
Aos queridos engenheiros da Aracruz, que me receberam de braços abertos e
contaram suas histórias.
Aos professores e amigos depoentes, pela sua atenção e alegria.
À Coordenadoria de Aperfeiçoamentos Pessoal de Nível Superior – CAPES pela
bolsa de estudo concedida.
“A arte de interrogar não é tão fácil como se pensa.
É mais uma arte de mestres do que de discípulos;
é preciso ter aprendido muitas coisas para saber
perguntar o que não se sabe.”
Jean Jacques Rousseau
RESUMO
É sabido que para ser um engenheiro precisa-se saber matemática. O que se discute é qual matemática é necessária para a engenharia e como esta matemática está sendo trabalhada. Esta é a questão principal desta pesquisa que investiga as modificações e/ou permanências nas disciplinas matemáticas no curso de engenharia mecânica desde a criação do mesmo em 1966 até 2006, ano da última reforma curricular. Entrevistas, análises de documentos e revisão de literatura, foram metodologias utilizadas para a investigação. Poucas e pouco significativas foram as mudanças ocorridas no período analisado. A matemática dos engenheiros é ministrada por matemáticos, os livros ainda são dos da década de 60, poucos sendo acrescentados às ementas, a prática de sala de aula ainda não absorve as novas tecnologias disponíveis, enfim, isto é uma questão séria que envolve a formação dos docentes e o modelo seguido pela universidade. Palavras-chave: Ensino Superior da Matemática, Engenharia Mecânica, Educação Matemática.
ABSTRACT
It is known that to become an engineer you must know mathematics. The discussion here is that if mathematics is needed in engineering and how it has been wordked . This is the main issue in this research that investigates the changings and/or the staying of this matters in the course of mechanical engeneering in UFS since its creation – from 1966 – to 2006 the last year of the curricular changes. Interviews, document analysis, literary reviews where methods used to answer the questions. They were few and less meaning the changings that happened during the period. Mathematics of engineers is taught by mathematicians. The books are from the 1960’s being few of them added to the amendments, and the practice in the classrooms does not absorb the new available technologies being few of them added to the amendments, and the practice in the classrooms does not absorb the new available technologies. This is a serious question that involves teacher’s a graduation and the model followed by the university. Key Words: Teaching of mathematical in higher education, mechanic engineering, mathematical education.
RÉSUMÉ
On sait que pour être un ingénieur on doît savoir mathématique. Ce qui est en discussion, c’est quel est la mathématique nécessaire pour l’ingénierie et comme on travaille cette mathématique. Ceci c’est la principal question de ce recherché qui fait l’vestigation des changements et/ou permanences des disciplines mathématiques dans le cours d’ingénierie mécanique dans l’Universidade Federal do Espírito Santo, aux période de 1966, l’année de création du cours, jusqu’a 2006, l’année de la dernière modification de la grille curriculaire. J’ai évaluée les pendent le période étudié, dans ce que se rapporte au contenu curriculaire. Des entrevues avec quelques professeurs du secteur Ingénierie Mécanique et du secteur Mathématique et aussi avec quelques ex-élèves de divers périodes; analyses des documents de l’École Politechnique du Espírito Santo, du secteur Ingénierie Mécanique et du secteur Mathématique; révision de litérature; était des méthodes utilizées dans cette recherche. Les permanences sont plus grandes que les changements, dans le période analysé. la mathématique des ingénieurs, est donnée par des mathématiciens; les livres sont encores ceux des années 1960; la pratique des salles de classes n’absorbe pas les nouveaux technologies, enfin, c’est ça, une question très serieuse parce qu’elle embrasse la formation des professeurs et le modèle suivi par l’université. Mots clé: Enseignement supérieur de mathématique, Ingénierie Mécanique, Education Mathématique.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1. Academia Real Militar............................................................... 46
Ilustração 2. Eng. Áureo Machado Neto ....................................................... 50
Ilustração 3. Eng. Ângelo Wellington Giacomim ........................................... 51
Ilustração 4. Eng. Fabrício Luis Stange ........................................................ 52
Ilustração 5. Prof. Geraldo Rossoni Sisquini................................................. 53
Ilustração 6. Eng. José Guilherme de Carvalho............................................ 54
Ilustração 7. Profa. Lígia Arantes Sad ........................................................... 55
Ilustração 8. Ementa da disciplina de Estatística da Escola Politécnica
de 1971............................................................................................................. 65
Ilustração 9. Currículo de Engenharia Mecânica de 1970 ............................ 70
Ilustração 10. Ementa da disciplina de Geometria Analítica e Álgebra Linear
de 1970............................................................................................................. 71
Ilustração 11. Programa da década de 80 com cálculo da média................... 73
Ilustração 12. Plano de Curso de Cálculo de 1988 com metodologia ............ 74
Ilustração 13. Registro em ata de uma prova de Mecânica dos Fluidos
de 1967............................................................................................................. 75
Ilustração 14. Registro em ata de uma prova de Mecânica dos Fluidos
de 1967............................................................................................................. 76
Ilustração 15. Prova de Cálculo Diferencial e Integral da Escola Politécnica
em 1971............................................................................................................ 78
Ilustração 16. Prova de Cálculo Diferencial da Profª. Mirtha Fayet em 1967.. 79
Ilustração 17. Prova de Cálculo Integral da Profª. Fayet de 1966................... 81
Ilustração 18. Prova de Cálculo Diferencial de 1966 ...................................... 84
Ilustração 19. Prova de Cálculo Diferencial de 1966 ...................................... 85
Ilustração 20. Lista de Exercícios de Álgebra Linear I da Profa. Sad de
1980.................................................................................................................. 86
Ilustração 21. Prova de Cálculo de 1957 ........................................................ 90
Ilustração 22. Caderno de Aluno da Profª. Fayet década de 60 ..................... 91
Ilustração 23. Caderno de Aluno da Profª. Fayet década de 60 ..................... 92
LISTA DOS QUADROS
Quadro 1. Ciclo Básico (disciplinas do ciclo básico do currículo de engenharia
mecânica da UFES em 1966)................................................................64
Quadro 2. Ciclo de Formação Profissional (disciplinas técnicas do currículo de
engenharia mecânica da UFES em 1966).............................................64
Quadro 3. Evolução das Disciplinas (disciplinas matemáticas ao longo do período
de pesquisa) ..........................................................................................66
Quadro 4. Disciplinas e Pré-Requisitos ..................................................................68
Quadro 5. Ciclo Básico do Currículo Atual .............................................................72
Quadro 6. Ciclo de Formação Profissional do Currículo Atual ...............................72
Quadro 7. Disciplinas das décadas de 1960 e 1970 e bibliografia sugerida ..........98
Quadro 8. Disciplinas das décadas de 1980 e bibliografia sugerida ......................98
Quadro 9. Disciplinas das décadas de 1990 e 2000 e bibliografia sugerida ..........99
Quadro 10. Referências sobre a aplicação da matemática nos livros
pesquisados ........................................................................................101
LISTA DE SIGLAS
ABMES – Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior
ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições Superiores
ANUP – Associação Nacional das Universidades Particulares
ARBED - Aciéries Réunies Burbach-Eich-Dudelange
CNE – Conselho Nacional de Educação
CONAES – Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior
CT – Centro Tecnológico
DEM – Departamento de Engenharia Mecânica
ES – Espírito Santo
GBS – Guilherme Batista da Silva
IMPA – Instituto de Matemática Pura e Aplicada
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
IP – Instituto Polytechnico
MEC - Ministério da Educação e Cultura
QI – Quociente de Inteligência
SESu – Secretaria de Ensino Superior
UCP – Universidade Católica de Petrópolis
UFES – Universidade Federal do Espírito Santo
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura
VPL – Valor Presente Líquido
SUMÁRIO
RESUMO.................................................................................................................... 5
LISTA DE ILUSTRAÇÕES......................................................................................... 8
LISTA DOS QUADROS ............................................................................................. 9
LISTA DE SIGLAS................................................................................................... 10
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 14
RELEVÂNCIA ....................................................................................................................................... 14
OBJETIVOS .......................................................................................................................................... 14
JUSTIFICATIVA .................................................................................................................................... 15
ESTRUTURA DA PESQUISA............................................................................................................... 15
REVISÃO DE LITERATURA................................................................................................................. 17
1. EMBASAMENTO TEÓRICO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS........... 32
1.1 HISTÓRIA........................................................................................................................................ 32
1.2 CURRÍCULO ................................................................................................................................... 36
1.3 BREVE HISTÓRICO ....................................................................................................................... 38
1.3.1 Livros utilizados nos cursos de Engenharia no Brasil Colônia.............................................40
1.3.2 A República..........................................................................................................................................40
1.3.3 As Escolas de Engenharia no Brasil.............................................................................................41
1.3.4 A Engenharia no Brasil .....................................................................................................................42
1.4. MATEMÁTICA............................................................................................................................... 45
1.4.1 A Matemática no currículo de engenharia no Brasil Colônia ...............................................46
2. PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS UTILIZADOS NA COLETA DE DADOS
................................................................................................................................. 48
2.1 O ACERVO...................................................................................................................................... 48
2.2 – OS SUJEITOS.............................................................................................................................. 49
2.3 – RECURSOS DE OBSERVAÇÃO: ............................................................................................... 56
2.4 PROCEDIMENTOS UTILIZADOS .................................................................................................. 57
3. A MATEMÁTICA NA ENGENHARIA MECÂNICA............................................... 60
3.1 COMENTÁRIOS SOBRE O CURRÍCULO ..................................................................................... 60
3.2 AS DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NA ENGENHARIA MECÂNICA ............................................ 63
4. A EVOLUÇÃO DAS DISCIPLINAS MATEMÁTICAS .......................................... 65
5. ALTERAÇÕES CURRICULARES ....................................................................... 70
6. AVALIAÇÕES ...................................................................................................... 75
7. A PRÁTICA DE SALA DE AULA......................................................................... 91
8. MATERIAL DIDÁTICO......................................................................................... 96
9. CONCLUSÕES .................................................................................................. 102
9.1 – CURRÍCULO .............................................................................................................................. 102
9.2 – AVALIAÇÃO .............................................................................................................................. 103
2.3 – PRÁTICA DE SALA DE AULA.................................................................................................. 104
9.4 – MATERIAL DIDÁTICO............................................................................................................... 105
9.5 – CONCLUSÕES FINAIS.............................................................................................................. 105
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 107
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA............................................................................ 111
ANEXO I: ROTEIRO DE PERGUNTAS UTILIZADO PARA REALIZAÇÃO DAS
ENTREVISTAS COM OS PROFESSORES DO DEPARTAMENTO DE
MATEMÁTICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO.............. 113
ANEXO II: ROTEIRO DE PERGUNTAS UTILIZADO PARA REALIZAÇÃO DAS
ENTREVISTAS COM OS PROFESSORES DO DEPARTAMENTO DE
ENGENHARIA MECÂNICA DA UFES................................................................... 114
ANEXO III: ROTEIRO DE PERGUNTAS UTILIZADO PARA REALIZAÇÃO DAS
ENTREVISTAS COM ALUNOS JÁ FORMADOS EM ENGENHARIA MECÂNICA
NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO ....................................... 116
ANEXO IV: CESSÃO DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL.................... 117
ANEXO V - QUADRO DE SIGNIFICADOS PARA ANÁLISE DOS LIVROS -....... 118
ANEXO VI - ENTREVISTA COM ENGENHEIROS EX-ALUNOS DA UFES ......... 119
ANEXO VII - LIVROS DO ACERVO DA BIBLIOTECA CENTRAL DA UFES
ANALISADOS COMO MATERIAL DIDÁTICO ...................................................... 213
INTRODUÇÃO
RELEVÂNCIA
As disciplinas matemáticas têm sido, ao longo da história, consideradas
como difíceis, elitistas e tantos outros adjetivos cabíveis. Mas também reconhecidas
como necessárias, imprescindíveis mesmo para tantas outras disciplinas se
desenvolverem. Nas engenharias de forma geral e particularmente na engenharia
mecânica, que é o meu objeto de pesquisa, a matemática se faz presente com
grande força, seja servindo de base para as físicas, seja em aplicações diretas ou
indiretas nas disciplinas técnicas. Ao longo de minha trajetória seja enquanto
estudante de engenharia mecânica ou como docente de matemática e informática,
algumas questões que hoje investigo nesta pesquisa estiveram presentes. Uma
questão que me retira da zona de conforto refere-se à forma como as disciplinas de
matemática são ministradas nos cursos de engenharia e por quem. Como o currículo
foi construído e para quê? Algo mudou ao longo de quarenta anos? Se sim, o que
terá sido? O que terá motivado a mudança ou não? Que matemática é esta que se
ensinava em 1966 e qual se ensina hoje? Como era e como é a prática de sala de
aula? E as avaliações? E o material didático? E o desenvolvimento tecnológico, o
que trouxe para as matemáticas? Tantas são as questões motivadoras de uma
pesquisa. Trago aqui algumas destas respostas, as possíveis, dentro de um prazo
de pesquisa de mestrado. E deixo outras tantas, para mais tarde ou para outros, que
assim como eu procuram alcançar a mestria da arte de saber perguntar o que não
se sabe.
OBJETIVOS
O objetivo desta pesquisa é investigar a ocorrência de mudanças ou
permanências das disciplinas de matemática constantes do currículo de engenharia
mecânica da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) desde a criação do
curso em 1966 até 2006, quando houve a última modificação curricular.
JUSTIFICATIVA
O interesse pelo tema vem do misto da vivência como estudante de
engenharia e da prática de professora de matemática, em busca do sentido das
disciplinas matemáticas no futuro escolar e profissional. A pesquisa histórica tornou-
se atraente no momento em que se completa quarenta anos de existência do curso
de Engenharia Mecânica na UFES, conjugado a uma mudança curricular. Unindo a
oportunidade do momento histórico que se apresenta com a vontade de aprimorar o
fazer didático, trazemos a lume esta pesquisa.
Não se faz uma pesquisa histórica sem procurar conhecer história e não se
trabalha com várias fontes sem conhecer sobre suas possibilidades. Assim foi
necessário leitura, ainda que básica de Jacques Le Goff, com a História Nova para
adquirir o mínimo de compreensão acerca deste assunto. Também para
compreender como “ler” corretamente o depoimento dos entrevistados nesta
pesquisa, busquei dialogar com Verena Alberti e Paul Richard Thompson, acerca da
História Oral. Por se tratar de um currículo, recorri a J. Gimeno Sacristán e Tomaz
Tadeu da Silva, para compreender como se dá a formação dos mesmos. Assim
como fui buscar em Pedro C. da Silva Telles, as origens da engenharia no Brasil.
Em Cipriano C. Luckesi e Helena Noronha Cury, pude obter suporte para analisar as
avaliações e as práticas atuais no ensino superior. Fiz também uma revisão de
literatura com os trabalhos que forneceram uma base acerca do que foi investigado
a respeito do ensino da matemática nos cursos de engenharia e temas afins ao meu
objeto de pesquisa.
ESTRUTURA DA PESQUISA
No Capítulo 1, encontra-se o embasamento teórico e os procedimentos
metodológicos, onde procuro definir como vejo a história, o currículo, a matemática e
a engenharia mecânica, através de pesquisa sobre esses assuntos na literatura a
que tive acesso.
No Capítulo 2, apresento os procedimentos e instrumentos utilizados na
coleta de dados, detalho como realizei a pesquisa no acervo, como foram feitas as
entrevistas, os critérios de análise adotados e como fiz o tratamento das
informações obtidas.
No Capítulo 3, analiso as disciplinas matemáticas no currículo do curso de
engenharia mecânica, verificando qual a matemática considerada importante para o
currículo.
No Capítulo 4, apresento as relações da Matemática com as disciplinas
técnicas no período delimitado, analiso a grade curricular do curso ao longo dos 40
anos pesquisados, verificando as modificações e/ou permanências ocorridas.
No Capítulo 5, abordo as alterações curriculares e analiso as modificações
macro ocorridas no currículo e procurando identificar o que motivou estas
modificações.
No Capítulo 6, analiso as avaliações no período estudado e se elas visavam a
aprendizagem do aluno ou eram mais classificatórias.
No Capítulo 7, analiso como era a prática de sala de aula, a relação
professor-aluno e como isso evoluiu ao longo do período analisado.
No Capítulo 8, descrevo o material didático utilizado pelos professores e faço
a análise de alguns livros sugeridos como bibliografia ou livro-texto nas ementas de
algumas disciplinas.
No Capítulo 9 trago minhas conclusões. Pontuo as que pude extrair deste
trabalho de pesquisa.
REVISÃO DE LITERATURA
Ao iniciar essa pesquisa histórica utilizando fontes documentais de primeira
ordem (Le Goff, 1998) e depoimentos orais, pus-me em busca de leituras que
pudessem fornecer embasamento e que viessem a auxiliar na análise dessas
informações. Assim, procurei artigos, dissertações e textos que se relacionassem
com o assunto estudado e trago aqui o resumo daqueles que considerei mais
pertinentes ao meu trabalho.
Soares, Lima e Sauer (2004) em seu artigo “Discutindo alternativas para
ambientes de aprendizagem de matemática para cursos de engenharia”, propõem
atividades que possam ser aplicadas às disciplinas de matemática nos cursos de
engenharia, visando promover uma atitude mais crítica e analítica dos educandos,
superando a prática ainda dominante de que aula de matemática é feita de
explicação e exercícios exaustivos, ou seja, uma mera busca de modelos para
resolução de problemas.
As autoras relatam sua prática que traz como recursos metodológicos:
trabalho em grupo; valorização da comunicação através de explanação dos recursos
e métodos utilizados para resolução de problemas; análise de erros; auto-avaliação
e incentivo à reflexão, uma vez que os alunos são instigados a embasarem-se na
teoria discutida em sala para justificar sua resolução.
As análises feitas concluem que os educandos estão acostumados com o
modelo tradicional de “aula” e avaliação do tipo exame1, e que apresentam
“dificuldades em habilidades como: tomada de decisão, reflexão, exploração e
dedução” (Soares, Lima e Sauer, p. 3). Apesar destas dificuldades, as atividades
têm sido bem sucedidas no sentido de despertar nos educandos a atenção para a
auto-gestão de seu processo de aprendizagem. Destacam alguns outros pontos
positivos, como o:
[...] desenvolvimento da capacidade de interpretar, explorar, decidir; seguir de acordo com ritmo próprio de
1 Conceituado segundo Luckesi (2005).
trabalho; gerenciar sua aprendizagem, desenvolver "auto-estudo", esperar menos do professor pois pode descobrir sozinho algumas alternativas para resolver problemas; o professor não é a única fonte de informação e de orientação. (id. p. 3).
As autoras apontam como desafios aos professores de matemática que
atuam em cursos de engenharia a construção de estratégias de aprendizagem que
promovam o desenvolvimento autônomo dos educandos e do seu próprio, na
medida em que deverão aprender como lidar com a matemática sem se restringirem
somente à linguagem matemática. Mas que também passem a desenvolver saberes
pesquisando sobre o seu próprio fazer, examinando, pesquisando e refletindo sobre
a sua atuação.
Cury (2001) em seu artigo “Diretrizes curriculares para os cursos de
engenharia e disciplinas matemáticas” aponta o alto índice de reprovações nas
disciplinas matemáticas dos cursos de engenharia e busca nas novas tecnologias e
na modelagem matemática, maneiras alternativas para se trabalhar com essas
disciplinas. Propõe mudanças que atendam em sentido amplo as diretrizes
curriculares propostas que ela analisa, tais como MEC, ABENGE, e algumas outras
no mundo como a ABET (EUA)2 e na Escócia, citadas por Wilkinson3.
A formação dos engenheiros hoje ainda é tradicional, baseada
principalmente na reprodução de conhecimentos, onde as disciplinas de matemática
são tratadas como ferramentas para resolução de problemas; segundo Cury se
exige dos engenheiros não somente a resolução dos problemas, mas também
“menos domínio de conteúdos e mais capacidade de resolver problemas, tomar
decisões, trabalhar em equipe e comunicar-se” (id. p. 2), é necessário cada vez mais
uma atitude crítica e o verbo relacionar fica cada vez mais forte. O estudante assim
como o engenheiro deve aprender a relacionar os conteúdos matemáticos com as
2 Confome citado em sua revisão de literature: CRITERIA for accrediting engineering programs. Disponivel em
<http://www.abet.org/ images/eac_criteria_b.pdf >. Acesso em: 27 out. 2001.
3 Conforme citado em sua revisão de literatura: WILKINSON, J.; MATTHEW, B.; EARNSHAW, H. Engineers
need mathematics but can we make it interesting? In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING
EDUCATION, 2001, Oslo. Proceedings...Oslo, Noruega, Aug. 2001. CD.
situações reais que se apresentam. É preciso relacionar-se com aqueles com os
quais estuda, trabalha ou gerencia e também relacionar as novas tecnologias com
os conteúdos matemáticos e com a solução dos problemas reais.
As disciplinas matemáticas assumem um papel mais crítico, como apontado
por Cury quando comenta a matemática crítica de Skovsmose, e aponta para a
relação dos conteúdos matemáticos com a realidade, com os problemas que serão
enfrentados na prática do engenheiro.
Como opção ela analisa experiências realizadas por educadores da área de
ciências exatas, cita pesquisas feitas visando à melhoria da qualidade do ensino de
matemática para engenharias como o trabalho de Passos, Silveira e Wilkinson4 e
destaca como itens inovadores:
[...] emprego da modelagem matemática para solução de
problemas específicos da área; uso de computadores no
ensino; disciplinas ministradas em conjunto por professores
de Unidades diversas; distribuição de disciplinas
introdutórias ao curso em questão desde os primeiros
semestres; turmas únicas para as disciplinas específicas
de cada curso; diminuição do número de alunos por
disciplina. (id. p. 2)
Conclui dizendo que a aplicação destas alternativas nas propostas
curriculares, permitem ao professor “investir na busca de problemas da vida real,
trazidos pelo professor ou pelos estudantes, e que lhes permitam fazer frente às
necessidades de criar modelos para formulação e solução dos mesmos” (id. p. 8).
Eliana Soares (1997), em sua tese de doutorado intitulada
“Comportamentos matemáticos e o ensino de matemática para cursos de
engenharia”, investiga os comportamentos matemáticos necessários aos
engenheiros mecânicos e o ensino desses comportamentos nos cursos de
engenharia.
4 Citadas na revisão bibliográfica em seu artigo.
Soares procurou delimitar os objetos de pesquisa a partir de critérios que
pudessem abranger uma amostra significativa considerando quatro pontos: a)
empresas representativas da região; b) engenheiros que além de atuarem no
mercado, lecionaram/lecionam no curso de engenharia mecânica; c) engenheiros
recém-formados já atuando no mercado e d) alunos concludentes que atuaram em
estágios.
Ela realizou entrevistas com vinte e dois engenheiros atuantes em várias
áreas como, por exemplo: mercado de trabalho regional, pesquisa/formação de
engenheiros e engenheiros formandos. Foi feito um roteiro de entrevista e a partir da
transcrição das mesmas, foram montadas tabelas com os significados extraídos da
fala dos entrevistados. Analisando os dados coletados, Soares mapeou as
atividades que os engenheiros relacionam com a matemática na sua atuação, as
dificuldades relacionadas com a matemática, os conceitos matemáticos utilizados
por eles e as situações nas quais eles indicam ser necessário o conhecimento de
matemática. Com base neste mapeamento, ela conclui que
[...] para planejar um programa de ensino de matemática,
no âmbito dos cursos de engenharia, é preciso que seja
definido com clareza e precisão que comportamentos, no
âmbito da matemática, são necessários ensinar para
capacitar engenheiros a se comportarem diante de seu
contexto profissional construindo modificações relevantes e
de valor do ponto de vista profissional, tecnológico e social,
considerando as modificações rápidas pelas quais está
passando a sociedade no final do século XX. Esses
comportamentos são descritos e caracterizados a partir da
análise e exame de informações acerca das situações com
as quais os engenheiros lidam ou se defrontam em seu
ambiente profissional, permitindo derivar ‘comportamentos-
objetivo’ para um programa ou plano de ensino de
matemática. (Soares, 1997, p. 200)
Soares fala da avaliação deste programa, sem, entretanto detalhar como ela
deve ser feita dizendo que é “[...] preciso avaliar o comportamento do aprendiz após
o processo de ensinar; essa avaliação não é objeto de exame, nesse trabalho, mas
constitui importante etapa no processo de ensinar a aprender.” (id. p. 201)
O trabalho enfatiza as mudanças, principalmente no que se refere ao foco
do ensino-aprendizagem, retirando o mesmo do ‘ensinar’, para ‘o ensinar a
aprender’ e neste caso, o professor também deve mudar o seu comportamento de
“[...] comportamento de quem resolve problemas [..]”, para “[...] comportamento de
quem capacita alguém a resolver problemas [...].” (id. p. 203)
Soares ao contrário de encerrar o assunto, termina provocando um
sentimento de quero mais, instigando as tantas possibilidades de pesquisa e
trabalho.
André Luis Mattedi Dias (2002) nos apresenta em sua tese sob o título
“Engenheiros, mulheres, matemáticos”, a construção da história da matemática na
Bahia desde a Escola Polytechnica da Bahia em 1896 até a criação da Universidade
da Bahia em 1968. Como ele mesmo diz no resumo, esta pesquisa dedica-se aos
“[...] problemas da difusão, recepção, apropriação e institucionalização da
matemática moderna de raízes européias no contexto sócio-cultural brasileiro
[...]”(resumo) e levanta perguntas como “Quando e como os matemáticos ocuparam
o lugar dos engenheiros no exercício da matemática? Quais estratégias, quais
alianças, quais interesses foram mobilizados para que conseguissem ocupar um
território até então exclusivo dos engenheiros?” (resumo).
Salientando os fatores determinantes para a fundação da Escola
Polytechnica da Bahia, Dias fala dos interesses da elite e dos engenheiros da época;
os professores que lá atuaram, citando alguns dos catedráticos e ressaltando a
importância desses professores que atuavam também como engenheiros. Considero
este fato importante pois, verifiquei também em Telles (1984-1993) e Montenegro
(1995), que os professores que lecionaram para as primeiras escolas de engenharia
no Brasil, o faziam com dificuldade e orgulho, às vezes até sem remuneração, o que
hoje creio não mais existir.
Quanto às disciplinas matemáticas, Dias faz um comentário que confirma o
que tenho verificado na minha pesquisa:
as ciências matemáticas, físicas e naturais ocupavam lugar destacado dentre as especialidades que eram consideradas como parte da competência dos engenheiros na época da fundação do IP e da EP. (Dias, 2002, p. 61)
Dias salienta ainda a criação da Faculdade de Filosofia da Bahia e a
presença das mulheres no corpo docente desta faculdade e posteriormente no
Instituto de Matemática e Física e conclui respondendo de forma resumida as
perguntas principais feitas, quando diz que
[...] é possível agora pensar num lugar para os discursos e práticas de ‘modernização científica’ – ao menos no que se refere à matemática – ao lado daqueles discursos e práticas de modernização cultural, social e econômica que fizeram dos anos 50-60 um dos mais movimentados e dinâmicos da história recente da Bahia. (id. p. 230)
A contribuição de Dias para minha pesquisa está na consistência que dá às
informações que tenho levantado quanto à criação das Escolas Politécnicas no
Brasil, quanto à formação dos professores que atuavam nas cadeiras de matemática
dos cursos de engenharia, e mais ainda, quando fala sobre os momentos político-
sociais que permeiam a educação, pois que estes, como tenho verificado, são
causadores de grandes impactos.
Ana Teresa Colenci (2000) em sua dissertação de mestrado intitulada “O
ensino de engenharia como uma atividade de serviços”, trata no seu projeto de
pesquisa do ensino de engenharia voltado para a produção. Ela inicia sua
dissertação traçando um histórico da engenharia e do ensino de engenharia no
Brasil e levanta como problema de investigação as perguntas: “Que instrumentos de
análise seriam adequados para apontar as deficiências do atual modelo de ensino
de engenharia e o que pode ser feito para melhorá-lo qualitativamente?” e traz
também como objetivo “[...] propor uma estrutura de referência, a partir da ótica de
serviços [...].” (Colenci, 2000, p. 6)
Ela inicia sua discussão com algumas definições: o termo engenharia,
engenheiro, o perfil do engenheiro e diz que “[...] as preocupações se estendem
além do aspecto cognitivo, abrangendo os aspectos comportamentais e atitudinais
[...]” (id. p. 14), preocupação esta que também encontramos em Soares (1997).
Traça também um histórico do ensino da engenharia no Brasil e aborda a
situação atual do ensino da engenharia, apontando o que também percebi nas
entrevistas, que “uma primeira avaliação exploratória mostra que em muitos casos, a
universidade não acompanha as mudanças do mercado de trabalho, principalmente
no mercado brasileiro, onde se verifica um alto nível de dependência tecnológica”
(Colenci, 2000, p. 24).
Discute ainda sobre a engenharia de produção (manufatura) e as exigências
que o mercado traz com relação à atuação acadêmica a partir da globalização.
Aponta para mudanças de paradigma que introduz novo foco do ensino, trazendo-o
para dentro das organizações. Ela expressa a contribuição de Senge5 dizendo que a
aprendizagem dentro das organizações é de grande importância e é “[...] a única
forma a partir da qual as pessoas ampliam continuamente a sua capacidade de criar
em direção aos resultados que realmente desejam [...].” (id. p. 44)
Considera o momento atual como um período de mudanças e enfatiza a
pesquisa e o aprender a aprender como comportamentos fundamentais nesse
processo de mudança como Soares. Conceitua serviços apontando suas
características; fala de qualidade de serviços e de modelos de qualidade; relaciona
estes conceitos e depois traça um paralelo entre o ensino de engenharia e o
conceito de serviço, apontando esse enfoque como eixo principal de sua proposta
de estrutura.
Colenci relaciona os conceitos discutidos anteriormente propondo uma
“estrutura de referência para investigar a qualidade no ensino de engenharia sob a
ótica de serviços” (id. p. 92), onde aborda a qualidade do ensino de engenharia,
projeto pedagógico e a estrutura de referência proposta. Diz que
5 Peter Senge estudioso no assunto a partir de 1990.
o desafio em termos de qualidade do ensino de engenharia está baseado em buscar um novo modelo que incorpore as mudanças tecnológicas e sociais e ofereça alternativas que valorizem o processo de ensino-aprendizagem. (id. p. 3)
Conclui discutindo perspectivas para o futuro, no que diz respeito à
qualidade do ensino de engenharia, dizendo que
o trabalho desenvolvido traz uma contribuição ao tema uma vez que propõe a sistematização de um modelo que permite analisar a qualidade do ensino de engenharia de forma global e não apenas propor ações fragmentadas, afastadas da realidade vista como um todo. (id. p. 119)
A contribuição de Colenci para a minha pesquisa está principalmente na
categorização que faz das abordagens do ensino e no histórico que traz sobre as
origens da engenharia no Brasil.
Giselle Cristina Martins Real (2006) em sua tese “A qualidade revelada na
educação superior” investiga os impactos que a política de avaliação do ensino
superior adotada a partir de 1995 teve na concepção de qualidade do ensino junto
às instituições de ensino superior.
A metodologia utilizada é a análise documental de documentos oficiais
divulgados pelo MEC, tais como:
• legislação e normas sancionadas e publicadas no período em tela;
• material gráfico produzido para divulgação da política de avaliação;
• informações constantes em sites dos órgãos gestores da política de educação superior, tanto públicos como privados, nacionais e internacionais, como: MEC, CNE, CONAES, SESu, INEP, ABMES, ANDES, ANUP, Banco Mundial, e UNESCO;
• artigos de jornais e revistas impressos e on-line que focavam as temáticas da educação superior e avaliação;
• livros e artigos que expressam discursos dos agentes da política de educação superior. (Real, 2006, p. 19)
Observa como resultados de sua pesquisa que de 1968 a 1995, a
concepção de qualidade de ensino estava ligada à relação entre quantidade e
qualidade; a avaliação era utilizada “como um mecanismo de restrição da qualidade”
(id. p. 6). Ela verifica também que houve um impacto positivo, mas que apesar dele,
as evidências encontradas apontam para um “esgotamento do poder indutor da
avaliação na melhoria da qualidade do ensino” (id. p. 7). Salienta que ainda não foi
atingido o tratamento da avaliação como forma de garantir qualidade de ensino.
Célia Peitl Miller (2003) em sua dissertação de mestrado intitulada “O
doutorado em matemática no Brasil” realiza uma pesquisa histórica, a partir do início
do doutorado em matemática no Brasil em 1842 e sua trajetória atravessa a história
da engenharia, daí a importância desta leitura para a minha pesquisa. A pesquisa de
Miller baseia-se em quatro pilares por ela descritos: “[...] as origens do ensino da
Matemática; o ambiente acadêmico em que o doutorado se firmou; a documentação
da época (Decretos e Teses) e a biografia dos autores [...]” (Miller, 2003, p. V).
Pesquisou documentos originais, muitas vezes dispersos, fez extensa pesquisa
bibliográfica em busca de fontes primárias. Esteve em várias cidades, deparou-se
com dificuldades e até impossibilidade de acesso a alguns documentos e organizou
os dados o melhor que pode.
Miller fala da evolução histórica do ensino e pesquisa da matemática e da
engenharia em Portugal, onde pesquisa o ensino da matemática em Portugal
iniciando com a Companhia de Jesus; a expulsão dos Jesuítas de Portugal pelo
Marquês de Pombal, o que determinou novos rumos para o ensino da matemática; o
início do ensino da engenharia na França e a disseminação do mesmo pela Europa
e em Portugal.
Em seguida a evolução histórica do ensino e pesquisa da matemática e da
engenharia no Brasil, onde investiga a origem do ensino da matemática no Brasil; a
vinda dos Jesuítas, os reflexos da reforma de Pombal; a origem do ensino da
engenharia e as academias. Depois se ocupa com a criação do doutorado no Brasil
e das teses que vão de 1848 a 1937, passando pela Academia Real Militar, Escola
Militar, Escola Central e Escolas Politécnicas.
Conclui constatando que “[...] o doutorado em Matemática no Brasil foi
instituído em 1842, sendo regulamentado em 1846, quando foram titulados os
primeiros doutores por meio de decreto [...]” (id. p. 439), sendo somente em 1848
que as titulações passaram a exigir apresentação de defesa de tese.
Jorge R. V. Domingos e José Antonio S. Bordeira (2003) em seu artigo
“Novas abordagens para o ensino de equações diferenciais em cursos básicos de
engenharia” avaliam as dificuldades encontradas nas disciplinas de Cálculo,
especificamente no ensino das equações diferenciais e as dificuldades encontradas
nas disciplinas técnicas, tais como Mecânica dos Fluidos e Transferência de Calor
que utilizam as equações diferenciais.
A proposta do trabalho é relatar a experiência dos autores na construção de
um processo que “[...] pudesse construir uma ‘ponte’ entre as aulas de equações
diferenciais e sua utilização nas cadeiras fundamentais das várias especialidades
dos cursos de engenharia” (Domingos e Bordeira, 2003, p. 2) da Escola de
Engenharia da Universidade Católica de Petrópolis. Em sua fundamentação teórica,
os autores conceituam o professor tradicional que centraliza a aprendizagem na sua
pessoa, no seu conhecimento, e o professor cooperativo que atua como incentivador
da auto-produção de conhecimento dos educandos.
O projeto construído pelos autores baseia-se no conceito de professor
cooperativo: os educandos da disciplina de Equações Diferenciais, divididos em
grupos estudavam as aplicações das equações diferenciais na resolução dos
problemas propostos. Esses problemas faziam parte das cadeiras de Mecânica dos
Fluidos, Transferência de Calor, Circuitos e Vibrações. O objetivo do trabalho era
minimizar a distância entre as disciplinas de matemática das disciplinas técnicas e
os autores colocam como principais questões
as grandes dificuldades do ensino e do aprendizado das cadeira básicas; a busca de motivação para os alunos dos cursos de Engenharia, ainda em fase inicial de seus cursos; e, não menos importante, a visualização do encadeamento global e da implicação dos conteúdos básicos para a compreensão e solidez dos conteúdos específicos que serão ministrados nas fases mais adiantadas dos cursos. (id. p. 4)
No início do semestre os alunos eram apresentados aos professores de
todas as disciplinas pelo professor de Equações Diferenciais, organizavam-se em
grupos e escolhiam o tema. A partir do tema, eram orientados pelo professor da
disciplina correspondente ao mesmo e juntos traçavam o programa de trabalho. Era
estabelecido um cronograma de três apresentações intermediárias e os educandos
eram encorajados a utilizar técnicas modernas de apresentação. O programa de
trabalho ia se transformando no problema prático à medida que o semestre
avançava, quando a teoria ia sendo discutida e as apresentações intermediárias iam
sendo feitas.
Quando publicado, o projeto já estava em prática há três anos e os autores
relatam algumas conclusões:
- alguns educandos ao finalizarem a disciplina de Equações Diferenciais
concluíram que a mesma apresenta poderosas ferramentas para a
solução de problemas de engenharia;
- foram minimizadas as reclamações dos professores das disciplinas
técnicas quanto à utilização das equações diferenciais na solução dos
problemas pertinentes à sua disciplina;
- o trabalho em laboratório em paralelo com a teoria na solução de
questões cotidianas de engenharia, desperta no educando maior
interesse em se aprofundar no estudo;
- ao construir a solução e apresentação do trabalho, houve um aumento
de interesse dos educandos pela pesquisa científica.
Considero este trabalho de grande relevância para o meu projeto, pois vem
confirmar algumas dificuldades no ensino de engenharia que verifiquei nas
entrevistas e na minha prática enquanto estudante.
Maria Salett Biembengut (1997), em sua tese “Qualidade no ensino de
matemática na engenharia”, deixa à mostra toda a sua experiência enquanto
professora e pesquisadora, preocupada com o ensino da matemática. Ela nos conta
a trajetória percorrida até o seu projeto e as várias direções tomadas em busca de
respostas.
O objetivo principal deste trabalho é segundo suas próprias palavras, “(...)
fornecer meios para melhorar o ensino de matemática dos Cursos de Engenharia,
com o fim de torná-lo um instrumento eficiente para formação de engenheiros”
(Biembengut, 1997, p. 12).
Para isso ela busca conhecer e fundamentar-se teoricamente nos modelos
matemáticos clássicos e analisa sua utilização como método de ensino e
aprendizagem de matemática. Pesquisa também as origens da engenharia e da
matemática na engenharia e realiza trabalhos experimentais com educandos, ora
atuando como orientadora diretamente, ora indiretamente com o auxílio de
professores favoráveis à sua proposta.
Biembengut relata um trabalho que fez com cerca de trinta professores
de oito estados onde realizou trabalhos experimentais e propôs um método que
denominou Modelação Matemática, trabalho este que lhe rendeu o título de Mestre
em Educação. Segue breve descrição do método conforme ela mesma relata:
[...] o método propõe que os alunos escolham um tema de interesse (tema único por turma), levantem questões, façam pesquisa e o professor desenvolva o conteúdo programático, à medida em que vão (alunos e professor) elaborando um modelo matemático para responderem questões levantadas no tema original. (id. p. 2)
A autora aponta questões já vistas em outros trabalhos e na minha pesquisa
acerca das dificuldades do ensino da matemática nos cursos de engenharia,
relativas à: aplicabilidade das disciplinas de matemática nas disciplinas técnicas,
altos índices de reprovação; alta rotatividade dos professores; falta de conexão entre
as próprias disciplinas de matemática, como Cálculo, Álgebra e Geometria;
bibliografia deficiente na aplicação da matemática para engenharia, entre outros. Ela
analisa também a reforma universitária decorrente da lei 5.540/68 e sua relação com
a qualidade do ensino, apontando a opinião de vários autores como sendo esta
reforma uma das causadoras da baixa qualidade do ensino superior hoje em dia.
Como resultados, Biembengut salienta os benefícios que a utilização do
recurso da Modelação trouxe em relação ao ensino tradicional de Cálculo:
• provocou um maior interesse, por parte dos alunos, frente à aplicação da matemática no desenvolvimento dos seus próprios cursos;
• estimulou um sensível aumento na participação em sala de aula (perguntas e respostas durante a exposição do conteúdo);
• aumentou o número de pesquisas, realizadas e apresentadas, periodicamente, em forma de seminário;
• levou a um crescimento na média geral das notas das avaliações escritas; e
• resultou numa sensível redução no número de desistências ou reprovações. (id. p. 3)
Ainda como resultados, ela mostra que a Modelação Matemática sendo
utilizada nas disciplinas matemáticas dos cursos de engenharia como método de
ensino-aprendizagem:
• melhora a apreensão dos conceitos, pelo fato de
fazer emergir o conteúdo matemático de modelos matemáticos da Engenharia;
• estimula a participação e a criatividade, devido ao processo de questionamentos, de pesquisas e de elaboração de modelos;
• aponta ao aluno a importância da Matemática, não apenas para aplicação (instrumento) na Engenharia, como também a teoria que a sustenta;
• aproxima o aluno, ainda no ciclo básico, das disciplinas específicas do Curso de Engenharia, propriamente dito;
• propicia ao professor de matemática uma interação com os problemas da Engenharia, contribuindo, sobremaneira, para um contínuo aperfeiçoamento;
• abre uma perspectiva de interação entre professores do ciclo básico com o ciclo profissionalizante, e
• permite um estreitamento entre as novas tecnologias levando a rever, periodicamente, questões relativas ao currículo. (id. p. 229)
Sem dúvida a pesquisa de Biembengut é importante para o meu projeto, seja no que
se refere à pesquisa feita sobre as origens da matemática na engenharia, seja na
própria estruturação da tese.
Ana Regina Lanner de Moura e Rute Cristina Domingos da Palma
(2006) no artigo intitulado “A avaliação em matemática: lembranças da trajetória
escolar de alunos de Pedagogia” estudam avaliação em matemática na pedagogia
na Universidade Estadual de Campinas e analisam como a avaliação, através da
lembrança dos entrevistados, influenciou a formação matemática destes.
A questão de investigação desta pesquisa é “Como a avaliação escolar é
lembrada e como pode ter influenciado a formação matemática do aluno e a relação
que ele estabelece com este conhecimento?” (Moura e Palma, 2006, p. 1). As
autoras investigam os procedimentos, instrumentos e os conteúdos das avaliações e
as lembranças que permanecem na memória dos entrevistados acerca desses
momentos.
Foram entrevistados com questionário 75 alunos de pedagogia e foi
solicitado a eles que escrevessem sobre o que lembravam das aulas de matemática
destacando: “[...] Concepção de conhecimento matemático e postura do professor,
metodologia e material didático, tipo e procedimentos de avaliação [...]” (id. p. 4).
Elas discutem sobre o papel político-social da avaliação, baseando-se em
Maciel6 e destacam alguns pontos em seus resultados que merecem destaque:
- prova como único procedimento de avaliação;
- exigência de memorização, pouca reflexão e insignificante estímulo ao
raciocínio;
- valorização negativa e excessiva do erro;
- sentimentos de tensão, sofrimento, apreensão, sensação de fracasso.
Considerando esses aspectos citados e outros mais detalhados ao longo da
pesquisa, as autoras destacam que mais de 50% dos entrevistados construíram uma
6 Segundo referência bibliográfica das autoras: MACIEL, Domício Magalhães. A avaliação no
processo ensino-aprendizagem de matemática, no ensino médio: uma abordagem formativa sócio-
cognitivista. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas –
Campinas, 2003.
relação de “rejeição, medo, incapacidade e até mesmo ‘raiva’ da matemática” (id. p.
14).
Concluem apontando como necessário a continuidade das pesquisas sobre
a avaliação dos conteúdos matemáticos a fim de contribuir para que a mesma seja
parte de “[...] uma relação de confiança, autonomia e instigação do aluno” (id. p. 14).
A importância desta leitura para a minha pesquisa está na construção do
entendimento do papel da avaliação no conhecimento e da herança que os
educandos trazem em relação às disciplinas matemáticas.
Ao findar estas leituras e outras mais não relacionadas aqui, por não terem
uma relação tão estreita com esta pesquisa, concluo que:
- não foram encontradas muitas pesquisas referentes às disciplinas de
matemática nos cursos de engenharia, no que se refere ao contexto histórico.
Dentre as encontradas, os aspectos mais abordados são: o emprego de novas
tecnologias e as práticas de sala de aula;
- os contextos histórico-políticos dominantes na época de criação dos
cursos de engenharia no Brasil e a motivação para sua criação, são abordados de
forma superficial e não consegui encontrar muita literatura sobre este assunto, como
por exemplo, a criação das escolas Politécnicas, que se espelharam nas de Paris e
Zurich.
Apesar de saber das dificuldades, é interessante ressaltar a relevância da
história oral como fonte de pesquisa, dada a riqueza de informações que ela
fornece. Foram realizadas várias reformas visando à melhoria na qualidade do
ensino superior, principalmente nas engenharias, mas o discurso que ainda
permanece é o de que existe uma lacuna entre as disciplinas matemáticas e as
disciplinas técnicas.
CAPÍTULO 1
EMBASAMENTO TEÓRICO E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Ao pensar na matemática inserida no currículo de engenharia mecânica,
surgiram várias possibilidades de investigação que poderiam fazer parte de um
projeto de mestrado. Optei por investigar se ocorreram mudanças ou permanências
nas disciplinas de matemática, presentes no currículo de engenharia mecânica da
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), ao longo dos seus primeiros
quarenta anos de existência. Ainda neste contexto dentro das várias opções,
investigo conteúdo, metodologia, prática de sala de aula, avaliação e material
didático.
Para investigar melhor estes pontos citados, creio ser necessário,
inicialmente, relacionar e examinar algumas concepções referentes à história,
currículo, matemática e engenharia mecânica a fim de definir com clareza a
pesquisa a que me propus.
1.1 HISTÓRIA
Nesta pesquisa estou me valendo do conceito de história cultural e me
baseio em Jacques Le Goff. Para melhor compreensão do pensamento do autor,
traço um panorama do surgimento da História Nova.
A Escola dos Annales marca o nascimento da História Nova. Quando Lucien
Febvre e Marc Bloch lançaram em Estrasbrugo, em 1929, uma revista chamada
Annales d’histoire économique et sociale, tiveram a intenção de questionar a história
política tradicional que se preocupava com os fatos, documentos, sem considerar a
representação dos personagens que faziam essa história.
O comportamento dos historiadores foi criticado por Bloch e Febvre.
Encontramos esta evidência em Le Goff (1998) quando diz que o historiador
como todo homem de ciência, este, conforme a expressão de Marc Bloch, deve, ‘diante da imensa e confusa realidade’, fazer a ‘sua opção’ – o que, evidentemente, não significa nem arbitrariedade, nem simples coleta, mas sim construção científica do documento cuja análise deve possibilitar a reconstituição ou a explicação do passado. (p. 32)
Os Annales vinham então, propor uma modificação na forma de conduzir e
produzir a história, passando a considerar e analisar elementos antes
desconsiderados, mas considerados por Bloch e Febvre como relevantes. Eles
queriam problematizar a história, fazer a história não como algo estático, imóvel,
pois a história é instável, o que permite ao analisar o passado compreender o
presente na instabilidade que este presente se encontra.
O foco dos Annales estava numa história econômica e social que foi
chamada de História Nova, que como define Le Goff (1998, p. 27) é “[...] história
global, total, e reivindica a renovação de todo o campo da história”.
Ela vem mostrar que os grandes acontecimentos (priorizados na história
política) são apenas o desfecho de vários pequenos acontecimentos. Estes é que
devem ser analisados pela história nova, para se construir uma história mais
verossímil, mais próxima da realidade da época.
Uma história que leva em conta as diversas histórias individuais que
acontecem simultaneamente e não podem ser desprezadas. Histórias estas que
formam o contexto em que o acontecimento antes unicamente considerado pela
história política acontece. Logo as histórias política, diplomática, militar, econômica,
social e cultural são também consideradas, constituindo assim uma “história total”,
termo bastante utilizado por Le Goff.
O nascimento da história nova não se deu instantaneamente somente com
a publicação da revista de Febvre e Bloch, mas como diz Le Goff (1998, p. 28), “a
história nova nasceu em grande parte de uma revolta contra a história positivista do
século XIX, tal como havia sido definida por algumas obras metodológicas por volta
de 1900.”
Quando Marc Bloch morre em 1944 e Lucien Febvre em 1956, Fernand
Braudel junto com Robert Mandrou, e depois com Marc Ferro, despontam como
principais inspiradores dos Annales. Em 1958, Braudel publica o artigo “História e
ciências sociais: a longa duração”, que consolida a história nova. Em 1969,
assumem novos personagens dessa história: André Burguière, Jacques Le Goff,
Emmanuel Le Roy Ladurie e Jacques Revel. E assim, ao assumir junto com os
companheiros a bandeira da história nova, Le Goff oferece ao mundo uma extensa
obra que continua influenciando os historiadores no mundo.
A história nova não aconteceu somente na França, mas houve movimentos
em torno do mundo. Como exemplo, podemos citar na Inglaterra, a revista “Past and
Present” (desde 1952), a revista anglo-americana “Comparative Studies in Sociology
and History” (desde 1957), a historiadora Americana Natalie Zemon Davis, o
historiador italiano Carlo Ginzburg, os historiadores poloneses Bronislaw Geremek e
Witold Kula.
A importância de Le Goff para este projeto se dá inicialmente com relação
às fontes. Como analiso a matemática na engenharia mecânica, me deparo com
fontes diversas como resoluções, ofícios, atas de conselho departamentais,
avaliações, listas de livros sugeridas para a biblioteca, entre outros. Ainda considero
o depoimento de professores e ex-alunos para identificar o contexto em que as
modificações curriculares referentes às disciplinas de matemática na engenharia
mecânica ocorreram, característica marcante na história nova, onde analiso os
dados históricos encontrados nos depoimentos dos entrevistados. E encontro apoio
para melhor compreender como “ler/ouvir” o que estas fontes falam no pensamento
de Le Goff (1998) acerca dos documentos a serem considerados, quando ele diz
que
a história nova ampliou o campo do documento histórico; ela substituiu a história de Langlois e Seignobos, fundada essencialmente nos textos, no documento escrito, por uma história baseada numa multiplicidade de documentos: escritos de todos os tipos, documentos figurados, produtos de escavações arqueológicas, documentos orais, etc. Uma estatística, uma curva de preços, uma fotografia, um filme, ou, para um passado mais distante, um pólen fóssil, uma ferramenta, um ex-voto são, para a história nova, documentos de primeira ordem. (id. p. 28)
Muitas das respostas para os meus questionamentos, se encontram nos
documentos e nos fatos que reconstruí a partir do acesso à memória daqueles que
entrevistei e que foram os personagens da história que construí, pois me interessava
saber, por exemplo, porque a Álgebra não aparece na grade curricular de 1966.
Interessava-me saber por que ela não está lá, e a partir de que momento ela passou
a fazer parte da grade curricular do curso e por que motivo. Que fatos provocaram
esta mudança. Pois
[...] há fatos visíveis, como as batalhas, as guerras, os atos oficiais dos governos; há fatos morais, ocultos, que nem por isso são menos reais; há fatos individuais, que têm um nome próprio; há fatos gerais, sem nome, aos quais é impossível atribuir uma data precisa, que é impossível encerrar em limites rigorosos e que nem por isso deixam de ser fatos como os outros. Le Goff (1998, p. 40)
Em busca destes porquês, alguns dos quais encontrei nas entrevistas,
utilizei como suporte a história nova, no que se considera a história imediata.
História esta, segundo Lacouture (1998, p. 216), “ao mesmo tempo rápida na
execução e produzida por um ator ou uma testemunha vizinha do acontecimento, da
decisão analisada.”, uma história que “quer se elaborar a partir desses arquivos
vivos que são os homens”. (id. p. 217)
Evoquei, portanto, considerando essas fontes e fatos, esses personagens
produtores da história que ainda não findou, tentando construir, utilizando uma
expressão de Lacouture (id. p. 222), com “arte e cor, as particularidades do tempo e
as singularidades dos seus heróis”.
Recorri ao auxílio de Verena Alberti (2005), para compreender e trabalhar
com a História Oral. Alberti me auxiliou a compreender como extrair da fala dos
entrevistados os significados para análise e como analisar e concluir a partir destas
falas.
1.2 CURRÍCULO
O termo currículo “implica, pois, a idéia de regular e controlar a distribuição
do conhecimento” (Sacristán, 1998, p. 125), conhecimento este que é direcionado
segundo o contexto em que se encontra inserido e que representa.
Como as escolas de engenharia no Brasil foram criadas nos mesmos
moldes das existentes na Europa, principalmente as Escolas Politécnicas, e sendo
estas baseadas no modelo tecnocrático (Belhoste, 2003), os currículos dos cursos
de engenharia, seguiram o modelo tecnocrático. Modelo este discutido por Bobbitt e
Taylor no início do século XX, cujo argumento era a cientificidade da educação, o
que tornava mais fácil mensurar a aprendizagem. Eles contestavam com sua teoria
o modelo humanista, herdado da educação Clássica da Antiguidade. Bobbitt e
Taylor consideravam que a escola tinha que funcionar como uma empresa,
moldando o trabalhador.
A década de 60 foi meio turbulenta no mundo todo, pois houve vários
movimentos de independência de colônias européias e no Brasil, com o golpe militar
de 1964, outros movimentos civis e movimentações sociais produziram efeitos na
educação, que começaram a ser sentidos no final da década de 60, início da década
de 70. No Espírito Santo o movimento estudantil foi pouco representativo em relação
a outros estados, “pois até 1967, os movimentos eram bastante reduzidos dentro da
UFES, destacando-se como centros geradores a Medicina, depois a Filosofia, e
finalmente a Engenharia”. (Neto, 1996, p. 147). Mas ainda assim, foram suficientes
para iniciar as discussões sobre os objetivos do currículo, e neste aspecto, os cursos
de engenharia estão na linha de frente, visto que assim como na França, também no
Brasil, os engenheiros estão entre os grupos dominantes das sociedades.
A partir dos anos 80, há uma modificação no pensamento científico acerca
do currículo (Sacristán, 1998). As discussões no campo sociológico aumentam e a
preocupação passa a ser com o tipo de sociedade que se quer formar através do
currículo em vigor; o currículo é visto no seu papel de molde e não mais somente de
forma técnica (Moreira, 2001). Passa a ser importante considerar também “o
contexto social, econômico, político e cultural que o currículo representa, este foi
considerado [...] o primeiro referencial em relação a como analisar e avaliar um
currículo.” (Sacristán, 1998. p. 129)
É esta concepção de currículo que assumo nesta pesquisa. Vejo currículo
não somente como o conteúdo, ou a metodologia, ou atividades, mas o conjunto de
todos estes elementos e a forma como eles interagem e assumindo essa
concepção, analiso as grades curriculares, avaliações, livros-texto e de apoio e
prática de sala de aula no que tange às referências feitas nas aulas de matemática
com relação às disciplinas técnicas da engenharia. As entrevistas servem como
complemento aos documentos encontrados sobre o assunto.
Procura-se com a análise das grades curriculares do curso de Engenharia
Mecânica do Centro Tecnológico da Universidade Federal do Espírito Santo
(CT/UFES) identificar as modificações ocorridas e com as entrevistas entender as
motivações, porque
quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inextricavelmente, centralmente, vitalmente envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade. (Silva, 2005, p. 15)
Esta pesquisa afina-se com este pensamento uma vez que estou
interessada na opinião das pessoas, na forma com que os entrevistados lidaram
com o currículo com o qual mantiveram contato. Meu interesse vai além do que está
nos papéis, passa pelas “marcas” que ficaram a partir da atuação deste currículo na
formação da subjetividade dos entrevistados.
1.3 BREVE HISTÓRICO
O motivo de restringir a pesquisa ao curso de engenharia mecânica vem do
fato de eu ter sido estudante deste curso na UFES na década de 80, o que me torna
mais familiarizada com ele.
Para entender a criação dos cursos de engenharia mecânica no Brasil e
chegar ao Espírito Santo, fui buscar ajuda em Telles (1984, 1993). Iniciei a busca no
séc. XVIII com os primórdios, indo até a segunda guerra mundial, analisando como
eram os cursos de formação de engenheiros e a matemática estudada nesses
cursos. Verifiquei que a engenharia no Brasil iniciou-se antes da própria
denominação “engenharia”, sendo esta utilizada pela primeira vez no Brasil em
1705, na carta régia escrita ao Rei de Portugal pelo Governador da Capitania do Rio
de Janeiro.
Devido aos riscos que o Brasil corria de ter suas terras invadidas pelos
franceses, apesar do Tratado das Tordesilhas, os colonizadores portugueses viram-
se obrigados a criar mecanismos de controle da terra. Foram criadas então as
Capitanias Hereditárias e neste caso, necessário se fazia que fossem construídas as
moradias e as fortificações. O foco era a construção de estradas, pontes e
fortificações.
A partir do séc. XVIII surgiram cursos nas capitanias mais importantes,
como a Aula de Fortificação ministrada pelo Capitão Gregório Gomes Henriques, em
Salvador, em 1710, e a Aula de Geometria em 1770, no Convento de São Francisco
em São Paulo, ministrada pelo Governador da Capitania.
Note-se aqui, um fato curioso, que se repetiu ao longo da história da
engenharia e do seu ensino no Brasil: os “professores” das aulas de
matemática/engenharia eram muitas vezes os próprios governadores das
Capitanias, militares ou padres jesuítas, o que reforça a idéia de que havia
necessidade de preservação do patrimônio.
Em 1792, no Rio de Janeiro, na então denominada Real Academia de
Artilharia, Fortificação e Desenho, havia um Curso Matemático com duração de seis
anos, pois os militares necessitavam dos conhecimentos matemáticos para as
construções, desenhos e confecção dos mapas do território brasileiro.
Enquanto isso, em Paris, em 1794, nascia a École Politechnique, fundada
no período ainda da Revolução Francesa. Era altamente tecnocrata (Belhoste, 2003)
e responsável por formar a elite de engenheiros para serem os dirigentes
intelectuais das atividades principais na França, fossem elas técnicas, industriais ou
materiais. Esta escola serviu de modelo para inúmeras escolas de engenharia em
todo o mundo, inclusive das brasileiras. Lá a matemática, ministrada por
matemáticos, era o pilar dos estudos, mais no que se refere às suas aplicações, do
que à análise. Sua utilidade se justificava principalmente para os serviços de
Marinha, Artilharia e Fortificação, o que confere alta aderência às necessidades do
início da engenharia no Brasil (Telles, 1984, 2003).
Os avanços culturais ocorridos na Europa não se refletiram imediatamente
no Brasil. A primeira Escola Politécnica brasileira, com este nome, foi criada no Rio
de Janeiro em 1874; em 1810 ela chamava-se Academia Real Militar e
posteriormente foi desmembrada em Escola Central e Escola Militar. A Academia
era responsável pela formação dos militares, formação esta voltada para a defesa
do território e construção de estradas, pontes e fortificações. Esta escola sofreu
várias reformas e trocas de nomes, como Academia Imperial Militar em 1823,
Academia Militar e de Marinha, em 1831, Escola Central em 1858, e Escola
Politécnica em 1874.
No séc. XIX, o Brasil já “produzia” professores para os cursos de
engenharia, pois alguns alunos dos primeiros cursos foram estudar na Europa e
retornaram para ministrar as aulas, como Joaquim Gomes de Souza e André
Rebouças. Aqui no Brasil, diferente da Europa, os professores que ministravam as
aulas de matemática eram engenheiros. Na Europa, os matemáticos-engenheiros é
que ministravam as aulas.
1.3.1 Livros utilizados nos cursos de Engenharia no Brasil Colônia
Nos séculos XVIII e XIX conforme Telles (1984) a predominância era de
livros franceses. Destaco aqui alguns livros utilizados nos cursos de formação,
notadamente aqueles de matemática:
Os livros de Bernard Forest de Bélidor foram usados em Geometria Prática
em 1793. Bélidor publicou vários livros entre os quais, Nouveau cours de
mathématiques (Paris, 1725) e La science des ingénieurs dans la conduite des
travaux des fortifications et des bâtiments civils (1729-1734). Ainda em 1793,
encontramos os livros de Étienne Bézout. Bézout escreveu algumas obras como, por
exemplo, Cours de mathématiques à l'usage de l'artillerie, Cours de mathématiques
à l'usage de la marine, e Théorie générale des équations algébriques (Paris, 1779),
que tiveram muita repercussão no ensino francês.
Já no fim do século XVIII, início do século XIX, aparecem os livros de
Sylvestre François Lacroix , que publicou Traité élémentaire de calcul differéntiel et
du calcul integral (1802), Traité élémentaire d'arithmétique (1797), Traité élémentaire
de trigonométrie (1798), Elémens de géométrie (1799), e Complément des élémens
d'algèbre (1800). Estes livros foram muito usados na Real Academia Militar do Rio
de Janeiro no início do século XIX, tanto na versão francesa quanto em traduções
para o português. Ainda neste período aparecem os livros de Adrien-Marie
Legendre, como Eléments de Géometrie, traduzido para o português. No século
XIX, temos Jean-Baptiste-Joseph Delambre com o livro Système Métrique Décimal
(Paris, 1810) e Gaspard Monge com Géométrie Descriptive (Paris, 1811).
1.3.2 A República
No final do século XIX, alguns fatores, tais como a libertação dos escravos,
a proclamação da República, a conseqüente descentralização político-administrativa
e ainda o aumento do custo da agricultura causando mudanças na mentalidade
brasileira, provocam o início da atividade industrial brasileira. Outro fator motivador
foi o barateamento do ferro e do aço na Europa e Estados Unidos.
Houve então, um movimento de criação de indústrias e em 1889 existiam
636 empresas industriais com 54.000 operários, para uma população de 14.333.915
habitantes no Brasil7 . Aos poucos a força de tração animal foi sendo substituída
pelas máquinas a vapor. A expansão da indústria foi significativa neste início de
século e em 1901, somente São Paulo já contava com 170 fábricas, mas poucas
eram nesta época as indústrias mecânicas e metalúrgicas. E menos ainda as que
empregavam engenheiros. Uma que podemos citar é a Companhia Mecânica e
Importadora (SP), que possuía oficinas de fundição, mecânica, ferraria e carpintaria,
a qual empregava quatro engenheiros.
1.3.3 As Escolas de Engenharia no Brasil
O movimento industrial provocou a expansão das escolas de engenharia.
Destaco algumas e sua relação com a mecânica, objeto de nosso estudo:
Escola Politécnica do Rio de Janeiro, criada em 1874 – nesta escola foi
criado o primeiro curso de Engenharia Mecânica no Rio de Janeiro em 1896. Com a
reforma imposta pela Lei Rivadávia Corrêa em 1911, o curso passou a denominar-se
Engenharia Mecânica-Eletricista.
Escola Politécnica de São Paulo, criada em 1893 – esta escola não seguia o
modelo da escola francesa, como algumas criadas anteriormente. Antes, seguia o
modelo da Escola Politécnica de Zurich, onde estudou o prof. Paula Souza8, primeiro
diretor da escola. Desde a sua criação, já possuía o curso de “artes mecânicas” com
três anos de duração. O laboratório de Resistência dos Materiais, embrião do
Instituto de Pesquisas Tecnológicas, teve importância fundamental no
desenvolvimento da engenharia do Brasil, pois ali houve grande desenvolvimento
das atividades de engenharia mecânica no Brasil. Existem registros do ensino do
7 Dados de 1890 segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, disponível em
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censohistorico/1872_1920.shtm > acesso em abril/2008.
8 Paulista de Itú, ele foi o fundador e primeiro diretor da Escola Politécnica de São Paulo. Estudou na
Alemanha e retornou ao Brasil, contribuindo enormemente para a Engenharia.
concreto armado em 1908, material este que causou grande avanço na engenharia
nacional.
Escola de Engenharia de Pernambuco, criada em 1895. Esta foi a quarta
escola de engenharia a ser fundada no Brasil. Em 1919, criou o curso de
engenheiros mecânicos-eletricistas.
Escola de Engenharia Mackenzie, criada em 1896. Até 1927 foi ligada à
Universidade de New York, que expedia os diplomas. Foi uma das primeiras a
introduzir o ensino do concreto armado no Brasil.
Instituto Eletrotécnico de Itajubá, criado em 1913. Formava engenheiros
mecânicos-eletricistas. Este instituto contratou professores da Bélgica, como Armand
Bertholet, Victor Van Helleputte e Arthur Tolbeck. Na seção de inauguração do
Instituto, houve um embate entre o Dr. Theodomiro Santiago e o Eng. Paulo de
Frontin9. Esta discussão é vista por alguns como um marco na evolução da
tecnologia brasileira, por ter sido um confronto entre o aspecto prático do ensino
defendido pelo Dr. Theodomiro e o aspecto científico defendido por Frontin.
Escola de Engenharia de São Carlos em São Paulo, criada em 1948. Seu
currículo de engenharia mecânica serviu de base para o mesmo curso na UFES.
Escola de Engenharia Militar (RJ), criada em 1928, hoje denomina-se
Instituto Militar de Engenharia. Teve muitos professores estrangeiros, vindos da
Áustria, Thecoeslováquia e Estados Unidos.
1.3.4 A Engenharia no Brasil
No início do século XX, predominava a engenharia voltada para as estradas
de ferro e o urbanismo, as construções feitas com madeira de lei e alvenaria de
9 grande nome da Engenharia no Brasil, considerado Patrono da Engenharia Brasileira e presidente
perpétuo do Clube de Engenharia e o Dr. Theodomiro Santiago (fundador do Instituto Eletrotécnico de
Itajubá – MG).
pedra. Um dos marcos de construção deste período foi o Teatro Municipal do Rio de
Janeiro, concluído em 1909.
O número de engenheiros especialistas ainda era pequeno nesta época. O
de engenheiros nacionais era ainda menor, pois com a imigração, as indústrias
contratavam os técnicos estrangeiros. A formação de mão de obra também era
deficiente, sendo deixada em sua maioria a cargo das indústrias. Com a expansão
da borracha na Amazônia e o café em várias partes do país, foram construídos
vários portos no Brasil. Neste tipo de construção, houve grande aumento da
participação dos engenheiros brasileiros, fato que coincide com a utilização em larga
escala do concreto armado.
A utilização do concreto armado no Brasil provocou de início muita
desconfiança por parte dos mestres de obra e também dos engenheiros.
Posteriormente, passou a ser utilizado em quase todas as obras. Os cálculos
inicialmente não eram feitos no Brasil, pois quase nenhum engenheiro possuía
conhecimento necessário para realizá-los. Uma das “escolas” onde se formaram
vários engenheiros foi a firma Wayss & Freytag, com o escritório de projeto e cálculo
fundado pelo Eng. Emílio Henrique Baumgart10. O uso do concreto causou a
valorização do engenheiro e do ensino de engenharia, pois exigia certa
complexidade de cálculos matemáticos.
Marco na nossa engenharia, a criação da siderúrgica Belgo-Mineira, que se
deu em 1918, quando a Companhia Siderúrgica Mineira, foi absorvida pela firma
belgo-luxemburguesa ARBED (Aciéries Réunies Burbach-Eich-Dudelange). Esta
empresa trouxe ao Brasil vários engenheiros que introduziram conhecimentos e
técnicas até então desconhecidos no país.
Em 1919, Maurício Joppert da Silva, engenheiro formado pela Escola
Politécnica do Rio de Janeiro em 1915, tornou-se professor catedrático nesta escola.
Ele é um importante personagem na história das obras portuárias e públicas do
10 Nascido em Blumenau, estudou na Politécnica (RJ), foi professor e posteriormente trabalhou com
L.Riedlinger, que foi um dos nomes mais importantes do concreto armado no Brasil
Brasil, como, por exemplo, o Arsenal da Marinha da Ilha das Cobras, saneamento da
Baixada de Sta. Cruz, o aeroporto Santos Dumond e outras no Rio de Janeiro.
Até o fim da Segunda Guerra Mundial, predominavam no Brasil as indústrias
leves de transformação, que atendiam as necessidades imediatas existentes. Já em
1944, predominavam as indústrias de transformação, ainda fabricando artigos para o
consumo imediato de pequeno e médio porte. Ainda em 1944, surgiu a Associação
Brasileira de Metais, que se preocupava com o progresso das técnicas em
metalurgia e com os processos de produção.
Com a situação político-econômica criada pela Segunda Guerra Mundial o
Presidente Getúlio Vargas conseguiu financiamento junto ao Governo Americano
para instituir a Companhia Siderúrgica Nacional, que entrou em funcionamento em
1946. Também durante a segunda Guerra Mundial as indústrias brasileiras se
expandiram devido à dificuldade de importação. Nesta época também, a eletricidade
começou a ser utilizada no país e chegou às fábricas substituindo as máquinas a
vapor, o que causou grande avanço tecnológico.
No Espírito Santo os registros históricos encontrados referem-se a algumas
construções tais como, em 1927, a Ponte Florentino Ávidos em Vitória. Sua
importância está no sistema de construção empregado, em seis vãos, de estrutura
metálica, foi considerado rápido, prático, simples e econômico e inédito na América
do Sul. A ponte se encontra em uso até os dias de hoje. Em Colatina, a construção
da ponte sobre o Rio Doce em 1928 é um fato digno de nota na engenharia, devido
ao fato de ter sido projetado e construído um aparelho denominado “dinossauro”,
especialmente para auxiliar na construção da ponte. Tal aparelho, com guindaste,
caldeira a vapor e contrapeso, deslocava-se sobre trilhos na estrutura já montada. A
ponte tem 700m de comprimento e possui 26 vãos (Telles, 2004). Ainda uma
construção no Espírito Santo considerada marco da engenharia é a ponte sobre o
Rio Doce em Linhares, com 633 metros que foi concluída no governo Jones dos
Santos Neves, entre 1951 e 1954.
1.4. Matemática
Quando se fala em matemática num curso de engenharia, a opinião
daqueles com quem conversei a respeito é unânime de que ela é necessária,
fundamental, indispensável, etc. Na literatura consultada encontro também a fala de
que a matemática deve oportunizar o relacionamento da teoria com as aplicações
práticas. Barbosa (2004, p. 65-66).
Desde os primórdios da engenharia, notadamente com as Escolas
Politécnicas da Europa no século XVI (Belhoste, 2003), a matemática é a base do
curso, seja por suas aplicações práticas nas atividades de defesa e bélicas, seja por
servir de suporte para a manutenção do poder, visto que na França, a École
Polytechnique era responsável pela formação intelectual da elite dominante, e o seu
currículo era totalmente baseado nas matemáticas, consideradas no topo das
ciências por Augusto Comte. A matemática lá ensinada era baseada nas
Geometrias, só vindo aparecer a Análise por volta de 1800.
Penso que a grande questão das matemáticas, diz respeito à sua relação
com as disciplinas técnicas do curso de engenharia. Como esta relação é abordada
no currículo? Esta é uma questão de ontem e de hoje, que fazem os alunos e
também os pesquisadores como Cury (2004), que afirma que
tais disciplinas, muitas vezes não conseguem estabelecer relações com as demais atividades do curso, com a futura atuação profissional dos alunos e o exercício da cidadania. Neste caso, tais disciplinas tornam-se ilhas no currículo, sem que os alunos e, muitas vezes os professores, percebam sua raison d’être. (p. 64)
Reflieti sobre esta questão durante a pesquisa, analisando os documentos
encontrados e a fala dos depoentes.
1.4.1 A Matemática no currículo de engenharia no Brasil Colônia
Ilustração 1. Academia Real Militar Fonte: Disponível em <<http://www.senado.gov.br/comunica/historia/imagens/escola2.jpg>>. Acesso em maio/2008.
Com a criação da Academia Real Militar, em 1810, formalizaram-se os
currículos dos cursos, e a base de formação dos engenheiros eram as matemáticas,
sendo estas ensinadas nos primeiros anos dos cursos. Destacamos aqui, as
disciplinas de matemáticas, e sua evolução, até a Escola Politécnica, em sua
reforma de 1937(Telles, 1984):
1811 – Na Academia Real Militar:
1º ano: Aritmética, Álgebra (até equações do 3º e 4º graus),
Geometria, Trigonometria Retilínea, Trigonometria Esférica;
2º ano: Resolução de Equações (Álgebra superior), Geometria
Analítica, Cálculo Diferencial e Integral, Geometria Descritiva;
3º ano: Não eram ministradas disciplinas de matemática.
4º ano: Trigonometria Esférica.
1842 – Na então Academia Militar e de Marinha:
1º ano - Aritmética, Álgebra Elementar, Trigonometria Plana,
Geometria.
2º ano - Álgebra Superior, Geometria Analítica, Cálculo Diferencial e
Integral.
3º ano - Trigonometria Esférica.
1858 - Currículo da Escola Central.
1º ano - Álgebra Superior, Trigonometria Plana e Geometria Analítica.
2º ano - Geometria Descritiva, Cálculo Diferencial, Integral, das
Probabilidades, das Variações e Diferenciais Finitas.
4º ano - Trigonometria Esférica.
Certamente houve outras propostas curriculares no início do século XX, mas
como não consegui informações, retomo aqui a partir de 1937 com a Escola
Politécnica do Rio de Janeiro.
1937 - O Currículo da Escola Politécnica do Rio de Janeiro:
Curso Geral:
1º ano - 1ª cadeira - Álgebra (teoria geral das equações, teoria e
uso dos logaritmos), Geometria no Espaço, Trigonometria Retilínea,
Geometria Analítica.
2º ano - 1ª cadeira - Cálculo Diferencial e Integral.
2ª cadeira - Geometria Descritiva.
Curso de Ciências Físicas e Matemáticas:
1º ano - 1ª cadeira - Séries, Funções Elípticas, continuação do
Cálculo Diferencial e Integral, Cálculo das Variações e das
Probabilidades.
3ª cadeira - Geometria Descritiva e Aplicada (perspectiva,
sombras, estereotomia11).
11 Segundo Ferreira (s.d), “arte de dividir e cortar materiais de construção”.
CAPÍTULO 2
PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS UTILIZADOS
NA COLETA DE DADOS
2.1 O ACERVO
Tendo em vista um projeto de organização dos documentos da Escola
Politécnica do Espírito Santo e do Departamento de Engenharia da UFES que foi
realizado no período da pesquisa, foi possível ter acesso a algumas fontes de
primeira ordem, segundo o conceito de Le Goff.
Os documentos que ali se encontram como livros de atas de provas finais,
dossiês de ex-alunos, cópias de atas de reunião, pedidos de compra de livros, entre
outros, auxiliaram enormemente nesta pesquisa. Gostaria de ressaltar que trabalhar
com fontes de primeira ordem traz também algumas lacunas que resultam em
decepções por vezes, visto que encontramos uma informação, que leva a outra, e
vamos seguindo por essa “trilha”, e de repente, não há a informação seguinte. Um
exemplo foi com relação às ementas das disciplinas; encontrei dos primeiros anos
(fim da década de 60) até 72 e depois somente da década de 90, ficando uma
lacuna na década de 80. O encanto que os documentos originais trazem,
transforma-se em decepção, por vezes, quando falta o próximo documento.
Há também o aprendizado que vem das histórias de pessoas contadas
através daqueles documentos que manipulamos, detalhes e minúcias que vejo da
nossa própria história ali entrelaçada, enquanto participantes da sociedade viva,
principalmente, levando-se em conta o período em análise em que ocorreram várias
“turbulências” políticas no estado.
Enfim, essa possibilidade que me foi apresentada de manipular este acervo,
é ímpar na minha trajetória de pesquisadora, e trouxe grande aprendizado.
2.2 – OS SUJEITOS
Para abranger todo o período delimitado e ao mesmo tempo viabilizar a
pesquisa, realizei algumas entrevistas. A seguir, breve curriculum dos entrevistados
e a relevância de sua entrevista.
Prof. Dr. Vladimir Ivanovitch Dynnikov, do Departamento de Engenharia
Mecânica (DEM) - Graduado em Engenharia Eletro Mecânica (Sistemas de Controle)
pela Escola Técnica Superior Estatal Bauman em Moscou (1973), doutorou-se em
Automação Industrial e Robótica (1986) e Livre Docência em Mecatrônica (1993)
pela Universidade Tecnológica Estatal em Moscou Stankin, fez pós-doutorado em
Sistemas Ressonantes pelo Instituto de Automática Industrial em Madri (2005).
Atualmente leciona na UFES. Suas áreas de atuação são: Automação e Engenharia
Biomédica (com ênfase em Tecnologia de Próteses incluindo construção de
próteses, sensoreamento, controle, materiais e atuadores).
O Prof. Dynnikov nos concedeu uma entrevista piloto a fim de alinhar o
roteiro de perguntas. Nesta entrevista, foi possível traçar um panorama que
considero ideal para cobrir o período delimitado.
Engenheiro Áureo Machado Neto, graduado em Engenharia Mecânica pela
Universidade Federal do Espírito Santo (1980), trabalha na Aracruz Celulose há 26
anos na área de manutenção. O Eng. Neto freqüentou a Universidade em um
período importante na minha pesquisa (1975 – 1980), visto que este(1975) foi o
último ano em que a especialidade da engenharia era definida somente a partir do 4º
período. Trabalhou numa fábrica de baterias, em mineradora, sendo admitido como
trainee na Aracruz no final da década de 80. Atuou na área de projetos com
desenhos, sendo transferido no início da década de 90 para a manutenção, e foi o
primeiro engenheiro de manutenção a ser Coodernador de Área, assumindo então
função de gestão, que exerce até hoje, ocupando um cargo de gestão na área de
manutenção.
Ilustração 2. Eng. Áureo Machado Neto
Engenheiro Ângelo Wellington Giacomim, fez curso técnico de Mecânica na
cidade de Aracruz, onde nasceu, graduou-se em Engenharia Mecânica pela
Universidade Federal do Espírito Santo em 1986 e especialista em Engenharia de
Qualidade pela UFES. Lecionou a disciplina Materiais e Serviços nesta instituição
por três turmas nos cursos de engenharia da qualidade e engenharia de
mantunação. Hoje é o responsável pelas atividades industriais da unidade da Barra
do Riacho da Aracruz Celulose, tendo o cargo de Gerente Industrial da Aracruz
Celulose, sendo funcionário da empresa desde 1987, tendo função mais de gestor
que de técnico.
Ilustração 3. Eng. Ângelo Wellington Giacomim
Engenheiro Fabrício Luis Stange, fez curso técnico em Mecânica, gradou-se
em Engenharia Mecânica na UFES em 1980 e trabalha como Consultor na Aracruz
Celulose desde que se formou. Está fazendo mestrado em Engenharia Mecânica na
Universidade Federal do Espírito Santo, sendo orientado pelo Prof. Geraldo Rossoni
Sisquini, pesquisando Riscos Industriais na linha de Mecânica dos Solos. Iniciou na
Aracruz na oficina central (responsável pela manutenção da fábrica) atuando em
diversas áreas do processo de fabricação da celulose. Na época a manutenção era
realizada na própria fábrica e exercia uma função mais técnica, porém hoje exerce
uma função mais gerencial.
Ilustração 4. Fabrício Luis Stange
Prof. Geraldo Rossoni Sisquini possui graduação em Engenharia Mecânica
pela Universidade Federal do Espírito Santo (1982) , graduação em Engenharia Civil
pela Universidade Federal do Espírito Santo (1988) , especialização em Engenharia
Mecânica com ênfase em Engenharia Nuclear pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (1983), mestrado em Engenharia Mecânica pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro (1993) e doutorado em Engenharia Oceânica pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (2001). Atualmente é Professor Adjunto da Universidade
Federal do Espírito Santo, no departamento de Engenharia Mecânica. Tem
experiência na área de Engenharia Civil, com ênfase em Estruturas. Atuando
principalmente nos seguintes temas: Dinâmica de estruturas, Elementos Finitos,
Mecânica da Fratura, Estados do Mar, Propagação de Trinca de Fadiga e
Confiabilidade Estrutural. É também coordenador do curso de Engenharia Mecânica
da Universidade Federal do Espírito Santo.
O prof. Sisquini foi meu professor no curso de Engenharia Mecânica e pela
sua participação primeiro como aluno nesta universidade e depois como professor
nas disciplinas técnicas desde a década de 80 até os dias de hoje e ainda como
atual coordenador do curso, muito acrescentou a esta pesquisa.
Ilustração 5. Prof. Dr. Geraldo Rossoni Sisquini
Eng. José Guilherme de Carvalho, graduado em Engenharia Mecânica pela
UFES em 1997, Mestre em Engenharia Mecânica pela UFES em 2000 e
Especialista em Engenharia de Equipamentos com ênfase em Produção e Refino
pela Petrobrás em 2001. Atuando como Engenheiro de Equipamentos a Petrobrás
desde 2002. Exerce de especialista no suporte técnico de engenharia de
manutenção e inspeção. Já atuou em Indústria Metalmecânica e Metalúgicas,
exercendo função de Engenheiro Mecânico, planejando execução de serviços,
elaborando propostas técnico-comerciais e acompanhando serviços.
Ilustração 6. Eng. José Guilherme de Carvalho
Profa. Dra. Lígia Arantes Sad, professora do Departamento de Matemática da
UFES, possui graduação em Matemática pela Universidade Federal do Espírito
Santo (1976) , especialização em Matemática pela Universidade Federal do Espírito
Santo (1986) e doutorado em Educação Matemática pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (1998). É professora titular da Universidade Federal
do Espírito Santo. Sua área de atuação é a Educação, com ênfase em Formação e
Práxis Político Pedagógica do Professor. Atuando principalmente nos seguintes
temas: Ensino-aprendizagem, Cálculo, Epistemologia, produção de significado,
campo semântico e estipulações. A Profª. Sad tem importância ímpar neste trabalho,
visto que fui sua aluna no curso de Engenharia Mecânica e me encantava com sua
forma de atuar.
Ilustração 7. Profª. Lígia Arantes Sad
Profª. Myrtha Saloquer Fayet, possui bacharelado (1953) e licenciatura
(1954) em Matemática pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, certificado
de aperfeiçoamento do IMPA (RJ) nos cursos em nível de pós-graduação no
Instituto de Matemática Pura e Aplicada: Tópicos de Álgebra Linear, Topologia
Geral, Álgebra 1, Álgebra 2, Análise no RM, Variáveis Complexas, Equações
Diferenciais Ordinárias, Geometria Diferencial e Formas Diferenciais (1974). Possui
ainda Certificado de aperfeiçoamento por ter sido aprovada em nove disciplinas
(acima citadas) em nível de pós-graduação no Instituto de Matemática Pura e
Aplicada (1991), Certificado de conclusão curso de especialização em matemática,
pela Universidade Federal Fluminense (RJ - 1992). Foi professora do departamento
de Matemática da Universidade Federal do Espírito Santo. A Profª. Myrtha foi minha
professora no curso de Engenharia Mecânica em 1982 e traz com sua memória e
suas histórias grande contribuição para esta pesquisa.
Considero com muito cuidado essa etapa, pois como diz Alberti (2005,
p.35), “como [...] a realização de entrevistas constitui o centro de um trabalho de
história oral, todo o planejamento de um programa depende de um certo grau de
definição da quantidade de entrevistas que se pretende realizar.”
2.3 – RECURSOS DE OBSERVAÇÃO
a) roteiros de entrevistas – o foco foi entrevista temática, visto que meu
interesse está em dados específicos acerca das disciplinas matemáticas. Para tanto
utilizei roteiros gerais de entrevista: um para os professores do departamento de
matemática (Anexo I); um para os professores do departamento de engenharia
mecânica (Anexo II); um para os ex-alunos do curso de engenharia (Anexo III).
b) Registro da entrevista – como estou interessada em reconstruir a história
através da memória dos entrevistados, escolhi as entrevistas e não questionários,
pois considero importante manter o registro dessas falas, com todas as suas
características. Atualmente a tecnologia nos permite facilidades para registro das
entrevistas. Portanto utilizei um gravador digital. Utilizei também a carta de cessão
de direitos de depoimento (Anexo IV), que os depoentes preencheram e assinaram
formalizando sua concordância.
c) ambiente da entrevista – o local onde foram realizadas as entrevistas
ficou a critério dos entrevistados. Alguns escolheram o local de trabalho (sala na
Universidade, sala na empresa) e outros sua residência. As entrevistas ocorreram
em ambiente tranqüilo sem muitas interrupções e com certa descontração por parte
dos entrevistados.
2.4 PROCEDIMENTOS UTILIZADOS
Selecionei alguns temas de interesse quando da preparação do roteiro de
entrevistas: a) disciplinas matemáticas; b) prática de sala de aula; c) livros-texto; d)
modificações curriculares. O roteiro da entrevista foi elaborado com perguntas
considerando estes temas. Elaborei os roteiros para servir como base para a
condução das entrevistas, porém não me prendi a eles, deixando livre a fala dos
entrevistados.
Roteiro de entrevista dos professores do departamento de matemática:
Neste roteiro, a primeira pergunta “Quais disciplinas de matemática que ministra(ou)
para os estudantes engenheiros?”, está relacionada à investigação da grade
curricular e serviu também de base para investigar as modificações ocorridas nesta
grade curricular.
A segunda pergunta “Faz(ia) uso de algum livro didático? Utilizava ou
sugeria algum livro que se encontra nesta lista?” relaciona-se ao material didático e
serviu de base para facilitar a pesquisa na biblioteca e posterior análise dos livros
utilizados.
A terceira pergunta “Fale um pouco sobre a sua prática de sala de aula. Que
metodologia utilizava? Como fazia as avaliações?” investiga as avaliações através
da oralidade, que foram confrontadas com a fundamentação teórica vista acerca das
avaliações.
A quarta pergunta “Participou de alguma modificação de currículo que teve
impacto nas matérias que lecionava para a engenharia? Fale um pouco sobre isso.”,
serviu como facilitador para busca de documentos sobre as reformas ocorridas, além
de fornecer pistas ou mesmo fatos motivadores dessas mudanças.
Roteiro de entrevista dos professores do departamento de engenharia:
Neste roteiro, a primeira e a segunda perguntas “Quais disciplinas ministra(ou) na
engenharia mecânica?” e “Quais conteúdos matemáticos considera essenciais para
o ensino-aprendizagem das suas disciplinas?”, estão relacionadas à investigação da
aplicabilidade da matemática nas disciplinas técnicas.
A terceira pergunta “Participou de alguma modificação na grade curricular
do curso de engenharia referente às matérias de matemática? Fale um pouco sobre
isso.”, relaciona-se às modificações curriculares e foi confrontada com os
depoimentos dos professores do departamento de matemática.
A quarta pergunta “Quais conteúdos matemáticos utilizava nos exemplos
em sala de aula e nas avaliações?”, investiga as avaliações e a aplicabilidade da
matemática nestas avaliações das disciplinas técnicas.
A quinta pergunta “Fale um pouco sobre sua prática de sala de aula. Que
metodologia utilizava? Como fazia as avaliações?”, investiga as dificuldades
encontradas pelos professores das disciplinas técnicas com relação às disciplinas
matemáticas.
Roteiro de entrevista dos professores do departamento de engenharia:
Neste roteiro, a primeira e a segunda perguntas “Quais disciplinas de
matemática cursou na engenharia mecânica?” e “Quais os professores ministraram
estas disciplinas?”, investiga se há algum fato relevante que ainda não foi detectado
nas entrevistas com os professores e também auxilia no cruzamento de
informações, se os professores depoentes tiverem sido professores deste aluno.
A terceira pergunta “Lembra se havia algum livro didático ou bibliografia
sugerida pelos professores relativos à matemática?”, auxilia na filtragem das
informações acerca da bibliografia e análise do material didático.
A quarta pergunta “Como eram as avaliações desses professores?”,
preocupa-se com a opinião do educando sobre a avaliação, e servirá de base para
confrontar com a opinião dos professores depoentes.
A quinta pergunta “Como era a prática dos professores em sala de aula?”,
investiga as dificuldades encontradas pelos educandos nas disciplinas técnicas com
relação às disciplinas matemáticas.
CAPÍTULO 3
A MATEMÁTICA NA ENGENHARIA MECÂNICA
3.1 COMENTÁRIOS SOBRE O CURRÍCULO
No início da década de 60, as atividades predominantes no estado
relacionavam-se com a cultura do café e eram a maior fonte de renda e emprego no
estado, absorvendo cerca de 92% da mão de obra ativa (Moraes 2002). Após o
golpe militar de 1964, o governo implantou programas de erradicação dos cafezais12
a partir de 1962 em todo o país, e o impacto no Espírito Santo foi de grandes
proporções, principalmente no período de 1966/67. Com essa crise no meio rural,
cerca de 120.000 pessoas vieram para as cidades.
Neste mesmo ano de 1966 foi inaugurado o Porto de Tubarão em Vitória,
com a instalação da Companhia Vale do Rio Doce já existente desde 1942. Em 1967
iniciam-se as operações de plantio de eucalipto e a construção da fábrica de
celulose Aracruz Celulose que é inaugurada em 1978. Em 1976, é criada a
Companhia Siderúrgica do Tubarão. Tais fatos vêm auxiliar na compreensão e
justificativa para a criação do curso de Engenharia Mecânica na UFES, visto que
estas empresas trariam grande desenvolvimento para o estado e absorveriam a
mão-de-obra especializada que a UFES disponibilizaria, como de fato ocorreu,
conforme constatado nas entrevistas.
Voltei às origens da Escola Politécnica do Espírito Santo, que foi criada em
1951 e começou a funcionar em 1952, sendo incorporada à Universidade do Espírito
Santo criada em 1954 por lei, mas que não na prática, passando a existir de fato
12 Programa criado pelo Grupo Executivo de Racionalização da Cafeicultura para erradicação dos
cafezais situados em regiões brasileiras inaptas e que representavam produtividade inferior a 6 sacas
beneficiadas/1.000 pés, consideradas anti-econômicas. Como resultado, 235 milhões de pés foram
destruídos e 239 mil hectares de terra estavam liberadas. Disponível em
<http://www.revistacafeicultura.com.br/index.php?tipo=ler&mat=3904>. Acesso em maio/2008.
quando federalizada pela Lei 3.868 em 1961. Este é considerado o último ato
praticado pelo presidente Juscelino Kubitschek. O curso de Engenheiros Mecânicos
na UFES só foi criado em 1966, pela Resolução nº 8/66 do Conselho Universitário.
Seguindo o modelo da Escola de Engenharia de São Carlos, que como a
maioria das politécnicas do Brasil, seguia o modelo das Européias, a do Espírito
Santo possuía seu currículo com bases tecnocratas, e é voltada para a elite
dominante e este modelo
[...] consiste precisamente em transformar esses saberes da escola em recursos operatórios [...] (Belhoste, 2003, p. 160-161)
No Espírito Santo o Curso de Engenheiros Mecânicos também foi criado
visando o provimento da necessidade emergente, decorrente do desenvolvimento
industrial já citado, de forma que a maior preocupação era a formação profissional
dos engenheiros.
No depoimento dos entrevistados verificamos que o currículo deixa a
desejar neste aspecto, como fica claro, através da fala do Eng. Ângelo Giacomin,
quando ele diz que
a importância da formação básica em engenharia na gestão é representativa, pois trabalho muito mais na função de gestão, mas a base de raciocínio utilizada é oriunda do aprendizado obtido na engenharia. A fábrica é totalmente automatizada e para tomar uma decisão você precisa verificar se o balanço de vapor-energia está correto, avaliar as alternativas e tendências, etc. Na minha função, não faço o cálculo do balanço de energia ou do balanço de vapor. A equipe faz isso. Mas tenho que ter o discernimento para saber se aquelas informações têm profundidade, ter capacidade de questionar e verificar se não está deixando de considerar algo, para poder tomar a decisão. Na realidade trabalhamos em equipe e um conjunto de pessoas participa de uma decisão. A base da engenharia dá a sustentação para esta análise e decisão. Então a aplicação direta de conhecimentos matemáticos ou de engenharia não é muito grande, mas a base de formação que eu tive é o que me permite agilidade na tomada de decisão. A função é muito mais de análise de dados, avaliar um resultado e verificar se tem lógica. (Giacomin, 2007)
Ou seja, em sua formação de base técnica, o currículo cumpre seu papel,
mas na sua função de “molde” (Belhoste, 2003), para a elite dominante, que é
aquela que vai gerir, deixa a desejar. Esta opinião se reflete ao longo do período
analisado, visto que encontramos a mesma fala na entrevista do Eng. Áureo Neto,
que se formou em 1980 quando diz que “notava uma distância muito grande da
faculdade para a vida de uma empresa”. Fica aqui a questão de a quem o currículo
serve, se aos engenheiros gestores, aos engenheiros projetistas ou aos engenheiros
produtores de tecnologia. Fica clara esta questão na fala dos depoentes, como
nessa do Eng. Stange, que se formou em 2000, quando comenta da dificuldade de
se tratar com a tecnologia existente hoje e coloca como pauta de discussão,
como ensinar ciência utilizando a tecnologia que tem hoje, como exemplificar isso com a tecnologia que tem hoje. Como usar os laboratórios nesse sentido. Não é tornar o ensino tecnológico. Como ensinar ciência de uma forma mais focada. Esse é um ponto que eu acho que a gente peca muito. Nossa formação peca muito, Poderia ser melhor. (Stange, 2007)
Encontramos a mesma realidade na Avaliação Institucional do CT de 1995,
onde apesar de os alunos perceberem o
curso muito mais voltado para a formação do profissional-engenheiro do que para professores/pesquisadores e muito menos para o professor que vai atuar nos 1º e 2º graus,
existe uma insatisfação de 45% dos entrevistados, quanto a “adequação
dos pré-requisitos e da seqüência da oferta de disciplina” o que “parece indicar que
a estruturação do curso não obedece a uma ordenação lógica”. Os alunos ainda
percebem (62%) que o curso é “excessivamente teórico, considerando que os
aspectos práticos são relegados a 2º plano”. Consideram, (50% dos entrevistados),
que “são feitas restritas ou mínimas associações entre as questões técnicas e
teóricas e o contexto sócio-político local, nacional e internacional durante o
desenvolvimento das disciplinas. Apenas 25% consideram este aspecto enfatizado
de maneira ampla”.
De 1995 para cá houve mais uma modificação curricular na Engenharia
Mecânica, agora em 2006, onde algumas disciplinas técnicas foram criadas como
Introdução à Engenharia e são ministradas nos períodos iniciais do curso, o que
espero traga uma realidade mais satisfatória para os que nele ingressam. Mas nesta
pesquisa não terei como verificar os reflexos desta mudança, deixando aqui em
aberto a questão para novas pesquisas.
3.2 AS DISCIPLINAS MATEMÁTICAS NA ENGENHARIA MECÂNICA
Considero importante analisar também a relação das disciplinas de
matemática com as disciplinas técnicas do curso de engenharia mecânica e
pensando nesta relação, analisei primeiramente as alterações ocorridas na grade
curricular considerando a nomenclatura das disciplinas, a partir das ementas e
programas de curso encontradas no CT/UFES. Tive dificuldade de conseguir
informações em todo o período. No acervo do CT/UFES tem material até 1975 e no
departamento de matemática só encontrei material da década de 90 e dos anos
2000.
Não encontrei também as ementas de todas as disciplinas que pude
constatar como constantes do currículo em alguns anos. Como o tempo de pesquisa
de mestrado é bastante limitado, trabalhar com fontes de primeira ordem apresenta
uma dificuldade a mais, que é a continuidade da informação. Talvez, com mais
tempo, pudesse fazer mais entrevistas e recolher documentos em poder dos
entrevistados e que poderiam preencher as lacunas deixadas pela falta de
documentos, ou mesmo ir a outras fontes que tivemos acesso.
Nos quadros abaixo (1 e 2) detalho as disciplinas que compunham o
currículo do curso na época de sua criação. Verifico que no quadro 1, onde estão as
disciplinas do Ciclo Básico, predominam as matemáticas e que a Álgebra não está
presente, o que será discutido no próximo capítulo.
No quadro 2, estão as disciplinas técnicas, que embora não explicitado aqui,
têm em sua maioria, têm como pré-requisito as disciplinas do Ciclo Básico, sendo
portanto, as disciplinas matemáticas a base do curso.
Ciclo Básico – Disciplinas do ciclo básico do currículo
de engenharia mecânica da UFES em 1966
Calculo Diferencial e
Integral
Geometria Analítica e
Cálculo Vetorial
Cálculo e Análise
Vetorial
Cálculo Numérico e
Estatística
Física I (Mecânica,
Acústica e Termologia)
Física II (Estática)
Física III (Eletricidade) Física IV (Mecânica
Racional)
Mecânica dos Corpos
Elásticos
Química Descritiva (Geometria) Desenho
Quadro 1. Ciclo Básico
Ciclo de Formação Profissional – Disciplinas técnicas do
currículo de engenharia mecânica da UFES em 1966.
Resistência dos
Materiais
Mecânica dos Fluidos Metalografia e
Metalurgia Física
Mecânica Aplicada às
Máquinas
Elementos de Máquinas Tecnologia Mecânica
Eletrotécnica Termodinâmica Aplicada
à Transmissão de Calor
Hidráulica Geral
Materiais de Construção Siderurgia e
Conformação de
Materiais
Máquinas de Elevação e
Transporte
Estruturas Metálicas Máquinas Elétricas Máquinas de Fluxo
Máquinas Térmicas Arquitetura e
Planejamento Industrial
Máquinas Operatrizes
de Conformação
Máquinas Operatrizes
de Usinagem
Regulação e Sistema de
comando nas máquinas
operatrizes
Custos industriais e
Finanças das empresas
Noções Gerais de
Direito
Economia Organização Industrial
Administração e
Relação Humanos
Planejamento e Controle
da Produção
Lubrificação de
Máquinas
Quadro 2. Ciclo de Formação Profissional
CAPÍTULO 4
A EVOLUÇÃO DAS DISCIPLINAS MATEMÁTICAS
Ilustração 8. Ementa da disciplina de Estatística da Escola Politécnica de 1971.
Começo minha análise montando um quadro com as disciplinas
matemáticas oferecidas no período delimitado, mas coloco na primeira coluna do
quadro 3 abaixo, as disciplinas citadas para o curso de engenheiros no Brasil
Colônia, para melhor exemplificar a análise feita.
Evolução das disciplinas
Disciplina Séc. XIX 1966-1969
1970-1979
1980-1989
1990-2006
Álgebra (Básica, Elementar, Superior) X
Álgebra Linear X X X
Análise Vetorial X
Cálculo Diferencial e Integral X X X
Cálculo I X X X
Cálculo II X X X
Cálculo III X X X X
Cálculo Numérico X X X X
Cálculo Vetorial X X
Equações Diferenciais X
Estatística X
Geometria Analítica X X
Geometria Analítica e Álgebra Linear X Geometria Analítica e Elementos de Cálculo Vetorial X Geometria Descritiva e Elementos de Geometria Projetiva X X
Matemática Básica I X
Matemática Básica II X
Probabilidade e Estatística x X X
Trigonometria X
Aritmética X Quadro 3. Evolução das Disciplinas
Considerando o quadro 3, constato que as disciplinas Álgebra, Aritmética e
Trigonometria, constantes do currículo do período colonial não faziam parte do
currículo nem como disciplina, nem inseridas como tópicos de outras disciplinas,
conforme pude constatar pela análise das ementas dos cursos das décadas de
1960-1970.
A disciplina Matemática Básica I contempla basicamente o estudo de
funções e é considerada um pré-Cálculo13 a disciplina de Matemática Básica II
estuda as coordenadas cartesianas no plano e no espaço, sendo portanto uma
13 segundo a ata da décima reunião da comissão de reformulação do curso de matemática realizada
em 17/08/2004.
disciplina de Geometria Analítica, o que me leva a concluir que Trigonometria e a
Aritmética não fazem parte do programa.
No final da década de 60 a análise era basicamente vetorial, inclusive com
os livros utilizados, como um dos citados: o Pablo & Meryno (Curso de Cálculo
Diferencial), segundo a Profa. Sad (depoente). No início da década de 1970, houve
uma grande reforma que criou algumas disciplinas como os Cálculos I, II, III e
Numérico e dissociou outras, como a Geometria Analítica e a Álgebra Linear, que
passaram a existir separadas. A Profa. Lígia explica que a Álgebra Linear veio então
substituindo uma parte da Geometria Analítica, que tinha uma ênfase mais vetorial.
A vantagem de se ter a análise de forma menos vetorial, segundo ela está no fato de
a análise passar a “ser mais específica, porque antes, ficava meio misturada e
escondida no meio do Cálculo. Depois não, havia a liberdade de se trabalhar com
vetores, depois com as transformações lineares, que vieram ajudar noutras partes
da engenharia”. Seria interessante aqui aprofundar nessa questão histórica
buscando outras fontes, para saber então, na própria história da matemática como
se deu esta questão e como isso se propagou nas escolas politécnicas no mundo e
no Brasil, mas como não será possível dar conta nesta pesquisa, fica aqui em aberto
a questão, para um estudo posterior.
A Geometria Analítica é uma disciplina que se mantém durante todo o
período embora às vezes esteja associada a outras como, o Cálculo Vetorial na
década de 1960, Álgebra Linear na década e 1970 e depois sozinha de 1980 em
diante.
A Estatística também é uma disciplina que se mantém em todo o período,
passando a ser associada à Probabilidade a partir da reforma de 1970 e se
mantendo assim.
De acordo com os documentos a que tive acesso, verifico que as disciplinas
de matemática no período analisado se mantém como pilares do curso de
engenharia mecânica sendo consideradas como pré-requisito para as disciplinas
técnicas.
Como exemplo, temos em 197114 as disciplinas de cálculo como pré-
requisito para as disciplinas de Mecânica, como segue no Quadro 4:
Disciplinas e Pré-requisitos
Ano Disciplina Pré-requisito
Cálculo I
Cálculo II Cálculo I
Cálculo III Cálculo II
Mecânica II Cálculo III
1971
Mecânica Aplicada I Mecânica II
Elementos de Máquinas Mecânica Aplicada I
Máquinas Operatrizes Elementos de Máquinas
Vibrações Mecânicas Mecânica Aplicada
Máquinas Hidráulicas Mecânica Aplicada
Cálculo IV Cálculo III
Termodinâmica Cálculo IV
Transmissão de Calor Termodinâmica
Máquinas Térmicas Transmissão de Calor
Regulação de Sistemas Cálculo IV
Desenho de Máquinas Geometria Descritiva
Elementos de Máquinas Desenho de Máquinas
1973
Máquinas Operatrizes Elementos de Máquinas
Quadro 4. Disciplinas e pré-requisitos
Embora sejam pré-requisito para as disciplinas técnicas, as disciplinas de
matemática, pela forma como são ministradas deixam uma lacuna entre o
embasamento teórico a que se propõem e a sua aplicação nas disciplinas práticas,
fala esta que encontramos o Eng. Fabrício Stange, que se queixa da falta de
associação entre a matemática e as disciplinas técnicas, quando diz que o currículo
é feito de
14 Conforme ata do conselho departamental do CT/UFES de 29/12/71.
forma que você não associa a matemática aos problemas físicos, às cadeiras de engenharia. Chega lá no início, você estuda Cálculo I, Cálculo II, Cálculo III, Cálculo Numérico e em momento nenhum tentam associar essa matemática - que é pura nesse momento - aos problemas que você vai enfrentar de engenharia lá na frente. Você estuda, por exemplo, diferenciais e para que serve aquilo? Você só vai saber para que serve aquilo, lá na frente, quando pegar por exemplo a disciplina Mecânica dos Fluidos. E aí, você não faz nem correlação. Quando você percebe... “pôxa”, aquilo que eu estudei lá atrás me faz falta agora. Só que eu poderia ter utilizado isso de forma muito mais interessante, se eu tivesse uma associação tipo: você está aprendendo, porque no contexto da engenharia você vai utilizar isso desta forma. Se no começo os cursos de matemática já fossem voltados para isso. Não que você vá simplificar as disciplinas de matemática para atender a engenharia. Mas que já focasse.
Já houve modificações neste sentido, como por exemplo, na reforma de
2006 (que entrou em vigor em nov/2007), em que as disciplinas de matemática
aproximaram-se mais das disciplinas técnicas como nos conta o Prof. Dynnikov e
verificamos no novo currículo de que este está “aproximando as disciplinas pesadas
que necessitam de matemática para períodos iniciais”.
Gostaria ainda de comentar também sobre a disciplina Estatística que não
aparece no Séc. XIX, mas está no currículo inicial do curso, sendo acrescida em
1980 da Probabilidade e permanece em todo o período analisado. Esta disciplina é
de suma importância para a função de gestão, está presente em todo o período e
ainda assim, não é reconhecida como deveria, como nos diz o Eng. Áureo Neto
falando de sua prática e dizendo que no dia-a-dia, “um colega que vai fazer um
sistema de manutenção preventiva ou preditiva precisa conhecer e usar estatística”
e que
a Curva ABC, por exemplo, muita gente conhece, mas pouca gente sabe aplicar e é uma das ferramentas mais simples que existe no mundo da matemática e da estatística... pouca gente sabe usar e se soubesse diminuiria com certeza o esforço que faz para resolver os problemas.
CAPÍTULO 5
ALTERAÇÕES CURRICULARES
Ilustração 9. Currículo de Engenharia Mecânica de 1970
Através dos documentos analisados e das entrevistas, verificamos três
mudanças significativas no currículo (1971, 1982 e 2006), sem contar algumas
modificações de ementa e de nomenclatura de disciplinas.
Em 1971, o Conselho Universitário em sessão extraordinária de 16/03/71,
alterou o programa de algumas disciplinas de matemática do currículo de
engenharia mecânica, conforme registrado na ata:
(...) tendo deliberado o Conselho que: 1 – o programa de ‘Análise Vetorial e Cálculo Numérico’ deverá ser revisto pelo Professor da disciplina, a fim de que sejam satisfeitas as exigências da resolução 6/70 do Conselho Universitário, que alterou o Regimento desta escola; 2 – seja excluída a parte de ‘Nomografia’(Ilustração XXX) do programa de ‘Geometria Analítica e Álgebra Linear’ e 3 – retorne o programa de ‘Geometria Descritiva e Elementos de Geometria Projetiva’ do
Regente desta disciplina, para adaptação do critério de verificação de aproveitamento à Resolução baixada pelo Conselho Departamental sobre o assunto, aprovados os demais programas e planos de ensino.
Ilustração 10. Ementa da disciplina de Geometria Analítica e Álgebra Linear de 1970.
Esta foi uma grande mudança, pois ocorreu para satisfazer as exigências da
reforma universitária de 1968. O Plano Institucional de modificação inclusive
estrutural da UFES desta data e como mostra o quadro 3, alterou várias
disciplinas. Não foi possível pontuar as pequenas modificações de ementas e
nomenclaturas ocorridas, visto que no acervo da Politécnica, não foram
encontrados documentos de todos os anos e no departamento de matemática, só
encontramos disponível algum material que foi digitalizado, estando os arquivos
em papel indisponíveis para consulta no momento da pesquisa.
Houve uma reforma em 1982, como nos relata o Prof. Geraldo Sisquini
(depoente), onde já foram aproximadas algumas disciplinas técnicas dos
primeiros períodos, mas pelo que pudemos perceber, foi mais a nível
departamental.
A última reforma aconteceu 2006, e entrou em vigor em 30/11/2007 como
nos relatam os Profs. Wladimir Dynnikov e Geraldo Sisquini e resulta no seguinte
currículo:
Ciclo Básico do Currículo Atual - 1º e 2º anos Programação Básica de
Computadores Cálculo I, II e III A Álgebra Linear
Desenho Técnico Mecânico I e II
Introdução à Engenharia Mecânica
Química Tecnológica
Algoritmos Numéricos I Probabilidade e Estatística
Quadro 5. Ciclo Básico do Currículo Atual
Ciclo de Formação Profissional do Currículo Atual – 3º ao 5º anos Eletricidade Aplicada Mecânica I, II e III Termodinâmica I, II
Ótica Aplicada Metrologia Dimensional Princípios de Ciência dos Materiais
Eletrônica Básica Laboratório de Materiais I e II
Laboratório de Sistemas Mecânicos I II e III
Mecânica dos Fluidos I e II
Resistência dos Materiais I e II
Tecnologia dos Materiais de Construção Mecânica I eII
Economia da Engenharia I e II
Fundamentos de Usinagem
Mecanismos
Vibrações Mecânicas I Elementos de Máquinas I e II
Fundição e Soldagem
Modelagem de Sistemas Dinâmicos
Processos de Usinagem Seleção de Materiais
Transferência de Calor I e II
Elementos de Automação e Instrumentação
Laboratório de Engenharia Térmica I e II
Máquinas de Fluxo Processos de Conformação Mecânica
Sistemas Hidráulicos e Pneumáticos
Aspectos Legais e Éticos da Engenharia
Organização Industrial Máquinas Térmicas
Refrigeração e Ar Condicionado I
Sistemas de Controle Sistemas de Produção e Automação de Manufatura
Fundamentos da Engenharia Ambiental
Equipamentos Mecânicos Industriais
Estágio Supervisionado I e II
Lubrificação Industrial Manutenção Industrial Quadro 6. Ciclo de Formação Profissional do Currículo Atual
Conforme análise do currículo atual em comparação com o currículo inicial,
verifico que houve várias modificações nas disciplinas técnicas e poucas nas
disciplinas matemáticas. A Geometria Analítica que aqui não aparece como
disciplina está inserida no programa de Cálculo II, permanecendo portanto.
Ilustração 11. Programa da década de 80 com cálculo da média.
Ilustração 12. Plano de Curso de Cálculo de 1988, com metodologia de trabalho.
CAPÍTULO 6
AVALIAÇÕES
Ilustração 13. Registro em ata de uma prova de Mecânica dos Fluidos de 1967.
lI
Ilustração 14. Registro em ata de uma prova de Mecânica dos Fluidos de 1967.
Avaliar significa, segundo Ferreira (s.d), valorar e é nesse sentido que vêm
sendo feitas as avaliações de aprendizagem dos alunos. É uma herança que
trazemos de vários séculos. Pois segundo Luckesi (2005, p. 21),
os exames escolares que conhecemos hoje em nossas escolas, foram sistematizados nos séculos XVI e XVII, com as configurações pedagógicas produzidas pelos padres jesuítas (séc. XVI) e pelo bispo protestante John Amós Comênio (fins do séc. XVI e primeira metade do XVII). Somos herdeiros dessa história.
Ainda no início do século XX, sob a influência de Tyler e Bobbit, a avaliação
da aprendizagem era vista de uma forma totalmente quantitativa, pois a visão era
completamente tecnicista. A característica era de mensuração, a fim de identificar se
havia aprovação/reprovação ou classificação. Aqui no Brasil não foi diferente e no
início do período delimitado pela pesquisa (fim da década de 60), a visão ainda era
essa.
Principalmente na engenharia, onde as matemáticas dominavam e ainda
dominam o currículo de formação básica a idéia de mensuração era/é forte. As
questões que aparecem nos exames referem-se a um conteúdo específico, sendo
pontuais e não medindo, portanto, a aprendizagem do aluno, mas sim a retenção
daquele conteúdo específico. Os depoimentos dos engenheiros de pernambuco
exemplificam esta idéia, como esse de Arlindo Pontual (Montenegro, 1995, p. 95),
eu aplicava os três exercícios escolares no primeiro período. No segundo eu não passava nenhum exercício escolar. Partia do conceito, que era explanado bem aos alunos, sobre o que eles, amanhã, como engenheiros, iriam ser solicitados a fazer: calcular uma ponte com sistema estrutural, com local para atravessar o rio, ou mesmo calcular as ferragens.
Podemos ver que ele aplicava exercícios no primeiro período e em seguida
partia do conceito que havia sido “explanado” aos alunos sem, no entanto, no
segundo período se preocupar em aplicar exercícios para conferir se o conceito
havia sido “compreendido” e “aprendido” pelos alunos. Temos ainda outro
depoimento deste mesmo professor que, falando da década de 70, diz que
até que pró-reitora proibiu que se colocasse mais de uma nota por projeto. Em 1971, o projeto foi facultativo, fazendo-se os
três exercícios escolares no segundo período. Evidentemente não havia condições de os alunos fazerem. (id, p. 96)
Na UFES, no final da década de 60 e início da década de 70, existia prova
oral (veja Ilustração 14, item 3.4). Encontramos algumas evidências no acervo
pesquisado, como por exemplo de que na disciplina Geometria Analítica e
Elementos de Nomografia em 196815, eram aplicadas 2 provas escritas por período
sendo uma considerada como recuperação e uma prova escrito-oral e era feita a
média aritmética das duas.
Ilustração 15. Prova de Cálculo Diferencial e Integral da Escola Politécnica em 1971
Na disciplina Cálculo III (1972) eram permitidos a critério do professor,
exercícios de reforço e os mesmos poderiam ser utilizados para acrescentar até 0,3
décimos na nota final do aluno. Embora não fosse oficial, era permitida a revisão de
prova, “a pedido verbal ou escrito do aluno, diretamente ao professor, para
15 Acervo CT –UFES - Pasta “Sobras de Programas”
verificação de ‘erros de soma’, ‘erros de correção’, lapsos de correções ou ausência
de notas.
Ilustração 16. Prova de Cálculo Diferencial da Profª. Mirtha Fayet em 1967
Na disciplina de Cálculo Vetorial de 1974, eram aplicadas duas provas
escritas, uma de recuperação e uma prova final. O aluno poderia solicitar revisão de
prova.
Na disciplina Estatística, em 1974, eram aplicados dois ‘exercícios escolares
práticos’, um ‘exercício de recuperação’ e uma ‘prova final escrita, desmembrada em
duas partes: Teórica e Prática’. Era permitida revisão de prova, desde que solicitada
logo após a entrega.
Na disciplina Geometria Analítica e Álgebra Linear de 1970-71, eram
realizadas três provas escritas, sendo uma de recuperação e uma prova de natureza
escrito-oral.
O que entendemos por avaliação difere conceitualmente dessa idéia, visto
que concordando com Luckesi (2005), o ato de avaliar tem como sinônimo
diagnosticar, a fim de identificar possíveis dificuldades e intervir para sanar essas
dificuldades, visando produção de conhecimento por parte do educando. Nesse ato
de diagnosticar, é fundamental o ato de acolher, de prestar atenção no aluno. E se
faz necessária a utilização de instrumentos adequados a este diagnóstico, porque
quaisquer que sejam os instrumentos – questionário, teste, redação, monografia, dramatização, participação em seminário, argüição... – necessitam de manifestar qualidades satisfatórias como instrumentos para serem utilizados na coleta de dados para a avaliação da aprendizagem escolar [...] (Luckesi, 2005, p. 51)
Se forem utilizados instrumentos inadequados, não se terá um diagnóstico
correto e poderão ser tomadas ações incorretas, não atingindo-se, portanto, o
objetivo principal da avaliação que é auxiliar na produção de conhecimento dos
educandos.
Ilustração 17. Prova de Cálculo Integral da Profa. Fayet de 1966.
Algumas exceções são vistas no que se refere à prática individual de alguns
professores, por exemplo, com relação à revisão da “prova”, pois encontrei na
prática deles esta preocupação com o aluno. Esse trecho da entrevista com o Prof.
Geraldo Sisquini do DEM, ilustra bem esta idéia. Ele nos conta que quando tem
“turmas com poucos alunos, faço uma avaliação mais dirigida. Conheço o aluno, vou
passando trabalhos, verifico onde errou, vamos corrigindo, passo de novo”. Este
conhecer o aluno é que faz a diferença entre avaliação e exame e com muitos
alunos na turma não é viável na prática um acompanhamento mais próximo. Como
ele mesmo nos relata um pouco adiante na entrevista, dizendo que “quando é uma
turma grande com quarenta... é marcar uma prova de cinco questões, quatro
questões, três... eu faço um gabarito, corrijo, procuro padronizar o gabarito para que
ninguém reclame que o outro foi beneficiado.”
No departamento de matemática, também encontramos professores que
não avaliavam somente pela nota, como nos conta a Profa. Lígia Sad, falando de sua
prática, dizendo que “do lado da avaliação de um modo geral, eu olhava aqueles
alunos que estavam sempre presentes, os que participavam mais, e aí estar aferindo
isso também na hora de avaliar”, o que demonstra que existia uma preocupação
com a aprendizagem do aluno, embora isso não se refletisse diretamente na nota,
visto que os critérios de avaliação baseavam-se nas provas, como foi dito
anteriormente. A Profa. Mirtha Fayet também relata que se preocupava com a
avaliação e “achava abominável dar uma questão longa numa prova pra nota,
porque não havia necessidade.”
Ilustração 18. Prova de Cálculo Diferencial de 1966
Ilustração 19. Prova de Cálculo Diferencial de 1966
Durante todo o período delimitado noto a presença de provas descritivas
conforme nos relata o Prof. Geraldo Sisquini, quando diz que todas as suas provas
são descritivas e que “a maioria das provas do curso de engenharia são descritivas.
Tem uma ou outra avaliação que algum professor faz, às vezes, objetiva, mais por
uma questão de momento, quer dar uma avaliação mais leve, mas a maioria é
descritiva”. E não somente descritivas, mas também sem relação direta com a
aplicação daqueles conteúdos nas disciplinas técnicas. Alguns exemplos de
questões que ilustram este pensamento:
� Prova de Estatística (1967) – Uma urna contém 2 bolas brancas e 2
bolas pretas. Outra urna contém 2 bolas brancas e 4 pretas. a) Tira-
se uma bola de cada urna. Calcular a probabilidade de serem da
mesma cor; b) Escolhe-se uma das urnas, ao acaso, depois, tira-se
uma bola. Calcule a probabilidade de ser ela branca. c) Escolhe-se
uma das urnas, ao acaso e tiram-se duas bolas. Qual a probabilidade
de serem da mesma cor?
� Prova de Elementos de Máquina (1968) – Consulta permitida a livros
e apontamentos do aluno; não são permitidos empréstimos.
� Lista de exercícios de Álgebra Linear (1980) – Provar que a
superfície é simétrica em relação a cada um dos planos coordenados
então ela é também simétrica em relação à origem. A recíproca é
verdadeira?
Ilustração 20. Lista de Exercícios de Álgebra Linear I da Profa. Lígia Sad de 1980
Com relação a recursos que poderiam ser utilizados nas avaliações e
também com relação à caligrafia e apresentação, verifico que havia maior cobrança
de apresentação no início do período como ilustra esta prova de segunda época de
Cálculo Diferencial de 1969, onde está descrito o critério de avaliação da prova e é
atribuído 0,5 ponto para apresentação, disposição e orientação e mais 0,5 ponto
para rascunhos orientados e apresentáveis. O rigor se mantém no período analisado
e até bem pouco tempo atrás não era permitido nem o uso de calculadoras, como se
pode ver através de algumas evidências encontradas no acervo pesquisado e na
fala dos depoentes.
Havia um maior rigor com relação à caligrafia, organização, rascunhos como
ilustra uma prova de Cálculo Diferencial de 1967, onde após as questões, o
professor coloca algumas orientações aos alunos, que ele chama de observações:
1) O aluno deverá resolver em ordem numérica as questões apresentadas;
2) A primeira questão deverá ser resolvida na primeira e segunda páginas;
3) A segunda questão deverá ser resolvida na terceira, quarta e quinta páginas;
4) A terceira questão deverá ter o resultado na sexta e sétima páginas;
5) A última página será reservada para contas, rascunhos e análises das questões;
6) Preste atenção, faça uma boa prova e Feliz Natal e Próspero 1968. (Acervo CT/UFES)
E ter um natal feliz fica sendo este mais um item a ser cumprido. Mas hoje
este rigor não é mais percebido, tendo o aluno a liberdade de seguir seu raciocínio
na ordem que melhor lhe convier.
Encontrei, porém, na prática de alguns professores, que embora severos e
expositivos, permitiam ao aluno questionamentos. Nesse trecho a seguir temos
exemplo claro deste comportamento, quando o Eng. Áureo Neto, nos conta sobre
um professor da disciplina Termodinâmica do final da década de 70, início da
década de 80,
- Nossa senhora, o bicho era o cão! mas eu gostava muito de estudar, gostava muito de estudar aquela matéria... Termodinâmica para mim era muito legal, eu achava interessante calcular os trocadores de calor, porque tinha mesmo a parte prática, tinha equipamentos que eu mais ou menos já conhecia. E aí eu fui fazer uma prova, terminei a prova, cheguei para ele e falei assim: “- Eu escrevi uma observação aqui, depois você dá uma olhada.” e no dia da correção da prova, ele disse: “- Você é muito cara de pau.” Eu
disse: “- Por quê?” Ele disse: “- Você foi lá e fez os cálculos, a sua lógica estava toda certa, mas seus números eram um absurdo, não tinha nada a ver!” E ai você vem e escreve: “favor desconsiderar o resultado final, porque eu nunca vi um trocador de dois quilômetros de comprimento, então devo ter errado em alguma coisa no meio. Me dê um tempo que vou fazer as contas de novo.” Ele disse: “- Pôxa, você é muito cara de pau! Mas está bom, pelo seu raciocínio e pela sua lógica também, você tem razão, não existe equipamentos deste.” Então, bom senso é muito interessante, até porque você pode ter erros nos cálculos matemáticos e se você não tiver uma correlação, se não souber em cada etapa do projeto que você está fazendo... pôxa vida, isso aqui está muito fora, é absurdo, assim não dá, vou voltar aqui... ou confirma mesmo. (Eng. Áureo Neto, depoente)
Noto que apesar das questões serem discursivas, o que verificamos
permanecer durante todo o período pesquisado, o professor considerou o raciocínio
do aluno, não se prendendo apenas à resposta, ou seja, aos números.
Na década de 70, já começa a haver alguma mudança e verifico algumas
tentativas como relatado nos documentos do acervo onde na disciplina Cálculo
Numérico em 197216 verifiquei que eram aplicadas 3 avaliações e consideradas as 2
maiores e que o professor (Robson Sarmento) considerava a possibilidade de
passar exercícios de reforço. No início da década de 80, aparecem outras práticas
que traduzem a vontade dos professores de modificar esta forma de examinar e
passar a avaliar, conforme depoimento da Profa. Lígia Sad do departamento de
matemática,
as avaliações eram pautadas em testes e provas. No início nós dávamos 4 (quatro) provas. Na década de 80, nós introduzimos os testes, então, diminuíamos a quantidade de prova e colocávamos os testes. Os testes eram para serem feitos em uma hora. Uma coisa mais rápida, mais localizada em termos de conteúdo também. E as provas de um modo mais abrangente. E nós tínhamos também lista de exercícios. Só que essas listas de exercícios não tinham uma nota direta para o aluno. Era mais no sentido de apoio ao aluno, para que eles revissem a matéria para a prova. E nós procurávamos colocar algum exercício da lista ou mesmo parecido na prova para beneficiar aqueles que se debruçavam na lista de exercícios. Era basicamente uma avaliação do lado somativo em cima das provas. Do lado da avaliação de um modo geral, eu olhava aqueles alunos que estavam sempre presentes, os
16 Acervo CT –UFES – Programas de Disciplinas “Seriado” 1971 a 1973
que participavam mais, e aí estar aferindo isso também na hora de avaliar. (Profa. Sad, depoente)
Encontrei algumas tentativas de questões vinculadas à aplicação, no final
da década de 80, mas que considero tímidas, como nessa prova de Cálculo I:
- Prova de Cálculo I (1985) – Enuncie e interprete geometricamente o
teorema de valor médio.
- Prova de Cálculo I (1989) – Um sitiante deve cercar um terreno com forma
de um setor circular. Ele dispõe de 360m para cercá-lo, dando 3 (três) voltas. Qual
deve ser o raio do setor para que a área seja a maior possível? Qual é a área
máxima?
Na década de 90, já houve uma abertura maior, conforme este outro
depoimento da Profa. Lígia Sad, onde vemos uma preocupação maior com o
conhecimento do aluno e não somente com a retenção de conteúdos expostos pelo
professor.
Inclusive nas turmas depois de 1990, que já eram feitas atividades em grupo, era muito comum eu pegar alguns alunos melhores, digamos assim, mais desenvolvidos, e eles tornavam-se monitores dos outros. Essa era uma metodologia que nem sempre era bem vista por outros professores, mas que funcionava. (Profa. Lígia Sad, depoente)
Esta preocupação era presente na prática de alguns professores, não
constituindo regra geral, como nos mostra a Avaliação Institucional do Centro
Tecnológico feita pela UFES em 1995, em que
os aspectos percebidos como mais problemáticos na avaliação são: ‘medidas que ajudam a prevenir a ansiedade estudantil na avaliação’, ‘identificação continuada do progresso dos estudantes através de formas de avaliação que não sejam provas e testes’ e ‘variedade de instrumentos de avaliação utilizados’, vistos respectivamente por 70%, 55% e 50% dos alunos, atendidos, no máximo, de forma restrita.
Ilustração 21. Prova de Cálculo de 1957
CAPÍTULO 7
A PRÁTICA DE SALA DE AULA
A partir dos relatos encontrados em Montenegro (1995) acerca da escola de
Engenharia de Pernambuco e a partir das entrevistas, considerando as atitudes17 do
professor perante a turma; como o professor propunha os exercícios das disciplinas
matemáticas, se fazia ou não alguma ligação ou referência com as disciplinas
técnicas; se o professor permitia ou não atividades em grupo, ou se as aulas eram
preferencialmente expositivas; se os educandos tinham ou não voz em sala; se no
decorrer do período analisado, analiso se estas práticas modificaram-se em
decorrência do momento político vivido, por motivos pessoais, ou não se
modificaram.
Verifiquei que no final da década de 1960, início da década de 1970 existia
uma disciplina bem rígida, não sendo permitidas conversas durante a exposição do
professor. Vejo esta postura no depoimento de um engenheiro e professor de
Pernambuco (Montenegro, 1995) da década de 60, Ivan de Albuquerque Loureiro ao
relatar sua prática de sala de aula, assumindo sua postura severa, dizendo que ele
era um professor muito exigente. Todo professor de matemática os alunos achavam exigente. Eles reclamavam, eu dizia: ‘Pode reclamar, meu filho, pode reclamar à vontade, mas você só vai passar se fizer a prova certa, não adianta falar, falar, falar, se você não resolver as questões você não vai passar. Não tem conversa’. Sempre o meu regime foi esse. (Montenegro, 1995, p. 156)
Outro depoimento que confirma essa postura austera é o do professor
Arlindo José Pontual, que ingressou na Faculdade de Pernambuco como professor
em 1954 e relata a prática de um professor e da sua própria quando conta que
nós tínhamos o professor Newton da Silva Maia, que era um homem austero, justo, cumpridor de seus deveres, o maior didata que conheci até hoje, sem nenhum exagero. Se alguém fotografasse o quadro negro, em todas as aulas dele, teria um
17 Não é de meu interesse aprofundar-me em conceituações acerca de comportamento e atitude,
então estou considerando aqui o que foi citado nas entrevistas, a respeito do professor, como por
exemplo: com o professor “X”, não se podia conversar.; o professor “Y” era muito severo.
livro do curso que ele dava. Copiei todas as aulas de cálculo integral, e ele fez a revisão, principalmente do português. Dr. Newton era um homem que, quando examinava oralmente um aluno, procurava descobrir, procurava saber o que o aluno sabia[...] Passei a ensinar na Escola de Engenharia e, já naquela época, usava o método de dar aula de pé. Começava a escrever no canto esquerdo, em cima, no quadro-negro, que passou a ser verde, e ia descendo até terminar no canto direito em baixo. Eu me movimentava bastante, modificando o timbre da voz e a altura. De modo que o aluno, ora estava fazendo um esforço para me ouvir, ora estava me ouvindo com vontade de tapar os ouvidos. E isso movimentava a aula. (id. p. 76)
Ilustração 22. Caderno de Aluno da Profª. Fayet década de 60.
As aulas eram baseadas em explanação e exercícios, não havendo
discussão a respeito de aplicações práticas, como vemos no depoimento da profa.
Fayet quando diz que as “aulas práticas eu sempre caprichei... eu dava exercícios
longos, porque eu achava que o aluno tinha que desenvolver a atenção” (Profª
Mirtha Fayet, depoente).
Analisando o depoimento dos professores, uma coisa que chama a atenção,
embora as aulas fossem teóricas e avaliações do tipo exame, é que os professores
tinham preocupação com o desenvolvimento dos alunos e com a aplicação da sua
disciplina. Isto é percebido no depoimento da Profa. Lígia Sad, quando diz que os
professores da época tinham a “metodologia de passar no quadro toda a teoria,
todos os exercícios, e os alunos estarem ali junto, trabalhando, embora eu prezasse
muito atividades feitas em grupo”. O Prof. Geraldo Sisquini também em seu
depoimento apresenta postura semelhante e relata que “quando você está dando
uma aula que requer mais tempo, você interfere onde tiver mais dificuldade, você
procura pegar exercícios mais pontuais, para cobrir aquela lacuna. Isso aí eu
sempre fiz nas matérias que eu dei aula”. Também a Profª. Mirtha Fayet conta que
nas minhas aulas, não só práticas, mas em todas, é que eu acho uma presunção de qualquer professor, de qualquer pessoa achar que está ensinando, está desenvolvendo um aluno. Ele tem é que despertar no aluno o interesse de realmente fazer o melhor por ele que é estudar, ler, se aperfeiçoar. Claro que a gente tem que ensinar alguma coisa, mas se não despertar isto, é uma tolice você pensar que em uma aula você vai desenvolver aqueles conhecimentos, ainda mais matemática que eu reputo uma matéria facílima, que você entende, mas não apreende, para aprender, você tem que fazer exercícios, tem que ter reflexões, o que nem todo mundo faz, aí ela se torna difícil, agora ela é fácil na hora que ela é exposta, porque ela é muito lógica. Então aquilo é banal, é fácil. (Fayet, depoente)
Outro fato marcante refere-se aos horários, não sendo permitido que os
alunos tivessem acesso às salas após o horário (alguns professores trancavam,
inclusive, as salas). Não havia praticamente nenhuma atividade de grupo. O
conteúdo era exposto em quadro negro e em seguida faziam-se exercícios para
“fixação”. Concluo, pelas fontes analisadas, que esta era uma prática adotada no
país e isto teve um impacto muito forte no fazer de professores e alunos.
Este comportamento começa e modificar-se, porém não muito nas décadas
de 70 e 80, após a reforma universitária promovida pela Lei 5.540/68, quando
aparecem os professores substitutos e a disciplina foi ficando menos rígida, e alguns
professores adotaram atitudes mais liberais, porém não havendo na UFES diretriz
neste sentido. Ilustro esta idéia com o depoimento da Profa. Lígia Sad contando
sobre sua prática de sala de aula. Ela relata a evolução desta prática ao longo do
período pesquisado, começando
no final da década de 70 e na década de 80 também, quando eu comecei a dar aula, era muito espelhado naquilo que os meus professores tinham feito. Era uma metodologia como a gente chama do tipo “cuspe e giz”, em que nós tínhamos salas - principalmente da engenharia - muito cheias, com 45 (quarenta e cinco) a 50 (cinqüenta) alunos, e nós tínhamos esta metodologia de passar no quadro toda a teoria, todos os exercícios, e os alunos estarem ali junto, trabalhando, embora eu prezasse muito atividades feitas em grupo. Isso começou já na década de 90, um pouco, quando eu me dediquei, principalmente quando eu voltei do doutorado, que eu já tinha aquelas técnicas mais ligadas à parte da didática e os alunos faziam mais atividades em grupo. Mas no final da década de 70 e década de 80, eram mesmo aulas mais expositivas, com perguntas sempre dos alunos, nunca deixei de dar voz ao aluno, ele podia perguntar quando quisesse, tinha toda a abertura para isso. Interrompia a aula. Estou falando isso, porque muitos professores nem isso admitiam. (Profa. Sad, depoente)
Na década de 1980 e 1990, houve portanto um relaxamento, por assim
dizer desta disciplina rígida, como conta ainda a Profa. Lígia Sad que ainda era
“muito rígida essa questão de horário. Alguns professores até fechavam a porta para
o aluno não entrar fora de hora. Mas eu não, não cheguei a fazer nada disso e nem
essa questão do aluno não poder falar. Podia falar, levantar, perguntar...”, e o Prof.
Geraldo Sisquini, que relata que havia um colega que “gostava muito de ficar
conversando. Conversava sobre um assunto que não tem nada a ver com a matéria”
e aqui aparece a questão política como fator influenciador na prática da sala de aula,
porque segundo o Prof. Geraldo Sisquini,
tinha época que o pessoal tinha problemas políticos maiores, discutia às vezes algumas coisas em sala de aula, mas eu nunca gostei muito de misturar essas coisas em sala de aula não. Ficar conversando sobre assuntos filosóficos, políticos, sociais em sala de aula. (Prof. Sisquini, depoente)
Percebe-se que a prática, nesta década ficava mesmo por conta do
professor, não havendo um rigor acentuado como nos primeiros anos do período
analisado, mas também não havendo a ausência de disciplina.
A década de 1990 e 2000, com a expansão das universidades e
presentemente com políticas que fomentam a popularização do ensino universitário,
percebo que a disciplina volta a preocupar, pois os alunos chegam muito cedo e por
vezes imaturos à universidade, e os professores vêem-se às voltas com essas
questões. A utilização cada vez maior de recursos tecnológicos como diz o Eng.
Áureo, “porque os computadores apareceram, porque as coisas estão vindo mais
mastigadas, porque antes você usava régua de cálculo, depois passou para a HP e
agora um mega-notebook”. O uso de tecnologia força a uma modificação de atitude,
no que se refere à forma de discutir o conteúdo, havendo mais atividades de grupo,
mais diálogo em sala e uma postura mais de orientador do que de transmissor, por
parte do professor, e também a busca por novas formas de ensinar a matemática
nos cursos de engenharia e superiores de forma geral como mostram pesquisas
recentes (Cury, 2004) como, por exemplo, as que estão sendo feitas sobre
modelagem matemática, computação algébrica, sistemas digitais, tecnologias
síncronas e assíncronas, computadores, enfim, novos horizontes estão sendo
buscados para a melhoria do ensino e aprendizagem da matemática.
Ilustração 23. Caderno de Aluno da Profa. Mirtha Fayet década de 60.
CAPÍTULO 8
MATERIAL DIDÁTICO
No início do período delimitado, verificamos pequena quantidade de livros
didáticos. O material didático restringia-se ao que o professor escrevia no quadro,
como diz este depoimento do Eng. Pontual18 (Montenegro, 1975, p. 76), falando
sobre o Prof. Nilton Maia, que “se alguém fotografasse o quadro negro, em todas as
aulas dele, teria um livro do curso que ele dava”.
Na UFES encontrei material didático confeccionado por professores e
inclusive na Bibliografia da disciplina Estatística de 1974 era sugerida a apostila do
Centro Tecnológico. Encontramos no acervo da Escola Politécnica apostilas
confeccionadas por professores, como a de Tabelas de Mecânica Aplicada que
contém tipos usuais de rolamento; espécies de máquinas e vida dos equipamentos;
natureza das vias; seleção de correias U de acordo com as condições de serviço;
etc. Essas apostilas eram datilografadas, e há mais de um exemplar desta na
biblioteca. Encontrei também uma apostila de Economia e Matemática Financeira,
do Prof. Zorzanelli19, de 1967, com as mesmas características.
Foi na década de 70 que começaram a ser usados mais sistematicamente
livros como material didático. E estes, eram em sua grande maioria estrangeiros,
traduzidos ou não. A Profa. Lígia Sad, em sua entrevista nos conta que “desde 1976
nós tínhamos livro-texto”, época em que inicia sua prática didática e diz que sempre
adotava livro didático.
18 Arlindo José Pontual, um dos depoentes de Montenegro (2005) 19 Arildo Zorzanelli, um dos depoentes do livro de Montenrgro (2005)
Analisando as ementas das disciplinas, selecionei, quando possível um livro
de cada disciplina em cada década. A partir da sua referência, procurei o livro na
Biblioteca e analisei-o, verificando os seguintes aspectos:
- disciplina em que é referenciado;
- língua de origem;
- língua de publicação;
- ano de publicação da primeira edição;
- número de exemplares na biblioteca (aqui gostaria de esclarecer, que este
número refere-se ao que pude verificar pessoalmente, não considerando possíveis
exemplares emprestados);
- a presença ou não de referência à engenharia na introdução do livro ou
prefácio;
- a presença ou não de referência à engenharia nos exercícios do livro.
Para realizar esta análise montei um quadro de significados (ANEXO V) e
em seguida, os livros analisados, considerando as décadas. Quando encontrado
mais de um exemplar no acervo, utilizei os seguintes critérios para escolher o
exemplar a ser analisado:
- mais antigo;
- possuidor do carimbo da escola politécnica;
- publicado em português.
Na década de 60-70, nas disciplinas Cálculo II, Cálculo Diferencial e
Integral e Geometria Analítica não aparece nenhuma referência bibliográfica na
ementa. Algumas disciplinas possuíam bibliografia sugerida, embora não explicitado
como material didático obrigatório. Utilizei esta bibliografia como base de pesquisa
na Biblioteca para análise dos livros. Segue quadro abaixo com as disciplinas e suas
bibliografias:
Disciplina Livro
Cálculo Dif e Int Não tem ref.
Cálculo II Não tem ref.
Cálculo III Curso de Cálculo Integral – Pablo Miguel y Merino (*)
Cálculo Vetorial Cálculo Vectorial – Bento de Jesus Caraça (*)
Cálculo Numérico
Handbook of Mathematical Functions – Abramowitz e Stegun Introduction to Numerical Analysis – Carl Erik Froberg (*) Introdução ao Cálculo Científico – Giulio Massarani(*) Cálculo numérico : aproximações, interpolação, diferenças finitas, integração numérica e ajustamento de curvas – William Edmund Milne(*)
Estatística Estatística - Murray Ralph Spiegel Geometria Analítica e Álgebra Linear Não tem ref. Quadro 7. Disciplinas das décadas de 1960 e 1970 e bibliografia sugerida
(*) Livro Analisado.
Na década de 1980, só tive acesso a poucas ementas, pois não havia no
arquivo da Politécnica e no departamento de matemática, este período não está
digitalizado, estando os documentos em papel e de difícil acesso. Como as que
consegui não se referem às mesmas disciplinas, não é possível concluir a
permanência ou não dos mesmos livros.
Quadro 8. Disciplinas da década de 80 e bibliografia sugerida
(*) Livro Analisado. (**) Livro não encontrado no acervo da Biblioteca Central da UFES.
Disciplina Livro
Álgebra Linear
Álgebra Linear – José Luiz Boldrini (**) Álgebra Linear – Seymour Lipschutz (**) Álgebra Linear – Anton Howard
Cálculo I
Cálculo com Geometria Analítica - Earl William Swokowski (*) O Cálculo com Geometria Analítica – Louis Leithold (*) Cálculo 1: funções de uma variável – Geraldo Ávila (*)
Geometria Analítica e Álgebra Linear
Elementos de Geometria Analítica – Nikolay Efimov (*) Problemas de Geometria Analítica – D. Kletenik(*) Geometria Analítica: com uma introdução ao calculo vetorial e matrizes – David C. Murdoch (*)
Nas décadas de 1990 e 2000 permanece o livro de Boldrini20 para a Álgebra
Linear, embora não tenha encontrado nenhum exemplar no acervo disponível para
análise. No Cálculo I notamos modificação nos livros, com exceção do Swokowski21,
que era utilizado no Cálculo I e depois passou a ser utilizado no Cálculo II. Na
Geometria Analítica permanece o livro de Kletenik22.
Disciplina Livro
Álgebra Linear Álgebra Linear – José Luiz Boldrini (**)
Álgebra linear e suas aplicações – David C. Lay
Cálculo I Cálculo – George Brinton Thomas
Cálculo II Cálculo com Geometria Analítica - Earl William
Swokowski (*)
Cálculo III
Cálculo e Geometria Analítica – George Brinton Thomas Equações diferenciais elementares e problemas de valores de contorno - William E. Boyce & Richard C.
DiPrima
Geometria Analítica e Álgebra Linear
Geometria analítica : um tratamento vetorial – Paulo Boulos
Problemas de Geometria Analítica – D. Kletenik(*) Vetores e matrizes – Nathan Moreira dos Santos (*)
Quadro 9. Disciplinas da década de 1990 e 2000 e bibliografia sugerida (*) Livro Analisado. (**) Livro não encontrado no acervo da Biblioteca Central da UFES.
Os detalhes dos livros analisados (Anexo VII), encontram-se nos quadros de
significado. Desta análise posso concluir que dos 13 livros analisados:
� Cinco foram publicados na década de 1960, quatro na década de 1970 e
quatro na década de 1980, e desses, quatro tiveram sua primeira edição na
década de 1960, um na década de 1950, três na década de 1930 e 1940 e
um no século passado, o que me leva a concluir que não houve mudança
significativa no material didático em termos de bibliografia de referência;
20 Refere-se ao livro de Álgebra Linear de José Luiz Boldrini 21 Refere-se ao livro Cálculo com Geometria Analítica de Earl William Swokowski 22 Refere-se ao livro Problemas de Geometria Analítica de D. Kletenik
� Os livros adotados eram do início do século XX, ou até mesmo do século
XIX, como o de Milne para Cálculo Numérico (Milne, William Edmund.
Cálculo Numérico: aproximações, interpolação, diferenças finitas, integração
numérica e ajustamento de curvas), cuja segunda edição data de 1850 e
que traz em seu prefácio, como objetivo, “preencher o vazio que existe entre
a matemática de sala de aula e as aplicações numéricas”, mas que em seus
exemplos e exercícios se voltam para a aplicação da matemática para a
matemática, não havendo contextualização para a engenharia.
� a maioria dos livros teve sua edição original Inglês (sete), tendo outros três
em Português, dois em Francês e um em Espanhol, o que considero objeto
de pesquisas mais detalhadas, pois se as nossas Escola Politécnicas
tiveram suas bases nas da Europa, seria interessante pesquisar pela
biografia dos autores se a origem era americana ou européia;
� a maioria dos livros (onze) foi traduzida para o Português, o que não me
surpreende, visto que nos depoimentos não há comentários sobre a
necessidade de se saber outras línguas;
� a maioria dos livros não possui o carimbo da Escola Politécnica, o que
também não me surpreende, pois embora não tenha analisado, tive acesso
a uma lista de cerca de cem livros sugeridos para compra pelo
departamento de engenharia mecânica e que foram em quase sua
totalidade adquiridos pela UFES e desses, grande número possui o carimbo
da politécnica, porém não foram adotados formalmente (em ementas) como
referência pelos professores do departamento de matemática;
� embora a maioria dos livros faça referência (oito) à aplicações na área
técnica, não trazem exemplos e exercícios com contextos de problemas
encontrados na prática dos engenheiros (dez) e os que trazem algum
exemplo contextualizado (três), estão voltados para a física. No quadro 10
abaixo seguem alguns dos exemplos encontrados nas referências:
Livro Exemplos na Referência Curso de Cálculo Integral de Pablo Miguel y Merino
1ª. parte do curso de cálculo diferencial e integral que se ministra nesta universidade [...]
Introdução ao Cálculo Científico de Giulio Massarani
A finalidade deste livro é apresentar os fundamentos empregados em Cálculo Numérico. Destina-se aos alunos das Escolas Superiores que tenham tido o primeiro curso de Cálculo e de Equações Diferenciais Ordinárias.
O Cálculo com Geometria Analítica de Louis Leithold
[...] para curso de Cálculo a nível universitário.
Cálculo Diferencial e Integral de R. Courant
Esta obra se destina a todo aquele que, tendo concluído um curso ordinário de matemática secundária, deseja dedicar-se ao estudo da matemática ou suas aplicações à engenharia, quer se trate de estudos universitários ou de escolas técnicas, quer se professores ou engenheiros.
Cálculo Numérico de William Edmund Milne
O objetivo deste livro é ajudar a preencher o vazio que existe entre a matemática de sala de aula e as aplicações numéricas.
Quadro 10 – Referências sobre a aplicação da matemática nos livros pesquisados.
CAPÍTULO 9
CONCLUSÕES
A pesquisa traz material para várias conclusões. Divido aqui as conclusões
por tópicos conforme foram os capítulos.
9.1 – CURRICULO
No início do período pesquisado, verificamos que o curso de engenharia
mecânica foi criado para atender o mercado de trabalho. As matemáticas eram a
base do Ciclo Básico do currículo e isto permanece durante todo o período
analisado. A forma como são ministradas e por quem é que considero motivo de
discussão.
A importância da matemática na engenharia é indiscutível, mas apesar das
modificações e também das permanências que ocorreram no período estudado,
ainda há muito a fazer para se chegar às matemáticas ideais para a engenharia. Ou
talvez à forma ideal de se trabalhar com elas nos cursos de engenharia, campo este
vasto para nós, pesquisadores da educação.
No início do período, as disciplinas de matemática eram ministradas por
engenheiros (Montenegro, 1995) e pelos depoimentos a que tive acesso, eram mais
contextualizadas para as aplicações da engenharia porque eles se utilizavam mais
de exemplos de sua prática profissional.
Depois da reforma de 1968, que se refletiu aqui em 70/71, em que houve a
departamentalização, as disciplinas de matemática passaram a ser ministradas por
docentes licenciados em matemática. Além disso apareceu a figura do professor
substituto que na opinião de alguns dos entrevistados não possuía bagagem
suficiente em engenharia e isto permanece assim até hoje.
9.2 – AVALIAÇÕES
Existem vários pesquisadores tratando deste assunto como Soares, Cury e
Luckesi e me considero otimista em relação ao futuro. Espero que as avaliações
aconteçam visando à produção de conhecimento e não somente classificação como
ainda está ocorrendo, embora reconheça que o caminho a ser percorrido ainda seja
longo e difícil.
No início do período delimitado, as avaliações eram descritivas, o que se
mantém até o final, baseadas em conhecimento específico e voltadas mais para a
matemática em si do que para as suas aplicações, o que está sendo aos poucos
modificado, pois hoje (com a reforma de 2006) já se aproximou as disciplinas
básicas das técnicas e estão ocorrendo mudanças nesse sentido.
Havia no início do período um rigor maior que hoje em termos de critérios de
correção de prova, e até mesmo de elaboração. Prevalecia a visão que o curso de
engenharia era difícil e quanto mais difícil fosse a prova, melhor era o professor. Os
índices de reprovação eram altos. Hoje o rigor diminuiu um pouco com relação à
postura do professor, mas continuam existindo provas e sendo estas descritivas e os
índices de reprovação ainda estão altos. O professor está mais aberto a rever as
provas e a discutir as respostas dos alunos. Mas ainda estamos longe de praticar a
avaliação segundo Luckesi (2005). O ensino de engenharia ainda é tido como difícil
e bem técnico.
9.3 – PRÁTICA DE SALA DE AULA
Nas entrevistas com os professores e ex-alunos verifiquei que na prática
cotidiana das disciplinas de matemática no curso de Engenharia Mecânica na UFES
em todo o período delimitado, ocorre com mais freqüência até os dias de hoje o que
Luckesi chama de exame e muito pouco de avaliação, diagnóstico, tomada de
decisão, ações visando não uma aprovação/reprovação, mas sim a aprendizagem.
A prática dos professores em sala de aula, mudou em relação à rigidez de
disciplina, pois no início do período quase não se podia conversar em sala. Hoje o
diálogo é uma prática mais comum entre os professores e alunos. Há a utilização de
outros recursos auxiliares como os laboratórios e os computadores. Há trabalhos em
grupo e apresentações.
É necessário cada vez mais uma atitude crítica e o verbo relacionar fica
cada vez mais forte. O estudante assim como o engenheiro deve aprender a
relacionar os conteúdos matemáticos com as situações reais que se apresentam. É
preciso relacionar-se com aqueles com os quais estuda, trabalha ou gerencia e
também relacionar as novas tecnologias com os conteúdos matemáticos e com a
solução dos problemas. O foco do ensino-aprendizagem deve que mudar para do
“ensinar”, para o “ensinar a aprender” e neste caso, o professor também deve mudar
o seu comportamento para capacitar os alunos a resolverem problemas. (Cury,
2001) Mas existem desafios a serem vencidos pelos professores como a construção
de estratégias de aprendizagem que promovam o desenvolvimento autônomo dos
educandos e do seu próprio. (Soares, Lima e Sauer, 2004)
Segundo pesquisas recentes (Soares, Lima e Sauer, 2004), a aula de
matemática ainda é feita de explicação e exercícios exaustivos, ou seja, mera busca
de modelos para resolução de problemas. Isto encontro durante todo o período
pesquisado. As autoras propõem utilização de recursos metodológicos tais como:
trabalho em grupo; valorização da comunicação através da explanação dos recursos
e métodos utilizados para resolução de problemas; análise de erros; auto-avaliação
e incentivo à reflexão.
A utilização das novas tecnologias está ainda distante das salas de aula. A
própria informática está ainda tímida na UFES. Assim, a prática de sala de aula fica
muito teórica e distante da realidade que o engenheiro encontra no mercado de
trabalho.
9.4 – MATERIAL DIDÁTICO
No início do período, como não havia quase nenhum livro, o material didático
era basicamente composto de apostilas confeccionadas pelos próprios professores.
O professor escrevia o conteúdo no quadro negro e os alunos copiavam.
Verifiquei durante todo o período pesquisado e se mantém ainda hoje
bibliografia deficiente na aplicação da matemática para a Engenharia (Biembengut,
1997). Os livros sugeridos na UFES até hoje são os das décadas de 1960 a 1980 e
encontrei um do século XIX.
Penso que é necessário pesquisar mais profundamente este assunto, é
necessário minimizar as dificuldades do ensino da matemática nos cursos de
engenharia, melhorar significativamente o material didático que se encontra tão
deficiente de aplicações.
9.5 – CONCLUSÕES FINAIS
Percebo que as evoluções que estão ocorrendo no mundo e no Brasil com
relação ao ensino da matemática (Cury, 2004), ainda não estão se refletindo na
UFES, o que imagino que ainda irá ocorrer.
Existem muitas dificuldades a serem vencidas como por exemplo:
aplicabilidade das disciplinas de matemática nas disciplinas técnicas; altos índices
de reprovação; alta rotatividade dos professores; falta de conexão entre as próprias
disciplinas de matemática como Cálculo, Álgebra e Geometria.
Como pude constatar na avaliação institucional de 1995 e também nos
depoimentos, ainda há muito descontentamento com relação ao ensino das
disciplinas matemáticas no currículo de engenharia.
O vasto período analisado e as análises feitas não foram muito profundas, em
função do tempo e do material encontrado, mas são quarenta anos e anos estes de
mudanças políticas, sociais, tecnológicas. As mudanças encontradas na pesquisa
foram menores que as permanências, para um período tão extenso. Há ainda um
longo caminho a se trilhar neste campo.
Longe de ter a pretensão de julgar ou concluir, fico mais à vontade para
deixar aqui em aberto espaço para maiores questionamentos e pesquisas, e mais
ainda, muito, muito trabalho.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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2005.
BARBOSA, Jonei Cerqueira. Modelagem matemática em cursos para não-
matemáticos. In: CURY, Helena Noronha (org.). Disciplinas matemáticas em
cursos superiores: reflexões, relatos, propostas. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2004.
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MONTENEGRO, Antônio Torres, SIQUEIRA, Antônio Jorge de. (Compilado).
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ANEXO I
Roteiro de perguntas utilizado para realização das entrevistas com os
professores do Departamento de Matemática da Universidade Federal do
Espírito Santo
Identificação da Pesquisa: Esta pesquisa tem como objetivo obter informações
para caracterizar a relação entre as disciplinas matemáticas e as disciplinas técnicas
da grade curricular do curso de engenharia mecânica da UFES. Assim, esperamos
obter o máximo de informações possíveis. Esses dados serão gravados e
transcritos. As informações aqui registradas, serão utilizadas apenas pelo
entrevistador e orientadora. (Será solicitada permissão para utilização do gravador).
Identificação do Informante:
Formação acadêmica:
Cursos de extensão/pós graduação:
Experiência profissional:
Atividades acadêmicas:
Atividades em empresas:
Outras:
Roteiro de Perguntas:
1) Quais disciplinas de matemática que ministra(ou) para os estudantes
engenheiros?
2) Faz(ia) uso de algum livro-texto? Utilizava ou sugeria algum livro que se encontra
nesta lista?
3) Fale um pouco sobre a sua prática de sala de aula. Que metodologia utilizava?
Como fazia as avaliações?
4) Participou de alguma modificação de currículo que teve impacto nas matérias que
lecionava para a engenharia? Fale um pouco sobre isso.
ANEXO II
Roteiro de perguntas utilizado para realização das entrevistas com os
professores do Departamento de Engenharia Mecânica da UFES.
Identificação da Pesquisa: Esta pesquisa tem como objetivo obter informações
para caracterizar a relação entre as disciplinas matemáticas e as disciplinas técnicas
da grade curricular do curso de engenharia mecânica da UFES. Assim, esperamos
obter o máximo de informações possíveis. Esses dados serão gravados e
transcritos. As informações aqui registradas serão utilizadas apenas pelo
entrevistador e orientadora. (Será solicitada permissão para utilização do gravador).
Identificação do Informante:
Formação acadêmica:
Cursos de graduação, extensão/pós graduação, ano em que se formou:
Atuou como engenheiro em alguma empresa? Qual(is) e por quanto tempo?:
Roteiro de Perguntas:
1) Quais disciplinas ministra(ou) na engenharia mecânica?
2) Quais conteúdos matemáticos considera essenciais para o ensino-aprendizagem
das suas disciplinas?
3) Participou de alguma modificação na grade curricular do curso de engenharia
referente às matérias de matemática? Fale um pouco sobre isso.
4) Quais conteúdos matemáticos utilizava nos exemplos em sala de aula e nas
avaliações?
5) Fale um pouco sobre sua prática de sala de aula. Que metodologia utilizava?
Como fazia as avaliações?
ANEXO III
Roteiro de perguntas utilizado para realização das entrevistas com alunos já
formados engenharia mecânica na Universidade Federal do Espírito Santo
Identificação da Pesquisa: Esta pesquisa tem como objetivo obter informações
para caracterizar a relação entre as disciplinas matemáticas e as disciplinas técnicas
da grade curricular do curso de engenharia mecânica da UFES. Assim, esperamos
obter o máximo de informações possíveis. Esses dados serão gravados e
transcritos. As informações aqui registradas serão utilizadas apenas pelo
entrevistador e orientadora. (Será solicitada permissão para utilização do gravador).
Identificação do Informante:
Quando se formou em Engenharia Mecânica na UFES?
Roteiro de Perguntas:
1. Quais disciplinas de matemática cursou na engenharia mecânica?
2. Quais os professores ministraram estas disciplinas?
3. Lembra se havia algum livro-texto ou bibliografia sugerida pelos professores
relativos à matemática?
4. Como eram as avaliações desses professores?
5. Como era a prática dos professores em sala de aula?
ANEXO IV
CESSÃO DE DIREITOS SOBRE DEPOIMENTO ORAL
PARA A UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
1. Pelo presente documento,
..................................................................................(nome),
...................................................(nacionalidade), .........................................(estado
civil), carteira de identidade nº ......................emitida por
..........................................................., CPF nº............................................., residente
e domiciliado em ....................................... ...............................................................
cede e transfere neste ato, gratuitamente, em caráter universal e definitivo à
Universidade Federal do Espírito Santo a totalidade de seus direitos patrimoniais de
autor sobre o depoimento oral prestado no dia ......../........./2007, na cidade de
......................................, perante a pesquisadora Luana Poltronieri de Souza.
2. Na forma preconizada pela legislação nacional e pelas convenções internacionais
de que o Brasil é signatário, o DEPOENTE, proprietário originário do depoimento de
que trata este termo, terá, indefinidamente, o direito ao exercício pleno dos seus
direitos morais sobre o referido depoimento, de sorte que sempre terá seu nome
citado por ocasião de qualquer utilização.
3. Fica pois, a Universidade Federal do Espírito Santo plenamente autorizada a
utilizar o referido depoimento, no todo ou em parte, editado ou integral, inclusive
cedendo seus direitos a terceiros, no Brasil e/ou exterior.
Sendo esta forma legítima e eficaz que representa legalmente os nossos interesses,
assinam o presente documento em 02 (duas) vias de igual teor e para um só efeito.
Vitória, ......../........./2007
______________________________ __________________________________
Entrevistado Luana Poltronieri de Souza
Pesquisadora da UFES
ANEXO V
QUADRO DE SIGNIFICADOS PARA ANÁLISE DOS LIVROS
Título:
Autor:
Disciplina:
Ano publicação:
Edição:
Língua de Origem:
Língua de Publicação: Número de Exemplares:
Tem carimbo da Escola Politécnica?
Referência na Biblioteca UFES:
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio?
Traz alguma referência à engenharia no sumário?
Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios?
Observações adicionais:
ANEXO VI
ENTREVISTA COM ENGENHEIROS EX-ALUNOS DA UFES
Aureo Machado Neto(AN) da Aracruz Celulose na área de Engenharia, no dia
12/03/2007 na Aracruz Celulose, em uma sala de reunião.
LP –Áureo, fale um pouco sobre sua formação acadêmica.
AN – Antes de tudo eu sou capixaba de Castelo, me formei na UFES, passei no
vestibular em 1975. Este foi o último ano em que a gente fazia engenharia e definia
a especialização em Mecânica, Elétrica ou Civil a partir do 4º período. Acabou
mudando e no segundo período me forçaram a decidir, embora eu já estivesse
decidido desde que era criancinha, que queria ser engenheiro mecânico e acabou.
Se não fosse engenheiro mecânico, seria mecânico ou qualquer coisa deste tipo. Eu
me formei na UFES em 1980/2. Minha vida acadêmica em termos de faculdade foi
sempre muito simples. Na minha cabeça eu sempre quis fazer faculdade e aprender
alguma coisa de engenharia mecânica, que é uma coisa que eu sempre gostei. Meu
pai é mecânico, dono de uma oficina de máquinas pesadas de pedreira, essas
coisas lá do interior (de Castelo) e eu sempre gostei muito disso. Nunca gostei de
carro nem de caminhão. Mas dessa parte de mecânica pesada sempre gostei. Eu
sempre foquei muito essa parte de aprendizado prático. Tanto é que na verdade, na
verdade, gostar mesmo de matemática, nunca foi meu forte não. Aliás, nenhuma
dessas matérias que não fossem técnicas me entusiasmava muito. Eu gostava muito
mais da parte técnica, mais além de técnica... mais para o lado da prática. Daí a
grandes cálculos.... eu nunca gostei muito de trabalhar em engenharia focada em
projeto, então na minha época de faculdade eu procurava entender um pouco mais
das matérias que falavam de manutenção e isso naquela época – 1975 até 1980 –
não era o direcionador da faculdade. Tanto que a faculdade de engenharia mudou
no final dos anos 80, quando começaram a aparecer alguns cursos de extensão em
engenharia de manutenção. Algumas matérias tipo Lubrificação, com o professor
Márcio Gama e o Guilherme Laux, foram professores que começaram a focar um
pouco mais as necessidades que você tem do lado de fora. Eu ficava muito invocado
de ter que fazer uma série de cálculos e não entender as coisas práticas que
estavam acontecendo. Eu notava uma distância muito grande da faculdade para a
vida de uma empresa. Então eu tive muita dificuldade neste sentido. Não tive mais,
porque já comecei a fazer estágio no terceiro ano. Já comecei a me virar em
empresas pequenas onde eu tinha que fazer tudo. Então para mim foi muito mais
fácil. A parte mais difícil foi o primeiro e o segundo ano mesmo, digamos assim, não
que eu não me adaptava, mas eu não gostava muito. Nunca fui muito de estudar.
LP – De lá para cá, você fez algum curso de extensão?
AN – Não. A não ser dentro do negócio da Aracruz. Dentro do negócio da Aracruz
eu fiz.
LP – E a nível de trabalho, de atuação profissional. Você falou que fez estágio a
partir do terceiro ano e de lá para cá você já veio direto para a Aracruz?
AN – Meu histórico de trabalho...
LP – Pode falar rapidamente...
AN – Rapidamente, foi assim: nos últimos dois anos da faculdade eu fazia estágio
na Baterias Júpiter, uma fábrica de baterias que, cá entre nós, agradeço a Deus que
fechou, porque era muito ruim de bateria, era horrível. [risos] Depois eu voltei para
Castelo. Fui trabalhar na Mineração Nemer e era o responsável por reativar uma
empresa de moagem de pedra chamada Provale no município de Itaoca, mas eu
tinha muito pouca experiência, conhecia muito pouco. Foi quando surgiu a Aracruz.
A Aracruz chamou os formandos de 1980/2 para fazer prova, porque tinha vaga de
trainee. E eu não conhecia nem Aracruz (cidade), nunca tinha vindo aqui. E olha
como é que essas distâncias hoje são muito menores. É impossível você falar de um
estudante que não conheça a Aracruz. Eu tinha amigos que formaram junto comigo,
inclusive, que depois foram meus colegas aqui, que trabalharam aqui. E eles
falavam da Aracruz como uma distância enorme. Então eu vim para cá. Fiz a prova e
passei. Estou aqui há vinte e seis anos, faz em abril agora. A minha experiência
profissional é a Aracruz.
LP – E você entrou como trainee.
AN – Entrei como trainee.
LP – Na área de manutenção?
AN – Na área de manutenção. Naquela época você entrava para ser um trainee e já
era escolhido onde ficar. Só que o primeiro ano, você rodava em todas as áreas, por
todas as áreas entenda-se engenharia e manutenção. E eu comecei vindo para cá.
Meus primeiros seis meses foram na engenharia. Só que eu detestava fazer
desenho. Minha mão suava muito e naquela época você fazia desenho com régua T,
essas coisas, coisa velha mesmo.
LP – Eu trabalhei aqui de 1987 a 1994 e fiz muita coisa na mão.
AN – Você trabalhou onde?
LP – Na Diretoria Administrativa...
AN – Com quem?
LP – Na verdade o primeiro chefe que tive foi o Guilherme Batista.
AN – GBS.
LP – Isso. Fui para Suprimentos, depois fui para a DA (Diretoria Administrativa) e
fiquei com Zenóbio Zorzal, depois fui para a Florestal, que mudou para o Torre da
Praia...
AN – Isso.
LP – Depois fui para o Meio Ambiente, e o Meio Ambiente mudou para a fábrica.
AN – Eu também comecei naquela época na engenharia, mas nunca gostei, porque
eu gostava de fazer as coisas funcionarem.
LP – Você preferia a parte prática, mesmo.
AN – Sempre gostei muito de manutenção. E depois desses seis meses eu fui para
a manutenção. No início de 90, comecei com uma experiência aqui da Aracruz, fui o
primeiro engenheiro de manutenção a ser Coordenador de Área. Antigamente você
tinha engenheiro elétrico, engenheiro civil, engenheiro de instrumentação,
engenheiro de automação. Era tudo separado. Hoje você tem um gestor da área. O
engenheiro de operação, de manutenção é que faz tudo. Ele não tem tempo para
pensar, mas que faz, faz. [risos]
LP – Dá um jeito.
AN – É verdade, mas também sua função não requer que ele pense muito e sim
tome decisões rápidas.
LP – para resolver.
AN – e resolver o problema do momento.
LP – Essa parte muito me interessa. Porque a idéia é falarmos um pouco das
atividades que você foi desenvolvendo na área, como você falou, na parte da
engenharia trabalhava muito com desenho, embora não gostasse, gostaria de
trabalhar mais com a prática. E para fazer essa prática, aquilo que você aprendeu na
faculdade lhe ajudou?
AN – Está muito longe.
LP – Você acha que a matemática tem alguma influência, ou se você não tivesse
aprendido nada de matemática conseguiria fazer da mesma forma?
AN – Eu considero o seguinte: eu particularmente usei muito pouco matemática, a
matemática aplicada, derivada, integral, cálculo vetorial....
LP – Geometria analítica?
AN – Geometria analítica um pouco menos, mas a principal coisa que me ajudou
muito foi Geometria descritiva. Para mim foi a coisa mais interessante... o que abriu
a cabeça. Essa questão de pensar em três dimensões não é fácil. Eu tive muita
dificuldade no início e a faculdade ajudou, até porque eu fiquei reprovado na
matéria, fiz de novo e daquela vez eu aprendi. Eu comecei a carregar aramezinhos
para fazer isométrico, repartimento de linha de diedro “não sei das quantas” e
aprendi bastante com aquilo. A parte de cálculo propriamente dito, eu usei muito
pouco. E sinceramente, para o meu trabalho, principalmente voltado para
manutenção, a necessidade não foi tanta. Não senti falta. Na verdade, não é que
não senti falta e sim que não precisei muito O profissional que vai trabalhar numa
carreira técnica, necessariamente tem que saber mais coisas de engenharia pura do
que um gestor. Ele tem que saber calcular uma viga, tem que saber calcular um
balanço de produção, se ele vai projetar uma bomba, aí consequentemente ele tem
que saber toda a matemática aplicada na dinâmica de fluidos e tudo o mais. Já para
o gestor, esses requerimentos são menores. Para isto o seu conhecimento tem que
ser mais administrativo e de RH, pois ele vai gerenciar pessoas e trabalhos. Minha
vida profissional sempre foi gerenciar trabalho, de fazer, por exemplo, com que uma
parada de uma fábrica fosse feita no menor tempo possível, com o menor custo,
distribuindo os recursos nos seus corretos lugares... eu sempre trabalhei muito com
isso. Então, na hora que envolvia a técnica, ela era muito mais na prática do que
precisar fazer contas matemáticas.
LP – Quando precisava fazer uma conta, tinha alguém pra fazer...
AN – Aliás essa é uma das coisas que eu considero importante em qualquer
profissional, é saber pedir ajuda. E aí nesta hora, se dá melhor quem tem uma boa
agenda de telefones, agora já tem o celular, não precisa tanto da agenda, e quem
conhece as pessoas. Quem conhece o que as pessoas conhecem, não
necessariamente saber fazer o que as pessoas fazem. Ou seja, eu sei que aquele
profissional é bom nisso... Eu sempre gostei muito de trabalhar com Valter Lopes
que é um projetista mais experiente. Nunca tive dúvida... “-Valter, estou fazendo esta
tubulação, será que vai dar certo? eu não sei, acho que não vai dar certo... vamos
calcular?” E junto com ele calculávamos e chegávamos à melhor decisão.
LP – Ia mais na intuição, no empirismo.
AN – Eu ia na intuição e na experiência para fazer um projeto, por conta do que eu
achava certo. Mas eu nunca fiz sem calcular. Só que nem sempre eu fazia. Aliás,
raramente era eu que fazia. E hoje, cada vez mais, essas informações são
inerentes, elas estão no rótulo.... Ou ela vem com, digamos, uma receita de bolo
quase preparada ou ela já vem com o cara que vai fazer o cálculo “a tiracolo”. Se eu
estou gerenciando algum projeto eu não preciso fazer nenhuma conta, se aquela
viga passa, se não passa, se aquele projeto da base vai agüentar, se não vai
agüentar, não preciso fazer isso.
LP – Isso é terceirizado?
AN – Na maioria dos casos é terceirizado.
LP – Isso é feito no Brasil ou no exterior?
AN – Tanto faz, pois hoje já não existem distâncias com a internet. Geralmente o
detalhamento da engenharia é feito no Brasil, enquanto a engenharia básica vem
com o detentor da tecnologia como a Serenge em Vitória e a Poyry em São Paulo
que são empresas típicas de engenharia. Antigamente tínhamos poucos modelos
matemáticos e difícil acesso aos mesmos. Hoje tem centenas.Hoje calcular bases de
equipamentos, tais como bombas , motores etc, é muito mais simples e tem quase
tudo em programas de computadores com profissionais altamente entendidos no
assunto. Então, o que a gente faz? O engenheiro aqui na Aracruz trabalha muito
mais comprando e administrando esse serviço, o que eu considero uma coisa que
poucos sabem fazer. Administrar é mais difícil do que fazer... porque se eu estudar
um pouco sobre como fazer base aqui eu vou saber fazer, agora, tem muita gente
que pode estudar bastante sobre como gerenciar uma obra, ou qualquer coisa desse
tipo, e se ele não tiver habilidade para isso, se ele não souber traçar um
cronograma, fazer um planejamento, descobrir qual o caminho crítico do trabalho,
fazer sistemas de controle para atuar em cada ponto desses, não terá um bom
resultado. Então eu acho que a matemática para a engenharia, no caso do
gerenciamento, ela não precisa ser tão pesada assim... para mim ela não fez falta. E
eu confesso a você que não era bom em matemática não. Fiquei reprovado em
Cálculo I, Mecânica I, Física I... [risos]
LP – Probabilidade e Estatística.
AN – Também fiquei reprovado. Mas isso foi porque eu dei cola ´pra um colega meu
na época. [risos]
LP – Mas você acha que para o gerenciamento....
AN – É importante... eu diria que a probabilidade e estatística hoje está presente na
maioria dos programas que a gente tem.. Por exemplo, um colega que vai fazer um
sistema de manutenção preventiva ou preditiva precisa de conhecer e usar
estatística. Aliás, eu gosto muito de falar sobre manutenção preditiva e preventiva,
porque eu sempre achei que a manutenção preventiva é a manutenção preditiva no
futuro. Manutenção preventiva é quando se abre um equipamento periodicamente
mesmo que ele não apresente indícios de falha. A preditiva é quando você monitora
o equipamento e sabe quando ele começa a falhar, dando tempo assim de
programar sua recuperação. Acontece que a partir de inúmeras inspeções você
acaba criando um banco de dados, que permitirá determinar estatisticamente o
período em que haverá uma falha e assim poderá programar preventivamente a
manutenção daquela família de equipamentos. A Curva ABC, por exemplo, muita
gente conhece, mas pouca gente sabe aplicar e é uma das ferramentas mais
simples que existe no mundo da matemática e da estatística... pouca gente sabe
usar e se soubesse diminuiria com certeza o esforço que faz para resolver os
problemas. Se tudo for alta prioridade na sua casa e você ficar “buzinando” na
orelha da sua empregada o tempo todo, com certeza seu esforço será enorme para
conseguir resultados. Se você priorizar os assuntos, 20% de esforço(ou buzinadas)
serão suficientes para você obter 80% do resultado anteriormente obtido. Não é uma
boa relação de custo x benefício? Outro dia estava lendo um artigo muito antigo
sobre esse assunto, que me chamou a atenção: como o engenheiro usa pouco a
curva ABC e como ele se esforça tanto para fazer tão pouco.
LP – Penso que falta um pouco a formação administrativa para o engenheiro.
Porque eu fiz administração também e como é importante, porque curva ABC, você
aprende na administração. Você não aprende na engenharia.
AN – E eu vim aprender aqui.
LP – Nos cursos de gestão.
AN – Fiz “trocentos”23 deles: Análise de Problema Potencial, Grid... acho que tenho
uns três MBA’s24 nesse negócio sem ter o MBA. Fiz dois anos de curso em São
23 Palavra utilizada na linguagem coloquial significando muitos.
Paulo, toda semana e não tenho o MBA. Depois fiz um ano de curso aqui e não foi
considerado MBA. Se somarmos todos os meus cursos, deve dar uns três MBA, mas
não é considerado.
LP – Não tem o título.
AN – Eu acho que a formação do engenheiro hoje não pode vir dissociada de
disciplinas fundamentais tais como: administração, custos e economia. Sem ser Tio
Patinhas, tudo hoje gira em torno de dinheiro, no bom sentido... o camarada está
fazendo isso e pensa “quanto estou ganhando? Se eu não fizer isso aqui, quanto
estou ganhando?”... se você não souber quanto custa... e para saber quanto custa,
tem que montar seus modelos, montar suas tabelas, e consequentemente seus
controles. A maioria das funções dos nossos engenheiros é administrar, quer seja
obras ou operações e isto requer fundamentalmente o conhecimento e controle de
custos. Não é somente saber quanto custa e sim quanto vale. Em uma indústria nem
sempre o mais barato é o melhor negócio e portanto é fundamental para um
engenheiro conhecer o custo ao longo do tempo ou seja a relação custo x benefício
e a matemática financeira é a ferramenta mais eficaz para isto. Você não precisa
saber calcular o VPL ou TIR de uma determinada compra ou projeto, mas é
fundamental que saiba o que ela significa e sua importância na tomada de decisão.
Pode ser engenheiro ou o que quiser, mas tem que conhecer.
Hoje a necessidade do engenheiro que calcula(projetos) nas indústrias está sendo
cada vez menor. Porque os computadores apareceram, porque as coisas estão
vindo mais mastigadas, porque antes você usava régua de cálculo, depois passou
para a HP e agora um mega-notebook e se você estiver on-line você descobre
aquele negócio lá na Finlândia... então a matemática hoje não é que seja
desnecessária não, acho que ela está muito mais popular.
LP – Ela é necessária para quem faz esses programas...
AN – Isso sim... e aí esses caras nas empresas, não têm mais lugar, não têm tantas
coisas que precisam fazer. Na engenharia mesmo, só temos gestores de projeto,
não temos engenheiros. Temos alguns engenheiros químicos, que fazem balanço de
uma fábrica ou de uma operação, o que não é fácil, pois são muitas contas e
variáveis. Minha filha está fazendo engenharia química e um dia desses, me pegou
para ajudar a calcular um balanço de uma fábrica e eu disse: “- calma aí! sem
24 Sigla de Master of Business Administration que é o grau máximo conferido em Administração de Negócios.
ofensa, não dá ‘pra mim não. É muito complicado!” balanço químico, térmico, é
muito complicado.
Hoje eu acho que a necessidade dos engenheiros com relação à matemática, de
saber matemática e de saber como calcular está diminuindo porque o engenheiro
está sendo formado mais para ser gestor, do que para ser o engenheiro calculista...
mesmo os engenheiros que vão trabalhar em construção, em montagem, calculam
pouco. Como hoje está tudo concentrado no computador que tem um bilhão de
informações, um profissional dá conta do que antes precisava de vinte, trinta
engenheiros. Um cálculo de estabilidade de tubulação hoje, por exemplo, um
engenheiro faz isso num minuto a partir de um programa de computador.
Com inserção de alguns dados no programa ele consegue o desenho, a lista de
materiais, os suportes, etc. Alguém desenvolveu aquilo naturalmente... montou um
modelo matemático e pôs no computador. Eu diria que a matemática hoje está
sendo substituída por um dicionário de matemática ao mesmo tempo complexo, mas
com muito mais facilidade de usar. Uma coisa só eu gostaria de
complementar..sempre me perguntei: - Para quê a empresa me paga? O que ela
espera de mim? E sempre procurei dar o máximo possível nessa direção. Por que
estou falando isso? Porque tive dezenas de amigos, colegas de trabalho, que
adoravam informática. Eram gestores como eu e na hora que precisavam de
controlar alguma coisa ao invés comprar o programa , insistiam em desenvolvê-lo. E
eu sempre fui contra isso, porque você é pago para administrar uma determinada
área ou projeto e não para desenvolver os modelos matemáticos ou programas. Se
você perde tempo com este desenvolvimento, não será capaz de fazer o mais
importante , que é analisar os dados e tomar as decisões no momento certo. Cansei
de ver profissionais se perderem nesse ponto. Eles queriam ser gestores mas ao
mesmo tempo queriam fazer essas coisas, lá do fundo do baú... que no final das
contas lhes dava um prazer enorme.
LP – Vamos lembrar um pouquinho do curso de engenharia...
AN – Ih! Agora pegou, hein!
LP – Foi ontem...
AN – Ô! [risos] Pegou fundo agora, hein! [muitos risos]
LP – Quando estávamos lá fazendo mecânica dos fluidos, termodinâmica, aquelas
coisas todas, naquele momento, aquilo que você aprendeu na matemática você
acha que foi importante? Reformulando... sem aquilo você conseguiria aprender
mecânica dos fluidos ou você acha que também não fez muita falta?
AN – É. Ficaria muito difícil se você não soubesse pelo menos o que é integral, o
que é derivada, e aprender velocidade de fluidos, e aprender cálculo de volume,
cálculo de vazões... seria muito difícil fazer isso. Mas mesmo naquela época... há
pouco tempo atrás, 1978, 1979, mais ou menos, mesmo naquela época, boa parte
das fórmulas matemáticas que eu usava em mecânica dos fluidos e termodinâmica,
elas já eram simplificadas, mas o significado daquilo é que era importante. Mas eu
não precisava ficar resolvendo equação diferencial de quarto grau para chegar no
cálculo de um trocador de calor. Eu me lembro disso porque eu sempre tive bom
senso. Eu me lembro que termodinâmica era uma matéria muito difícil. Ubiratan
era... você fez aula com ele? Nossa senhora, o bicho era o cão. Mas eu gostava
muito de estudar, gostava muito de estudar aquela matéria... termodinâmica para
mim era muito legal, eu achava interessante calcular os trocadores de calor, porque
tinha mesmo a parte prática, tinha equipamentos que eu mais ou menos já conhecia.
E aí eu fui fazer uma prova, terminei a prova, cheguei para ele e falei assim: “- Eu
escrevi uma observação aqui, depois você dá uma olhada.” e no dia da correção da
prova, ele disse: “- Você é muito cara de pau.” Eu disse: “- Por quê?” Ele disse: “-
Você foi lá e fez os cálculos, a sua lógica estava toda certa, mas seus números eram
um absurdo, não tinha nada a ver!” E ai você vem e escreve: “favor desconsiderar o
resultado final, porque eu nunca vi um trocador de dois quilômetros de comprimento,
então devo ter errado em alguma coisa no meio. Me dê um tempo que vou fazer as
contas de novo.” [muitos risos] Ele disse: “- Pôxa, você é muito cara de pau! Mas
está bom, pelo seu raciocínio e pela sua lógica também, você tem razão, não existe
equipamentos destes.” Então, bom senso é muito interessante, até porque você
pode ter erros nos cálculos matemáticos e se você não tiver uma correlação, se não
souber em cada etapa do projeto que você está fazendo... pôxa vida, isso aqui está
muito fora, é absurdo, assim não dá, vou voltar aqui... ou confirma mesmo. Então eu
considero que uma etapa de checagem, uma metodologia de checar cada ponto é
muito importante. Então, de novo, a matemática naquela época e a termodinâmica
ajudaram a fixar conceitos. Sem saber conceitos de derivada e integral, um
engenheiro terá dificuldades em entender algumas disciplinas técnicas, agora ele
não precisa saber resolver equações diferenciais e integrais para ter sucesso na
profissão mas a noção ele precisa ter. Como vai trabalhar com uma coisa que não
sabe de onde veio?
LP – A matemática no curso de engenharia, é dada por matemáticos. O que você
me fala dessa afirmação?
AN – A minha opinião é que ela fica muito acadêmica. Ela fica com uma cara de
cientista. Eu não tenho nada contra um engenheiro ter uma especialidade em
matemática, até para ele conhecer mais a fundo. Mas acho que o aluno, se ele já
conseguisse saber lá na engenharia, o que ele está aprendendo e para quê, eu acho
que tem uma boa chance de melhorar e “antenar” o que ele realmente precisa
aprender.
Se ele já soubesse que aquela derivada que ele está estudando vai servir para as
fórmulas futuras e preferencialmente já for mostrando exemplos práticos.
LP – Talvez até o interesse seria maior de aprender...
AN – Eu tenho certeza! Eu tenho certeza!
LP – E como você falou... sempre gostou da parte prática.
AN – Isso!
LP – Talvez, se você começasse a ouvir a parte prática lá na matemática...
AN – verdade...
LP – Talvez tivesse maior interesse pela matemática. e talvez maior proveito na
parte prática.
AN – Na resistência dos materiais, por exemplo, tem matemática.... o cálculo
daquelas vigas, tensões... não tem como não saber. Embora, tantas coisas que
aparecem lá, já são as resoluções das derivadas, das integrais, mas é base... aquilo
ali... olha, quando você calculava distribuição de carga, vigas e balanças, estruturas
isostáticas, essas coisas são muito interessantes... se alguém tivesse falado isso
comigo lá antes, talvez eu tivesse prestado mais atenção, talvez eu tivesse me
envolvido mais... ao passo que eu tinha professores....você conheceu a Myrtha?
LP – Sim, tive aula com ela. Não precisa saber demonstrar a Transformada de
Fourier...
AN – Não.
LP - Precisa saber para quê ela existe.
AN – E onde vai usar...se um dia você quiser se aprofundar nisso é para lá que você
vai. Se você quiser ser um engenheiro projetista, um engenheiro que vai projetar
algum equipamento...
LP – Que vai desenvolver até mesmo um programa de engenharia....
AN – Você vai ter que saber isso. Aí você pega e escolhe o seu caminho. E naquela
época o curso de engenharia nosso estava voltado especificamente para um
engenheiro de engenharia, mas não é engenharia de execução de projeto, não, é de
fazer projeto. Eu me lembro que aprendi com o Ayres (meu professor de maquinas
hidráulicas) como calcular uma pá de um rotor de bomba. Ele falava das curvas
teóricas, mas nunca levou um catálogo de uma ABS ou Sulzer(fabricante de
bombas) para nós. Nunca me mostrou que uma bomba tinha um selo mecânico. E a
primeira coisa que meu chefe veio aqui para me falar, foi: “- Olha, a partir de amanhã
você vai ser o responsável por selo mecânico desta fábrica. Isso é um “pepino”, nós
gastamos milhões de dólares por ano!” Eu disse: “- É comigo mesmo!” e quando eu
desci, pensei: “Se eu tropeçar num selo mecânico aqui, não sei o que é! Não sei o
que esse cara está falando, eu nunca tinha visto um!” aí, estudei durante seis meses
aqui na fábrica, fiz visitas em São Paulo e em outros lugares, aprendi todos os tipos
e no final de seis meses, todo mundo me chamava para resolver problema de selo.
Eu era o expert... na verdade eu tinha estudado seis meses só.
LP – Teve uma mudança que está sendo implementada agora em 2007, onde já
aproximaram algumas disciplinas técnicas da matemática, nos períodos... aquelas
disciplinas sugeridas. Não fica fazendo dois anos de Cálculo para ver a disciplina
técnica. Já houve mudança no currículo.
AN – Isso é bom. O consumidor da engenharia é a indústria.
LP – O mercado mudou.
AN – Verdade.
LP – Tem alguma coisa que você não viu no curso de engenharia, com relação à
matemática, que você teve que estudar, ir atrás?
AN – No meu caso foi muito pouco, porque a minha aplicação é pequena. Penso
que a matemática financeira deveria ser um foco ainda. De novo, quem dava aula
era um lá da economia que devia pensar assim: “vou dar aula para aqueles caras lá
da engenharia, ninguém vai querer ouvir falar desse negócio e eu não terei muita
dificuldade".
LP – E ele também não se preocupava em conversar com um engenheiro e pegar
exemplos.
AN – Isso.
LP – De engenharia para aplicar na disciplina dele.
AN – Como se faz controle de custos, quais as ferramentas, um estudo de
viabilidade de um projeto o que é um VPL, como vou aprovar um projeto desses
numa diretoria? Em cada disciplina o professor deveria começar a mostrar o aluno a
importância do "quanto custa" , da viabilidade comercial e no projeto de graduação
deveria ter uma ênfase forte neste assunto. Se aprender com pequenas doses, na
hora que chegar nas grandes, sabe como fazer, pelo menos ter noção do que fazer.
O não conhecimento e uso da matemática financeira é um mal do Brasil. Todo
mundo tem que saber. O camarada não quer saber quanto paga, quer saber se dá
para pagar a prestação... não faz o menor sentido. O negócio custa dez , mas à
prestação custa vinte, mas bom, dá para eu pagar um real, dois reais, isso eu posso
pagar. Então eu pago... mas espera aí, você está pagando cem por cento a mais...
ah! mas dá pra eu pagar... Nós temos que ensinar aos nossos filhos, aos nossos
funcionários, nossas empregadas, que não é assim... o valor das coisas tem que
fazer sentido. Acho também que algumas matérias tem sua hora para ser cursada.
No meu caso fiz matérias tais como Administração Industrial (não sei se era assim o
nome), no quinto período que na época não faziam o mínimo sentido para mim, pois
não tinha maturidade suficiente para isso lá.
Os melhores professores que eu tive na faculdade foram aqueles engenheiros que
viviam dentro das indústrias e tinham prazer de dar aula, o Marreco, Ubiratan, o
professor Marcio Gama, camaradas que realmente davam aula por prazer.
LP – Era muito mais proveitoso.
AN – Nossa! Uns dos melhores momentos na faculdade.. o professor Vladislau
também era gerente da CVRD em João Neiva, na área de locomotiva e ensinava
coisas práticas, e ensinava com paixão. Acho que tudo na sua vida, se você fizer,
tem que fazer com paixão.
LP – Ouvi uma frase interessante, esses dias, que se você quiser parar de trabalhar
é só fazer o que gosta. Achei interessante.
AN –Para mim um profissional tem que estar feliz com o que esta fazendo. Para
mim, segunda-feira é prazer... porque o dia que não for...não vou ficar aqui não...
senão eu vou morrer... não faz sentido... eu trabalho, trabalho e gosto... gosto da
sexta-feira, porque o dia seguinte é sábado, porque vou ficar em casa, gosto de
dosar as coisas.
Meu pai me falava uma coisa, meu pai tem umas tiradas interessantes. Ele dizia: “-
Meu filho, nunca ande nos extremos. Nunca. Procura sempre o meio do caminho
que é sempre o melhor. Nunca trabalhe demais, como aquele maluco que trabalha
sábado, domingo, mas nunca deixe de trabalhar. Nunca beba demais, mas não
precisa deixar de beber. Procure não exagerar, nem para cima, nem para baixo,
procura o equilíbrio, o equilíbrio existe.” trabalhar sim, pôxa, sexta-feira é dia de ir
com a família, no sábado passear e no domingo, legal. E não ter nenhum remorso
nisso. E na segunda-feira trabalhando direto. Então eu acho que o segredo é o
equilíbrio. Nem para cima, nem para baixo. Os dois são muito ruins. É isso aí.
LP – Eu te agradeço...
AN – Espero ter ajudado na sua pesquisa...
LP – Com certeza...
Fabrício Luiz Stange(FS), consultor da Aracruz Celulose na área de Engenharia, no
dia 05/03/2007 na Aracruz Celulose, em uma sala de reunião.
LP – Fabrício, fale um pouco sobre sua formação acadêmica.
FS – Fiz curso técnico em Mecânica, na Escola Ativa de Coqueiral, que hoje não
existe mais. Da Escola Ativa fui para a UFES, fiz cinco anos de engenharia,
consegui formar em cinco anos.
LP – Difícil. (fiz o comentário devido à expressão do depoente)
FS – Muito difícil... consegui me formar em cinco anos e neste processo fiz alguns
estágios, inclusive aqui (refere-se à Aracruz Celulose), aqui e em outras empresas.
Logo depois que saí da faculdade, seis, sete meses depois eu vim para a Aracruz.
Já na Aracruz eu fiz pós-graduação em Engenharia de Manutenção e estou fazendo
atualmente Mestrado em Engenharia Mecânica na UFES. Esta foi minha formação
acadêmica.
LP – Qual a sua linha de pesquisa?
FS – Mecânica dos solos e devo escrever sobre riscos industriais.
LP – Quem está orientando?
FS – Geraldo Sisquini.
LP – Vou entrevistá-lo também.
FS – Legal.
LP – Vai ser bom que vamos trocando idéias. E aqui na empresa, em que área está
atuando?
FS – Vou falar um pouquinho do meu circuito aqui. Eu entrei aqui no final de 2000,
na oficina central, que é a parte responsável por centralizar toda a manutenção da
fábrica, que não é responsável por fazer a manutenção, mas fornecer informações,
sistemas de manutenção inclusive. Passei pela central, fiquei pouco tempo, depois
fui fazer parada geral na área de caustificação25 e forno26. Fiquei lá uns três anos,
25 A reação de caustificação tem como função recuperar o hidróxido de sódio para ser utilizado na digestão dos
cavacos de madeira.
26 Refere-se ao Forno de Cal, onde ocorrerá a calcinação do material sólido resultante do processo de
caustificação para a produção de cal virgem que será reutilizado no processo.
nesta área, de lá fui para uma área chamada secagem27, que é onde faz a secagem
da celulose.
LP – Deixa eu interromper um pouquinho...eu conheço todo o processo da fábrica,
trabalhei sete anos aqui, e na época eu trabalhava na área administrativa e fizemos
descrição de cargo da fábrica inteira. Então pode ficar à vontade com o processo,
não precisa tecer muitas explicações, pois eu conheço.
FS – “Tá”. Daí eu fui para a secagem, lá eu trabalhei um pouco diferente do que eu
estava trabalhando, porque lá eu me envolvi muito mais com o processo do que me
envolvi aqui, sempre trabalhando com manutenção e processo, até então. Aí me
envolvi um pouco mais com processo, fiquei lá um ano e dois meses... de lá fui para
o digestor28, e fiquei um ano, um ano e dois meses também.
LP – com manutenção.
FS – manutenção, e sempre trabalhando também com o processo, porque apesar
de trabalhar em manutenção, respondia para o gerente de produção, neste processo
inteiro. Em novembro do ano passado (2006), eu voltei para a Central de
Manutenção, e aí sim, respondendo para o gerente de manutenção, e estou nesta
área até hoje. Estou na Central de Manutenção, que é uma das gerências aqui da
industrial29.
LP – E você entrou na carreira em Y, partindo para Consultor.
FS – É. Entrei como Engenheiro Jr, de Engenheiro Jr para Consultor e hoje
Consultor Pl.
LP – Hoje que atividades você desenvolve?
FS – Hoje não temos manutenção própria, toda a nossa manutenção é terceirizada.
Temos treze grandes contratos de manutenção aqui na industrial e a minha função é
fazer a gestão destes treze contratos de manutenção. Então esses contratos, são
responsáveis por todo o processo de manutenção: levantamento, planejamento,
programação, execução e report de atividades. A minha função é gerir os resultados
27 Secagem é um processo onde a água da pasta de celulose é retirada e intensifica-se a fase de prensagem dessa
pasta para formar as folhas de celulose.
28 No digestor, os cavacos (eucalipto descascado e picado) é cozido quimicamente, para separar da madeira a
celulose industrial.
29 Refere-se à Diretoria Industrial da Aracruz Celulose.
que estes contratos estão trazendo para nós: o que está planejado versus o que é
executado.
LP – Você fala de manutenção preventiva ou corretiva?
FS – Manutenção de uma forma geral, toda a manutenção.
LP – E você atua na análise desses dados para pensar em manutenção preventiva
ou eles já pensam nisso também?
FS – Pois é. O processo está desenhado para que os próprios contratos pensem
nisso. Incluído nesses contratos já existe também engenharia de manutenção. Então
eles estariam fazendo todo esse processo e mais análise e discussão desses dados,
com propostas de melhorias ou de ações para melhorar os resultados. A minha
função é justamente verificar se esse sistema de gestão garante que isso seja feito.
Então na minha rotina eu tenho algumas ferramentas de gestão como: reunião
mensal, reunião semestral, reunião de análise crítica, acompanhamento de
indicadores, e nestas reuniões a gente discute. A minha função não é analisar se
aquela ação é a melhor ou o que se vai fazer, mas discutir: o que está sendo feito?
vocês estão pensando dessa forma? vocês se integraram com a empresa tal para
analisar isso? isto foi feito em conjunto?. A minha função é fazer com que esse
modelo de gestão conduza o trabalho no sentido do resultado que a gente desenhou
lá no começo. A gente tem um parâmetro de indicadores que a gente define
anualmente, qual a nossa condição atual, onde a gente quer chegar, quais são as
principais ações que a gente vai fazer nesse período e a gente vai acompanhando.
LP – Até mesmo pelo processo de qualidade. Vocês já tem a certificação.
FS – Temos.
LP – Tem os indicadores da qualidade que precisam ser atingidos anualmente.
FS – Sim, sim...só que o meu processo vai além do processo da qualidade. Porque
nós temos os indicadores de qualidade, que vão para o processo de qualidade, são
os indicadores do meu processo, que é utilizar performance no processo da
manutenção. Então eu levo indicadores macro para aquele processo. Só que para
suportar aqueles indicadores macro, eu tenho que ter um desdobramento muito
maior de indicadores para ver onde tem desvio e onde não tem. E esse
desdobramento não é só da Aracruz, é um desdobramento por empresa contratada.
Tem um monte de indicadores de manutenção mecânica, manutenção de
instrumentação, manutenção elétrica, e por aí vai.
LP – E problema não falta, não é?
FS – Não, não falta (risos). Tem todo dia um diferente.
LP – Que tipo de problemas você enfrenta aqui? Estou pensando e tentando
conduzir o pensamento para a área da matemática. Estou pensando em alguns
problemas que você possa me trazer e se vai usar a matemática, ou o que aprendi
no curso.
FS – Na minha rotina diária eu não uso matemática. A minha rotina é uma rotina de
gestão. É uma gestão técnica, não é uma gestão de pessoas, mas é gestão. Não
faço nada diferente de gestão. Meu conhecimento de matemática eu aplico em
algumas análises, mas ela não é sempre, por exemplo, vou fazer um estudo de
confiabilidade sobre um determinado problema. E aí normalmente não sou eu que
faço... alguém faz, e o meu conhecimento de matemática é para entender a análise
estatística daquilo que está sendo aplicado. Mas aplicação direta da matemática que
eu aprendi, associada às disciplinas da engenharia, eu não uso no meu dia a dia.
LP – Você acha que poderia fazer o que faz hoje sem aqueles conhecimentos
matemáticos?
FS – Não, porque ele é básico. Eu não preciso para desempenhar as minhas
atividades, mas ele serviu de formação, então, para qualquer assunto que eu vou
discutir ele serve como base.
LP – Subjetivamente ele está incluído.
FS – Justamente. Eu discuto tecnicamente o tempo inteiro. Normalmente eu não
discuto questões de projeto, se está bem dimensionado, mal dimensionado, não é
isso. Mas na discussão técnica eu tenho que ter embasamento, até para que eu
tenha segurança no que estou discutindo.
LP – Eu vou citar para você alguns conceitos matemáticos, e você me diz quais são
os importantes, no contexto que você falou até agora, quais aqueles que nem de
suporte serviram, por exemplo. Ou seja, quero saber qual o grau de importância que
eles possuem no seu trabalho: Geometria plana e espacial.
FS – Necessário.
LP – Trigonometria.
FS – Também.
LP – Logaritmos.
FS – Pouco.
LP – Traçado de curvas e superfícies.
FS – Pouco.
LP – Probabilidade e estatística.
FS – Bastante.
LP – Vetores.
FS – Indiretamente sim. Vou explicar. Está na área, por exemplo, numa área de
parada geral. Vamos fazer uma pega de um equipamento qualquer. Você tem que
saber indiretamente sobre vetores, senão você pode derrubar o equipamento.
LP – Derivadas e integrais.
FS – Não.
LP – Séries numéricas.
FS – Também não.
LP – Transformadas de Laplace e Fourier.
FS – Indiretamente. A gente usa as transformadas em vibração, só que você usa o
conceito. Toda a parte de transformada, os próprios coletores de dados hoje já
fazem. Então você tem os dados, eles pegam em espectro de tempo e já
transformam para espectro de freqüência internamente.
LP – Você sabe que foi utilizado para chegar ali...mas não usa diretamente.
FS – Eu sei que utilizou uma transformada. Não uso diretamente na mão. Não tem.
O coletor vai lá, coleta o dado de vibração, em espectro de tempo e ele transforma
aquilo em espectro de freqüência, que é onde se consegue analisar os problemas
que podem estar associados àquela vibração.
LP – Você tem consciência que ali está sendo utilizado uma transformada.
FS – Tem uma transformada de Fourier ali. Agora, como é que foi feita... mesmo
porque ela é uma transformada discreta.
LP – Coordenadas polares, cilíndricas e esféricas.
FS – Nunca usei.
LP – Quando você começou a trabalhar, teve alguma dificuldade em lidar com esses
conceitos matemáticos? O que estou querendo saber é se o que você aprendeu lá
foi suficiente ou você teve que estudar mais matemática....
FS – Não. Nunca precisei estudar matemática para o que eu precisei fazer aqui. A
minha função sempre foi muito mais de gestão, não uma gestão técnica. Sempre fiz
uma gestão técnica de manutenção. Projeto, por exemplo, nunca participei. De
detalhamento de projeto, nada disso. Então, a matemática que precisa em projeto de
engenharia - claro, sei os conceitos que estão envolvidos ali, até para que eu possa
discutir - agora, efetivamente ter feito, que transformada que ele usou, se estava
difícil trabalhar em sistema cartesiano e ele passou para polar, isso não interessa,
nunca me interessou. Interessa o resultado.
LP – Vamos pensar na formação acadêmica, agora, no curso da UFES.
FS – Eu formei em 2000.
LP – Tem algum conhecimento que não foi ensinado lá e que você acha que fez
falta?
FS – Eu não diria conhecimento. Acho que a formação de engenharia é feita de uma
forma que você não associa a matemática aos problemas físicos, às cadeiras de
engenharia. Chega lá no início, você estuda Cálculo I, Cálculo II, Cálculo III, Cálculo
Numérico e em momento nenhum tentam associar essa matemática - que é pura
nesse momento - aos problemas que você vai enfrentar de engenharia lá na frente.
Você estuda, por exemplo, diferenciais e para que serve aquilo? Você só vai saber
para que serve aquilo, lá na frente, quando pegar por exemplo a disciplina Mecânica
dos Fluidos. E aí, você não faz nem correlação. Quando você percebe... “pôxa”,
aquilo que eu estudei lá atrás me faz falta agora. Só que eu poderia ter utilizado isso
de forma muito mais interessante, se eu tivesse uma associação tipo: você está
aprendendo, porque no contexto da engenharia você vai utilizar isso desta forma. Se
no começo os cursos de matemática já fossem voltados para isso. Não que você vá
simplificar as disciplinas de matemática para atender a engenharia. Mas que já
focasse. (Deu um exemplo) Essa aplicação, está associada aqui. Auto-valores e
auto-vetores, onde vai usar isso? Vai usar em vibração. Esse é o contexto que
estará utilizando. Você vai poder usar isso numa cadeira de engenharia lá na frente.
LP – Você acha que isso se deve a quê? Por que está assim hoje?
FS – Eu acho que é um pouco a departamentalização. Tem o departamento de
matemática, que não conhece ninguém da engenharia, sai da matemática, vem dá o
curso dele de matemática, como se estivesse dando aula para a matemática e não
está muito interessando no que você vai fazer depois. Ele quer cumprir a cadeira
dele de matemática. Não estou questionando a validade do curso que ele dá de
matemática. Sem dúvida ele é muito bom, só que falta um pouco o foco. É foco que
ele precisa dar. Tive sim, professores na faculdade que tinham essa preocupação e
diziam: “- Isso aqui está contextualizado dessa forma. A gente está estudando isso e
isso puro você não vai usar em lugar nenhum, mas vai usar em tal disciplina e lá vai
ser aplicado dessa forma. Então, vamos ver como fazer”. Isso dava até uma
tranqüilidade para a gente.
LP – Até uma motivação. Você vê que um curso técnico, você já estava mexendo
com mecânica e se depara com a matemática que naquele momento...
FS – não tem nenhum sentido e que depois faz falta, é óbvio que faz. Quando você
está lá na frente, lhe faz falta. Falta a base. Até você perceber e fazer a correlação
que o que você está vendo é aquela matemática que você viu lá atrás, você já
perdeu um caminho. Acho que poderia ser muito mais otimizado esse processo.
LP – Talvez a exemplificação do curso de matemática mais voltada para as áreas de
engenharia facilitasse.
FS – Eu não sei como fazer, mas acho que o professor que fosse dar aula na
engenharia tivesse essa sensibilidade de perceber para que está ensinando essa
matemática para esses alunos. Vai servir para quê? Eles vão ser pesquisadores de
matemática? Se sim, é outra estória. Mas não é. Eu vou usar a matemática como
ferramenta. Não vou estudar a matemática para ser pesquisador de matemática. Eu
vou usar a matemática como ferramenta. E aí faz falta, porque se ensina como se
fosse para cientista. E aí tem uma outra questão, uma outra questão da matemática.
Ensina-se a matemática aqui no começo e aqui na frente a cadeira técnica... onde
eu uso obrigatoriamente a matemática.
LP – Por exemplo a Mecânica dos Fluidos.
FS – Mecânica dos Fluidos. Como eu faço uma modelagem física, para em cima da
modelagem física, criar uma modelagem matemática para resolver o problema?
Então eu aprendi a matemática, aprendi (na disciplina técnica) a aplicação dessa
matemática, mas em momento nenhum eu fiz uma modelagem matemática. Aí,
quando você chega no mercado de trabalho, vamos colocar um exemplo, eu preciso
fazer um dimensionamento de um sistema hidráulico qualquer. Eu conheço a
matemática, conheço o sistema hidráulico, mas como eu faço a associação disso?.
Para resolver o problema, eu tenho que fazer uma modelagem física, da modelagem
física uma modelagem matemática, resolver a modelagem matemática e voltar para
a resolução física. Isso não é feito. Daí eu acho que falta essa correlação. Por isso a
percepção de que para ser engenheiro não precisa de matemática. Você sai da
faculdade com essa percepção, quando você entra no mercado de trabalho. Eu sou
engenheiro e não preciso de matemática. Por que não precisa de matemática?
Porque você não correlaciona aquilo que você está fazendo com a engenharia e a
matemática, você nunca estudou a forma de fazer isso, que seriam os modelos.
Acho que isso é uma falha grave.
LP – Atualização profissional. Que tipo de atividade você tem desenvolvido aqui, ou
por conta própria, você já citou o mestrado e eu sei, por ter trabalhado aqui que a
Aracruz facilita a atualização profissional. Então, além do mestrado a empresa lhe
proporcionou algum outro curso, o mestrado foi você que perseguiu?
FS – Sim, fui eu. A empresa não fica - isso eu acredito - dizendo, “faça esse curso”,
isso não existe mais. O que existe é total liberdade de dizer: “preciso disso” para
minha profissão. Preciso treinar, ou preciso me especializar, preciso de qualquer
ação nessa área aqui, porque preciso disso para a minha atividade. A gente tem
total liberdade de: ou fazer um curso fora, ou fazer um curso dentro da própria
empresa, que a gente utiliza pouco, é uma questão nossa, mas que é muito
interessante. No meu caso, eu preciso de algumas questões que são jurídicas, onde
é que vou fazer esse curso? Posso ir ao setor jurídico. Preciso de algumas questões
que são contábeis, de tributos, por exemplo. Posso fazer aqui com o pessoal de
controladoria. Não tem ninguém lhe falando, faça isso, faça aquilo, vem cá, olha,
deixa eu te explicar. Não existe isso. O que tem é: total liberdade de... o que é que
você precisa para se desenvolver? E aí, tendo isso do profissional...
LP – E você tem feito algum curso além do mestrado?
FS – Não.
LP – Não dá tempo, não é?
FS – É (risos). Na verdade você tem que estar lendo alguma coisa, vendo alguma
coisa, discutindo, que às vezes a gente pensa que não é um pouco isso de
treinamento, mas é, você encontrar alguém de outra empresa, discutir como está
sendo feito, como não está sendo feito. Eu tenho algumas atividades que não são
propriamente de gestão de contratos, exemplo: variabilidade de processos, uma
atividade que eu não conhecia. Então entrei no grupo de variabilidade de processos
e tive que estudar isso, tive que estudar, ler um pouco, dialogar, pegar aquele livrão
de controle de processo30, fui fazer um curso sobre variabilidade de processo.
Converso com os operadores, converso com os consultores que vem de fora. Eu
estou sempre fazendo isso. Agora, cursos se estou fazendo? Não. O curso está no
dia-a-dia, está na troca de experiência, está na necessidade de marcar aqui e fazer
alguma coisa internamente alguma coisa, esse é o processo.
30 Não falou o nome do livro.
LP – Tem algo que gostaria de acrescentar? Com relação à matemática, às
tendências...a tecnologia, o que você acha que vai mudar...comentários com relação
à formação acadêmica.
FS – Eu acho que a formação acadêmica, pelo menos a minha, foi coerente. Eu
achava que não, até que um professor me falou uma coisa que foi muito
interessante. A gente questionava muito o seguinte: “- Professor, chega lá fora a
gente não vê nada disso, existem equipamentos diversos.” Ele falou assim: “- Ótimo,
a faculdade não está aqui para ensinar tecnologia, está aqui para ensinar ciência.” E
acho que ele foi muito feliz na fala dele. Porque a tecnologia, você saiu de lá ela já
mudou. Não dá tempo nem de você chegar no mercado. E o embasamento científico
que você tem lá, é o mesmo sempre. Então, acho que a faculdade é feliz nesse
sentido. Pelo menos a minha formação foi assim e é feliz nesse sentido. E eu já vi o
outro lado. Tenho alguns colegas que formaram em outros lugares em que tinha um
foco muito mais tecnológico e aí, quando você vai discutir alguma coisa, falta
informação, e o “cara” fala besteira. Isso acontece. Então eu fui feliz nesse sentido.
Por outro lado, acho que tem uma distância grande do mercado. Apesar de eu não
achar que a engenharia está lá para ensinar tecnologia, também acho que tem que
ter uma aproximação com o mercado. Até para dizer como ensinar essa ciência,
relacionado com isso que tem no mercado, não é ensinar tecnologia, é diferente.
LP – De repente uma disciplina, tipo Novas Tecnologias ou Questões Atuais da
Engenharia.
FS – Até assim: como ensinar ciência utilizando a tecnologia que tem hoje, como
exemplificar isso com a tecnologia que tem hoje. Como usar os laboratórios nesse
sentido. Não é tornar o ensino tecnológico. Como ensinar ciência de uma forma
mais focada. Esse é um ponto que eu acho que a gente peca muito. Nossa
formação peca muito, poderia ser melhor. Por outro lado a gente tem uma formação
sólida. A questão que falta mesmo é a correlação de como eu associo as questões
matemáticas com as questões tecnológicas. E aí é, como eu monto um modelo
físico, um modelo matemático, e resolvo o modelo matemático para voltar.
Ferramentas hoje você tem aos milhares, a maioria delas através de computador. Só
que como é que você faz isso? Vai ter que montar modelos. Pelo menos eu não
conheço nenhuma cadeira na UFES que tenha isso. Esse é um ponto que eu acho
que falta muito. E aí cria essa falsa idéia de que o engenheiro não precisa de
matemática. E quando você precisa, você acaba resolvendo de outra forma. Você
não vai lá e monta um problema de engenharia. Acaba optando pelo bom senso,
sendo que poderia usar e acaba não usando da melhor forma. Você resolve o
problema, mas poderia haver uma forma muito mais correta talvez, usando as
ferramentas de engenharia, mas você acaba não usando, usa os conceitos de
engenharia, as ferramentas não.
José Guilherme de Carvalho(JC), Engenheiro de Manutenção Pleno da Petrobrás
no dia 01/03/2007 na Petrobrás, em uma sala de reunião.
[Houve um problema técnico na gravação do cabeçalho da entrevista e retomamos
para o depoente o que já havia falado de início]
LP – Então, você se formou em engenharia mecânica na UFES, em 2000 terminou o
mestrado nesta área de... repete para mim, por favor.
JC – Mestrado em engenharia mecânica mesmo, na área de materiais e processo
de fabricação. Trabalhei por...
LP – na Metalúrgica Carapina.
JC – trabalhei na Metalúrgica Carapina por oito meses, foi quando eu entrei... eu
tinha passado no concurso da Petrobrás já em maio, e eu só fui ser chamado, só fui
entrar na Petrobrás em fevereiro de 2001. E desde 2001 trabalho na Petrobrás.
Trabalhei... tem um curso também, um curso que é chamado... é como se fosse uma
especialização, então é um curso da Petrobrás, que a própria universidade-
Petrobrás31 ministra, chamado Engenharia de Equipamentos, então, dentro da
Petrobrás eu ocupo o cargo de Engenheiro de Equipamentos. Então para isso,
quando entrei na Petrobrás fiz o curso de um ano, um curso de especialização em
engenharia de equipamentos, especificamente sobre a área de Petróleo. Trabalhei
dois anos na bacia de Campos, na operação e agora...
LP – Na plataforma mesmo?
JC – Não eu trabalhava na base. E hoje tem três anos que eu trabalho aqui no
suporte técnico do Espírito Santo.
LP – Que bom que pode ficar em Vitória! [risos] A família é daqui também... E aí
nessas áreas que hoje está atuando, fala um pouquinho do seu trabalho aqui. Em
que área está atuando, quais atividades você desenvolve nesse seu trabalho.
JC – Aqui a gente trabalha no suporte técnico de engenharia de manutenção e
inspeção. Eu trabalho especificamente em engenharia de manutenção. Então a
gente trabalha com diretrizes de manutenção, definição de diretrizes de
31 A Universidade Petrobras tem dois núcleos de formação de profissionais um no Rio de Janeiro e um em
Salvador.
manutenção, definição de estratégias de manutenção, definição de gestão da
manutenção, para a UN32 do Espírito Santo.
LP – Manutenção que você fala é manutenção da... aqui já tem plataforma?
JC – Tem plataforma e tem unidade terrestre também. Tem estação de tratamento
de Petróleo...
LP – Em São Mateus...
JS – unidade de tratamento de gás. E tem plataforma só de gás, tem plataforma, já
agora produzindo óleo, em Jubarte, a P34, que estava aqui no porto de Vitória, que
agora já está produzindo...
LP – Já terminou a reforma dele aqui...
JC – Já terminou e já está produzindo. Tem a plataforma afretada, duas plataformas
afretadas, o Seillean e o FPSO Capixaba, que está produzindo também...
LP – FPSO?
JC – Floating Production Storage Oil. Então a gente trabalha nessa área de gestão
da manutenção, e consultoria em algumas áreas, por exemplo, eu, me especializo
especificamente em confiabilidade e bombas. Sistema de bombeamento e
confiabilidade. São as duas áreas mais específicas em que eu trabalho. Tem outras
pessoas na mesma gerência, que tem outra área específica que estaria apto a
prestar consultoria para os ativos nesta área específica.
LP – E qual o seu cargo aqui?
JC – Meu cargo é Engenheiro de Equipamentos Pleno. O cargo da Petrobrás na
carreira técnica, se divide em (no meu caso): Engenheiro de Equipamentos Júnior,
Pleno, Sênior e podendo chegar a Consultor Técnico. Tem um outro degrau.
LP – Tipo carreira em Y...
JC – Exatamente, carreira em Y. Você pode ir pela linha gerencial ou pela linha
técnica.
LP – Perfeito. E essas atividades que você faz? Especificamente é só prestar
consultoria para quem está em campo... ou tem alguma outra coisa? Você faz algum
projeto? Porque as máquinas (me corrija se estiver errada), a tecnologia que nós
temos na Petrobrás, é uma tecnologia que é feita aqui ou vem do exterior, por
exemplo, os seus equipamentos, vocês fazem projetos e os modificam, ou vocês só
fazem manutenção? Ou fazem utilização desses equipamentos?
32 Unidade de Negócios.
JC – Na Petrobrás tem as duas linhas. Muito mais, nós usamos equipamentos de
fabricantes reconhecidos no mercado. Por exemplo, na área de bombas, tem a
Sulzer, a KSB, a gente dá manutenção nesses equipamentos. A Petrobrás compra
esses equipamentos, alguns desses equipamentos são engenheirados, quer dizer, a
KSB tem que fazer um projeto específico para o uso da Petrobrás, mas quem faz
esse projeto é a KSB. Isso é uma linha. Existe uma outra linha, alguns equipamentos
que a Petrobrás desenvolve, por exemplo, uma bomba multifásica, não é um
equipamento que exista no mundo, comercialmente... então a Petrobrás, em
parceria com algumas empresas, aí sim, participa do projeto do equipamento. Mas
muito mais, é feito um projeto, é feita a construção, a compra desse equipamento,
depois a montagem, e a gente participa da... não do projeto do equipamento, mas da
especificação do equipamento, e manutenção desse equipamento. O grande serviço
aqui, basicamente, especialmente no meu caso, a gente participa do projeto, com a
intenção de dar um feedback para o projeto do pessoal de manutenção, e em toda a
operação, a gente trabalha na manutenção desse equipamento.
LP – Perfeito. E nessa atividade, que tipo de problemas você enfrenta?
[o depoente faz pequena pausa para refletir e sorri]
LP – Estou pensando (problema), estou pensando dentro da matemática. Estou
desenvolvendo um raciocínio no sentido... que tipo de problemas irá enfrentar, que
tipo de solução, onde está a solução desse problema, se precisa de matemática
para resolver isso... é mais ou menos nessa linha que estou querendo ir.
JC – Por exemplo, onde a gente vai entrar, nós aqui da manutenção? Ocorreu uma
falha no equipamento, não é? A gente precisa saber por que ocorreu aquela falha.
Aí entra a matemática, tem que calcular quais esforços, o que aconteceu... quer
dizer... por exemplo, teve uma falha no ventilador. Aquele material ali está
adequado... qual foi o fenômeno dinâmico que aconteceu ali que poderia ter
acarretado aquela falha? Para a gente tentar... ou até alterar o projeto, se for o caso,
para bloquear aquela falha, para que ela não aconteça de novo. Às vezes está
subdimensionado, às vezes a forma do componente não é adequada, deve estar
causando algum fenômeno dinâmico ali, que está inserindo alguma tensão que
aquele componente ali não estaria preparado para suportar.
LP – Você está falando de manutenção corretiva. Pensando em qualidade também,
tem alguma manutenção que vocês fazem preventiva e que pode estar acarretando
algum tipo de serviço desses para vocês? Vocês têm qualidade, tem o projeto de
qualidade ISO implantado não é? Certamente no projeto de qualidade ISO vocês
tem inspeções que são feitas preventivamente...
JC – Sim.
LP – Numa dessas inspeções pode estar detectando alguma falha... alguma coisa
assim... vai acontecer.
JC – um defeito.
LP – Um defeito que possa vir. Isso é passado para vocês e aí entra toda essa
questão de projeto antes que “quebre”?
JC – Sim, além da manutenção preventiva que é essa que você colocou, de
inspeção, a gente tem a manutenção preditiva, a gente usa alguns instrumentos
para tentar monitorar a condição de alguns equipamentos, não são todos, os mais
críticos, mais importantes. Então a gente usa a análise de vibração, a gente usa a
ferrografia, a gente usa a termografia, tentando captar sinais do equipamento, sinais
que mostram que ele está...
LP – perdendo a capacidade...
JC – Exatamente, está próximo de uma falha.
LP – Está num momento crítico do equipamento.
JC – Sim.
LP – E aí, que conceitos matemáticos, o que você poderia de imediato lembrar para
mim, que usa?
JC – Exatamente no caso da preditiva, não é minha área especifica, mas o que está
por trás, no pouco que eu entendo é matemática pura. É transformada de Fourier...
LP – Laplace...
JC – Exatamente, todo aquele... você pegar aquele sinal que é uma onda no tempo,
transformá-la em freqüência, para você poder analisar a freqüência, comparar com a
freqüência do equipamento. Então a pessoa que trabalha com vibração, precisa
muito da matemática para poder entender esses fenômenos e estar podendo fazer o
diagnóstico do que está acontecendo.
LP – Vou citar alguns conceitos, e você vai me falar se usa ou não33, se está em
contato com esse tipo de conceito. Geometria plana e espacial.
JC – Usa.
33 modifiquei na escrita sem prejuízo do que foi falado para retirar a informalidade utilizada na pergunta, o que
não trará nenhum prejuízo na pesquisa.
LP – Bastante não é?
JC - Nessa área de análise de falha precisa... da... do...
[o depoente está construindo o raciocínio, então, sugeri a palavra]
LP – Desenho... do equipamento.
JC – Exatamente.
LP – Trigonometria.
JC – Usa também.
LP – Logaritmo.
JC – Também.
LP – Traçado de curvas e superfície.
JC – Também.
LP – Probabilidade e estatística.
JC – Por exemplo, na área que eu falei com você que eu atuo, que é de
confiabilidade, é estatística... pura.
LP – Direto
JC – Exatamente. Essa área especifica de confiabilidade tem uma base muito forte
de estatística.
LP – E o que você aprendeu de estatística na faculdade. Ajudou ou você precisou ir
em busca de ler mais...
JC – Não, precisa, precisa até para relembrar, porque tem muita coisa... na
realidade, o que acontece? na faculdade a gente tem a base, mas se você for por
um caminho, por exemplo, desses, de você estar estudando, estar tratando de
problemas reais, você com certeza vai precisar se aprofundar bem mais nesse
assunto.
LP – E aí, você fez curso ou recorreu à literatura? Ou ambas as coisas?
JC – Ambas as coisas.
LP – Teve que estudar de novo...
JC – Sim.
LP – Ok. Vetores no plano e no espaço.
[silêncio]
JC – Podia te falar muito de mim.
LP – Eu estou falando de você mesmo.
JC – Eu só sei o que estou te falando.
LP – Porque dependendo da área, vai ser diferente.
JC – Como eu te falei, o meu trabalho aqui é muito específico.
LP – Não tem problema, pode citar no seu trabalho.
JC – E tem outra coisa: pode ser que eu vá usar, talvez não tenha tido um caso real,
uma oportunidade que me levasse a usar...
LP – por enquanto não...
JC – Mas acho que é passível estar usando, é possível.
LP – Ok. Derivadas. Estou falando das várias: ordinárias, direcionais, parciais.
Aquela parte que vimos em Cálculo I, Cálculo II,
[Silêncio]
JC – Outra coisa, então, quer dizer, derivada. Eu... muito pouco eu deduzo alguma
equação que tenha derivada para chegar a... na realidade eu já pego a....
LP – a fórmula pronta...
JC – Exatamente. Mas eu sei que para chegar naquilo ali, tem todo um
desenvolvimento, onde foi usada uma derivada.
LP – Você tem uma utilização subjetiva da coisa, você sabe que está usando...
JC – Exatamente.
LP – Mas você não tem que chegar lá e ficar fazendo processo de derivação e
integração, que no caso integral também é semelhante.
JC – Exatamente.
LP – Mas aquilo que você está utilizando, você utiliza computador para isso?
Programas de computador que fazem esse tipo de derivação?
JC – Não.
LP – Ou vocês pegam a fórmula nos livros e fazem a aplicação delas na mão?
JC – É. Exatamente, exatamente.
LP – É dessa forma, desse jeito.
JC – É.
LP – Vocês pegam as fórmulas prontas e aplicam, colocando as variáveis que têm à
disposição, para chegar ao resultado. Uma utilização mais subjetiva.
[o depoente confirmou com a cabeça]
LP – Séries.
[silêncio]
LP – Séries numéricas, de funções, de potência...
[silêncio]
JC – A gente não chegou a usar especificamente, mas já chegou a estudar. A série
de Fourier... para.... espera aí... como é?
LP – Fourier é transformada.
JC – Ah! Esqueci. Série... para questão de tentar dimensionar, prever o uso de
sobressalentes.
LP – Transformada de Laplace e Fourier, você falou que já utiliza mais
objetivamente.
JC – É a mesma coisa, não eu, mas existe, nessa área de análise de vibração, é
utilizada a transformada para poder... migrar do espaço-tempo para o espaço da
freqüência.
LP – Equações a gente já falou, diferenciais e integrais. Coordenadas polares. Por
que estou falando de coordenadas polares? Estou pensando na situação da peça.
Se a gente for analisar a peça, a gente tem que olhar o desenho da peça numa
coordenada cartesiana, ou você vai estar utilizando também as outras dimensões,
você vai estar trabalhando com ela no espaço, então estará utilizando coordenadas
polares para avaliar, por exemplo, uma tensão que esteja ocorrendo ali que no plano
você não vai conseguir ver. Existe isso? Estou falando besteira ou isso é aplicado,
porque já vi em outras áreas que existe esse tipo de aplicação.
JC – Tem. Eu trabalho com máquinas dinâmicas que giram, então...
LP – Pois é, você tem que avaliar esta questão.
JC – Exatamente.
LP – Pois é. Então polares, cilíndricas e esféricas. E a utilização delas, também é
nesse nível subjetivo ou você precisa botar a mão na massa?
[pequeno silêncio]
JC – O que eu utilizei até hoje, no nível que eu utilizei até hoje não é preciso....
LP – Sair desenvolvendo.
JC – desenvolvendo.
LP – E para lidar com esses conceitos que você colocou, tem alguma dificuldade?
Em que sentido eu estou perguntando isso... por exemplo... você tem à disposição
literatura, se existe literatura disponível, se tem acesso a cursos que você precisa
fazer, ou você encontra alguma dificuldade? Precisa resolver este problema, sei que
vai resolver com uma transformada de Laplace, por exemplo, mas não a tenho à
disposição aqui. Tem dificuldade de conseguir utilizar esse conceito matemático.
JC – Não, não vejo dificuldade não. Tem literatura, e o nível que a gente tem
também na engenharia, é muito, acredito que seja muito menor do que na
matemática, onde você tem que saber o desenvolvimento, tem que entender como
aquilo ali ocorreu, o que está influenciando, tudo o mais, não precisa ser um negócio
tão a fundo.
LP – Acho que na Petrobrás também, como é uma empresa de ponta, de tecnologia
de ponta, não existe esse tipo de dificuldade, de acesso a essa informação se você
precisa dela.
JC – Exatamente. A Petrobrás tem essa facilidade e tem gente na Petrobrás,
especialista para praticamente todas as áreas, então a gente não tem dificuldade...
você tem dúvida em alguma área específica, você pode ter certeza que vai ter
alguém. A gente tem algumas comunidades técnicas, onde você pode estar
discutindo e vai ter uma pessoa que vai estar te dando apoio...
LP – Na internet?
JC – Intranet.
LP – E agora vamos pensar lá no curso de engenharia... não faz tanto tempo assim,
foi ontem...
[risos]
JC – Que eu me formei, dez anos.
LP – Você lembra de alguma coisa que você não aprendeu e que faz falta, alguma
coisa da matemática que você não viu lá e quando chegou a trabalhar, você se deu
conta... nunca vi isso.
[silêncio]
JC – No meu caso, o que eu sinto falta é da estatística. Pela área que eu trabalho.
Lembro de ter tido a matéria, estatística, mas...
LP – É uma carga horária pequena...
JC – Exatamente, quer dizer, uma coisa que talvez se eu não estivesse nessa área
não estaria fazendo falta nenhuma, não é? Mas...
[silêncio]
LP – Você sentiu um pouco de dificuldade nisso, não é?
[silêncio]
LP – E, na sua atualização profissional? Você fez uma especialização, que você
falou aqui dentro da Petrobrás... e o que você está pensando? Existe alguma coisa
que você faz rotineiramente para se especializar? Alguma assinatura de revista
técnica, por exemplo... como está? Estou falando da sua carreira mesmo, como
você está pensando nessa questão sua de estar se atualizando com as novas
tecnologias?
JC – É. Aqui a gente tem um programa de cursos, formação contínua, quer dizer, a
cada ano, no início do ano, a gente faz uma programação daqueles cursos que
seriam importantes para você estar se atualizando, estar revendo, alguma coisa que
você acha importante, que vai te ajudar no seu trabalho... tem essas comunidades,
que a gente tem livros, a gente freqüenta congressos para ver o que está
acontecendo na comunidade de manutenção, então tem o congresso brasileiro de
manutenção, por exemplo, tem o congresso espírito-santense de manutenção, onde
você se mantém atualizado com as tecnologias e do que está acontecendo.
LP – E nesses cursos, congressos que você assiste, você encontra a matemática
ali?
[silêncio]
LP – O que estou querendo dizer? Você vai num congresso sobre manutenção.
Nesse congresso, as pessoas vão estar falando sobre as máquinas, sobre, vamos
dizer, lubrificantes... fala sobre matemática, fala sobre novidades ocorridas na área
ou novas formas de trabalhar com esse tipo de coisa.
JC – Não que eu me lembre, não. O que tem é matemática implícita. Na realidade,
na maioria dos trabalhos...
LP – Você se depara com alguma fórmula?
JC – Exatamente. Para chegar naquele resultado, ele utilizou conceitos...
LP – Então subjetivamente você percebe que está presente ali.
JC – Está presente. Inclusive nesses congressos acaba que você não... até pelo
tempo não coloca explicitamente a matemática do trabalho... já chega com...
LP – Resultado.
JC – Coloca da onde que veio e o resultado a que ele chegou.
LP – Tem alguma coisa que você gostaria de acrescentar? Alguma tendência,
alguma coisa em relação à sua formação acadêmica... o que a UFES deixou a
desejar...
[silêncio]
JC – O que eu achei do curso, agora vendo do lado de cá, de quem já está
utilizando aquilo que foi colocado lá, é que você sai do curso de engenharia,
sabendo pouco de muita coisa, e agora eu estou do outro lado e estou tendo que
saber muito de pouca coisa. Então tem aquela carência de... às vezes, não ter
aprofundado tanto em alguns assuntos que hoje são importantes para mim. Isso é
que... como se estivesse começando tudo de novo, começando quase do zero.
LP – É. Isso é meio complicado.
JC – Na realidade, você...
LP – Você foi para uma área, mas quantas áreas tem?
JC – Exatamente
LP – Vai atuar na mecânica, como vai saber tudo de tudo?
JC – Não, exatamente, estou colocando assim...
LP – É uma dificuldade.
JC – Dificuldade, mas essa questão de você saber pouco de muita coisa, tem o seu
valor, porque você tem a cabeça aberta e você conhece vários... não é? Conhece
de...
LP - Tem um leque de conhecimento grande.
JC – Exatamente, você tem um conhecimento de todas as áreas. Mas por outro lado
é ruim, porque você sai da faculdade com a sensação de que você não tem domínio
sobre nenhum daqueles assuntos. Você conhece, sabe que existe, mas você não
domina. Então você fica... talvez, se desse essa visão geral, mas também desse
oportunidade de uma maneira mais efetiva da pessoa conhecer bem um... uma
área... não sei, talvez até aqui tivesse um currículo mais generalista, você
conhecesse de tudo, mas a pessoa fizesse siderurgia, petróleo, não é... não sei.
LP – Ter uma extensão em determinadas áreas.
JC – Exatamente.
LP – Mas aqui não tem curso de especialização... tem petróleo...
JC – Nas faculdades particulares não sei qual é o nível desses cursos.
[silêncio]
JC – E até um dos fatores que me deixava ansioso que me fez fazer o mestrado, era
essa questão de querer conhecer, dominar algum assunto.
LP – Aí, você foi atrás por sua conta mesmo.
JC – Depois do curso de graduação, eu tive que escolher que curso, numa área que
precisa.
LP – Perfeito. Algo mais que gostaria de acrescentar?
JC – Não.
LP – Matemática então está aí, presente.
JC – Sim.
LP – Então está jóia, seria só isso, isso tudo. Vamos então encerrar.
Lígia Arantes Sad(LS), professora de Matemática da Universidade Federal do
Espírito Santo, no dia 21/09/2007.
LP – Professora Lígia, fale um pouco sobre sua formação acadêmica.
LS – Bom Dia Luana, é um prazer estar falando para você sobre o trabalho aqui na
universidade. A minha formação acadêmica começou aqui na UFES na graduação,
depois eu fiz um pedaço em Brasília, depois eu retornei e fiz uma pós-graduação em
matemática pura, que foi em convênio com o INPA, onde fiz uma monografia sobre a
teoria da curva de Jordan, com o professor Valdecy Santos Daher do departamento
de matemática. E depois disso, como eu era casada, não podia sair facilmente para
fazer pós-graduação, eu fiquei no departamento até o ano de 1993, quando já
buscava mesmo uma pós, um mestrado e em 93/2, eu saí e fui para a UNESP, a
convite de um professor, o Rômulo Lins para ver se eu me adaptava ao sistema lá
de pós-graduação. Fiz um semestre como aluno especial e ingressei no segundo
semestre no doutorado diretamente por causa do meu memorial, eles viram que eu
teria condições de fazer direto o doutorado em Educação Matemática. Foi lá que eu
terminei em 1999. Eu comecei na realidade o curso em 1994. Entrei, fiz a prova de
ingresso, fiz a prova de língua... entrei em 1994 e em 1999 eu terminei. Eu já voltei
em 1998 para cá porque terminou o meu afastamento aqui da UFES e eu retornei
dando aulas e terminando a minha tese. Minha tese é de ensino e aprendizagem de
cálculo e justamente por causa da minha vivência aqui na UFES durante anos e
anos, lecionando não só Cálculo I, mas Cálculo de todos os níveis e outras
disciplinas mais. Então essa é minha formação.
LP – Quais são as disciplinas que você lecionava?
LS – Cálculo I até o IV. Cálculo Numérico não. Era o único que eu não dava porque
tinha um grupo especial no departamento que ministrava esta disciplina. Também
Álgebra Linear, Geometria Analítica, outras disciplinas também que eram referentes
não só ao Departamento de Matemática, mas de Engenharia, Arquitetura,
Economia, Administração, etc.
LP – Essa seria a outra pergunta. No departamento de matemática, você lecionava
não só para alunos da matemática...
LS – Não. Desde janeiro de 1977, eu já dava aula em outros cursos também, porque
a matemática é um departamento que serve a muitos outros cursos.
LP – Havia alguma turma especial para Engenharia? Ou dentro da sua turma de
Cálculo você tinha engenheiros, arquitetos, matemáticos, administradores...
LS – Quando eu estudei era misturado ainda. Foi no início de 1970, mas quando eu
comecei a dar aula, já estava aqui no Campus, a partir de 1977, e já eram
separados os cursos.
LP – Então quem fazia engenharia, fazia um tipo de aula, quem fazia administração,
por exemplo, era outra matemática. Essa diferença tinha algum reflexo na prática?
LS – Tinha sim, porque nós procurávamos nas aplicações dirigir um pouco mais.
Não era ainda tão voltado especificamente para cada curso como é agora, depois de
1990 para cá. Mas havia alguma diferença, principalmente quando nós
conversávamos em encontros de professores, porque essa disciplina tinha muitas
turmas, Cálculo I, por exemplo, tinha mais de 10 (dez) turmas, então nós fazíamos
uma certa divisão.
LP – Na sua disciplina você fazia uso de algum livro-texto ou você sugeria leituras?
LS – Desde 1976 nós tínhamos livro-texto. Nós sempre adotávamos livro-texto, eu
trouxe até alguns documentos aqui que mostram isso. Sim, eu lembro, era o Thomas
& Finney (Cálculo Diferencial e Integral), foi o primeiro que nós adotamos. Depois foi
o Swokowski (Cálculo com Geometria Analítica) durante muito tempo, depois nós
tivemos um pouco do Stewart (Cálculo). Então nós tínhamos livros-texto, embora
traduzidos.
LP – Você tem alguma idéia se a origem desses livros era preferencialmente
alemães, ingleses, franceses... como eram analisados?
LS – Eram livros que vinham sendo adotados em outras universidades. E como o
pessoal daqui estava em contato com o pessoal do Rio, de São Paulo, traziam. E
chegava através também das editoras principalmente FTD, Mac Graw Hill.
LP – Isso a partir de 1990?
LS – Não. Isso já nos anos 80. Em 70, já por indicação de algumas universidades.
LP – Nós tivemos acesso a uma lista de cerca de 100 (cem) livros que foram
sugeridos para serem comprados para a engenharia mecânica, relacionados à
matemática. E desses livros, encontrei praticamente todos na biblioteca. Você pode
dar uma olhada na lista e marque se foi utilizado algum ou se compraram por
comprar.
[Lígia olhou a lista e marcou alguns]
LS – Esse livro aqui do Mauer (Curso de cálculo diferencial e integral), tinha na
biblioteca, mas não era muito usado. Não sei porque a engenharia comprou esse
aqui. Não usava, nem como referência. Do Pablo Merino (Curso de calculo
diferencial e Curso de calculo integral) sim, mas era um livro muito antigo. Foi da
época que eu estudei, que a matemática era junto com os outros cursos.
O livro do Ayres sim, inclusive ele foi adotado na época em que eu estudei, no
começo dos anos 70 como referência para Cálculo.
LP – Inclusive tem vários exemplares na biblioteca.
LS – Tinha na biblioteca, os alunos usavam. Gozado, tem matemática para
engenharia....e era um livro usado.
LP – Também achei interessante.
LS – Era a nível de segundo grau, mas os alunos faziam muita consulta, os que
vinham com deficiência, com alguma falha.
LP – Veja que interessante. Achei alguns direcionados para engenharia, mas acho
que era mais para consulta, não?
LS – Sim.
LP – Esse Caraça(Cálculo Vetorial) nós tínhamos mas era para consulta, nunca foi
adotado. Courant (Cálculo diferencial e integral) era um livro de referência, mas nós
não o adotávamos, porque era um livro muito caro.
LP – E tem um número grande de exemplares na biblioteca. Seis exemplares. São
poucos livros que tem seis exemplares na biblioteca.
LS – E ele é um livro que vinha só em Inglês. Não tinha acesso ao Courant como a
gente tem agora traduzido.
LP – Esse é um dado interessante. Foram comprados todos os sugeridos, mas nem
todos foram usados. Da lista do CT, vi que quase 100% dos livros foram comprados.
Mas a lista não é do departamento de matemática. Fale para mim agora um pouco
sobre sua prática de sala de aula. Quero saber sobre metodologia.
LS – De que época?
LP – Quando você deu aula aqui na UFES?
LS – No final da década de 70 e na década de 80 também, quando eu comecei a dar
aula, era muito espelhado naquilo que os meus professores tinham feito. Era uma
metodologia como a gente chama do tipo “cuspe e giz”, em que nós tínhamos salas -
principalmente da engenharia - muito cheias, com 45 (quarenta e cinco) a 50
(cinqüenta) alunos, e nós tínhamos esta metodologia de passar no quadro toda a
teoria, todos os exercícios, e os alunos estarem ali junto, trabalhando, embora eu
prezasse muito atividades feitas em grupo. Isso começou já na década de 90, um
pouco, quando eu me dediquei, principalmente quando eu voltei do doutorado, que
eu já tinha aquelas técnicas mais ligadas à parte da didática e os alunos faziam mais
atividades em grupo. Mas no final da década de 70 e década de 80, eram mesmo
aulas mais expositivas, com perguntas sempre dos alunos, nunca deixei de dar voz
ao aluno, ele podia perguntar quando quisesse, tinha toda a abertura para isso.
Interrompia a aula. Estou falando isso, porque muitos professores nem isso
admitiam.
LP – É. Eu ia perguntar a questão da disciplina. Tenho alguns indícios que na
década de 70, essa questão da disciplina era muito forte. O aluno não podia falar,
levantar-se, não podia uma porção de coisas.
LS – Tínhamos muito rígido essa questão de horário. Alguns professores até
fechavam a porta para o aluno não entrar fora de hora. Mas eu não, não cheguei a
fazer nada disso e nem essa questão do aluno não poder falar. Podia falar, levantar,
perguntar...
LP – E as avaliações?
LS – As avaliações eram pautadas em testes e provas. No início nós dávamos
4(quatro) provas. Na década de 80, nós introduzimos os testes, então, diminuíamos
a quantidade de prova e colocávamos os testes. Os testes eram para serem feitos,
em vez de em duas horas, em uma hora. Uma coisa mais rápida, mais localizada em
termos de conteúdo também. E as provas de um modo mais abrangente. E nós
tínhamos também lista de exercícios. Só que essas listas de exercícios não tinham
uma nota direta para o aluno. Era mais no sentido de apoio ao aluno, para que eles
revissem a matéria para a prova. E nós procurávamos colocar algum exercício da
lista ou mesmo parecido na prova para beneficiar aqueles que se debruçavam na
lista de exercícios. Era basicamente uma avaliação do lado somativo em cima das
provas. Do lado da avaliação de um modo geral, eu olhava aqueles alunos que
estavam sempre presentes, os que participavam mais, e aí estar aferindo isso
também na hora de avaliar.
LP – Você não pensava só no exame... a prova reprova...olhava o aluno. O que é
difícil numa turma grande.
LS – Com certeza. Inclusive nas turmas depois de 1990, que já eram feitas
atividades em grupo, era muito comum eu pegar alguns alunos melhores, digamos
assim, mais desenvolvidos, e eles tornavam-se monitores dos outros. Essa era uma
metodologia que nem sempre era bem vista por outros professores, mas que
funcionava.
LP – E com relação ao currículo de matemática para a engenharia, você participou
de alguma modificação desse currículo? Interessa também o que motivou essa
modificação.
LS – Você fala a matemática na engenharia?
LP – Sim.
LS – A primeira modificação que eu senti lá foi essa questão do trabalho em equipe.
Porque como a gente tinha a equipe de cálculo no final dos anos 70(setenta), ficava
um pouco engessado a gente estar olhando a especificidade de cada curso. Então,
por mais que a gente quisesse fazer uma coisa mais voltada para aquele curso,
como todos deveriam ter o mesmo tipo de avaliação e aí fazíamos aquelas
avaliações em conjunto, isso amarrava em termos do conteúdo. A primeira vez que
nós sentamos no colegiado do departamento para fazer uma modificação para esse
curso de Cálculo, de Geometria Analítica principalmente e de Álgebra Linear, que
havia muitas turmas, foi no sentido de não ter mais esta equipe funcionando assim,
mas por curso. Então, quem dava aula para Engenharia Mecânica, Engenharia Civil,
tinha uma equipe. Quem dava aula para a Engenharia Elétrica tinha outra equipe.
LP – Quando foi isso?
LS – No final dos anos 80. Foi quando teve também reforma no colegiado de
matemática. E de lá para cá, houve maior espaço pro professor estar se
movimentando em relação a olhar para o curso e saber o que o colegiado também
queria em relação ao curso. Quanto às mudanças que os cursos pediam, nas
disciplinas de matemática eram mais no sentido de ter vaga sempre, não colocar
professor que não fosse efetivo – porque começaram a aparecer substitutos - e
eram chamados para opinar no colegiado, lá junto com eles nas questões internas
de divisão das disciplinas. Teve época que Cálculo I, pegava desde a parte de
derivada até o final todo de integração, num curso mais longo, porque eram 90
(noventa) horas, depois passou a ser 75(setenta e cinco). Então houveram
mudanças de carga horária que indicavam também mudanças de conteúdo. O
representante do colegiado de matemática na engenharia participava. Teve umas
três modificações, pelo menos, que eu me lembre de 80 até 90. E essas
modificações eram por isso. Porque os cursos sofriam modificações na sua grade
curricular como um todo e as disciplinas tinham que se adaptar.
LP – E na época que você estudou isso não existia, não é? No final da década de
60, início da década de 70.
LS – Na década de 70 não era assim. As disciplinas eram anuais e elas eram em
conjunto. Nós tivemos disciplinas de matemática na década de 80 que eram juntas,
mas era assim: do curso de matemática com o curso de física, ou duas turmas da
engenharia. Era possível um aluno da engenharia civil fazer junto com um da
engenharia mecânica, mas era o máximo. Já era periódico, semestral.
LP – Foi com a Lei 5520 de 1968.
LS – Em 1970 ainda era anual.
LP – Acho que foi implementado em 1972...
LS – De 1972 para 1973 é que passou a ser semestral.
LP – Algo mais que você queira acrescentar?
LS – Talvez na questão da Álgebra Linear.
LP – Isso é uma coisa que me interessa. Eu comecei minha pesquisa desde o
século XVI, para conteúdo, apesar de não estar no meu período delimitado. Notei
que naquela época existia Álgebra, não era Linear. Existia Álgebra no currículo da
Engenharia, quando surgiram os cursos de engenharia no Brasil. E quando eu
verifiquei o primeiro currículo de engenharia da UFES, vi isso. Aí fiquei com essa
lacuna. Não consegui preencher. Por que saiu a Álgebra. Depois veio a Álgebra,
veio a Álgebra Linear, então, por que houve essa mudança? Não consegui descobrir
ainda.
LS – Sabe aquele livro do Pablo & Meryno, que falei que é antigo? A escola de
engenharia ainda tinha aulas por ele. Meu cunhado que estudava engenharia e
matemática, tinha aula lá e suavam o livro. Eu lembro que os meninos falavam. Aula
com Árabe Filho, para dar conta desse livro, justamente porque ele tinha um
enfoque bastante vetorial. Então o Cálculo, abrangia um Cálculo Vetorial. E aí,
quando chegava na análise, era análise vetorial, e análise algébrica, era separado. E
aí, quando veio a questão da Álgebra Linear, ela veio tomar uma parte da Geometria
Analítica, com ênfase vetorial. E o Cálculo Vetorial praticamente – não desapareceu,
mas - tomou uma outra ênfase, através de limites e epsons e deltas. Uma ênfase
menos vetorial. Essa parte ficou com a Geometria Analítica e Álgebra Linear. E a
Álgebra Linear começou a se destacar forte a partir dos anos 70, quando eu
comecei a dar aula ela já existia como disciplina, em 77, já existia até Álgebra
Multilinear, em 82.
LP – E o que você acha que isso trouxe de impacto, o que melhorou?
LS – Eu acho que melhorou inclusive para a engenharia, em termos de ser mais
específico, porque antes, ficava meio misturado e escondido no meio do Cálculo.
Agora não, você tinha uma liberdade de estar trabalhando com vetores, depois com
as transformações lineares, que vieram ajudar noutras partes da engenharia.
Principalmente para a engenharia elétrica. Do currículo de mecânica não sei muito
bem, mas acho que também tem disciplinas que dependem.
LP – Acho que sim, porque tem muito modelo. Eles pegam uma situação física,
geram um modelo matemático, resolvem a situação e pegam essa resolução e
aplicam na parte física novamente.
LS – Eu acho que sim. A parte de transformações, auto-valores, auto-vetores para a
Álgebra Linear e que antes não aparecia no Cálculo.
LP – Era tudo feito lá.
LS – Era feito lá, mas não tudo. Essa parte, por exemplo, das transformações já é
nova. Não aparecia no Cálculo Vetorial.
LP – Muito obrigada pela entrevista...
LS – De nada.
Geraldo Rossoni Sisquini(GS), professor efetivo do Departamento de Engenharia
Mecânica da UFES, no dia 19/09/2007 no Centro Tecnológico da UFES, em sua
sala.
LP – Professor, gostaria que falasse um pouco sobre sua formação acadêmica.
GS – Até hoje?
LP – Até hoje.
GS – Superior?
LP- Fique à vontade. Se quiser contar alguma história.
GS – Eu sou daquela época que o pessoal começava a estudar e não fazia o pré.
Não existia. Fiz o primário em Colatina, em escola pública, de primeira a quarta
série. Na época tinha que fazer uma prova para evitar de fazer o quinto ano. Era de
primeira a quarta série e tinha a quinta série – não sei qual a equivalência agora – e
para evitar de fazer a quinta série. Então você fazia uma prova. Se passasse ia
direto para a outra...
LP – Era ginasial na época?
GS – O ginásio, exatamente. Dali eu fui para o Marista, colégio de padre até o
segundo ano.
LP – Marista aqui (em Vitória) ou lá (em Colatina)?
GS – Marista de Colatina até o segundo ano. E tem uma formação...mais rígida de
disciplina, apesar de a gente ter sido sempre moleque, tive uma infância rica, porque
tive oportunidade... praticava esporte, vivia mais solto... os filhos da gente vivem
mais presos, não é? Então tive uma infância rica. Depois eu vim para Vitória, fiz um
bolsão, ganhei uma bolsa no Nacional, e fiz o terceiro ano aqui em Vitória no
Nacional, na época. Naquela época não tinha nem o nome, saiu com o nome de
uma escola pública que tinha aqui do lado do estádio da Desportiva. Não me lembro
o nome. É o nome até de uma pessoa. E aí, passei bem no vestibular...
LP – Você já fez para engenharia mecânica.
GS – É. Eu já sabia que ia passar, pelo desempenho nos simulados. Fiquei
despreocupado. Passei bem na época, em segundo lugar e fiquei aqui até o quinto
ano. Entrei em 1978 e saí em 1982. Fiz um concurso na Petrobrás, na Marinha e na
Nuclebrás. Passei na Nuclebrás, para trabalhar no programa nuclear brasileiro. Na
época estava previsto no projeto nuclear brasileiro, a criação de cinco usinas: Angra
I, II e III e Periube I e II. Naquele ano, o governo, por um motivo qualquer que não
me lembro agora, não sei se econômico, não sei se de política energética,
desacelerou o programa. O programa era em conjunto com a Alemanha. Até estudei
alemão na época, porque era previsto para a gente ir à Alemanha fazer treinamento,
e a gente chegou a fazer um treinamento de um ano, de especialização...
LP – Você chegou a ir à Alemanha?
GS – Não. Alguns até deram prosseguimento naquela época, alguns poucos. A
maioria se debandou para outras opções que apareceram no mercado. No final do
ano eu fiz dois concursos, um na Cosipa e na Universidade Federal do Espírito
Santo. Foi quando passei no concurso da Universidade Federal no início de 1984 e
assumi aqui em março e estou dando aula desde 84. [risos] Então, o programa foi
desacelerado, Periube I e Periube II, o local previsto virou uma área de preservação
ambiental protegida por lei, não pode mais fazer isso lá, por causa da
desaceleração, que na época já estava aprovada e aí não deu continuidade. Angra
I...enrolou, saiu. Angra II saiu agora e agora o governo está querendo implantar
Angra III. Já está previsto e deve sair. E aí você vê, desde 1984... vinte e três anos.
Depois disso eu vim para cá em 1984, fiz mestrado de 1989 a 1991 e voltei em 1995
para fazer doutorado...
LP – Fez aqui?
GS – No Rio.
LP – Na PUC?
GS – É. Mestrado na área de Dinâmica de Estrutura e fiz o doutorado em
Oceanografia, voltado para estruturas oceânicas, lá na UFRJ de novo. De 1995 a
1999. E minha formação seria essa. A Universidade permitiu que a gente se
treinasse dessa forma, titulando em mestrado e doutorado.
LP – Pensando nas disciplinas que ministrou/ministra aqui, como você vê a
necessidade da matemática que é vista no início do curso dentro da sua disciplina e
como você vê que os alunos chegam para você?
GS – Nós temos uma série de disciplinas que não precisam, vamos dizer assim, de
uma base forte de matemática e física, que é a parte tecnológica. Por trás dela
sempre tem. Para conhecer os processos, de usinagem, por exemplo, você não
precisa. Mas para entendê-los, você precisa, porque por detrás disso você precisa
saber como é a interação das ferramentas com o material, onde tem forças de
contato com o material, as reações contém cálculo, então você precisa de
matemática nessa parte de conhecimento mesmo daquilo que está por trás do
processo industrial. Você vai operar o equipamento, mas até chegar até ali, projetar,
fazer funcionar tem uma base matemática por trás disso. A maioria das disciplinas
sempre precisou de um conhecimento bom, porque na realidade, o que caracteriza a
diferença entre um engenheiro e um tecnólogo de nível superior, é que o engenheiro
tem uma boa base matemática e física e o tecnólogo não tem. O tecnólogo pode ter
até uma boa bagagem de formação na área tecnológica, mas não tem uma base
boa de formação em matemática e física. Isso permite que o tecnólgo desenvolva,
projete, vá mais profundamente em um assunto qualquer que ele queira se
aventurar. São detalhes que realmente, o engenheiro, numa questão de
formação....[pausa]
LP – Se não tivesse, faria falta.
GS – Faria não, faz falta. Pode não fazer depois de formado em função da atividade
que a pessoa for desenvolver. Mas mesmo assim, as pessoas às vezes não
percebem, mas elas sempre vão precisar... podem até evitar, mas sempre vão
precisar.
LP – Como os alunos estão chegando aqui?
GS – Hoje eu acho que estão chegando melhor. Eu assumi a Coodernação34 em
2001 e o problema maior que nós tínhamos era a rotatividade de professores
substitutos. Alguns bons, alguns muito ruins. Esses ruins, colaboravam para que os
alunos tivessem dificuldade no nosso básico profissional. Quando os professores
que dão os cursos são professores do quadro efetivo ou são professores substitutos
de boa qualificação, eles chegam muito bem, com uma formação muito boa. Essa
parceria é importante, da física, matemática, o básico, com a parte básica
profissional dos cursos de engenharia.
LP – Então você considera que a base hoje em dia está melhor estruturada do que
era antigamente.
GS – Na minha época era melhor ainda. Aí que está a questão! na minha época não
existia a figura do professor substituto, quando eu me formei. Então era bem mais
forte, melhor, os alunos saíam melhores ainda. Hoje eu diria que eles saem um
pouquinho piores do que na minha época – a universidade como um todo passa por
esse processo de precariedade do trabalho do professor, com carga horária muito
grande, com um esforço muito grande, têm contratado professor substituto para
atender e às vezes eles não atendem como deveriam – então, nós temos essa
dificuldade hoje que não tínhamos no passado. No passado era professor efetivo e
pronto. A qualidade do ensino era boa. Você poderia ter um professor que exigia
mais que outro, mas a qualidade sempre foi boa.
LP – Já ouvi boas estórias.
GS – É. Tem uns professores antigos com umas estórias interessantes. Eu mesmo
já tive várias quando fui aluno... mas a diferença de hoje é essa. Você tem hoje um
básico que comparado com a minha época, o básico hoje deixa um pouco a desejar
em função do momento. Não quer dizer que daqui a dois, três, quatro anos possa
estar melhor que hoje. Depende de como o governo vai se comportar com relação à
34 Coordenador do Centro...
contratação de pessoas... se trocar todo o quadro de professores substitutos e
colocar efetivos, com certeza muda bastante isso.
LP – E em relação às avaliações? Na minha pesquisa estou preocupada em analisar
o que ocorreu ao longo do tempo. Se ocorreram mudanças ou se permanecem. O
objetivo não é julgar o que era pior ou melhor. Quero analisar como era no passado
e como é hoje.
GS – Eu diria que as avaliações antigamente eram mais pesadas do que hoje. As
avaliações que nós fazíamos antigamente exigiam muito mais... você não tinha
recursos de computador como tem hoje, que você pode fazer simulações e enxergar
algumas coisas com mais facilidade, antigamente você não tinha facilidade... as
demonstrações que você consegue fazer hoje com o computador ou outros
recursos... está bem melhor que antigamente, quando o grau de exigência era maior
nas avaliações, se for comparar.
Hoje o aluno está chegando menos preparado que antigamente, ele sente mais o
impacto das avaliações que antigamente. Mas isso muda de período para período,
porque, por exemplo, tem uma coisa que influencia muito. Na minha época era dez
por um35, então você selecionava melhor também. Depois caiu para seis por um, por
um tempo e agora voltou a ficar na casa dos dez por um – o curso de engenharia
mecânica – isso faz com que você selecione melhor. Temos duas entradas, na do
primeiro semestre, os alunos são excelentes – o histórico -, na turma do segundo, já
cai bastante. Mas a tendência agora é o nível ser melhor em função da relação
aluno por vaga ter crescido. Tem outros cursos por aí, como medicina, por exemplo,
que segundo alguns colegas, propõem o que querem para os alunos e eles
assimilam com facilidade, porque o nível é alto. Outra questão importante também é
que quanto maior o nível dos alunos, de formação intelectual, você pode aumentar a
exigência e eles não sentem tanto. A gente percebe isso quando dá um curso
noturno. Os alunos que têm aulas à noite... a avaliação que você dá à noite tem que
ser um pouquinho inferior do que a que você dá para os alunos do curso diurno. A
clientela também determina o grau nível. Então o professor tem que ter cuidado
nisso. Dependendo da turma você tem que saber até onde pode ir com ela, se não
quiser reprovar em grande escala.
35 Refere-se à quantidade de alunos por vaga no vestibular.
LP – As avaliações aqui permitem a utilização de recursos, como computador,
calculadora...
GS – Não. O computador permite que você enxergue melhor, porque você faz uma
simulação... por exemplo, eu pego um cálculo aqui de um parâmetro qualquer e no
computador eu faço rapidinho, calculo, e não calculo um ponto... posso calcular
vários pontos e enxergar como que um e outro vão dar resposta. Quando você faz
na mão, fica muito grande, você só faz uma vez e não procura entender.
LP – Então você acha que o computador auxilia na compreensão do
desenvolvimento do conhecimento.
GS – Exatamente.
LP – E isso facilita para eles fazerem a avaliação depois.
GS – Também. Porque você já enxergou o caminho, já conhece várias situações,
chega a uma resposta mais segura.
LP – E a calculadora é utilizada na avaliação?
GS – Depende do curso. Dependendo da avaliação é.
LP – E como é a sua avaliação?
GS – Depende. Quando tenho turmas com poucos alunos, faço uma avaliação mais
dirigida. Conheço o aluno, vou passando trabalhos, verifico onde errou, vamos
corrigindo, passo de novo.
LP - Então você faz avaliação, não exame. Para mim, exame é: você faz uma prova
e tem uma nota que aprova ou reprova. Avaliação é quando vai conduzindo, se ele
não está bem...
GS – Com pouco aluno dá para fazer isso... agora, quando é uma turma grande com
quarenta... é marcar uma prova de cinco questões, quatro questões, três... eu faço
um gabarito, corrijo, procuro padronizar o gabarito para que ninguém reclame que o
outro foi beneficiado.
LP – Você tem então um critério determinado e isso é passado para eles.
GS- É.
LP- E você aceita recursos?
GS – Aceito.
LP – Se alguém quiser discutir alguma coisa...
GS – Até me prova final. Isso depende muito do professor. O professor não tem
obrigação de atender aluno na prova final... pegar, fazer, olhar como está a prova.
Não tem essa obrigação.
LP – Na prova final. Mas durante o curso...
GS – Durante o curso sempre faz.. pega, olha e tal...tira a dúvida. Porque às vezes
tem... eu mesmo já passei por isso...um problema pode ser resolvido de várias
maneiras e às vezes a que você colocou não foi aquela do gabarito e você não
enxergou. Aí o aluno vem e mostra e você vai e corrige. Ou você pode ter cometido
algum erro e quanto faz esse feed-back com o aluno é que vê quem tem razão ou
não. Se ele não tem você mostra e ele sai satisfeito porque vê que realmente estava
errado e pronto. Até na prova final eu faço isso... quando não é problemático.
Quando aparecem alguns problemas de cola, aí eu já não... eu sou... tem cola aqui..
e a nota é essa... se quiser vai no departamento e entra com requerimento...
LP – A tolerância cai, com certeza.
GS – É. Aí eu já não tenho muita paciência, não [entre risos]
LP – E você sempre procedeu assim, ou foi aprendendo ao longo do tempo? Vamos
pensar. Você começou em 1984, estamos em 2007, são vinte e três anos. Como
você analisa, pensando no seu comportamento como professor?
GS – Na realidade eu fiz o curso de engenharia mecânica, logo depois o curso de
engenharia civil, mestrado e doutorado. Então você tem a experiência de aluno e de
professor por um bom tempo. E aí você tem vários estilos de dar aula, de
avaliações, de postura na sala de aula e você vai tirando, talvez intimamente, um
pouquinho de cada coisa e vai desenvolvendo o seu perfil. Eu acho que é um pouco
disso.
LP – Como isso foi ocorrendo ao longo do tempo. No início você não fazia como faz
hoje?
GS – Na época até que não era muito diferente não. Pelo menos nessa parte de
exame. Eu sempre dei aula para muitos alunos então sempre fui liberal nesse
aspecto de atendimento para reclamação de questão. Na realidade não tinha nada
para esconder, não é? Tem professor que o aluno nem vê a prova. Não sabe nem o
que errou. Não gosto disso não. Eu gosto que o professor veja que estava errado o
que estava certo, te convença. Acho que isso é importante.
LP – Fala agora um pouquinho sobre sua prática na sala de aula. Como você
costuma agir na sala de aula?
GS – Eu não gosto de entra e sai na aula...
LP - Você costuma conversar, você costuma fazer dinâmicas de grupo...ou sua aula
já é mais tradicional...
GS – É mais tradicional mesmo. Nas matérias que eu leciono... isso também
depende do tipo de aula que você dá. Ás vezes as pessoas confundem muito. Se
você dá uma aula de cálculo, física, algumas matérias do básico, você tem um livro
texto, a teoria e exercícios. O foco é aquele ali. A teoria, que eu procuro demonstrar,
abro um exercício para poder o aluno tirar a dúvida que ele poderia ter da teoria...
mais ou menos assim o fechamento. E quando você está dando uma aula que
requer mais tempo, você interfere onde tiver mais dificuldade, você procura pegar
exercícios mais pontuais, para cobrir aquela lacuna. Isso aí eu sempre fiz nas
matérias que eu dei aula. A gente percebe isso... qual o exercício mais adequado
para aquele assunto. Eu acho que a dificuldade maior é essa. Saber selecionar o
exercício adequado para o assunto. Isso eu aprendi a fazer. Mas é mais tradicional.
Porque a gente encontra professores da antiga aqui mesmo, que na minha época
gostava muito de ficar conversando. Conversava sobre um assunto que não tem
nada a ver com a matéria. Matava a aula todinha... eu me lembro de um colega
nosso aí, que o livro são dez capítulos. Ele só deu seis. Então o que acontece? Você
tem um programa para cumprir e tem um tempo. Esse professor provavelmente,
acho que nunca cumpriu aquele programa. Se cumpriu, eu não sei. [risos]
Entendeu? Acho que tem que ter essa noção de tempo para dar um curso. Na
primeira vez você pode até errar na dosagem. Na segunda você acaba acertando.
Você sabe quando pode estar atrasado, quando pode estar adiantado. Isso depende
também muito de época. Tinha época que o pessoal tinha problemas políticos
maiores, discutia às vezes algumas coisas em sala de aula, mas eu nunca gostei
muito de misturar essas coisas em sala de aula não. Ficar conversando sobre
assuntos filosóficos, políticos, sociais em sala de aula. [sorriso]
Na verdade demanda tempo e a pessoa tem que ter leitura sobre esse assunto e
nem sempre os alunos também gostam disso. De uns tempos para cá, as turmas
que vêm do cursinho, vêm com outra dinâmica. Alguns cursinhos são muito... como
eu diria... liberais na disciplina. Não sei se continua assim, na minha época e há
algum tempo atrás, e eles acham que aqui tem que ter a mesma... é um entra e sai,
uma conversa, começa a conversar na aula...esse tipo de reclamação...tinha uma
turma assim muito pesada nesse sentido. Eu já tive turma assim, mas eu sempre
soube me impor, não é? Então na primeira chamada, “nego” já....
LP – Tamanho não falta, não é? [risos].. quando o aluno olha para cima assim...
GS – É.... [risos]. Quando você enquadra logo no início, pronto. Eu não tenho...
nunca tive... e quando tem nós vamos lá. Mas aqui a gente tem que fazer esses
acertos... disciplinar...tem uns alunos que entram muito abusados,
LP – Eles entram muito novos também...
GS – Imaturos. Mas ao mesmo tempo se a pessoa deixa, vira uma bagunça na sala
de aula. A verdade é que na universidade, os professores não foram treinados e
nem têm interesse de ficar contando piada, sentando no colo de aluno, fazendo
gracinha...
LP – Em cursinho tem muito show...
GS – Tem muito show. Então, pega um violão, toca uma música pra poder o aluno
aprender uma seqüência... [risos] ...esse tipo de coisa não existe na universidade.
LP – E nem pode ter... aqui é um outro nível de conhecimento.
GS – Exatamente.
LP – Tem que se ter outra postura.
GS – É isso que eu falo. Então, às vezes, - como a gente não está lá vendo como as
aulas estão sendo conduzidas – se for dessa forma como eu já vi nesses cursinhos,
chega aqui o professor tem outra postura. Chega, já vai passando matéria e o aluno
quando vê já está tendo uma prova e... aí que ele começa a perceber que a coisa
mudou. No cursinho a prova é objetiva, não sabe, marca um x. Agora está tendo
mais objetiva, antigamente nem tinha.
LP – As suas são mais descritivas...
GS – Todas. A maioria das provas do curso de engenharia são descritivas. Tem uma
ou outra avaliação que algum professor faz, às vezes, objetiva, mais por uma
questão de momento, quer dar uma avaliação mais leve, mas a maioria é descritiva.
LP – Você teria alguma avaliação que eu poderia ver?
GS – Aqui?
LP – Ou até em casa, se quiser trazer...Até talvez alguma que você tenha feito.
GS – Eu devo ter... acho que eu tenho.
[levantou-se e foi procurar o que tinha disponível em sua sala]
LP – Pois é, joguei muita coisa fora antes de começar a estudar história.
[Ele mostrou algumas provas e os comentários que se seguem são meio
desordenados por conta dos papéis que estavam sendo analisados. Ficaram mais
pontuais, mas ainda assim decidi mantê-los]
LP – É interessante a questão da caligrafia. Antigamente tinha uma exigência de se
manter a caligrafia mais trabalhada.
GS – Isso aqui é um gabarito.
LP – Interessante!
GS – Aqui a prova.
LP – Isso é interessante. Você faz a resolução da prova para depois comparar com
a resposta deles?
GS – É. Exatamente, porque serve de referencial para eu tirar dúvida no caso do
aluno querer fazer uma revisão, você tem ela toda. Olha... aqui estão os valores de
cada... só eu que vou entender, lógico...[risos]
LP – Não, dá para entender. Muito legal isso!
GS – Aqui tem uma outra prova. Aqui a resolução daquela ali.
LP – Todas essas são provas recentes, não é?
GS – Sim. Essa aqui foi recente, porque semestre passado eu tive que substituir um
professor.
LP – Antiga você teria alguma? De quando você começou a dar aula?
GS – Não. Devo ter de uns seis anos atrás.
LP – Estou olhando aqui... De novo, vou explicar que não estou julgando e sim
comentando... o objetivo, inclusive na minha pesquisa, não vou comentar sobre se é
bom ou ruim, certo ou errado... só estou analisando o que é. As disciplinas de
mecânica I e II são requeridas em outros conhecimentos técnicos.
GS – Isso.
LS – Elas são pré-requisito inclusive para outras disciplinas. Você acha que esse
tipo de trabalho – aqui estamos vendo... uma caixa de peso, uma bola de aço, enfim
– na aplicação do conhecimento que o engenheiro vai necessitar na atuação
profissional dele. Você se preocupa com isso? Porque só por aqui não dá para ter
essa noção.
GS – Tem umas questões aqui... por exemplo... isso aqui... no controle de
qualidade. Tem aquela esferinha no rolamento, ela sai de uma canaleta e tem um
recipiente, o que cair dentro dele passou no controle de qualidade, o que cair fora
não passou.
LP – Na sua prática de sala de aula você comenta isso, ou eles têm que chegar a
essa conclusão?
GS – Isso aqui, por exemplo, é um mecanismozinho...
LP – Sabe por que pergunto?
GS – Isso aqui... é um mecanismo para aplicar a força com a mão, mas eu poderia
estar puxando com um cabo, uma engrenagem. Aqui é uma viga apoiada num cabo
e você tem aí passarelas, pontes, algumas marquises com cabo de aço. Tudo isso
aqui você encontra. Deve usar na prática. Eu procuro colocar normalmente, em
mecânica principalmente, primeiro exemplos que façam a revisão da teoria e que dê
para o aluno ver que aquilo ali...porque aqui, por exemplo, eu calculo as forças,
depois eu posso calcular o diâmetro desse eixo... numa outra disciplina: Resistência
dos Materiais que vai tratar isso: selecionar o material, especificar os materiais, etc...
certificar o tipo de rolamento, lá em Elementos de Máquinas. Na verdade, a
Mecânica faz parte do currículo para aprender a calcular as forças que compõem o
sistema. Com isso você usa em Resistência dos Materiais para, para projetar,
dimensionar a espessura da chapa, o diâmetro do eixo, a área da seção da viga,
enfim... esse cabo aqui, qual o diâmetro dele... essas coisas, através desses
exemplos aqui você vai aproveitar.
LP – Isso é muito importante. Inclusive, foi um questionamento, pois fiz entrevista
não só com o Fabrício, mas com outros que se formaram aqui e foi um
questionamento, que o curso universitário é muito teórico e fica longe da prática.
GS – O que ocorre é que depende do momento. Às vezes a pessoa não consegue
fazer o link. Então o professor precisa falar: “tá vendo, aquilo que fizeram lá estão
usando aqui!” O que falta, às vezes, no aluno é perceber isso.
LP – Mas será que ele tem maturidade para perceber isso?
GS – É. Também ele tem que ter um entendimento. Alguns tem facilidade para
entender, outros, o professor precisa mostrar: vou calcular isso, mas isso aqui você
já viu na matéria tal... Vou dar um exercício aqui para vocês revisarem o que viram
lá. Agora, vamos aplicar o que eu ensinei aqui...para ver o link...
LP – Você tem essa preocupação.
GS – Eu não dou essas matérias na frente, mas se eu desse eu mostraria: “em
mecânica, vocês já viram isso!”. Eu sei que a maioria não faz isso, porque na
realidade o que acontece...eu diria que nem todo mundo, nem o engenheiro tem
uma noção global do curso de engenharia, ou seja, de pensar porque essa disciplina
está aqui. Ele não está preocupado. Está preocupado em dar aula da disciplina
dele... especializei nisso aqui, estou trabalhando nisso...
Esse tipo de preocupação não é todo mundo que tem. Eu posso mostrar para
qualquer pessoa... você viu lá na disciplina tal... eu consigo fazer... tenho
conhecimento das disciplinas. Para ver isso aqui, você precisa disso, e isso, e
isso...pronto. Está aí! Nem todo mundo tem essa facilidade.
LP – O que você pensa a respeito disso? De não ter essa preocupação?
GS – Eu acho que é uma questão individual. Eu tenho alguns conhecimentos
específicos bem aprofundados, mas tenho um conhecimento geral bom em todas as
matérias. Não é todo mundo que tem isso. São poucos. Não é todo mundo que
percebe isso, ou se percebe não dá importância. O aluno meu, Fabrício, ele está lá
na empresa... ele tem lá eixo... ele aprendeu como calcular... – é por isso que eu
falo, você está na empresa, deu um problema lá qualquer, você pode não precisar
resolver, mas precisa saber como encaminhar aquilo para resolver... ah! quebrou um
equipamento... você tem que saber como fazer um relatório, ver o que vai ser
importante verificar, verificar material, encaminhar para alguém fazer análise, tem
que saber interpretar isso tudo e para isso, você passa pelas matérias básicas
todas. Se não tiver, não vai saber preparar o relatório, não vai saber pedir... eu
quero o quê?... quero que você faça isso... o cara traz e você tem que saber o
quê?... saber ler e interpretar aquilo ali. Isso passa por todas aquelas matérias que o
individuo teve. Às vezes ele acha que porque está numa empresa, mais na parte de
administração, ele usa pouco a base, aquela parte de matemática ele acaba usando
pouco. Quem trabalha em projeto é que mexe mais com isso. Quem está mais em
trabalho de campo, em especificação, em solicitação de serviços, verificação de
inspeção, troca ou não de equipamento... essa parte, você vê em algumas
disciplinas. Ás vezes acaba nem vendo, dependendo se ela é optativa, como Direito,
então às vezes, ele não fez a disciplina que era optativa e agora está trabalhando
mais nela. Tem isso, não é? Mas o básico, nós mudamos o currículo agora
recentemente para contemplar mais ainda.
LP- Isso é uma coisa que me interessa também. Quais as mudanças que ocorreram
no currículo e o que provocou essa mudança?
GS – Antigamente, até o quarto período as disciplinas eram só básicas. Hoje você
começa a fazer já desde o primeiro período, disciplinas do profissional, como
Introdução à engenharia, o que é engenharia, no segundo você já vê ensaio dos
materiais, termodinâmica, mecânica I no terceiro, resistência dos materiais no
quarto, tem uma série de disciplinas do profissional desde o primeiro período, coisa
que não se fazia antigamente.
LP – Isso aconteceu agora em 2006?
GS – Não. No nosso curso já existia e nós melhoramos.
LP – Quando ocorreu essa mudança?
GS – Em 1992. Isso já foi feito em 92, mas foi melhorado agora para 2008 e agora
nós introduzimos uma carga horária maior para as disciplinas em laboratório, que
era uma falha.
[o depoente atende o telefone]
GS – Mais alguma coisa?
LP – Não. Era para tentar entender essas mudanças e porque ocorreram.
GS – É. A última mudança... nós temos disciplinas aqui que têm uma parte teórica e
uma parte laboratorial, uma parte de experimentos em laboratório, vamos dizer
assim. Nós desacoplamos porque percebemos que alguns professores não estão
cumprindo. A partir do momento que criamos a disciplina Laboratório tal, aquele
programa vai ter que ser cumprido, vai ter um professor responsável. A teoria quem
dá é outro ou pode ser até o mesmo, mas tem outra disciplina. Tínhamos o conteúdo
do laboratório não cumprido por alguns. Depois nós ampliamos o leque também
para contemplar outros assuntos que a gente precisava contemplar para permitir que
o aluno tenha a formação forte de matemática e física aplicada também em
experimentos para ele ir tirando as conclusões, vendo como a coisa funciona na
realidade.
LP - E a de 1992, você lembra o que desencadeou essa mudança?
GS – A de 1992, quando eu fiz, ela não tinha essa mistura de profissional com o
básico. Os quatro primeiro períodos, era todo de disciplinas do básico. Tinha Cálculo
I, II, III e IV, Física I, II, III, IV...
LP – Física Experimental.
GS – Física Experimental I e II.
LP – Cálculo Numérico.
GS - Cálculo Numérico, Geometria Analítica, tinha Geometria descritiva, tinha
desenho técnico, química tecnológica, probabilidade e estatística, processamento de
dados. Hoje nós temos Cálculo I, II e III, com 90 horas, Álgebra Linear I, Geometria I.
A parte de física toda veio para o departamento, por causa das dificuldades que
tivemos em Física para cumprir...
LP – Então a Física vai ficar por aqui.
GS – É. Antigamente era tudo I, II, III e IV. Física I virou a disciplina Fundamentos,
Física II virou Termodinâmica I dada por nós, Física III virou Eletromagnetismo e
Produção dada pela Elétrica, e Física IV virou Ótica e Introdução à Física Moderna.
Hoje vamos dar Mecânica I, II e III a partir do segundo período, e aí nós temos a
parte de laboratório, que a gente chama de Física de Laboratório I, II e III, onde a I
aborda a Física Instrumental... a Elétrica junto com a gente continua dando... eles
fizeram uma mudança lá e dão essa parte introdutória, introdução ao
eletromagnetismo, circuitos eletrônicos e eletrotécnica. Tem ainda a ótica aplicada.
E nós estamos resolvendo os problemas aqui.
LP – Por enquanto é só. Algo mais que você queira acrescentar?
GS – Não.
LP – Obrigada pela entrevista.
Myrtha Saloquer Fayet(MF) professora do departamento de matemática, no dia
02/05/08, em sua residência em Vitória.
LP – Bom dia Professora Myrtha, é um prazer imenso estar aqui com a senhora.
nessa entrevista. Gostaria que a senhora falasse um pouco sobre a sua formação.
MF – Bom dia, o ginasial foi no Júlio de Castilhos36, me lembro eu e a Vera Lígia
Lima... ah sim, eu com meu vestido de formatura daqui, me lembro branco, muito
bonito, estava na instalação da assembléia legislativa em Porto Alegre. Eu tenho a
fotografia que saiu na primeira folha da Folha da Tarde.. é um dos periódicos de lá
na ocasião. Depois, freqüentando o científico, eu e a Vera Lígia, eu tenho até por
acaso o postal, a gente subindo a ladeira e a pé, para assistir os discursos do
Fernando Ferrari37 e do Mem de Sá38. E muita gente outro dia perguntando se
36 Refere-se ao Colégio Estadual Júlio de Castilhos, fundado em 23 de março 1900, com o nome de Gimnásio do
Rio Grande do Sul, em Porto Alegre- RS, ainda em funcionamento.
37 Político trabalhista Gaúcho, atuante no final da década de 50, fundador do Movimento Trabalhista Renovador,
morreu em 63, vitimado de um acidente aéreo, e tem várias obras públicas que levam seu nome, como o Centro
Administrativo do Estado do Rio Grande do Sul, que se chama Centro Administrativo Fernando Ferrari e aqui no
Espírito Santo, uma das principais avenidas da capital Vitória leva o seu nome.
Fernando Ferrari viveu aqui...um excelente deputado, um deputado forjado com
inteligência, um ideal maravilhoso, e perdeu a vida muito cedo. E nessa ocasião lá
em Porto Alegre, ele era Deputado Estadual, o Mem de Sá depois se tornou
Senador, já o Fernando Ferrari faleceu Deputado Federal, não chegou a ser
Senador... uma morte muito prematura... um excelente deputado como agora
desperta esse Onyx Lorenzoni39 lá no Rio Grande do Sul. E... uma inconfidência...
não é bom chefe de família, mas um excelente político [risos]... incrível não é? como
acontece... bom... a formação... o curso de matemática foi o que se tinha na época,
não é? Eu creio que o IMPA, o Instituto de Matemática Pura e Aplicada era
freqüentado num porão, que foi o que eu encontrei depois que eu me formei e eu fui
em Botafogo. A gente lá no Sul nem tinha notícia do Instituto de Matemática Pura e
Aplicada, nem se falava em pós-graduação. O curso de pós-graduação era possível
no Brasil historicamente para poucas disciplinas. Só as pessoas mais abastadas é
que podiam ir ao estrangeiro procurar uma pós-graduação.
LP – E os livros? Havia livros? Eles vinham de onde? Qual a origem? Europa ou
Estados Unidos?
MF – Na matemática teve a época da Itália, depois França, depois a época
Americana e agora com a globalização, não se pode definir... vai pro computador e
aí se têm todas as informações.
LP – Na década de 70 já tinha a influência americana?
MF – È. Tanto assim que tenho livros em Italiano, Francês, Inglês... em alemão não
passa... mas claro, não podemos nos esquecer de Leibniz.. Newton na Inglaterra e
Leibniz, que era advogado e estava encarregado de fazer as pesquisas por causa
do interesse da família alemã por outro reino, então ele pesquisava essas famílias e
enquanto isso desenvolvia cálculo, não é? E o Newton... e um não sabia do outro,
era muito difícil. Então agora, a gente conhece os cérebros... desponta um aqui,
outro ali... depois do curso de bacharelado eu fiz a licenciatura e a gente saiu com
aquela idéia muito humilde de que pouco a gente sabia e que a gente jamais iria
almejar ser professora de uma escola superior. A gente almejava passar num
concurso para escola secundária. Isto nunca passou pela minha idéia.
38 Mem de Azambuja Sá, nascido em 1905 em Porto Alegre, foi Deputado Estadual de 1947 a 1954 e Senador
de 1956 a 1963 e faleceu em 1989.
39 Deputado pelo PFL-RS.
LP – Essa era uma idéia que existia no curso de matemática? O curso de
matemática era voltado para a formação de professores mesmo? Ou de
matemáticos pesquisadores...
MF – Não. Era um curso superior, não tinha nada disso. Nem havia necessidade
como há agora de formação de professores para o ensino fundamental, mesmo até
superior. Vai faltar professores pro ensino superior, se continuarem com essa
política de carreira pavorosa... imagina, o professor adjunto com salário de
quinhentos , não é possível.. isso aí não resiste...daqui a pouco vão procurar
professores especializados e eles estão na iniciativa privada, estão nas grandes
empresas e não estarão necessariamente dentro das universidades que deveria
alojá-los. E da qual, deveriam ser expulsos, personalidades como esse Reitor lá de
Brasília, Deus que me perdoe...é outro crime... mas lá a gente estudava por estudar,
por ter o anseio de cursar o curso superior e talvez eu quisesse me formar em
química, sei lá... mas eu fui pelo mais fácil, pra mim era as exatas. [risos] O
vestibular era mais fácil... eu me lembro que descritiva, a gente nem conhecia. Meu
irmão que me deu umas aulas, e eu tirei dez, mas você pode imaginar, aqueles
rebatimentos todos, pra quem nunca viu, estudar num fim de semana, não é? Já se
imagina que tive uma boa formação. Não adianta QI sem uma base, a inteligência é
muito importante, mas o suor e a disciplina valem bastante, porque as inteligências
se perdem e eu insisto em falar que sem uma disciplina, uma orientação, a gente
deixa de ter muita gente competente por aí exercendo uma bonita profissão... agora,
quanto à profissão de professor, é sacerdócio.
LP – E como era a sua prática? O que pode falar da senhora enquanto professora?
MF – Engraçado que a minha primeira aula, o nosso centro acadêmico tinha o nome
de Franklyn Delano Roosevelt e os que podiam davam algumas aulas para os que
iam fazer vestibular, porque não tinha os cursinhos. Eu entrei antes do advento dos
cursinhos. E os meus professores no Júlio de Castilhos, ainda eram professores do
curso secundário. Depois, afamados como eram, começaram a fundar cursinhos.
Então esses grandes professores passaram a ser professores de cursinhos e não de
colégios estaduais. Isto aconteceu lá no sul e acho que em outras capitais também.
E eu... falando de prática, no meu curso, nós não tínhamos praticamente aula
prática... era um ou outro evento, um exercício que o professor dava. Todo o curso
era muito teórico, não tinha prática. A primeira aula que eu dei pelo Franklyn Delano
Roosevelt foi à noite numa sala, num porão da engenharia para personalidades. Eu
tenho a impressão que dei a aula toda em cinco minutos, parei e aí falei a aula outra
vez.
LP – Quando foi isso?
MF – Eu era estudante, foi antes de 1954. Mas pior do que eu, eu me lembro em
didática, uma colega nossa muito inteligente, precisava vê-la dando a primeira aula
dela... os olhos voltados para o teto da sala de aula e ela dizendo as coisas. Coisa
incrível não é? A gente nem imagina a posição. Agora eu tive muita sorte. Acho que
eu nunca tive uma palavra que eu repetisse, você lembra? Não, não é?
LP – Não.
MF – Eu só me lembro de uma quando eu dava aula aqui no Colégio Estadual...
uma experiência muito boa, eu pedi pro Arabelo40 e levei quatro turmas de primeira a
quarta série. Não terminaram em quatro, terminaram em duas, mas no terceiro ano
do ginásio, o Pedreira me demonstrava o teorema sem eu precisar fazer a
demonstração, porque eu seguia uma orientação...
LP – Quem é Pedreira?
MF – Tem dois Pedreiras que foram meus alunos. Este infeliz, ele saiu daqui. Fez o
primeiro ano e foi pra Volta Redonda. E que se saiba tinha aqueles ideais todos,
democráticos. O que eu soube dele, que é desabonador, é que ele orientou o
governo, não sei de do Geizel ou anterior, pra trazer as usinas atômicas para Angra.
Isto é um pecado. Eram dois Pedreira. Um mais velho que não saiu daqui e este que
saiu. Freqüentava aquele bloco de Ipanema, enfim, teve o que um bom estudante
faz, uma atividade política boa. Depois prestou pra ser mentor de trazer essas
usinas... tem uma terceira que ainda não foi instalada, tomara que não seja... e as
minhas aulas práticas eu sempre caprichei... eu dava exercícios longos, porque eu
achava que o aluno tinha que desenvolver a atenção, agora, achava abominável dar
uma questão longa numa prova pra nota, porque não havia necessidade. Mas
durante as aulas práticas, eu fazia exercícios bem longos, porque eu queria a
atenção dos alunos, porque a gente na vida real tem todas essas experiências.
Outra coisa também nas minhas aulas, não só práticas, mas em todas, é que eu
acho uma presunção de qualquer professor, de qualquer pessoa achar que está
ensinando, está desenvolvendo um aluno. Ele tem é que despertar no aluno o
interesse de realmente fazer o melhor por ele que é estudar, ler, se aperfeiçoar.
40 Um dos diretores do Colégio Estadual
Claro que a gente tem que ensinar alguma coisa, mas se não despertar isto, é uma
tolice você pensar que em uma aula você vai desenvolver aqueles conhecimentos,
ainda mais matemática que eu reputo uma matéria facílima, que você entende, mas
não apreende, para aprender, você tem que fazer exercícios, tem que ter reflexões,
o que nem todo mundo faz, aí ela se torna difícil, agora ela é fácil na hora que ela é
exposta, porque ela é muito lógica. Então aquilo é banal, é fácil.
LP – É de fácil compreensão para todo mundo, na hora que ele vai fazer fica difícil.
MF – Fica difícil se não tiver a disciplina de exercício e tudo... por isso eu dava valor
de fazer mais prática e tudo. E quanto às aulas práticas na engenharia propriamente
dita, como eu disse, o meu curso foi muito teórico, os exercícios eram teóricos, e foi
muito diferente quando eu encontrei essa realidade, fui convidada para ser
assistente do Árabe e os exercícios tinham mais valor prático. Inclusive ele dava
questões em provas orais e dava pouca importância à definição correta, da parte
teórica correta... eram mais exercícios como chifróides, uma circunferência cujo raio
vai de zero a 1 e desenvolve exatamente o formato da metade de um chifre. Isto é
um exercício de integral tripla. E eu era obrigada a dar os exercícios que ele
marcava, não era uma coisa que dependia de mim e com relação ao objetivo que
você me falou antes e não disse até agora, que é a matemática para o curso de
mecânica. Eu estou aqui com o relatório de fevereiro de 1965, é a comissão de
implantação do curso de engenharia mecânica. Quanto à matemática era a mesma
pra todos os cursos. A Civil, aí vem a Mecânica, depois a Elétrica, ou qualquer outra,
sempre foi a mesma.
LP – Para engenharia era diferente da matemática ou não?
MF – Não. Mesma coisa. Eu tive uma idéia que para o curso de matemática para
formar professores as aulas práticas deveriam ser diferentes das aulas práticas de
engenharia. Foi uma coisa que ficou na minha idéia, mas nunca foi colocada em
realização.
LP – Em todo o período que você deu aula foi assim?
MF – Sempre foi assim, o mesmo tipo de exercício. E aqui estou com o relatório da
comissão.
LP – A senhora tem alguma avaliação?
MF – Tenho. Mas deixe-me citar aqui... [Leu o nome dos que assinaram a comissão.
Estão na foto]. Eu acho que o currículo era diferente do currículo de engenharia civil,
mas quanto à matemática era exatamente a mesma coisa. Para comprovar, eu
tenho aqui a chamada de 1970, onde os nomes são colocados e não se sabe o
curso. Isto foi sempre assim, desde a instalação do curso de mecânica, até 1991,
quando eu saí.
LP – A senhora lecionou quais disciplinas
MF – Quando eu iniciei na escola Politécnica estadual, eu era assistente da cadeira
de Cálculo Diferencial e Integral, mas também era assistente da cadeira de Cálculo
Vetorial. E com isso eu lecionei pra o prof. Máximo Borgo. Ele foi meu aluno e foi
reitor depois. Fui professora de dois reitores, o Máximo Borgo41, que depois foi
diretor da Politécnica e eu a professora e depois o Abi-Zaid42. E agora eu gostaria
que a Maria Estela fosse reitora, mas inventaram o segundo mandato e o negócio foi
para o brejo. Mas eu tenho aqui nesta lista como eu te disse, não se sabe quem
freqüentava o quê. Tenho aqui as provas do professor Árabe, de 1970, que é uma
avaliação anterior às minhas como professora. Uma vez o Árabe foi para Goiás e eu
fiquei com a direção da cadeira, tanto com a parte teórica como prática. E depois
tudo mudou, quando houve uma mudança de disciplina em 1972, quando houve a
mudança pro Campus, que não foi a mudança da Politécnica, isso foi depois. Foi o
departamento de matemática da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, o único
departamento que mostrou como seria o departamento de matemática com a junção
de todos os departamentos de matemática das faculdades que constituíam a
faculdade estadual. Por exemplo, o curso de Belas Artes, o curso de engenharia, o
curso de matemática na FAFI, todos eles tinham um departamento de matemática.
Nesta época eu fui fazer um curso de pós-graduação no IMPA.
[Leu o texto de introdução do documento]: Departamento de matemática, Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras. Subsídio para a reestruturação do plano de ensino
do departamento de matemática. Então aqui estão listadas quais seriam as
disciplinas, condições gerais, os cursos, as disciplinas que seriam oferecidas, o
levantamento, inclusive a nomenclatura da disciplina e assinam o trabalho. [paro a
gravação para tirar fotos].
[Reinicio a gravação, falando sobre prática de sala de aula].
MF - Eu me lembro quando eu dava equações diferenciais, me apareceram alunos
que ficaram reprovados pela terceira ou quarta vez e no primeiro dia de aula eu
41 Máximo Borgo Filho, nomeado reitor em 1971.
42 José Antônio Saadi Abi-Zaid, nomeado reitor em 1983.
disse a eles: - Vocês esqueçam isso, porque todos vão passar. Prestem atenção à
aula, freqüentem a aula que todos vão passar. Não vejo aqui ninguém com o olhinho
de quem não tem inteligência. Todos são olhares de pessoas inteligentes. Se eu
aprendi, vocês aprendem.
Aí eu dei uma prova e apareceram notas muito baixas. Aí eu falei: - Vou mostrar
para vocês os horrores que vocês cometeram nas provas. E fiz a primeira lista dos
horrores e dei nova prova e aconteceram novamente erros pavorosos, que intitulei
de horrorosos e fiz nova lista dos horrores e ficou destrato o que eu tinha trato [risos]
alguns iriam ficar reprovados. E essa era a maneira de eu me portar. Eu nunca
humilhei um aluno. Se eu via alguém colando eu tirava do lugar o que dava cola.
Nunca fiz estardalhaço, o aluno não pode ser humilhado. Se o aluno me permitia, eu
falava do vestuário, do cabelo, de tudo o que eu achava que tinha direito, eu falava.
Principalmente dos erros de português. Eu vi no domingo, o Faustão falar o Brasil
“reveu”. O verbo Ver... reveu ou reviu? [risos]
LP – Sou chata com isso também. Não gosto de erro de português.
MF – E eu também. Recordo-me agora da personalidade que me entrevista. Eu por
três vezes no curso de matemática, eu tenho trinta e um anos só na federal, fora o
Estadual, eu por três vezes pedi que me fizessem uma redação. É claro que não
gostaram. Eu me lembro que na sua turma você teve a petulância de perguntar se
poderia fazer a redação em francês. Eu disse: - Perfeitamente, eu leio, pode fazer.
[risos]. Só não me lembro qual foi o tema. Eu tenho algumas aqui.
LP – Naquela época eu estava empolgada com o francês. Eu estava estudando
empolgadíssima.
MF – Eu tenho de 88, esse tema aqui é o quê? [estava olhando a redação]
LP – Eu me lembro que era um tema atual da época.
MF – Esse aqui foi o seguinte: a Constituição... olha o que este escreve.. [ela lê a
redação, mas não vou transcrever a pedido da depoente]
MF – E eu não me repetia. Ah! Uma repetição que eu me recordo, comecei a contar
e não terminei, é no Estadual que tinha o Lincoln Bicalho, um aluno que fez até a
quarta série. E eu me lembro que eu me repetia. Lá na terceira, quarta série do
ginásio eu dava um exercício e falava: “- O Lincoln já percebeu!”, a palavra era
percebeu. E às vezes os alunos diziam: “- D. Myrtha, nem o Lincoln percebeu!”
[risos]. Depois eu citei isso num momento muito emocionado, numa reunião
pequena que o Vitor, o Governado Vitor Buaiz, estávamos reunidos lá e ele foi
convidado pelos líderes políticos, e ele estava muito emocionado, então ele estava
lá, inclusive um ex-aluno meu, que foi meu aluno na engenharia, inclusive a filha foi
minha aluna e Hercilinho falava dos que alçam vôo, lá do colégio estadual e eu me
lembrei do Lincoln [a depoente se emociona], que foi para o Rio, foi para o D. Pedro
II, passou na Filosofia e no ITA, mas preferiu a Filosofia por causa da política e foi
morto em São Paulo. Ele não alçou vôo. E a menina dele é professora de
matemática. E eu me lembro, que o vocábulo que eu repetia é que o Lincoln
percebeu e eles me retribuíam, se a questão era muito difícil, “- D. Myrtha, nem o
Lincoln percebeu!”. E aí eu pergunto a você, como eram as aulas, D. Luana? Diga.
LP – Na minha motivação da época, meu curso de engenharia e o meu prazer pela
matemática, que sempre tive muito, até pela minha formação, eu gostava muito da
sua aula. A palavra que eu colocaria seria instigante, me levava a querer saber mais.
Era desafiador.
MF – Eu deixava em aberto. Eu acho que eu deixava claro que só chega lá se você
faz um esforço maior, não é? E a importância de ser cidadão, ter um papel de bem,
que não importava o conhecimento, isso eu repetia em todas as aulas, eu dizia que
engenheiro é uma vírgula. Fulano é brasileiro vírgula, casado vírgula, engenheiro
vírgula, e precisava outras qualidades para que se fizesse dele uma pessoa de bem.
Isso é muito importante. E numa época muito imprópria, às vezes o aluno eu sabia
que dentro de casa não tinha exemplo de mãe, nem de pai, nem de governo, que
era um esforço muito grande daqueles adolescentes, de procurar um caminho que
fosse não só de egoísmo, por seus próprios pés. E outras ocasiões também eu me
lembro que eu não gostaria de ter os meus alunos heróis como Jesus e Guevara,
que eu gostaria que eles fizessem o curso, formassem com um amigo e
reconhecessem os pais, que naquela ocasião eles não davam satisfação, nem se
iam voltar ou não, a que horas iriam voltar, que eles então já desenvolviam amor
pelos pais, amizade por um amigo, que eles não deveriam vender. Me lembro que
numa ocasião em que diziam que no futuro só teria emprego aqueles cujo pai
tivesse um escritório de engenharia ou muita sorte, qualquer coisa assim. Eu me
lembro que na caixa econômica, chegou um ex-aluno já formado e disse: “- D.
Myrtha, nunca vi o futuro chegar tão rápido.” [risos]... realmente estava difícil, porque
em tempos anteriores, um engenheiro era capaz de formar o lar dele, saber que ele
poderia ter a casa, o carro, dar assistência médica para a família... a situação atual
não é essa. Eu me recordo alguém aqui da rua de trás falando: “- Se não fosse
muito esforço meu, eu não conseguiria dar à minha família os benefícios que eu
quero dar... um plano de saúde para a minha mãe, a casa própria para a minha
família, tudo isso é muito difícil...”. Estamos chegando numa época que faltarão os
engenheiros, vai ser uma época de ouro daqui para frente, por casa do
desenvolvimento. Mesmo assim o que vai faltar? Vai faltar competência desses
alunos, porque não tem professores à altura. Locais onde eles possam ser
guindados ao ensino, a um estudo melhor, a uma formação prioritária e melhor. Isso
é sempre com muito sacrifício, com muito custo. Em todo setor, já está havendo e
vai haver a dificuldade na formação. Não por culpa dos alunos, porque nesses anos
todos, foram trinta e um, aqueles primeiros alunos que vinham com uma educação
melhor, formação melhor, com desenho, que eu não precisava dar 0,05 pra formar
uma nota melhor, porque eu me recordo que ultimamente, que se colocassem um x,
um y, um z numa curva ou qualquer outra notação era 0,05. No entanto,
antigamente, era o desenho e eles tinham que fazer e acabou. Nem por isso os que
chegaram deixaram de pegar... todos eles responderam com muita presteza. Então
eu acho que o professor, a ele cabe um ensino melhor e pronto. Agora tem que dar
condição não é? Não são as escolas particulares pagam bem e ficam à mercê dos
alunos que pagam, que vão ter uma ambiente para um professor deste. Exigem...
precisa ter muito jogo de cintura para um professor se portar num educandário
particular, como ele se portaria num educandário público, onde há essa esperança.
E eu faço votos que as escolas públicas não venham cedendo, cedendo como essas
cotas... outra coisa de horror, as cotas... cota para negro, cota para aluno de escola
pública, não... quem for mais experiente, que tenha a melhor nota e faça melhor.
Teve um caso interessante. Nós abrimos o curso de matemática ali na FAFI, e
tivemos um aluno que fez o primeiro ano. No ano seguinte ele fez exame para
engenharia e passou em primeiro lugar e o bobalhão do diretor (não sei que era), dá
uma medalha. A medalha era nossa, não é? Ele fez todo um primeiro ano de
matemática e eu fiquei muito gratificada... essa medalha, eu comuniquei a todos os
professores e todos os alunos, é nossa. Aquele fulano tinha recebido a medalha e o
mérito era nosso. E me lembro de um aluno meu o Murillo Morgado Horta, que já
faleceu, ele achava um absurdo que eu dizia para eles fazerem no terceiro
científico. É preciso muito... para passar no vestibular... é coisa incrível. Mas eu acho
que é viável, estamos aqui, com muitas histórias, com uma menina que está lá no
passado, e que agora está fazendo uma dissertação.
LP – Eu estou estudando a matemática no curso de engenharia, ao longo de todo o
curso, desde 1966 até 2006.
MF – Mas esta dissertação vai fazer parte de que curso seu?
LP – Mestrado em educação matemática.
MF – Pois é, é uma coisa importante, você se esforça em ir buscar lá no passado os
elementos que você acha interessante e que são válidos. Falando ainda sobre livros,
no Ginásio os livros que eu lia eram os romances e toda a biblioteca que o meu tio
Oswaldo tinha, porque no Colégio Estadual não havia livros. No científico havia a
apostila e havia livros. Eu me lembro que eu copiava as aulas e isso me bastou. E
no curso de matemática eu não tinha dinheiro para comprar bons livros, as minhas
notas nem sempre eram dez, porque as minhas respostas não eram acrescidas,
como a de outros alunos certos elementos que tiravam de livros que eu não
conseguia comprar. Eu estudava na Biblioteca Pública. Nesta ocasião eu morava
num quarto e fazia as lições na Casa do Estudante. O almoço, eu trabalhava até à
uma, eu só encontrava salsicha e ovo, a aula começava às três da tarde, pega
ônibus e bonde, os ônibus eram muito feios, até Reis. Não tinha como. Se o ensino
não fosse gratuito, eu provavelmente não teria feito o curso. Isto é muito importante.
Não com cotas, não é? Agora quanto à politização no Colégio Estadual, eu sempre
desenvolvia esse senso crítico, eu sempre instiguei os alunos a pensarem em ser
brasileiros, cidadãos e terem respeito pela coisa pública, enfim, por um crescimento
digno.
LP – Eu tenho um carinho enorme pela senhora. Agradeço imensamente por esta
entrevista... tem algo mais a acrescentar?
MF – Eu só quero que você tenha bons resultados, continue estudando, seja feliz,
esqueça a moto e o capacete, eu você preserve a sua vida... e chegue a um lugar
ao sol. Fico muito orgulhosa de alunos que não terminaram a engenharia mas
trilharam outros caminhos e tiveram êxito. Eu acho isso muito importante.
LP – Obrigada.
Wellington Ângelo L. Giacomin, Gerente Industrial da Aracruz Celulose, no dia
05/03/2007 na Aracruz Celulose, na sala do gerente.
LP – Wellington, fale um pouco sobre sua formação acadêmica.
WG – Sou natural da cidade de Aracruz, estudei aqui até a oitava série em escola
púbica, em 1978 passei na escola técnica, técnico em mecânica até 1980, em 81
estagiei na Companhia Vale do Rio Doce, complementando o curso técnico da
escola técnica. Passei na UFES em Engenharia Mecânica, onde estudei de 82 a 86.
Durante o ano de 86,estagiei aqui na Aracruz com estágio de férias, estágio em
engenharia, e no dia 13/01/87, passei a ser funcionário da Aracruz onde estou até
hoje. Depois disso fiz curso de especialização em engenharia de qualidade na UFES
e fui professor de três turmas do curso de engenharia de qualidade e também do
curso de engenharia de manutenção, dando a cadeira “Materiais e Serviços” na
UFES. Fiz um MBA em Gestão Empresarial pelo IBMEC, durante o período de
trabalho na Aracruz. Na Aracruz trabalhei na área de materiais, com planejamento
de estoque, depois na área de suprimentos como um todo, e participei praticamente
de todos os projetos da empresa de implantação de novas unidades nos últimos
anos.
LP – Hoje em qual área você atua?
WG – Desde agosto de 2005, sou responsável pelas atividades industriais da
unidade da Barra do Riacho. Uma planta que produz duas mil e cem toneladas por
ano e este ano estamos com uma estimativa de produzir duas mil e duzentas
toneladas. São três unidades, uma de 1978, uma de 1992 e outra de 2002.
LP – Dentro da sua área de atuação, quais atividades desenvolve?
WG – Devo considerar a carreira profissional como um todo?
LP – Atualmente...
WG – Atualmente minha principal responsabilidade é a gestão da unidade, que inclui
toda a área de produção, manutenção, controle técnico, composto da parte
ambiental e de controle de qualidade da polpa.
LP – Que problemas você encontra nas suas atividades? Ou algo diferente que
tenha encontrado nas outras atividades...
WG – É uma mudança muito grande. Como tive a minha formação técnica em
Suprimentos, de 1987 até 2005. Ocorreu uma grande mudança de 2005 para cá já
que atualmente a área atuação tem uma atividade estritamente industrial. Na gestão
da Unidade temos que controlar a produção efetiva, então tem controle de custo,
gestão de qualidade, volume de produção, gestão de pessoas. O quadro de
empregados é de 495 pessoas. A grande dificuldade é a adaptação na nova função.
É um desafio e uma oportunidade de crescimento. É como se estivesse
recomeçando minha carreira profissional na mesma empresa, o que é uma
vantagem muito grande, pois você conhece a estrutura e a cultura da companhia,
numa atividade totalmente diferente daquela que eu fazia até 2005.
LP – Que problemas específicos você encontra? O foco será a matemática, então
estou querendo conduzir o nosso pensamento nesta direção... para resolver os
problemas do dia a dia, que tipo de conhecimento é necessário? Utiliza a
matemática?
WG – Se fizermos uma leitura e voltarmos atrás no passado, tem uma diferença
muito grande. A importância da formação básica em engenharia na gestão é
representativa, pois trabalho muito mais na função de gestão, mas a base de
raciocínio utilizada é oriunda do aprendizado obtido na engenharia. A fábrica é
totalmente automatizada e para tomar uma decisão você precisa verificar se o
balanço de vapor-energia está correto, avaliar as alternativas e tendências, etc. Na
minha função, não faço o cálculo do balanço de energia ou do balanço de vapor. A
equipe faz isso. Mas tenho que ter o discernimento para saber se aquelas
informações têm profundidade, ter capacidade de questionar e verificar se não está
deixando de considerar algo, para poder tomar a decisão. Na realidade trabalhamos
em equipe e um conjunto de pessoas participa de uma decisão. A base da
engenharia dá a sustentação para esta análise e decisão. Então a aplicação direta
de conhecimentos matemáticos ou de engenharia não é muito grande, mas a base
de formação que eu tive é o que me permite agilidade na tomada de decisão. A
função é muito mais de análise de dados, avaliar um resultado e verificar se tem
lógica .
LP – E no passado...
WG – Se considerar que no passado eu trabalhava diretamente como técnico de
materiais, executando o planejamento de materiais, tinha a necessidade de usar
cálculo estatístico, levantando situação, verificando possibilidade de atendimento.
Tinha uma base estatística muito maior. Naquela época não tinha a velocidade que
os softwares nos dão hoje, mas trabalhávamos com SAS43, fazíamos análise
estatística e tomávamos a decisão baseado nisso. Hoje mudou muito. Você vai
evoluindo dentro da companhia e isso vai mudando. O próprio mundo industrial
mudou muito. Uma fábrica igual a nossa hoje é 100% automatizada, então a base
43 Linguagem de programação para Mainframe, utilizada nas décadas de 80/90.
de definição de um operador, a base estatística está dentro da máquina. O operador
entra naquilo que é alarmado, naquilo que de alguma maneira, o modelo diz: “Saiu
do parâmetro normal, atua, porque tem que corrigir!” a base para chegar naquele
modelo matemático lá dentro e definir se dá o alarme ou não, foi feita por alguém,
antes do operador operar.
LP – Uma curiosidade... aqui na empresa tem alguma parte da manutenção que
vocês fazem o projeto ou vem tudo de fora?
WG – Não. A Aracruz trabalha desde 1992, com um conceito muito forte de
terceirização e 100% das nossas atividades de manutenção são terceirizadas. O
nosso quadro de manutenção hoje é composto de um gerente, dois coordenadores,
e sete assistentes. Este equipe gerencia as atividades das empresas terceirizadas
cujo quadro é de 543 pessoas na área de manutenção. No desenvolvimento de
projeto, mesmo quando falamos de projeto de grande porte, o conceito utilizado é de
contratar empresas de engenharia especializadas. O que o nosso grupo faz é
checagem de balanço, pequenos projetos, bem pequenos. Empresas de engenharia
prestam serviço para a Aracruz, na área de manutenção e de projetos de
engenharia.
LP – Vamos falar um pouquinho de matemática agora...Vou citar alguns conceitos
matemáticos e você me responde se lembra, se usa, se serve de base para tomada
de decisão ou não. Geometria Plana e Espacial.
WG – Fundamental quando você está tratando em um projeto, no caso de layout por
exemplo, na definição da melhor localização de uma linha de polpa ou de vapor. A
diferença é que você não executa mais o calculo, hoje com os modelos de
simulação, projetamos uma área, verificamos o layout existente com as coordenadas
e em cima disso definimos qual a melhor solução. O próprio sistema lhe permite
fazer isso, mas o conceito aprendido na faculdade existe dentro do modelo.
LP – um sistema local?
WG – Normalmente quem executa isto é uma empresa de engenharia. Nós temos
aqui dentro modelos matemáticos da nossa planta., que são adquiridos junto com a
compra uma planta nova. Se eu tivermos que fazer um projeto de melhoria de uma
área, conseguimos entrar num AutoCad ou num sistema desses de modelagem
matemática e instalar uma nova linha de tubulação.
LP – E a base disso é a Geometria.
WG – É. Tanto plana quanto espacial. As duas ficam nessa base.
LP – Trigonometria.
WG – O conceito é mais ou menos o mesmo. Está relacionado. A base conceitual é
a mesma.
LP – Logaritmos
WG – Aí já muda o foco. Usamos logaritmo em séries histórico-estatísticas para
gerenciamento de parâmetros de qualidade bem como nas atividades de
manutenção elétrica. Quando um técnico da ABB, que é uma empresa terceira
nossa, está avaliando um desvio de um inversor de freqüência, por trás daquele
desvio tem a análise de uma série logarítmica que definia qual o diferencial de
potência. Esse tipo de coisa a gente usa calculando, mas não no papel. Quando eu
trabalhei com planejamento de estoque chegamos a fazer isso manualmente, mas
isso mudou muito.
LP – Loucura...
WG – É. O que eu acho relevante aí, é que, às vezes a garotada sai da faculdade,
ou então questiona muito por que tem que estudar isso. Isso fica cada vez mais
difícil de ser entendido, porque quando ele chega para trabalhar numa planta, ele
senta na frente do computador e tem tudo montado. Mas alguém precisou fazer
aquilo e precisou usar os conceitos básicos para fazer aquilo.
LP – Isso é um ponto importante na minha pesquisa. Quero saber se o que é
estudado lá precisa para eu entender, por exemplo, de termodinâmica...
WG – Eu lhe diria o seguinte: quem não souber nada, consegue operar. Ele
consegue trabalhar numa empresa hoje. O que vai mudar muito é como ele
interpreta o fato. Não posso garantir que ele vai ser um bom profissional. A minha
geração precisava bastante, a geração dos anos 90 precisa ainda ter essa base. Eu
não sei se a geração do meu filho vai precisar. A base é fundamental, mas não sei
se a forma como se ensina essa base deve ser a mesma que eu aprendi nos anos
80. Era uma forma exaustiva de estudar, de fazer exercício, de pegar um livro de
Cálculo III e calcular a derivada, integral do livro todo... pegar uma Física IV e
calcular derivada, integral, série histórica, série estatística... verificar isso tudo. Não
sei se vai ser necessário, porque essa garotada hoje tem uma base de informática
muito grande. Só que independente disso alguém vai precisar fazer. Cada vez mais
vão existir especialistas que tem a capacidade de fazer isso. Não dá para dissociar.
LP – Vamos parar para pensar...Se tem um programa no computador, alguém teve
que fazer. E quem vai fazer tem que ter uma base boa.
WG – O que eu não sei dizer é se isso é uma função do engenheiro. A grande
diferença que eu vejo é, não sei se existirá uma engenharia especializada em
matemática ou alguma coisa assim, ou se todo mundo recebe toda a base e depois
só alguns vão usar. Eu acho que não pode cortar a base, porque a base ajuda a
melhorar o raciocínio. Atualmente existe uma grande discussão sobre porque a
maioria dos gestores são engenheiros e não administradores, já que a principal
função da gestão é administrar. Eu diria que a Aracruz é um bom exemplo disso.
Somos uma empresa de engenheiros. Se você olhar o corpo diretivo da companhia,
boa parcela dele é formada de engenheiros. Temos engenheiros na fábrica, em
projeto, em RH, finanças, enfim, uma base muito grande de engenharia. Então,
somos uma empresa de engenheiros. Isso por um lado é bom. Uma empresa tem
que perseguir o resultado o tempo todo pois custo é algo que tem que ser
acompanhado detalhadamente e isso é fundamental. Em contrapartida, essa base
de engenheiros não teve formação nenhum na área de humanas e isso dificulta a
capacidade individual de gestão desse grupo. Eu acho que a educação no Brasil tem
que mudar o foco “quadrado” de que o engenheiro não estuda elementos humanos e
o administrador não estuda conhecimentos matemáticos. Isto está errado. É isso
que tem que mudar. Não acho que seja simples, principalmente porque no caso das
universidades públicas, o quadro de professores não evolui na velocidade do
mercado. É um quadro antigo, estagnado, que não está vivendo o que o mercado
impulsionou, o quero dizer é que existem professores que estão dando aula na
faculdade igual a que tive há vinte anos atrás. Acho que esse conflito é que vai
definir como é que esse país vai ser no futuro. Não concordo muito com a filosofia
americana de que você não precisa estudar determinadas coisas para ser alguém,
mas também acho que a gente não pode continuar estudando coisas do passado
sem evoluir, a gente tem que dar uma mexida nisso.
LP – Só queria citar mais um que considero fundamental: probabilidade e estatística.
WG – Todo dia o dia todo... as decisões...
LP – O que você viu lá foi suficiente ou você teve que estudar mais?
WG – A base inicial para quem entra, na minha época era o suficiente. Hoje isto
mudou em função da informática. Quando eu estudei na engenharia na UFES, nós
tínhamos um IBM, e trabalhávamos com cartão perfurado. Na época era minha vida.
Cálculo Numérico foi feito na base do cartão perfurado, só que isso mudou. Não é
que a base foi ruim, mas o mundo mudou e eu tive que me adequar. Não podemos
cobrar ou botar a culpa naquilo que tivemos a oportunidade de aprendizado. Acho
que isso não valia para os meus vinte anos atrás, nem vale para quem está
estudando hoje. Você nunca vai ter capacidade de aprender numa faculdade tudo
aquilo que é necessário para “tocar” a sua vida profissional.
LP – Mesmo porque o mercado é muito amplo. Podemos ser engenheiros
mecânicos e trabalharmos em empresas diferentes que requerem conhecimentos
totalmente diferentes.
WG – Uma área é totalmente diferente da outra. Vamos pegar um caso específico
aqui nosso. Tem uma área de engenharia e uma área de produção de celulose.
Temos engenheiros nos dois quadros. São demandas diferentes para cada um. O
principal aprendizado que fica foi o que me deixou um professor da própria
universidade: “Você não deve sair da faculdade com a visão de que sabe tudo, tem
que sair sabendo onde pesquisar e quem são as pessoas ou os livros, ou material
que podem lhe servir de referência para quando você tiver dúvida. O aprendizado é
contínuo.” Se acompanharmos um garoto que sai da faculdade hoje, daqui a cinco
anos o que ele aprendeu não serve para nada. Imagina para quem está no mercado
profissional há trinta, quarenta anos. Se você não “re-estudou”, reaprendeu, re-
valorizou-se nos últimos dez, vinte anos, você está estagnado...
LP – Acho que em três, cinco anos...
WG – Cinco anos já mudou...
LP – E aqui na Aracruz , a empresa disponibiliza essa evolução ou você que tem
que perseguir?
WG – Nós temos uma característica bastante interessante. A empresa privilegia o
auto-desenvolvimento e dá suporte para aquelas competências que são necessárias
e padrões para todo mundo. Se estamos precisando alavancar competências
gerenciais, desenvolvemos programas tipo PDGA(Programa de Desenvolvimento
Gestão Aracruz). Já tivemos programas de gerenciamento com a Fundação Getúlio
Vargas, com a Fundação Dom Cabral. Mas suponha que você seja um engenheiro
de manutenção e precise se especializar numa análise de falhas de uma máquina e
para isso chega a conclusão que necessita de um aprendizado específico de
estatística. Se na avaliação da empresa isto for importante voce fará este
treinamento. O que a empresa não faz, é fazer por fazer. Ninguém vai dar
treinamento porque a moda está dizendo que tem que fazer treinamento. É sempre
focado dentro das necessidades.
LP – E como você falou em auto-desenvolvimento...
WG – Se o profissional acha que está com essa deficiência, ele tem que procurar. A
empresa tem um programa de avaliação que é feita a qualquer momento, mas uma
vez por ano é feita formalmente, onde o gestor passa um “feedback” para o
funcionário e mostra para ele os pontos de oportunidades de melhoria e baseado
nos resultados desse programa é definido o nosso programa de treinamento, que
pode ser compartilhado para todos os membros da companhia ou pode ser
individualizado.
LP – Tem algum conhecimento matemático que não foi ensinado e que fez falta para
você?
WG – Teve, mas foi em função do tempo. Cinco, dez anos depois, a análise de
séries temporais passaram a ser muito mais relevantes na atividade que eu
desenvolvia, e eu não tinha aprendido isso com profundidade lá atrás.
LP – Algo que aprendeu e que não serviu para nada?
WG – Difícil de falar...
LP – Vou citar alguns: vetores no plano e no espaço, derivadas ordinárias,
direcionais, simples, integrais...
WG – Eu nunca trabalhei com integral e derivada. Eu tenho plena consciência que
muitas das atividades que são feitas por determinados equipamentos são baseadas
no conhecimento matemático dessas funções. Eu não usei, não me serviu para
nada, mas sei que é usado o dia todo. Se eu fosse um engenheiro elétrico em
determinada atividade, provavelmente teria usado. Se eu estivesse hoje trabalhando
numa empresa de engenharia como a ABB ou numa Siemens, estaria usando.
Por isso que não dá para dizer que esse conhecimento não serve para nada. Ele
pode não ser aplicado, mas no mínimo serviu para minha formação, para a
preparação do desenvolvimento do raciocínio lógico. A grande sacada é...aquela
fase inicial dos primeiros anos da engenharia que são difíceis de levar,
principalmente num caso igual ao meu que vinha de uma formação de técnico em
mecânica e já tinha vivido a parte prática todinha, permitiu o desenvolvimento do
raciocínio e analise.
LP – Já houve uma mudança de currículo na UFES e aproximaram as disciplinas
técnicas das de matemática.
WG – Isso é fundamental, porque na minha época era muito longe.
LP – Algo mais a acrescentar? Pensando nas tendências...
WG – Acho que a primeira coisa que temos que pensar para a formação acadêmica
é... de alguma maneira, na fase inicial, usar exemplos que tenham vínculo com
alguma coisa que vai ser estudada lá na frente. Ou seja, preparar a cadeira básica...
não com aqueles exemplos básicos de... calcula essa derivada, calcula essa
integral... mas com exemplos que estejam vinculados com motor elétrico, com um
inversor...
LP – Mesmo que sejam em linhas diferentes, pois tem gente da elétrica...
WG – Exatamente... mas o cara tem que saber que aquilo ali tem uma correlação.
Isso é uma coisa que tem que ser pensada e para isso as pessoas têm que viver os
problemas... os professores têm que viver as indústrias. Eles não podem ficar
fechados dentro da academia. E outra coisa é como encaixar a nova informática,
dessa garotada que vai estar chegando, neste novo modelo. Porque, não tenha
dúvida... a garotada que vai chegar na faculdade daqui a cinco anos, vai entrar em
desespero se pegar um curso de engenharia nos padrões antigos....
LP – Como a gente pegou...
WG – Acho que nem como a gente pegou...como a gente pegou eles vão abandonar
a profissão, não vão fazer...mas sem uma visão integrada de computador. Eu não
consigo imaginar um aluno fazendo um curso hoje numa faculdade sem ter um
computador para ele trabalhar. Esses garotos hoje brincam com o computador como
a gente brincava de carrinho. E voltar com esse cara para uma prancheta para ele
fazer um desenho na mão, vai matar o cara. Nós vamos perder a capacidade de
gerar engenheiros porque eles vão ser frustrados. Não interessa achar que vai
mudar isso só quando o cara entrar nas matérias técnicas. Tem que mudar na base,
senão você perde. É mais ou menos o que a medicina fez. Hoje o cara que faz
medicina já entra direto numa anatomia com cadáveres, ele já entra num posto de
ambulatório para ver como é feita uma análise de amostra de sangue, ele já faz uma
aula experimental no pronto-socorro... com isso vai “caindo a ficha”. E a engenharia
não evoluiu, o quadro da engenharia continua o mesmo. Acho que essa é a grande
mudança que tem que ter. A outra é: para você ser engenheiro, você precisa de
alguma maneira ser formado em aspectos de gestão. Não dá para fazer o curso,
achando que você vai aprender gestão na fábrica, porque não vai aprender e vai ser
muito difícil, você vai ter muita dificuldade. Nós sofremos muito, porque saímos sem
nenhum tipo de aprendizagem.
LP- Os próprios engenheiros que não estão em cargos como o seu, também
precisam, porque estarão lidando com os técnicos.
WG – Não tem jeito...eu diria que relacionamento é algo que não dá pra dizer: não
sei mais, é mandatário em qualquer profissão. Relacionamento hoje é mais de
cinqüenta por cento das nossa atividades. Os gênios, não têm espaço em empresas,
os espaços são extremamente restritos para quem não sabe se relacionar. Você até
aprende a parte técnica numa empresa, mas se não tiver capacidade de
relacionamento... você não vai aprender nada... nem vai para a frente.
LP – Obrigada.
WG – Resolvido?
Entrevista com a Profª Lígia Arantes Sad, professora de Matemática da Universidade
Federal do Espírito Santo, no dia 21/09/2007.
LP – Professora Lígia, fale um pouco sobre sua formação acadêmica.
LS – Bom Dia Luana, é um prazer estar falando para você sobre o trabalho aqui na
universidade. A minha formação acadêmica começou aqui na UFES na graduação,
depois eu fiz um pedaço em Brasília, depois eu retornei e fiz uma pós-graduação em
matemática pura, que foi em convênio com o INPA, onde fiz uma monografia sobre a
teoria da curva de Jordan, com o professor Valdecy Santos Daher do departamento
de matemática. E depois disso, como eu era casada, não podia sair facilmente para
fazer pós-graduação, eu fiquei no departamento até o ano de 1993, quando já
buscava mesmo uma pós, um mestrado e em 93/2, eu saí e fui para a UNESP, a
convite de um professor, o Rômulo Lins para ver se eu me adaptava ao sistema lá
de pós-graduação. Fiz um semestre como aluno especial e ingressei no segundo
semestre no doutorado diretamente por causa do meu memorial, eles viram que eu
teria condições de fazer direto o doutorado em Educação Matemática. Foi lá que eu
terminei em 1999. Eu comecei na realidade o curso em 1994. Entrei, fiz a prova de
ingresso, fiz a prova de língua... entrei em 1994 e em 1999 eu terminei. Eu já voltei
em 1998 para cá porque terminou o meu afastamento aqui da UFES e eu retornei
dando aulas e terminando a minha tese. Minha tese é de ensino e aprendizagem de
cálculo e justamente por causa da minha vivência aqui na UFES durante anos e
anos, lecionando não só Cálculo I, mas Cálculo de todos os níveis e outras
disciplinas mais. Então essa é minha formação.
LP – Quais são as disciplinas que você lecionava?
LS – Cálculo I até o IV. Cálculo Numérico não. Era o único que eu não dava porque
tinha um grupo especial no departamento que ministrava esta disciplina. Também
Álgebra Linear, Geometria Analítica, outras disciplinas também que eram referentes
não só ao Departamento de Matemática, mas de Engenharia, Arquitetura,
Economia, Administração, etc.
LP – Essa seria a outra pergunta. No departamento de matemática, você lecionava
não só para alunos da matemática...
LS – Não. Desde janeiro de 1977, eu já dava aula em outros cursos também, porque
a matemática é um departamento que serve a muitos outros cursos.
LP – Havia alguma turma especial para Engenharia? Ou dentro da sua turma de
Cálculo você tinha engenheiros, arquitetos, matemáticos, administradores...
LS – Quando eu estudei era misturado ainda. Foi no início de 1970, mas quando eu
comecei a dar aula, já estava aqui no Campus, a partir de 1977, e já eram
separados os cursos.
LP – Então quem fazia engenharia, fazia um tipo de aula, quem fazia administração,
por exemplo, era outra matemática. Essa diferença tinha algum reflexo na prática?
LS – Tinha sim, porque nós procurávamos nas aplicações dirigir um pouco mais.
Não era ainda tão voltado especificamente para cada curso como é agora, depois de
1990 para cá. Mas havia alguma diferença, principalmente quando nós
conversávamos em encontros de professores, porque essa disciplina tinha muitas
turmas, Cálculo I, por exemplo, tinha mais de 10 (dez) turmas, então nós fazíamos
uma certa divisão.
LP – Na sua disciplina você fazia uso de algum livro-texto ou você sugeria leituras?
LS – Desde 1976 nós tínhamos livro-texto. Nós sempre adotávamos livro-texto, eu
trouxe até alguns documentos aqui que mostram isso. Sim, eu lembro, era o Thomas
& Finney (Cálculo Diferencial e Integral), foi o primeiro que nós adotamos. Depois foi
o Swokowski (Cálculo com Geometria Analítica) durante muito tempo, depois nós
tivemos um pouco do Stewart (Cálculo). Então nós tínhamos livros-texto, embora
traduzidos.
LP – Você tem alguma idéia se a origem desses livros era preferencialmente
alemães, ingleses, franceses... como eram analisados?
LS – Eram livros que vinham sendo adotados em outras universidades. E como o
pessoal daqui estava em contato com o pessoal do Rio, de São Paulo, traziam. E
chegava através também das editoras principalmente FTD, Mac Graw Hill.
LP – Isso a partir de 1990?
LS – Não. Isso já nos anos 80. Em 70, já por indicação de algumas universidades.
LP – Nós tivemos acesso a uma lista de cerca de 100 (cem) livros que foram
sugeridos para serem comprados para a engenharia mecânica, relacionados à
matemática. E desses livros, encontrei praticamente todos na biblioteca. Você pode
dar uma olhada na lista e marque se foi utilizado algum ou se compraram por
comprar.
[Lígia olhou a lista e marcou alguns]
LS – Esse livro aqui do Mauer (Curso de cálculo diferencial e integral), tinha na
biblioteca, mas não era muito usado. Não sei porque a engenharia comprou esse
aqui. Não usava, nem como referência. Do Pablo Merino (Curso de calculo
diferencial e Curso de calculo integral) sim, mas era um livro muito antigo. Foi da
época que eu estudei, que a matemática era junto com os outros cursos.
O livro do Ayres sim, inclusive ele foi adotado na época em que eu estudei, no
começo dos anos 70 como referência para Cálculo.
LP – Inclusive tem vários exemplares na biblioteca.
LS – Tinha na biblioteca, os alunos usavam. Gozado, tem matemática para
engenharia....e era um livro usado.
LP – Também achei interessante.
LS – Era a nível de segundo grau, mas os alunos faziam muita consulta, os que
vinham com deficiência, com alguma falha.
LP – Veja que interessante. Achei alguns direcionados para engenharia, mas acho
que era mais para consulta, não?
LS – Sim.
LP – Esse Caraça(Cálculo Vetorial) nós tínhamos mas era para consulta, nunca foi
adotado. Courant (Cálculo diferencial e integral) era um livro de referência, mas nós
não o adotávamos, porque era um livro muito caro.
LP – E tem um número grande de exemplares na biblioteca. Seis exemplares. São
poucos livros que tem seis exemplares na biblioteca.
LS – E ele é um livro que vinha só em Inglês. Não tinha acesso ao Courant como a
gente tem agora traduzido.
LP – Esse é um dado interessante. Foram comprados todos os sugeridos, mas nem
todos foram usados. Da lista do CT, vi que quase 100% dos livros foram comprados.
Mas a lista não é do departamento de matemática. Fale para mim agora um pouco
sobre sua prática de sala de aula. Quero saber sobre metodologia.
LS – De que época?
LP – Quando você deu aula aqui na UFES?
LS – No final da década de 70 e na década de 80 também, quando eu comecei a dar
aula, era muito espelhado naquilo que os meus professores tinham feito. Era uma
metodologia como a gente chama do tipo “cuspe e giz”, em que nós tínhamos salas -
principalmente da engenharia - muito cheias, com 45 (quarenta e cinco) a 50
(cinqüenta) alunos, e nós tínhamos esta metodologia de passar no quadro toda a
teoria, todos os exercícios, e os alunos estarem ali junto, trabalhando, embora eu
prezasse muito atividades feitas em grupo. Isso começou já na década de 90, um
pouco, quando eu me dediquei, principalmente quando eu voltei do doutorado, que
eu já tinha aquelas técnicas mais ligadas à parte da didática e os alunos faziam mais
atividades em grupo. Mas no final da década de 70 e década de 80, eram mesmo
aulas mais expositivas, com perguntas sempre dos alunos, nunca deixei de dar voz
ao aluno, ele podia perguntar quando quisesse, tinha toda a abertura para isso.
Interrompia a aula. Estou falando isso, porque muitos professores nem isso
admitiam.
LP – É. Eu ia perguntar a questão da disciplina. Tenho alguns indícios que na
década de 70, essa questão da disciplina era muito forte. O aluno não podia falar,
levantar-se, não podia uma porção de coisas.
LS – Tínhamos muito rígido essa questão de horário. Alguns professores até
fechavam a porta para o aluno não entrar fora de hora. Mas eu não, não cheguei a
fazer nada disso e nem essa questão do aluno não poder falar. Podia falar, levantar,
perguntar...
LP – E as avaliações?
LS – As avaliações eram pautadas em testes e provas. No início nós dávamos
4(quatro) provas. Na década de 80, nós introduzimos os testes, então, diminuíamos
a quantidade de prova e colocávamos os testes. Os testes eram para serem feitos,
em vez de em duas horas, em uma hora. Uma coisa mais rápida, mais localizada em
termos de conteúdo também. E as provas de um modo mais abrangente. E nós
tínhamos também lista de exercícios. Só que essas listas de exercícios não tinham
uma nota direta para o aluno. Era mais no sentido de apoio ao aluno, para que eles
revissem a matéria para a prova. E nós procurávamos colocar algum exercício da
lista ou mesmo parecido na prova para beneficiar aqueles que se debruçavam na
lista de exercícios. Era basicamente uma avaliação do lado somativo em cima das
provas. Do lado da avaliação de um modo geral, eu olhava aqueles alunos que
estavam sempre presentes, os que participavam mais, e aí estar aferindo isso
também na hora de avaliar.
LP – Você não pensava só no exame... a prova reprova...olhava o aluno. O que é
difícil numa turma grande.
LS – Com certeza. Inclusive nas turmas depois de 1990, que já eram feitas
atividades em grupo, era muito comum eu pegar alguns alunos melhores, digamos
assim, mais desenvolvidos, e eles tornavam-se monitores dos outros. Essa era uma
metodologia que nem sempre era bem vista por outros professores, mas que
funcionava.
LP – E com relação ao currículo de matemática para a engenharia, você participou
de alguma modificação desse currículo? Interessa também o que motivou essa
modificação.
LS – Você fala a matemática na engenharia?
LP – Sim.
LS – A primeira modificação que eu senti lá foi essa questão do trabalho em equipe.
Porque como a gente tinha a equipe de cálculo no final dos anos 70(setenta), ficava
um pouco engessado a gente estar olhando a especificidade de cada curso. Então,
por mais que a gente quisesse fazer uma coisa mais voltada para aquele curso,
como todos deveriam ter o mesmo tipo de avaliação e aí fazíamos aquelas
avaliações em conjunto, isso amarrava em termos do conteúdo. A primeira vez que
nós sentamos no colegiado do departamento para fazer uma modificação para esse
curso de Cálculo, de Geometria Analítica principalmente e de Álgebra Linear, que
havia muitas turmas, foi no sentido de não ter mais esta equipe funcionando assim,
mas por curso. Então, quem dava aula para Engenharia Mecânica, Engenharia Civil,
tinha uma equipe. Quem dava aula para a Engenharia Elétrica tinha outra equipe.
LP – Quando foi isso?
LS – No final dos anos 80. Foi quando teve também reforma no colegiado de
matemática. E de lá para cá, houve maior espaço pro professor estar se
movimentando em relação a olhar para o curso e saber o que o colegiado também
queria em relação ao curso. Quanto às mudanças que os cursos pediam, nas
disciplinas de matemática eram mais no sentido de ter vaga sempre, não colocar
professor que não fosse efetivo – porque começaram a aparecer substitutos - e
eram chamados para opinar no colegiado, lá junto com eles nas questões internas
de divisão das disciplinas. Teve época que Cálculo I, pegava desde a parte de
derivada até o final todo de integração, num curso mais longo, porque eram 90
(noventa) horas, depois passou a ser 75(setenta e cinco). Então houveram
mudanças de carga horária que indicavam também mudanças de conteúdo. O
representante do colegiado de matemática na engenharia participava. Teve umas
três modificações, pelo menos, que eu me lembre de 80 até 90. E essas
modificações eram por isso. Porque os cursos sofriam modificações na sua grade
curricular como um todo e as disciplinas tinham que se adaptar.
LP – E na época que você estudou isso não existia, não é? No final da década de
60, início da década de 70.
LS – Na década de 70 não era assim. As disciplinas eram anuais e elas eram em
conjunto. Nós tivemos disciplinas de matemática na década de 80 que eram juntas,
mas era assim: do curso de matemática com o curso de física, ou duas turmas da
engenharia. Era possível um aluno da engenharia civil fazer junto com um da
engenharia mecânica, mas era o máximo. Já era periódico, semestral.
LP – Foi com a Lei 5520 de 1968.
LS – Em 1970 ainda era anual.
LP – Acho que foi implementado em 1972...
LS – De 1972 para 1973 é que passou a ser semestral.
LP – Algo mais que você queira acrescentar?
LS – Talvez na questão da Álgebra Linear.
LP – Isso é uma coisa que me interessa. Eu comecei minha pesquisa desde o
século XVI, para conteúdo, apesar de não estar no meu período delimitado. Notei
que naquela época existia Álgebra, não era Linear. Existia Álgebra no currículo da
Engenharia, quando surgiram os cursos de engenharia no Brasil. E quando eu
verifiquei o primeiro currículo de engenharia da UFES, vi isso. Aí fiquei com essa
lacuna. Não consegui preencher. Por que saiu a Álgebra. Depois veio a Álgebra,
veio a Álgebra Linear, então, por que houve essa mudança? Não consegui descobrir
ainda.
LS – Sabe aquele livro do Pablo & Meryno, que falei que é antigo? A escola de
engenharia ainda tinha aulas por ele. Meu cunhado que estudava engenharia e
matemática, tinha aula lá e suavam o livro. Eu lembro que os meninos falavam. Aula
com Árabe Filho, para dar conta desse livro, justamente porque ele tinha um
enfoque bastante vetorial. Então o Cálculo, abrangia um Cálculo Vetorial. E aí,
quando chegava na análise, era análise vetorial, e análise algébrica, era separado. E
aí, quando veio a questão da Álgebra Linear, ela veio tomar uma parte da Geometria
Analítica, com ênfase vetorial. E o Cálculo Vetorial praticamente – não desapareceu,
mas - tomou uma outra ênfase, através de limites e epsons e deltas. Uma ênfase
menos vetorial. Essa parte ficou com a Geometria Analítica e Álgebra Linear. E a
Álgebra Linear começou a se destacar forte a partir dos anos 70, quando eu
comecei a dar aula ela já existia como disciplina, em 77, já existia até Álgebra
Multilinear, em 82.
LP – E o que você acha que isso trouxe de impacto, o que melhorou?
LS – Eu acho que melhorou inclusive para a engenharia, em termos de ser mais
específico, porque antes, ficava meio misturado e escondido no meio do Cálculo.
Agora não, você tinha uma liberdade de estar trabalhando com vetores, depois com
as transformações lineares, que vieram ajudar noutras partes da engenharia.
Principalmente para a engenharia elétrica. Do currículo de mecânica não sei muito
bem, mas acho que também tem disciplinas que dependem.
LP – Acho que sim, porque tem muito modelo. Eles pegam uma situação física,
geram um modelo matemático, resolvem a situação e pegam essa resolução e
aplicam na parte física novamente.
LS – Eu acho que sim. A parte de transformações, auto-valores, auto-vetores para a
Álgebra Linear e que antes não aparecia no Cálculo.
LP – Era tudo feito lá.
LS – Era feito lá, mas não tudo. Essa parte, por exemplo, das transformações já é
nova. Não aparecia no Cálculo Vetorial.
LP – Muito obrigada pela entrevista...
LS – De nada.
Entrevista piloto com o Prof. Vladimir Ivanovitch Dynnikov, professor do Centro
Tecnológico da UFES, ocorrida no dia 26/02/07 em sua sala no Centro Tecnológico
da UFES às 14:30h, com duração de 01:10h.
Possui graduação em Engenharia Eletromecânica p/Sistemas de Controle pela
Escola Técnica Superior Estatal Bauman em Moscou (1973), doutorado em
Automação Industrial e Robótica (1986) e Livre Docência em Mecatrônica (1993)
pela Universidade Tecnológica Estatal em Moscou Stankin, pós-doutorado em
Sistemas Ressonantes pelo Instituto de Automática Industrial em Madri (2005).
Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal do Espírito Santo. Tem
experiência na área de Automação e Engenharia Biomédica, com ênfase em
Tecnologia de Próteses, atuando principalmente nos seguintes temas: construção de
próteses, sensoreamento, controle, materiais e atuadores.
Formação Acadêmica:
1993 - Livre-docência: Universidade Tecnológica Estatal Em Moscou Stankin,
STANKIN, Rússia.
Título: Desenvolvimento das Ferramentas educacionais para o Planejamento e
Controle Operacional do Sistema de transporte robotizado num Sistema de
Manufatura Flexivel de producao metal-mecanica,
1987 - Doutorado em Automação Industrial e Robótica. Universidade Tecnológica
Estatal Em Moscou Stankin, STANKIN, Rússia.
Título: Desenvolvimento das Ferramentas Matemáticas para Controle Operacional
de Funcionamento de um Grupo de Robôs Móveis de transporte de um
Sistema de Manufatura Flexível.
1973 - Graduação em Engenharia Eletro Mecânica p/Sistemas de Controle. Escola
Técnica Superior Estatal Bauman Em Moscou, MVTU BAUMAN, Rússia.
LS – O sr. poderia falar um pouco sobre sua formação acadêmica?
VD – Sou engenheiro eletromecânico pela Universidade Tecnológica, chama-se
Bauman, antigamente o nome foi Escola Técnica Superior, localizada em Moscou, lá
na Rússia. Isso foi num período bastante remoto, de 67 a 73 e naquela ocasião a
gente tinha formação tanto na parte elétrica como na parte mecânica. Com tudo
estava incluído quase sete mil horas de aula. Nesse sentido como se fosse o estudo
básico, que serve tanto para a elétrica quanto para a mecânica, e a partir daí, o
estudo já profissional, também tanto para a parte elétrica quanto para a mecânica.
LP- Naquela época os cursos não eram separados, não existia curso só de
mecânica era elétrica junto.
VD – Não, exatamente.
LP – Era de elétrica junto?
VD- Não, tinha cursos separados por perfil. Como eu estudava num país de
planejamento, e tudo estava vinculado com o desenvolvimento do país... um plano
para cinco anos, e para cada cinco anos o governo programava, bom, eu preciso
construir tantos novos empregos, então, nessa empresa eu vou precisar de tantos
engenheiros com esse perfil, então, nosso estudo foi financiado pelo governo, tanto
que inicialmente ganhamos bolsa... Nós tivemos na época hum!, acho que um terço
de um salário do engenheiro.
[pequeno trecho ininteligível, foi falado muito baixo] acho, dava para se virar...
LP – Era suficiente para viver.
VD – Era suficiente para comida, para as primeiras necessidades era suficiente. Não
dava para comprar muitas coisas, mas transporte alimentação. Devido a esse
vínculo com planejamento, nós tivemos que trabalhar durante três anos, depois de
nossa formatura, numa empresa indicada pelo governo. Você não podia largar e ir
para outra não. Tudo foi programado.
LP – E depois desse curso, certamente fez alguns outros cursos de extensão,
especialização...
VD – Não exatamente. Como a estrutura do nosso curso é diferente, ela incluía as
especializações (pela carga horária), vários dos meus colegas que trabalham...
colegas da época, conseguem aprovar os seus cursos como mestrado, com diploma
de mestrado no Brasil.
LP – Então aqui no Brasil esse curso que é feito lá já tem o reconhecimento a nível
de mestrado.
VD – Pelo menos várias pessoas fizeram isso. O mais complicado é o diploma de
engenheiro, devido à exigência de programas. Mas programa a gente não acha
daquela época. Não tem mais arquivo... tem prazo. Não usou, aquele arquivo,
depois realmente não é possível. E é uma universidade muito grande. Hoje tem
dezoito mil estudantes e três mil professores. É uma universidade de engenheiros.
Dentro dessa universidade tem várias faculdades. Por exemplo no nosso caso foi
faculdade de engenharia de máquinas. Na faculdade de engenharia de máquinas foi
projeto de sistemas de engenharia de mísseis, então esse foi um nome genérico:
máquinas. Departamento lá é equivalente ao colegiado, o colegiado gera o próprio
curso. Nossa faculdade tinha nove departamentos, então significa nove cursos
incorporados só nessa faculdade.
LP – OK. E como profissional, o Sr. atuou aqueles três anos, e como foi sua
passagem para professor....
VD – Sim, aqueles três anos... mais mais do que três anos, na verdade três anos
obrigatórios. Mas eu comecei como engenheiro no Instituto Central de Pesquisa de
Engenharia de máquinas de precisão. Não tem nada a ver com a realidade, tudo que
era segredo do estado agora está na internet. Na época você não podia divulgar,
não podia comentar nada. Agora você entra na internet e pega o perfil. O perfil foi
exatamente projeto de armamento: de fuzis, de canhões, etc.
LP – Naquela época estava bem pós-guerra, estava toda uma situação política...
VD – [interrompe] Não, era época de guerra fria, então tudo foi segredo de estado.
Eu trabalhei lá bastante tempo, oito anos, e depois eu pedi transferência dentro da
mesma estrutura, da indústria bélica, para outra instituição localizada em outro lugar
e trabalhei mais um ano. Desde 82, eu resolvi sair da indústria bélica. Não estava
mais interessado neste assunto, e, mesmo perdendo salário, (eles pagavam bem),
eu saí para trabalhar numa empresa de automação de siderúrgica, como CST, Vale
do Rio Doce. Tem várias empresas espalhadas na Rússia e a necessidade de
empregados era muito grande. Nós acompanhávamos esses processos siderúrgicos
em vários locais do país. Lá eu comecei a trabalhar em 82 e, no mesmo ano, meu
professor ainda da época da faculdade (da graduação), me convidou para começar
o curso de doutorado. Doutorado sem dedicação exclusiva. Então, eu continuava
trabalhando nesta empresa de automação siderúrgica e em paralelo comecei a
estudar. O curso chamava-se robótica industrial, dentro de automação industrial.
Quando eu estava bem no final do doutorado, isso já foi em 86, surgiu a proposta
para fazer concurso como professor assistente.
LP – Para a universidade de Moscou?
VD – O nome universidade surgiu depois. Isso já é coisa mais recente. Como foi
dito, eu estudei, Escola Técnica superior Bauman, que agora se chama
Universidade . E essa universidade onde eu fui trabalhar com os meus colegas
chamava-se Instituto de Máquinas e Ferramentas. Comecei a trabalhar como
professor, desde 86. Então de 73 até 86, treze anos, um pouco mais de treze anos,
eu trabalhei como engenheiro. Não segui todas aquelas etapas de carreira:
engenheiro, engenheiro sênior, engenheiro líder, chefe de grupo de projeto. Depois
comecei tudo de novo: professor assistente, professor adjunto, livre docente.
Lecionei até 93, quando recebi o convite do CNPq para trabalhar aqui no Brasil.
LP – Aí você fez as malas e veio.
[risos]
VD – Que! Na verdade não, não tive muitas malas porque foram permitidos os vinte
quilos de bagagem. Quatorze quilos foram livros e o resto, objetos pessoais.
[risos e comentários entre risos]
LP – O resto pode comprar aqui...
[risos e comentários entre risos]
LP – E como professor atualmente, o Sr. atua na formação de professores e
engenheiros. Também na Engenharia Mecânica?
VD – Sim, eu trabalhei aqui também na elétrica. Quando fui convidado como
professor visitante, isso foi de 95 a 99, aceitei o convite do departamento de
engenharia elétrica. O acordo inicial foi para dois anos, renováveis para mais dois
anos. No final eu trabalhei quatro anos dando aulas na engenharia elétrica. Depois
surgiu essa vaga no Departamento de Engenharia Mecânica. Na época tinha greve,
então não tinha intervalo entre períodos letivos. Então aconteceu que dando aula na
sexta-feira, por exemplo, Circuitos Elétricos I, já na segunda comecei a lecionar os
Processos de Usinagem [entre risos]. Coisas completamente distintas. Mas isso
ajuda... da formação, aquela formação.
LP – E atualmente quais atividades o Sr. desenvolve nessa formação de
engenheiros?
VD – Eu trabalhei nessa área de processos de fabricação, em particular processos
de usinagem, inclusive a gente conseguiu desenvolver uma pesquisa aplicada com
um dos meus alunos do mestrado. Ele terminou a dissertação exatamente ligada
nesta área. A ênfase dada na formação da época era Engenharia de Sistemas de
Controle. Chamava-se Engenheiro Eletromecânico, ênfase em Sistemas de
Controle. Nos últimos anos, eu trabalho dando aula para esta disciplina obrigatória,
Sistemas de Controle. Um dos nossos alunos mestrandos estava dando aula como
substituto, foi embora para a Petrobrás, e desde então eu sigo dando esta disciplina
Sistemas de Controle, que é na realidade matemática aplicada. (AQUILU)
LP – Fora este que o Sr. já citou, o Sr. tem noção de onde estão trabalhando os
alunos que se formam aqui? Dentro do nosso estado para onde estão indo? Eles se
formam aqui e vão para onde, para estatais, vão para fora do estado?
VD – Isso é o seguinte: saiu aquela tendência de grande expansão de siderúrgica,
tanto que eles triplicaram44 a produção desde que eu mudei para cá. E agora a
grande demanda é por parte da indústria siderúrgica, tenho alunos que trabalham na
CST, alunos que trabalham na Vale do Rio Doce, alunos que trabalham na Samarco,
que na verdade faz parte da Vale do Rio Doce, tem vários alunos que trabalham na
Petrobrás, inclusive em empreiteiras, não exatamente na Petrobrás, devido a
expansão petrolífera no estado. Tenho inclusive alunos que trabalham nas
plataformas, e estão estudando conosco. Tem alunos que trabalham nas
prestadoras de serviço da Petrobrás, como Flexibrás. A Flexibrás que fica lá em Vila
Velha.
LP – Elas estão absorvendo esta mão de obra.
VD – Sim, tem alunos nossos na Aracruz Celulose, e recentemente, acho que temos
quatro alunos na Embraer, acho que os melhores alunos em termos de notas. Então
a área de atuação é bastante ampla.
LP – Nosso estado é rico nesta parte.
VD – Rico em termos de demanda na parte de engenharia mecânica. Tanto que eu
sempre falo para os alunos que o nosso trabalho é mais sujo, sempre tem essas
coisas45 que tem que tocar, um monte de óleo, sujeira, fumaça... É diferente da
engenharia eletro-eletrônica, programador. Mas por outro lado tem muito mais
demanda. Mas na construção civil quem é responsável, por exemplo, pela
montagem de um elevador, é o engenheiro mecânico, não elétrico. O Elétrico é sub-
contratado. A responsabilidade de montagem é da engenharia mecânica.
LP – Como estamos vendo que existe uma amplitude grande de trabalho, e tipos de
trabalho diferentes, porque a Aracruz Celulose tem um tipo de trabalho diferente do
que o da CST e da Vale. Quais atividades o Sr. percebe que eles estão
desenvolvendo. O Sr. citou uma, montagem de elevador.
44 tenho a impressão que está falando das expansões ocorridas na CVRD, Aracruz, CST, mas deverá ser checado.
45 Apontou alguns equipamentos que estavam no chão de sua sala.
VD – Isso é só uma parte pequena. Como temos uma expansão de obras, alguém
tem que assumir.
LP – Montagem de máquinas pesadas...
VD – A parte de montagem, sim. Como nós temos uma certa tradição de importar
tecnologia, então não tem tanto serviço para os alunos em novos projetos, como
tinha na época da minha formação. Por outro lado tem as coisas mais avançadas
que eles têm que acompanhar.
LP – Então eles trabalham tanto em montagem quanto em projeto.
[Neste momento tocou o celular da pesquisadora, que não o atendeu e desligou]
VD – A parte de projeto é limitada, devido a importação da tecnologia. Cada um
recebe um tipo de caixa preta, ou seja, você sabe como fazer manutenção, mas não
tem com modificar esse projeto. Existem algumas possibilidades de evolução mas é
muito restrito.
LP – Então basicamente as atividades que estão sendo desenvolvidas, estão
concentradas na parte de montagem, não é um desenvolvimento novo.
VD – Eu diria...
LP – É adaptação...
VD – A adaptação já exige mais conhecimento em engenharia mecânica, mas no
momento tem demanda muito maior na parte de manutenção.
LP – E que tipo de problemas eles estão enfrentando?
[Como foi feita uma pausa, a pesquisadora lançou nova pergunta, mas o depoente
ignorou a mesma e seguiu o raciocínio anterior]
VD – Diferente de Petrobrás, porque Petrobrás, agora como está evoluindo muito,
eu diria que representa uma concentração de novidades. A perfuração em águas
profundas, é uma concentração de topo de tecnologia na parte de mecânica. Como
descer até o fundo do mar a três mil metros? Só que é três mil metros só abaixo do
nível do mar, a partir daí começa a perfuração46, que pode chegar até seis mil
metros.
LP – E o Brasil é bem avançado nesta tecnologia.
VD – Exatamente.
LP – Eu estive lendo sobre isso. Pouquíssimos países...
[ O depoente interrompe]
46 Refere-se três mil metros de água do mar, para chegar ao fundo.
VD – Pouquíssimos! Até que eles poderiam desenvolver tecnologia mas não tinha
precedente. Agora com a Petrobrás abriu os campos de exploração para
estrangeiras como a Shell por exemplo.
LP – Já precisa atuar.
VD – Vai aparecer a tecnologia também de ponta, mas forte.
LP – E para desenvolver esse tipo de atividade, quais problemas eles têm que
enfrentar? Eles comentam, o Sr. tem alguma idéia?
VD – Bom...
LP – Estou pensando dentro da matemática, estou querendo chegar lá...
VD – É, mas... vamos pensar.... olha só... o que é escoamento, um problema de
escoamento, você tem sistema de dutos, você deve manter uma pressão. Essa
pressão, por exemplo, na hora da extração do petróleo, não é aquela imaginação
que a gente tem o petróleo está aqui como se fosse uma bolsa e você rompe o
buraco e o líquido já está subindo direitinho como a gente enxerga.
LP – Não, tem que ter bombas....
VD – Aí que está! Como nas grandes profundidades, lá é como se fossem
pedacinhos, gotas de petróleo espalhadas dentro de uma esponja. Então você deve
perfurar, injetar lá um líquido misturado com.... um líquido gasoso, para soltar, para
absorver esse petróleo acumulado. Depois você deve manter esse processo. Não
pode ficar muito viscoso, porque nas grandes profundidades a temperatura é muito
baixa.
LP – E há grande pressão também.
VD – É. Grande pressão vai romper o duto. E se você vai manter grande densidade,
vai entupir. Então, sempre a resolução de um problema on-line, que exige... os
problemas por exemplo, essas equações parciais, equações não lineares, os
problemas de controle... recentemente estou lendo um artigo sobre elementos
finitos, é uma técnica muito aplicada, tanto que eles exigem agora esse
conhecimento e essa disciplina já faz parte obrigatória do nosso mestrado, uma
introdução de elementos finitos. Mas basicamente qualquer característica dos
problemas mecânicos está baseada na descrição, na forma das equações
diferenciais. Sistemas de Controle básicos é puramente as equações diferenciais
lineares, aquele curso que a gente está dando.
LP – Quais seriam então, além desse que o Sr. citou, os conceitos matemáticos
necessários? Por exemplo, vou citar alguns e o Sr. vai me falar, dentro da atuação
deles e dentro do curso mesmo. Quais são nas matérias técnicas, a importância que
têm, se eles vão utilizar objetivamente ou subjetivamente esses conceitos.
Geometria plana.
VD – Bom, Geometria Plana, obviamente, tanto que apesar da existência de
programas do CAD47, que desenha-se no computador, a gente tem desenho técnico.
E desenho técnico que gera uma imaginação de toda a máquina. Desenho técnico, é
interpretação plana de figuras, projeções.
LP – Geometria espacial.
VD – Geometria espacial também.
LP – Trigonometria.
VD – Trigonometria obviamente para descrever. Infelizmente... aqui, essa
máquina48, qualquer uma dessas máquinas que você está observando, necessita da
ferramenta não linear. Girou a manivela... aqui o que você vai utilizar é ângulo em
função de ângulo de rotação49. É equação completamente de trigonometria. Aqui a
mesma coisa. Todos equipamentos que lidam com transformação de movimentos,
movimento linear, por exemplo em movimento rotacional, necessitam...
LP – Trigonometria...
VD – E as equações são muito complexas na verdade.
LP – Logaritmo.
VD – Bom, logaritmo à parte.
LP – Mas ele vai ser utilizado objetivamente, ou...
VD – Em sistemas de controle usa-se tanto logaritmo natural, como logaritmo
decimal. Por exemplo, tem o famoso Diagrama de Bode, que envolve a escala
logarítmica. Logaritmo tanto na escala de freqüência, ou escala de magnitude. E
quando se caracteriza a relação de sinais, usamos a escala logarítmica. Assim é
mais fácil caracterizar e interpretar o comportamento dinâmico, tanto de sistema
elétrico como sistema mecânico. É uma ferramenta muito usada. Bode conseguiu
aplicar as propriedades de logaritmo.
47 Refere-se ao programa AutoCad, de desenho no computador.
48 Mostrou algumas máquinas em sua sala.
49 Movimentou uma máquina que possui uma manivela que ao ser girada, rotaciona um braço em um
determinado ângulo que por sua vez eleva um componente.
LP – Traçado de curvas e de superfície. Dentro da matéria de desenho
provavelmente...
VD – Desenhos e além de tudo, você deve imaginar um pouco o que vai acontecer
dentro do processo, que não tem aquela abstração. O engenheiro mecânico deve
sentir o que está acontecendo com a máquina, com o processo. Se ele vai se
concentrar somente na interpretação do computador, se afasta. Vários de nossos
colegas não gostam de trabalhar dando aula com o powerpoint, preferem só na
parte ilustrativa. Quando você interpreta um processo, é melhor desenhar mesmo
com traçado de superfície. Vai se pensar no processo como um todo.
LP – Probabilidade e estatística.
VD – Bom, cada vez mais aplicado. Nos cursos da Rússia, tivemos uma disciplina
que se chama Controle Probabilístico. É, por exemplo, baseada nas probabilidades.
Uma empresa como a Aracruz Celulose tem controle de processo, processo
químico, processo... que não necessariamente envolve informação contínua. Você
tem uma idéia de como é que tem que evoluir o processo mas você não tem como
avaliar permanentemente. Então você faz amostragem, captura o sinal, gera a
interpolação de pontos. Por exemplo, utilizando o famoso filtro de Kalman50, esse
filtro é baseado em informações incompletas. Você gera um modelo que idealiza o
processo e compara com aqueles dados que entram no filtro. Assim consegue
corrigir o comportamento.
LP – Vetores no plano e no espaço.
VD – Bom, hoje temos a mecânica vetorial, uma ferramenta universal. E como
nossas máquinas são volumosas, você precisa trabalhar com sistema de vetores
[pequeno trecho ininteligível, mas é somente um reforço no pensamento].
LP – O Sr. já citou as derivadas e as integrais que estão inclusive nas disciplinas. Só
para confirmar, as derivadas ordinárias, direcionais, as integrais simples, duplas, de
linha e de superfície. Todas essas são utilizadas também?
VD – E triplas também.
LP – Triplas também.
VD – Triplas também, por que você trabalha no espaço tridimensional.
LP – São utilizadas em várias matérias técnicas objetivamente, ou seja, para
conseguir cursar mecânica dos fluidos, por exemplo, eu vou...
50 método amplamente usado para fusão sensorial em aplicações de robótica móvel.
[o depoente interrompe]
VD – Sim, mecânica dos fluidos, na realidade...
[o pesquisador interrompe]
LP – Estou dando um exemplo, pode ser outra...
VD – sim, sim, sim, é um topo de concentração, a mecânica dos fluidos, que é a
parte mais difícil, a parte pesada da matemática para os nossos alunos, concentra-
se agora lá.
LP – É uma matéria que fiquei apaixonada...
VD - Com a chegada dos novos professores, os que estão chegando agora, e estão
cobrando mais, essas matérias se tornaram mais concentradas para estudar. Mas
como é que você vai caracterizar o comportamento por exemplo de fluidos dentro de
tubos de Petrobrás? E lá não só um processo linear, não é fluxo linear, o fluxo é
parcialmente linear, tem fluxo turbulento, tem modificação de viscosidade, etc.
LP – E as séries? Séries numéricas, de funções, potências...
VD – Séries, onde a gente usa... é... presente em vibrações, nesta parte... e tal...
porque como é que você vai caracterizar as vibrações desse conjunto51? Tanto que
os próprios equipamentos, analisadores de espectro, estão baseados na
transformada de Fourier, Aplicam na expansão de séries.
LP – E Laplace? Também?
VD – A Transformada de Laplace é mais usada na teoria de controle.
LP – OK. Coordenadas? Polares, cilíndricas, esféricas...
VD – Bom, essa matéria, ela entra de forma mais aguda eu diria, na disciplina
Robótica Industrial. Para ~caracterizar a posição e orientação de um objeto de um
modo geral no espaço, você precisa de seis coordenadas. Três são responsáveis
pela posição, e três sobre orientação. Os três primeiros graus de liberdade num robô
industrial são responsáveis pelo alcance de posição, o restante é orientação.
Máquinas-ferramentas na realidade são uma espécie de robô, não tem grande
diferença. Nos dias de hoje, um centro de usinagem não é diferente de um robô.
Quando você quer economizar espaço, você já está fugindo de x, y, z, seria para um
esquema cilíndrico por exemplo, então perde a orientação original. Ou polar, os
primeiros robôs industriais foram construídos a partir da idéia de torre de um tanque
de guerra, levantamento de canhão, orientação, (rotação em termo de eixo vertical).
51 Mostrou um equipamento no chão da sala.
Então, isso, tem assim uma distorção de coordenadas, por exemplo, esta caixinha52
possui uma orientação inicial, quando você está deslocando pra cá, já não tem
aquela orientação, já perdeu de novo a orientação, então comparando com aquela
orientação inicial, você criou a distorção. Então, os três outros graus de liberdade,
vêm casar a orientação desejada naquele primeiro ponto com a orientação que foi
obtida pelos primeiros três movimentos. Então, aqui você envolve a geometria,
trigonometria, ainda você tem que desenvolver tudo isso on-line. Nem sempre isso é
possível. Tem aquelas que geram a singularidade, quando você esta procurando a
resolução das equações diferenciais, mas o determinante é zero, e você não pode
dividir, necessita daquele conhecimento, aquelas coisas que as pessoas passam
estudando nas disciplinas de cálculo, e não tem noção infelizmente na época de
estudo de quando você vai precisar daquilo tudo.
LP – Isso é um ponto fundamental dessa minha pesquisa.
VD – O problema que... inclusive a gente sugeriu aqui... tem essa tendência, de
repassar o ensino de algumas disciplinas de matemática, essa parte de matemática,
matemática aplicada para os professores do centro mesmo. Cada um que já tem
experiência com, por exemplo, circuitos. Como é que ele vai exemplificar? Ele vai
exemplificar usando circuitos elétricos. Como professor de mecânica, se eu vou usar
transformada de Laplace, eu vou usar dispositivos mecânicos. Historicamente, a
análise de circuitos elétricos é desenvolvida de forma mais profunda. Então, é mais
fácil criar um equivalente elétrico do sistema mecânico, resolver tudo, e voltar no
domínio mecânico já com o resultado pronto. Recentemente os meus colegas usam
esta opção para cálculo de corrosão, parece que interpretar processos de corrosão é
mais fácil com os elementos eletro-mecânicos.
LP – Hoje as matérias de matemática são dadas por matemáticos...
VD – Sim..
LP – que não tem nenhuma ligação com engenharia.
VD – Não, de repente, eles têm assim... eles têm noção. Eles estudaram na época
física, mas... é difícil, porque ele está afastado, ele está trabalhando nessa área de
concentração muito aguda, estreita, e outro problema é o fluxo de alunos. O fluxo é
grande... que nós temos aqui, observando quando chega turma é composta de 70
52 Pegou um estojo em cima da mesa e movimentou mantendo fixa a altura e rotacionando de um lado para o
outro enquanto falava.
alunos, 60 alunos. Então é difícil de trabalhar com essas turmas enormes. Agora na
minha época eu tinha mais sorte, porque nós já tivemos uma relação bem diferente
entre quantidade de alunos e professores. Tanto que por exemplo, você tem dezoito
mil alunos de engenharia naquela universidade onde eu estudei, e tem três mil
professores. Então a relação é de seis alunos por professor. Aqui nós temos mais ou
menos três mil alunos, seis vezes menos alunos que lá, só que nós temos só cento
e cinqüenta professores em todo o centro tecnológico. Então nós temos a relação
vinte a um. E tem disciplinas que não podem ser dadas para grupos grandes. A
parte prática não pode ser dada, por exemplo. Outra técnica que foi usada nos
grandes auditórios que cabia até duzentos alunos, como se fosse um teatro. E o
professor de física, de matemática, de química, estava dando só a parte teórica.
Depois, toda essa turma enorme era dividida em grupinhos de no máximo vinte e
seis, o padrão era vinte e cinco alunos, e estava resolvendo exercícios com outro
professor, para acompanhar as aulas teóricas que foram dadas. E sempre tinha o
casamento a aula teórica em seguida exercícios e um terceiro professor que estava
dando aulas práticas no laboratório. E o nível de professores foi equivalente tanto
na parte teórica, como na parte prática. Isto estou tentando implantar na minha
disciplina.
LP – Já houveram algumas modificações de currículo da engenharia aqui na UFES.
O Sr. presenciou alguma? Esteve próximo de alguma modificação dessas...
VD –Agora nós estamos implantando...
LP – Teve uma agora...
VD – Recente, isso. Nós demoramos um pouquinho para fazer as modificações nos
currículos de engenharia mecânica. Que é bem tradicional, embora o que é que
mudou? O conteúdo. O conteúdo mudou muito, embora a disciplina seja a mesma.
Isso não são só minhas palavras, mas dos alunos. Estou trabalhando com alunos de
penúltimo, último período (às vezes de nono, décimo período). Eles falam mesmo
que nos últimos dois anos, o estudo da mecânica ficou mais pesado. Obviamente,
pois os professores estão tentando repassar as novidades das matérias.
LP – E a motivação foi essa mudança no mercado que está tendo..
VD – Exatamente.
LP – Com a vinda da Petrobrás, novas tecnologias estão sendo absorvidas.
VD – Sim, estão ligadas mais à parte mecânica. Processos de fabricação, processos
metalúrgicos, processos dinâmicos, por exemplo, num de trem de carga. É um
objeto dinâmico bem sofisticado. Imagina se você tem oitenta vagões. Você freou.
Como frear? Deve começar pela cabeça, ou você deve começar pelo fim do trem?
Suponha que exista só uma opção de abrir as válvulas. Se você freou demais na
parte dianteira....
LP – Vai encavalar.
VD – Vai escorregar. Bom, se você freou mais na parte traseira, vai romper. Então é
um processo bem interessante. Depois... por exemplo, a locomotiva elétrica a diesel.
Ela gera a própria força elétrica. Já assisti, por exemplo, passando quatro
locomotivas, carregando somente vinte e seis vagões de carga numa região
montanhosa. Porque na subida, está perdendo potência. Então o que você tem que
fazer? Um compressor ajuda nesta situação e vai igualar a potência.
LP – Mas essa parte de trem, já existe há bastante tempo. A motivação que ocorreu
para essa mudança agora foi qual?
VD – Trabalho de ajuste automático de compressores para manter potência, foi
executado, faz tempo, na engenharia elétrica, num projeto de pesquisa. Agora você
está recebendo nova locomotiva que já tem isso dentro da tecnologia importada. Um
engenheiro mecânico, responsável pela oficina de locomotivas, por exemplo, da
Vale do Rio Doce, deve saber de tudo. Agora temos a fusão de conhecimento, na
verdade você precisa de formação ampla e multidisciplinar. Outro exemplo é
automóvel. Basta olhar o procedimento de testes numa oficina automotiva. Tem um
computador, um tipo de laptop, tem um soquete no carro e começam a testar de
tudo, porque quem controla tudo é o computador de bordo: a ingnição, o nível de
combustível, etc. O sistema de instrumentação e processamento que vai gerar a
curva de ignição que se quer. Não tem mais aquela parte mecânica de borboleta.
Por exemplo, em 93, já tinha máquinas de lavar roupa com processador com essa
lógica. Agora já tem exemplos de uso de turbinas. Então, não basta só aquela
matemática precisa que estudamos, ou a técnica de elementos finitos. Surgiu
também a técnica de Lógica Nebulosa que está baseada nas equações parciais, nas
equações de contorno. Então é impossível dizer: não, você vai estudar só essa parte
da matemática e o resto não precisa. Precisa de tudo. Não pode dizer que existe
uma parte de matemática que não servirá posteriormente. Num determinado
momento você vai precisar da parte de repente, para caracterizar as deformações
dinâmicas dos objetos.
LP – E quais são as dificuldades que os alunos estão enfrentando dessa
matemática?
VD – Uma dificuldade. Os períodos de matemática, estão concentrados no início. A
minha disciplinas é no penúltimo período. Os alunos vão precisar usar transformada
de Laplace mais no final do estudo, aí eles não lembram mais o que é transformada
de Laplace. Então a gente começa a dizer, explicando, exemplificando, e assim, ao
mesmo tempo relatando... bom, tinha tal propriedade na transformada de Laplace, o
que que é na prática essa transformada.
LP – E aí ele consegue recordar? Ou fica só interessado... [o depoente interrompe]
VD – Eles conseguem, porque já têm uma certa habilidade de recuperar
conhecimento. Na realidade eles não precisam lembrar todo aquele curso. Aquele
curso conteúdo abstrato. Eles precisam das propriedades isoladas. Quando você
mostra os exemplos, é muito mais fácil aprender o uso do que lembrar daquela
matemática seca.
LP – E nesse caso então, o que está faltando....[o depoente interrompe]
VD –Estamos aproximando as disciplinas pesadas que necessitam de matemática
para períodos iniciais.
LP – Para ficar mais próximo do que ele aprendeu na matéria teórica.
VD –Para não deixar ele esquecer. Não tem como fazer muito próximo, todas as
matérias simultaneamente.
LP – Isto está nesta modificação de currículo de agora.
VD – Sim, sim. Já esse que é a partir de 2007. Agora vai entrar. Ainda temos aquele
currículo antigo, mas o currículo novo já está muito bem estruturado, e muito mais
pensado.
LP – E tem algum conceito matemático que está faltando ser ensinado na parte de
matemática? Por exemplo, o que está sendo feito lá é suficiente ou está faltando
alguma coisa?
VD – Na verdade a matemática clássica não mudou muito. Você abre os livros da
época de 70 e já tem tudo. Talvez a parte de topologia, parte de teoria de conjuntos,
evoluiu um pouco mais. Essa lógica nebulosa, por exemplo, os alunos aprendem no
nível de mestrado, mas no nível de graduação, não. Não precisa porque é suficiente
conhecer bem a matemática clássica daquela forma que estudávamos.
LP – Tem alguma coisa que está ultrapassada na parte de matemática? Tipo, que
poderia tirar esta matéria? Ou tudo que é dado lá é necessário?
VD – Bom, eu acho que ao longo do tempo, o foco de matemática no curso mudou
um pouquinho. Não é mais aquela demonstração de teorema. É resolução de
problemas. No final das contas o que você deve fazer é formular o problema. A
maior dificuldade é formular. Até que você pode achar a resolução do problema
pronta. Mas a arte é exatamente enquadrar esse problema, deduzir numa forma
conhecida. Ou criar um novo problema para o qual você deve inventar a solução.
LP – Algo mais a acrescentar?
VD –Nunca se sabe o que vai precisar daqui para a frente. Eu não pensei que vou
ensinar processo de usinagem um dia, mas o próprio processo de usinagem
também evoluiu bastante: a tecnologia, as velocidades de corte, corte super rápido,
por exemplo, não existiam na época.
[Levantou-se da mesa para pegar um livro e falou, mas o som ficou ininteligível. Foi
anotado que ele estava falando sobre o livro, disse que iria pegar para exemplificar]
VD – Usaremos, por exemplo, este livro: Teoria de usinagem, elasticidade e teoria
de corte dos metais. Veja bem aqui na frente53 temos a geometria plana para
caracterizar tudo isso, a álgebra vetorial, aqui... olha só...
LP – Derivada.
VD – Derivada parcial, mista, aqui ainda mistura de derivada parcial e derivada
normal. Então tudo isso só para caracterizar o processo de deformação. Aqui...
trigonometria.
LP – Aplicação direta mesmo, objetivamente.
VD – Claro que é! Seria interessante desde o início usar o termo tensor, por
exemplo, dando exemplo diretamente ligado à mecânica para o curso de
engenharia mecânica. Isso que faz falta.
LP – Mas neste caso teria que ter uma matemática para cada engenharia...
VD – Não, só exemplos diferentes. Porque a fórmula é a mesma. Só que é difícil
quando ele está estudando...
LP – Ele (o professor), daria um exemplo de elétrica, de física...
VD – Vejamos aqui é hiperbolóide, esquema de hiperbolóide direcionada e tensor de
tensões no ponto a54. Então você precisa de geometria analítica, mecânica vetorial,
53 Mostrou no livro (um livro em russo) por várias vezes a partir deste ponto, fórmulas matemáticas enquanto
falava.
54 leu no livro, traduzindo.
resistência dos materiais, tem que saber de tudo, só para caracterizar esta parte do
processo de usinagem. Isso é um livro sobre teoria de corte. Quando eu estudava
não tinha essa profundidade. Se você quer melhorar o processo, deve saber mais.
Aqui temos a equação integral (não diferencial), então essa expressão é com fator,
então são exemplos...
LP – É. O exemplo está no próprio exemplo.
VD – Vamos ver... aqui temos tangente.
LP - Mesmo o livro estando em russo, a gente vê que isso é uma tangente. Porque
na verdade é linguagem universal.
VD – Linguagem... não importa qual linguagem... russo, alemão... tudo...
LP – A fórmula é a mesma.
VD – E a caracterização do problema. Aqui temos a integral e derivadas, uma, duas,
três, quatro. A integral definida, integral indefinida. Aqui nós temos as equações
térmicas durante o processo de deformação, temos equações trigonométricas muito
sofisticadas, ainda em diferenças...não necessariamente de forma contínua.
LP – Tudo isso num único pequeno livro.
VD – Sim, um livrinho... então quem diz que não precisa nada disso... olha só... as
fórmulas. É só fotografar estas fórmulas para exemplificar, já dá pra entender que
precisa de tudo. Geometria analítica, logaritmo...
LP – Repete para mim o nome do livro.
VD – “Plasticidade e corte dos metais”. Esse seria o nome mais correto. Nele você
encontra toda a matemática que você queria.
LP – Perfeito.
VD – Não tem lógica nebulosa, isso já é outra coisa, mas o resto está aqui. Toda a
matemática básica, talvez não tenha séries, pode ser que não tenha.
LP – Olha! Logaritmo.
VD – Logaritmo, sim, equação logarítmica. Aqui para caracterizar essa linearidade, a
linearização, porque você tem a curva não linear, caracterizar de forma...então...
bem... acho que nós estamos... cobrando dos alunos...e ainda.. olha só, a partir
desta matriz de tensor de tensões, em cada direção, aí eles começam a construir, a
teoria de elementos finitos. Que lá é quadradinho, bobinho, três cubinhos, como é
que ele vai formar... então você deve caracterizar, você deve escrever, a base das
equações.
LP – Então está sendo sempre necessário voltar um pouquinho nos conceitos, nas
propriedades que eles aprenderam lá no início, para eles conseguirem compreender
essa matéria aqui.
VD – sim, claro, exatamente.
LP – Essa que é a grande dificuldade, não é? Porque estudar eles estudaram, mas
esquecem.
VD –O estudo na forma abstrata! Mas, na realidade, é difícil de incorporar os
exemplos na início.
LP – Seria o ideal.
VD – Sim, seria o ideal quando um professor que está dominando os exemplos da
área. Eu tinha sorte, os meus livros da época estão aqui, alguns livros são
fundamentados basicamente na parte de matemática. Um dos nossos professores
continua atuando, com oitenta anos. Escrevendo livros, etc, etc. Bom, ele tem três
formações: oficial de marinha, engenheiro eletromecânico, (terminou nossa
faculdade), e ainda cursou a matemática aplicada na Universidade de Lomonosov
em Moscou. A maioria dos nossos professores teve formação de matemática
adicional, e isso seria ideal55. Nem estou tocando no assunto de energia nuclear!
Agora vai ser retomado de novo essa parte de construção de usinas nucleares, já
tem um certo nível de enriquecimento de urânio, já tem produção... acabei de ler um
livro de uma historiadora [pequeno trecho muito baixo].. toda a história da evolução.
Bom, a matemática para aquela área é pesada. E além de tudo precisa de
conhecimento em várias áreas diferentes. LP – Perfeito, muito bem então. Agradeço
muito...
VD – Já respondemos tudo?
LP – Já respondemos tudo, mostrou ainda, não só respondeu como mostrou.
VD – Não achamos fórmula de Taylor, fórmula de Taylor é uma forma de expansão,
em série.
LP – Perfeito.
55 Refere-se a ser ideal que os professores daqui tivessem formação variada como os da Rússia.
ANEXO VII
Livros do acervo da Biblioteca Central da UFES analisados como Material
Didático
Título: Curso de Cálculo Integral
Autor: Pablo Miquel y Merino
Disciplina: Cálculo III
Ano publicação: 1964
Edição: s.ed. A primeira edição em espanhol data de 1944.
Língua de Origem: Espanhol
Língua de Publicação: Português
Número de Exemplares: 10
Tem carimbo da Escola Politécnica? Sim
Referência na Biblioteca UFES: 517.2.M669C
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? “1ª. Parte do curso de cálculo diferencial e integral que se ministra nesta universidade[...]” OBS: Não fala qual é a Universidade. Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? Não. Os exercícios são voltados para a matemática, sem relacionar com engenharia. Observações adicionais:
Título: Cálculo Vectorial
Autor: Bento de Jesus Caraça
Disciplina: Cálculo Vetorial
Ano publicação: 1960
Edição: 3ª. Ed. A primeira data de 1937.
Língua de Origem: Português (Lisboa)
Língua de Publicação: Português (Brasil)
Número de Exemplares: 04
Tem carimbo da Escola Politécnica? Não
Referência na Biblioteca UFES: 517.2/3 C858C
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? Não. Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? Não. Os exercícios são voltados para a matemática, sem relacionar com engenharia. Observações adicionais:
Título: Introduction to Numerical Analysis
Autor: Carl Erik Froberg
Disciplina: Cálculo Numérico
Ano publicação: 1973
Edição: 2.ed. A primeira em inglês data de 1965.
Língua de Origem: Inglês
Língua de Publicação: Inglês
Número de Exemplares: 02
Tem carimbo da Escola Politécnica? Não
Referência na Biblioteca UFES: 518.61 F923i
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? Para a área técnica. Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? Não. Exemplos e exercícios voltados para a matemática. Observações adicionais:
Título: Introdução ao Cálculo Científico
Autor: Giulio Massarani
Disciplina: Cálculo Numérico
Ano publicação: 1967
Edição: s.ed.
Língua de Origem: Português
Língua de Publicação: Português
Número de Exemplares: 03
Tem carimbo da Escola Politécnica? Não
Referência na Biblioteca UFES: 517.392 M414i
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? “A finalidade deste livro é apresentar os fundamentos empregados em Cálculo Numérico. Destina-se aos alunos das Escolas Superiores que tenham tido o primeiro curso de Cálculo e de Equações Diferenciais Ordinárias”. Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? Não. Exemplos e exercícios voltados para a matemática. Observações adicionais:
Título: Cálculo Numérico: aproximações, interpolação, diferenças finitas, integração numérica e ajustamento de curvas
Autor: William Edmund Milne
Disciplina: Cálculo Numérico
Ano publicação: 1968
Edição: 2.ed. Original em inglês data de 1850.
Língua de Origem: Inglês
Língua de Publicação: Português
Número de Exemplares: 04
Tem carimbo da Escola Politécnica? Não
Referência na Biblioteca UFES: 517.392 M659c
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? “O objetivo deste livro é ajudar a preencher o vazio que existe entre a matemática de sala de aula e as aplicações numéricas”. Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? Não. Exemplos e exercícios voltados para a matemática. Observações adicionais: Ele diz em preencher o vazio entre a teoria e a prática, mas o contexto permanece dentro da matemática.
Título: Cálculo com Geometria Analítica
Autor: Earl William Swokowski
Disciplina: Cálculo I
Ano publicação: 1983
Edição: s.ed. A primeira em inglês data de 1926.
Língua de Origem: Inglês
Língua de Publicação: Português (Brasil)
Número de Exemplares: 05
Tem carimbo da Escola Politécnica? Não
Referência na Biblioteca UFES: 517 S979C
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? “[...] destina-se aos dois primeiros anos básicos dos cursos de graduação na área de ciências exatas (Matemática, Física e Engenharia)[...]” Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? Foi encontrado um exercício com aplicação para a engenharia na pag. 273, ex. 34: “Uma caçamba de elevador de um silo tem a forma de um cone circular reto de 2 pés de raio, superposto por um cilindro circular reto. Se o volume deve ser de 100 pés cúbicos, determine as alturas h e k do cilindro e do cone, respectivamente, que minimizem a área da superfície plana.” Observações adicionais:
Título: O Cálculo com Geometria Analítica
Autor: Louis Leithold
Disciplina: Cálculo I
Ano publicação: 1977
Edição: 1.ed. A primeira em inglês data de 1968.
Língua de Origem: Inglês
Língua de Publicação: Português (Brasil)
Número de Exemplares: 13
Tem carimbo da Escola Politécnica? Não
Referência na Biblioteca UFES: 517 S979C
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? “[...] para curso de Cálculo a nível universitário[...]” Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? Não. Exemplos e exercícios voltados para a matemática. Observações adicionais:
Título: Cálculo 1: funções de uma variável
Autor: Geraldo Ávila
Disciplina: Cálculo I
Ano publicação: 1981
Edição: 4.ed.
Língua de Origem: Português
Língua de Publicação: Português (Brasil)
Número de Exemplares: 17
Tem carimbo da Escola Politécnica? Não
Referência na Biblioteca UFES: 517.2/3. A958C 4.ed.
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? “[...] para Cálculo Diferencial e Integral[...]” Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? Não. Exemplos e exercícios voltados para a matemática. Observações adicionais:
Título: Problemas de Geometria Analítica
Autor: D. Kletenik
Disciplina: Geometria Analítica
Ano publicação: 1984
Edição: 3.ed.
Língua de Origem: Francês
Língua de Publicação: Português (Brasil)
Número de Exemplares: 07
1 ex. em francês, s.d., impressa em Moscou. 2 ex. em Inglês, s/d., impressos em Moscou.
Tem carimbo da Escola Politécnica? Não
Referência na Biblioteca UFES: 516 K64P 3.ed.
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? Não tem introdução, nem prefácio, nem sumário. Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? Não. Exemplos e exercícios voltados para a matemática. Observações adicionais:
Título: Elementos de Geometria Analítica
Autor: Nicolay Efimov
Disciplina: Geometria Analítica
Ano publicação: 1981
Edição: s.ed. 1ª. Ed em francês de 1969, impressa em Moscou.
Língua de Origem: Francês
Língua de Publicação: Português (Brasil)
Número de Exemplares: 34
Tem carimbo da Escola Politécnica? Não
Referência na Biblioteca UFES: 516 E27e EFI
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? Não tem introdução, nem prefácio, nem sumário. Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? Não. Exemplos e exercícios voltados para a matemática. Observações adicionais:
Título: Geometria Analítica: com uma introdução ao cálculo vetorial e matrizes
Autor: David C. Murdoch
Disciplina: Geometria Analítica
Ano publicação: 1971
Edição: 2ª.
Língua de Origem: Inglês
Língua de Publicação: Português (Brasil)
Número de Exemplares: 01
Tem carimbo da Escola Politécnica? Não
Referência na Biblioteca UFES: 516 M974G 2.ed.
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? Não. Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? Não. Exemplos e exercícios voltados para a matemática. Observações adicionais: Ele explica na introdução que faz uma relação entre a Geometria Analítica e a Álgebra Linear.
Título: Vetores e Matrizes
Autor: Nathan Moreira dos Santos
Disciplina: Geometria Analítica e Álgebra Linear
Ano publicação: 1977
Edição: 2ª.
Língua de Origem: Inglês
Língua de Publicação: Português (Brasil)
Número de Exemplares: 01
Tem carimbo da Escola Politécnica? Não
Referência na Biblioteca UFES: 512.83 S237V
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? Não. Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? Não. Exemplos e exercícios voltados para a matemática. Observações adicionais:
Título: Cálculo Diferencial e Integral
Autor: R. Courant
Disciplina: Cálculo
Ano publicação: 1965
Edição: 1.ed. A primeira em alemão data de 1952.
Língua de Origem: Inglês
Língua de Publicação: Português (Brasil)
Número de Exemplares: 04
Tem carimbo da Escola Politécnica? Sim
Referência na Biblioteca UFES: 517.2/3 C858c
Traz alguma referência à engenharia na introdução/prefácio? "Esta obra se destina a todo aquele que, tendo concluído um curso ordinário de matemática secundária, deseja dedicar-se ao estudo da matemática ou suas aplicações à ciência e à engenharia, quer se trate de estudos univesitários ou de escolas técnicas, quer de professores ou engenheiros.” Traz alguma referência à engenharia nos exemplos/exercícios? "Uma partícula parte da origem com a velocidade 4, e sob a influência da gravidade desliza, por um fio reto, até atingir a linha vertical x = 2. Qual deve ser a inclinação da trajetória, para que o ponto atinja a linha vertical no menor tempo possível? R. Horizontal." Ex. 3, p. 298 Observações adicionais: Há alguns outros exemplos com aplicações mais voltadas para a física nos outros capítulos.