universidade federal do espÍrito santo rosalina tellis...
TRANSCRIPT
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ROSALINA TELLIS GONÇALVES
LINGUAGEM ORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA:
A PRODUÇÃO DE GENERO TEXTUAL ORAL VALORIZADA POR UMA PRÁTICA
REFLEXIVA
VITÓRIA
2007
ROSALINA TELLIS GONÇALVES
LINGUAGEM ORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA:
A PRODUÇÃO DE GENERO TEXTUAL ORAL VALORIZADA POR UMA PRÁTICA
REFLEXIVA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação e Linguagens. Orientador: Profª Drª Gerda Margit Schütz Foerste.
VITÓRIA
2007
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Gonçalves, Rosalina Tellis, 1972- G635l Linguagem oral na educação infantil indígena : a produção de gênero
textual oral valorizada por uma prática reflexiva / Rosalina Tellis Gonçalves. – 2007.
186 f. : il. Orientadora: Gerda Margit Schütz Foerste. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro de Educação. 1. Comunicação oral. 2. Gêneros literários. 3. Textos infantis. 4.
Educação de crianças. 5. Índios – Educação. I. Foerste, Gerda Margit Schütz. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.
CDU: 37
A José Bernardo Gonçalves (in memoriam), meu pai, pelo esforço na criação dos filhos. A Celita Tellis, minha mãe, por todo o carinho e incentivo em todos os meus estudos.
AGRADECIMENTOS
A Deus, pelo dom da vida, pela fundamental parceria em todos os instantes de
minha jornada e pela oportunidade para realizar este trabalho.
Às crianças indígenas da aldeia Tupinikim “Pau Brasil”, que me acolheram
permitindo conhecê-las e desenvolver esta pesquisa, e a todos os seus familiares
pela confiança e carinho.
A todos os educadores da Educação Infantil Indígena de Aracruz e, em especial, à
educadora tupinikim Kátia Cilene pela acolhida em sua sala de aula.
À Secretaria Municipal de Educação de Aracruz que propiciou minha disponibilidade
para freqüentar o curso de Mestrado.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação pela oportunidade de atuar na linha
de pesquisa, Educação e Linguagens.
À Professora Drª Edivanda Mugrabi pela orientação dada em boa parte da
construção deste trabalho.
À Zélia Forechi, Graça Cota e Kalna Teao pelas importantes contribuições acerca da
questão indígena.
À Alina pela fundamental e primorosa contribuição na revisão
A todos os amigos que torceram pelo meu sucesso e, em especial Wirlândia por
todo o companheirismo, incondicional estímulo e partilha de dúvidas.
Aos professores da banca examinadora Vera Vasconcellos, Cláudia Gontijo, Erineu
Foerste por suas valiosas considerações e em especial à professora Gerda Foerste
pelas sábias palavras, confiança e serenidade na continuidade e finalização da
orientação deste trabalho.
A todos os meus familiares e em especial à minha irmã Alessandra.
Tal como a chuva e a neve caem do céu e para lá não volvem sem ter regado a terra,
sem ter fecundado, e feito germinar as plantas,
sem dar o grão a semear e o pão a comer, assim acontece à palavra que minha boca
profere: não volta sem ter produzido seu efeito,
sem ter executado minha vontade e cumprido sua missão. (ISA 55, 10-11)
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1-
Capacidade de linguagem inerentes à produção de texto.......................
66
QUADRO 2-
A metáfora do trânsito em analogia com a conversação........................
69
QUADRO 3-
Atendimento escolar à população infantil indígena em Aracruz-1996
89
QUADRO 4-
Esferas sociais de comunicação.............................................................
106
QUADRO 5-
Síntese das atividades realizadas nas rodas de conversa......................
127
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 - Oferta escolar para a população indígena no Brasil -2005....................
82
TABELA 2 - Educação infantil indígena nas aldeias-2005.........................................
90
TABELA 3 - Educação infantil indígena nas aldeias -2006........................................
90
LISTA DE IMAGENS
FOTO 1- Aldeia de Pau Brasil................................................................................ 36
FOTO 2- Outdoor sobre os conflitos pela posse da terra.........................................38
FOTO 3- Outdoor sobre os conflitos pela posse da terra...................................... 39
FOTO 4- Escola onde realizamos a pesquisa........................................................ 93
FOTO 5- Roda de conversa.....................................................................................97
FOTO 6- Passeio pela aldeia de Pau Brasil............................................................ 98
FOTO 7- Desenho do lixo avistado na aldeia......................................................... 98
FOTO 8- Alunos dispostos em pequenos grupos na sala de aula..........................113
FOTO 9- Leitura de texto na roda........................................................................... 121
MAPA 1- Aracruz no Estado do Espírito Santo...................................................... 34
MAPA 2- A disposição das aldeias em Aracruz-ES............................................... 35
LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES
AC - Análise da Conversação
CIMI - Conselho Indigenista Missionário
COFAVI - Companhia Ferro e Aço de Vitória
CNE - Conselho Nacional de Educação
EEI - Educação Escolar Indígena
FUNAI - Fundação Nacional do Índio
GT - Grupo Técnico da FUNAI
IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
IDEA - Instituto Para o Desenvolvimento e Educação de Adultos
INEP - Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPE - Instituto de Pesquisa em Educação
LDB - Lei de Diretrizes e Bases
MEC - Ministério da Educação e Cultura
PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais
PdT - Pedagogia do Texto
PMA - Prefeitura Municipal de Aracruz
PPGE - Programa de Pós-Graduação em Educação
RCNE/Indígena - Referencial Curricular Nacional de Educação Indígena
RCNE/Infantil - Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil
SEF - Secretaria de Educação Federal
SEDU - Secretaria Estadual de Educação
SEMED - Secretaria Municipal de Educação
SPI - Serviço de Proteção ao Índio
UFES - Universidade Federal do Espírito Santo
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................. 15
ABSTRACT............................................................................................ 16
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
17
1- PARA INÍCIO DE CONVERSA UM POUCO DE HISTÓRIA: E OS
OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO.........................................................
20
1.1- ALGUMAS REFERÊNCIAS AO PERCURSO HISTÓRICO DA
EDUCAÇÃO INFANTIL BRASILEIRA....................................................
20
1.2- ALGUMAS REFERÊNCIAS AO PERCURSO HISTÓRICO
DA EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA..................................................
23
1.3- REFERÊNCIAS AO CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO......................... 33
1.4- OS OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO.................................................... 40
2- LINGUAGEM E EDUCAÇÃO: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS............. 45
2.1- A CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO E DE APRENDIZAGEM A
PARTIR DO REFERENCIAL HISTÓRICO-CULTURAL........................
45
2.2- CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA
DE LINGUAGEM....................................................................................
49
2.3- A LINGUAGEM ORAL COMO OBJETO DE ENSINO E
DE APRENDIZAGEM.............................................................................
56
2.4- O ENSINO-APRENDIZAGEM NAS ALDEIAS E AS CAPACIDADES
DE LINGUAGEM.....................................................................................
62
2.5- A “CONVERSA”: UM GÊNERO TEXTUAL A SER EXPLORADO
NA EDUCAÇÃO INFANTIL.......................................................................
67
2.6- E O QUE DIZEM AS CRIANÇAS SOBRE AS RODAS
DE CONVERSA?..................................................................................
74
3- A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA: OS SUJEITOS, O PROBLEMA E OS
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DE INVESTIGAÇÃO............
82
3.1- A FORMAÇÃO DO EDUCADOR INDÍGENA PARA A EDUCAÇÃO
INFANTIL EM ARACRUZ – ES...............................................................
87
3.2- A ESCOLA INDÍGENA INFANTIL EM ARACRUZ – ES......................... 89
3.3- OS SUJEITOS DA PESQUISA................................................................ 90
3.4- O PROBLEMA DE INVESTIGAÇÃO....................................................... 94
3.5- A PESQUISA PARTICIPANTE DE CARÁTER ETNOGRÁFICO........... 104
4- ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS: ALGUNS IMPACTOS
NA PRODUÇÃO TEXTUAL ORAL DE CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO
INFANTIL...............................................................................................
111
4.1- ATIVIDADES DE LINGUAGEM ORAL FREQUENTEMENTE
REALIZADAS NAS SALAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA
TUPINIKIM..............................................................................................
112
4.1.1- Organização de calendário.................................................................... 114
4.1.2- Roda de Conversa.................................................................................. 117
4.2- É POSSÍVEL ABORDAR O ORAL COMO OBJETO DE ENSINO EM
CLASSES DE EDUCAÇÃO INFANTIL.................................................
122
4.2.1- Formação continuada e a realização de seqüências didáticas.............. 123
4.2.2- O desenvolvimento da segunda seqüência didática............................. 126
4.2.2.1- As rodas de conversa e suas caracterizações....................................... 126
4.2.2.2- Os episódios de conversa (subsídios para a produção da primeira
versão de três textos orais).....................................................................
128
4.2.2.3- Análise da produção da primeira versão de três textos orais................. 131
4.2.2.4- Os episódios de conversa (subsídios para a produção da segunda
versão de três textos orais).....................................................................
136
4.2.2.5- Análise da produção da segunda versão de três textos orais..................139
4.3- A PRODUÇÃO DE TEXTO ORAL VALORIZADA POR UMA PRÁTICA
REFLEXIVA............................................................................................
143
4.3.1- Os episódios de conversa (subsídios para a produção da terceira
versão do texto de Le).............................................................................
143
4.3.2- Análise da produção da terceira versão do texto de Lê.......................... 147
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................... 151
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................... 156
APÊNDICE............................................................................................. 169
APÊNDICE A- Primeira seqüência didática.................................................................... 170
APÊNDICE B- Segunda seqüência didática...................................................................
171
APÊNDICE C- Questões elaboradas com as crianças para a entrevista com o
cacique....................................................................................................
173
APÊNDICE D-
Questões dinamizadoras da conversa na nona roda -2ª seqüência.......
174
ANEXOS................................................................................................ 175
ANEXO A – CONVENÇÕES PARA A TRANSCRIÇÃO DAS FITAS..........................
176
ANEXO B – FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA
INDÍGENA..............................................................................................
177
ANEXO C- FOLHA DO DIÁRIO DE CAMPO............................................................ 179
ANEXO D- ROTEIRO DA ENTREVISTA COM A PROFESSORA........................... 180
ANEXO E- FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS CRIANÇAS.............. 183
RESUMO
Este trabalho é desenvolvido no contexto da educação escolar infantil indígena com
o objetivo de investigar o lugar da linguagem oral nos instantes de produção de
gêneros textuais orais específicos. Parte do pressuposto de que a oralidade não
deve servir apenas como um veículo no desenvolvimento de atividades rotineiras na
escola de educação infantil. Trata-se de uma pesquisa participante de caráter
etnográfico que realiza intervenção em processos de ensino do oral a partir do
trabalho colaborativo com os educadores da educação infantil que também envolve
o programa de extensão ”Formação Continuada de Educadores indígenas” da
Universidade Federal do Espírito Santo. Os aportes teóricos da abordagem histórico-
cultural em Vigotski (2001) e enunciativo-discursiva em Bakhtin (2003, 2004) bem
como as contribuições de Schneuwly (2004) são fundamentais para a realização
deste estudo. Foram utilizados, como procedimentos para a coleta de dados,
videogravações, fotografias, diário de bordo, questionário e entrevistas semi-
estruturadas, individuais e em grupos focais. Para a efetivação da pesquisa, a
“conversa na roda” foi tomada como um espaço de interação verbal importante, e na
formação continuada dos educadores, duas seqüências didáticas foram planejadas,
materializando-se em contextos precisos de produção textual oral das crianças. Nas
primeiras análises dos dados, obtidos por meio de estudo exploratório, foi
constatado que a atividade oral realizada na roda de conversa, na perspectiva do
educador e na concepção da criança, só era validada quando respaldada pela
escrita. Com a utilização de seqüências didáticas e o exercício reflexivo sobre as
práticas cotidianas de oralidade, um ambiente mais discursivo se instaurou e
proporcionou aos sujeitos confrontar diferentes saberes e tomar a linguagem oral
como objeto particular de estudo e análise.
Palavras-chave: Educação infantil. Linguagem oral. Ensino. Educação Escolar
Indígena
ABSTRACT
This study is developed in the context of the Indians Children Education aiming at
investigating the place of the oral language during the production of specific oral
textual genders. It assumes that the oral language should not work only as a gadget
in the development of the every day activities in the children education school. It is
about a participant research with ethnographic character that interferes in the oral
teaching process, through the collaborative work with the educators. It also involves
the extension program called “Continuing Formation of Indian Educators” (Formação
Continuada de Educadores Indígenas) of the Espírito Santo State Federal University.
The theoretical basis of the historical-cultural approach in Vigotski (2001) and the
enunciatively-discursive in Bakhtin (2003, 2004), as well as contributions of
Schneuwly (2004) are fundamental for the study accomplishment. It uses as
procedures for data collection tape recordings, pictures, journals, questionnaires and
individual and group semi-structured interviews. For the research effectuation, the
“group chatting” was taken as an important verbal interaction space and, in the
educators’ continuing formation, two didactical sequences were planned materializing
themselves in precise contexts of the children oral textual production. In the first
analysis of data, through exploratory study, it was observed that the oral activity
during the group chatting, in the educator perspective and the child conception, was
only valued when supported by the writing. With the use of the didactical sequences
and the reflexive exercise about the oral everyday practices, a more discursive
environment was created, what has provided the confrontation of different knowledge
and the belief of the oral language as a particular object of studies and analysis.
Keywords: Children education. Oral language. Teaching. Indian School Education
17
CONSIDERAÇÕES INICIAIS1
A oralidade é prática social interativa indissoluvelmente associada às condições de
comunicação.
Em especial na tradição indígena, a oralidade sempre foi e ainda é um importante
mecanismo de manutenção de tradição entre as gerações constituindo-se como um
dos mais importantes e fundamentais meios de propagação da cultura e da história,
ao resgatar como foram vividas as mudanças pelos povos.
No contexto da educação educativa infantil indígena estamos atenta a observar que
a prática social interativa da oralidade apresenta-se por meio de diferentes gêneros
textuais. Assim, numa perspectiva que compreenda a linguagem oral como objeto de
ensino, dentro da relação de ensino-aprendizagem, focalizamos as observações na
educação escolar das crianças pequenas para quem a interação social se processa
em grande parte pela comunicação oral.
O atendimento escolar às crianças pequenas expandiu-se nas últimas décadas no
Brasil e no mundo, em virtude de uma intensa urbanização, pela maior participação
feminina no mercado de trabalho e pelas mudanças ocorridas na organização e
estruturação das famílias. Em decorrência desse quadro social, houve maior
demanda por uma educação institucional para crianças. E nas aldeias de alguns
povos indígenas, várias mudanças sociais também ocorreram desencadeando um
quadro em que as famílias solicitam espaços para que as crianças possam ter
acesso a conhecimentos diversos que venham a fortalecer a “causa” indígena. Com
a promulgação da Constituição Federal de 1988, tornou-se legalmente garantido às
comunidades indígenas o direito à diferença, em formas particulares de organização
escolar. Desde os anos 90, a escolarização desses povos tem-se fortalecido no
1 Esta pesquisa desenvolveu-se inicialmente sob orientação da Profª Drª Edivanda Mugrabi (abril/2005 a fev/2007). Posteriormente, com o afastamento da mesma por motivos pessoais, assumiu a Profª Drª Gerda Margit Schütz Foerste, a partir da aprovação (março/2007), pelo colegiado do programa de Pós-graduação em Educação/CE/UFES, dando assim continuidade e término aos tramites finais da orientação (agos/2007).
18
País, como fruto de reivindicações das comunidades que lutam para efetivar os
direitos garantidos em lei.
No Espírito Santo, o ensino escolar às crianças das pequenas em aldeias Tupinikim
e Guarani iniciou-se por volta de 1996, quando um grupo de índios fez o Curso do
Magistério Indígena. A luta por tal escolarização surgiu da necessidade de também
manter um atendimento escolar às crianças pequenas, com um currículo voltado
para as realidades de suas etnias. O presente estudo propõe discutir uma das
vertentes do atendimento escolar as crianças pequenas, ou seja: a linguagem oral
nos processos educativos, na perspectiva que vê a linguagem oral como objeto
particular de ensino, exigindo organização planejada do educador e esforço
intelectual do aluno.
Utilizando o procedimento seqüência didática, realizamos oficinas de aprendizagem
para a produção de gêneros orais específicos que serviram como recurso a
potencializar entre os alunos práticas de linguagem novas a serem
ensinadas/aprendidas na educação infantil, uma vez que contribuem para o
desenvolvimento de capacidades de ação, discursivas e lingüístico-discursivas.
Assim, todo o processo de construção e eixo de investigação estará, pois,
constituído na interface das discussões sobre a educação infantil, a educação
indígena e o ensino da linguagem oral.
Para melhor compreensão do objeto de estudo, a estruturação do trabalho
apresentar-se-á organizada em quatro capítulos. O capítulo primeiro fará uma
explanação sobre algumas referências ao percurso histórico da educação infantil
brasileira e à educação escolar indígena, apresentando, ainda, considerações
particulares ao contexto pesquisado e os objetivos que delimitaram os eixos
investigativos.
O segundo capítulo trará os pressupostos teóricos norteadores da investigação
Inicialmente, apresentaremos a concepção de desenvolvimento e de aprendizagem
na perspectiva dos estudos de Vigotski (1995, 2001). Em seguida, discutiremos a
concepção enunciativo-discursiva, tendo por base as contribuições de Bakhtin
(2003, 2004) sobre os estudos da linguagem. Em continuidade, abordaremos a
19
linguagem oral como objeto de ensino e de aprendizagem, baseando-nos em
estudos de Schneuwly e Dolz (1999, 2004). Com base em Faundez (1999), Mugrabi
(2002), Faundez e Mugrabi (2006), Faundez (2006) teceremos alguns comentários
acerca da PdT, uma abordagem educativa atualmente utilizada no ensino escolar
das aldeias indígenas do município de Aracruz. A partir daí, referendando-nos em
Kerbrat-Orecchioni (1996) e em Mugrabi (2002), abordaremos um conceito de texto
explorando a “conversa” como um gênero textual a ser trabalhado e discutido
teoricamente na educação infantil.
O terceiro capítulo focalizará as particularidades da escola indígena no município de
Aracruz/ES, situando a formação do profissional da educação infantil e, em
seqüência, contextualizando os sujeitos pesquisados. O fio condutor desta
apresentação é a idéia de que a criança, juntamente com seus congêneres, contribui
para a produção/reprodução da cultura. Ou seja, é sujeito histórico das relações
sociais no contexto histórico e geográfico de sua comunidade. O capítulo ainda
apresentará observações dos caminhos que percorremos para desenvolver a
investigação, mostrando as linhas gerais delineadoras do problema investigado,
sinalizando o exercício reflexivo sobre as práticas cotidianas de oralidade como
possibilidades de se potencializar o ambiente da educação infantil como espaços
discursivos.
O quarto capítulo será dedicado à descrição, análise e discussão de dados que
obtivemos, tomando em conta nossas questões de investigação e o referencial
teórico que subsidiou toda a pesquisa.
As considerações finais serão contempladas com nossas reflexões acerca de todo o
trabalho realizado. Apresentaremos alguns elementos colaboradores ao debate
sobre um novo olhar que observa a educação infantil como instância primeira para a
realização de processo educativo consciente, intencionado social.
20
1 - PARA INÍCIO DE CONVERSA: UM POUCO DE HISTÓRIA E OS OBJETIVOS
DA INVESTIGAÇÃO
1.1 - ALGUMAS REFERÊNCIAS AO PERCURSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO
INFANTIL BRASILEIRA
A história da educação infantil brasileira é recente e recua aos anos 1970. De acordo
com Rosemberg (2005), é possível destacar três grandes períodos nesse percurso:
o primeiro entre o final dos anos 1970 e final dos anos 1980, correspondente à
implantação de modelo assistencialista que preconizava uma educação pré-escolar
compensatória de carências às populações pobres, exigindo poucas verbas do
Estado para sua manutenção. Esse período se caracterizou também por uma
superposição de responsabilidades dos setores da assistência, da educação, da
saúde e do trabalho (Rosemberg, 2005). A autora ainda aborda que, desse período,
restou à educação infantil brasileira a herança de uma educação não formal
utilizando-se
[...] espaços físicos, material pedagógico e mão de obra improvisada; a criação de creches e pré-escolas comunitárias; sua municipalização; o recurso a educadores leigos com formação inferior ao curso normal ou secundário; a retenção de crianças com 7 anos e mais nos programas de educação infantil; a consolidação das nomenclaturas – creches, pré-escolas e classes de alfabetização (Rosemberg, 2005, p. 28).
O segundo período iniciou-se com a abertura política após a ditadura militar, dando
início a diversas ações de movimentos sociais organizados, que culminaram – a
partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 – com o reconhecimento à
criança de zero a seis anos do direito à educação complementar àquela recebida na
família, ou seja, o direito de ser reconhecida como um sujeito de direitos. Nunes
(2005), ao discutir o reconhecimento social da infância no Brasil, de sua menoridade
à condição de cidadãos, aponta como importantes elementos desse reconhecimento
os padrões de intervenção social compostos de políticas sociais e o entendimento
de que a educação infantil não é apenas um elemento a mais das políticas voltadas
para a infância.
21
Como sujeitos de direitos, não podem tornar-se objetos de ações disciplinares ou repressivas que atentem contra a sua peculiar condição de desenvolvimento e/ou que atentem contra os direitos humanos [...] A criança deve ser priorizada [...] em atendimento prestado por órgãos públicos [...] (Nunes, 2005, p. 89-90).
A partir deste período, a educação infantil brasileira passou a contar com um número
expressivo de pesquisadores da área da infância e com a elaboração de políticas
nacionais que, questionando o modelo anterior assistencialista, promoveram uma
concepção do educar equivalente ao cuidar. Vasconcelos (2005, p. 117), ao tratar da
infância e políticas de Educação Infantil, apresenta que “[...] é o investimento na
formação inicial e continuada dos profissionais que atuam na educação dos
pequeninos [...]” o elemento fundamental para a consolidação de uma educação de
qualidade. Rosemberg (2005, p. 30), chama a atenção para o fato de que é nesse
período, que
[...] a hegemonia de uma concepção de educação infantil não diferencia creches de pré-escolas pelo padrão de qualidade, pela formação dos educadores e pela responsabilidade administrativa. Consideram-se as instâncias educacionais como regulamentação, fiscalização, financiamento e oferta da educação infantil [...] (Rosemberg, 2005, p. 30).
O terceiro período se instala com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases, nº
9.394/96. Essa lei apresenta, de forma incisiva, a necessidade de abordar e se
estreitar o vínculo entre o atendimento e a educação de crianças de zero a seis
anos. Segundo Rosemberg (2005), a aprovação dessa lei coincide com o momento
histórico vivido pelo País com a eleição de um Governo Federal que apóia
alterações na concepção de Estado, em que esse, se inserindo em uma hegemonia
neoliberal, faculta uma política social referendada em razões econômicas
globalizadas. Ou seja, em razões que defendem a instituição de um sistema de
governo no qual o indivíduo tenha mais importância do que o Estado, sob a
argumentação de que quanto menor a participação do Estado na economia, maior
será o poder dos indivíduos e mais rapidamente a sociedade poderá se desenvolver
e progredir, para o bem dos cidadãos.
22
Ghiraldelli (2002, p. 11), ao discutir questões relacionadas com a infância, em
tempos de um governo neoliberal, pontua a inerente capacidade de tal doutrina “[...]
colaborar na proliferação das mazelas sociais na medida em que pretendem de
maneiras variadas, deslocar de uma vez por todas a educação para o campo da
iniciativa privada [...]”.
Assim sendo, é importante salientar que, no período da década de 1990, dá-se, no
Brasil, a entrada de ações organizadas pelo Banco Mundial que “[...] elaboram e
divulgam modelos de política educacional, redefinindo prioridades e estratégias à luz
dos conceitos de rede de proteção social e de focalização de políticas sociais para
populações pobres” (Rosemberg, 2005, p. 32). Desse modo, é inserido, de maneira
velada, o conceito de “desenvolvimento infantil” atrelado à idéia de que este pode
ser implantado por quaisquer que sejam os membros da sociedade. Para
Rosemberg (2005), após a promulgação da LDB, a educação infantil vivia um
momento um tanto quanto conturbado, pois, de um lado, buscava a regulação de
serviços e, por outro uma tentativa de reafirmar uma concepção de atendimento
assistencialista à criança pequena, com o que também concorda Bujes (2001).
Com a visão de que as crianças, desde que nascem, são sujeitos de cultura, e que, por conseguinte, têm o direito a educar-se, busca-se superar as práticas assistencialistas (onde a criança é apenas objeto cuidado da assistência) e práticas escolarização precoce (onde apenas se valorizam as habilidades para ‘ler, escrever e contar’) (Bujes, 2001 apud Vasconcelos, 2005, p. 129).
Desse modo, segundo Ghiraldelli (2002, p. 38-39), altera-se o conceito de infância,
apresentando a criança como “[...] um corpo que consome coisas de criança”. Por
conseguinte, há uma nova atribuição à função pedagógica, pois esta “[...] deve
pensar numa escola para alguém que é apenas consumidor – consumidor de
técnicas – só podendo pensar em fazer da escola uma empresa” . A escola dos
tempos neoliberais, afirma Ghiraldelli (2002), é, então, a junção dessas duas
necessidades. Entretanto pensamos que mais do que oferecer o acesso seria
necessário também garantir que ele, de fato, contribuísse na superação de
desigualdades sociais via educação conforme afirma Vasconcellos (2005, p.143). A
autora esclarece que seria por meio da defesa do direito pela “[...] garantia de vagas
23
na educação infantil [...]” que poderíamos superar a política de exclusão, e “[...]
superar desigualdades regionais e socioeconômicas”. Em nosso trabalho, por tratar-
se da questão indígena, os fatos apontados acima assumem dimensão relevante,
pois o tratamento escolar à educação infantil indígena é recente. Iniciada com uma
proposta assistencialista e posteriormente se contextualizado com a proposta da
causa indígena que foi resultante das lutas no percurso das mudanças políticas do
País. A seguir, apresentaremos algumas referências ao percurso histórico da
educação [principalmente] escolar indígena no Brasil e no Espírito Santo, de
maneira que essa contextualização nos forneça elementos para o entendimento de
questões relacionadas ao nosso contexto investigado.
1.2 - ALGUMAS REFERÊNCIAS AO PERCURSO HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO
ESCOLAR INDÍGENA NO BRASIL
Ocorreu, ao longo da História, uma drástica redução populacional de diversas etnias,
em decorrência de seguidos massacres, doenças e de uma postura excludente e
preconceituosa dos invasores europeus. Tal postura do colonizador primava por
divulgar, a todo instante, uma certa “superioridade européia” em detrimento da
cultura e particularidades dos povos indígenas.
Assim, desconsiderando seus saberes, desconsiderava-se o que poderia ser
chamada de educação indígena já existente e praticada (seus costumes, tradições,
valores, crenças, mitos), para fazer valer uma educação vinda de fora (catequização,
civilização e integração forçada dos índios à sociedade nacional), ou seja, uma
educação para o índio que se prolongou por mais de 500 anos de História do Brasil.
Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988 é que a população
indígena obteve um dispositivo que lhes garantiu fortalecimento legalmente
reconhecido. A partir daí, diversas ações voltaram-se para fazer valer o que estava
garantido na Constituição.
Muitos autores (Fernandes, 1964; Fernandes, 1976; Freire, 2004) já se debruçaram
sobre o estudo da educação indígena e várias são as fontes históricas utilizadas a
demonstrar que os indígenas, habitantes das terras que foram denominadas “Brasil”,
24
eram produtores de saberes e também detentores de formas de educação próprias,
de pedagogias próprias. Muitos documentos que comprovam o percurso desses
saberes já foram localizados, analisados e identificados em arquivos de âmbito
estadual (Monteiro, 1994) e nacional (Freire, 1995, 1996). Segundo Freire (2004) é
possível propor um agrupamento desses documentos de acordo com a sua natureza
ou a periodização da história tradicional do Brasil.
Desse modo vemos que, no Período Colonial, há uma farta documentação que foi
deixada por missionários, sobretudo jesuítas, ou ainda produzida pela Coroa
portuguesa, ou pelos diretores de índios, 2 a qual pode ser encontrada em arquivos
europeus ou brasileiros: correspondência para a administração colonial, narrativas
epistolares, relatórios das visitas às aldeias, crônicas, cartas régias, regimento das
missões, listas de matrículas de índios, mapas de índios ausentes e outros. Do
Período Imperial, é possível consultar os relatórios das Diretorias de Índios (1845),
os documentos de catequese elaborados pelos Capuchinhos, os relatos de viajantes
ao longo do século XIX e os relatórios do Ministério dos Negócios da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas (1861). Do Período Republicano, valiosas informações
podem ser encontradas em relatórios de órgãos governamentais, censos parciais e
mapas de alunos de escolas de aldeias e arredores que funcionavam no século XX,
informações elaboradas por missões de diferentes ordens religiosas, além de ofícios,
memorandos, planos de serviço, quadros, tabelas, memórias e relatórios produzidos
por órgãos administrativos. Sobre as últimas décadas do século XX e agora na
contemporaneidade do século XXI, as documentações originaram-se de diversas e
diferentes fontes: os próprios povos indígenas, universidades, Ministério da
Educação, Conselho Nacional de Educação, Conselhos Estaduais de Educação,
Secretarias de Educação (municipais e estaduais), Conselho Indigenista Missionário
e Funai.
Com relação a essas fontes, destaque ainda deve ser dado aos diários de classe de
professores, às atas e relatórios de reuniões, documentos oficiais e publicações do
2O diretor de índio era um encarregado por aldeia, diferente do diretor-geral que era encarregado de província. Ambos os cargos foram criados pelo Governo Imperial da época, a partir da assinatura de um decreto de 24-6-1845. O diretor de índio deveria ser nomeado pelo Imperador e, se possível, ser um missionário. O decreto de 1845 regulamentava as missões de catequese e civilização dos índios (Cota, 2000).
25
Ministério de Educação e Cultura (MEC) na década de 1990, que incluem diretrizes,
normas decretos, leis, censos escolares, pareceres e resoluções do Conselho
Nacional de educação (CNE) e documentos diversos sobre cursos de educação
bilíngüe, bem como de documentações de programas e projetos de implantação de
escolas indígenas, pesquisas e projetos desenvolvidos por universidade e algumas
dissertações3 de pós-graduação (Freire, 2003). Em alguns desses documentos,
embora por vezes fragmentadas, dispersas ou mesmo freqüentemente impregnadas
de etnocentrismo, é possível reconstituir, após cinco séculos de história do Brasil,
elementos que informam sobre certos princípios pedagógicos do sistema de
educação tradicional oral das aldeias do litoral do Brasil, habitadas por alguns povos
indígenas, 4 dentre eles, os Tupinikim.
Fernandes (1964, apud Freire, 2004), em estudos referentes à etnia Tupinambá,
observou que a educação desse povo era norteada, entre outros, por três valores: o
valor da tradição oral, o valor da ação e o valor do exemplo. A transmissão desses
valores/saberes se processava no intercâmbio cotidiano, por meio de contatos
pessoais e diretos. A aprendizagem se dava em todo momento e pode-se dizer que
todos contribuíam para a educação do conjunto da população. Freire (2004) pontua
que a observação acima é passível de críticas, uma vez que esquematiza e idealiza
a figura do indígena. Mas argumenta, ainda, que há méritos em Fernandes, uma vez
que, pioneiramente, chama a atenção para a existência de um discurso construído
pelos indígenas sobre as suas próprias práticas pedagógicas que até então não
haviam sido consideradas. De acordo com Cota (2000, p. 26-27) devido à
semelhança cultural entre os Tupinikim e os demais povos Tupi, pode-se afirmar que
“[...] entre estes povos o principal objetivo da educação era o de assimilar o indivíduo
à ordem social tribal”. Dessa forma, a autora argumenta que “[...] não existiam
especialistas em educação”. Outro aspecto importante que salienta é que, para “[...]
estes índios a educação era um processo que acontecia ao longo da vida” cujo
principal objetivo era a transmissão de conhecimentos, dos quais faziam parte não
somente conteúdos, mas principalmente atitudes, convicções e aspirações, que “[...]
3 Cf. Cota, 2000; Padilha, 2004; Marcilino, 2005; Neves, 2005; Godinho, 2006; Teao, 2007; Magalhães, 2007. 4 Os povos que habitavam o litoral brasileiro eram de origem Tupi (Tupinikim, Tamoio, Kaeté, Potiguára, Tobajara). Ocupavam uma extensa faixa do litoral brasileiro que ia do Ceará ao Estado de São Paulo e possuíam semelhanças lingüísticas e culturais.
26
tinham de ser assimiladas para que a pessoa pudesse ser um autêntico Tupinikim,
Tupinambá, Tamoio, etc”.
Na observação das práticas pedagógicas indígenas, registros históricos mostram
que, no século XVI, o colonizador europeu criticou incisivamente os procedimentos
de correção de erros dos indígenas. Missionários jesuítas identificaram que na forma
de transmitir costumes e valores, os indígenas “[...] amam os filhos
extraordinariamente, [porém] nenhum gênero de castigo tem para os filhos, nem há
pai nem mãe que em toda a vida castigue nem toque em filho” (Cardim, 1980, p. 91,
apud Freire, 2004, p. 16). Cronistas como Pero de Magalhães Gandavo, provedor da
Fazenda na Bahia, entre 1565 e 1570, observou também que os índios “[...] criam
seus filhos viciosamente, sem nenhuma maneira de castigo” (Gandavo, 1980, apud
Freire, 2004, p. 16). Freire (2004) sinaliza ainda que este tipo de relação em que a
criança é socializada sem nenhuma forma de repressão, é observável ainda hoje no
século XXI, sobretudo em aldeias Guarani do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.
Pelas observações acima, é possível afirmar que o colonizador não reconhecia a
maneira de educar dos indígenas como sendo práticas pedagógicas resultantes de
uma reflexão coletiva. Interpretavam-nas como negligência ou falta de princípios
pedagógicos. O estranhamento diante das pedagogias indígenas levou o
colonizador a efetivar imposição de outra forma de educação e de catequização
como instrumento civilizatório. O colonizador, em uma violenta imposição de
costumes seus aos gentios, ignorava a visão de mundo desses povos, obrigando-os
a falar o português, a acreditar em outro Deus e a abandonar hábitos culturais que
eles, os indígenas, já cultivavam ao longo de muitos anos. Assim, o entendimento
nunca se efetivava, porque, para o colonizador, se o índio parecia gentil e amável,
tornava-se um alvo fácil de submissão à escravidão. Entretanto, se demonstrava
ciência de sua condição de donos das terras e reagia à invasão, era considerado
selvagem, sanguinário e carente de uma domesticação emergente.5
[...] a inexistência da escola, da sala de aula, do docente, do currículo, de horários, de uma disciplina rígida, de punições de castigos corretivos permitiu-lhes concluir que os povos indígenas não tinham educação e
5 Conf. Lima (1995) e Teixeira (1995).
27
precisavam ser civilizados, de acordo com o modelo europeu de educação escolarizada (Freire, 2004, p. 16).
Sob a ótica dos colonizadores, os indígenas estavam sempre em um grau de
inferioridade e, portanto, seus modos próprios de ser, eram menosprezados. Por
outro lado, era do interesse do colonizador estreitar relações entre os nativos de
modo a obter vantagens para explorar a terra desconhecida na busca de ouro ou na
expansão agrícola ou pastoril. Como a língua diferente impossibilitava o contato
entre brancos e índios, grande foi a repressão que os europeus impuseram aos
nativos para eliminar suas línguas nativas, impondo-lhes a língua do colonizador.
Certamente, a proibição ao uso da língua nativa e imposição do idioma português
deu-se porque os colonizadores entendiam que a utilização das línguas nativas
reforçava as tradições e costumes tribais que eles queriam exterminar.
Garcia (2005) analisa o empenho da Coroa Portuguesa em fazer campanha para
disseminar o idioma português no período colonial e propagar a idéia de que, com
uma série de leis, iriam transformar os índios em súditos da Coroa, iguais aos
colonos. A autora esclarece que assim os colonizadores pretendiam eliminar as
diferenças características dos povos indígenas, fazendo deles pessoas “civilizadas”.
De acordo com Garcia (2005), na segunda metade do século XVIII, a Coroa
Portuguesa organizou, em 1757, um conjunto de leis sistematizadas num texto
chamado Diretório dos Índios6 (Garcia, 2005). Por intermédio dessas leis, a Coroa
promoveu, no início da década de 1770, a fundação de duas instituições. 7 Com
elas, os colonizadores pretendiam impor o uso do idioma português, uma vez que
entendiam ser essa uma importante arma de dominação e controle político dos
6 O Diretório dos Índios, publicado em 1757, foi concebido com o objetivo de inserir os índios na sociedade portuguesa como homens livres e vassalos do rei, substituindo os hábitos culturais dos indígenas por costumes europeus. O Diretório estipulava uma série de mudanças: a substituição das línguas indígenas pelo português; o incentivo aos casamentos mistos de índias e portugueses; a transformação das aldeias em vilas, entre outras (Garcia, 2005). Por trás dessa política, existia o interesse de manipular os indígenas para a defesa do território colonizado. Uma vez tratados como vassalos do rei, os indígenas defenderiam as fronteiras, incrementariam a agricultura e pagariam impostos. Apesar de, inicialmente, ter sido elaborado para a Amazônia, o Diretório foi estendido a todo o restante da colônia. No entanto, dada a diversidade dos indígenas, sofreu uma série de alterações. Fracassando em suas intenções, foi abolido em 1798 (Garcia, 2005). 7 Essas duas instituições de ensino para os índios eram: uma escola para os meninos e um recolhimento para as meninas atendendo a uma população com idade mínima de seis anos e a máxima de doze anos. Foram fundadas na aldeia Nossa Senhora dos Anjos que foi povoada por índios Guarani, trazidos dos Sete Povos das Missões por Gomes Freire de Andrade, no final da década de 1750. Nos dias atuais, onde antes fora a referida aldeia, hoje se localiza a cidade de Gravataí, região metropolitana de Porto Alegre, RS.
28
súditos e, gradativamente, impor-lhes costumes ocidentais europeus. As crianças
deveriam ser convertidas à fé católica, vestindo-se como os brancos e sendo
disciplinadas para o trabalho (Garcia, 2005). Em sua educação, recebiam castigos
físicos, quando utilizavam a língua própria, pois não havia lugar para as
manifestações culturais dos indígenas. O que se ensinava era essencialmente os
elementos da cultura portuguesa, desconsiderando-se toda a herança cultural dos
antepassados dos educandos indígenas, assim como suas experiências anteriores.
Os colonizadores consideravam que as instituições e os ensinamentos europeus
eram universais e, não detectando vestígios desses ensinamentos entre os
indígenas, concluíam serem estes carentes de práticas educativas consistentes. A
inexistência de escolas, salas de aulas, currículos, horários para atividades,
punições aos erros, no modelo educativo dos povos indígenas 8, reforçou nos
colonizadores a necessidade de implementar um processo de “civilização” dos
indígenas, segundo os moldes europeus, para torná-los “pessoas de bem”, no qual a
escola para índios assumia uma função essencialmente civilizatória. Com isso, a
oferta de programas de educação escolar às comunidades indígenas esteve
pautada pela catequização, civilização e integração forçada dos índios à sociedade
nacional dando-se o início da implantação do que estamos definindo como educação
escolar para índios.
No desenvolvimento dessa educação, algumas iniciativas se propunham a
acompanhar como ela se realizava. Dessa forma, em 1861, o poeta Antônio
Gonçalves Dias, após ser nomeado para o cargo de visitador das escolas do
Solimões, pelo presidente da Província do Amazonas, viajou pelo rio Solimões até
os limites com o Peru e a Colômbia e pelo rio Negro até Cucuí, na fronteira com a
Venezuela, visitando escolas encontradas no curso da viagem. O objetivo principal
da viagem era observar e registrar as condições da instrução primária em escolas
com predominância de alunos indígenas que sequer falavam a língua portuguesa. O
resultado dessa viagem foram dois relatórios que procuraram apresentar
informações “[...] acerca do progresso ou regresso da instrução primária naqueles
lugares” (Gonçalves Dias, 1861-2002, p. 7). O poeta, visitando as regiões de Coari,
8 Cf.: IBASE. Educação escolar em Terras Brasilis, tempo de novo descobrimento. Rio de Janeiro: 2004, p. 16.
29
Tefé, Alvarães, Fonte Boa, Olivença e Tabatinga, produziu um primeiro relatório
sobre as condições dos lugares visitados apresentando informações diversas tais
como: os dados estatísticos sobre os alunos; os horários de funcionamento das
escolas; o currículo e livros didáticos utilizados; a situação dos professores no que
compete à formação, seleção, remuneração, aposentadoria; a evasão dos alunos.
Tudo isso porque lhe foi possível assistir às aulas, entrevistar professores, verificar
cadernos dos alunos, conferir e confrontar os números referentes aos alunos
efetivamente matriculados e os que estavam presentes.
Nos registros, Gonçalves Dias (1861-2002) chama a atenção para dois problemas
que considera mais graves e relevantes: a questão da formação dos professores e a
evasão escolar. Sobre a formação dos professores, pontua que “[...] a primeira falta
que se nota é a insuficiência dos mestres” (Gonçalves Dias, 1861-2002, p. 5).
Acrescenta ele, que “[...] se considera profissão de mestre como recurso para
indivíduo sem habilitações para outra indústria qualquer, ou como um meio de
aumentar vencimentos” (Gonçalves Dias, 1861-2002, p. 5). Sobre a evasão,
assegura ele, que o grande e principal motivo é devido “[...] a falta de suficientes
meios de subsistência ou a carência dos gêneros de primeira necessidade” (p. 11)
uma vez que esta ausência de recursos contribuiu para que “[... ] a gente menos
remediada se retirasse com seus filhos para outros lugares” (Gonçalves Dias, 1861-
2002, p.11).
Para o diálogo com a nossa pesquisa, a discussão dos dados apresentados por
Garcia (2005) e Gonçalves Dias (1861) reporta-nos a reflexões acerca de questões
referentes à educação escolar nas comunidades Tupinikim e Guarani na atualidade.
Nessas localidades, no período anterior à estruturação de uma educação
caracterizada como indígena, ou seja, do que estamos definindo como educação
escolar indígena, tinha-se um quadro com características semelhantes às
apresentadas pelos autores acima citados apresentando dados preocupantes sobre
uma grande maioria de alunos que não concluíam o ensino fundamental em
períodos de escolarização regular, altos índices de evasão de alunos e o ensino
oferecido por educadores não indígenas. A exposição de uma educadora Tupinikim
e coordenadora pedagógica da Educação Indígena no município demonstra a
expressão de importância do projeto de educação escolar indígena. Em seu
30
depoimento, justifica de maneira explícita, a necessidade de uma instituição escolar
indígena que não sirva como instrumento de imposição de valores alheios e
negação de identidades e culturas diferenciadas, mas, sim, uma escola aliada ao
revigoramento da cultura já bastante desgastada.
O fato de ter educador indígena está ainda em fase de construção e muita coisa ainda tem de se rever. Coisas que assim as crianças não viam na família estão vendo na escola, né? Que, às vezes os pais contam histórias, né contam histórias do que se fazia... muitas coisas... igual... as crianças aprendem a fazer trabalhar com pintura a ver artesanato... e antes na família.... Qual a família que está mais centrada? Na verdade pro comércio a criança tem contato o tempo todo com isso... agora a família que não tem isso que os pais trabalham fora praticamente isso não existe, não tem ou então tem muito pouco. E ai assim... é interessante você tendo o educador indígena eles tentam colocar que dentro da família vai trabalhar isso e aí vem lugar para trabalhar uma pesquisa sobre o que os pais falaram das plantas medicinais, do cacicado, da história e acaba que envolve bastante (EDUCADORA TUPINIKIM, Coordenadora da Educação Indígena).
Com o desenvolvimento do projeto de educação diferenciada e intercultural
indígena, esse quadro mudou consideravelmente. Resultante de lutas, em 1988, a
promulgação da Constituição Federal Brasileira reconhece aos povos indígenas o
direito a um ensino fundamental diferenciado, assegurando o uso de suas línguas
maternas e processos próprios de aprendizagem (art. 210). O direito à diferença é
também garantido no reconhecimento de sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições (art. 231) e à difusão de suas manifestações culturais (art. 215).
O Decreto nº 26/91 atribuiu ao Ministério de Educação Escolar a responsabilidade
de coordenar, subsidiar e assessorar as ações referentes à educação escolar
indígena no País e, aos Estados e Municípios, sua execução, antes delegada à
Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Em 1993, o MEC estabelece que os projetos
de educação indígena devem estar pautados nos princípios da diferença,
especificidade, interculturalidade e bilingüismo. Em 1996, a Lei nº 9.394, em seus
arts. 78 e 79, confirma o direito a uma educação diferenciada às populações
indígenas.
Assim, as comunidades puderam articular formas particulares de organização
escolar. Adiante explicitaremos mais a esse respeito. Por ora, convém, na síntese
deste breve relato, ressaltar que, entre as etnias Tupinikim e Guarani do município
de Aracruz – ES, desde os anos 1990, esses dois povos têm vislumbrado, na
31
educação escolar, uma possibilidade de recuperação e revitalização de sua cultura e
de suas tradições.
É pertinente também observar que uma nova ordem social emerge a partir da
mudança de sensibilidade ligada à aparição de novos modos de representação e de
novas formas de relação social sendo, assim, necessário repensar a questão da
tradição, pois é ela, ou seria ela, o elo de conexão entre os períodos de geração em
geração na transmissão oral de rituais, de costumes, de valores espirituais, de
memória.
Hoje é diferente pelo fato do contexto que a gente vive hoje, né? Porque antes, igual, assim... eu até me lembro quando eu era criança... eu não estudava... na minha época, há vinte anos atrás eu não estudava, eu acompanhava a minha mãe em todo lugar que ela ia. Ia pra roça... Igual, ela trabalhava às vezes no Coqueiral lavando roupa de alguma família... aí todas as crianças eram assim. Iam fazer farinha com os pais... Tudo era com os pais (EDUCADORA TUPINIKIM, coordenadora da Educação Indígena).
Na atualidade, reafirmando o que nos diz a educadora Tupinikim, muito se mudou da
cultura e tradições da comunidade Tupinikim e, portanto, o repensar sobre a tradição
faz-se urgente, uma vez que é ela, a tradição, que envolve o controle do tempo e se
relaciona com a repetição. Giddens (1997) aponta que a tradição funciona como
orientadora para o passado e também para o futuro. No que se refere ao passado,
acena que ele passa a ter pesada influência sobre o presente, pois, [...] a tradição é
uma orientação para o passado de tal forma que o passado tem uma pesada
influência ou, mais precisamente, é constituída para ter uma pesada influência sobre
o presente (Giddens, 1997, p. 80).
Sobre o futuro, as práticas tradicionais estabelecidas são utilizadas como forma de
reorganizá-lo de modo que o futuro seja modelado sem que se tenha a necessidade
de esculpi-lo como um território separado. Dessa feita, a repetição, chega a fazer o
futuro voltar ao passado, enquanto também aproxima o passado para reconstituir o
futuro (Giddens, 1997). Recuperando mais uma vez a fala da educadora, expomos
localmente o quão drásticas foram as conseqüências da séria invasão do
colonizador e de como essa violação deixou marcas profundas a ponto de
32
desrefenciar o sujeito de sua condição de sujeito comprometendo perdas
relacionadas com sua língua, costumes, suas tradições.
Todos diziam que nós não somos porque não falamos... até pouco tempo quando passava um ônibus lá que ia visitar as aldeias eu cansei de ver cansei de falar papai também já cansou de falar “ah, eu vim aqui visitar os índios, a gente queria conhecer um pouco a aldeia, visitar os índio”. A gente falava “é lá pra baixo”, que era os Guarani. Nossa! A gente falou muito isso. Papai falou... outras pessoas... E até na rua quando a gente estava lá a gente via quando os ônibus passava e alguém parava... eu já vi papai falando, eu já falei, e já vi várias pessoas já falando (EDUCADORA TUPINIKIM, coordenadora da Educação Indígena).
Então, diante da reconstrução de práticas que reestruturem o futuro, a
ressignificação do conceito de ser índio também se modela. Nesse sentido, as
conexões e as formas de relação social são freqüentemente muito próximas, pois as
ações cotidianas dos indivíduos são produções/movimentos locais, sendo, pois, em
algumas vezes, também globais. Ou seja, há buscas de demarcação de espaços
locais, no que se refere ao indivíduo e suas às particularidades e de caracterizações
globais, no tocante ao indivíduo e à sua relação de pertença no todo.
[...] primeiro é preciso se identificar como índio e o grupo também identificar a gente como índio pertencente àquele grupo... e ... sei lá.... é... fazer né é... conhecer a nossa história, poder reconhecer, poder defender, argumentar sobre a nossa história, da nossa identidade como índio o que a gente tem o que a gente perdeu, por que, poder mesmo divulgar essa cultura que a gente tem hoje e que muito já se perdeu muitas coisas. É, poder lutar né... conhecer e lutar sobre as nossas questões que a gente tem hoje territorial, cultural, e outra coisas (EDUCADORA TUPINIKIM, coordenadora da Educação Indígena).
Diante da emergencial necessidade de reafirmação cultural, o Projeto de Educação
Indígena adquire relevância sobremaneira, pois, como já foi dito, amparados em um
referencial legal, é possível aos indígenas adquirirem escolarização durante o
processo de formação, garantindo-lhes que índios trabalhassem com índios e, a
partir dessa ação, possibilitasse em toda a comunidade mudanças outras.
Foi a educação que deu conta de fazer esse processo de resgate dessa identidade porque quando nós fizemos o curso de formação foi pensando deles serem índio para trabalhar com índio. Só que foi muito além disso. E aí nós começamos a ver que não só eles mas os outros índio porque estava na família e eles incentivando a comunidade eles estavam trabalhando com os valores da comunidade étnica, né então outras coisa como a mulher ser vista como colaboradora da aldeia né como uma
33
provocadora de situações, assumir lideranças que até então não era vista era apenas uma atividade tipicamente de homem Tantos trabalhos pela luta pela terra, que ela entendeu que a participação dela era importante. Tudo isso é fruto da educação (EX-COORDENADORA da Educação Indígena no município de Aracruz).
Outro exemplo significativo disso é o atual ensino da língua dos ancestrais dos
Tupinikim, o Tupi. As comunidades dessa etnia desejam recuperar sua língua nativa
e vêem na educação oferecida nas escolas das aldeias um espaço privilegiado para
isso. Desde 2004, é oferecido, em todas as turmas das escolas Tupinikim (ou seja,
da educação infantil à 6ª série), 9 o ensino do Tupi. Quanto à comunidade Guarani,
esta ainda mantém preservada a língua de seus ancestrais (o Guarani), assim como
muitos rituais e costumes de sua tradição sendo para este grupo, a Língua
Portuguesa considerada como segunda língua. Por certo, faz-se necessário algum
estudo que melhor investigue como tem se dado este processo de ensino nas
aldeias, e principalmente de como os sujeitos envolvidos têm se relacionado com
esta ação.
1.3 - REFERÊNCIAS AO CONTEXTO DA INVESTIGAÇÃO
O município de Aracruz (Mapa 1) está localizado ao norte do Estado do Espírito
Santo (ES), distanciando-se da capital, Vitória, cerca de 83 km. Na referida cidade,
vivem duas etnias, Tupinikim e Guarani, compondo uma população indígena
constituída de 637 famílias e totalizando 2.580 pessoas. 10
9 A instituição do ensino fundamental está sendo gradual. É um projeto novo que em cada ano é estabelecida uma nova série. Em 2005, havia da educação infantil até a 5ª série. Em 2006, tem-se da educação infantil à 6ª com a perspectiva de, até 2008, haver o ensino fundamental completo, até a 8ª série. 10 Dados fornecidos pelo Censo Demográfico Indígena (FUNAI, 2006). Esse Censo é sempre realizado no segundo semestre de cada ano par.
34
Mapa 1: Aracruz no Estado do Espírito Santo
O povo Guarani, intitulado Guarani Mbyá, chegou à cidade na década de 1960, após
longa migração iniciada a partir de 1940. Em Ladeira (1992), encontramos aportes
que justificam ser esta uma das últimas migrações do povo Mbyá, quando eles
saíram forçados da Região Sul do Brasil, expulsos de suas terras por fazendeiros
desejosos de desenvolver nessa região o plantio da erva-mate.
Em Ciccarone (1996), temos um retrato da trajetória da migração contada por
algumas narrativas que demonstraram as dificuldades, angústias e incertezas
surgidas e ou encontradas pelas famílias peregrinas ao longo do percurso entre os
Estados do Rio grande do Sul, Paraná, São Paulo, Minas Gerais até a chegada ao
Espírito Santo. Atualmente, segundo o Censo Demográfico Indígena (FUNAI, 2006),
no município de Aracruz, a população Guarani compreende 64 famílias totalizando
265 índios que vivem nas aldeias de Mboapy Pindo (Boa Esperança), Tekoa Porá
(Três Palmeiras) e de Piraquê-Açu. A maioria da população Guarani é bilíngüe e
apresenta a língua e a religião como fontes de orgulho e expressão, verdadeiros e
fundamentais elementos da cultura Guarani. Em nosso contexto de investigação,
apesar de, em alguns momentos, fazermos algumas referências ao povo Guarani,
desenvolveremos, ao longo do trabalho, considerações mais específicas à
comunidade Tupinikim, uma vez que a nossa investigação foi realizada da referida
etnia.
35
A população Tupinikim conta com cerca de 2.315 habitantes e encontra-se
distribuída (Mapa 2) em quatro aldeias (Irajá, Caieiras Velhas, Pau Brasil e
Comboios) em uma área de 7.559 hectares. Em tempos passados, a etnia Tupinikim
vivia basicamente da caça, da pesca, da coleta e da agricultura, tendo uma
economia de subsistência totalmente ligada à natureza. Viviam de acordo com sua
cultura, preservando costumes, tradições e idiomas. Entretanto, ao longo de mais de
500 anos de colonização européia, esse povo foi perdendo, progressivamente, o
território dos ancestrais e sendo diretamente influenciado por profundas alterações
culturais que incidiram na perda de sua língua materna e de algumas tradições. Para
a realização desta investigação, inserimo-nos no contexto da aldeia de Pau Brasil.
Mapa 2: A disposição das aldeias em Aracruz-ES
Pouco se sabe sobre a origem da aldeia de Pau Brasil (Foto 1), mas o Sr. Antônio
dos Santos (conhecido Seu Antonino), um ex-cacique de 70 anos, lembra-se, com
saudades, dos tempos passados. Em entrevista concedida no dia 29-11-2006, a um
grupo de crianças da educação infantil da aldeia, Seu Antonino disse:
Quando eu nasci, esta aldeia já tinha permanecido eu não posso contar em que ano só sei dizer que eu nasci em 36 e certamente esta aldeia já
36
existia. As vez, não chamava aldeia porque realmente tudo foi chamado de aldeia quando a Funai apareceu, né? A se chamar de Aldeia. Mas a aldeia é realmente essa mesmo. Porque a gente sentava com os mais velhos que moravam aqui porque também a gente conheceu alguns ainda né... alguns. E eu não era daqui era da aldeia lá de Cantagalo, mas, sempre permaneci aqui. Passava por aqui, o caminho era aqui mesmo e depois que a gente se formou rapaz jovem a gente começou a brincar com os outros jovens daqui. E a gente nem pode nem contar porque eu mesmo nem sei, mas, sei que ela é bem antiga. Ela é.
E sobre a origem do nome da aldeia, completou “[...] é porque existia muita madeira
de Pau Brasil aqui nesta região... então certamente aqui era o central, era onde
existia mais madeira de pau-brasil... é por isso, pois, que é falado e colocado o nome
de pau Brasil” (SEU ANTÔNIO, ex-cacique, 70 anos).
Foto 1: Aldeia de Pau Brasil
A aldeia de Pau Brasil está localizada a 31 km da sede Aracruz, em uma área de
1.579 hectares, com uma população de 417 habitantes, sendo 101 famílias e a
maior faixa etária populacional compreendida entre 41-54 anos. Nessa aldeia, os
habitantes, índios Tupinikim, sobrevivem da agricultura, trabalhando com a produção
e comercialização de produtos, como mandioca (farinha), milho, feijão, café, coco e
laranja. O artesanato é outra forma de reafirmação de sua cultura. Os objetos são
feitos de fibras vegetais, couro, madeira, sementes e revelando em sua confecção
artesanal a expressão de suas identidades singulares.
37
No caso do artesanato em couro, os tambores – emblemáticos da expressão étnica – manifestam-se na complexa articulação de diferentes tradições, cuja riqueza de significados dá origem a um universo simbólico peculiar que, tecido com fios da memória, criam elos entre mitos, histórias e vida cotidiana. [...] assim, como em diversas sociedades tradicionais, cada instrumento é uma pessoa, portadora de uma feição e de uma musicalidade próprias.(Ciccarone, 2004)
Em virtude de precárias condições financeiras, a subsistência com recursos próprios
da aldeia já não se fazem suficiente. Assim, vários índios saem e prestam serviços
em empreiteiras contratadas pela Aracruz Celulose. No que concerne a essa grande
empresa, é de fundamental importância pontuar que, ao longo de desenvolvimento
de nossa pesquisa, a comunidade indígena de Aracruz passou por diversos embates
com a multinacional, no que se refere à luta pela terra.
Ao longo dos séculos, os indígenas perderam gradativamente suas terras.11 Essa
perda de território tem provocado grandes alterações culturais, uma vez que a terra
representa a base de sustentação da cultura, pois, “[...] para a cultura indígena, a
terra é o centro de um sistema de hábitos e valores que compõem sua identidade”
(PROCESSO 1.353/97, fls. 901, apud do RELATÓRIO GT Portaria nº 0783/94). Os
documentos históricos corroboram dados em favor dos indígenas ao afirmar e
indicar-lhes a posse do território.
[...] de acordo com o Livro Tombo de Nova Almeida: ‘Em 1610, os índios Tupinikim receberam do representante da coroa portuguesa no Espírito Santo, donatário e presidente da província Francisco Aguiar Coutinho, a ‘doação’ de uma sesmaria de terras de seis léguas em quadro. Em 1760 a área foi demarcada, com aproximadamente 61 quilômetros no sentido Norte-Sul e 49 quilômetros no sentido Leste-Oeste’. Esse território foi medido de um lugar chamado Patranha (entre Jacaraípe e Capuaba) indo até Comboios. A sesmaria foi confirmada por Alvará em 1760. E, e em 1860, D. Pedro II visitou a aldeia Tupinikim e ratificou a doação das terras (CARTA ABERTA À POPULAÇÃO, 15-9-2006).
11 Em 1940, contrariando a Constituição Federal, o governo brasileiro concedeu à Companhia de Ferro e Aço de Vitória (COFAVI) 10 mil hectares para a produção de carvão vegetal. Em 1967, a Aracruz Celulose comprou os 10 mil hectares da COFAVI e iniciou grande desmatamento para se efetivar a plantação de eucalipto. Em virtude dos confrontos, a multinacional reivindica essas terras como suas. Os índios contestam.
38
Para os indígenas, o lugar é uma referência pragmática do mundo, uma vez que traz
em si uma rigidez, diante de solicitações e ordens precisas e condicionadas, mas
também possibilita diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade
(Santos apud Ciccarone, 2004). Sendo assim, o lugar, sua terra é a sua garantia
possível de dar continuidade ao seu modo de vida, que, ao longo de anos, vem
sofrendo alterações provocadas pelo entorno da sociedade envolvente, não índia.
No período de realização de nossa coleta de dados, a Aracruz Celulose, objetivando
provar a não existência de povos Tupinikim na região, empenhou-se em algumas
ações que tiveram como mote desqualificar e ridicularizar a identidade indígena
aracruzense. Para tanto, utilizando-se de estratégias de comunicação coercitivas
veiculadas pela imprensa, nas escolas e instituições do município, desconsiderou as
documentações históricas de mais de 400 anos. Valendo-se de seu poderio
econômico, a Multinacional patrocinou campanhas (utilizando cartilhas, outdoors,
sites da empresa) com o objetivo explícito de instigar a sociedade envolvente a se
pronunciar de modo totalmente preconceituoso contra a população indígena. Abaixo
temos alguns exemplos dos outdoors que circularam pela cidade.
Foto 2: Outdoor sobre os conflitos pela posse da terra
39
Foto 3: Outdoor sobre os conflitos pela posse da terra
Em atitude de repúdio e manifestação de indignação a esse tipo de atitude, e
principalmente para esclarecer historicamente a população sobre algumas
informações deturpadas, transmitidas pela Multinacional, os indígenas fizeram
veicular uma carta aberta, na qual, respaldados em documentação histórica, afirmam
que tanto a presença do indígena naquela região como a posse das terras que a
empresa reivindica são de natureza legítima das comunidades indígenas de Aracruz
esclarecendo, a partir das evidências, a existência da etnia indígena desde o século
XVI.
[...] os Tupinikim ocupavam uma faixa de terra situada entre Camamu (BA) e o rio São Mateus (ou Cricaré), alcançando a Província do Espírito Santo”, mas, historiadores e alguns viajantes como Jean de Léry, que passou pelo território espírito-santense em 1557 e Gabriel Soares de Sousa (1587), confirmam a presença dos Tupinikim no século XVI não só na região entre Camamu e o rio São Mateus, mas também na Região de Aracruz. Esses índios também viviam na região do rio Piraquê-Açu, onde em 1556 foi fundada pelo jesuíta Afonso Brás a Aldeia Nova (Nova Almeida). Coutinho (2006:127) afirma: ‘[...], a Aldeia de Reis Magos tornou-se um centro de atração já havia índios de várias tribos, pelos menos Temiminó, Goitacaz, Tupinikim, Parnaubi, e até os bravios Aimoré, [...]’. De acordo com John Hemming, a população Tupinikim do sul da Bahia até o Espírito Santo era em 1.500, de 55 mil habitantes. Há registros da etnia Tupinikim na região de Aracruz nos escritos de André Thevet, Hans Staden, dos jesuítas José de Anchieta e de Fernão Cardim (COMUNIDADES INDÍGENAS TUPINIKIM E GUARANI, 2006. grifos do autor).
A demarcação dessas terras é uma antiga reivindicação dos indígenas e estudos da
FUNAI confirmam e reiteram o direito às terras que esses povos tradicionalmente
40
ocupam. Esses conflitos envolvem a todos na comunidade indígena, tornando-se
também, tema de discussão em momentos de roda de conversa com as crianças da
educação infantil, organizados pela educadora.
1.4 - OS OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO
A oralidade na tradição indígena, sempre foi e ainda é um importante elo de
manutenção de tradição entre as gerações, na contação de histórias, de lendas, na
preservação mitológica, nas conversas informais. Ou seja, como um dos mais
importantes e fundamentais meios de propagação da cultura, utilizado
historicamente pelas comunidades indígenas como recurso na defesa de seus
direitos, reivindicação de posse das terras e demarcação das mesmas.
Nessa investigação, estamos atenta a trabalhar a linguagem oral numa perspectiva
que a compreenda como um processo de ensino dentro da relação de ensino-
aprendizagem nos propondo principalmente pensar no ensino de gêneros orais que
mais se afastam do protótipo dos gêneros utilizados na fala, realizados em espaços
públicos e não aprendidos no cotidiano. Por isso, pensamos que a temática aqui
pesquisada possui caráter social e histórico para a educação indígena, e o conjunto
da educação nacional, pois a linguagem oral tem ocupado um lugar central em
debates em nível nacional.
Com efeito, nas orientações curriculares nacionais, tais como os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs), o Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil (RCNE/Infantil12) e o Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas (RCNE/ Indígena 13), é possível encontrar referências explícitas ao
trabalho em sala de aula com a linguagem oral, mas queremos discutir se a
12 Esse documento compreende três volumes. O volume I aborda reflexão sobre as concepções de criança, de educação, de instituição e do profissional, as quais fundamentam os objetivos gerais da Educação Infantil. O volume II discute Formação Pessoal e Social. O volume III apresenta reflexões acerca da construção de diferentes linguagens pelas crianças e as relações que estabelecem com os objetos de conhecimento como: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. 13 Esse documento é composto de duas partes: na primeira, apresentam-se os fundamentos gerais da educação indígena e um breve histórico; na segunda, as orientações pedagógicas para cada componente curricular (Línguas, Matemática, História, Geografia, Ciências, Artes e Educação Física).
41
linguagem oral apresenta o caráter de objeto de ensino. O documento contém
referências sobre diferentes formas de se abordar a linguagem oral. No entanto, no
que diz respeito ao RCNEI/Infantil, identificamos uma ambigüidade flagrante com
respeito ao status da linguagem oral: de um lado, há a idéia segundo a qual, em
algumas práticas, a aprendizagem da linguagem oral se dá de forma natural por isso
o seu ensino não requer “[...] ações educativas planejadas com a intenção de
favorecer essa aprendizagem” (Brasil, 1998, p. 119); de outro lado, incentiva uma
intervenção direta do adulto “para ensinar às crianças pequenas listas de palavras,
cuja aprendizagem se dá de forma cumulativa” (Brasil, 1998, p. 119).
Na pesquisa, então, trazemos ao debate acadêmico que as atividades de linguagem
oral podem ser efetivamente planejadas a fim de criar as condições para que o
aluno se aproprie de características peculiares dos diferentes gêneros orais,
utilizando-os em diversas situações de produção. Em especial, interessa-nos
valorizar a linguagem oral, por meio de uma prática reflexiva.
Outra faceta da ambigüidade do Referencial Curricular Infantil, com respeito ao
status da linguagem oral na educação infantil, é evidente, quando pontua que, em
muitas instituições, o trabalho com a linguagem oral se restringe a atividades como a
“roda de conversa” que seria marcada por um monólogo do professor em face do
aluno (MEC/SEF, 1998, p. 119). É possível que, nesse aspecto, o Referencial
Curricular tenha razão, e isso será objeto de nossa atenção no momento em que
relatarmos os resultados de um estudo exploratório que realizamos como parte de
nossa pesquisa. No que concerne ao Referencial Curricular Nacional para a
Educação Indígena (RCNE-Indígena) no item reservado ao ensino de Línguas, são
apresentadas “[...] sugestões para o ensino aprendizagem da linguagem oral,
linguagem escrita e de práticas de análise lingüística” (MEC, 1998 p. 131).
Pelas orientações oferecidas por esse documento, no que se refere ao
desenvolvimento da linguagem oral, “[...] o professor deve reservar um tempo em
sua sala de aula” para atividades onde a criança possa desenvolver a oralidade ao
contar e comentar fatos; conversar e trocar idéias e opiniões sobre assuntos
diversos; conversar sobre idéias polêmicas; descrever processos de construção de
algum objeto; fazer dramatizações.
42
Outra atividade também considerada uma forma eficaz para desenvolver a
linguagem oral é a leitura de pequenos textos com conteúdos e vocabulário
apropriado à idade do aluno, sob o argumento de que, nessas situações, os alunos
aprendem novas palavras e expressões. Vê-se aí uma valorização de práticas
verbais, sem sentido explícito dos gêneros orais, e a idéia de desenvolvimento da
linguagem oral na criança provocado por aumento do vocabulário.
Tendo em vista os diferentes elementos apresentados, esta investigação, ao inserir-
se no ambiente da educação infantil indígena e trazendo a discussão sobre as
questões que envolvem a apropriação da linguagem oral, torna-se muito mais
provocadora. Isso porque a aquisição da linguagem oral pelas crianças, indígenas
ou não, começa por uma aprendizagem incidental. Pelas interações com seus pais
e/ou aqueles que dela cuidam, a criança vai desenvolvendo diferentes dimensões da
linguagem oral. No entanto, ao considerarmos a escola um espaço institucional de
circulação de saber sistematizado, torna-se também necessário questionar: qual o
lugar da linguagem oral na educação infantil? Esse questionamento constitui,
precisamente, o nosso problema central de investigação tendo como foco
privilegiado a educação escolar indígena. Em consonância, encaminhamos a análise
investigativa a partir de quatro questões:
a) Que atividades de linguagem oral são freqüentemente realizadas nas salas de
educação infantil indígena?
b) É possível abordar o oral como objeto de ensino em classes de educação
infantil?
c) A partir da realização de oficinas pedagógicas centradas em gêneros orais como
objeto de ensino, qual poderá ser o impacto delas nas produções orais das
crianças de quatro, cinco e seis anos?
d) Como o ensino aprendizagem da oralidade na educação infantil pode contribuir
para o resgate e preservação da cultura Tupinikim?
Para operacionalizar as questões apresentadas, definimos nossas metas da
seguinte maneira:
43
a) estudar as práticas de linguagem oral na educação infantil indígena;
b) elaborar com os educadores indígenas oficinas pedagógicas centradas em
práticas de linguagem oral;
c) analisar o impacto das oficinas de aprendizagem nas produções orais das
crianças.
Além das necessidades dos próprios educadores indígenas, uma investigação como
esta pode ser justificada de diferentes maneiras. Por um lado, a nossa experiência
como professora de classes de educação infantil em escola da Rede Municipal de
Educação de Aracruz, mostrou-nos que, ao entrar no contexto escolar, por volta dos
três ou quatro anos, a criança já possui um domínio relativo do oral que lhe permite
comunicar desejos ou alegria em momentos em que conversa com seus pares, ao
contar algum fato ocorrido, ao conversar com membros da família, ou mesmo ao
persuadir os pais quanto a algo que deseja, entre outras situações cotidianas. Esse
domínio da linguagem demonstra que o desenvolvimento da fala é, antes de tudo, o
desenvolvimento de sua experiência cultural que se dá prioritariamente por meio da
conversação (como a contação de histórias, por exemplo) que foi aprendida no dia-
a-dia com as pessoas com as quais a criança convive e com as quais compartilha
referências culturais.
Por outro lado, faltam estudos relativos à linguagem oral na educação infantil, pois,
na proposta de que essa modalidade de ensino é também espaço para educar as
crianças pequenas, muitos estudos estão voltados para as questões relativas à
socialização das crianças, à organização das instituições, ao desenvolvimento
cognitivo (leitura, escrita, arte) ou, mais recentemente, à formação do professor de
educação infantil. A título de exemplo, podemos nos reportar às dissertações
defendidas no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE / UFES), no
período de 1981 a 2002. Em 20 anos de programa e num total de 209 dissertações
defendidas, oito, ou seja, apenas 3,8%, referiam-se aos sujeitos da educação
infantil. Vale ressaltar ainda que nenhuma delas abordava a educação infantil
indígena e nem as práticas ensino da linguagem oral.
Outra razão considera que o processo de investigação poderá trazer substanciais
reflexões para a educação infantil em geral e para a educação infantil indígena em
44
particular, de modo a procurar compatibilizar as aspirações de um ensino específico
e diferenciado, intercultural e de qualidade com uma proposta que promova o
desenvolvimento de novas capacidades nos alunos, permitindo-lhes aprender a
língua na perspectiva de aprender a se comunicar em situações diversas.
Por fim, as experiências de educação infantil, em aldeias indígenas aracruzenses,
sendo relativamente novas, suscitam o desenvolvimento de um maior número de
investigações, o que trará maior fundamentação teórica, possibilitando, assim,
relacionar o fazer pedagógico com uma ação política que vise à melhoria da vida
social e da escola real.
45
2 - LINGUAGEM E EDUCAÇÃO: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
Este trabalho fundamentou-se em pressupostos vigotskianos, no que se refere à
concepção de ensino-aprendizagem, e bakhtinianos, no que concerne à concepção
de linguagem, por entendermos o processo de ensino-aprendizagem como de
natureza social em que a linguagem (seja oral, seja escrita) é elemento essencial na
constituição dos sujeitos e na compreensão do mundo. Apresentaremos,
inicialmente, alguns conceitos propostos por Vigotski, no que se refere à concepção
de aprendizagem e de desenvolvimento. Em seguida, discutiremos acerca de
algumas contribuições de Bakhtin (2001, 2004), Desse autor tomaremos de
empréstimo as reflexões sobre gêneros primários e gêneros secundários,
enunciação, compreensão responsiva e acento apreciativo. Logo após,
apresentaremos alguns elementos teóricos acerca da conversação, como um
gênero que privilegiaremos em nosso trabalho empírico.
2.1 - A CONCEPÇÃO DE DESENVOLVIMENTO E DE APRENDIZAGEM A PARTIR
DO REFERENCIAL HISTÓRICO-CULTURAL
Ao trazermos as contribuições de Vigotski ao nosso debate, constatamos que, em
seus estudos, o autor verificou que a criança, desde o nascimento, vivencia
intercâmbios de comunicação nos momentos em que interage com aqueles que
dela cuida. Um bebê que ainda não sabe articular palavras ou nem é capaz de
compreender claramente os seus significados, consegue expressar suas
necessidades fisiológicas, os seus estados emocionais por meio de gestos, sons,
expressões, demonstrando, que é a necessidade de contato social que impulsiona o
desenvolvimento da linguagem. A linguagem funciona como uma ponte de ligação
entre a criança e o outro desempenhando papel fundante na constituição das
pessoas.
No percurso do desenvolvimento infantil, as palavras não são inventadas, são
produtos de relações socioculturais históricas produzidas pelas crianças de maneira
significada. Ou seja, têm elas poder de regular e conferir um caráter mediador às
46
relações entre as demais pessoas e adquirem significado figurado à medida que se
relacionam com uma imagem ou operacionalização “[...] en el lenguaje infantil los
signos no aparecen como inventados por los niños: los reciben de la gente que les
rodea y tan solo después toman conciencia o descubren las funciones de tales
signos”. (Vigotski, 1995, p. 179).
Para o autor, ao longo do desenvolvimento infantil, quando a criança toma
consciência de um determinado saber, significa que ela é capaz de transferi-lo do
plano da ação para o plano da linguagem. Ou seja, “[...] a tomada de consciência e
a apreensão ocupam o primeiro plano no desenvolvimento [...]” (Vigotski, 2001, p.
325) de modo que a criança tenha condições de falar sobre o conhecimento do qual
se apropriou. Assim, segundo a observação de Vigotski, a escola deveria levar o
indivíduo a se apropriar dos conhecimentos que são construídos historicamente.
Dessa forma, o autor traz a discussão sobre a necessidade de distinção entre os
conceitos científicos e os conceitos cotidianos.
No fundo, o problema dos conceitos não-espontâneos e, particularmente, dos conceitos científicos é uma questão de ensino e de desenvolvimento, uma vez que os conceitos espontâneos tornam possível o próprio fato do surgimento desses conceitos a partir da aprendizagem, que é a fonte do seu desenvolvimento (Vigotski, 2001, p. 296).
Os conceitos cotidianos são entendidos como as formas de pensamento do
indivíduo que estão diretamente ligadas às experiências que ele tem com o mundo.
Já por conceitos científicos, o autor entende como sendo aquelas noções que
surgem e se constituem no processo de ensino-aprendizagem escolar. Para o autor,
os conceitos científicos não substituem os espontâneos. Eles se integram e
exercem influências mútuas.
Na idade escolar, o desenvolvimento de conceitos científicos é primordial e deve ser
mediado pelo professor de maneira que as crianças possam articular
conhecimentos novos, imprimindo configurações diferentes às suas representações
primeiras acerca dos fenômenos naturais e sociais. O autor traz também a
discussão proposta por autores que tentam compreender o desenvolvimento dos
conceitos científicos, ancorados em respostas elaboradas pela psicologia infantil. A
47
primeira interlocução sustenta que os conceitos científicos não têm história interna,
são absorvidos por assimilação, negando a necessidade de intervenção e
entendendo que a aprendizagem é uma sucessão de memorizações. Discordando
dessa concepção, Vigotski (2001, p. 246) pontua que a assimilação de um conceito
não é imediata, ela passa por um processo de desenvolvimento.
Do ponto de vista psicológico dificilmente poderia haver dúvida quanto a total inconsistência da concepção segundo a qual os conceitos são apreendidos pela criança em forma pronta no processo de aprendizagem escolar e assimilados da mesma maneira como se assimila uma habilidade intelectual qualquer.
No ínterim de nossa investigação, a reflexão sobre esses questionamentos traz em
seu bojo a discussão de que, na educação infantil, o ensino tem que ser dinamizado
com propósitos claros, objetivos bem definidos, relações interativas constantemente
negociadas, ressignificadas entre os pares. É evidente que isso supõe a negação de
propostas que encaram a educação infantil como uma etapa da educação escolar
marcada pelo fortuito.
A segunda interlocução sustenta que a delimitação entre desenvolvimento de
conceitos espontâneos e o desenvolvimento de conceitos científicos é inconsistente,
já que o processo de desenvolvimento de conceitos científicos repetiria o mesmo
curso do desenvolvimento de conceitos espontâneos. Segundo Vigotski (2001),
pesquisadores, importantes, como Piaget, preocuparam-se em estabelecer uma
dicotomia entre os conceitos científicos e os conceitos espontâneos e incorreram
em idéias equivocadas. O primeiro equívoco foi considerar que apenas os conceitos
espontâneos são assimilados pela criança que os reelabora e, nesse processo de
reelaboração, imprime algumas peculiaridades de seu próprio pensamento. O
segundo foi excluir totalmente a possibilidade de influência entre os dois conceitos,
considerando apenas uma ruptura entre ambos e não um vínculo. O terceiro
concentra-se justamente na contradição interior surgida a partir da aceitação dos
dois equívocos citados. Segundo Vigotski (2001), para Piaget, o desenvolvimento se
configura como um processo de trocas constantes de umas formas por outras, ou
seja, o desenvolvimento seria um processo de deslocamento onde o novo surge de
fora, numa interação social, em constante troca de saberes.
48
A partir dessas questões, Vigotski alerta-nos para a terceira interlocução que aponta
sobre o também equivocado entendimento referente à relação entre a
aprendizagem e desenvolvimento, pontuando assim três teorias as quais ele refuta.
A primeira teoria é de que desenvolvimento e aprendizagem são processos
independentes entre si em que “[...] o desenvolvimento da criança é visto como um
processo de maturação sujeito às leis naturais, enquanto a aprendizagem é vista
como aproveitamento meramente exterior das oportunidades criadas pelo processo
de desenvolvimento [...]” (Vigotski, 2001, p.296). Vigotski refuta essa idéia, uma vez
que, para ele, o desenvolvimento não se sobrepõe à aprendizagem, mas ambos se
intercalam; não coincidem imediatamente, mas estão em complexas inter-relações:
[...] essa dependência não é principal, mas subordinada, e a tentativa de apresentá-la como principal e mais ainda como integral leva a vários mal-entendidos e equívocos. É como se a aprendizagem colhesse os frutos do amadurecimento da criança, mas em si mesma a aprendizagem continua indiferente ao desenvolvimento (Vigotski, 2001, p. 299).
A segunda teoria é contrária à primeira, ou seja, postula o processo de
aprendizagem e de desenvolvimento como dois processos absolutamente idênticos
em que não há distinção entre ambos, um e outro sendo sinônimos e a “[...]
aprendizagem é sinônimo de desenvolvimento. A criança se desenvolve na medida
em que aprende [...] desenvolvimento é aprendizagem, aprendizagem é
desenvolvimento” (Vigotski, 2001, p. 300).
A terceira teoria coloca-se em uma posição intermediária entre as duas anteriores já
citadas. Considera como postulado a existência de interdependência entre
aprendizagem e desenvolvimento, mas não toma como dado de investigação os
porquês dessa interdependência. Para Vigotski (2001, p. 302), esse posicionamento
não resolve a questão do entendimento sobre aprendizagem e desenvolvimento,
apenas confunde mais a questão: “[...] ela parte de uma concepção radicalmente
dualista do próprio desenvolvimento. Este não é um processo indiviso:
desenvolvimento como maturação é que é desenvolvimento como aprendizagem”.
49
Essas concepções de ensino e aprendizagem, criticadas por Vigotski nos anos 30,
podem ser encontrados ainda hoje na educação infantil. Há aqueles que concebem
o ensino-aprendizagem como algo que acontece de forma espontânea; os que
sustentam que o ensino não tem nenhuma repercussão sobre o desenvolvimento;
ou ainda aqueles que não tomam como dado de investigação os porquês de
interdependência entre aprendizagem e desenvolvimento. Assim como Vigotski
colocava a necessidade de repensar esses conceitos, consideramos que suas
contribuições poderiam nos ajudar a olhar os processos de ensino-aprendizagem
com maior e melhor qualidade para a educação infantil. A busca pelo referencial
vigotskiano contribui para o entendimento de que é a aprendizagem um fator
principal e determinante do desenvolvimento intelectual da criança. Ou seja, com
base na relação de intercâmbio entre aprendizagem e desenvolvimento, e não de
unidade entre esses dois processos, concordamos com Vigotski que “[...] a
aprendizagem só é boa quando está à frente do desenvolvimento” (Vigotski, 2001,
p. 334).
2.2 - CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEPÇÃO BAKHTINIANA DE LINGUAGEM
Ao discorrermos sobre alguns apontamentos referentes à concepção bakhtiniana de
linguagem, pensamos que convém, inicialmente, retomar, mesmo rapidamente, as
considerações apresentadas pelo autor acerca de duas grandes orientações
filosófico-lingüísticas para o ensino da língua materna que ele veemente criticou.
Bakhtin, com base nas contribuições e nas fragilidades presentes nas correntes
filosóficas advindas do Romantismo e do Racionalismo em discussões travadas na
Rússia, no período de 1919 a 1929, por um grupo de intelectuais de diferentes
áreas – conhecido como Círculo de Bakhtin – dialogou com essas diferentes
proposições científicas e, em seus escritos, apresentou evidentes dualismos entre
as principais orientações filosófico-linguísticas de sua época.
Na filosofia da linguagem e nas divisões metodológicas correspondentes da lingüística geral, encontramo-nos em presença de duas orientações principais no que concerne à resolução de nosso problema, que consiste em isolar e identificar a linguagem como objeto de estudo específico. Isso acarreta, por suposto, uma distinção radical entre estas duas orientações para todas as demais questões que se colocam em lingüística.
50
Chamaremos a primeira orientação de ‘subjetivismo idealista’ e a segunda de ‘objetivismo abstrato’ (Bakhtin, 2004, p. 72, grifos do autor).
As críticas de Bakhtin à primeira orientação, o subjetivismo idealista, deu-se pelo
fato de ela ter, como foco principal de atenção, o centramento nas questões
referentes ao individual, tratando a fala como se fosse uma construção única de
cada indivíduo e desconsiderando o caráter dialógico da linguagem. Além disso, nas
orientações aos estudos 14 da linguagem, essa abordagem propunha a análise da
língua como algo morto, semelhante às inscrições nos túmulos, por exemplo.
Bakhtin (2004) então questiona que até mesmo nas inscrições tumulares há uma
espécie de interação, não sendo também elas monológicas, pois há que se
considerar todo um contexto histórico que elas possuem. Segundo o autor, o
objetivo principal dessa primeira orientação consistia em esclarecer o fenômeno
lingüístico, reduzindo-o a um ato significativo de criação individual, limitando-se a
preparar a explicação exaustiva do fato lingüístico de maneira que essas
orientações viessem a atender às finalidades práticas de aquisição de uma língua
falada com um caráter preliminar, construtivo e classificatório (Bakhtin, 2004).
De acordo com o autor, os pressupostos que orientam a concepção de linguagem
em uma tendência do subjetivismo idealista centram-se no princípio de ser a fala um
ato criativo individual, considerando o psiquismo individual, a fonte da língua. Na
obra Marxismo e Filosofia da Linguagem15 (2004), o autor apresenta as quatro
proposições que fundamentam o subjetivismo idealista que aqui consideramos
válidas de serem enunciadas.
1. A língua é uma atividade, um processo criativo ininterrupto de construção (‘energia’), que se materializa sob a forma de atos individuais de fala. 2. As leis de criação lingüística são essencialmente as leis da psicologia individual. 3. A criação lingüística é uma criação significativa, análoga à criação artística. 4. A língua, enquanto produto acabado [...], enquanto sistema estável (léxico, gramática e fonética), apresenta-se como um depósito inerte, tal como a lava fria da criação lingüística, abstratamente construída pelos
14 Bakhtin aponta como grandes expoentes dessa orientação de estudos autores como Humboldt, Wundt, Vossler e Croce (Cf. Bakhtin, 2004 p. 73-77). 15 Neste trabalho tomamos a décima primeira edição dessa obra de Bakhtin que foi publicada pela primeira vez, em 1929, sob o título Maksizm i filossófia iaziká.
51
lingüistas com vistas à sua aquisição prática, como instrumento pronto para ser usado (Bakhtin, 2004, p. 72-73).
Na segunda orientação, não importa o indivíduo produtor de texto, mas o sistema
que já está acabado, situando como centro organizador dos fatos da língua, o
sistema lingüístico, ou seja, “[...] o sistema das formas fonéticas, gramaticais e
lexicais da língua [...]” (Bakhtin, 2004, p. 77, grifo do autor) e, desse modo,
atribuindo à linguagem uma característica de neutralidade. O princípio primeiro
dessa orientação é que o indivíduo tem a faculdade da linguagem precisando
apenas aprender a língua para aprender as suas normas. Dessa forma, tudo que sai
da norma é desvio. Assim, Bakhtin pontua que o objetivismo abstrato poderia fazer
uma analogia a uma fórmula matemática, observando que, quando um desvio se
altera, cria-se outro sistema que tem relação com outro, não se preocupando com
as relações, com o processo histórico. Ratificando ser o sistema de formas
normativas o que se torna a substância da língua, o autor apresenta as quatro
proposições que fundamentam o objetivismo abstrato.
1. A língua é um sistema de estável, imutável, de formas lingüísticas submetidas a uma norma fornecida tal qual à consciência individual e peremptória para esta. 2. As leis da língua são essencialmente leis lingüísticas, que estabelecem ligações entre os signos lingüísticos no interior de um sistema fechado. Estas leis são objetivas relativamente a toda consciência subjetiva. 3. As ligações lingüísticas específicas nada têm a ver com valores ideológicos [...] Entre a palavra e seu sentido não existe vínculo natural e compreensível para a consciência, sem vínculo artístico. 4. Os atos individuais da fala constituem, do ponto de vista da língua; simples refrações ou variações fortuitas ou mesmo deformações das formas normativas. [...] Entre o sistema da língua e sua história não existe nem vínculo nem afinidade de motivos. Eles são estranhos entre si (Bakhtin, 2004. p. 82-83).
Diante de tais orientações, Bakhtin apresenta a língua como algo contínuo, dinâmico
em constante movimentação, desenvolvendo-se sempre na vida social, nas
interações verbais entre os sujeitos. Assim, ele aponta que o fenômeno social da
interação verbal constitui a realidade fundamental da linguagem em que se
materializam as enunciações. Esse processo de materialização da linguagem ocorre
por meio da palavra, o recurso semiótico que possibilita a expressão. É, pois, a
construção humana que torna possível e estreita essas relações nos diferentes
52
grupos e atividades sociais que se instituem num contexto sócio-histórico-cultural,
realizando-se por meio dos gêneros do discurso, que são formas relativamente
estáveis e subordinadas às situações comunicativas.
No processo de aprendizagem e de desenvolvimento, a linguagem adquire lugar de
destaque. Ela torna possível e estreita a relação dos seres humanos nos mais
diversos campos de atividade. Campos esses que são diversos, múltiplos e que se
materializam em gêneros do discurso possibilitando o intercâmbio verbal. À medida
que interagem com seus congêneres, os seres humanos aprendem a moldar sua
fala em forma de gêneros subordinados às situações de comunicação.
Falamos apenas através de determinados gêneros do discurso, isto é, todos os nossos enunciados possuem formas relativamente estáveis e típicas de construção do todo [...] Esses gêneros do discurso nos são dados quase da mesma forma que nos é dada a língua materna...[...]” (Bakhtin, 2003, p.282, grifos do autor)
Esses gêneros são produções socialmente elaboradas, que resultam de
experiências humanas, que mediatizam, alargam e transformam outras atividades
humanas. Introduzem-se na experiência e consciência humana sob a forma de
enunciados variados, determinados principalmente pela situação de produção. As
situações seriam, pois, a realização concreta das interações sociais advindas das
construções humanas organizadas e apropriadas pelos interlocutores no bojo das
interações.
A diversidade desses gêneros é determinada pelo fato de que eles são diferentes em função da situação, da posição social e das relações pessoais de reciprocidade entre os participantes da comunicação: há formas elevadas, rigorosamente oficiais e respeitosas desses gêneros, paralelamente a formas familiares, e, além disso, de diversos graus de familiaridade, e formas íntimas (Bakhtin, 2003, p. 283).
Entre as interações, a linguagem tem, então, papel fundamental, assumindo caráter
dialógico e dinâmico a cada enunciação. No instante de enunciações únicas, o
contexto interativo sempre requer o posicionamento do outro, as suas
contrapalavras, ou seja, só se realiza no processo de compreensão ativa e
responsiva. Na situação de comunicação, a língua se torna viva, pois concretiza-se
53
por meio de enunciados dos falantes ao demonstrarem uma compreensão
responsiva nos momentos de diálogo, e neste, o ouvinte se torna falante e vice-
versa e a compreensão passiva é apenas um momento abstrato.
O próprio falante está determinado precisamente a essa compreensão ativamente responsiva: ele não espera uma compreensão passiva, por assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução, etc (Bakhtin, 2003, p. 272).
O autor postula também a existência de duas categorias de gênero: primários e
secundários. Os gêneros primários (diálogo cotidiano, cartas trocadas entre
familiares, conversas informais etc) são constituídos e sustentados em condição
comunicativa enunciativa imediata, ligados a situações mais privadas de uso da
linguagem, como no caso da conversa informal. Os gêneros secundários
(romances, dramas, pesquisas científicas de toda espécie) surgem em contextos
mais desenvolvidos e organizados, em situações de comunicação que exigiriam um
nível maior de formalização da linguagem. A diferença entre essas duas categorias
discursivas é grande e se explicita por meio da condição/situação de produção em
que a comunicação verbal será compreendida, “[...] a comunicação verbal entrelaça-
se inextricavelmente aos outros tipos de comunicação e cresce com eles sobre o
terreno comum da situação de produção” (Bakhtin, 2004, p. 124).
Assim, a matéria lingüística adquire significação em um processo ativo e responsivo,
isto é, intersubjetivo, denotando que a palavra usada na fala real não possui apenas
tema e significação no plano objetivo; ela também tem um enorme valor no sentido
do conteúdo que lhe confere acento de valor, um acento apreciativo.
Em que consiste, pois, esse acento apreciativo e qual a sua relação com a face
objetiva da significação? Ao evidenciar o acento apreciativo, Bakhtin (2004) destaca
a entoação expressiva como um componente óbvio e superficial da apreciação
social contida na palavra. O acento apreciativo é transmitido por meio da entoação
expressiva que diz respeito à relação individual do locutor ao objeto do discurso.
54
Analisando um texto de Dostoievski, retirado de No Diário de um Escritor, 16 Bakhtin
nos mostra como a entoação diferente, dada por seis falantes a um mesmo
enunciado, torna diferente seu tema. Isso se dá porque a conversa é conduzida por
meio de entoações que expressam as apreciações de cada interlocutor, imprimindo
em cada entoação uma realização particular, expressiva e profunda. Assim vemos
que a palavra proferida é a mesma, no entanto as seis “falas” são diferentes e
marcadamente pontuadas pelas entoações inteiramente determinadas pela situação
social imediata, em cujo quadro se desenvolve a conversa, ou seja, vozes de todos
aqueles que dela utilizam ou a têm utilizado historicamente.
[...] Quase todas as pessoas têm as suas interjeições e locuções favoritas: pode-se utilizar corretamente uma palavra de carga semântica muito grande para resolver de forma puramente entoativa situações ou crises da vida cotidiana, sejam elas menores ou graves [...] (Bakhtin, 2004, p. 134).
Formulações como a acima apresentada dá-nos a refletir que o acento apreciativo é
constitutivo da enunciação e com isso demonstra que os sujeitos semantizam a
língua no evento enunciativo.
[...] uma propriedade de cada enunciação [...] realiza-se completa e exclusivamente através da entoação expressiva, sem ajuda da significação das palavras ou da articulação gramatical [...]. Toda enunciação compreende, antes de mais nada uma orientação apreciativa. (Bakhtin, 2004, p.134-135, grifos do autor).
Outro exemplo que melhor nos ajuda a compreender as questões relacionadas com
o acento apreciativo encontramos em Cereja (2005), quando examina o uso da
palavra companheiro em situações concretas e diferentes proferidas em produções
discursivas de Luiz Inácio Lula da Silva no contexto das eleições que o levaram à
Presidência do Brasil em 2000. Cereja (2005) parte do ponto de vista dialético e
dialógico de Bakhtin de que a palavra não é unidade neutra, uma forma abstrata,
mas que é, sim, “interindividual” e com características marcantes de reunir em si as
diversas vozes de todos aqueles que a utilizam.
16 Texto de Dostoievski e análise, contidos no livro Marxismo e Filosofia da Linguagem (Bakhtin, 1999, p.133-134).
55
A palavra (em geral qualquer signo) é interindividual. Tudo o que é dito, o que é expresso se encontra fora da ‘alma’ do falante, não pertence apenas a ele. A palavra não pode ser entregue apenas ao falante. O autor (falante) tem os seus direitos inalienáveis sobre a palavra, mas o ouvinte também tem os seus direitos: têm também os seus direitos aqueles cujas vozes estão na palavra de antemão pelo autor (porque não há palavra sem dono) [...] (Bakhtin, 2003, p. 327-328).
A partir do referencial bakhtiniano acima exposto, Cereja tece uma análise fina e
descortina as diferentes formas com que, ao longo das últimas quatro décadas, a
palavra companheiro passou a ser utilizada com freqüência em discursos de
natureza político-ideológica. As mutações de sentido ocorridas na palavra analisada,
quando em contextos de produções diferentes, compreendem, pois, “[...] uma
reavaliação: o deslocamento de uma palavra determinada de um contexto
apreciativo para outro [...]” (Bakhtin, 1999, p. 135). Assim, a palavra companheiro,
que antes cunhava explicitamente o sentido histórico e ideológico da militância
política, agora adquire outras nuancem. Tem caráter de esposa e também de
companheira que acompanha e ampara o político; é também a figura daquele que
simpatiza com a causa popular; bem como estende o sentido de companheiro a toda
a multidão sem nenhuma objeção, revelando um desejo de agregar a todos, de salvar a
todos. Assim vemos que o acento apreciativo é transmitido por meio de entoação
expressiva.
Além disso, é à apreciação que se deve o papel criativo nas mudanças de significação. A mudança de significação é sempre, no final das contas, uma reavaliação: o deslocamento de uma palavra determinada de um contexto apreciativo para outro (Bakhtin, 2004, p. 135).
Bakhtin mostra-nos a heterogeneidade, ou seja, os múltiplos sentidos da palavra em
virtude da multiplicidade de enunciações. Isso explicita a “dialogicidade” da
linguagem. É nessa perspectiva que Bakhtin aborda a questão do acento apreciativo,
pois, como o autor apontou, a língua é viva e constitui-se nas interações sociais.
Desse modo, os valores colocados pela apreciação individual e social, principalmente,
por meio da entoação expressiva, provocam mudanças e evoluções lingüísticas
significativas, afetando o tema e a significação. E a situação extraverbal interfere,
significativamente, na produção dos sentidos. Percebemos, enfim, que esses
conceitos, de certa forma, se entrelaçam e um acaba por clarificar ou evidenciar o
outro. Bakhtin, ao trazer para o campo da linguagem as questões socioidelógicas,
56
oferece a possibilidade para pensar o texto do aluno (seja ele oral, seja escrito)
como um produto histórico porque se recoloca como processo a cada interação.
Nesse percurso caberia a nós definir uma perspectiva que delineie as
especificidades acerca da linguagem oral que trazemos. O que será discutido no
tópico que vem a seguir.
2.3 - A LINGUAGEM ORAL COMO OBJETO DE ENSINO E DE APRENDIZAGEM
Para uma melhor estruturação e tessitura de nossa organização textual,
buscaremos nesta etapa do trabalho, construir uma linha de argumentação que,
num crescente, mas, sem a camisa-de-força da hierarquia, apresente alguns
aspectos referentes à linguagem oral de sua constituição física à sua realização
como objeto sócio-histórico na perspectiva do dialogismo.
Ao longo de sua história, a humanidade tem, inerente à sua condição fundante de
humano, a necessidade de se comunicar entre os pares. Essa comunicação,
realizando-se de diferentes formas (gestos, sinais, sons, signos), tem no caráter
oral, na fala, sua máxima e específica qualidade de apenas se efetuar entre as
pessoas. Na realização da fala humana, um conjunto de órgãos como o aparelho
respiratório, a laringe, as cavidades de ressonância e os articuladores se interligam
para fazerem soar a voz. O ar inspirado pela cavidade bucal e nasal passa pelas
cordas vocais, enchendo os pulmões. Na expiração ocorre a fonação, ou seja, a
produção do som, uma vez que as cordas vocais vibram no contato com o ar como
uma verdadeira caixa de violão. Porém a produção de voz não requer apenas o
vibrar das cordas vocais, mas também uma organizada sintonia anatômica entre os
órgãos do aparelho fonador e a intenção daquele que a irá produzir.
A oralidade não se esgota na perspectiva da realização física da voz. Por isso, para
melhor reflexão de sua materialização, tornam-se importantes algumas observações
acerca do contexto social de produção. Dias (2003), partindo de um trabalho que
investigava as razões que levam o aluno participante de dois contextos de ensino-
aprendizagem de língua estrangeira a não conseguir comunicar-se oralmente em
sala de aula, constata que, apesar da tentativa prática da professora de desenvolver
57
atividades interativas, as concepções teóricas de ensino-aprendizagem que ela
tinha demonstravam que a crença e a cultura de aprender e ensinar línguas se
revelam como fatores intervenientes, capazes de afetar a receptividade do aprendiz
à abordagem de ensino do professor e de revelar discrepâncias entre as
expectativas do aluno e as do professor. Assim, os dados desta pesquisa
contribuem para ratificar que o horizonte social definido e estabelecido determina a
criação ideológica do grupo social e, também, determina o horizonte da época a que
pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa literatura, da nossa ciência, da
nossa moral, do nosso direito (Bakhtin, 2004, p. 112).
Desse modo, pensamos que tanto o horizonte social definido, quanto a observação
da palavra com aspecto interindividual são elementos a serem efetivamente
considerados na produção oral da fala. Eles têm indicativos que se apresentam
fundamentais no processo de desenvolvimento de interações entre os pares. Diante
do exposto, o questionamento que se pronuncia é: o que vem a ser linguagem oral?
Pelo referencial bakhtiniano que adotamos, linguagem tem a ver com a relação
interativa que se firma entre as partes, como meio de promover trocas discursivas
sedimentadas em parâmetros que têm na palavra um fenômeno ideológico por
excelência e no horizonte social seu espaço de realização concreta.
O mecanismo desse processo não se situa na alma individual, mas na sociedade, que escolhe e gramaticaliza – isto é, associa às estruturas gramaticais da língua – apenas os elementos da apreensão ativa, apreciativa, da enunciação de outrem que são socialmente pertinentes e constantes e que, por conseqüência, têm seu fundamento na existência econômica de uma comunidade lingüística dada (Bakhtin, 2004, p. 146).
A oralidade é, pois, uma prática social interativa que é apresentada sobre diferentes
gêneros. Ou seja, é um momento que cotidianamente permeia os horizontes de
comunicação do processo de constituição das relações sociais dos indivíduos. Em
sua realização, como nos apresenta Schneuwly (2004), é como lugar privilegiado da
espontaneidade e da liberação, onde o verdadeiro oral poderia ser aquele entendido
como o que o aluno exprime espontaneamente sem a presença da escrita ou,
então, seria mecanismo de comunicação entre professores e alunos em atividades
escolares diversas.
58
Seguindo essa perspectiva e objetivando conhecer as concepções de um grupo dos
educadores franceses sobre o oral e seu ensino, Schneuwly (2004) analisa dados
de pesquisa 17 e sinaliza que as respostas dos pesquisados apontam uma visão de
língua como norma, para a dependência do oral em relação à norma escrita e
destacando ainda outras descobertas correlacionadas apresentadas por outros
autores.
O estudo de De Prietro e Wirthner (1996) é muito eloqüente a esse respeito: há uma unanimidade bastante grande dos atores a respeito de que a escola tem o papel de ensinar o oral, de que a escola deve preparar os alunos para dominar a comunicação oral (mais de 90%). Entretanto, aparece nesse mesmo estudo que o que os professores apontam como especificidade do oral é não ser ensinável e, inversamente, o que aparece como ensinável não é específico do oral ou depende fortemente do escrito. (Schneuwly, 2004, p. 132)
Dessa feita, tendo na escrita uma idealização perfeita da língua, o oral é entendido
como um todo homogêneo, tendo, com relação à escrita, duas possibilidades de
concepção. A primeira perspectiva funde o oral e a escrita na busca de uma língua
ideal e, nessa linha de pensamento, o bom oral seria aquele que reflete as
características da escrita respaldada em norma culta. A segunda abrange a
compreensão de um oral que seja fundamentalmente diferente da escrita em sua
forma e em sua função, ou seja, é o oral que se opõe terminantemente à escrita.
Assim sendo, Schneuwly aponta que não existe o oral, mas os orais que, por sua
vez, apresentam, com relação à escrita, possibilidades de aproximação ou
dependência que se expressam fundamentalmente nas práticas de linguagem
diferenciadas.
Não existe uma essência mítica do oral que permite fundar sua didática, mas práticas de linguagem muito diferenciadas, que se dão, prioritariamente, pelo uso da palavra (falada), mas também por meio da escrita, e são essas práticas que podem se tornar objetos de um trabalho escolar (Schneuwly, 2004, p. 135).
17 Para a realização da pesquisa, foi apresentada aos professores-estudantes de Ciência da Educação a seguinte pergunta: “Você é professor(a) (ou imagina ser) . No programa está previsto o ensino do oral (expressão e compreensão). O que é oral para você? Responda em cerca de dez linhas”. Foram então recebidas 25 respostas que formaram em três grupos, a saber: oral como materialidade, oral como espontaneidade e trabalho sobre oral como norma. (Schneuwly, 2004, p. 130). Também em nossa pesquisa fizemos aos educadores indígenas esse questionamento. No capítulo 4, mostraremos os resultados da enquête.
59
Na realização das diversas práticas de linguagem, há, pois, a realização de formas
mais ou menos estáveis que, segundo Schneuwly, são denominados gêneros que
dão continuidade, diversificam e especificam uma velha tradição escolar e retórica
que sinaliza para as duas diferentes formas de realização do oral (Schneuwly, 2004,
p. 135).
O oral ‘espontâneo’, geralmente pensado como fala improvisada em situação de interlocução conversacional, que, numa extremidade, constitui um ‘modelo’ relativamente idealizado, a respeito do qual, às vezes, à primeira vista, sublinha-se o aspecto aparentemente fragmentário e descontínuo que, com freqüência, esconde regularidades a serviço da comunicação. Situado na outra extremidade em relação a esse estilo oral espontâneo, temos a produções orais restringidas por uma origem escrita que identificamos ou descrevemos como a ‘escrita oralizada’. Esta é considerada uma vocalização, por um leitor, de um texto escrito. Trata-se, portanto, de toda palavra lida ou recitada. Entre essas duas práticas orais diametralmente opostas - com base nas quais obtemos os traços pertinentes, de maneira heurística, de acordo com as necessidades de análise -, encontram-se todos os orais, dos mais restritos e previsíveis, por sua origem escrita ou sua ritualização social, aos mais imprevisíveis, tanto do ponto de vista de sua estrutura como de seu conteúdo (Schneuwly, 2004, p. 157).
As práticas de linguagem são de natureza social e estão indissoluvelmente
associada às diversas condições de comunicação orais e escritas onde circulam
diferentes formas de realização da oralidade.
Também discorrendo sobre as práticas e sobre as questões que se referem à
oralidade e a escrita Marcuschi (2005) considera que, na contemporaneidade, no
tratamento das relações entre esses dois aspectos, já não se podem observar
apenas as semelhanças e diferenças entre fala e escrita, sem considerar a
distribuição de seus usos na vida cotidiana. Segundo o autor, se estamos tomando
a oralidade e a escrita como práticas sociais e culturais (Marcuschi, 2005), faz-se
importante esclarecer a natureza das práticas sociais que permeiam o uso da
língua, pois [...] essas práticas determinam o lugar, papel e o grau de relevância da
oralidade e das práticas de letramento,18 numa sociedade e justificam que a questão
18 Marcuschi (2005) utiliza os termos oralidade e letramento. Especificamente em nosso trabalho, utilizamos as terminologias linguagem oral e escrita, respectivamente, como sinônimos dos termos apresentados pelo autor.
60
da relação entre ambos seja posta no eixo de um contínuo sócio-histórico de
práticas (Marcuschi, 2005, p. 18).
Na perspectiva de esclarecer a natureza das práticas sociais, o autor ainda se
propõe a discutir sobre algumas tendências que nortearam o entendimento sobre
como têm sido concebidas as relações entre fala e escrita. Para isso, apresenta
que, na análise entre as modalidades de fala e escrita, quatro tendências são
consideradas. A primeira apresenta uma visão dicotômica 19 entre as duas
modalidades, propondo uma análise que se volta para o código e permanece na
imanência do fato lingüístico. Essa visão de dicotomias tem caráter muito formal e é
difundida nos manuais escolares, tomando a língua como um sistema de regras e a
escrita como altamente superior, ou seja, como o lugar da norma e do bom uso da
língua e vê na realização da fala o lugar do erro e do caos gramatical.
A segunda 20 de caráter culturalista, observa a natureza das práticas da oralidade
versus escrita e faz análise, sobretudo de cunho cognitivo, antropológico ou social
desenvolvendo uma fenomenologia da escrita e seus efeitos na forma de
organização e produção do conhecimento (Marcuschi, 2005) o que, na análise de
Gnerre (1985, apud Marcuschi, 2005), potencializa a incidência de problemas na
relação fala e escrita, que podem ser resumidos basicamente em três pontos: “[...]
etnocentrismo, supervalorização e tratamento globalizante [...]” (Marcuschi, 2005, p.
30) uma vez que tenta tratar de forma homogênea a sociedade em relação ao
letramento.
A terceira 21, denominada por Marcuschi por variacionista, trata do papel da escrita e
da fala sob o ponto de vista dos processos educacionais, fazendo propostas em
relação a variação lingüística num parâmetro do que seja padrão e não-padrão no
19De um lado, Marcuschi apresenta autores como Bernstein (1971), Labov (1972) e Halliday (1985), Ochs (1979) como representantes de uma visão bem polarizada sobre fala e escrita. De um outro lado, vê os trabalhos de Chafe (1982, 1984, 1985), Tannen (1982, 1985), Gumperz (1982), Biber (1986, 1995), Blanche-Benveniste (1990), Halliday/Hasan (1989) como representantes de uma visão que percebe as relações entre fala e escrita dentro de um contínuo, seja tipológico, seja da realidade cognitiva e social. 20 Sobre essa tendência, o autor pontua representantes como Olson (1977), Scribner e Cole (1981), Ong (1986, [1982]) e Goddy ([1977], 1987) que demonstram em seus estudos a escrita como um avanço na capacidade cognitiva dos indivíduos. 21 Marcuschi aponta como representantes dessa tendência autores como Bortoni (1992,1995), Kleiman (1995) e Soares (1986). Está última autora, ainda que numa perspectiva um pouco diversa.
61
ensino da língua e essa é observada com rigor metodológico. O autor sinaliza ser
simpatizante dessa tendência, mas também se posiciona dizendo que fala e escrita
não são precisamente dois dialetos. Segundo ele, elas são duas modalidades de
uso de uma mesma língua, de modo que deve caber ao aluno tornar-se fluente nos
dois modos de sua realização, em que a variação se daria tanto na fala como na
escrita, o que evitaria o equívoco de identificar a língua escrita como padronização
da língua (Marcuschi, 2005).
A quarta 22 tendência aborda as questões referentes ao que ele denominou de visão
sociointeracionista. Sob essa perspectiva de estudo, fala e escrita apresentam
dialogicidade, usos estratégicos, funções interacionais, envolvimento, negociação,
situacionalidade, coerência e dinamicidade (Marcuschi, 2005) de modo que as
possibilidades de tratamento das semelhanças e diferenças entre as duas
modalidades de língua se orientam numa linha discursiva e interpretativa. “A
perspectiva interacionista preocupa-se com os processos de produção de sentido
tomando-os sempre como situados em contextos sócio-historicamente marcados
por atividades de negociação ou por processos inferenciais” (Marcuschi, 2005, p.
34).
Pensamos que, dentre as tendências apresentadas por Marcuschi, esta última é a
que demonstra um caminho mais coerente em tratar as questões referentes ao
estudo da oralidade e da escrita por entender as relações entre o oral e o escrito,
não como algo óbvio e linear, mas sim como um constante dinamismo fundado num
continuum que se manifesta entre as duas modalidades em questão (Marcuschi,
2005, p. 34) e nunca de maneira dicotômica e polarizada.
Então retomamos os apontamentos de Schneuwly, ao tratar especificamente do
desenvolvimento e ensino da linguagem oral, porque, segundo esse autor, o papel
da escola seria “[...] levar os alunos das formas de produção orais auto-reguladas,
cotidianas e imediatas a outras mais definidas do exterior, mais formais e
mediadas”. Ou seja, sem exaltar privilégios da fala ou da escrita, mas
principalmente exaltando o caráter movente, dialógico da língua, como algo vivo,
22 No Brasil, os representantes seriam Pretti (1991, 1993), Koch (1992), Kleiman (1995), Urbano (2000) e o próprio Marcuschi (1986, 1992, 1995).
62
olhando as abordagens discursivas na educação infantil de maneira que os espaços
já instituídos sejam locais em que se tenha uma abordagem do oral como objeto de
aprendizagem e de ensino reconhecido com o mesmo status que tem a produção
escrita. Por isso, na continuidade do nosso relatório, defendemos que, para o
desenvolvimento de um tratamento que norteie o processo de ensino-
aprendizagem, há que se estar atento ao desenvolvimento de capacidades de
linguagem. Assim, a seguir falaremos acerca da abordagem educativa que norteia o
ensino nas aldeias e das características das capacidades de linguagem.
2.4 - O ENSINO-APRENDIZAGEM NAS ALDEIAS E AS CAPACIDADES DE
LINGUAGEM
O ensino nas escolas das aldeias Tupinikim e Guarani do município de Aracruz/ES
é norteado por uma abordagem educativa denominada Pedagogia do Texto (PdT),23
cujo objetivo seria propor nas aldeias um ensino-aprendizagem que permitisse aos
participantes dos processos educativos a apropriação qualitativa de conhecimentos
necessários para compreender e transformar a realidade natural e sócio-histórica e
os princípios explicitados por Faundez (2006) que são:
a) La educación debería permitir la apropiación teórica y práctica de los conocimientos; b) Los conocimientos enseñados y aprendidos deberían estar ligados a las realidades sociales e históricas, por consiguiente, estar en adecuación con las necesidades de la sociedad; c) La apropiación de conocimientos debería permitir la solución de problemas vividos en la vida cotidiana y la apropiación de conocimientos nuevos; la misma debe, pues, tener un carácter pragmático; d) El aprendiz debería poder de manera bastante rápida llegar a una autonomía intelectual efectiva que le permitiera entrar en y desarrollar una dinámica de autoformación continua; e) En la enseñanza-aprendizaje no se debería perder jamás de vista la historicidad de los conocimientos. El aprendiz debe tomar conciencia de que los conocimientos son productos históricos y ellos deben ser comprendidos en sus procesos históricos;
23A abordagem educativa, Pedagogia do Texto (PdT) tenta levar em consideração a necessidade de autonomia das comunidades, os conhecimentos que elas detêm, a cultura que as constituem, a(s) língua(s) que falam, seus valores e experiências, assim como os conhecimentos que elas ainda não detêm, dos quais precisam se apropriar para (inter)agir no contexto intercultural em que estão inseridas, considerando, ainda, os conhecimentos mais avançados de disciplinas a aprender e a ensinar. Para aprofundamento e maiores esclarecimentos acerca dessa abordagem educativa ver: Mugrabi (1999), Faundez (1999), Mugrabi (2002), Faundez e Mugrabi (2006), Faundez (2006) e Mugrabi (2006), Sanchez (2006), Muñoz (2006).
63
f) El proceso educativo debería ser un aprendizaje que permita al aprendiz convertirse en responsable de su propio aprendizaje pero también ser capaz de desarrollar el espíritu crítico sobre su aprendizaje y sobre el de otros aprendices. (Faundez, 2006, p. 220, grifos do autor).
Referendando-se, pois, nos princípios da PdT, o currículo desenvolvido nas aldeias
é específico, elaborado pelos educadores no início de cada ano letivo. Os saberes
escolares organizam-se nas chamadas “problemáticas”, que é uma maneira de
agrupar e abordar os conhecimentos essenciais das diversas disciplinas escolares.
A problemática pode ser compreendida como um conjunto de problemas relativos a
um assunto, ciência ou ainda a determinados aspectos da vida de determinados
grupos humanos. Como exemplo de problemáticas, já definidas e trabalhadas pelos
educadores da Educação Infantil à 6ª série, temos:
a) a história do povo Tupinikim e Guarani no contexto local, regional, nacional e
mundial;
b) a luta do povo Tupinikim e Guarani no contexto local, regional, nacional e
mundial;
c) a interação do povo Tupinikim e Guarani com o meio ambiente da aldeia;
d) a organização política e socioeconômica das aldeias no contexto local, regional,
nacional e mundial.
A estruturação do currículo das escolas indígenas em torno das problemáticas tem
como objetivo propor perguntas cujas respostas incidam na compreensão dos
aprendizes acerca da relação de seu povo com o mundo físico e social envolvente.
Essas perguntas norteiam a ação pedagógica e abrangem dimensões diversas da vida
social. Tudo isso buscando organizar os conteúdos de modo interdisciplinar,
intercultural e diferenciadamente.
A PdT, adota e privilegia o texto como unidade importante para o ensino-aprendizagem,
pois como aponta Faundez (2006), a utilização do texto permite ao educando dialogar e
atuar em diferentes esferas sociais.
[…] utilizando el texto como unidad empírica de enseñanza y aprendizaje, los participantes tienen la posibilidad de aprender una diversidad de la actividad humana. La utilización del texto desde el inicio del aprendizaje de
64
la escritura debería permitir a los aprendices comprender el rol del lenguaje esencialmente le de comunicar con los otros y el de actuar en el mundo. (Faundez, 2006, p. 224).
Na proposta de trabalho que desenvolvemos com os educadores da educação
infantil, consideramos a Pdt e seus objetivos. Trabalhamos, ainda, na perspectiva de
que a prática reflexiva sobre a linguagem, é fundamental e, que os processos
educativos devem acontecer coletivamente num processo interativo. Ou seja,
entendendo a apropriação de conhecimentos sob uma perspectiva dialógica em que
todos os envolvidos sempre têm a aprender e também a ensinar. Por isso, mais
uma vez, reiteramos a importância de nossa investigação no contexto indígena.
Como sujeito-pesquisador inserido no contexto indígena, entendemos, como Freitas
(2002, p. 4), que nossa presença “[...] durante o processo de pesquisa, é [de]
alguém que [também] está em processo de aprendizagem, de transformações”, na
busca de respostas. Ou seja, um sujeito que, nas interações, se ressignifica no
percurso do trabalho em campo. A considerar toda a dinâmica do processo de
educação escolar indígena citado acima, o mesmo acontece com “[...] os
pesquisados que, não sendo um mero objeto, também tem oportunidade de refletir,
aprender e ressignificar-se no processo de pesquisa” (Freitas, 2002, p. 4), tornando,
pois, o processo da investigação um trabalho de desenvolvimento de ambas as
partes extremamente fundamental e interessante como já apresentou Vigotski em
seus estudos e nos sinaliza Oliveira (1999, p. 63 apud Freitas, 2002, p. 4) ao
observar que.
[...] essa contribuição metodológica de Vigotski é particularmente importante para a educação. Uma vez que a situação educativa consiste de processos em movimento permanente, a transformação constitui exatamente o resultado desejável desses processos, os métodos de pesquisa que permitem a compreensão dessas transformações são os métodos mais adequados para a pesquisa educacional.
Ou seja, como uma necessária reflexão acerca de assunto inerente á educação
infantil indígena na qual a interação entre pesquisador e pesquisados se
complementa e os sujeitos da pesquisa se ressignificam. Nesse contexto, proposta
curricular de educação escolar indígena que privilegia o texto como unidade
importante, o processo de ensino-aprendizagem caminha para que o aluno aproprie-
65
se qualitativamente de conhecimentos necessários e inerentes a produção textual.
Desse modo, o trabalho de atenção ao desenvolvimento de capacidades de
linguagem torna-se fundamental. As capacidades de linguagem seriam então os
mecanismos a se considerar na produção textual, mas que se efetivariam
principalmente nas interações entre os pares. Referendando-nos em estudos de
genebrinos, vemos que.
O desenvolvimento das capacidades de linguagem constitui-se, sempre, parcialmente, num mecanismo de reprodução, no sentido de que modelos de práticas de linguagem estão disponíveis no ambiente social e de que os membros da sociedade que os dominam têm a possibilidade de adotar estratégias explícitas para que os aprendizes possam se apropriar deles (Dolz e Schneuwly, 2004, p. 52).
Desse modo, é na prática reflexiva e interativa entre os pares que o
desenvolvimento das capacidades de linguagem se efetivaria. Isso porque, a
interação com o outro seria o pilar fundamental para que os indivíduos tomassem
consciência de sua própria linguagem e de sua intenção comunicativa. Na
apresentação de Dolz e Schneuwly (2004), as capacidades de linguagem inerentes
e requeridas para a produção de um texto são três: capacidade de ação,
capacidade discursiva e capacidade lingüístico-discursiva.
A capacidade de ação são as que exigem do produtor de texto estar atento às
condições de produção, de maneira a adaptar a produção a exigências de
diferenciações de ensino, que aqui também estaremos chamando de diferentes
práticas de linguagem. O produtor do texto deverá atentar para as questões que
envolvam o lugar e o momento de produção, o lugar social do receptor e do
emissor, bem como aos papéis sociais que eles desempenham e que efeitos
buscam atingir em seu receptor.
A capacidade discursiva refere-se ao como expressar e pode estar subdividida em
dois subconjuntos: um que compreenda a organização estrutural do texto e outro
relacionado com as escolhas feitas para se apresentar o conteúdo. Ou seja, envolve
a seleção de palavras, a adaptação ao público, a organização do conteúdo.
66
A capacidade lingüístico-discursiva se refere às operações utilizadas por um
produtor de texto, no que concerne a tornar o texto um tecido, dando-lhe uma
arquitetura interna. Envolve a seleção de mecanismos de coesão verbal e nominal,
como também de gestão de vozes enunciativas presentes no decorrer da produção
textual. No quadro que segue, podemos ter uma síntese panorâmica das principais
características das capacidades de linguagem.
Capacidade de Ação Capacidade Discursiva Capacidade Lingüístico-
Discursiva É o contexto de produção. É o saber escolher determinado gênero de texto, adaptando-o a determinada situação de produção Envolve: -o lugar de produção -o momento de produção -o lugar social do receptor -o lugar social do emissor -o papel social do receptor -o papel social do emissor -que efeitos o emissor busca causar no receptor
É o plano geral do texto que mobiliza o ato de escolher e gerenciar o discurso a ser utilizado na produção textual Envolve: -Conteúdo (o que dizer) -Estruturação do texto (como dizer). Refere à: -escolha das palavras -adaptação ao público -colocação em cena de voz(es) enunciativa(s) -organização do conteúdo -hierarquização das informações
Refere-se às operações para tornar o texto um tecido, ou seja, a possibilidade de escolha de mecanismos que garantam a coerência e a coesão textual Envolve mecanismos de: -coesão verbal -coesão nominal -polifonia e gestão de diferentes vozes enunciativas
Quadro 1: Capacidades de linguagem inerentes à produção / compreensão de textos orais e escritos
Sintetizando o que expusemos, é importante salientar que, no que se refere às
capacidades de linguagem, estas devem, principalmente, suscitar as apreciações
daquele que elabora a enunciação na produção de um gênero numa situação de
interação determinada, permitindo-lhe: adaptar-se às características do contexto e
do referente (capacidade de ação); mobilizar modelos discursivos (capacidades
discursivas); dominar as operações psicolingüísticas e as unidades lingüísticas
(capacidades lingüístico-discursivas) (Schneuwly e Dolz, 2004). Nos tópicos (2.5 e
2.6) que seguem trazemos algumas questões acerca da conversa na roda (nosso
objeto de análise) e, posteriormente, o dizer das crianças sobre esse mesmo objeto,
de modo considerar toda a abordagem dialógica de nossa pesquisa.
67
2.5 - CONVERSA: UM GÊNERO TEXTUAL A SER EXPLORADO NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
A reflexão sobre o tratamento da conversa, como um gênero textual a ser explorado
na educação infantil, impele-nos a considerar o enfoque teórico que subsidia os
estudos sobre a conversação e o diálogo com algumas produções acadêmicas. Na
primeira pontuação mostraremos o enfoque teórico da conversação descrito por
Kerbrat-Orecchioni (1996, 2006) e por Marcuschi (2003). Nossa apresentação não
se propõe a ser literária, mas busca toda a clareza possível na exposição de idéias,
cadenciando, ao longo da exposição, uma cuidadosa tessitura que se apresente
harmônica e que demonstre meticulosamente o percurso de como foi então
construída a discussão que se propõe fazer referente às particularidades do gênero
conversa. Na segunda pontuação, tomaremos os trabalhos 24 de Barbosa (2001) e
de Brito (2004).
É de suma importância esclarecer que a oportunidade de observar a “conversa na
roda” como um espaço de interação verbal torna-se interessante, uma vez que a
estamos tomando como um gênero primário. Esse olhar pode fornecer pistas para o
ensino-aprendizagem da linguagem oral na educação infantil, pois, com efeito,
pensamos que a reflexão das crianças acerca de um determinado gênero pode ser
um exercício reflexivo que lhes possibilite tomar a linguagem como algo particular
de estudo e de análise. Assim sendo, a criança experimenta uma outra esfera de
reflexão acerca do funcionamento da linguagem. Uma esfera que projete a ação
verbal (o momento da roda) para uma reflexão sobre a linguagem. Tomando
consciência do modo de funcionamento da conversa, a criança reflete sobre a
linguagem em seu caráter peculiar, atentando-se para, nos momentos de interação
comunicativa, expor de forma clara, esperar a vez de falar, ouvir o outro, considerar
seus interlocutores, fazer escolhas lexicais etc. Acreditamos, assim, que reflexões
sobre a linguagem estariam promovendo um avanço no desenvolvimento infantil. Ou
seja, estariam contribuindo para que a criança, em um exercício reflexivo, tomasse a
linguagem oral como objeto de reflexão.
24 Barbosa (2001) e Brito (2004) são relatórios de pesquisas que investigaram o valor das interações como fator de desenvolvimento dos alunos.
68
Conseqüentemente, é preciso eliminar de saída o princípio de uma distinção qualitativa entre o conteúdo interior e a expressão exterior. Além disso, o centro organizador e formador não se situa no interior, mas no exterior. Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação (Bakhtin, 2004, p. 112, grifos do autor).
A conversa pode ser compreendida como um gênero textual oral muito utilizado na
educação infantil, pois sua realização se constrói na interação verbal proferida pelos
falantes, numa ressonância de ecos, de enunciados outros. Como nos diz Bakhtin
(2003), cada enunciado deve ser visto, antes de tudo, como uma resposta aos
enunciados de um determinado campo, ocupando, pois, cada enunciado uma
posição definida em uma dada esfera de comunicação.
Ao tratar especificamente da conversação, Kerbrat-Orecchioni (2006) considera ser
esta um protótipo da interação, ou seja, o exemplar mais perfeito de interação, a
forma mais comum e essencial das trocas verbais, sendo, por excelência, uma
vocação comunicativa da linguagem verbal que sempre prescindirá uma alocução
(existência de um falante), uma interlocução (troca de palavras) e uma interação
(rede de influências mútuas entre os interlocutores) demonstrando que ela poderá
ser conceitualizada em sentido estrito ou em sentido genérico. Em um sentido
restrito, é considerada como um tipo particular de interação verbal sem utilidade
direta e imediata; em sentido mais genérico, tratando-se de qualquer tipo de troca
verbal, quaisquer que sejam a natureza e a forma.
[...] a conversação tem como característica implicar um número relativamente restrito de participantes, cujos papéis não estão predeterminados, que gozam, em princípio, dos mesmos direitos e deveres [...] e que não tem outro objetivo que não seja o prazer de conversar; ela tem, enfim um caráter familiar e improvisado: temas abordados, duração da troca, ordem das tomadas de turno [...] (Kerbrat-Orecchioni 2006, p. 13).
Entretanto a todo ato de conversação estariam implícitas propriedades como: o
caráter imediato; a organização dentro de um tempo e espaço; a proximidade dos
participantes; a implicação de regras que se apresentariam de maneira bem diversa,
e algumas valeriam para todo tipo de interação, e outras não. Ou, ainda, algumas
regras conversacionais estariam sujeitas a uma variação cultural; na interação face
69
a face, o discurso pode ser inteiramente co-produzido, ou seja, ser o produto de um
trabalho colaborativo incessante.
Kerbrat-Orecchioni (2006) utiliza-se da metáfora do trânsito para comparar o
acontecimento das interações comunicativas. Demonstra que se, no trânsito, há um
distribuidor de turnos que seria o semáforo ou o guarda de trânsito, na conversação,
há o distribuidor dos turnos que seria o moderador da interação. No trânsito, quando
há a ausência do distribuidor, o percurso flui pela autogerência de regras
interiorizadas, em que, por exemplo, temos a situação de sempre ser necessário dar
preferência pela direita. Na conversação, a analogia a essa autogerência se dá
pelas regras de alternância de turnos de fala. Em se tratando de negociações
interacionais, no trânsito, há os golpes de força para se ocupar lugar. Na
conversação, essas negociações são caracterizadas por atitudes que demonstram
um querer apossar do turno de fala. No trânsito, pode haver violações deliberadas,
como semáforos quebrados, preferências desrespeitadas; na conversação, essas
violações são caracterizadas por interrupções ou intrusões. O trânsito é tomado de
surpresa, com alguns danos involuntários, como a ocorrência dos engarrafamentos.
Esses danos na conversação se delimitam na incidência das superposições de
falas. Com essas analogias, é possível compreender que, na conversação, tanto
quanto no trânsito, cada um deve falar em seu turno, passar em sua vez, saber
ceder o lugar, em outros se apossar dele de maneira que, no transcorrer do trabalho
colaborativo, todos possam ter seus instantes de ir e vir em harmonia favorecendo,
assim, uma variedade de negociação conversacional.
No trânsito Na conversação
-Há distribuidor de turnos: o semáforo ou guarda de trânsito -Na ausência do distribuidor o trânsito flui pela autogerência de regras interiorizadas, (preferência à direita) -Há negociações interacionais (golpes de força para ocupar lugar) -Pode haver violações deliberadas (semáforo quebrado, preferências desrespeitadas) -Danos involuntários (engarrafamentos)
-O distribuidor é o moderador, o animador nos debate, por exemplo -A autogerência se dá pelas regras de alternância de turnos de fala -Há negociações interacionais (golpes para se apossar do turno de fala) -Pode haver violações deliberadas (interrupções ou intrusões) -Danos involuntários (superposição de falas)
Quadro 2: A metáfora do trânsito em analogia com a conversação
70
Marcuschi (2003), ao tratar dos procedimentos que incentivariam pesquisas acerca
dos processos conversacionais, aponta três razões a se considerar para a análise
da conversação: a conversa é a prática social mais comum no dia-a-dia do ser
humano; apresenta-se como uma das formas mais eficientes de controle social
imediato; exige uma enorme coordenação de ações que exorbitam em muito a
simples habilidade lingüística dos falantes (Marcuschi, 2003). Em nossa pesquisa,
buscamos, juntamente com a educadora, desenvolver atividades na roda de
conversa de maneira que as crianças, em um processo reflexivo, entendessem os
mecanismos que abarcam a conversação no sentido de que, na interação entre os
pares, cada vez mais se apropriam de formas de comunicação diversas.
Ao discutir valor das interações comunicativas para o desenvolvimento dos alunos,
as contribuições teóricas e práticas que conosco dialogaram investigaram situações
em que o trabalho com a linguagem oral se apresentou como foco principal de
observação. Barbosa 25 (2001) tinha como intenção inicial investigar se os discursos
orais argumentativos faziam-se presentes na prática pedagógica. A autora
objetivava analisar e descrever o trabalho com linguagem em algumas classes de 1ª
a 8ª série do ensino fundamental, verificando se havia intenção de ensinar a
linguagem oral argumentativa, bem como se havia planejamento prévio e de que
forma eram feitas as intervenções em situação de interação oral argumentativa.
Barbosa (2001) pretendia discutir com os professores as observações feitas,
sugerindo-lhes formas de encaminhamento no processo de formação docente.
Assim que obteve dados das primeiras aulas observadas, constatou a ocorrência de
uma aula com discussão oral -- na sala da 8ª série onde a aula nem havia sido
planejada para tal -- era mais para enriquecer a produção escrita de um texto
dissertativo. A partir daí, tendo confirmado sua hipótese inicial (de que havia
pouquíssima circulação da argumentação), a autora procurou reorientar seu olhar
para, então, investigar se os discursos orais estavam presentes nas interações de
sala de aula do ensino fundamental, delimitando em que situações e se eram
25BARBOSA, Marly. (2001) O lugar da discussão oral argumentativa na sala de aula: uma análise enunciativo-discursivo. Dissertação de Mestrado. Essa pesquisa é parte integrante do projeto Práticas de Linguagem no Ensino Fundamental, que congrega um conjunto de pesquisadores e é fruto de uma parceria entre a Universidade (PUC-SP) e Escola Pública.
71
tomados como objeto de ensino. Buscou investigar, ainda, quais eram os gêneros
argumentativos circulantes nas situações identificadas, bem como saber de que
modo eles se caracterizavam e em que medida a discussão argumentativa seria e
poderia ser utilizada como instrumento no ensino-aprendizagem dos conteúdos em
diferentes áreas.
A autora analisou as interações presentes nas salas de aulas nas áreas de
Geografia, Matemática e Língua Portuguesa, observando em que medida o discurso
de outrem contribui/possibilita ou não para o desenvolvimento de capacidades
lingüísticas referentes aos gêneros argumentativos em salas de 1ª a 8ª série.
Segundo Barbosa (2001), cada interação foi vista como uma realidade única e
interpretada em relação constante com a situação de comunicação maior,
possibilitando à autora observar aspectos extraverbais presentes nos enunciados
comunicativos analisados. Em nosso trabalho, buscamos também observar
diferentes interações e analisá-las na perspectiva de uma realidade única. Fizemos
opção por analisar a significação de um episódio coletado, tomando-o como uma
fração recortada dentro de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta. Ou
seja, como apontou Bakhtin (2004, p. 123), “[...] apenas um momento na evolução
contínua, em todas as direções, de um grupo social determinado”. Por isso, também
em nosso trabalho, cada episódio selecionado foi considerado um enunciado
concreto.
Não nos esquecemos de que, na realização dos enunciados, o contexto extraverbal
tem particular relevância ratificando, pois, a verdadeira substância da língua é
constituída pelo fenômeno social da interação verbal que se realiza por meio das
interações em consonância com o contexto extraverbal (Bakhtin, 2004).
Entendemos que o contexto extraverbal abrange três fatores: o horizonte espacial
dos interlocutores (que, em nossa investigação se constituiu principalmente pela
sala de aula, ou seja, o instante espacial histórico das enunciações); o
conhecimento e a compreensão comum aos interlocutores (como a educadora e os
alunos e estes com seus pares compartilham os papéis por eles assumidos em
determinadas interações); a avaliação comum que orientou o discurso dos
interlocutores (como apresentaram uma expressão volitiva diante das interações
72
realizadas, ou seja, as contrapalavras das crianças nos instantes da rodas de
conversa).
Ao propor a análise de dados, Barbosa (2001) ateve-se às interações ocorridas nas
salas de algumas turmas do ensino fundamental (1ª a 8ª) e nós focalizamos o
espaço de realização da roda de conversa. Segundo a autora, o material verbal
produzido pelos sujeitos da 1ª e da 2ª série foi analisado como um corpus
contrastivo ao das demais aulas observadas porque, na sala da 1ª série (aula de
Matemática) e na da 2ª série (aula de Ciências), configuraram-se vários exemplos
em que a criança fala e muitas vezes não é ouvida e assim não é criada a Zona de
Desenvolvimento proximal (ZDP). Na análise da 1ª série, a autora pôde observar
que, para enfatizar o aspecto transmissivo da aula, a professora não dá
oportunidade para que os alunos reflitam sobre seus erros, para que possam dar um
passo e encontrar sua própria compreensão. Na 2ª série, Barbosa pôde observar
uma “intenção”, por parte da professora, em silenciar a voz do aluno, principalmente
em momentos em que percebia que ele iria desviar o assunto tratado. Segundo as
observações da pesquisadora, isso se dava por não consciência – por parte da
professora – dos aspectos não verbais expressos na fala dos alunos. Aponta-nos,
ainda, que “essa forma de transmissão do discurso dificultava, a compreensão ativa
responsiva sobre o que estava sendo discutido. Desse modo, alunos e professora
não atribuíam os mesmos significados ao que estava sendo dito” (Barbosa, 2001, p.
133).
Em suas considerações finais, a autora apontou a possibilidade e importância de a
discussão oral estar presente em diferentes séries e disciplinas, devendo funcionar
como um megainstrumento no processo de ensino-aprendizagem, desde o início da
escolaridade. Sua análise articulou as formas da língua e as formas de produção em
que elas foram enunciadas. Constatou que a discussão argumentativa, para a
construção de conhecimentos, é efetivamente marcada pelo uso da justificativa.
Pontuou, ainda, que esse seria o primeiro passo para o posicionamento dos alunos
como participantes dos discursos em sala de aula em atitudes que fossem de
questionar os interlocutores, “[...] considerando seus pontos de vista, para refutá-los
ou não, podendo mesmo até negociá-lo” (Barbosa, 2001, p. 216).
73
No segundo trabalho, 26 a autora buscou investigar o movimento discursivo nas
rodinhas, tendo como foco as ações com a linguagem, realizada, pelas crianças,
professora e bolsistas no cotidiano escolar de uma creche. Os dados do estudo
foram coletados a partir de observação e videogravação das rodinhas de crianças
de quatro e cinco anos nos momentos em que essas afirmam, questionam, brincam
com os amigos, fazem argumentações, falam de si mesmas e de outros em uma
creche universitária. Assim, “[...] examinando as formas como as crianças atuam
com a linguagem e como a linguagem atua nas relações criança-criança e criança-
adulto [...]” Brito (2004), “[...] objetivava analisar os sentidos que vão sendo criados
nas interações discursivas para“ [...] evidenciar as ações verbais mais típicas das
crianças” (Brito, 2004, p. 13). Segundo as observações da pesquisadora, esses
momentos são de grande importância, pois neles se abrem espaços onde a criança
marca sua presença, afirmando-se como pessoa de desejos e necessidades.
A partir da categorização de ordem sintático-discursiva, 27 Brito (2004) situa sua
investigação na pesquisa das ações 28 que as crianças são capazes de realizar com
a linguagem, evidenciando, ainda “[...] os sentidos que as crianças são capazes de
expressar” (Brito, 2004, p. 15). A autora seleciona dez rodas. Dessas, captura
alguns episódios que primeiro contextualiza para, em seguida, analisá-los à luz do
referencial teórico proposto. Nas investigações de Brito (2004), foi possível verificar
que as rodinhas em classes de educação infantil são locais potenciais de trabalhos
com diferentes conhecimentos e onde se abre espaço para a fala das crianças
favorecendo, assim, espaços de construção de competência discursiva nas crianças
pequenas.
A autora ainda ressalta o valor das interações realizadas nas rodas como
constituintes da subjetividade das crianças, demonstrada pelo acolhimento aos
pequenos, ao proporcionar-lhes falar de sentimentos, desejos, sonhos. Brito (2004)
ainda chama a atenção para o fato de as conversas não serem entendidas como
26 BRITO, Ângela (2004). O movimento discursivo nas rodinhas de crianças de 4 e 5 anos na creche UFF. Dissertação de Mestrado. RJ. 27 A autora referenda-se em Geraldi (2003). 28 Brito (2004) organiza suas categorias de análises em 16 ações: ações organizadoras, de afirmação de desejo e de necessidade, de ambigüização, de anunciar a si mesmo e ao outro, de consolo e de cuidado, de concordância e de discordância, de denúncia, de dissimulação, de explicitação, de salvaguarda, de solicitação, de ameaça, de simbolização, de narrar, de surpresa, e de chamamento.
74
forma de passar o tempo, como uma fuga do trabalho pedagógico, mas sim como
espaço coletivo de construção do conhecimento, das subjetividades das crianças e
do planejamento pedagógico participativo. Concordamos com a autora sobre todos
os aspectos por ela apresentados e acrescentamos que há uma outra possibilidade
ainda pouco explorada: a observação do espaço das rodas de conversa como um
potencial ambiente para se desenvolver reflexões sobre os gêneros textuais orais.
Por isso, o diálogo com essas autoras nos proporcionou reflexão sobre o caráter
particular de realização das conversas nas rodas da sala de aula da educação
infantil indígena observada. Ao trazermos a reflexão da conversa como um gênero
textual específico, pensamos estar contribuindo para o debate sobre o entendimento
da conversa que vai para além de apenas funcionar como veículo para transmissão
de informações. Brito (2004), também assim apontou, ao pesquisar os movimentos
discursivos nas rodinhas de crianças de quatro e cinco anos, pois constatou serem
as rodas uma atividade altamente organizada e organizadora tanto da rotina de
trabalho com as crianças, quanto da convivência coletiva.
“[...] que as conversas não sejam entendidas como forma de passar o tempo, como fuga do trabalho pedagógico, mas sim como espaço coletivo de construção do conhecimento, das subjetividades das crianças e do planejamento pedagógico participativo” (Brito, 2004, p. 88).
Além disso, sob o aspecto que apresentamos, a conversa na roda pode
caracterizar-se como um ambiente pedagógico, consciente e dialógico de reflexão
sobre a linguagem e dos gêneros textuais que a constitui. E, uma vez que temos as
crianças, sujeitos de todo o processo investigativo, nos dispomos a ouvi-las acerca
de suas concepções sobre a conversa na roda, atividade cotidiana na educação
infantil. São esses apontamentos que apresentamos a seguir.
2.6- E O QUE DIZEM AS CRIANÇAS SOBRE AS RODAS DE CONVERSA?
No ano de 2006, desenvolvemos com as crianças alguns momentos de conversa
que foram vivenciadas fora da sala de aula, em ambiente próximo à igreja ou sob a
cabana, onde, além de nós, as crianças eram reunidas em duplas, trios ou mesmo
75
individualmente. Nesses instantes, conversamos sobre diversos assuntos que
variavam desde questões referentes à caracterização individual das crianças (idade,
pessoas de sua família, preferências, o que faziam no período em que não estavam
na escola), a opinião delas a respeito da cultura indígena, do ser índio, dos
costumes das famílias da aldeia e dos motivos concernentes a se realizar
diariamente a roda de conversa em sala. No contexto de reflexão sobre o
desenvolvimento da roda de conversa, destacamos também suas opiniões acerca
da questão “o que é uma novidade”.
O ato de entrevistar as crianças objetivava buscar compreender seu pensamento,
sua visão de mundo, trazendo para o contexto da investigação o posicionamento
delas a fim de obter uma melhor compreensão da realidade vivida, considerando,
pois, a experiência infantil. Desse modo, concordando com Jobim e Souza (1994, p.
151), “[...] entendemos que a infância é o momento em que a linguagem humana
emerge como significação [...]”, ou seja, nessa etapa da existência humana,
observa-se que “[...] é na fala da criança que acontece a passagem do signo
lingüístico para a ordem do sentido [...]”
Considerando, então, que “[...] é na linguagem e pela [mesma] que o humano
constitui a cultura e a si próprio [...]” (Jobim e Souza, 1994, p. 151), entendemos que
fazer ouvir as crianças seria fundamental, uma vez que nos ajudaria a nos
aproximar da concepção das crianças sobre o desenvolvimento das rodas,
possibilitando-nos considerar como preciosa toda a desenvoltura da criança diante
da segurança e das certezas do mundo adulto.
Quando a criança lida com a linguagem de forma lúdica ela rompe com as formas fossilizadas e cristalizadas de seu uso cotidiano. Dessa forma, podemos dizer que as crianças usam a linguagem para protestar contra os limites da realidade, transgredindo-a ao mesmo tempo em que protegem a realidade contra tirania da linguagem (Jobim e Souza, 1996, p. 48).
Nesses parâmetros, trazemos para dialogar conosco algumas reflexões do trabalho
de Walter Benjamin (1995) e de outros autores que nele se inspiraram (Kramer,
Jobim e Souza). Benjamim tem sido considerado o responsável por efetuar uma
verdadeira ruptura conceitual e epistemológica sobre o novo olhar acerca da
76
infância, pois trabalha com o propósito de tomá-la em sua dimensão não
infantilizada, desnaturalizando-a e destacando a centralidade da linguagem no
interior de uma concepção que encara as crianças como produzidas na e produtoras
de cultura (Kramer, 1996). Sendo assim, ao focalizar essa outra ótica da infância, o
referido autor concebe, pois, a criança em sua condição de sujeito histórico que
interage constantemente com a ordem e a vida social. Ao discorrer sobre os estudos
de Benjamin, Kramer (1996) destaca o posicionamento inovador do autor.
Benjamin revela um profundo e sensível conhecimento sobre a criança como indivíduo social e fala de como ela vê o mundo com seus próprios olhos; não toma a criança de maneira romântica ou ingênua, mas a entende na história, inserida numa classe social, como parte da cultura e produzindo cultura (Kramer, 1996, p. 31).
Sentimos, pois, necessidade de ouvir as crianças com relação ao que pensavam
sobre os propósitos de se fazer uma roda de conversa diariamente e o que seria
“uma novidade”.29 Apresentaremos, então, no discorrer deste, texto algumas
observações das crianças acerca da realização das rodas relacionando estas
observações com justificativas ancoradas nos autores citados, Benjamim (1995),
Kramer (1996, 1998, 2000, 2002) e Jobim e Souza (1994, 1996, 1998), que
subsidiarão teoricamente as considerações apontadas pelas crianças.
As rodas de conversa realizadas diariamente no início das atividades escolares
eram sempre organizadas com um mesmo formato: a) a educadora solicitava aos
alunos que organizassem uma rodinha pedindo que todos se sentassem ao chão; b)
após acomodação, a educadora lhes dizia ser aquele o instante propício para
contarem quaisquer novidades que tivessem; c) a educadora dirigia a todos a
seguinte interlocução: “Vamos lá! Alguém tem alguma coisa para falar pra gente?”;
d) seguindo a disposição dos alunos na roda, a educadora citava o nome da criança
e dirigia-lhe o questionamento: ”Ge, 30 você tem novidade?” Em diversas situações
durante a realização da conversa na roda, observamos que as repostas da maioria
das crianças às perguntas da educadora eram sempre muito parecidas, em certo
29 “A novidade” era o termo utilizado pela educadora ao iniciar a roda de conversa. 30 A sílaba apresentada representa o nome fictício de um do aluno.
77
ponto até evasivas, de modo que a participação de cada criança parecia não se
materializar como uma atitude dialógica.
‘Tem novidade?’ 50 - K: _e Ge tem novidade Ge? Fala!! Ge fala bem baixinho - .... 51 - K: _ah... Brincou? De que? 52 - Ge: _... de nada, não. 53 - K: _de nada? Mas como que você brincou então se não brincou de nada? [o aluno abaixa os olhos como se estivesse envergonhado]. Hein Ge, tem que brinca de alguma coisa não é? In! 54 - In: _eu brinquei com o Ge. 55 - K: _ah! Você brincou com o Ge... É... Ma... 56 - Ma: _eu brinquei 57 - K: _Você brincou? Ih, todo mundo só brincou? Uma criança fala algo que não é possível entender. A professora então diz: 58 - K: _espera Th sua vez. Ale. 59 - Ale: _brinquei 60 - K: _Mo... 61 - Mo: _brinquei. (Transcrição de um episódio de uma roda de conversa realizada no dia 21-9-2006)
Nos momentos em que organizamos para conversar com as crianças, perguntamos
sobre o que pensavam acerca do motivo de a educadora realizar a roda todos os
dias. Pelas respostas das crianças, é possível inferir que, para elas, a realização da
roda de conversa funcionaria como um organizador da rotina diária de atividades em
sala que incluiria o momento para se contar a quantidade de crianças presentes na
sala; ou, então, para contarem sobre algum passeio que tivessem realizado; ou para
noticiarem algo relacionado com assuntos referentes à aldeia; ou mesmo seria a
roda um momento reservado para que a professora lesse uma história como
podemos conferir nos episódios que seguem.
‘Roda de conversa: pra quê?’ Episódio 1: 21 – P 31:_ pra que a Ka faz aquela roda de conversa? 22 - Le: _ pra conversar... 23 - P: _ é? E vocês conversam sobre o quê? 24 - Le: _ sobre história de família.(Le, 5 anos) (Transcrição de conversa coletada em 28-11-2006)
Episódio 2: 9 - Jv: _ pra... contar as pessoas 10 - P: _ contar as pessoas... que mais? 11 - Jv: _ é... pra... pra saber onde que eles foram.(Jv, 4 anos)
31 A letra “P” está se referindo à pesquisadora.
78
(Transcrição de conversa coletada no dia 26-11-2006)
Assim, percebemos que, a partir de suas respostas, a criança demonstra
compreender que a realização da roda está automaticamente associada a de um
espaço de planejamento participativo semelhante ao que constatou Brito (2004, p.
85), ao apontar a compreensão do papel das rodinhas no cotidiano educativo como
espaço pedagógico que se organiza e “[...] que as crianças também trabalham para
a organização do espaço educativo [...]”, ou seja, que o aspecto organizativo das
rodas também se faz perceptível pelas crianças.
Entretanto, chama-nos atenção o posicionamento crítico das crianças sobre o tempo
de duração para a realização das rodas e sua estrutura de formação. As crianças
sinalizam que a realização da roda de conversa seria como uma perda de tempo.
Em uma tentativa de expormos como a criança concebe o tempo de duração da
roda e de como gostaria que ela fosse formada, recolhemos alguns fragmentos
coletados nos instantes da conversa desenvolvidas fora da sala de aula. Esses
fragmentos nos auxiliam como um demonstrativo do pensamento infantil sobre a
realização da roda nos termos acima apresentados.
‘Porque sim, demora muito’ Conversando com T e H, ambas de seis anos, discorremos sobre temas diversos: a brincadeiras preferidas, constituição dos membros de sua família, os recentes presentes recebidos. Quando perguntadas se gostavam da roda de conversa realizada todos os dias na sala de aula T, abaixa a cabeça, balançando-a em sinal de negação, ficando em silêncio, porém, com um leve sorriso aos lábios. 60 - Como é que vocês gostam mais de formar a roda. 61 -T: _sentada... 62 - P: _no chão, na cadeira... 63 - H: _na cadeira. 64 - P: _sentada na cadeira. E você? 65 - T: _fazer atividade. 66 - P: _fazer a rodinha, você não gosta muito não? 67 - T: _não... 68 - P: _por quê? 69 - T: _porque sim, demora muito... 70 - P: _demora muito. (Transcrição de conversa coletada no dia 22-11-2007)
O espaço dialógico, constituído entre as crianças e pesquisadora permitiu que T
expusesse seus argumentos justificando não gostar muito da roda, demonstrando
79
ainda que, para ela, formar a roda seria uma perda de tempo sendo mais produtivo
“fazer atividade”. Quanto a esse “fazer atividade”, o interessante é refletir sobre
quais eram essas atividades e qual o seu lugar no contexto escolar. As crianças nos
dizem:
‘Eu passaria atividade difícil’ 74 - P: _se você fosse a professora como vocês fariam? Vocês fariam a rodinha de conversa? 75 - T: _eu passaria atividade difícil... 76 - P: _você passaria atividade difícil? Rodinha você não faria não? 77 - T: _fazia... 78 - P: _e você Hu? 79 - H: _fazia um dever difícil para eles e atividade no quadro pra eles fazer... 80 - T: _e também é... eu quero que quando eu estiver grande eu quero ser professora e quero aprender a escrever... (Transcrição de conversa coletada em 22-11-2007)
Para as crianças, fazer atividade envolvia ter em mãos alguma folha onde pudesse
deixar impresso no papel as marcas do seu estudo daquele dia letivo. Ou seja,
parece que, para a criança, a escrita exerce um papel de maior importância na
constituição das tarefas escolares. Não havendo a escrita, não houve realização de
atividade. Na observação dos pequeninos, fica exposto, então, que a escola é pra
aprender a ler e a escrever e ler e escrever seria fazer “atividade difícil”. A escrita
apresentava-se como uma atividade que se sobrepunha à atividade oral numa visão
concernente ao que seria uma supervalorização da escrita, sobretudo a escrita
alfabética (MARCUSCHI, 2005). A criança no lugar da educadora passaria
“atividade difícil” que proporcionasse às demais crianças possibilidades de se
apropriarem dessa forma de comunicação “mais importante”. Sem “atividade difícil”,
não se aprenderia a ler e escrever. O significado de “atividade difícil“ entende-se,
pois, como fazer atividade de escrita.
Quanto às expectativas gerais da educadora, pareciam que o objetivo da formação
da roda era para se fazer cumprir mais um ritual entre a rotina de atividades
programadas para o dia. Em algumas situações observadas, percebemos o espaço
da roda utilizado como um momento para exposição de conceitos pela educadora,
quando a priori, deveria realizar-se como um instante para a conversa interativa.
Essa forma de realização da roda poderia ser considerada de enunciação
80
monológica apresentando-se como um ato puramente individual (Bakhtin, 2004).
Isto é, muito mais que um espaço de interação entre as partes, naquele local as
crianças não tomavam a palavra espontaneamente, apenas respondiam a alguma
questão feita pela educadora. Essas ações geravam, entre as crianças, movimentos
de dispersão, pois, constantemente, olhavam para os lados, levantavam-se e saíam
da roda. Ou, então, deitavam-se pelo chão, dando a entender estarem cansadas e
provavelmente com as costas doendo por ficarem em uma mesma posição por um
tempo relativamente grande.
Outro aspecto importante diz respeito ao conceito de novidade. O dicionário Gama
Kury (2002), dentre alguns significados, aponta ser novidade, a qualidade do que é
novo, uma notícia, ou seja, uma coisa nova, uma alteração repentina do andamento
das coisas, podendo ser também um perigo, agitação ou mesmo uma dificuldade,
um obstáculo. Em respostas apresentadas pelas crianças, vemos alguns
enunciados que se aproximam e outros que se distanciam do conceito do dicionário.
Aproximar-se ou não do sentido dicionarizado não quer dizer que está próximo ou
distante de algo certo ou não. Deseja-se muito mais apresentar o quão criativas são
as crianças ao elaborarem os seus próprios conceitos, ao justificarem e
principalmente posicionarem-se socialmente diante um questionamento. Ou seja,
como pontua Jobim e Souza (1996, p. 49):
A criança está sempre pronta para criar outros sentidos para os objetos que possuem significados fixados pela cultura dominante, ultrapassando o sentido único que as coisas novas tendem a adquirir. Sendo capaz de denunciar o novo no contexto do sempre igual, ela desmascara o fetiche das relações de produção e consumo. A criança conhece o mundo enquanto cria, e, ao criar o mundo, ela nos revela a verdade sempre provisória da realidade em que se encontra.
Assim, ao ouvirmos a elaboração feita pela criança acerca do conceito de novidade,
vemos, em seus apontamentos, que ela assim o faz reconstruindo o mundo à sua
maneira, ou seja, um discurso verbal diretamente ligado à vida em si, e que não
pode, ser divorciado de sua significação.
‘Qual a sua novidade?’ 25 - L: _ quando a gente fala “mãe hoje tem aula? Não”... aí a gente vão sair... e então a gente chega e conta... isso é uma novidade. 26 - P: _ humm... Novidade é você contar alguma coisa que aconteceu com você quando você não estava na aula. É isso?
81
27 - A: _ ontem eu não vim porque eu fui no médico. 28 - L: _ nossa que voz hein! (e ri) 29 - G: _ é dizer o que que nós fizemos em casa. 30 - P: _ ah-rã. Todo dia as pessoas tem uma novidade? 31-G: _ nem todos. Hoje eu não falei nada não
Desta forma, a ação de ouvir as crianças permite-nos conhecer um pouco do seu
processo de subjetividade e alerta-nos a pensar que a criança na pesquisa é sujeito
histórico, e como nos afirma Bakhtin (2003, p. 400), “[...] o sujeito como tal não pode
ser percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e permanecendo sujeito,
não pode tornar-se mudo; conseqüentemente, o conhecimento que se tem dele só
pode ser dialógico”. Assim, sendo sujeito histórico, a criança modifica a ordem e a
vida social tendo como ponte de interação com os demais sujeitos a linguagem.
Concordando com Jobim e Souza (1996, p. 48) ao dizer “[...] que as crianças usam
a linguagem para protestar contra os limites da realidade, transgredindo-a ao
mesmo tempo em que protegem a realidade contra a tirania da linguagem”. A
seguir, abordaremos algumas particularidades relacionadas com os sujeitos
imbricados na realização desta nossa pesquisa.
82
3 - A EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ESCOLAR
INDÍGENA: OS SUJEITOS, O PROBLEMA E OS PROCEDIMENTOS
METODOLÓGICOS DA INVESTIGAÇÃO
A promulgação da Constituição Federal abriu espaço legal à escolarização das
populações indígenas, atribuindo-lhes o direito a um ensino fundamental
diferenciado, com o uso de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem (art. 210). O direito à diferença também se assegurou com o
reconhecimento de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições
(art. 231) e com a difusão de suas manifestações culturais (art. 215).
Em 1993, o MEC estabelece que os Projetos de Educação Indígena devem estar
pautados nos princípios da diferença, especificidade, interculturalidade e
bilingüismo. Em 1996, a Lei nº 9.394 e seus arts. 78 e 79 confirmam mais uma vez o
direito a uma educação diferenciada às populações indígenas. No entanto, em nível
nacional, só a partir dos anos 2000 se percebe um contexto mais favorável à
escolarização dos indígenas. Nesse sentido, os dados preliminares do Censo
Escolar INEP/MEC-2005 dão conta de resultados demonstrativos que indicam que a
oferta para essas populações cresceu cerca de 40% em apenas três anos. Em
2002, havia 17.171 alunos freqüentando escolas indígenas em 24 unidades da
Federação. Em 2005, esse número chegou a 164.018 estudantes e destes, 18.583,
ou seja, 11,3 % foram matriculados na educação infantil, 32 como mostra a Tabela 1.
Tabela 1: Oferta escolar para a população indígena no Brasil em 2005
Níveis / Modalidades Total de alunos Porcentagem sobre total Educação Infantil 18.583 11,3 % Ensino Fundamental - 1º segmento 104.573 63,7 % Ensino Fundamental - 2º segmento 24.251 14,9 % Ensino Médio 4.749 2,9 % Educação de Jovens e Adultos 11.862 7,2 % Total 164.018 100 % Fonte: Censo Escolar INEP/MEC-2005
32 Dados fornecidos pela Subsecretaria de Comunicação Institucional da Secretaria-Geral da Presidência da República Nº 410 - Brasília, 15 de março de 2006.
83
O próprio Governo Federal admite, todavia, que muito ainda há que ser feito para
assegurar o acesso dos indígenas a escolas assim como o direito a uma educação
de qualidade.
- A relação entre o número de alunos indígenas nos dois segmentos do ensino fundamental 33 é de 4,31. Se a oferta de ensino fundamental estivesse, de fato, garantida às comunidades indígenas esta relação seria próxima a 1,00, pois este índice tem um valor médio de 1,23 para todo o País34. - O número de estudantes indígenas em turmas de ensino médio ainda é muito reduzido. Isto significa que centenas de jovens indígenas ainda têm que migrar para as cidades, enfrentando inúmeras situações de graves riscos sociais, em busca do ensino médio. - A maioria das escolas indígenas não conta com estrutura física e equipamentos adequados ao pleno desenvolvimento de suas atividades. - Não há uma avaliação adequada da qualidade do ensino ministrado nas aldeias. - Em alguns estados a formação do professor indígena se faz de forma intermitente e com qualidade questionável. (RELATÓRIO do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira/Ministério da Educação e Cultura, 2005, p. 2)
No que se refere à educação infantil, existe um questionamento sobre a
necessidade ou não da oferta de educação infantil para crianças pequenas, porque
existiria, em determinadas comunidades, 35 um contexto social e tradicional que
associa a entrada de criança pequena no circuito escolar como uma antecipação de
graves choques culturais no curso da vida e desintegradores da primeira infância.
Ao tratar da temática referente à infância Kaiowá e Guarani autores, como
Nascimento (2006), Brand (2006) e Urquiza (2006) alertam para a necessidade de
um maior número de pesquisas que estudem as vantagens ou desvantagens da
educação infantil escolar nas comunidades indígenas e o questionamento às
políticas implementadas pelo Estado para atender a demanda escolar.
Ao refletir sobre a implementação de propostas de Educação Infantil em terras indígenas surgem questionamentos inquietantes: trata-se de uma demanda legítima e construída a partir da vivencia e dos processos pedagógicos próprios das famílias envolvidas? Até que ponto a preocupação dos gestores restringe-se à busca de resultados imediatos, não atentando para a s suas implicações a longo prazo sobre os processos de aprendizagem próprios de cada povo indígena. Há, ainda dúvidas sobre a melhor idade para a criança indígena, no caso a Kaiowá e Guarani, iniciar o processo de escolarização, além de questionamentos sobre as
33 Total de alunos em turmas de 1a. a 4a. série dividido por total de alunos em turma de 5a. a 8a. série 34 Matrícula total de 1a. a 4a. série em 2004: 18.773.862 alunos. Matrícula total de 5a. a 8a. série em 2004: 15.238.383 alunos (Censo Escolar 2004 – INEP/MEC). 35 Entre os Kaiowá e os Guarani, só para citar algumas.
84
conseqüências da iniciativa na construção da identidade indígena, da organização sócio-cultural e da socialização primária (Nascimento; Brand e Urquiza, 2006. p.3).
Em Aracruz, região norte do Estado do Espírito Santo, onde vivem duas etnias
(Tupinikim e Guarani), observa-se que ambas os povos almejam uma escola que
atenda às necessidades do dia-a-dia das aldeias, aos anseios da comunidade, de
modo que os alunos se preocupem em valorizar a própria cultura indígena, tanto
quanto a ascender aos saberes cientificamente sistematizados por outros grupos
humanos. Ou seja, uma escola onde não só reconheça a diferença, mas que seja a
motivadora do diálogo intercultural, de uma nova postura de interação, de
cooperação. Esses elementos já foram destacados em produções acadêmicas 36
que investigaram o processo de ensino-aprendizagem realizado nas aldeias em
decorrência do Programa de Educação Indígena Tupinikim e Guarani do Espírito
Santo.
Cota (2000), ao investigar a relação direta entre educação escolar e a causa
indígena, observou que dentro da comunidade, os diferentes atores do processo de
educação escolar – lideranças, educadores, pais e alunos – possuem motivações
variadas em frente ao papel da escola. A preocupação com o ensino-aprendizagem
de conteúdos específicos e científicos e o papel que deve ser desempenhado pela
escola “[...] nas falas das lideranças fica claro que elas vêem a escola como um dos
principais instrumentos para o resgate e a preservação cultural” (COTA, 2000. p.
129). Porém os educadores consideram que o constante discurso das lideranças
está tendo repercussões negativas, “[...], pois ao dar muita ênfase aos
etnoconhecimentos eles acabam deixando de esclarecer para a comunidade que
através da educação vai se também trabalhar conhecimentos específicos e
científicos” (COTA, 2000. p. 130).
Os educadores acrescentam ainda que “[...] a escola deve proporcionar aos alunos
uma educação intercultural” (COTA, 2000, p. 167) que lhes permita dialogar a
necessidade de recuperação e/ou a preservação cultural com conhecimentos
36 Conf: Cota (2000), Padilha (2004), Marcilino (2005), Neves (2005), Alcântara (2006), Jesus (2007), Magalhães (2007) e Teao (2007).
85
sistematizados de outras culturas. Os pais e os alunos “[...] vêem a escola como
instituição onde os alunos devem aprender a ler e a escrever” (Cota, 2000, p. 167).
Apesar de apresentarem pontos de vista diferentes, Cota (2000) afirma que estes
“[...] não são divergentes e o desenvolvimento de um processo de ensino-
aprendizagem específico, diferenciado e intercultural poderá contemplar as
reivindicações de todos os segmentos da sociedade em questão” (Cota, 2000, p.
167).
A preocupação com o ensino-aprendizagem de conteúdos específicos e científicos
reflete-se ainda nos trabalhos de investigação científica realizados nas aldeias.
Desse modo, partindo de um levantamento bibliográfico37 acerca de todos os
trabalhos de pesquisa 38 acadêmicos já realizados no contexto indígena de Aracruz
ES, Cota (2007) constatou alguns resultados que apontam o interesse dos
pesquisadores podem ser divididos em três grupos.
[...] o primeiro constituído de pesquisas-ação realizadas como parte da formação continuada dos professores indígenas com o objetivo de aprofundar os conhecimentos desses professores acerca de conteúdos escolares; o segundo grupo é constituído por pesquisas que abordam temas variados relacionados a EEI; e o terceiro grupo de trabalhos que apresenta reflexões acerca da relação entre o resgate e a revitalização da cultura e a educação escolar (Cota, 2007, p. 05).
O levantamento analisado por Cota (2007) aponta que, em suas investigações, os
pesquisadores priorizaram apenas alguns aspectos do processo do
desenvolvimento do programa de Educação Escolar Indígena Tupinikim e Guarani
mesmo que seja comum em todas elas o entendimento de que “[...] a educação é
um processo histórico complexo e a formação dos educadores é apenas um dos
aspectos deste processo e não basta apenas que se garanta uma boa formação do
37 Conf. COTA, Maria da Graça. A produção teórica sobre a educação escolar indígena. 2007. O levantamento bibliográfico analisou as pesquisas realizadas no período de 1998 e 2007, em cursos de graduação, pós-graduação lato sensu e de Mestrado em instituições do Estado do Espírito Santo. Foi ainda analisada uma pesquisa realizada no Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ao todo foram totalizados 22 trabalhos. 38. No referido artigo a autora analisa a produção teórica do Programa de Educação Escolar Indígena Tupinikim e Guarani do Espírito Santo, à luz das reflexões de Paladino (2001) e Grupionni (2003). Cota (2007), analisou onze monografias e dez dissertações de mestrado. Em suas análises, observou que nas monografias, havia preferência de pesquisas pelo tema “a relação entre cultura e educação escolar”. Nos trabalhos de dissertações de mestrado ocorreu predominância à questão da formação inicial e continuada de professores indígenas.
86
educador para que o ensino-aprendizagem escolar seja de qualidade” (Cota, 2000,
p.168). Pontuamos, ainda, que, quanto à formação do educador, há necessidade de
outros estudos que investiguem possíveis matizes dessa formação pois o que, na
maioria dos contextos educacionais é considerado como formação continuada não
se aplica ao educador indígena, uma vez que, para muitos esse estudo se
concretiza como a única possibilidade de formação.
No cotidiano das aldeias, as escolas são vistas como parte da comunidade e só têm
sentido se estiverem a serviço delas. É constante, nessas comunidades, a
solicitação das famílias por espaços onde as crianças possam ter acesso a
conhecimentos diversos que venham a fortalecer a “causa” indígena. Essa é uma
preocupação de toda a comunidade indígena, onde comumente caciques e
lideranças, Tupinikim ou Guarani, orientam aos educadores sobre a importância de
todos estarem juntos formando um elo para o fortalecimento do amor à terra e o
entendimento dos porquês de suas lutas sociais. Um pouco dessa preocupação
podemos ver ilustrada na fala do cacique Werá Kwaray39 (Antônio Carvalho), da
aldeia de Boa Esperança, proferida em uma reunião em 8-6-2005.
Tem que ter preocupação de levar esses conceitos para falar com as crianças sobre luta pela terra. O educador não pode ter divergência sobre luta pela terra. O educador e a tribo devem ter união. Através da união que conseguimos escola e parceiros. A educação diferenciada era proibida, hoje é mais fácil.
Os educadores índios são indicados e avaliados por suas comunidades, mas o
cacique e as lideranças são sempre envolvidos na resolução de casos que fogem
ao âmbito e/ou controle da escola. Desse modo, os povos indígenas vêem a escola
como um local de valorização da sua comunidade, porque resgata ou reforça sua
história, sua cultura, sua identidade étnica: um local de esperança de um futuro com
melhores condições de vida para as crianças. Nesse contexto, a formação e o
trabalho do educador tornam-se fundamentais na comunidade, pois, sua atividade é
entendida para além do ato de ensinar e muito mais como um processo de interação
de saberes produzidos de maneira histórica e coletivamente, ou seja, uma atividade
39 Cacique de etnia Guarani.
87
política. Sendo assim, na sessão que segue, trataremos de questões pertinentes à
formação do educador da Educação infantil indígena.
3.1 - A FORMAÇÃO DO EDUCADOR INDÍGENA EM ARACRUZ-ES
No município de Aracruz (ES), a educação escolar para as comunidades Tupinikim
e Guarani começou a ser discutida no ano de 1994, quando um grupo de 18
educadores, acompanhados pelo Instituto de Desenvolvimento de Educação de
adultos (IDEA) e a Pastoral Indigenista, participou de um processo de formação
para trabalhar com a educação de jovens e adultos. Devido a esse processo, alguns
educadores foram contratados pela Secretaria Estadual de Educação do Espírito
Santo. Em cada aldeia funcionava um espaço (em escola ou em centros
comunitários) dedicado à educação de jovens e adultos. As aulas eram ministradas
à noite. A referida formação também obteve apoio do Núcleo Interinstitucional de
Saúde Indígena (NISI),40 um órgão constituído por uma comissão geral e três
subnúcleos (Saúde, Educação e Agricultura).
Em 1995, aconteceu o primeiro Seminário de Educação Indígena no município. O
seminário tinha por objetivo debater as questões da educação indígena e
sensibilizar os órgãos públicos em relação aos direitos dos indígenas e da
especificidade41 de sua educação diferenciada. Durante os anos de 1995 e 1996, o
Instituto para o Desenvolvimento e Educação de Adultos assumiu a coordenação da
construção de um currículo para a formação de educadores Tupinikim e Guarani e,
a partir daí, no período de 1996 a 1999, implementou o Curso de Magistério
40 Esse órgão tem como objetivo prestar serviços nas instâncias de consultoria, assessoria e articulação entre as instituições e/ou organizações responsáveis pelo cumprimento da política indigenista voltada para o desenvolvimento socioeconômico e cultural dos povos indígenas do referido município. O subnúcleo de Educação Indígena, naquele ínterim, era formado por: por órgãos governamentais (Secretaria Estadual de Educação, Secretaria Municipal de Educação de Aracruz e Fundação Nacional do Índio); por órgãos não-governamentais (Conselho Indigenista Missionário, Pastoral Indigenista e Instituto para o Desenvolvimento e Educação de Jovens e Adultos); por caciques e lideranças indígenas e pela Aracruz Celulose. Com exceção desta última instituição, os diferentes atores congregaram esforços para o grande desafio de construir nas aldeias de Aracruz uma educação escolar indígena para atender às necessidades e especificidades culturais das etnias Tupinikim e Guarani. 41 Em outubro do ano de 1995, foi realizado, na aldeia Guarani de Boa Esperança, o primeiro Seminário de Educação Guarani. Esse seminário contou com a participação de representantes da etnia Guarani de todo o Brasil e de representantes de organizações governamentais e não-governamentais.
88
Indígena. O curso priorizava formar um grupo de educadores índios indicados por
suas comunidades que assumiriam, gradativamente, a tarefa de docência nas
escolas das aldeias. Foi realizado em 12 etapas divididas em duas modalidades de
formação (tempo-aula e tempo aldeia) com atividades diversas de estudo, pesquisa
e estágio feito nas próprias aldeias.
Em 2000, a Secretaria Municipal de Educação de Aracruz realizou um concurso
público – o primeiro do Brasil – para a seleção de educadores indígenas, o que
permitiu substituir progressivamente o contingente de profissionais não indígenas
nas salas de aula das escolas das aldeias. Em 2006, o atendimento escolar à
população indígena passou a ser assegurado por 52 educadores índios (46
Tupinikim e 6 Guarani) que atuam em 7 escolas, uma escola de educação infantil e
seis escolas de ensino fundamental. As escolas de ensino fundamental nas aldeias
também atendem a Educação Infantil e se encontram sob a responsabilidade
primeira da secretaria Municipal de Educação do já citado município.
A formação continuada desses educadores é compartilhada entre alguns
profissionais e alunos que atuam na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)
e profissionais ligados ao Instituto de Pesquisa e Educação (IPE), Secretaria de
Estado de Educação (SEDU), Secretaria Municipal de Educação (SEMED), Pastoral
Indigenista. As formações são contínuas de modo a ajudar os educadores a
refletirem sobre suas práticas e tornarem-se mais eficazes em seus trabalhos de
campo, construindo ferramentas de análise e de ação que lhes permitam se
apropriar de instrumentos outros que lhes auxiliarão no trabalho pedagógico.
[...] los formadores, los animadores y los aprendices deberían participar en la elaboración de programas de formación que deberán permitirles ser cada vez mas eficaces en el trabajo educativo. [...] por una parte, a causa de la necesidad del proceso educativo de estar informado de los avances de las disciplinas a enseñar/aprender, y, por otra parte, por los avances de las disciplinas de las ciencias de la educación que pueden dar a los formadores y a los animadores nuevos y mejores instrumentos para mejorar el trabajo pedagógico (FAUNDEZ, 2006, p. 225).
O trabalho de parcerias muito contribui na interação dos conhecimentos e, como
nos aponta Foerste (2005, p. 148), “[...] na formação de professores vem somar no
debate da socialização profissional docente” O nosso trabalho de investigação
89
insere-se no contexto dessa parceria. Investigando o lugar da linguagem oral na
educação infantil, em que pretendemos contribuir para que a educação infantil
indígena encontre novas formas de organizar o trabalho educativo com crianças
pequenas, estando sempre atentos para que a escola priorize a relação do fazer
pedagógico com uma ação política que vise às melhorias na vida social e na escola
da aldeia.
3.2 - A ESCOLA INDÍGENA INFANTIL EM ARACRUZ-ES
O atendimento às crianças da educação infantil nas aldeias aracruzenses iniciou-se
por volta de 1996. Antes dessa data, não havia o atendimento escolar à criança
indígena menor de sete anos. Em seu início de funcionamento, os objetivos do
atendimento eram essencialmente assistencialistas. Com efeito, a escola estava
mais preocupada com o suprimento às necessidades alimentares das crianças que
viviam em situação de muita pobreza. A maioria dos educadores que atuavam nas
salas de aula não era índia; eram profissionais moradores do entorno das aldeias. O
total de crianças atendidas nas aldeias abrangia, em média, 50 crianças distribuídas
conforme quadro abaixo:
Etnia Aldeia Quantidade de salas Tupinikim Pau-Brasil 01 sala Tupinikim Comboios 01 sala Tupinikim Caieiras Velhas 03 salas Guarani Boa Esperança 01 sala
Quadro 03: O atendimento escolar à população infantil indígena em Aracruz/1996 Fonte: Secretaria Municipal de Educação de Aracruz/ ES
Os dados do censo escolar de 2005 mostram um certo incremento no atendimento à
população infantil e uma presença mais expressiva de educadores indígenas na
educação infantil: cinco escolas situadas nas aldeias de Pau Brasil, Irajá, Comboios
e Caieiras Velhas (etnia Tupinikim) e Três Palmeiras (etnia Guarani) atendiam 189
crianças sob a responsabilidade de sete educadores indígenas como segue na
tabela:
90
Tabela 02: Educação Infantil Indígena nas Aldeias Tupinikim e Guarani - 2005
Idade dos Alunos Nº.de escola
Nº.de
prof.
Aldeias 0 a 3 anos 4 anos 5 anos 6 anos
Total
01 01 Pau Brasil -- 1 14 5 20 01 01 Três Palmeias -- 8 6 10 24 01 01 Irajá -- 3 13 8 24 01 01 Comboios -- 3 13 5 21 01 03 Caieiras Velhas 41 14 23 22 100
Total 41 29 69 50 189 Censo Escolar de 2005 Fonte: Setor de Estatística da Secretaria Municipal de Educação de Aracruz
Dados mais recentes apresentam um pequeno aumento de crianças atendidas
(2,6%) e um conseqüente acréscimo de 28.5% na atuação de educadores indígenas
(cf. a tabela abaixo). Além disso, as crianças de 3 anos também passaram a contar
com um educador não ficando apenas com monitores, como era o caso
anteriormente. Vejamos como os dados preliminares/ 2006 se apresentam:
Tabela 3 - Educação Infantil Indígena nas Aldeias Tupinikim e Guarani - 2006
Idade dos Alunos Nº.de escola
Nº.de
prof.
Aldeias 0 a 2
anos 3 anos 4 anos 5 anos 6 anos
Total
01 01 Pau Brasil -- -- 04 05 11 20 01 01 Irajá -- -- 04 08 07 19 01 02 Comboios -- -- 13 11 14 38 01 04 Caieiras Velhas 25 13 24 23 14 100 01 01 Boa Esperança 04 08 05 17
Total 25 13 49 55 51 194 Dados preliminares do Censo Escolar de 2006. Fonte: Setor de Estatística da Secretaria Municipal de Educação de Aracruz
O ensino, nessas escolas, é norteado por uma abordagem teórico-metodológica
denominada Pedagogia do Texto – como dissemos no Capítulo I – que propõe um
ensino-aprendizagem em que os envolvidos no processo educativo se apropriem de
modo qualitativo de conhecimentos diversos que lhes permitam compreender e, se
possível, transformar a realidade sócio-histórica em que vivem, de maneira a
continuar seu processo de desenvolvimento pessoal e comunitário.
91
1 - Nossa aproximação do campo de estudo iniciou-se pelo contexto da formação
continuada dos educadores, pois nosso trabalho de pesquisa está associado ao
contexto indígena como uma das ações do programa de extensão “Formação
Continuada de Educadores Indígenas”.42
2 - O grupo de educadores que trabalha com a educação infantil indígena no
município de Aracruz, compõe um total de nove, sendo oito mulheres e um homem
com idade entre 25 e 43 anos. Eles atuam em cinco aldeias (Pau Brasil, Irajá,
Caieiras Velha, Comboios – etnia Tupinikim e Boa Esperança – etnia Guarani). A
maioria dos educadores tem formação profissional inicial em nível de ensino médio
em Magistério Indígena, concluído em 1999 43 ou do Magistério não-indígena
concluído entre 2000 e 2001 ou mesmo de outro curso. Além do Magistério
Indígena, atualmente duas educadoras do grupo estão em vias de concluir, em
2009, a licenciatura em Pedagogia. E outras duas, que já concluíram o curso de
Pedagogia, estão cursando uma pós-graduação em Educação Infantil. Todos esses
educadores de etnia Tupinikim. A educadora Guarani ainda participa de um curso
de formação do Magistério iniciado em 2003, com previsão de término em 2008.44
No grupo, a grande maioria dos educadores do têm em média uma experiência
profissional entre cinco e sete anos.
3.3 - OS SUJEITOS DA PESQUISA
As crianças das aldeias matriculadas em unidades da educação infantil compõem
um total de 194. Na aldeia de Caieiras Velhas há uma creche onde crianças
42 O projeto de extensão tem como justificativa a busca dos educadores indígenas em aprofundar os estudos sobre a PdT. Desse modo, envolvendo uma equipe multidisciplinar (línguas, ciências sociais, ciências naturais, matemática e fundamentos da educação) no período de maio/2006 a setembro/2006, desenvolveu-se a formação de educadores indígenas de três grupos de professores: 1) os professores da educação infantil; 2) os professores que trabalham com 1ª. a 4ª. séries; 3) os professores que trabalharão com as 5as. séries. 43 Dentre os nove educadores cinco fizeram como formação inicial o Magistério Indígena e três o Magistério não-Indígena. 44 O programa de formação escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil, realizado em Santa Catarina (2003-2008), envolve os Guarani dos Estados do Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. São cerca de 74 participantes que possuem escolaridade mínima de ensino fundamental e que terão formação de nível médio, sendo habilitados ao final do curso para exercerem o Magistério da Educação Infantil ao Ensino Fundamental. Do Espírito Santo participam seis educadores, uma da educação infantil.
92
pequenas de zero a três anos ficam em tempo integral. Na aldeia de Pau Brasil
(nosso espaço principal de investigação) há um único prédio escolar onde
funcionam, além da educação infantil, outras turmas do ensino fundamental (1ª a 4ª
série). Nesta e nas demais escolas indígenas, as atividades escolares acontecem
apenas pela manhã. À tarde as crianças têm um tempo para desenvolverem
atividades diversas: brincar de casinha, de boneca, de construtor de casa, de
bolinha de gude, de escolinha, de carrinho, futebol. Segundo os pais,45 diariamente
a criança é convidada a participar de atividades domésticas (arrumar uma cama,
limpar a cozinha etc) e participam da vida da aldeia em momentos de reunião
comunitária (fazem apresentações de teatros ou danças dos curumins ou
simplesmente acompanham seus pais). A comunidade Tupinikim tem efetivamente
se organizado de modo a promover ações que preservem e revitalizem suas
tradições. Têm discutido em reuniões o incentivo ao plantio de mudas sem
agrotóxicos; a necessidade de revitalizar a utilização de pinturas corporais e a
fabricação de enfeites; a atuação de grupos de mulheres que fazem artesanato e
principalmente, a abordagem de uma educação diferenciada oferecida pelas
escolas que dentre diversas ações proporciona as crianças o ensino da língua tupi.
Assim, as crianças e os adultos vêem na escola uma instituição que, inserida na
aldeia, contribui na educação das crianças, utilizando-se de mecanismos e
instrumentos que implementam, resgatam e preservam certos valores, seus
conhecimentos e saberes através do tempo. Na realização de nosso estudo
estivemos acompanhando mais detidamente as atividades realizadas na sala de
uma educadora da aldeia de Pau Brasil, onde havia 20 crianças sendo onze
meninas e nove meninos com idades variando entre quatro, cinco e seis. Além do
trabalho efetivo de acompanhamento a essa sala de aula, a pesquisa envolveu os
demais educadores indígenas da educação infantil nos instantes de formação que
com eles construímos um trabalho colaborativo.
No segundo semestre de 2005, apresentamos um esboço de projeto de
investigação aos educadores e por meio de uma votação entre os educadores, e de
acordo com os argumentos apresentados por eles, decidimos sobre qual educador
45 Para auxiliar na coleta de dados sobre as crianças, foi realizada entrevista com os pais dos alunos.
93
abriria as portas de sua sala para a realização das filmagens necessárias à
investigação. O resultado teve como decisão a escolha de uma das professoras que
tinha alguns anos a mais de experiência na educação infantil e que estaria naquele
ano coordenando o grupo de estudo dos educadores indígenas da educação infantil.
Definida a educadora (moradora da aldeia de Pau Brasil), conversamos com o
cacique da referida aldeia. Logo após, obtivemos a licença oficial que viabilizou o
nosso primeiro contato com as crianças. No decorrer do segundo semestre de 2005,
acompanhamos os trabalhos de coordenação do grupo desenvolvido pela
professora e buscamos informações acerca da documentação que nos auxiliassem
na caracterização dos alunos. Na escola (Foto 4) da aldeia Pau Brasil atualmente
são sete funcionários: cinco professores (um da Educação Infantil e três do ensino
fundamental do 1º ao 5º ano). Um outro professor trabalha com a língua Tupi. Essas
aulas são dadas regularmente em todas as turmas, uma vez na semana. A escola
conta ainda com o pessoal de apoio constituído por duas outras funcionárias na
função de merendeira e de auxiliar de serviços gerais.
Foto 4 - Escola onde realizamos a investigação
O prédio da escola tem apenas três salas. Uma quarta funciona no centro
comunitário. O prédio necessita de uma reforma que lhe permita tornar-se mais
amplo e que melhor atenda às necessidades da comunidade. Segundo informações
dos educadores, a construção de um novo prédio escolar é uma ação que se
efetivará em período de curto prazo e o prédio escolar contará com uma arquitetura
94
possível de proporcionar melhor atendimento às crianças estando em consonância
com as especificidades culturais.
Definida a educadora, realizamos, observação-participante desenvolvendo um
estudo exploratório46 com filmagens das aulas. Com o material gravado, pudemos
observar, de maneira mais detalhada, as práticas de linguagem oral adotadas na
sala de aula filmada.47 Esse foi o primeiro material videográfico relacionado com a
educação infantil indígena no Estado do Espírito Santo.
3.4 - O PROBLEMA DE INVESTIGAÇÃO
Como apontamos, os educadores indígenas já haviam sinalizado, de maneira
sistemática, a necessidade de reorganização do ensino da educação infantil
indígena. Seus questionamentos e preocupações estavam vinculados aos princípios
que fundamentam a Pedagogia do Texto, já apresentados no Capítulo II, item 2.4.
Desse modo, reconhecemos ser o ensino-aprendizagem da oralidade e pela
oralidade por si só parte do resgate e da preservação da cultura Tupinikim. Isso
porque esse objeto e recurso de aprendizagem é um dos elementos principais das
culturas indígenas. Assim, o problema, por nós pesquisado, centrou-se em
investigar o lugar da linguagem oral na educação infantil indígena, nos instantes de
produção de gêneros textuais orais específicos, focalizando o olhar nos espaços de
realização das rodas de conversa. Ou seja, tomar a “conversa na roda” como um
espaço de interação verbal, um espaço discursivo. O trabalho de campo se
estabeleceu por meio de contato direto e prolongado com a professora e as crianças
da educação infantil da aldeia de Pau Brasil. Essa vivência, no dia-a-dia das escolas
Tupinikim, possibilitou-nos realizar o trabalho por meio de uma pesquisa participante
de caráter etnográfico, vendo a pesquisa como uma relação entre sujeitos, numa
participação ativa tanto do investigador quanto do investigado. Em uma das etapas
da pesquisa, realizamos um estudo exploratório para melhor compreender o
46Mais adiante ainda neste capítulo apresentaremos as considerações mais detalhadas sobre o estudo exploratório realizado no período de 03-10 a 05-10-2005. 47 A realização da filmagem justificou-se pelo fato de ainda não haver no Estado do Espírito Santo nenhum material videográfico relacionado com a educação infantil indígena. O Instituto de Pesquisa e Educação (IPE) já possui um acervo de aproximadamente 239h22min de gravação de aulas de alunos de 1ª a 4ª série da educação indígena.
95
processo educativo e o objeto de estudo. Realizamos a filmagem das aulas durante
o estudo exploratório e ao longo de toda a pesquisa participante. Desenvolvemos
ainda atividades de intervenção em nível de formação dos educadores e na
planificação de seqüências didáticas com diversas atividades realizadas em sala de
aula. Organizamos a transcrição das fitas para utilizar neste trabalho, segundo
algumas convenções semelhantes às utilizadas por Filietaz (2003), tais como as que
podemos conferir no ANEXO A.
Para a análise das transcrições, utilizando-nos do referencial teórico apresentado no
Capítulo II, buscamos inventariar e tipologizar as diferentes situações de interação
observadas na sala da educação infantil indígena, bem como caracterizar os
aspectos físicos como o lugar e o momento onde se desenvolvia a interação.
Estivemos atentos ainda em demarcar os objetivos gerais e pontuais
correspondentes aos diferentes atos de interação, identificando os papéis
interlocutivos procurando descrever a alternância de turnos de fala observando a
sucessão dos mesmos e o equilíbrio relativo ao tamanho desses turnos e a
focalização dos discursos. Outro aspecto ainda considerado foi a alternância das
mudanças de interlocutor e os possíveis disfuncionamentos dos sistemas de turnos
como os silêncios prolongados, as interrupções, as sobreposições de falas, a
intrusão.
Para o estudo exploratório, no período de três dias (3-10 a 5-10-2005), foram
observadas, filmadas e fotografadas todas as atividades desenvolvidas na sala de
aula, obtendo-se, assim, um acervo de 8h de filmagens. A filmagem foi realizada por
uma educadora indígena da aldeia de Pau Brasil. A seguir, listaremos as atividades
realizadas em cada um dos três dias observados, descrevendo em detalhes as
atividades com a linguagem oral. No primeiro dia da observação, devido a um
problema técnico, não foi possível gravarmos em vídeo as atividades desenvolvidas,
mas fizemos o registro no diário de campo e por meio de fotografias. A professora
desenvolveu as seguintes atividades:
1) apresentação do calendário: na sala de aula a educadora possuía um cartaz que
representava o calendário. Neste, havia opções de informação sobre o dia, o mês e
o ano vigente. Havia ainda alguns pequenos cartões indicativos do tempo,
96
demonstrando se estava nublado, chuvoso ou ensolarado. A educadora realizava
essa atividade questionando os alunos: “que dia é hoje?”; “o dia está como hoje?”;
“ontem foi que dia?” O que mais nos chamou a atenção, na observação dessa aula,
foi que os questionamentos realizados pela educadora eram sucessivos e, à medida
que os alunos respondiam, ela inseria outra questão até que todas as informações
estivessem explicitadas. Toda atividade durou 23 minutos em seguida, a educadora
escreveu no quadro as informações sintetizadas na conversa e as crianças
copiaram.
2) Contagem dos alunos presentes: a professora desenha no quadro dois
bonequinhos, um representando os meninos e outro representando as meninas. Em
seguida, pede a um voluntário do grupo dos meninos que venha à frente da sala
para contar os meninos presentes. O mesmo se repete com as meninas. A criança
vai à frente (uma por vez) e conta as crianças presentes. Ao final da contagem,
escreve abaixo do referido desenho a quantidade equivalente ao número de
crianças contadas. Geralmente, quando a criança escreve o numeral, a professora
pergunta à turma se a resposta está correta e, em seguida, convida a todos para
confirmar a resposta contando, agora em conjunto, os meninos e, logo após, as
meninas. Para a realização dessa atividade, gastava-se em média dez minutos.
3) Roda da conversa intitulada de “hora da novidade”: essa atividade iniciou-se às
8h10min e terminou às 8h35min. Crianças e professora estavam sentadas ao chão
(Foto 5) . A professora iniciou a conversa perguntando aos alunos quem teria uma
novidade a contar para os demais colegas. Alguns disseram que haviam brincado,
outros que teriam ido até Aracruz com a mãe ou o pai. Após a exposição das
crianças, a educadora disse-lhes que sua novidade era informá-los do passeio que
fariam para observarem o lixo da aldeia.
97
Foto 5 - Roda de conversa
Em sua exposição, a educadora orientou-os que durante o passeio ficassem todos
sempre juntos, de preferência de dois em dois, dando a mão um ao outro. Pediu que
não corressem se dispersando do grande grupo e, principalmente, que
observassem a aldeia o máximo possível durante o percurso, de modo a terem
muitas informações na volta para a sala.
4) Passeio (Foto 6) pelos arredores da aldeia: durante o percurso do passeio, a
professora ia orientando os alunos para que observassem a incidência de lixo pelas
ruas da aldeia. Os alunos, ao avistarem alguma garrafa, papel de bala, pedaço de
plástico etc, chamavam a professora ou mostravam para o colega. Pudemos
também observar que, ao longo do passeio, muitas crianças se interessavam pelo
que viam: uma borboleta que voava, os cachorros que brincavam, a identificação da
casa de um colega, do primo, da tia etc.
98
Foto 6 - Passeio pela aldeia de Pau Brasil
5) Desenho do lixo (Foto 7) avistado durante o passeio: no retorno à sala e logo
após o recreio, os alunos foram divididos em grupos de quatro ou cinco e, em um
cartaz, desenharam o lixo que haviam avistado durante o passeio.
Foto 07 – Desenho do lixo avistado no passeio
99
Na realização das diferentes atividades aqui apresentadas, a linguagem oral se
configurou como um veículo. Ou seja, serviu como meio de promover
questionamentos entre os alunos, instigando-os a fazer algumas relações. Era o
momento de expor idéias, dar opiniões, organizar ações, estruturar combinados de
modo que, assim, fosse possível desenvolver as atividades que haviam sido
propostas pelo professor. Observamos ainda que, para a realização das atividades
desse dia, em nenhum momento a linguagem oral foi tomada efetivamente como um
específico objeto de ensino.
No segundo dia de filmagem, foram gravadas duas fitas. Podemos dividir as
atividades em dois grandes blocos: no período entre 7h30min às 9h30min da
manhã, foi dada uma aula de Tupi por um educador diferente que não era a
professora titular. Com relação a essa aula, é importante notar que, no ano de 2005,
em todas as terças-feiras, os alunos de Pau Brasil tinham aula de Tupi 48 e, de
acordo com informação do professor, a dinâmica da aula seguia sempre um mesmo
ritmo.
À medida que introduzia as novas palavras o professor as escrevia no quadro em
português e em tupi. Em seguida começava uma seqüência de repetições em que o
educador falava a palavra em tupi e pedia que cada criança repetisse a palavra
apresentada. Depois dessa repetição individual, todos repetiam em coro a palavra
em tupi. Essa seqüência de apresentação de uma nova palavra se processava para
as demais. Na observação que fizemos da aula do dia 4-10-2005, foram
apresentadas três palavras: mesa – KARUÃBA; prato – NHA’E; cadeira –
GUAPICABA. Em alguns momentos de repetição, o professor também soletrava a
palavra. Após essa seqüência de atividade oral, o professor sugeria às crianças
escrevê-las. Elas pegavam os seus cadernos e copiavam os desenhos e a palavra
em tupi correspondente a cada figura desenhada. Em seguida, pintavam. Ao
finalizarem a atividade, o professor propunha fazer, então, a revisão do que foi
aprendido com uma nova etapa de repetições.
48 Essa ação era realizada em todas as escolas (porém em dias diferentes) das aldeias de etnia Tupinikim (Pau Brasil, Caieiras Velhas, Comboios e Irajá) pelo fato de essas comunidades estarem engajadas em implementar um projeto de resgate cultural no qual, dentre diversas outras ações que objetivam a revitalização de suas tradições, encontra-se o ensino da língua tupi para os alunos da educação infantil à 6ª série.
100
O desenvolvimento dessa aula acontecia estruturalmente de uma única forma. No
formato apresentado, dá-nos a entender que a escrita ocupava o lugar de ser
principalmente um instrumento para se efetuar cópia de palavras em que a língua se
distinguia como um catálogo de palavras.
No período após o recreio (10h às 11h30min), a educadora titular utilizou o tempo
para uma conversa informal, relembrando com as crianças o que haviam feito no dia
anterior: apresentação de cartazes (seminário); música; uma conversa sobre o tema
da música; leitura (pela educadora) de um cartaz com uma lista contendo
informações sobre o tempo de decomposição de diversos e diferentes objetos
contidos na natureza; escrita (pela educadora) de uma lista com os nomes de
objetos (lixo) mencionados pelos alunos e avistados durante o passeio feito no dia
anterior, pelas ruas da aldeia; cópia e ilustração, pelos alunos, da lista constituída
no quadro-negro. Na segunda parte da aula, iniciada após o recreio, os alunos
foram divididos em seis mesinhas (duas com quatro alunos; três com três alunos e
uma com um aluno somente). Nem todos os alunos ficaram sentados e muitos deles
pareciam agitados, falando todos ao mesmo tempo.
1) Conversa informal: a educadora iniciou esse momento relembrar com os alunos o
que haviam feito no dia anterior. E assim foi repassando cada etapa da atividade
desenvolvida. O momento da conversa durou em média sete minutos.
2) Apresentação de cartazes (seminário): a educadora solicitou aos alunos que
viessem à frente do quadro organizar os respectivos grupos para a devida
apresentação dos cartazes. À medida que chamava os grupos, entregava-lhes o
cartaz. Houve um momento de certa tensão com a iminência de que as crianças
pudessem danificar os cartazes a serem apresentados, pois todos os grupos foram
à frente da sala ao mesmo tempo. Então, já não havia público para assistir as
apresentações. A filmagem foi interrompida. As crianças falavam ao mesmo tempo
não dando-nos condição de identificar o que diziam. Sugerimos à professora
chamar um grupo por vez de modo que, durante as apresentações, as crianças
pudessem ver o trabalho do colega. A sugestão foi aceita. Cada grupo veio à frente
para apresentar, falar, explicar o que fizera no desenho. As demais apresentações
101
prosseguiram e, ao final dessas os “apresentadores” foram aplaudidos pelos
“espectadores”.
3) Música: a professora ensina uma música aos alunos que tem a temática
relacionada com a questão do meio ambiente e, em seguida, conversa com as
crianças sobre o tema apresentado na letra da música.
4) Leitura de lista de palavras: após cantarem a música, a educadora apresenta um
cartaz com duas listas: uma apresentando o material e, ao lado, o respectivo tempo
que será gasto até o material se decompor na natureza. Esse tempo de exposição
de vários conceitos leva em média 20 minutos. A considerar que era o período após
o recreio e que a exposição estava se delongando, os alunos começaram a
demonstrar cansaço: deitam-se sobre a mesa, tapam o rosto com o cabelo, bocejam
profundamente, balançam-se na cadeira.
5) Escrita de lista de palavras: a educadora pede que os alunos falem os nomes de
alguns dos objetos (tipos de lixo) que viram ao longo do passeio. Após escrever
quatro palavras no quadro, a educadora pede que alguns alunos as leiam. Por fim,
recomenda que os alunos tragam algumas garrafas para serem utilizadas na
confecção de um brinquedo. Podemos verificar que, também nesse dia, a linguagem
oral se apresentou apenas como um veículo de comunicação entre a professora e
os alunos.
No terceiro dia, foram filmadas várias atividades. Na primeira parte da aula antes do
recreio, filmamos cinco atividades: músicas, roda de conversa (foi feita a leitura de
uma história), organização do calendário, contagem dos alunos, escrita de palavras.
Na segunda parte, após o recreio (no período entre 10h e 11h30min), foi filmada a
seqüência que demonstra uma confecção de brinquedo com sucata (telefone sem
fio). Vejamos como se desenvolveram as atividades:
1) Músicas: enquanto algumas crianças terminavam de tomar o seu leite com
biscoito, a professora convidou os demais que fossem ao meio da sala e
organizassem uma roda para cantar algumas músicas. A professora pergunta às
102
crianças que música gostariam de cantar e assim todos cantam e gesticulam de
acordo com a letra da música cantada.
2) Roda de conversa: alunos e professora estão sentados ao chão. Ao organizarem
a roda, a professora pergunta se alguém teria uma novidade a contar. As crianças
não respondem. Entretanto, há uma criança que, desde o início da aula,
demonstrou-se agitada, brincalhona, desviando a atenção dos colegas, mexendo
com um, mexendo com outro. Fala que tem uma novidade, porém a professora não
o considera. O aluno insiste dizendo ter uma novidade a contar, mas, como não se
apresenta claramente, a professora não lhe concede a vez de falar e depois muda o
assunto da roda, lendo uma história relacionada com a temática do meio ambiente.
A criança ainda insiste cantando uma música em voz alta para se fazer ouvir. A
professora lhe pede silêncio. Em seguida, faz, uma revisão de assuntos
relacionados com a aula do dia anterior. Porém a criança continua, não lhe dando
espaço, iniciando agora a cantiga.
Desse modo, a professora inicia a exposição de alguns conceitos relacionados com
a coleta seletiva de lixo, o uso racional dos rios e mares, a limpeza de quintais
ressaltando a importância do engajamento de cada pessoa na manutenção de uma
aldeia limpa e saudável e, na seqüência, leu uma história intitulada “A turma da
faxina”. Enquanto a professora lia a história, a maioria das crianças permanecia sem
dizer nada, mas se mexiam várias vezes, dando a entender que já estavam
cansadas, provavelmente com as costas doendo por ficarem em uma mesma
posição por um tempo relativamente grande. Ainda na roda, a educadora se lembra
de um comprador de sucata que havia passado na aldeia no dia anterior, relembra
as possibilidades em se reciclar algumas sucatas, como a garrafa descartável que
pode ser reciclada para a produção de vassouras, ou reutilizada servindo de
vasilhame para conservação de mantimentos etc. Nesse momento, então, a roda,
que seria de conversa, vai se transformando em um espaço pra uma aula expositiva
monologal da educadora. As crianças não tomam a palavra espontaneamente.
Apenas respondem a alguma questão feita pela professora, dispersam-se olhando
para os lados, levantando-se e saindo da roda, deitando-se no chão. Após essa
“conversa”, as crianças voltam para os seus lugares e a professora escreve uma
103
lista com os nomes dos objetos que podem ser reciclados e as crianças copiam.
Foram utilizados para esse momento de roda de conversa 45 minutos.
Ficamos um pouco surpresa com a quantidade de tempo utilizado pela professora
para a realização da roda de conversa. Consideramos esse um período
relativamente grande para que a criança fique em uma mesma posição. Além disso,
os assuntos tratados na roda não ofereciam oportunidade para que a criança
interagisse opinando, perguntando, discordando criticando algo, por exemplo.
Na segunda parte da aula, a educadora confeccionou com as crianças um brinquedo
com sucata (telefone sem fio). Elas estavam organizadas em uma roda. A professora
fez a exposição explicando o modo de montagem do brinquedo. Durante esse
momento, as crianças demonstraram-se muito interessadas, com o olhar atento ao
que a professora explicava. Observamos que, para o desenvolvimento de cada tipo
de atividade, foi utilizado um tempo relativamente extenso, sobretudo na exposição
de conceitos. Não identificamos nenhum episódio de circulação de livros ou de
brinquedos na sala, o que daria uma outra dinamicidade às aulas. Com relação à
escrita, esta apareceu sempre como um instrumento para se efetuar cópia de
palavras e à linguagem oral não foi reservado um espaço de reflexão especial.
Esses dados mostram, com certa evidência, uma concepção de língua como um
catálogo de palavras. Por outro lado, chama a atenção o fato de que, quando a
atividade realizada considerava o interesse da criança, esta participava efetivamente
nas diferentes ações (ex.: a confecção de um telefone sem fio).
A socialização desse estudo exploratório foi realizada com os educadores em maio
de 2006, durante a primeira reunião da formação continuada. Na ocasião,
apresentamos aos educadores os objetivos do estudo, os encaminhamentos para
sua realização e os dados observados que consistiram basicamente em descrever
as práticas de linguagem oral mais realizadas nas salas de educação infantil. Esse
foi o primeiro dia da formação continuada, por isso é possível que tenha sido este
um dos motivos para que os educadores não debatessem sobre o que foi exposto.
Outro aspecto a se considerar é que, na cultura indígena, o silêncio é um movimento
que muitas vezes se realiza entre eles. Entretanto, torna-se importante pontuar que,
diante as atividades observadas, é urgente questionar quais os propósitos da atual
104
educação escolar infantil desenvolvida nas aldeias. Até que ponto esse formato de
educação considera que a criança é sujeito inserido na, é também produtora de
cultura? Não estaria esse modelo educativo apenas transferindo para as aldeias e,
sem questionamentos, políticas geradas em contextos externos da sua realidade?
Seria essa uma forma de atender á “causa indígena”? Ou uma maneira de
posicionar-se totalmente alheia e contraproducente à realidade cultural? Enfim, é
urgente que se reveja a educação infantil das crianças indígenas de modo dar
destaque a uma educação infantil vista como o lugar do brincar, o lugar do
reconhecimento de identidades, o lugar do reconhecimento da cultura. Ou seja, que
com urgência se articule na comunidade escolar, reflexões e movimentos em favor
de uma proposta educativa em que a educação infantil, não se minimize em tempos
e espaços a servir, em demasia, o tratamento da criança como simples copiadora.
Respostas, ainda não temos. Mas colocamos aqui em debate, para que outras
investigações possam também contribuir na ampliação de discussões acerca do
processo de implementação da educação escolar infantil indígena.
3.5 - A PESQUISA PARTICIPANTE DE CARÁTER ETNOGRÁFICO
Esta pesquisa desenvolveu-se, pois, a um só tempo como um trabalho de
investigação e de intervenção tendo investigador e investigado como dois sujeitos
em interação constante. Como etapas de realização da pesquisa, organizamos
reuniões de formação com os educadores e, nesses encontros, planejamos
seqüências didáticas a serem desenvolvidas nas salas de aula. Para a utilização do
procedimento seqüência didática, partimos do pressuposto didático segundo o qual,
no contexto de se ensinar a escrever ou a expressar-se oralmente, é preciso criar
situações de produção precisas, efetuando atividades ou exercícios múltiplos e
variados de uma maneira sistemática em torno de um gênero textual oral ou escrito.
Autores como Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 97) esclarecem que a finalidade
de uma seqüência didática é “[...] de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de
texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa
dada situação de comunicação” Esses mesmos autores salientam ainda que as
seqüências didáticas “[...] servem [...] para dar acesso aos alunos a práticas de
linguagem novas ou dificilmente domináveis”. No artigo Seqüência didática para o
105
oral e a escrita: apresentação de um procedimento, Dolz, Noverraz e Schneuwly
(2004) propuseram o seguinte esquema para estruturar uma seqüência didática.
Inicialmente, os alunos são colocados ou participam da construção de uma situação
de comunicação. Nesta etapa, têm uma apresentação clara e precisa para identificar
o destinatário do texto, o objetivo, a função comunicativa. Ou seja, sabem, de modo
objetivo, o que vão dizer, a quem se dirigir, bem como sobre o porquê se expressar.
Essa fase inicial de criação dá aos alunos suportes para que, em seguida,
organizem a primeira versão de um texto. A partir da conclusão da produção textual
primeira, o educador pode identificar e avaliar, de modo geral, as possibilidades e
limitações dos alunos em frente ao texto produzido. Também é muito útil para os
próprios alunos descobrirem o que já sabem e até o que ainda precisam avançar.
Assim, diante da avaliação feita, o educador planeja um conjunto de atividades que
ajudarão os alunos a construírem ferramentas conceituais e práticas para superar
problemas lingüístico-discursivos encontrados na produção inicial. Essas atividades
seqüenciais respondem às necessidades e dificuldades dos alunos e é constatada
como a terceira etapa em que são trabalhados, de maneira aprofundada e
sistemática, diferentes aspectos da linguagem assim como os aspectos semânticos
das informações ou conceitos que poderão ser colocados em cena nos textos
produzidos inicialmente.
Posteriormente à realização dessas atividades, os alunos são orientados a revisar o
texto produzido na primeira etapa, corrigindo-o para, em seguida, organizarem uma
versão final. A produção final é, então, o momento de atualizar as aprendizagens
ESQUEMA DA SEQÜÊNCIA DIDÁTICA
Apresentação da situação Produção inicial Etapas de realização Produção Final
106
efetuadas, fornecendo alguns parâmetros para que os professores e alunos avaliem
os conhecimentos apropriados pelos alunos assim como os progressos realizados.
Tanto na formação dos educadores da educação infantil quanto no processo ensino-
aprendizagem propriamente dito, foi sempre considerado o princípio segundo o qual
as práticas de linguagem (oral ou escrita) são uma ponte de ligação entre os alunos
(com estatuto de enunciadores) e outros humanos, materializam em gêneros
textuais que são formas relativamente estáveis e subordinadas às situações
comunicativas. Em Mugrabi (2005), encontramos aportes teóricos que fundamentam
uma organização tipológica dos gêneros textuais, considerando diferentes esferas
de comunicação, nas quais os aprendizes transitam e/ou tomam parte. Levando em
conta que os saberes escolares, nas escolas indígenas, são organizados em
problemática e referendando-nos Mugrabi (2005), foram eleitas as tipologias
textuais: narrar, relatar, transmitir conhecimentos, regular comportamentos e
argumentar, as quais organizamos no Quadro 1 que segue:
Tipologiatextual
NARRAR
RELATAR
TRANSMITIR
CONHECIMENTOS
REGULAR
COMPORTAMENTOS
ARGUMENTAR
Gêneros Textuais relativamente estáveis
-Conto -Lenda -Fábula -Relato de aventura -Mitos
-História de vida Testemunho Reportagem -Relato histórico -Biografia -Diário
-Relatório de pesquisa -Entrevista -Apresentação de um brinquedo e seu funcionamento -Conferência ou exposição oral
-Descrição de um itinerário -Receitas de cozinha -Regras de jogo -Modo de montagem/ construção
-Texto de opinião -Cartas de resposta -Debate -Solicitação
Quadro 4: Esferas sociais de Comunicação
Na dinâmica do programa de formação continuada, propusemos aos educadores
indígenas a realização de duas seqüências didáticas (Apêndice A e Apêndice B). A
elaboração e o desenvolvimento das seqüências didáticas visavam a concentrar
atenções em atividades em que as crianças produzissem textos orais e fizessem
dessa produção um objeto de atenção particular.
107
A primeira seqüência didática (Apêndice A) planejada tinha por objetivo realizar
quatro oficinas de aprendizagem para se refletir sobre o modo de montagem de
objetos e tinha como produção final a apresentação dos alunos para uma outra
classe. Na realização da seqüência, a problemática estudada era “A interação do
povo Tupinikim e Guarani com o meio ambiente”. Em virtude da problemática, a
tipologia textual selecionada foi instruir e o gênero textual o modo de montagem. Na
primeira oficina de aprendizagem, com os alunos organizados em uma “roda de
conversa”, a educadora expôs detalhadamente às crianças que lhes ensinaria a
fazer um brinquedo. Explicou-lhes ainda que, em seguida, deveriam formar grupos
para pensar em um brinquedo ou brincadeira que pudessem ensinar a uma outra
turma de alunos. Essa etapa da seqüência foi marcada por encadeamentos diversos
de palavras e também por silêncios, entonações, gestos, mímicas, demonstrando,
assim, estar constituída de diferentes sistemas semióticos que promovem a riqueza
da interação. A dinâmica discursiva foi desencadeada pela educadora que informou
aos alunos o que fariam. As crianças demonstraram certa curiosidade em saber que
brinquedo seria esse. Foram desenvolvidas algumas brincadeiras. Com os alunos
dispostos na roda, a educadora apresentou-lhes as brincadeiras que seriam
realizadas. Em toda a sua exposição, frisava os passos que as crianças deveriam
seguir ao ensinar algo a alguém. A atitude da educadora demonstrava a todo tempo
sua preocupação em orientar as crianças para que, de certa forma, elas fossem se
organizando e refletindo sobre as possibilidades do instante de interagirem com os
demais colegas, considerando, pois, o horizonte social que teriam ao apresentar.
Na segunda oficina de aprendizagem da primeira seqüência didática os alunos
estavam divididos em pequenos grupos e assim dispostos, deveriam confeccionar
um brinquedo ou pensar numa brincadeira que poderia ser ensinada a uma outra
turma de alunos. Na seqüência, a educadora instaura uma dinâmica favorável à
aprendizagem, a todo instante instigando os alunos, posicionando-se como uma
parceira mais experiente. Ao longo dessa conversa inicial, a alternância dos turnos
apresenta-se de modo equilibrado.
Na oficina de número três, a educadora apresenta aos alunos um texto que ensina a
fazer uma receita de bolo. Faz a receita com a participação das crianças e, em
seguida, discute na roda de conversa as ações realizadas apresentando os
108
ingredientes aos alunos e ressaltando os materiais e os modos de fazer. Relembra
às crianças que, quando fossem ensinar aos colegas da outra classe, deveriam
também atentar para que seu discurso ficasse claro a quem lhes estivesse ouvindo.
Na oficina de número quatro, os alunos foram convidados a avaliar suas próprias
produções e a dos colegas para refletirem sobre os elementos e particularidades do
gênero receita e assim, se apropriarem com melhor discernimento de características
referentes ao gênero estudado Nestes instantes, uma atenção maior deveria
também ser dada à tomada de consciência acerca dos interlocutores dos textos
produzidos.
A etapa final dessa seqüência foi marcada, pela realização de uma roda de conversa
em que alunos e educadora relembram os ingredientes utilizados e os passos
seguidos na confecção do bolo de chocolate e de outras atividades, como a
montagem de algum brinquedo: bilboquê, vai-e-vem, binóculo e telefone sem fio. Em
seguida, combinam apresentar para a turma de uma outra professora o modo de
montagem de um brinquedo. Organizam-se a apresentação de forma que cada
pessoa do grupo, ao apresentar, tivesse uma função definida permitindo que o modo
de montagem ficasse compreensível a todos os espectadores.
Num encontro de formação posterior ao desenvolvimento desta primeira seqüência
didática, fizemos com os educadores a avaliação do desenvolvimento das
atividades. Abordamos, então, os tópicos que se referiam às questões relacionadas
com as dificuldades vivenciadas pelos professores e pelos alunos durante a
realização da seqüência. Os educadores pontuaram que as maiores dificuldades dos
alunos foram na organização do que iriam falar; eles sentiam vergonha de falar, e
alguns não sabiam estruturar o que queriam dizer. Quanto às suas próprias
dificuldades, os educadores fizeram referência ao fato de que duvidavam que os
alunos pudessem realizar o que havia sido proposto na atividade, demonstrando que
se surpreenderam com o potencial das crianças. No comentário de um educador
temos;
[...] os meus alunos são crianças de três anos. Eu achava que eles não iam conseguir fazer. Na atividade eles deveriam trocar, dividir os materiais... Aí que achei que não ia dar certo porque criança de três anos quer tudo para ela ‘é meu, tudo é meu’. Mas não foi assim. E eu fiquei
109
surpresa com eles (EDUCADORA DE CAIEIRAS VELHAS, alunos de três e quatro anos).
Alguns educadores citaram ainda a dificuldade de registrar o que os alunos falavam.
Outros pontuaram a questão referente ao fato de se providenciar os materiais, pois,
uma vez que a seqüência propunha a realização de brinquedos, precisava-se de
sucata e, em alguns momentos, isso foi um problema, porque algumas crianças se
esqueciam de levar para a sala de aula o material necessário.
A segunda seqüência didática (Apêndice B) foi norteada pela problemática “A
organização histórica social e política no contexto local, regional, nacional e
mundial”. Por isso, em relação a tipologia do relatar, os educadores optaram pelo
estudo do gênero “história de vida”. Nessa seqüência didática foram desenvolvidas
uma etapa de apresentação, seis oficinas de aprendizagem e a produção final.
Na etapa inicial, a educadora, conversou com as crianças, apresentando-lhes a
proposta de se fazer a montagem de um documentário/arquivo. O arquivo seria
composto de depoimentos das crianças relatando fatos importantes ocorridos em
sua vida. O acervo teria por objetivo, servir como material pedagógico para a escola.
Por meio dele, a escola teria acesso a relatos de caráter histórico que dariam pistas
sobre a reorganização da aldeia.
Na primeira oficina de aprendizagem dessa segunda seqüência, os alunos foram
convidados a organizar um texto oral partindo da seguinte proposição: “Vamos falar
sobre alguns fatos ocorridos em sua história de vida”. As crianças estavam dispostas
em roda e a educadora leu um texto que apresentava a história de vida de um ex-
cacique da aldeia de Caieiras Velhas.49 As crianças ouviram a história em silêncio e
com interesse. Após a leitura, a professora fez várias perguntas a título de retomar
os fatos mais importantes relacionados com a história lida. Em seguida, cantaram
algumas músicas típicas das festas indígenas. Na continuidade conversaram e
decidiram convidar e entrevistar na sala de aula, uma pessoa de destaque da aldeia.
49 Caieiras Velhas é também uma das aldeias de etnia Tupinikim.
110
Na segunda oficina de aprendizagem discutiram e definiram as perguntas a serem
feitas ao entrevistado. Na terceira, foi realizada a entrevista.
Na quarta oficina, assistiram à gravação realizada com os primeiros relatos e
realizaram uma reflexão de modo perceber que outras possibilidades de dizer
poderiam ser retomadas a fim de promover algumas melhoras no texto já gravado.
Assim as crianças conversaram sobre questões tais: a) se o enunciado estava claro
ou não, audível ou não; b) se foram faladas palavras sem muita ligação que
poderiam comprometer o entendimento do interlocutor; c) se os eventos e ações
anunciadas seguiram uma ordem de hierarquia do acontecimento.
A quinta oficina de aprendizagem foi dedicada à gravação de outros depoimentos. À
medida que avançávamos nas gravações, apresentávamos às crianças o resultado
das gravações. Em roda de conversa todos os envolvidos observavam se, de fato, o
texto gravado atendia ou não ao propósito da atividade apresentado no início.
Na sexta oficina, realizamos com as crianças um exercício de análise e reflexão em
um texto já produzido em duas outras versões. Partindo dessa discussão, a criança
produtora do texto analisado, elaborou uma a terceira versão. E no capítulo que
segue estaremos apresentando os resultados que pudemos constatar a partir da
utilização da atividade interativa.
111
4 - ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS: ALGUNS IMPACTOS NA PRODUÇÃO
TEXTUAL ORAL DE CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Neste capítulo, faremos a descrição e análise dos dados que obtivemos, tomando
em conta nossas questões de investigação e o referencial teórico já explicitado. Para
tanto, o capítulo dividir-se-á em três seções que serão norteados pela busca de
respostas às questões inicialmente formuladas. Ao desenvolver a pesquisa
participante de caráter etnográfico e planejar com os educadores duas seqüências
didáticas privilegiamos a roda de conversa como principal lugar de observação das
interações da educadora com as crianças e destas com os seus pares. Porém não
nos privamos de apresentar outras situações em que a linguagem oral se fez
presente e nos apresentou elementos instigadores de análise nos momentos das
interações. Algumas dessas interações serão aqui contextualizadas para logo após
apresentarmos o desenrolar das atividades de produção textual oral das crianças,
ressaltando o desenvolvimento de capacidade de linguagem (ação, discursiva e
lingüístico-discursiva). Quanto à privacidade dos sujeitos pesquisados, cabe ainda
salientar que utilizamos, para nomeá-los, letras iniciais fictícias.
No que se refere à significação de um episódio, estamos tomando como uma fração
recortada dentro de uma corrente de comunicação verbal ininterrupta, ou seja, assim
como apontou Bakhtin (2004, p. 123) “[...] apenas um momento na evolução
contínua, em todas as direções, de um grupo social determinado”. Cada episódio
selecionado será considerado um enunciado concreto. Desse modo, mais uma vez
compartilhando dos pressupostos bakhtinianos (2004), queremos ratificar que
também para nós a verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno
social da interação verbal que se realiza nas interações, sem nos esquecer de que,
na realização de enunciados concretos, o contexto extraverbal tem particular
relevância. Sendo assim, quando analisamos os episódios, corpus de nossas
análises, estivemos sempre atentas ao contexto extraverbal, haja vista o fato de este
abranger três fatores: o horizonte espacial dos interlocutores, que aqui em nosso
trabalho se constituiu principalmente pela sala de aula, o instante espacial histórico
das enunciações; o conhecimento e a compreensão comum aos interlocutores, ou
seja, como a educadora e os alunos e estes com seus pares compartilham os papéis
112
por eles assumidos em determinadas interações; a avaliação comum que orienta o
discurso dos interlocutores, ou seja, como estes apresentaram uma expressão
volitiva diante as interações realizadas.
Para selecionar os episódios, considerando em todo instante a comunicação verbal
concreta, nosso olhar considerou o que Bakhtin (2004, p. 124) apontou sobre como
deveria ser o estudo da língua:
1. As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realiza. 2. As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação estrita com a interação de que constituem os elementos, Isto é as categorias de atos de fala da vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal. 3. A partir daí, exame das formas na sua interpretação lingüística habitual.
Assim, no discorrer desta análise de dados, reportamo-nos constantemente às
bases enunciativo-discursiva e sócio-histórico-cultural, respectivamente, por
entendermos a apropriação da linguagem (seja oral, seja escrita) como um elemento
essencial na constituição dos sujeitos e na compreensão do mundo. Dessa forma,
reafirmamos nosso reconhecimento de que o processo de ensino-aprendizagem é
um processo de natureza social.
4.1 - ATIVIDADES DE LINGUAGEM ORAL FREQÜENTEMENTE REALIZADAS
NAS SALAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL INDÍGENA TUPINIKIM
Realizamos o estudo exploratório com o propósito de encontrar elementos de
resposta à questão: “Que atividades de linguagem oral são freqüentemente
realizadas nas salas de aula da educação infantil indígena?”. A análise das
filmagens realizadas permitiu-nos constatar que as principais atividades de
linguagem oral constituíam-se em: identificação do dia da semana, mês, ano e
situação do clima a partir da exploração de um calendário; contagem dos alunos
presentes; roda de conversa, que sempre se iniciava com a chamada “hora da
novidade”; apresentação de cartazes (seminários); leitura de história; passagem de
instruções. Nessas atividades, o ensino da linguagem oral assumia um status
113
relativamente secundário. Sua presença dava-se muito mais como um veículo
gerenciador das atividades propostas pela educadora. Obtivemos exemplos da
hipótese que inferíamos nas situações que foram transcritas a partir das gravações
em vídeo realizadas durante o estudo exploratório.50 Na sala observada (Foto 8), a
organização física permitia que os alunos estivessem diariamente reunidos em
pequenos grupos de três a quatro crianças.
Foto 8 – Alunos dispostos em pequenos grupos na sala de aula
Com as crianças assim dispostas nos grupos, a educadora encontrava-se em frente
ao quadro-de-giz. As tarefas propostas para o dia constituíam-se de cinco
atividades: a organização do calendário; cantar música; roda de conversa; escrita de
palavras e confecção de brinquedo com sucata. Temos abaixo alguns extratos da
conversa que permearam as interações verbais, no instante de duas diferentes
atividades em que a linguagem oral se fez presente: organização do calendário e
roda de conversa:
50 Optamos por fazer uso do episódio ocorrido na aula do dia 4-10-05 por dois motivos: primeiro porque a realização dessa atividade demonstrou-nos ser muito semelhante às demais dos outros dias letivos subseqüentes (o que pudemos também comprovar na coleta de dados realizada no ano de 2006); segundo, pelo fato da aula do primeiro dia do estudo exploratório não ter sido filmada. Dessa guardamos apenas alguns registros escritos e outros fotográficos. Sendo assim, pensamos que a transcrição do extrato de uma aula filmada poderia melhor explicitar as características referentes à atividade de apresentação de calendário, uma atividade realizada no início de todas as aulas.
114
4.1.1 - Organização do calendário
Com a atividade de organizar o calendário, a educadora propunha diariamente que
as crianças identificassem as informações que lhes permitissem situar em relação ao
dia da semana, o mês, o ano e algum aspecto climático (se o dia estava frio,
nublado, chuvoso, ensolarado etc.).
Episódio 1 1 - K: _ que dia é hoje? 2 - A: _ quinta. 3 - K: _ hoje é quinta? Ontem foi aula de quem, ontem?? 4 - A: _ Ma l!!! [falam todos] 5 - K: _ que dia que é aula de Ma? 6 - A1: _ quarta! 7 - A2: _ quinta! 8 - A3: _ sexta, sábado, domingo! 9 - K: _ olha, presta atenção, que dia da semana Ma dá aula? 10 - A1: _ quarta. 11 - A2: _ quinta. 12 - A3: _ terça. 13 - K: _ muito bem, An, terça-feira. Ta bom, ontem foi terça-feira. Depois de terça vem... 14 - A: _ quarta. [respondem todos]
O pequeno recorte acima mostra uma interação entre a educadora e os alunos sob o
formato de “questionário”. Ou seja, a educadora lança uma pergunta e os alunos
respondem. No entanto os enunciados desses últimos não aparecem como
construções autônomas, pois as crianças organizam suas respostas utilizando
apenas uma única palavra que é proferida em cadência rítmica (a exemplo temos
“quinta”//turno 2; “quarta”//turno 4). Quando respondem, parecem não demonstrar
uma apropriação segura acerca do dado solicitado. Elas repetem os nomes dos dias
da semana como algo facilmente recuperável pela memória (turnos 6, 7, 8 ou 10; 11
e 12). A educadora oferece alguns recursos mnemônicos para facilitar a resposta a
ser dada, tais como: advérbios temporais associados a outras informações do
contexto escolar (“hoje é quinta? Ontem foi aula de quem, ontem?”//turno 3; ou
conjunções “depois de terça vem...”). Os alunos vão orientando suas respostas
também a partir da entonação que a professora dá (“hoje é quinta?”//turno 3; “olha,
presta atenção, que dia da semana Manoel dá aula?”//turno 9). Ela constrói esse
vínculo mnemotécnico desde o início de sua conversa com as crianças.
115
Episódio 2 15 - K: _ então, hoje é quarta-feira, 05 de... que mês nós estamos? 16 - A: _ setembro! 17 - K: _ setembro? Já trocamos de mês? 18 - A: _ outubro! 19 - K: _ isso! 5 de outubro. Hoje é quarta-feira, 5 de outubro. Muito bem!! _ Ga, que ano nós estamos? 20 - A: _ 2005. 21 - K: _ 2005. Muito bem!! Am., o tempo hoje está como? 22 - A: _ nublado. 23 - K: _ nublado?? 24 - A: _ sol. 25 - K: _ hoje o sol esta lindo. Está brilhando para todos. 26 - A: _ K., aquele cachorro que tava querendo morder a gente lá em cima? Então, ta lá em casa. 27 - K: _ e você tá com ele?? 28 - A: _ não, ele foi lá. Foi ele sozinho e ficou lá em casa. Ah, quando eu vim pra escola eu vi ele. 29 - K: _ ta, qual o nome da estação que nós estamos?
Outro aspecto interessante a observar na interação da professora com os alunos é
sua necessidade de integrar os alunos na “conversa”, utilizando, para tanto,
marcadores de pessoa (nós = você + eu) e flexões verbais na primeira pessoa plural
(estamos, trocamos). Na seqüência do episódio 2, é possível observar que uma
criança introduz outra unidade temática (“K., aquele cachorro que tava querendo
morder a gente lá em cima? Então, ta lá em casa” // turno 26). A educadora não
ignora, considera o enunciado do aluno, entra momentaneamente no seu jogo
discursivo (turno 27), encerrando-o com um elemento coesivo (“então, tá” // turnos
15 e 29) quando se dá conta que isso pode desviar a atenção dos demais alunos.
Para marcar seu retorno à interação com o conjunto da classe, ela utiliza “tá”, como
recuperador do assunto a priori apresentado por ela (turno 29), ou seja, a
identificação de informações acerca do calendário. Nota-se também a utilização pela
educadora de unidades lingüísticas com conotação avaliativas (isso, muito bem //
turnos 18 e 21), e outras com características conclusivas (já // turno 17) que
orientam os turnos seguintes dos alunos. Na utilização de perguntas com uma
entonação incisiva (“já trocamos de mês? // turno 17 ou “nublado?” // turno 23), a
professora alerta a atenção da criança, direcionando-a à correção de suas respostas
(“outubro” // turno 18 ou “sol” // turno 24). A entonação da professora serve para
validar ou colocar em dúvida uma resposta dada pelo aluno.
116
Episódio 3 30 - A: _ ... [silêncio] 31 - K: _ nós estamos no inverno ainda? 32 - A: _ não!! [todos] 33 - K: _ não, agora nós estamos na prima... 34 - A1: _ vera. [todos] 35 - A2: _ K., K., agora eu vou fazer assim ó. [mostra os cinco dedos da mãozinha aberta] 36 - K: _ vai fazer cinco anos? Que dia você faz cinco anos? 37 - A: _ é daqui a pouquinho. 38 - K: _ ah!! É daqui a pouquinho? Tá... [pausa de dois segundos]. Então vamos lá, neste calendário aqui. Vou pedir para trocar para mim. Lu que esta fazendo gracinha.
No episódio 3, nota-se a utilização de termos dubidativos (“nós estamos no inverno
ainda” // turno 31). Nota-se também que, pelo receio do erro, ou a criança se omite
([silêncio] // turno 30) ou faz ecoar sua voz na voz da professora (“vera” // turno 34)
ou ainda responde em coro (turno 32 e 34). Também nesse recorte é possível
vislumbrar um tom parcialmente coercitivo ou punitivo que a palavra da educadora
pode adquirir (turno 38).
Episódio 4 39 - K:_ vai lá Lu. [a criança vai] troca o calendário na data certa ai hein!! 40 - Lu: _ qual é? 41 - K: _ não sei. Quem prestou atenção sabe, né? Qual o dia? Que dia nós estamos? [A criança faz as tentativas de colocar o marcador no dia certo. Põe no 3. Põe no 4. Então a professora direciona pergunta à classe] 42 - K: _ hoje é 4 gente? 43 - A: _ não!!! [todos] [Lu faz outras tentativas enquanto os colegas murmuram] 44 - A1: _ não é esse não! 45 - A2: _ eu tô vendo o 5 daqui! 46 - A3: _ daqui eu tô vendo o 5! 47 - A4: _ ih, daqui eu tô vendo o 5. È, daqui eu tô vendo o 5! [Lu põe o marcador no 5] 48 - K: _ hoje então é que dia mesmo gente? Vamos ajudar ele. Hoje é dia 5 de outubro, quarta-feira. Estamos no mês de outubro.
No episódio 4, o enunciado 41 da educadora adquire um tom claramente punitivo
(“não sei. Quem prestou atenção sabe, né?” // turno 41), ao chamar a atenção do
aluno que estava fazendo “gracinha” (turno 38) e também ao sonegar-lhe uma
informação pedida. A falta cometida pelo aluno não é problematizada pela
educadora. Os colegas lhe vêm em apoio (turnos 44, 45, 46, 47), demonstrando
muita cumplicidade entre si.
117
4.1.2 - Roda de conversa
Na realização da roda de conversa, as crianças tinham a oportunidade de “contar” o
que quisessem como um sonho, um passeio ou alguma atividade realizada em casa.
Entretanto, nem sempre assim acontecia. Essas rodas de conversa realizavam-se
diariamente no início das atividades escolares e após a organização do calendário.
Apresentavam-se organizadas em um mesmo formato: a) a educadora solicitava aos
alunos que organizassem uma rodinha, pedindo que todos se sentassem ao chão; b)
dizia aos alunos ser aquele o instante propício para contarem quaisquer novidades
que tivessem; c) a educadora dirigia a todos a interlocução: “Vamos lá! Alguém tem
alguma coisa para falar pra gente? Alguma novidade?”; d) seguindo a disposição
dos alunos na roda, a educadora citava o nome da criança e dirigia-lhe o
questionamento: ”P, você tem novidade?” Na realização da atividade, observamos
que as repostas da maioria das crianças eram sempre muito parecidas. Em certas
ocasiões eram respostas até evasivas, de modo que a participação dos envolvidos
parecia não se materializar como uma atitude dialógica (Bakhtin, 2004).
No episódio, transcrito a seguir, desde o início das atividades, o aluno El era a
criança que mais se evidenciava, demonstrando-se inquieto, agitado, mas, ao
mesmo tempo, brincalhão. A todo o instante, procurava desviar a atenção dos
demais colegas, mexendo com um ou com outro, como poderá ser observado nos
episódios selecionados.
Episódio 1 49 - K: _ Vamos lá! Alguém tem alguma coisa para falar pra gente? 50 - A: _ Não! 51 - El.: _ Eu tenho. Eu fui na casa de Gr. 52 - P: _ Você tem? [professora pergunta a outra criança] 53 - A: _ [criança não responde] 54 - P: _ vamos lá!! Ninguém tem uma novidade? 55 - El.: _ eu tenho. 56 - A1: _ você tem El? [e sorri] 57 - P: _ fala, Le. sua novidade.
118
Sentados ao chão, a educadora convida os alunos a se pronunciarem (vamos lá //
turno 49). Apesar de El dizer que tem o que falar (turno 51, 55), a educadora não o
considera, parecendo atribuir a essa criança o papel de simples espectador, de
testemunha da interação (Kerbrat-Orecchioni, 2006, p. 28). Ou seja, parecia que El
constituía uma “ameaça” à expectativa da educadora em desenvolver
harmoniosamente um momento de conversa com as crianças da sala de modo que
cada uma pudesse contar sua novidade. Entretanto por seus marcadores 51
paraverbais (intensidade articulatória no turno 55) ou não-verbais (na formação da
roda não permanece sentado como os demais colegas, levanta a perna, braço), El
se torna a “novidade”, mas a educadora reluta em admitir, privando-o do direito à
palavra e lançando-a aos demais membros do grupo (turnos 52, 54 e 57).
Episódio 2 [El continua a insistir] 58 - El: _ fui na casa de Gr.... fui na casa de Gr com meu irmão... fui na casa de Gr., liguei o computador. 59 - P: _ Le., você tem novidade? 60 - Le.: _ eu não tenho novidade não. 61 - P: _ tem não? Ninguém tem uma... 62 - El: _ não, eu derrubei o computador. 63 - A: _ [risos] 64 - P: _ El tem uma novidade pra contar pra nós né? Tem El?
No episódio 2, notamos que o aluno continua a insistir, desejoso de obter
autorização para falar. Como não a obtém, intervém (turnos 58 e 62) narrando um
fato ocorrido. Mesmo que a princípio a educadora não lhe conceda a palavra, a
insistência da criança se justifica, uma vez que os demais colegas demonstram
interesse no que ele tem a dizer (turno 63). Kerbrat-Orecchioni (2006) pontua que há
fatores implicadores do nível relacional apresentando que, numa troca particular,
depende ao mesmo tempo de características externas e internas.
Toda interação se desenrola num certo quadro e põe em presença determinadas pessoas, que possuem algumas características particulares e que entretêm um certo laço socioafetivo: são os dados externos [...] ocorrerá um certo número de eventos e será trocado um certo número de signos [...] ou seja, a relação é geralmente negociável [...] (Kerbrat-OrecchionI, 2006, p. 63-64).
51 Segundo Kerbrat-Orecchioni (1996), os marcadores são unidades pertinentes à conversação que delimitam a relação de lugares.
119
Isso confirma o que Bakhtin (2004, p. 113) diz a respeito da enunciação, uma vez
que é certo que ela, na sua totalidade, é socialmente dirigida. A insistência da
criança resulta positivamente de modo que assim a educadora admite que ele
assuma o papel de falante (turno 64).
Episódio 3 80 - El: Dorme neném que a cuca vai pegar. 81 - K: _ veja só... 82 - El: _ dorme neném que a cuca vai pegar... dorme neném... 83 - K: _ El, eu quero falar! 84 - El: _ dorme neném, papai foi trabalhar. 85 - K: _ [silêncio de três segundos] 86 - El: _ papai foi na festa... 87 - K: _ posso falar El? 88 - El: _ perdeu a cueca. 89 - K: _ posso falar? 90 - El: _ pode, fala aí!! 91 - K: _ vamos lá! Vamos dar continuidade da aula de ontem.
No episódio 3, é visivelmente marcante a luta que se forma entre El e a educadora.
O primeiro como não consegue obter a atenção com a utilização da fala, apela para
a música (turno 80, 82, 84, 86 e 88). Na realização desses turnos, a criança fala de
forma muito rápida. Instaura-se na conversa um certo desconforto. O episódios 4, a
seguir, ilustra como a educadora utiliza o espaço da roda para desenvolver e
explorar um conteúdo entre os alunos.
Episódio 4 92 - A: [vários alunos falam ao mesmo tempo] 93 - P: _ o que ontem nós trabalhamos? Nós trabalhamos em relação ao lixo, né? Né isso que nós estamos trabalhando? 94 - A: _ éééé! 95 - P: _ ainda quando eu tava vindo o Ga falou assim “nossa, K. quanto lixo ali né?”, porque o rapaz do ônibus varreu o ônibus e jogou o lixo todo ali na rua, né? Então ele poderia ter feito o que quando ele varreu lá? 96 - A: _ [silêncio de três segundos] 97 - P: _ ele poderia ter feito o quê? [silêncio de dois segundos] 98 – Mi: era pra pegar o lixo e jogar dentro do carro do lixo para o carro levar. 99 - P: _ mas antes de botar no caminhão do lixo? Ele tinha que fazer o quê? 100 – Mi: _ botar dentro da lata pro cachorro não pegar. 101 - P: _ Mi, ele teria que colocar dentro de quê? 102 - A: _ do latão. 103 - P: _ de uma sa – co – la.
120
104 - A: _ la. 105 - P: _ ou dentro de um... 106 - A1: _ balde. 107 - A2: _ latão. 108- P: _latão de lixo. Mesmo que a gente coloque dentro de um latão de lixo nós temos que ter uma sa cola. 109 - A: _ cola. 110 - P: _não é assim? Né? Então é... na rua, no quintal que nós já vimos e o lixo é... prejudica ao meio ambi ente. 111 - A: _ ente. 112 - P: _ não é? Nós vimos. Prejudica o meio ambiente... o que que ele faz ao meio ambiente? 113 - A: _ [nenhuma criança responde]
No episódio 4, é possível observar uma extensa exposição da educadora, cabendo
aos demais interlocutores uma participação marcada por certa limitação em repetir
as sílabas finais de cada turno realizado pela educadora (turnos 104, 109, 111).
Episódio 5 147-K: _então agora eu vou ler um texto que fala sobre a “Turma da faxina” ... vão... Mi. guarda esse caderno. Negócio de Mi. é escrever... então vamos lá...
Apesar de ser um recorte relativamente curto, o episódio 5 é revelador de como
algumas crianças reagem em frente ao desenvolvimento da roda de conversa. Os
alunos estão sentados em roda. Nesse espaço, a educadora expõe acerca de
diversos assuntos: a coleta seletiva do lixo, o caminhão que passa na aldeia e que
compra latinhas, o papel que pode ser reciclado, a garrafa descartável que pode ser
reaproveitada, reutilizada e servir de vasilhame para conservação de mantimentos
ou, então, ser reciclada para a produção de vassouras.
121
Foto 9 - Leitura de texto na roda de conversa
Em seguida, comunica-lhes que irá ler (Foto 9) um texto. As crianças, já sentadas
em uma mesma posição em um tempo de permanência que se aproximava de 40
minutos, começam a demonstrar cansaço. Parecem não desejar estar mais naquela
posição, demonstrando o entendimento de que, para elas, estudar vai além da
atividade de apenas ouvir ou de falar. Estudar seria, assim, o sinônimo de
“escrever”, “utilizar o caderno”. Na seqüência, enquanto a professora esta falando,
Mi levanta-se pega seu caderno e logo, em seguida, é chamada pela educadora.
Fica, então, mais evidente constatar esse entendimento pela criança. É possível
verificar que, ao ser chamada pela educadora, a criança volta e senta-se ao chão,
na formação da roda, mas não guarda o caderno. Fica com ele em suas mãos,
abraçada. Nos instantes posteriores em que a roda se processa fica ainda com o
lápis, como se estivesse anotando os fatos importantes discutidos durante a roda de
conversa.
Com a observação das atividades mais freqüentemente realizadas é possível
verificar que, seja da parte do educador, ou seja, da parte da criança, a escrita
demonstra ter mais privilégio em detrimento da atividade oral. Outra questão
importantíssima a pontuar é que diante as atividades observadas, torna-se urgente
122
questionar quais os propósitos da atual educação escolar infantil realizada nas
aldeias. Pelo que foi por nós observado, o foco central de todas as atividades
priorizavam uma dinâmica em que as crianças se posicionavam efetivamente como
copiadoras. Por isso, numa postura que encare as crianças como sujeitos de direito,
produtoras de/na cultura, há que se considerar que a riqueza está na produção e
ampliação da oralidade, na produção e ampliação do vocabulário e na produção e
ampliação do raciocino lógico, pelas crianças no desenvolvimento das atividades.
Enfim, é urgente que se reveja em conjunto com os educadores, comunidade e a
Secretaria Municipal de Educação de Aracruz/ES, este ensino, de modo a tratar a
educação infantil como o lugar do brincar, o lugar do reconhecimento de identidades,
o lugar do reconhecimento da cultura. Ou seja, rever que educação infantil está se
oferecendo as crianças da aldeia. A etapa da educação infantil deve ter por
excelência a finalidade de promover o desenvolvimento e a capacidade das crianças
se expressarem por meio de diferentes linguagens. E a linguagem oral é uma delas.
Neste trabalho apresentaremos uma possibilidade de trabalho com os gêneros orais
que visou o ensino de determinados gêneros que são utilizados em espaços
públicos formais, mas que não se aprende no cotidiano.
4.2 - É POSSÍVEL ABORDAR O ORAL COMO OBJETO DE ENSINO EM CLASSES
DE EDUCAÇÃO INFANTIL?
Na tentativa de responder a essa questão, exploramos as “seqüências didáticas”
como um procedimento importante nos encontros de formação continuada dos
educadores indígenas da educação infantil. Desde 1994, com o início da demanda
das comunidades indígenas por uma educação escolar diferenciada que
reconhecesse as especificidades da cultura, todas as iniciativas para a formação dos
educadores fizeram-se por meio de parcerias com a Secretaria Estadual de
Educação, Secretaria Municipal de Educação (SEMED) e Instituto de Pesquisas e
Educação (IPE). No ano 2006, o projeto de formação contou também com a parceria
do Ministério de Educação e Cultura (MEC). Um dos principais objetivos do
Programa de Formação Continuada do ano de 2006 visava a utilizar uma
metodologia de formação que possibilitasse discussões relacionadas com as
questões de interculturalidade e de interdisciplinaridade, buscando articular
123
discussões teóricas que priorizassem a elaboração de ferramentas pedagógicas que
melhor auxiliassem o educador indígena na realização de uma prática pedagógica
intercultural e interdisciplinar.
4.2.1 - A formação continuada e a realização de seqüências didáticas
Os encontros da formação aconteceram entre os meses de maio e setembro de
2006, totalizando cinco reuniões. Os educadores da educação infantil, já vinham
participando de outros momentos de formação continuada oferecidos pela Semed.
Entretanto, solicitavam formação mais específica em que a articulação com o
referencial teórico priorizasse a elaboração de ferramentas pedagógicas que melhor
os auxiliassem na realização de uma prática pedagógica a privilegiar a
interculturalidade e a interdisciplinaridade na educação escolar indígena. Com essa
preocupação os educadores estavam denunciando a existência de um hiato entre a
teoria e a prática.
Na primeira reunião de formação com as/os educadoras/es, realizamos uma
enquête. Eles foram convidados a expressarem suas opiniões a respeito do ensino-
aprendizagem da linguagem oral. A enquete constava do seguinte situação
hipotética:
Você é professor da educação infantil e no programa curricular indígena para o ensino e aprendizagem de línguas do ano letivo de 2006 está previsto o ensino da linguagem oral (expressão e compreensão). Levando esta premissa em consideração responda em algumas linhas como você considera que pode se realizar o ensino-aprendizagem da linguagem oral na educação infantil?
As respostas dos educadores fornecem alguns indícios de sua concepção sobre o
que vem ser linguagem oral e seu respectivo ensino-aprendizagem na educação
infantil. Eles apontam as expressões de oralidade como etapas importantes no
desenvolvimento das crianças, uma vez que, segundo eles, é por meio dela que os
pequenos expressam suas emoções, recontam histórias, contam causos.
124
No meu ponto de vista, a linguagem oral na educação infantil é de extrema importância que é através da oralidade que as crianças expressam suas emoções, recontam histórias, contam “causos”, e só através da linguagem oral, porque a criança de quatro, cinco anos geralmente ainda não sabe escrever (EDUCADORA TUPINIKIM, Aldeia de Comboios).
Na minha opinião a linguagem oral deve ser realizada de maneira lúdica, ou seja, através de brincadeiras, músicas na qual a criança pode compreender com mais facilidade (EDUCADORA TUPINIKIM, Aldeia de Caieiras Velhas).
Eu acredito que a linguagem oral na educação infantil acontece a todo momento que estamos com nossos alunos. Através da história, dos sonhos contados por eles, do falar (EDUCADORA TUPINIKIM, Aldeia de Comboios).
Sobre o ensino da linguagem oral, os educadores não destacam nenhuma
particularidade, salvo o aspecto lúdico. Isso porque eles parecem compartilhar a
idéia de que a linguagem oral, na educação infantil, está presente em todo
momento, nos sonhos contados pelas crianças, no seu falar, etc.
O ensino-aprendizagem da linguagem oral na educação infantil deve acontecer de maneira lúdica, espontânea e dirigida pelo professor em momentos da rodinha de conversa, brincadeiras, contar histórias, dar recados, do dia-dia para ser discutida e colocar pontos de vista ou regras (EDUCADORA TUPINIKIM, Caieiras Velhas).
Acredito, que para o desenvolvimento da linguagem oral, o professor deveria partir dos elementos que os alunos já tem de posse, como: contação de história; relato de uma experiência, passeio, acontecimento; descrição de um determinado elemento (objeto, animal, pessoa); emissão de opinião; descrição de um processo de montagem; dramatização de uma história, acontecimento; entrevista com os pais ou outras pessoas conhecidas da aldeia. Penso que essas atividades/ ações podem estar relacionadas diretamente a vida dos alunos e também aos conteúdos da problemática (EDUCADORA TUPINIKIM, Irajá).
Nesta etapa inicial, os educadores já manifestaram um grande interesse em discutir
novas possibilidades de se lidar com a linguagem oral na sala de aula como objeto
de ensino. Assim, diante das expectativas deles, organizamos, nos encontros da
formação continuada, algumas possibilidades de produção mais precisas. Nas
atividades planejadas, as crianças teriam oportunidade de participar de instantes em
que a reflexão sobre a linguagem oral lhes favoreceria também desenvolver
capacidades de linguagem, em situações comunicativas diversas.
125
No prosseguimento deste primeiro encontro de formação, tomamos como referência
o texto “Multiculturalismo e educação intercultural: vertentes históricas e
repercussões atuais na educação” 52 de Gilberto Ferreira Silva. O texto dá uma
definição bem clara do que seja educação intercultural, esclarecendo que, além de
expressar a coesão de um grupo social, ao proporcionar condições para o
fortalecimento da identidade cultural, estimula a aquisição do conhecimento cultural
de outros povos. Ou seja, constitui-se em um verdadeiro processo sócio-histórico e
plural, potencializador do desenvolvimento de habilidades e competências,
priorizando a diferença, a peculiaridade e a diversidade dos povos, num processo
tipicamente humano.
Discutir esse tema com as educadoras foi fundamental. A temática pareceu
responder a uma definição conceitual, que esclarece sobre como a educação
voltada a esses propósitos potencializa a convivência de diferentes culturas em um
mesmo território, dinamizando o diálogo e a comunicação entre os sujeitos,
resultando, pois, em processos formadores de identidades híbridas/mestiças. Ou
seja, a educação que abrange a interculturalidade promove um estado de trocas
dinâmicas de inter-relações num vai e vem constante de muitas e variadas
produções de conhecimentos. Assim como nos apontou Gavazzi (2001, p. 37)
pensamos que sejam as questões voltadas à educação intercultural aquela que [...]
experimenta um amplo caminho de duas vias: como águas que vão e vem pelas
duas margens do rio. Na ida passa por terras indígenas. Na volta irriga campos e
cidades”. Os encontros de formação, então, apresentaram temáticas relacionadas
com o estudo abordado acima e o planejamento do procedimento seqüência didática
que apresentamos no tópico 3.5 do capítulo 3.
4.2.2 - O desenvolvimento da segunda seqüência didática
Como dissemos no capítulo anterior, a primeira seqüência teve como objetivo
principal refletir sobre o modo de montagem de objetos e foi realizada em quatro
52 O texto selecionado faz parte do livro de FLEURI, Reinaldo (Org.). Educação intercultural: mediações necessárias. Rio Janeiro: DP&A, 2003.
126
oficinas de aprendizagem. A segunda seqüência foi para refletir acerca do relatar em
que, na organização das seis oficinas de aprendizagem, realizou-se dez rodas
(Quadro 5 ) de conversas. No seguimento do presente relatório, apresentaremos
mais detidamente, os dados referentes ao desenvolvimento dessa segunda
seqüência por dois motivos principais: a) temos mais elementos gravados em vídeo,
que nos permitiram reconstituir a riqueza das interações e do trabalho realizado em
classe; b) a segunda seqüência também apresentou elementos mais interessantes e
bem mais relacionados com o objeto de nossa investigação. Nos tópicos a seguir
mostraremos os resultados observados na seqüência citada.
4.2.2.1 - As rodas de conversa e suas caracterizações
A primeira roda foi organizada para apresentar e discutir com as crianças a proposta
de se fazer a montagem de um documentário/arquivo de relatos de histórias de vida.
A educadora leu um texto 53 que apresentava a história de vida de um ex-cacique da
aldeia vizinha. Ainda nesta primeira roda de conversa, as crianças escolheram a
pessoa que seria entrevistada por elas. O propósito dessa entrevista seria trazer ao
grupo elementos que pudessem contribuir para o enriquecimento de informações
acerca dos procedimentos a seguir quando na elaboração do documentário.
A realização da segunda roda de conversa foi destinada a definir com as crianças as
perguntas que seriam feitas ao entrevistado e quem iriam fazê-las. Na terceira, foi
planejada a realização de um ensaio dos procedimentos a serem seguidos no
momento da entrevista (a ordem de apresentação das perguntas; o tom de voz a
utilizar; o respeito dos demais no momento em que a entrevista estivesse em
andamento). Na quarta roda de conversa foi realizada a entrevista com os caciques
(o ex-cacique e o atual). A quinta roda foi destinada à escuta de alguns depoimentos
de algumas crianças, recolhidos em gravador de voz. Concomitantemente ao
instante de escuta, foi realizada a reflexão para avaliar com as crianças os textos
orais apresentados. Com esta reflexão as crianças puderam discutir sobre algumas
53 O texto lido pela educadora era referente à vida de Alexandre Cizenando, um ex-cacique da aldeia de Caieiras Velha. O trecho em questão foi retirado do livro CRUZ, Maurilen de Paulo. Faça-se Aracruz. Serra, ES: Edições Tempo Novo, 1997. p. 243-244.
127
possibilidades de se chegar a uma melhor qualidade do material produzido. A partir
do que havia sido discutido foi realizada a gravação da primeira versão dos
depoimentos em vídeo. Na sexta rodinha de conversa deu-se continuação às
gravações em vídeo com depoimentos de outras crianças. A sétima roda realizou-se
com a exibição do vídeo apresentando às crianças as produções orais já gravadas.
Nos instantes de exibição as crianças opinavam sobre o material gravado. Na oitava
roda o assunto que norteou a conversa foram os assuntos/temas que pudessem
contribuir para a lembrança das crianças de algum relato que viessem a favorecer a
ampliação dos depoimentos já gravados. Em seguida, realizou-se a gravação em
vídeo da segunda versão. A nona roda destinou-se à realização de uma conversa
em que os alunos puderam comentar sua participação no evento promovido pela
Secretaria Municipal de Saúde no dia anterior e a gravação de outros depoimentos.
A décima foi organizada para se fazer a exibição e comentários acerca da gravação
da segunda versão dos depoimentos. Em seguida foi possível analisar com as
crianças um dos textos gravados fazendo um exercício54 mais reflexivo sobre o texto
produzido. Logo após essa atividade, foi realizada a gravação de uma terceira
versão para o texto analisado. O texto em questão foi o texto de Le. A seguir temos
um quadro que apresenta a planificação das atividades desenvolvidas nas dez rodas
realizadas durante a segunda seqüência didática.
RODA EVENTO 1ª roda – 23-11-2006 Apresentação e discussão com as crianças da proposta
de trabalho 2ª roda – 27-11-2006 Definição das perguntas a serem feitas ao entrevistado e
quem iriam fazê-las 3ª roda - 28-11-2006 Ensaio dos procedimentos da entrevista 4ª roda - 29-11-2006 Entrevista com os caciques 5ª roda - 04-12-2006 Audição de depoimentos gravados em gravador de voz 6ª roda - 06-12-2006 Gravação da primeira versão em vídeo 7ª roda - 07-12-2006 Exibição em vídeo da primeira versão dos textos orais 8ª roda - 12-12-2006 Conversa informal sobre assuntos/temas relacionados
com o cotidiano da aldeia. Gravação da segunda versão 9ª roda - 13-12-2006 Gravação de outros depoimentos; conversa sobre evento
realizado na aldeia no dia anterior 10ª roda - 14-12-2006 Análise da segunda versão d texto produzido; gravação
da terceira versão do texto de Le e exibição para as crianças
Quadro 5: Síntese das atividades realizadas nas rodas de conversa
54 Subsidiou a realização dessa conversa as questões apontadas no Apêndice D.
128
Valeria a pena examinar de perto todas as interações realizadas nessas diferentes
“rodas de conversa”, mas limitar-nos-emos a alguns aspectos que têm um vínculo
direto com nosso objeto de estudo. Focalizaremos a análise em dois pontos: no
processo de produção de duas versões de um mesmo texto/depoimento de três
crianças e na produção de uma terceira versão de um desses três textos.
Examinaremos, pois, mais detidamente as rodas de número 1, 5, 8 e 10, das quais
selecionamos alguns episódios reveladores de mudanças qualitativas operadas nas
produções orais das crianças a partir das interações realizadas nos instantes das
rodas de conversa.
4.2.2.2 - Episódios de conversa (subsídios para a produção da primeira versão de
três textos orais)
Na formação da primeira roda de conversa, a educadora iniciou a interação
apresentando às crianças a proposta de se fazer a montagem de um
documentário/arquivo de relatos de histórias de vida com o objetivo de oferecê-lo à
escola e à comunidade Tupinikim, que teriam, assim, relatos de caráter histórico os
quais dariam pistas sobre a reorganização e o modo de vida da aldeia. Para
alcançar tal feito, as crianças na escola gravariam seus relatos acerca dos fatos que
considerassem mais importantes ocorridos em sua vida. Ficou então combinado que
o resultado desse trabalho seria apresentado na reunião de confraternização entre
os alunos, os educadores e os pais, ao final do ano de 2006.55
Em seguida, a educadora leu o texto sobre a história de vida do ex-cacique da aldeia
de Caieiras Velhas. As crianças ouviram a história em silêncio e com interesse. Após
a leitura, a educadora fez várias perguntas que ajudaram a retomar os fatos mais
importantes relacionados com a história de vida do ex-cacique e, na continuidade
cantaram algumas músicas típicas das festas indígenas. Em seguida, a conversa
girou em torno da escolha de quem seria a pessoa a ser entrevistada pelas crianças.
55Entretanto como ocorreram alguns contratempos durante a filmagem, o novo combinado foi de que esse material seria apresentado na primeira reunião de pais a se realizar na segunda quinzena do mês de março de 2007.
129
Eles citaram vários nomes e criou-se um impasse de modo que, para resolver a
questão de uma forma mais democrática decidem realizar uma votação.56
Episódio 1 Transcrição realizada em 23-11-2006 35 - R: _a gente podia fazer uma votação... o que vocês acham? 36 - Jo: _Valdeir... Valdeir. 37 – Gu.: _Seu Antonino. 38 - Lu: _aqui, ele falou Valdeir [apontando para Gu. que havia falado Seu Antonino]. 39 - R: _vamos fazer uma votação? 40 - A: _eh... eh... eh... 41 - K: _ou uma coisa ou outra Ca... você tem um opinião depois você pega a opinião dos outros... 42 - Jo: _é o Valdeir, eu voto em Valdeir... 43 - K: _oh, você falou Seu Antônio. 44 - Jo: _Valdeir... 45 - R: _é... mais aí... 45 - K: _não pode pegar a opinião do colega... 47 - R: _é... tem que ter uma opinião só. 48 - K: _é... uma opinião só. (E então a votação se inicia).
O ato de votar, escolher e resolver questões de maneira democrática é uma
constante entre os demais membros do povo Tupinikim. Há uma preocupação de
não se privar o outro do seu direito à palavra. Nesse episódio, essa característica é
reforçada pela educadora, quando orienta os alunos a não se deixarem influenciar
pela opinião dos demais (turnos 41, 45 e 48).
Ao longo do desenvolvimento de toda a seqüência didática, os momentos na roda de
conversa tornaram-se espaços para a reflexão e discussão de assuntos diretamente
relacionados com a própria construção de textos orais. Desse modo, inauguravam-
se eventos de reflexão sobre a linguagem, e o espaço da roda de conversa tornou-
se exclusivo para o debate sobre a atividade de linguagem oral. No desenvolvimento
da quinta roda, a educadora iniciou a conversa dizendo às crianças que escutariam
a gravação de depoimentos já gravados. Essas gravações foram por nós realizadas
em momentos fora da sala de aula. Individualmente ou em duplas ou mesmo trio, as
56Os nomes dos caciques que aparecem no episódio abaixo são verdadeiros. Na discussão da votação, participamos como moderadora. Em virtude dos impasses que se apresentavam para a definição de quem seria entrevistado, sugerimos fazer a votação (turno 35 e 39), o que foi explicitamente aceito por todos (turno 4).
130
crianças foram convidadas para uma conversa que iniciou a partir da proposição “O
que você tem a nos dizer sobre a sua história de vida?”.
Durante a atividade de escuta os alunos estavam atentos ao que diziam os colegas
e chamavam a atenção para o fato de que o áudio estava um pouco baixo, quase
não dando para compreender as gravações. Após a escuta, foi conversado sobre a
possibilidade de uma nova gravação, de modo que os colegas pudessem avaliar os
depoimentos apresentados para se chegar a uma melhor qualidade do material
produzido. Acompanhemos como se deu o instante da interação entre a educadora
e as crianças quando elas foram questionadas sobre a possibilidade de terem uma
nova versão de seus depoimentos gravados em vídeo.
Episódio 2 Transcrição realizada em 4-12-2006 1 - K: _primeiro, antes de tudo, quem gostaria de ser gravado pra passar num vídeo que vai pra televisão... quem gostaria ... aqui da sala? 2 - Lu: _Jo levantou a mão... 3 - Le: _Da. 4 - K: _o Da, só o Da. de uma sala com um monte de gente? [Lu levanta a mão]... os outros não tem desejo? [outras crianças levantam o braço] 5 - R: _An, Le... 6 - A: _An... 7 - K: _você gostaria Leo... de falar um pouquinho de sua história de vida pra Mara te gravar? 8 - Le: _gostaria... 9 - K: _e você gostaria An? 10 - R: _mas ali pra filmar é diferente, né? 11 - K: _é... espera só... pra vocês entenderem, pra poder dizer sim ou não, sem o coleguinha ficar falando “fulano”, “ele quer”. Não! Não, quero isso não. Eu queria que você dissesse “eu quero”. Mas pra você dizer isso você precisa entender o que é o processo, não é isso? Veja, gente, a intenção aqui seria... é... a possibilidade que eu estou colocando pra vocês é de nós gravarmos vocês falando um pouquinho da vida de vocês... aí vocês podem falar seu nome, sua idade, o nome de seu pai, de sua mãe, de onde vem o seu nome o que você mais gosta quando não tá aqui, quando tá aqui... é... falar alguma coisa que aconteceu quando você era pequeno... é... dizer se você mexe com alguma coisa de artesanato daqui da aldeia, se gosta de dançar, se gosta de se pintar de índio... essas coisas. Aí a gente grava pra ver como ficou. Então quem gostaria de falar tudo isso que eu falei? [Lu levanta a mão]
No episódio 2, aqui transcrito, a educadora inicia a interação lançando a palavra a
todos da sala. Algumas crianças rapidamente se pronunciam. Entretanto é possível
131
perceber que outras (seja por timidez, insegurança) não respondem diretamente,
preferindo atribuir a responsabilidade a outros colegas (turnos 2, 3, 6). O
questionamento seguinte (turno 4) da educadora provoca em outras crianças o
desejo de se apresentarem. Apesar de sua longa exposição (turno 11), a educadora
parece demonstrar a intenção de que os alunos tivessem autonomia ao fazer a
atividade proposta.
Nas três produções examinadas a seguir, é possível verificar como o conteúdo dos
textos produzidos foi construído e modificado a partir da conversa realizada na
quarta roda em que aconteceram negociações de significado, inter-relação das
palavras entre as crianças e da educadora, fazendo ecoar em suas produções vozes
outras.
4.2.2.3 - Análise da produção da primeira versão de três textos orais
Neste item, centraremos a análise em três produções orais que exemplificam os
efeitos do trabalho da conversa realizado durante a segunda seqüência didática.
Apresentaremos, em duas partes distintas, os resultados relativos à primeira e à
segunda versão de cada texto. Na primeira parte, apresentaremos os textos
produzidos a partir das interações realizadas na quinta roda de conversa. Na
segunda parte, comentaremos alguns episódios de conversa coletados na oitava
roda, relacionando-os com as novas produções orais (segunda versão) que foram
realizadas a partir de uma nova comanda “Vamos falar sobre alguns fatos ocorridos
em sua história de vida”.
Para a construção da primeira versão dos três textos orais, o contexto de produção
poderia ser traduzido da seguinte forma: a educadora apresentou às crianças a
comanda “O que você tem a nos dizer sobre a sua história de vida?”. E cada criança
foi construindo uma fala. Na interação com a educadora e os colegas, os assuntos
vinham à tona: identificação do próprio nome e idade, identificação dos pais e irmãos
da criança e apresentação de algumas características peculiar da criança (se teria
animal ou não, algum desejo do que gostaria de ser quando crescesse). A criança
era também orientada a dizer um fato específico acontecido com algum dos
132
personagens citado por ela. Abaixo apresentaremos o resultado das produções
desses textos, atendo-nos às considerações dadas pelas crianças, no que se refere
às capacidades de linguagem definidas por Schneuwly (2004) como sendo de ação,
discursiva e lingüístico-discursiva. Cabe-nos ainda observar que apesar de fazermos
a coleta do texto no formato oral, ao realizarmos a análise precisamos de em alguns
momentos, nos reportar em parâmetros de análise de um texto escrito. Isso porque,
uma vez que o transcrevo ele deixa de ser oral passando agora a ser um texto
escrito.
a) Texto 01 - H, seis anos (primeira versão)
meu nome é H, eu tenho seis anos... eu moro aqui na aldeia, Aldeia Pau Brasil... e... o nome de minha mãe é M.P.C. e nome meu pai é A.C.C. E mamãe onde ela trabalha... ela pinta camisa, ela faz blusa, bolsa, colar. E papai trabalha na fábrica. Eu tenho dois irmãos: J. e Mk. O nome do meu cachorro é Toby e Pequenino. (4-12-2006)
Capacidade de Ação
Nesta primeira versão, H limita-se à auto-apresentação e à apresentação dos
membros de sua família. Para o propósito inicial de se produzir um texto do gênero
história de vida, o texto demonstra não atingir o objetivo, uma vez que H reduz seu
discurso a apresentar características dos personagens colocados em cena. É
importante, no entanto, assinalar que H atribui importância à designação do lugar
social de sua produção: trata-se de uma criança Tupinikim que mora na aldeia de
Pau-Brasil (“tenho seis anos, moro aqui na aldeia”).
Capacidade discursiva
A escolha das unidades temáticas típicas do gênero “auto-apresentação” coloca em
evidência um léxico centrado em substantivos (nome, aldeia, mãe pai, camisa, blusa,
bolsa colar fábrica, irmãos, cachorro), reforçando, assim, o caráter de um texto
“apresentativo”. A comanda da educadora deu às crianças indicadores para estarem
falando sobre si, apresentando-se. É importante salientar que, para a educadora e
também para a pesquisadora, até aquele momento as características peculiares ao
gênero história de vida não estavam bem esclarecidas. Hesitações dessa natureza
são pertinentes ao processo de formação e essa avaliação e auto-crítica é muito
133
positiva também para o desenvolvimento da pesquisa. Pela orientação da educadora
a produção do gênero história de vida não se confirmou por “H”, pois, para ela, não
estava claro que, em sua produção, deveria, pois, estar relatando algo particular por
ela vivido. A escolha de palavras para apresentar a mãe denota particular
importância, porque, além de dizer o nome completo, adiciona a idéia de que ela
trabalha. A criança ainda esmiúça as características de tal trabalho “ela pinta
camisa, ela faz blusa, bolsa, colar”. Possivelmente essa maior clareza pelas
atividades maternas dá-se em virtude de um maior tempo diário que a autora passa
com a mãe, vivenciando então as mesmas tarefas realizadas por esta última. Na
continuidade do texto, apresenta o pai e, em seguida, os irmãos e os cachorros.
Capacidades lingüístico-discursivas
Nas operações utilizadas pela autora para articular o tecido textual, ela lança mão de
mecanismos de coesão verbal (o emprego dos verbos no presente do indicativo:
tenho, moro, é, trabalha, pinta, faz) instaura um afastamento entre o texto produzido
e a proposta inicial de se organizar um gênero “história de vida”. É ainda pertinente
salientar que o texto de H é constituído de frases quase justapostas. Ele faz uso
exclusivo do organizador textual aditivo “e”.
b) Texto 02 - Th, seis anos (primeira versão)
oi, meu nome é Th, eu tenho seis anos. O nome de minha mãe é G e o nome de meu pai é S... é... Mamãe trabalha na casa de M e meu pai trabalha na roça e eu estudo... eu quero ser professora... Quando eu não to na escola eu gosto de brincar de boneca brincar com Iara. Lá em casa tem uma cachorra Xana e ela deu filhotinho e aí nasceu seis filhotinho. Quando eu crescer eu não quero ser cacique eu quero ser uma professora pra ensinar as criancinhas da aldeia ler. (5-12-2006)
Capacidade de ação
Nesta primeira versão do texto de Th, também é marcadamente significativa a
apresentação que ela faz das pessoas de sua família (mãe, pai) e de seu
animalzinho de estimação (a cachorra Xana), bem como as ações realizadas pelos
que são apresentados ou, ainda, pelas descrições deles (mãe que trabalha na casa
de M, pai que trabalha na roça, cachorra que deu cria).
134
Capacidades discursivas
No plano textual, a enunciação se organiza mais marcadamente como uma
descrição de personagens (nome dos pais e o trabalho que cada um exerce,
respectivamente), que é ligeiramente interrompida com o anúncio de um evento (o
nascimento de filhotes da cadela Xana). Esse evento, no entanto, não é expandido e
a criança encerra o texto descrevendo o seu futuro (o que ela própria gostaria de ser
quando crescer).
Capacidades lingüístico-discursivas
No texto de Th, há uma justaposição de idéias, ligeiramente conectadas por alguns
organizadores textuais, que promovem mudanças temporais e de localização:
“quando” (delimitando o tempo da escola e o tempo da casa ou projetando para o
futuro) e “lá” (para anunciar um evento que não é expandido).
c) Texto 03 - Le, seis anos (primeira versão)
Meu nome é Le e eu tenho seis anos... é... o nome de minha mãe é J e do meu pai é L, e eu vou ter um irmãozinho que já vai nascer. Eu tenho... o nome de meu cachorro é Toddy e... o Tuco trabalha na Sali (Salimpo)... e mamãe trabalha na Plantar e o meu pai trabalha na Fábrica. Eu quando não estou aqui gosto de brincar de boneca e... gostava de brincar com o Mímico na casa da vovó Bisa. [silêncio]... Na casa da vovó eu brincava com o Mico e... [não dá para compreender o que diz]... mas ele morreu... o vovô mato (matou) ele... (4-12-2006)
Capacidade de ação
Na parte inicial de seu texto, Le apresenta dados relativos a si como personagem
central. Indica ainda dados particulares de outros seres com os quais convive (os
familiares e o seu cachorro) construindo em quem a escuta uma melhor
contextualização. Desse modo, ela responde positivamente à comanda da atividade
apresentada em princípio pela educadora (o que você tem a nos dizer sobre a sua
história de vida). Na segunda parte, quando comenta sobre o que faz quando não
está na escola (esta última evocada pelo dêitico espacial “aqui”) e do que gosta de
135
brincar, vem-lhe à lembrança um outro ser (Mimico). Essa lembrança causa certa
consternação provocando-lhe alguns segundos de silêncio. Seu silêncio pode ser
interpretado como uma reverência ao animalzinho ou ainda uma certa resignação
em frente aos acontecimentos que evoca pouco a pouco “[...] eu brincava com o
Mico e... [...], mas ele morreu... o vovô mato (matou) ele [...]”. A entonação, o volume
e o ritmo de sua voz provocam no interlocutor sensação de consternação durante a
escuta do relato do fato vivido por Le. As demais crianças também permanecem em
silêncio.
Capacidade discursiva
No desenvolvimento seqüencial do relato de Le, observa-se a inclusão de elementos
discursivos diferentes dos relatos das demais crianças. Ela faz a apresentação dos
personagens e contextualiza o que tem a dizer. Em seguida, insere a idéia de
causalidade que será o tema central de seu relato “[...] e gostava de brincar com o
Mimico [...]”; e já não brinca mais “[...] mas ele morreu [...]”; e anuncia fato que
surpreende os demais “[...] o vovô matou ele [...]”. Lembrar e apresentar os fatos
relacionados como animal de estimação parece ser-lhe muito importante, o que ela
procura mostrar aos interlocutores.
Capacidade lingüístico-discursiva
Nesta primeira versão do texto de Le, os organizadores textuais são escassos. Em
sua maioria, faz uso do conectivo aditivo “e”. O marcador “quando” se apresenta
como intermediário entre a parte inicial do texto e a posterior marcando
espacialmente o anúncio de outras atividades “[...] quando não estou aqui gosto de
brincar de boneca [...]” relatadas por Le. Ao final, ao inserir o organizador “mas”,
esse funciona como um marcador de troca de perspectiva, ou seja, é o termo que
introduz a idéia de consternação pelo fato de Mimico não estar presente.
136
4.2.2.4 - Os episódios de conversa (subsídios para a produção da segunda versão
dos textos orais)
Para intensificar a reflexão sobre a linguagem, a educadora exibiu, para as crianças,
no dia 7-12-2006, o que havia sido filmado. Desse modo, realizou-se um confronto
dialógico pelo qual foi possível às crianças refletirem sobre alguns aspectos que
poderiam melhorar em suas produções primeiras. Durante a exibição dos
depoimentos filmados, era possível observar as reações das crianças com sorrisos,
surpresas, graça. Após a apreciação do vídeo, elas comentaram o que se poderia
melhorar nos depoimentos gravados dos colegas: a postura física, a clareza na
produção dos enunciados, algumas palavras etc. A professora chamou a atenção
para a necessidade de se contar um fato ocorrido em suas vidas, uma vez que o
gênero privilegiado era “história de vida”.
Em momento posterior à análise das crianças de seus próprios depoimentos, na
roda do dia 12-12-2006, a educadora propôs às crianças uma conversa permeada
de assuntos que pudessem contribuir para instigar-lhes a lembrança de algum relato
que viesse favorecer a ampliação dos depoimentos já gravados. Foram discutidos no
momento da roda de conversa, diferentes temas: o conflito durante a
autodemarcação; um acontecimento engraçado no dia da festa do índio; a queda do
primeiro dentinho; um acontecimento no domingo; a morte de um animalzinho de
estimação. Os assuntos abordados contribuíram para ampliar as interações na roda
assim como para a reflexão de que o ensino-aprendizagem da oralidade na
educação infantil pode contribuir para o resgate e preservação da cultura Tupinikim.
Sob esse aspecto, a atividade de conversa na roda não se apresentava apenas
como mais uma das atividades rotineiras do dia.
Na seqüência, trazemos alguns episódios, que ilustram as interações acontecidas
entre alunos e educadoras ou entre as crianças e seus pares que, de maneira
significativa, contribuíram para a reflexão das crianças sobre a necessidade de
revisar o que já haviam gravado nas versões primeiras e assim ampliar a versão
segunda. Logo em seguida, mostraremos a influência dessas interações nas
produções, principalmente no que se refere ao desenvolvimento de capacidade de
linguagem inerentes à produção oral.
137
Episódio 1 Transcrição realizada do dia 12-12-2006 1 - K: _vocês lembram quando foi construído a Olho d’agua? 2 - Th: _eu lembro. 3 - K: _lembra? Onde construiu aquela cabana bonita e nós fomos lá visitar... lembra? Quem é que foi com nós de liderança? 4 - Th: _o pai de Di... 5 - K: _e quem mais? 6 - Th: _é só esse. 7 - K: _foi mais gente... que falou lá pra nós porque foi feita aquela cabana naquele local... vocês lembram? Al... 8 - Th: _ di. 9 - K: _Aldi... Aldi foi com nós... e falou né... o tio de H... não foi? 10 - H: _é mas ele não mora mais aqui. 11 - K: _é... foi embora pra Curitiba... casou. E alguém lembra o que que aconteceu? Será que existe aquela aldeia ainda? 12 - A: _não! 13 - K: _o que que aconteceu com aquela aldeia. 14 - Th: _o homem destruiu. 15 - K: _quem destruiu. 16 - Th: _a máquina. 17 - K: _hã... a máquina da empresa Aracruz não foi? Que destruiu... que mais que aconteceu quando eles destruíram lá? [silêncio de cinco segundos] 18 - K: _tinha policial... vocês se lembram do que aconteceu lá? [silêncio de quatro segundos] 19 - K: _que mais além dos policiais? 20 - Th: _machucaram as pessoas... 21 - K: _hã... machucaram as pessoas... e daqui da aldeia machucaram alguém?
No episódio 1, a educadora inicia a conversa de modo a provocar nas crianças a
lembrança de um fato 57 muito importante ocorrido na aldeia (turnos 1, 11, 13, 17 e
21). Esse é um fato que instiga toda a classe uma vez que foi vivida por toda a
comunidade indígena com repercussões maiores. Ao iniciar o turno, ela demonstra
desejar que os alunos se recordem de um momento agradável quando visitaram a
aldeia. A essa recordação estaria relacionado um significativo caráter sentimental
(turno 3). As investidas da educadora desencadeiam na aluna Th várias lembranças
do momento vivido. Os sentidos são marcados pelas diversas vivências que o sujeito
tem em seu grupo social. Ou seja, como nos afirma Bakhtin (2003), “[...] o sentido se
submete ao valor da existência individual [...]”. A aluna Th demonstra muito interesse
em assuntos relacionados com a cultura indígena: música, artesanato, danças. 57 Julgando tratar-se do cumprimento de um mandado de reintegração de posse de terras em favor da empresa Aracruz Celulose, no dia 20 de janeiro de 2005, a Polícia Federal, usando bombas de efeito moral e balas de borracha contra os índios, invadiu e destruiu com tratores as aldeias Olho D’Água e Córrego do Ouro, bem como as casas e plantações destas. Treze índios ficaram feridos.
138
Assim, como o assunto lhe interessa, torna-se a receptora direta da educadora
(turnos 2, 4, 6, 8, 14, 16, 20). Entre a educadora e essa aluna, as trocas de turnos
são pontuais, demonstrando que, no ato de se interessar e compreender o assunto
desenvolvido na roda a aluna formula uma réplica, nos parâmetros que nos
assegura Bakhtin (2003) de que a compreensão é uma forma de diálogo.
Episódio 2 Transcrição realizada em 12-07-2006 130-K: _vamos lá H... fala... ‘eu H e Th fizemos a abertura do desfile’ aí você conta a história, né que vocês deram a encontrada e que foi legalzinho como você falo aí, né...
O pequeno recorte acima é ilustrativo da intervenção realizada pela educadora para
contribuir na ampliação do texto de H. Com tal investida, ela contribui para que se
reavive na memória da criança o fato ocorrido, dando-lhe subsídios para estruturar
melhor o seu texto. Desse modo, dá pistas à criança de como o gênero “história de
vida” deverá se constituir: anúncio da pessoa que conta a história (eu/fizemos);
narração dos fatos ocorridos.
4.2.2.5 - Análise da produção da segunda versão de três textos orais
A seguir, mostraremos alguns impactos que o trabalho de reflexão sobre a
linguagem promoveu nas produções das segundas versões dos três textos.
a) Texto 1 - H, 6 anos (segunda verão)
oi, meu nome é H. eu tenho seis anos o nome da mamãe é M. P. C. e do meu pai é A.C... e eu tenho dois irmãos Jr e M e... [nove segundos]... bom... minha mãe trabalha... mamãe pinta camisa faz bolsa, faz boneca e papai trabalha na fábrica... Quando eu não to na escola eu gosto de brincar... eu gosto de brincar de pular de brincar com minhas amigas e quando eu crescer eu não vou ser cacique eu vou ser médica das criancinhas... e... no dia da festa eu mais Th fomos no desfile e foi muito engraçado a lá e... eu mais Th estava a lá, né e... foi muito legalzinho... a lá Th deu um encontrão, né aí [não dá para compreender]... aí depois aí nós viramos e nós trocamos de lugar aí Th foi pra cá e eu fui pra lá e depois nós viemos assim e nós batemos e quase que nós caímos e aí rodemos e aí entramos na fila e...aí acabou (12-12-2006).
139
Capacidade de ação
Nesta segunda versão, o texto está estruturado em duas partes. Na primeira, a
criança expande certas informações sobre suas preferências pessoais (seu nome,
idade, informações sobre os pais e irmãos, completando ainda sobre o que gosta ou
não de fazer quando não está na escola). Essas informações contribuem para
fornecer dados sobre sua função social de emissora. Na segunda parte, a criança
tenta articular seu texto em torno de um evento particular (o encontrão com a colega
em uma festa), mostrando que compreendeu que o gênero “historia de vida”, para
suscitar a atenção do interlocutor, necessita construir uma trama em torno de um
acontecimento específico. Em todo o percurso da produção textual H se apresenta
organicamente no texto. Essa condição se põe em evidência por meio de marcas
lingüísticas como: fomos, viramos, trocamos, viemos, caímos, batemos, rodemos e
entramos.
Capacidade discursiva
No plano geral da organização textual, a autora gerencia a escolha vocabular de
modo a organizar o texto em duas grandes sessões: na primeira, faz uma
apresentação de si mesma e, na segunda, relata o fato por ela vivenciado. De uma
versão a outra, o texto de H adquire um expressivo aumento substancial. Nesta
segunda versão, torna-se visível o esforço da autora em querer organizar seu texto
para que este dê respostas à instrução dada pela educadora no momento em que foi
exibida a filmagem da primeira produção das crianças, ou seja, as crianças
deveriam, no instante da nova gravação, contar um fato ocorrido em suas vidas. Na
segunda parte do texto, o instante do “encontrão” é para H o evento mais
interessante, pois o fato foi algo totalmente inesperado por ela e lhe provocou o riso
no momento da confusão e satisfação no instante do relato aos colegas ao dizer “foi
muito legalzinho”.
140
Capacidade lingüístico-discursiva
No texto de H, a conjunção “e” é utilizada como um mecanismo que promove o
encadeamento das ações relatadas, assim como o “ai” e o “aí depois”, este último
marcando especialmente o encadeamento cronológico do relato.
b) Texto 2 - Th, 6 anos (segunda versão)
meu nome é Th eu tenho seis anos... o nome do meu pai é S e o nome da minha mãe é G e eu tenho sete irmãos. Minha mãe trabalha na roça e meu pai trabalha na Salimpo. Quando eu não tô na escola eu gosto de brincar... (silêncio de seis segundos)... aí quando eu crescer eu quero ser professora pra ajudar as criancinhas e... (silêncio de sete segundos)... lá na cabana tinha uma [não dá para compreender]... Olho D’Agua... aí as polícia veio e destruíram tudo aí depois eles machucaram as pessoas jogando bala e... revólver e... Valdeir machucou a cabeça e machucou o braço [silêncio de seis segundos]... e... lá tinha um monte de polícia, um montão de polícia lá no ônibus, no helicóptero e no carro... e eles estavam atirando e as pessoas correndo pro mato e outros correndo pro carro e saindo embora da aldeia... (silêncio de cinco segundos)... o pai de An foi preso e eles ficaram lá até de noite... [não dá para compreender]... depois que as polícia machucaram eles, as polícia foram tudo embora e aí o pessoal que morava lá na aldeia foram tudo embora (12-12-2006).
Capacidade de ação
Na organização deste texto, é possível observar significativa progressão,
principalmente no que se refere à expansão do texto, pois, de uma versão à outra,
há um explícito aumento do volume textual. Além disso, a autora procurou
apresentar os enunciados com um centramento discursivo. Como na produção das
outras crianças, a autora organiza seu texto em duas grandes sessões: a primeira
parte destinando-se a uma “auto-apresentação” e a segunda ao relato de um fato
vivido. Entretanto, nesta segunda versão, a produção está mais bem estruturada,
fornecendo mais informações sobre o evento relatado, situando melhor o interlocutor
de seu texto.
141
Capacidade discursiva
A autora inicia seu texto fazendo auto-apresentação, incluindo, nesta nova versão,
informações sobre os irmãos e o motivo pelo qual gostaria de ser professora, dados
que não foram apresentados na primeira versão. Em seguida, ela centra seu texto
no relato de um fato ocorrido na aldeia.
Capacidade lingüístico-discursiva
Para linearizar o texto, Th utiliza alguns poucos organizadores textuais como: o “e”
que insere idéia aditiva (e eles estavam atirando e as pessoas correndo pro mato);
“quando” (quando eu não tô na escola ou quando eu crescer) que dá indicativos
temporais; “depois que” como um marcador de conseqüência. No que se refere aos
mecanismos de coesão textual nominal, utiliza o pronome “eles” que tem a função
de substituir a polícia (“eles estavam atirando”) ou para substituir o termo pessoas
(“eles ficaram lá até de noite”). Sobre a coesão verbal, a utilização dos verbos no
pretérito, o tempo de base, mostra claramente a compreensão da criança quanto à
estruturação temporal do gênero “história de vida”.
d) Texto 3 - Le, seis anos (segunda versão)
Meu nome é Le, eu tenho seis anos. O nome da minha mãe é J e do meu pai é L. Minha mãe trabalha na Plantar e o meu pai trabalha na Fábrica e eu vou ter um irmãozinho... O nome do meu cachorro é Toddy... quando eu não to na escola eu gosto de brincar de boneca e quando eu crescer eu vou ser professora e... eu me lembro que o meu tio ia caçar aí achou um quati e deixou ele lá e depois foi buscar. Ele fez uma casinha pra ele aí... deu pra vovó Olga e pra Zezé e... eu dava leite pra ele e ... banana e água e ele cresceu e aí tava comendo os pintos e o vovô matou ele. Meu avô matou ele e deu pra minha vó Bisa e ela comeu e eu fiquei chorando quando o papai falou que o vovô matou o Mimico (12/12/2006).
Capacidade de ação
Na segunda versão de seu texto, Le preserva a apresentação de si e inclui
características de alguns familiares e dos animais de estimação. São significativos
os variados momentos de silêncio (momentos em que pára, olha, sorri, demonstra-
142
se pensativa sobre o que dizer). Pela orientação inicial da atividade, ela conta
assuntos relacionados com sua vida, com caráter apresentativo, e também insere
características de relato ampliando as informações acerca do fato acontecido com o
personagem principal de sua fala. Ao receptor que a ouve, causa um efeito de poder
reconstituir algumas das ações por ela vividas bem como conhecer as ações do seu
cotidiano da personagem principal. Ao longo de todo o texto, a autora se apresenta
totalmente relacionada com os fatos apresentados. Essa relação estreita é notada
por sua utilização de marcas lingüísticas como: e, tenho, minha, meu, fiquei
chorando. Quando assim se mostra sinaliza aos seus interlocutores o lugar social de
onde fala, ou seja, o lugar de criança que ficou muito sentida com a morte de um
animalzinho de estimação.
Capacidade discursiva
A elaboração do conteúdo da segunda versão do texto de Le pode ser dividida em
dois grandes blocos: no primeiro, faz a contextualização dos personagens,
garantindo a sua apresentação; e, na segunda, detém-se no relato do fato que lhe
marcou a vida “a morte do Mimico”. Na primeira parte, dedica-se a apresentar
informações sobre si, seja do seu presente, seja de ações que pretende que
aconteçam no futuro “[...] quando eu crescer vou ser professora [...]”.
Na segunda parte, demonstra dar ênfase aos detalhes referentes ao fato ocorrido
com o animalzinho, do instante em que foi encontrado até seu trágico fim. É nessa
parte, que novas informações, até então não ditas, são agora acrescidas.
Estabelece algumas relações de causalidade “[...] ele tava comendo os pintos e o
vovô matou ele [...]”. As novas informações desencadeiam uma sensação de muita
surpresa aos seus interlocutores.
Capacidade lingüístico-discursiva
Na organização linear de seu texto, Le inicia apresentando a si e a outros. Em
seguida desenvolve uma seqüência narrativa de seu relato utilizando basicamente o
organizador textual aditivo “e”, como nos exemplos que seguem: “[...] e... eu me
lembro que o meu tio ia caçar [...]”; “[...] e...eu dava leite [...]”; “[...] e ele cresceu [...]”;
143
“[...] e ela comeu e eu fiquei triste [...]”. Tomando, pois, o relato de uma maneira bem
pessoal, utiliza variadas vezes os pronomes possessivos “meu e minha” que
aparecem seis e duas vezes cada um, respectivamente. Entre os verbos que utiliza,
a maioria estão no pretérito perfeito (achou, deixou, fez, deu, cresceu, matou,
comeu, fiquei falou), o que seria uma prova de que Le seguiu a comanda ‘O que
você tem a nos dizer sobre a sua história de vida’ preocupando-se em concentrar-se
propriamente no relato.
4.3 - A PRODUÇÃO DE TEXTO ORAL VALORIZADA POR UMA PRÁTICA
REFLEXIVA
Nesta seção, apresentaremos outros resultados relativos ao trabalho desenvolvido, e
a modificação das produções orais das crianças, destacando que a interação verbal
entre os envolvidos foi a marca de significância nas transformações no texto. Como
nos apontou Bakhtin (2004), é no fluxo da interação que a palavra se transforma e
ganha diferentes significados, pois ela se apresenta como instrumento da
consciência, ou seja, espaço privilegiado de criação ideológica, determinando-se
tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige a alguém.
Segundo o autor, “[...] através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em
última análise, em relação à coletividade” (Bakhtin, 2004, p. 113).
Baseando-nos no princípio de que a pesquisa se realizava a um só tempo no
contexto de um trabalho de investigação e de intervenção, conduzimos a orientação
dessa atividade reflexiva, buscando fazer com que as crianças retomassem na
conversa da roda as seqüências da produção oral apresentada no vídeo assistido.
4.3.1 - Os episódios de conversa (subsídios para a produção da terceira versão do
texto de Le)
Selecionamos, para o exercício reflexivo, o texto de Le. Antes de observarmos o
resultado final (terceira versão do texto de Le), vejamos alguns episódios relativos às
interações desencadeadas no instante da roda de conversa.
144
Episódio 1 Transcrição de filmagem realizada em 14-12-2006 1 - R: _os fatos que eles contaram foi contado à medida que as coisas foram acontecendo? Por exemplo, ela aqui, que estava contando a história do quati. Quando ela estava contando a história do quati ela falou que... primeiro ela falou que a vó comeu a quati ou primeiro ela falou que o tio achou o quati lá no meio do mato? Ca, An falou assim... que primeiro o tio achou o quati lá no mato. 2 - R: _se ela tivesse feito o contrário teria ficado legal? 3 - A: _não [todos respondem]. 4 - R: _teria ficado meio embolado? 5 - A: _hã-hum... 6 - R: _porque a história tem que começar do começo não é isso? Então... na hora que a Le estava contando os fatos ela falou assim oh... primeiro o meu tio achou aí ele fez a casinha e aí depois o que que aconteceu? Eles deram comidinha, banana, e... o que mais... 7 - Po: _água...
O episódio 1 busca retratar o momento de reflexão acerca do questionamento: “Os
fatos foram contados na ordem lógica em que aconteceram?”. A distribuição de certa
forma desigual de turnos entre os participantes do episódio pode ser interpretada
como uma necessidade de R 58 em querer certificar-se de que estava claro para as
crianças o enunciado da questão. Ao exemplificar algumas possibilidades, em que o
texto oral poderia ter sido produzido (turno 1 e 6), R tenta atrair a atenção dos
alunos para a hierarquização das informações, na apresentação dos fatos (turno 2 e
4), no conjunto da produção.
Episódio 2 Transcrição de filmagem realizada em 14-12-2006 26 - R: _agora vamos para o número três... presta atenção aqui... está escrito o seguinte ‘ao citar alguém, durante o relato, o narrador relatou algumas características da pessoa e/ou animal citado?’ 27 - Ga: _não, não... 28 - R: _será, espera pra vocês entenderem o que é isso. A Le... ela estava explicando lá, fazendo o relato da história de vida falando sobre um fato da vida dela que aconteceu e aí a Le... quando a Le... contou o relato da história lá do quati, né que aconteceu lá na vida dela ela falou do quati, ela citou característica, ela falou como o quati era... é.... disse detalhes sobre alguém ou alguma pessoa, falou? Por exemplo, do quati, quais as características do quati que ela falou que vocês se recordam... como que ele era o quatizinho. 29 - Cae: _preto. 30 -R: _ela falou que ele era preto, isso é característica. Que mais que ela falou? Teve mais alguma característica do quati que ela citou? Uma ela citou certo e aí tá pedindo oh... durante o relato, o narrador relatou algumas características da pessoa e/ou animal citado? Ela relatou então pessoal ela falou algumas características, sim ou não?
58 A letra “R” está referindo-se à pesquisadora.
145
31 - A: _sim. 32 - Ga: _não. 33 - R: _agora, quem achou que não... quem achou assim oh eu achei que ela não falou as características... ela não falou mais coisas aí você bota o não. 34 - Ga: _eu achei não. 35 - R: _tá, Gabriel se você acha que não, se você acha que faltou ela falar mais sobre o quati põe não e... An... você estava falando que além de dizer que ele era preto ela poderia ter falado o quê? 36 - An: _que ele tem pêlo. 37 - R: _que ele tem pêlo... e o que mais... além de dizer que ele era preto, que tinha pêlo poderia ter falado o quê mais? 38 - An: _ele brincava... 39 - R: _oh outra característica... que ela falou... que ele brincava... então veja a Le falou algumas características mas se ela tivesse falado outras teria ficado um relato melhor, certo? 40 - A: _certo.
No episódio 2, a reflexão centrou-se nas características dos personagens citados no
relato de Le. Quando questionados por R, as crianças respondiam automaticamente
de maneira negativa, sem pensar no conteúdo de sua resposta. R intervém
questionando as crianças quanto à necessidade de não se conformar com apenas
um único posicionamento, sem de fato averiguá-lo. E, então, as instiga a se
recordarem do que Le apresentara e, a partir daí, buscar evidências se ela
enumerou ou não características suficientes do personagem (o quati) no momento
de sua apresentação. Percebe-se, então, a atitude responsiva dos alunos. Em
determinada situação, além de identificarem o que Le colocou em seu texto (turno
29) também apontaram outras possibilidades que contribuiriam qualitativamente em
uma próxima versão do texto de Le (turno 36 e 38). É relevante o posicionamento de
Ga que, desde o turno 27, mostrava-se meio do contra com relação ao que Le
apresentara. Demonstra-se indiferente não propondo o que poderia ser
acrescentado ao texto analisado. R, percebendo a defensiva de Ga, lança a
pergunta a todos da sala “Ela relatou então pessoal, ela falou algumas
características, sim ou não?” (turno 30), o que é atendida pelos demais (turno 31), e
logo após, uma vez “enfrentada” pelos enunciados de Ga (turno 32 e 34).
Episódio 3 Transcrição de filmagem realizada em 14-12-2006 64 - R: _e Le quem se lembra do assunto que Le contou? 65 - Lo: _do quati. 66 - R: _a história do quati. O que ela contou sobre a história do quati? 67 - An: -que o vô dela matou. 68 - R: _espera um pouquinho... Ca, ouve a coleguinha! Fala, An! 69 - A: _que o vô dela matou.
146
70 - R: _mas ela já começou assim, An? Ela começou oh... “meu avô matou o quati”. Foi assim que ela começou? 71 - An: _não. 72 - R _o que ela contou então... os detalhes... quem lembra? Quem lembra? 73 - K: _ele lembra aqui. [se referindo a Ga] 74 - R: _fala alto que eu não tô te escutando. O que você lembra que ela contou? 75 - Ga: _ que o tio dela achou três quati... 76 - R: _achou três quatis onde? 77 - A: _a lá no mato. 78 - R _hã... 79 - Ga: _lá na mata. 80 - R: _e aí o que ele fez? 81 - A: _ele matou. 82 - Ca: _o quati comeu o pintinho e ele matou. 83 - P: _calma lá gente. Calma lá... O Ga lembrou de uma coisa... que o tio dela achou três quati na mata aí logo em seguida Le falou assim que o avô matou? 84 - A: _não.
O episódio 3 ilustra o momento em que discutem sobre o assunto norteador do texto
oral produzido por Le (turno 64). Assim que o tema central é recuperado (turno 65),
R se propõe a questionar os alunos de modo que eles exponham cada etapa do
texto, sempre considerando a hierarquia dos fatos (turno 70 e 83) relatados por Le.
Episódio 4 Transcrição de filmagem realizada em 14-12-2006 96 - R: _sobre a vida do quati lá na casa dela como que era que alimentação ele tinha ela não contou nada isso? 97 - An: _contou. 98 - K: _aí, oh... Ga vai falar... 99 - Ga: _ela falou que ele era preto peludo e que comia banana. 100 - R: _e o que mais? Teve uma outra coisinha que ela falou que vocês não estão lembrando. Sobre a comida dele. 101 - An: _era leite. 102 - Ca: _água. 103 - R: _e aguinha. E você quer falar o quê Le. 104 - Le: _ele também comia ração. 105 - K: _oh... Ca vamos escutar, que o Ga tem mais uma coisinha pra falar que ele lembrou que ela contou. 106 - Ga: _que o quati tava comendo os pinto lá da casa da vó dela. 107 - P: _que ele tava comendo os pintos... né? 108 - Ga: _e o tio dela matou. 109 - P: _foi o tio dela que matou? 110 - Ga: _não, o avô. 111 - R: _e depois o final foi como? Esse avô fez o quê? 112 - A: _matou. 113 - R: _ele matou o quati, tudo bem... e fizeram o que com ele no final das contas? 114 - Ca: _comeram. 115 - R: _eles todos comeram, Le comeu um pedacinho do quati, o pai dela todo mundo? 116 - A: _não. 117 - R: _não! 118 - Li: _a vó dela.
147
119 - R: isso, Li, falou. Fala Li! 120 - Li: _a vó dela. 121 - Ca: _a vó dela. 122 - R: _a vó dela comeu o quati. Muito bem.
No episódio 4, a questão discutida amplia a caracterização do personagem e, mais
uma vez, norteia a reflexão sobre os enunciados apresentados por Le que, se não
forem bem esclarecidos provocam algumas inverdades (109 115).
Episódio 5 Transcrição de filmagem realizada em 14-12-2006 123 - R: _Le, foi quando mais ou menos que aconteceu a história. Foi quando, você tinha quantos anos mais ou menos. 124 - Ca: _cinco anos. 125 - An: _seis anos. 126 - R: _quando aconteceu a história do quati você tinha quantos anos. 127 - Le: _(silêncio de cinco segundos) 128 - R: _mais ou menos você tinha quantos anos? Você já estudava aqui na escola? 129 - Le: _já. 130 - R: _já? E você tinha mais ou menos quantos anos? 131 - Le: _quatro anos. 132 - R: _quatro anos?
A última questão da conversa focaliza o que poderia ser melhorado no texto. As
crianças ressaltaram que o colega deveria falar mais alto, com mais clareza, sem
fazer careta, apresentar mais detalhes acrescentando as características dos
personagens citados. Toda a conversa contribuiu significativamente para o
desenvolvimento de um exercício mais reflexivo sobre as práticas cotidianas da
oralidade infantil, o que possibilitou o enriquecimento discursivo da terceira versão de
um dos três textos tomados para análise.
4.3.2 - Análise da produção da terceira versão do texto de Le
A análise do texto realizada pelos alunos, baseada na conversa na roda, possibilitou
a Le, encaminhar para a terceira versão de seu texto. Na elaboração dessa versão,
Le organiza os enunciados considerando o conteúdo expresso na conversa anterior.
Apresenta, em seu texto, mais elementos que caracterizam o personagem; estrutura
com mais detalhamento as ações por ela relatadas considerando a hierarquia de
acontecimentos que dá ao interlocutor melhor compreensão do que é exposto.
148
Como poderemos confirmar a seguir, a partir da interação com os demais presentes
naquela situação de produção, o texto de Le tomou dimensão diferenciada das
versões anteriores, o que nos leva a considerar que quanto mais se fala e expressa
as próprias idéias, melhores elas se reformulam no interior do pensamento, porque a
atividade mental constitui um auditório social. Uma vez mais referendamos e
concordamos com Bakhtin (2004, p.117), quando ele diz que “[...] todo o itinerário
que leva a atividade mental (o ‘conteúdo a exprimir’) à sua objetivação externa (‘a
enunciação’) situa-se completamente em território social”. A atividade mental de Le,
ao realizar-se sob a forma de uma enunciação, ou seja, o relato de um fato ocorrido
em sua história de vida, adquire maior complexidade graças ao contexto social
imediato e acima de tudo aos seus interlocutores concretos. A terceira versão do
texto de Le, organizado a partir das interações na roda de conversa ficou como
veremos a seguir:
(Le, seis anos)
Um dia meu tio é... foi caçar achou filhotinhos, três filhotinhos de quati e... ele foi lá buscar e deu um pro Eliezer e outro pra vovó Olga... e... a gente dava comida pra ele banana, é... mamadeira é... água, dava ração, dava banana, a gente dava leite. Eu brincava com ele e ele subia nas minhas costas. Meu animal era todo pretinho e o rabo era pintado de branco e fino... ele tinha um biquinho e o dentinho dele era assim aquele dentinho bonitinho é... eu dava banana, é... dava leite dava água, dava ração. Eu cuidava dele. Ele subiu lá na árvore quando via eu brincar é... Eu colocava ele na árvore e ele vinha quando eu chamava ele pra comer... um dia meu tio é... fez cosquinha nele e ele dormiu e no outro ele subiu no cabelo de Jana aí depois ele tava comendo pintinho aí meu Tio Roni tocava ele e ele tava correndo atrás dos pintinhos da galinha e... meu tio brigava com ele e... quando ele tava com um pintinho na boca é... ele tava comendo o pintinho e... meu avô viu ele comendo o pintinho e aí matou o bichinho... aí deu pra vovó é... minha vó comeu e eu fiquei triste porque o vovô matou o Mimico (14-12-2006).
Capacidade de ação
Nesta terceira versão, a autora produz um texto que atende à finalidade proposta:
apresentar um texto oral que relate uma história de vida. Ela utiliza o pronome na
primeira pessoa do plural. É surpreendente a maneira como Le se apropria das
sugestões oferecidas pelos colegas, a partir da análise do texto realizada na roda de
conversa.
149
Capacidade discursiva
Esta terceira versão do texto de Le se organiza efetivamente com as características
de um gênero “história de vida”. O relato por ela apresentado conta um fato verídico
que emociona a autora no momento da apresentação. Seu texto poderia ser
estruturado em três grandes partes.
A primeira parte, que se inicia com o termo “Um dia meu tio” e segue até “e outro pra
vovó Olga”, onde constam informações sobre o personagem principal: onde foi
encontrado (o termo “foi caçar” dá a entender ter sido encontrado na mata); quando
foi encontrado (“um dia”); por quem ele foi encontrado (“meu tio”).
A segunda parte que apresenta o cotidiano do personagem principal clarificando
valiosas informações referentes às suas características físicas (“era todo pretinho e
o rabo era pintado de branco e fino... ele tinha um biquinho e o dentinho dele era
assim aquele dentinho bonitinho”); suas brincadeiras (“subiu lá na árvore”); sua
alimentação (“eu dava banana, é... dava leite dava água, dava ração”); seu estilo de
vida (“meu tio fez cosquinha nele e ele dormiu e no outro ele subiu no cabelo”).
Diversas dessas informações só se apresentaram nesta terceira versão.
A terceira parte relata algumas ações finais do personagem principal (“ele tava
correndo atrás dos pintinhos da galinha”) que provocaram os motivos de sua morte
(“meu avô viu ele comendo o pintinho”), ou seja, o desfecho da história.
Capacidade lingüístico-discursiva
Em se tratando das operações utilizadas para tornar o texto um tecido a autora
lançou mão do marcador temporal “um dia”, que apresentou função de construir uma
base temporal a partir da qual os dados podem ser atestados. No que se refere à
utilização de mecanismos para garantir a coesão nominal, utiliza diminutivos
(pretinho, biquinho, dentinho, bonitinho, bichinho) que suscitam e reforçam o
sentimento afetivo da autora pelo personagem citado em seu relato.
150
A análise das diferentes versões de um mesmo texto das três crianças, assim como
das interações entre a educadora e as crianças na preparação dessas versões
oferecem-nos um panorama de como é possível, mesmo com crianças pequenas,
promover situações em que elas reflitam sobre a linguagem e se apropriem de
alguns elementos que potencializam sua comunicação com os outros. Ou seja, a
partir de atividade reflexiva sobre a linguagem a criança se apropria de elementos
tais como a ação de produção, o que se tem a dizer, para quem e o como irá dizer e
reformula sua produção primeira.
151
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tratar de considerações finais denota perceber e explicitar o quanto aprendemos
com os movimentos realizados no percurso da investigação. Denota, ainda,
compreender como é difícil “finalizar” algo, quando se sente que apenas se
começou... Ou seja, quando se sente que foi realizado um primeiro movimento: o de
lançar a palavra como semente em terreno fértil à espera que germine, frutifique, se
multiplique produzindo efeitos dialógicos e que nos oriente à compreensão dos
acontecimentos. Elaborar tais considerações é fazer reviver momentos que tiveram
significação marcante no desenvolvimento de toda a pesquisa. Sendo assim
buscaremos reviver alguns momentos retomando as perguntas que nortearam
nossos movimentos de investigação acerca da linguagem oral na educação infantil
indígena.
No desenvolvimento da pesquisa buscávamos entender que atividades de
linguagem oral eram freqüentemente realizadas e se era, pois possível abordar o
oral como objeto de ensino. Para tanto nos dispusemos a pensar com os sujeitos
envolvidos (educadora e crianças) uma possibilidade de ensino para oral, de modo
estarmos constantemente atentas em observar o impacto da proposta desenvolvida
nas produções orais das crianças bem como em compreender como o ensino-
aprendizagem da oralidade na educação infantil poderia contribuir para o resgate e
preservação da cultura Tupinikim.
Como se sabe, a oralidade é uma prática social interativa e uma das primeiras e
principais atividades fundamentais no processo de constituição das relações sociais.
Especialmente na tradição indígena, é um importante mecanismo de manutenção de
tradição entre as gerações. O interesse em pesquisar o oral como objeto de ensino,
origina-se da hipótese de que, nos contextos escolares infantis, (seja indígena ou
não), a oralidade serviria apenas como um veículo para o desenvolvimento de
atividades da rotina diária na escola.
Nosso estudo, bem como toda a análise dos dados coletados fundamentou-se em
pressupostos vigotskianos e bakhtinianos por entendermos o processo de ensino-
aprendizagem como de natureza social, em que a linguagem (seja oral, seja escrita)
152
é elemento essencial na constituição dos sujeitos e compreensão do mundo.
Realizamos o trabalho por meio de uma pesquisa participante de caráter etnográfico
e de intervenção em que, apesar de o problema investigado não ter,
necessariamente, surgido no coletivo da comunidade escolar infantil indígena, o
tema foi ao encontro dos seus interesses. Isso se deu porque a proposta do projeto
de educação escolar indígena é de ser um articulador de ações que possibilite
relacionar o fazer pedagógico com uma ação política, visando à melhoria da vida
social e escolar. Desse modo, a pesquisa participante de caráter etnográfico e de
intervenção pôde favorecer a interação entre a pesquisadora e os sujeitos
pesquisados, principalmente no que se refere a observar o ensino-aprendizagem da
oralidade na educação infantil como mais uma das ações a contribuir para o resgate
e preservação da cultura Tupinikim. Tendo, pois, a linguagem como constituidora
dos mesmos sujeitos, ratificamos o que nos apontou Vigotski (1995) que o domínio
da linguagem e o desenvolvimento é, antes de tudo, o resultado da experiência
cultural dos sujeitos.
Na busca de respostas à primeira questão investigativa, uma das importantes etapas
foi o desenvolvimento de um estudo exploratório inicial. A realização deste
constituiu-se como a nossa primeira aproximação com a escola infantil indígena. Na
análise dos dados constatamos situações em que, tanto para o professor quanto
para os alunos, a atividade oral não demonstrava apresentar importância em si.
Somente era “validada” se fosse acompanhada de atividade em que a escrita se
fizesse presente. Outra constatação foi perceber que a escrita que se consolidava
era basicamente pela elaboração de listas. Pensamos que tal ênfase à produção de
listas dá-se fundamentalmente pela concepção de aluno e de professores de que a
língua seria vista muito mais como um catálogo de palavras. Aprender, pois, a língua
estaria intimamente relacionado em aprender um sistema regido por normas que
teria como centro organizador um sistema lingüístico estável e fechado. Ou seja, um
sistema cuja aprendizagem ocorre pela repetição e que entende os sujeitos, como
inseridos numa comunidade lingüística cujo sistema já está constituído, precisando
apenas de ser assimilado no seu conjunto. Esse posicionamento acerca da língua já foi
muito criticado por Bakhtin (1999), uma vez que o autor propõe uma síntese dialética
cujas enunciações são inseridas num contexto mais amplo que compreende as
relações sociais organizadas. Diante o contexto apresentado, pensamos que o
153
debate acerca da educação infantil indígena carece de se ampliar. Torna-se
necessário reconhecer e garantir o espaço dessa etapa de escolarização como o
lugar do brincar, o lugar do reconhecimento de identidades, o lugar do
reconhecimento da cultura, minimizando o tratamento da criança como simples
copiadora.
Para abordarmos o oral como objeto de ensino na educação infantil indígena,
elegemos, como principal foco de atenção, as interações face a face. Propomos aos
educadores tomar a conversa como um gênero textual específico e a “roda de
conversa” como um espaço de interação verbal interessante, a fim de desenvolver
nos alunos capacidades de linguagem. A reflexão da conversa como um gênero
textual específico fez também ganhar força o debate acerca do entendimento que vê
na conversa, elementos que a justifiquem funcionar para além de um veículo de
transmissão de informações. Desse modo, além de caracterizada como uma
atividade cotidiana, organizada e organizadora da rotina pedagógica ou para o
estabelecimento de regras de boa convivência, a conversa na roda também se
tornou um instante pedagógico e dialógico de reflexão sobre a linguagem. A
realização de exercícios reflexivos sobre a linguagem nos momentos de rodas de
conversa passou, então, a ter outra dimensão.
Na continuidade de nossas constatações, outro resultado basilar, foi poder ouvir as
crianças acerca do tema investigado e perceber que também elas têm importantes
contribuições a dar ao pesquisador. A escuta cuidadosa considerou ser a criança um
indivíduo social, produzida na e produtora de cultura (Kramer, 1996). O exercício de
escutá-la levou a pesquisadora perceber que a criança muito tem a dizer sobre como
vê o mundo e como interage de maneira bem interessante nele. Tivemos essa
constatação, devido às conversas que tivemos com os pequenos. As crianças foram
instigadas a opinar acerca da roda de conversa que se realizava diariamente na sala
e dizer o que seria para elas o significado de “novidade”, pois no início de cada
rodinha, a educadora sempre começava com a pergunta: “qual a sua novidade?” Em
suas respostas, as crianças nos sinalizaram que roda de conversa deveria ser
efetivamente para tal: conversar. Ou seja, o espaço da roda seria um momento para
compartilhar uma história, discutir assuntos de família, passeios, noticiarem algo
relacionado com assuntos referentes à aldeia. Nestes momentos, as crianças
154
revelaram serem detentoras de muitos saberes que foram adquiridos no convívio
com a família e a comunidade, ou seja, conhecimentos que foram transmitidos a ela
por meio da oralidade. Mas, um outro aspecto importante a se considerar é que elas
pontuaram ainda que tudo deve ser realizado numa proposta que não se delongue
por demais, senão a atividade fica desmotivadora, de modo que a criança traz, como
possível solução a esse “demorar demais”, fazer atividade.
Considerando as respostas das crianças organizamos com os educadores duas
seqüências didáticas para a produção de gêneros textuais orais específicos, a serem
desenvolvidas no espaço da roda de conversa. A utilização, de seqüências didáticas
permitiu-nos desenvolver atividades mais estruturadas com as crianças e,
possibilitaram-nos organizar as atividades orais em torno de um gênero textual. Com
a utilização de tal procedimento, um exercício mais interativo e reflexivo se
instaurou, e as interações verbais entre a pesquisadora, a educadora e as crianças e
dessas com seus pares se intensificaram. As reflexões sobre a linguagem
apresentaram influências nas produções de gêneros textuais orais das crianças,
demonstrando por essas, a tomada de consciência da linguagem, seu
funcionamento e enunciação em diversas situações de produção. Em Bakhtin
(2004), temos essas confirmações, pois, segundo o autor “[...] a enunciação é
produto de interação entre dois indivíduos socialmente organizados [...]” e a tomada
de “[...] consciência pode dispensar uma expressão exterior, mas, não dispensa uma
expressão ideológica” (Bakhtin, 2004, p. 114). A apropriação do conhecimento
poderia ser entendida, pela mediação entre os sujeitos que constroem os
conhecimentos nas relações interpessoais. Assim, o mais importante de tudo, sem
dúvida, é o que pesa com relação às riquezas dessas interações entre os envolvidos
por meio da linguagem, que exerce papel fundamental e mediador das relações
entre o homem e sua história, a sua apropriação cognitiva e o exterior discursivo.
Essas constatações vêm para reafirmar o que observamos, ou seja, é possível, com
crianças pequenas, promover situações em que elas reflitam sobre a linguagem e se
apropriem de elementos que contribuam para uma melhor elaboração de sua
comunicação com os outros. Como demonstramos nas análises dos textos (capítulo
4), tal apropriação se deu tanto em nível do conteúdo discursivo, no que se refere à
seleção de palavras, à adaptação ao público, à organização do conteúdo, como
também em sua expressão lingüística, ao tratar de escolhas pertinentes referentes a
155
mecanismos de coesão verbal e nominal ou mesmo de gestão de vozes
enunciativas presentes no decorrer da produção textual. Nestes instantes interativos
as crianças puderam atentar também para a escolha das palavras, a hierarquização
de informações numa preocupação de sempre tornar o texto, e em nosso caso o
oral, um tecido coerente.
A conversa na roda apresentou-se como um momento propício para a
sistematização de conhecimentos cotidianos e foram importantes porque, por meio
delas foi possível constatar o quanto a tradição oral ainda é importante nesta
sociedade. Os sujeitos pesquisados, apesar de estarem inseridos em um contexto
onde a escrita é predominante, ainda têm suas tradições e conhecimentos
repassados às gerações mais novas por meio da oralidade. Assim, ao tomar, na
educação indígena, a oralidade como objeto de ensino numa prática reflexiva sobre
a linguagem, estamos respeitando um dos direitos conseguidos pelos povos
indígenas e que se encontra assegurado na Constituição Federal, que é a utilização
de processos próprios de aprendizagem. Como vimos, anteriormente, nas aldeias de
etnia Tupinikim, a escola é uma instituição que muito recentemente foi incorporada
ao cotidiano social. Desse modo, o ensino-aprendizagem da oralidade e pela
oralidade por si só já faz parte do resgate e da preservação da cultura Tupinikim,
uma vez que este objeto e recurso de aprendizagem é um dos elementos da cultura
desse e de outros povos indígenas.
O desenvolvimento de todo o trabalho demonstrou que, os momentos de reflexão
sobre a linguagem, na roda de conversa, possibilitam desde já, à criança pequena
estar atenta à condição de produção textual. Isto é, possibilita que a criança da
educação infantil esteja atenta às condições essenciais que favorecem o processo
dialógico da linguagem. Cumprir a missão do diálogo, ou pelo menos ter a pretensão
de fazê-lo, foram os elementos essenciais a dar a este trabalho um sentido de
acabamento. Ainda que provisório, é propenso a réplicas para que com ele outros
interajam de forma a superar as limitações dessas considerações finais ampliando o
debate acerca naquilo que ficou por dizer.
156
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Vânia C. Ética e estética tecendo um olhar a partir da criança. In:
Cadernos de Pesquisa em Educação. Universidade Federal do Espírito Santo,
Centro Pedagógico, Programa de Pós-Graduação em Educação, Vitória, v. 11, n. 22,
p. 107-120, jul./dez. 2005.
ALCÂNTARA, Regina Godinho. Unidades microlingüísticas, relações entre
oralidade e escrita e gêneros textuais: possibilidades de abordagens no ensino da
Língua Portuguesa. 2006. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-
Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2006.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2003.
____. Marxismo e Filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método
sociológico na ciência da linguagem. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.
BARBOSA, Marly de Souza. O lugar da discussão oral argumentativa na sala de
aula: uma análise enunciativo-discursiva. 2001. Dissertação (Mestrado em
Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem) – Programa de Lingüística Aplicada
ao Ensino de Línguas, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2001.
BAZÍLIO, Luiz Cavalieri; KRAMER, Sônia. Infância, educação e direitos humanos.
São Paulo: Cortez, 2003.
BENJAMIN, Walter. Infância em Berlim. In. BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas.
5. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, vol. II,1995.
______. Rua de mão única. In: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. 5. ed. São
Paulo: Editora Brasiliense, vol. II,1995.
BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-chave. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2005.
157
BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília:
MEC, v.3, 1998.
BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação indígena. Brasília:
MEC, 1998.
BRITO, Ângela Coelho de. O movimento discursivo nas rodinhas de crianças de
4 e 5 anos na creche UFF. 2004. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa
de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004.
BRITO, Ângela. As rodinhas na creche: uma perspectiva de investigação do
movimento discursivo das crianças de 4 e 5 anos. In. REUNIÃO ANUAL DA
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PÓS-
GRADUAÇÃO (ANPED), 28, 2005. Caxambu. Anais... Caxambu: ANPED, 2005. 1
CD-ROM.
CADERNOS CEDES. Educação Indígena e interculturalidade. Campinas:
Unicamp, 2000, n. 49.
CANDAU, Vera Maria F. Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes.
1997.
____. Pluralismo cultural, cotidiano escolar e formação de professores. In: CANDAU,
Vera Maria F. Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes. 1997. p.237-
250.
______. Formação Continuada de professores: tendências atuais. In: CANDAU,
Vera Maria F. Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes. 1997. p. 51-68.
CANEN, Ana. Formação de professores e diversidade cultural. In: CANDAU, Vera
Maria F. Magistério: construção cotidiana. Petrópolis: Vozes. 1997. p. 205-236.
158
CARDIM, Fernão. Tratado da terra e gente do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia,
1980.
CEREJA, William. Significação e tema. In. BRAIT, Beth (Org.). Bakhtin: conceitos-
chave. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2005. p. 201-220.
CERISARA, Ana Beatriz. A educação infantil e as implicações pedagógicas do
modelo histórico-cultural. In: Cadernos CEDES. São Paulo, 1995. n. 35, p. 65-78.
CICCARONE, Celeste Tangerino (Org.). Memória vivia guarani: revelações sobre
a terra. Comunidade Tekoa Porã. Vitória: UFES, 1996.
COHN, Clarice. A experiência da infância e o aprendizado entre os Xikrin. In: SILVA,
Aracy Lopes da; MACEDO, Ana Vera Lopes da; NUNES, Ângela (Org.). Crianças
indígenas: ensaios antropológicos. São Paulo: Global, 2002. p. 117-149.
COMUNIDADES Indígenas Tupinikim e Guarani. Carta aberta à população. Aracruz,
2006.
COSTA, Iara Bemquerer. Gêneros escolares e tradição escolar. In: Revista Letras.
Curitiba: Editora UFPR, n. 66, p. 177-189, maio/ago. 2005.
COTA, Maria das Graças. Educação escolar: a construção de uma educação
diferenciada, e específica, intercultural e bilíngüe entre os Tupinikim do
Espírito Santo. 2000. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-
Graduação em Educação. Universidade Federal do Espírito Santo. Vitória, 2000.
____ . A produção teórica sobre a educação escolar indígena. [no prelo].
CRUZ, Maurilen de Paulo. Faça-se Aracruz. Serra-ES: Edições Tempo Novo, 1997.
159
DIAS, Elen. Falar ou não falar?: eis a questão. 2003. Dissertação (Mestrado em
Estudos Lingüísticos) – Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita”, São José do Rio Preto, 2003.
DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLY, Bernard. Seqüência didática
para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In. SCHNEUWLY,
Bernard; DOLZ, Joaquim. e colaboradores. Gêneros orais e escritos na escola.
Tradução de Glaís Cordeiro e Roxane Rojo. Campinas /São Paulo: Mercado de
Letras, 2004. p. 95-128.
EDUCADORES INDÍGENAS TUPINIKIM E GUARANI. Um currículo para as
escolas das aldeias Tupinikim e Guarani. [S.I.: s.s.n.], 1999.
ESCOREL, Sarah. Vidas ao léu: trajetórias de exclusão social. Rio de Janeiro:
Fioruz, 1999.
ESTUDO antropológico sobre as terras e as populações indígenas situadas próximo
ao traçado do Gasoduto Cacimbas. RELATÓRIO FINAL. Gasoduto Cacimbas.
Vitória, ES, 2004.
ESTUDO etnoecológico das terras indígenas do Espírito Santo. RELATÓRIO FINAL.
Petrobrás / Biodinâmica. Março, 2005.
FACCI, Marilda Gonçalves Dias. Valorização ou esvaziamento do trabalho do
professor?: um estudo crítico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do
construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas: Autores Associados,
2004.
FAUNDEZ, Antônio. A pedagogia do texto em algumas palavras. Intercâmbios –
Informativo Semestral do Instituto para o Desenvolvimento e Educação de
adultos, Vitória, ano VIII, n. 12, jul. 1999.
160
FAUNDEZ, Antônio; MUGRABI, Edivanda; SANCHEZ, Antônio (Org.). Desarrollo de
la educación y educación para el desarrollo integral. Medellín: Lorenza Correa
Restrepo/ Universidad de Medelin, 2006.
FAUNDEZ, Antônio. A la búsqueda de la calidad educativa: el enfoque pedagogía
del texto (PdT). In. FAUNDEZ, Antônio; MUGRABI, Edivanda; SANCHEZ, Antônio
(Org.). Desarrollo de la educación y educación para el desarrollo integral.
Medellín: Lorenza Correa Restrepo/ Universidad de Medelin, 2006, p. 219-228.
FERNANDES, Florestan. Aspectos da educação na sociedade Tupinambá. In.
SCHADEN, Egon (org.). Leituras de etnologia brasileira. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1976, p. 63-86.
FILLIETTAZ, Laurent. As contribuições de uma abordagem praxeológica do discurso
para a análise do trabalho do professor. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O
ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004, p.
201-235.
FLEURI, Reinaldo (Org.). Educação intercultural: mediações necessárias. Rio de
Janeiro: DP&A, 2003.
FOERSTE, Erineu. Parceira na formação de professores. São Paulo: Cortez,
2005.
FREIRE, José Ribamar Bessa. Trajetória de muitas perdas e poucos ganhos. In.
IBASE. Educação escolar indígena em Terra Brasilis: tempo de novo
descobrimento. Rio de Janeiro: Ibase, 2004. p. 11-31.
FUNAI. Censo Demográfico Indígena, 2006.
______. Educadores Tupinikim: resgatando a memória e a tradição. Aracruz,
1996.
161
GARCIA, Elisa Frühauf. Guarani, a língua proibida. In: Revista de História da
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, ano I, n. 1, p. 73-77, jul. 2005.
GANDAVO, Pero de Magalhães. História da Província Santa Cruz. Belo Horizonte:
Itatiaia, 1980.
GIDDENS, A; BECK, U; LASH, S. Modernização reflexiva. São Paulo: UNESP,
1997.
GHIRALDELLI, Paulo Jr. (Org.). Infância, educação e neoliberalismo. 3. ed. São
Paulo: Cortez, 2002.
GONÇALVES DIAS, A. Relatórios e diário da viagem ao rio Negro. In: MONTELLO,
Josué (introdução). Gonçalves Dias na Amazônia: relatórios e diário da viagem
ao Rio Negro. Rio de Janeiro: Academias Brasileiras de Letras, 2002.
GOULART, Cecília Maria Aldiguieri. Histórias de crianças, linguagem e educação
infantil. In: Cadernos de Pesquisa em Educação. Universidade Federal do Espírito
Santo, Centro Pedagógico, Programa de Pós-Graduação em Educação. Vitória, v
11, n. 22, jul./dez. 2005.
GUIMARAES, Ana Maria de Mattos. Construindo Proposta de didatização de
Gênero: desafios e possibilidades. In: BONINI, Adair; FURLANETTO, Maria Marta
(Org.). Linguagem em (Dis)curso. Tubarão. SC: Unisul, 2006, v. 6, n. 3, p. 347-
374.
IBASE. Educação escolar indígena em Terra Brasilis: tempo de novo
descobrimento. Rio de Janeiro: Ibase, 2004.
JESUS, Nilma do Carmo de. Formação continuada com os educadores
tupinikim das escolas de comboios e pau-brasil: uma experiência a ser
socializada. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de pós-
graduação: Educação e Currículo, PUC- SP, 2007.
162
JOBIM E SOUZA, Solange. Infância e linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamin.
Campinas, São Paulo: Papirus, 1994.
JOBIM e SOUZA, Solange; PEREIRA, Rita M. Ribes e. Infância, conhecimento e
contemporaneidade. In: KRAMER, Sonia; LEITE, Maria Isabel F. Pereira. (Org.).
Infância e produção cultural. Campinas, São Paulo: Papirus, 1998, p. 25-42.
JOBIM e SOUZA, Solange. Ressignificando a psicologia do desenvolvimento: uma
contribuição crítica à pesquisa da infância. In: KRAMER, Sonia e LEITE, Maria
Isabel. (Orgs.). Infância: fios e desafios da pesquisa. Campinas: Papirus, 1996. p.
39-55
KRAMER, Sonia. Pesquisando infância e educação: um encontro com Walter
Benjamin. In: KRAMER, Sonia e LEITE, Maria Isabel (Org.). Infância: fios e
desafios da pesquisa. Campinas: Papirus, 1996, p. 13-38.
KRAMER, Sonia (Org.). Profissionais da educação infantil: gestão e formação.
São Paulo: Ática, 2005.
KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. La conversacion. Tradução de Edivanda
Mugrabi. Paris: Seuil, 1996.
KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. Análise da conversação: princípios e
métodos. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.
KURY, Adriano da Gama. Novidade. In: Minidicionário Gama Kury da língua
portuguesa. São Paulo: FTD, 2002, p. 746.
LADEIRA, Maria Inês. O caminhar sob a luz: o território mbyá a beira do oceano.
Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. 1992.
MACHADO, Ana Rachel. O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva.
Londrina: Eduel, 2004.
163
MACHADO, Ana Rachel; CRISTÓVÃO, Vera Lúcia Lopes. A construção de modelos
didáticos de gêneros: aportes e questionamentos para o ensino de gêneros. In:
BONINI, Adair; FURLANETTO, Maria Marta. Linguagem em (Dis)curso. Tubarão.
SC: Editora Unisul, 2006. p. 547-574.
MAGALHÃES, Doris Reis de. Concepções, crenças e atitudes dos educadores
Tupinikim frente à Matemática. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação)-
Programa de Pós Graduação em Educação. Universidade Federal do Espírito Santo.
Vitória, 2007.
MARCILINO, Ozirlei Teresa. Ensino e aprendizagem na educação indígena do
Espírito Santo: a busca de um diálogo com a Etnomatemática. 2005. Dissertação
(Mestrado em Educação) - Programa de Pós Graduação em Educação.
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2005.
MARCUSCHI, Luiz A. Análise da conversação. 5. ed. São Paulo: Ática, 2003.
MARCUSCHI, Luiz A. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 6. ed.
São Paulo: Editora Cortez, 2005.
MEDIANO, Zélia D. A formação em serviço de professores através de oficinas
pedagógicas. In: CANDAU, Vera Maria F. Magistério: construção cotidiana.
Petrópolis: Vozes. 1997, p. 91-109.
MELIÁ, Bartolomeu. Educação indígena na escola. In: CADERNOS CEDES.
Educação Indígena e interculturalidade. Campinas, p. 11-17, 2000.
MICARELLO, Hilda. Formação de profissionais da educação infantil: ”sair da teoria e
entrar na prática”?. In: KRAMER, Sônia (Org.). Profissionais da educação infantil:
gestão e formação. São Paulo: Ática, 2005, p. 140-155.
MONTE, Nietta Lindenberg. Escolas da floresta: entre o passado oral e o
presente letrado. Rio de Janeiro: Multiletra, 1996.
164
MONTEIRO, John Manuel (org.). Guia de fontes para a história indígena e do
indigenismo em arquivos brasileiros: acervos das capitais. São Paulo: USP,
1994.
______. O desafio da história indígena. In. SILVA, Aracy; GRUPIONI, Luiz D. B.
(Org.). A temática indígena na escola: novos subsídios para professores de 1º ao
2º grau. 4 ed. São Paulo: Global, Brasília: MEC/MARI, UNESCO, 1995. p. 221-236.
MUGRABI, Edivanda; DOXSEY, J. Introdução à pesquisa em educação. Vitória:
UFES, 2003.
______. A pedagogia do texto e o ensino-aprendizagem de línguas. Vitória:
Instituto para o Desenvolvimento e Educação de Adultos, 2002.
______. De las teorías lingüísticas a la realización de praticas: aportes lingüísticos
para las propuestas educativas bajo el enfoque de la pedagogía del texto. In:
FAUNDEZ, Antônio; MUGRABI, Edivanda; SANCHEZ, Antônio (Org.). Desarrollo de
la educación y educación para el desarrollo integral. Medellín: Lorenza Correa
Restrepo/ Universidad de Medelin, 2006.
______. O desenvolvimento da capacidade de escrita nas escolas indignas
Tupinikim e Guarani. In: A pedagogia do texto revisitada. 2005.
______. (Org.). Os Tupinikim e Guarani na luta pela terra. Brasília: MEC/SEF.
2001.
______. (Org.). Os Tupinikim e Guarani contam. Brasília: MEC/SEF. 2005.
MUÑOZ, María Gisela Clavijo. La formación de animadoras desde el enfoque de
la pedagogía del testo y su incidencia en los textos producidos por las
mismas: experiencia de Itagui, Colombia. 2006. 198 f. Dissertação (Mestrado) –
Programa de Pós-Graduação em Educação. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo, 2006.
165
NASCIMENTO, Adir Casaro; BRAND, Antonio J.; AGUILERA URQUIZA, A.H.
Entender o outro - criança indígena e a questão da educação infantil. In. REUNIÃO
ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM
PÓS-GRADUAÇÃO (ANPED), 29., 2006. Caxambu. Anais... Caxambu: ANPEd,
2006. 1 CD-ROM
NEVES, Eliana Bravim Teixeira. Recursos didáticos: semiotizando o processo
ensino-aprendizagem. 2005. 272 f. Dissertação (Mestrado em Educação) –
Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo,
Vitória, 2005.
NUNES, Deise Gonçalves. Reconhecimento social da infância no Brasil: da
menoridade à cidadania. In: VASCONCELLOS, Vera Maria Ramos (Org.).
Educação e infância: história e política. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. p. 73-97.
NUNES, Ângela. No tempo e no espaço: brincadeiras das crianças A’uwe-Xavante.
In: SILVA, Aracy Lopes da; MACEDO, Ana Vera Lopes da; NUNES, Ângela (Org.).
Crianças indígenas: ensaios antropológicos. São Paulo: Global, 2002. p. 64-99.
OLIVEIRA, Marta Kohl de. O pensamento de Vygotsky como fonte de reflexão sobre
educação. In: Cadernos CEDES. São Paulo, n. 35, p. 9-14, 1995.
______. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-
histórico. São Paulo: Scipione, 1995.
OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação infantil: fundamentos e métodos. 2. ed.
São Paulo: Editora Cortez, 2005.
PADILHA, Luciana de Andrade. O ensino-aprendizagem da gramática e a
Pedagogia do Texto. 2005. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de
Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória,
2005.
166
PALANGANA, Isilda C. A função da linguagem na formação da consciência:
reflexões.In: Cadernos Cedes. São Paulo, n. 35, p. 15-28,1995.
PEREIRA, Rita Marisa Ribes; JOBIM E SOUZA, Solange. Infância, conhecimento e
contemporaneidade. In: KRAMER, Sonia; LEITE, Maria Isabel Pereira. (Orgs.).
Infância e produção cultural. Campinas, São Paulo: Papirus, 1998, p. 25-42.
PEROTA, Celso. Os Tupinikim no Espírito Santo. In: Boletim do departamento de
Ciências Sociais. Vitória, n.4,1985.
PETROBRÁS, Relatório Final. Estudo antropológico sobre as terras e as
populações indígenas situadas próximo ao traçado do Gasoduto Cacimbas –
Vitória / Relatório Final, 2004.
PRETI, Dino. Análise de textos orais. 6. ed. São Paulo: Humanitas Publicações,
2003.
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO. Catálogo comemorativo dos 25 anos do
programa de Pós-graduação em Educação. Vitória, 2003.
RODRIGUES, Rosângela Hammes. Os gêneros do discurso na perspectiva dialógica
da linguagem: a abordagem de Bakhtin. In: MEURER, J.L; BONINI, Adair; MOTTA-
ROTH, Désirée. (Org.). Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola,
2005, p.152-183.
ROJO, Roxane. Gêneros do Discurso e gêneros textuais: questões teóricas e
aplicadas. In: MEURER, J.L; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Désirée. (Org.).
Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005, p. 184-207.
ROSEMBERG, Fúlvia. Educação infantil brasileira contemporânea. Cadernos de
Pesquisa em Educação / Universidade Federal do Espírito Santo, Centro
Pedagógico, programa de Pós-Graduação em Educação, v. 11, n. 22. p. 27-93,
Vitória, jul./dez. 2005
167
SANCHEZ, Antonio. Contribuições de Paul Ricouer para a fundamentação e
desenvolvimento da Pedagogia do Texto: antecedentes, significados e
alcances hermenêuticos da teoria do texto. 2006. Dissertação (Mestrado) –
Programa de Pós-Graduação em Educação. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo, 2006.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. e colaboradores. Gêneros orais e
escritos na escola. Tradução de Glaís Cordeiro e Roxane Rojo. Campinas, São
Paulo: Mercado de Letras, 2004.
______. Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de ensino. In:
Revista Brasileira de Educação. Tradução de Glaís Sales Cordeiro. São Paulo. n.
11. maio./jun./jul./ago. 1999.
SILVA, Aracy; GRUPIONI, Luiz D. B. (Org.). A temática indígena na escola: novos
subsídios para professores de 1º ao 2º grau. 4. ed. São Paulo: Global, Brasília:
MEC/MARI, UNESCO, 1995.
SILVA, Gilberto F da. Multiculturalismo e educação intercultural: vertentes históricas
e repercussões atuais na educação. In: FLEURY, Reinaldo Matias. Educação
intercultural: mediações necessárias. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
SILVA, Aracy Lopes da. Pequenos “xamãs”: crianças indígenas, corporalidade e
escolarização. In: SILVA, Aracy Lopes da; MACEDO, Ana Vera Lopes da; NUNES,
Ângela (Org.). Crianças indígenas: ensaios antropológicos. São Paulo: Global,
2002. p.37-63.
SILVA, Aracy Lopes da, MACEDO, Ana Vera Lopes da; NUNES, Ângela (Org.).
Crianças indígenas: ensaios antropológicos. São Paulo: Global, 2002.
TEAO, Kalna Mareto. Arandu Renda Reko: A vida da escola Guarani Mbya. 2007.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2007.
168
TEIXEIRA, Raquel F. A. As línguas indígenas no Brasil. In. SILVA, Aracy;
GRUPIONI, Luiz D. B. (Org.). A temática indígena na escola: novos subsídios
para professores de 1º ao 2º grau. 4 ed. São Paulo: Global, Brasília: MEC/MARI,
UNESCO, 1995. p.291-311.
TUNES, Elisabeth. Os conceitos científicos e o desenvolvimento do pensamento
verbal. In: Cadernos CEDES. São Paulo, p. 29- 40, 1995.
VASCONCELLOS, Vera Maria Ramos (Org.). Educação da infância: política e
história. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.
VYGOTSKY, Lev Semiónovich. Obras escogidas. Madrid: Visor, 1995. Tomos III.
VYGOTSKY, Lev Semiónovich. Desarrollo Del lenguaje oral. In: VYGOTSKY, Lev
Semiónovich. Obras escogidas. Madrid: Visor, 1995. Tomos III.
VYGOTSKY, Lev Semiónovich. A construção do pensamento e linguagem.
Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
169
APÊNDICE
170
APÊNDICE A – Primeira Seqüência Didática
SEQÜÊNCIA DIDÁTICA PARA DESENVOLVER A CAPACIDADE DE REGULAÇÃO ORAL DE COMPORTAMENTOS
Problemática: A interação do povo Tupinikim e Guarani com o meio ambiente Tipologia Textual: Instruir Gênero Textual: Modo de montagem Apresentação: A partir da utilização de sucatas os alunos vão produzir alguns brinquedos e em uma manhã recreativa ensinar a alunos de uma outra sala os procedimentos de montagem do brinquedo.
Produção inicial: O educador confeccionará junto aos alunos um brinquedo: um telefone sem fio. Após a confecção desenvolver exercícios de linguagem onde o aluno expõe como o objeto foi montado. Produção do T 1.
Oficinas: Oficina 01: Brincadeiras (tempo estimado de 40 minutos) O educador realizará no pátio brincadeiras: -Tudo o que o seu mestre mandar -Morto vivo Oficina 02: Trabalhando em grupos -Dividir os alunos em pequenos grupos para que com materiais diversos confeccionem um brinquedo a ser apresentado / ensinado os procedimentos de montagem o sua montagem para a outra turma. -Produção oral do texto de apresentação (T2): exercitar a escuta do colega; conversar sobre modos de apresentação: clareza ao falar, objetividade ao se dirigir aos colegas da outra turma. -Na roda conversar sobre as ações desenvolvidas nas brincadeiras. Oficina 03: Leitura e produção de texto -Leitura (feita pelo professor) de um texto que ensina a fazer (receita de bolo, de massinha de modelar de salada de frutas, etc). -Escrever a lista de ingredientes necessários. -Fazer a receita com a colaboração das crianças -Discutir na roda de conversa sobre as ações realizadas Oficina 04: Preparação da apresentação -Trabalho em grupo (preparativos das apresentações) -Preparação de um convite a ser enviado à outra turma Produção final: Apresentação -Os alunos organizam a sala -Os alunos fazem as apresentações aos alunos convidados -Após a apresentação, sentados em roda discutem sobre o que foi positivo e o que foi negativo no desenvolvimento das atividades. Observação: dentre os trabalhos realizados na oficina 04 um dos grupos irá apresentar para a outra turma.
171
APÊNDICE B – Segunda Seqüência Didática
SEQÜÊNCIA DIDÁTICA PARA DESENVOLVER O RELATAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL Problemática: A organização sócio-política no contexto regional, nacional e mundial. Tipologia Textual: Relatar Gênero Textual: História de vida Apresentação: -Sentados em roda, propor às crianças a montagem de um documentário / arquivo de relatos de histórias de vida. -Discutir que com este documentário / arquivo de histórias de vida, a escola e a comunidade Tupinikim terá acesso a relatos de caráter histórico a dar pistas sobre a reorganização da aldeia. -Discutir a possibilidade de também as crianças gravarem depoimentos onde possam relatar fatos importantes ocorridos em sua vida. -Combinar com as crianças que o resultado deste trabalho será apresentado na reunião de confraternização ao final do ano entre os alunos da escola e os pais.
Produção inicial: Em roda de conversa cada aluno apresentará oralmente sobre sua história de vida. Este momento a ser gravado com gravador de voz será categorizado como a produção do T1. Os alunos terão como organizador de seu texto oral a seguinte proposição: “Vamos falar sobre alguns fatos ocorridos em sua história de vida”.
Oficinas: 1ª-Oficina: Referendando-se em algumas histórias de vida. (20 minutos) -Em roda de conversa, ler para as crianças a biografia e / ou dados biográficos sobre algum personagem conhecido na aldeia (o cacique Cizenando, por exemplo). -Conversar sobre as impressões que tiveram do texto lido. Que fato mais lhes chamou atenção. -Conversar sobre a possibilidade de se convidar uma pessoa importante da comunidade que desenvolva algo que ajude na preservação cultural dos indígenas. -Definir a pessoa considerando os seguintes critérios: alguém que em sua história de vida tenha contribuído para manter certas tradições indígenas; que seja uma pessoa que sempre participa das reuniões da comunidade, etc. 2ª-Oficina: Organizar entrevista com uma pessoa de destaque na comunidade. (40 minutos) -Ler para os alunos um texto (entrevista), atendo-se as perguntas feitas. -Definir com as crianças o que se vai perguntar. - Definir quem vai perguntar, quem vai agradecer a presença do convidado. 3ª-Oficina: Entrevista. (60 minutos) -Em uma roda de conversa realizar a entrevista com a pessoa escolhida. 4ª-Oficina: Registro. (60 minutos) -Em roda, ouvir a produção inicial realizada (selecionar informações) -Decidir com os alunos as informações necessárias e mais curiosas sobre a história de vida de cada um deles (subsídios para o T2, observando-se o que se falou e a partir da escuta selecionar alguns critérios a serem considerados quando no momento da gravação do T2). -Refletir e avaliar com os alunos alguns critérios recorrentes nas apresentações e outros que devem ser considerados (primeira avaliação) a) Se o enunciado está claro ou não; audível ou não;
172
b) Se, foram faladas apenas algumas palavras sem muita ligação. Ou se foram ditos de maneira mais elaborada; c) Se os eventos ou ações são enunciadas segundo a ordem em que ocorrem. 5ª-Oficina: Gravação de depoimentos (120 minutos) -Gravar os depoimentos dos alunos (T2) tendo como suporte as questões abaixo: 1-Qual o seu nome, sua idade e diga algo que você mais gosta de fazer. 2-Fale um pouquinho de seus pais dizendo: nome, profissão, etc. 3-Quando você não está na escola o que você costuma fazer? 4-Na sua opinião cite um problema que afeta / prejudica os índios. 5-Se hoje você fosse o cacique da aldeia que providência você tomaria para tornar a aldeia o melhor lugar para se viver? 6ª- Oficina: Avaliação conversa sobre os textos produzidos Produção final: Apresentação do documentário -Apresentar o documentário / arquivo / história de vida.
173
APENDICE C – QUESTÕES ELABORADAS COM AS CRIANÇAS PARA A
ENTREVISTA COM O CACIQUE
Questões ao entrevistado:
1- Valdeir e seu Antonino, quantos anos vocês tem?
2- De que vocês brincavam quando eram crianças?
3- E o que vocês comiam?
4- Seu Antonino o senhor gostou de ser Cacique?
5- Valdeir, você gosta de ser cacique?
6- Seu Antonino, em que ano surgiu a aldeia de pau Brasil?
7- Por que a nossa aldeia tem o nome de Pau Brasil?
8- Valdeir, você acha que tem algum problema aqui na aldeia?
9- Valdeir e Seu Antonino, conte uma história pra nós.
174
APENDICE D – QUESTÕES DINAMIZADORAS DA CONVERSA NA NONA RODA
(2ª SEQUENCIA DIDÁTICA)
1- OS FATOS FORAM CONTADOS NA ORDEM LÓGICA EM QUE
ACONTECERAM?
2- O TOM DE VOZ DO NARRADOR ATRAIU A ATENÇÃO DOS
INTERLOCUTORES
3- AO CITAR ALGUÉM, DURANTE O RELATO, O NARRADOR RELATOU
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA PESSOA E/OU ANIMAL CITADO?
4- AO RELATAR SUA HISTÓRIA, A PESSOA UTILIZOU-SE DE SENTENÇAS
INTEIRAS OU FALOU APENAS ALGUMAS PALAVRINHAS?
5- QUAL O ACONTECIMENTO CENTRAL RELATADO?
6- O NARRADOR DEIXA CLARO: QUANDO SE PASSA A HISTÓRIA? ONDE SE
PASSA A HISTÓRIA?
7- EM QUE O RELATO PODERIA MELHORAR?
175
ANEXOS
176
ANEXO A - Convenções para a transcrição das fitas59
CONVENÇÃO
SIGNIFICADO
( . ) , ( .. )
Pausa de duração variável
( : )
Alongamentos silábicos
(Sublinhados)
Superposições
XX
Segmentos ininteligíveis
Maiúsculas Indicam os acentos de assistência
[ ] Comentários do transcritor, incidindo
sobre as condutas não verbais.
59 As convenções de transcrição foram adaptadas a partir de FILLIETTAZ, Laurent. As contribuições de uma abordagem praxeológica do discurso para a análise do trabalho do professor. In: MACHADO, Anna Rachel (Org.). O ensino como trabalho: uma abordagem discursiva. Londrina: Eduel, 2004 p. 201-235.
177
ANEXO B – Formulário para caracterização da instituição educativa indígena60
Este instrumento de pesquisa será utilizado para coletar informações destinadas à
caracterização da instituição educativa infantil indígena
1 . Nome da Instituição: ________________________________________________
2 . Endereço: ________________________________________________________
3 . Ano de fundação: __________________________________________________
4 . Aspecto físico: _____________________________________________________
a) Número de salas de aula: ____________________________________________
b) Condições das salas de aula:__________________________________________
c) Possui biblioteca? __________________________________________________
d) Possui refeitório? ___________________________________________________
g) Outros espaços: ____________________________________________________
5 . Recursos humanos:
a) Número de professores: ______________________________________________
b Número de alunos: __________________________________________________
c) Número de alunos por idade:
1 ano ( ) 2 anos ( ) 3 anos ( ) 4 anos ( ) 5 anos ( )
d) Número de faxineiras e merendeiras: ___________________________________
6 . Recursos materiais:
a) Tipo de materiais pedagógicos existentes na escola: _______________________
b) Recursos audiovisuais:_______________________________________________
60 Os exemplares dos anexos B,C, D e E foram tomados de empréstimos e aqui adaptados, a partir do projeto de pesquisa “Alfabetização de crianças no contexto da educação infantil”, de autoria de Bianca Caroselli que teve como orientadora a Prof. Drª Cláudia Mendes Gontijo.
178
7 . Histórico da escola: _________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
179
ANEXO C – Folha do diário de campo
O diário de campo será um instrumento de pesquisa destinado ao registro de
aspectos importantes a serem considerados durante:
1 – Estudo exploratório (filmagens)
Escola:______________________________________________________________
Data:_______________________________________________________________
Horário:_____________________________________________________________
Roteiro a se seguir ao observar práticas de linguagem oral:
a) Nome da atividade e/ou prática: _______________________________________
b) Como os alunos estão organizados? ____________________________________
c) Como a professora se enuncia as atividades?_____________________________
d) Como as crianças se manifestam diante das falas da professora? _____________
e) Como as atividades se desenvolvem? ___________________________________
f) Como as crianças se manifestam diante fala dos demais colegas? _____________
___________________________________________________________________
h) Quais atividades ocorrem nas salas? ___________________________________
2-Transcrição das fitas e análise dos dados
Escola:______________________________________________________________
Data:_______________
Horário:_____________
Oservações:_________________________________________________________
___________________________________________________________________
180
ANEXO D – Roteiro da entrevista com a professora
Este instrumento de pesquisa será utilizado para coletar as informações para a
caracterização da professora da classe envolvida no estudo.
1. Sexo:
Masculino ( )
Feminino ( )
2. Idade
Abaixo de 25 anos ( )
Entre 26 e 30 anos ( )
Entre 31 e 35 anos ( )
Entre 36 e 40 anos ( )
Mais de 40 anos ( )
3. Você trabalha em:
Uma só escola ( )
Duas escolas ( )
Três escolas ou mais ( )
4. Nesta escola você é:
Profissional efetivo ( )
Profissional contratado ( )
Profissional com designação temporária ( )
Outros
Especificar: _______________________________________________________
5. Além de trabalhar nesta (s) escola (s), você exerce outra atividade
profissional?
Sim ( )
Não ( )
Se sua resposta foi afirmativa, qual é essa atividade? ______________________
6. Sua formação acadêmica está em nível:
181
( ) Médio - tipo de curso: ______________________________
( ) Licenciatura curta - tipo de curso: _____________________________
( ) Licenciatura plena - tipo de curso: _____________________________
( ) Pós-graduação / aperfeiçoamento (menos de 360 horas)
( ) Pós-graduação / especialização (360 horas ou mais)
( ) Mestrado
( ) Outros
Especificar:_______________________________________________________
7. Sua experiência como professor (a):
( ) abaixo de 2 anos
( ) entre 2 até 5 anos
( ) entre 5 até 7 anos
( ) entre 7 até 10 anos
( ) acima de 10 anos
8. Sua experiência profissional foi adquirida:
( ) na docência em nível de educação infantil
( ) na docência em nível fundamental (1ª a 4ª série)
( ) na docência em nível fundamental ( 5ª a 8ª série)
( ) na docência em nível médio
( ) na docência e em funções técnicas de ensino
9. Você participou de outros cursos que tenham contribuído para a sua formação
como professor (a)?
( ) sim
( ) não
Se sua resposta foi afirmativa, indique quais, citando três, por ordem de
relevância, e indicando a carga horária correspondente: ____________________
10. Você assina jornais, revistas, periódicos?
( ) sim
( ) não
Se sua resposta foi afirmativa, quais? __________________________________
182
11. Participa de congressos, seminários ou encontros similares?
( ) Sempre
( ) Às vezes
( ) Nunca
12. Suas atividades culturais mais freqüentes são:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - ouvir rádio
( ) ( ) ( ) - assistir à TV
( ) ( ) ( ) - assistir à vídeo
( ) ( ) ( ) - ir ao cinema
( ) ( ) ( ) - ir ao teatro
Especificar outras, caso haja:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - _________________________
( ) ( ) ( ) - _________________________
( ) ( ) ( ) - _________________________
13. Suas leituras mais comuns:
SEMPRE ÀS VEZES NUNCA
( ) ( ) ( ) - jornais locais
( ) ( ) ( ) - periódicos da área de educação
( ) ( ) ( ) - livros didáticos
( ) ( ) ( ) - livros variados sobre educação
( ) ( ) ( ) - periódicos diversos
183
ANEXO E – Formulário para caracterização das crianças
Este formulário será instrumento de pesquisa usado para coletar informações
destinadas à caracterização das crianças.
1. Nome da criança___________________________________________________
Endereço completo:_________________________________________________
2. Idade:
3 anos ( )
4 anos ( )
5 anos ( )
6 anos ( )
Especificar a quantidade de meses: ____________________________________
3. Sexo:
Feminino ( )
Masculino ( )
4. Há quanto tempo está matriculado na instituição: _________________________
5. Tipo de material escrito que possui em casa:
Livros ( )
Revistas ( )
Jornais ( )
Outros: __________________________________________________________
6. Diversão preferida da criança: ________________________________________
7. Pessoas que moram com a criança: ___________________________________
8. Profissão do pai: __________________Grau de instrução: _________________
Trabalho atual: ___________________ Renda mensal: ____________________
9. Profissão da mãe: _________________Grau de instrução: _________________
Trabalho atual: ___________________ Renda mensal: ____________________
184
10. Profissão do responsável: ___________Grau de instrução: _________________
Trabalho atual: ___________________ Renda mensal: ___________________
11. Número de irmãos:
Nenhum irmão ( )
Um irmão ( )
Dois irmãos ( )
Três irmãos ( )
Mais de três irmãos ( )
12.Outras questões:
a) Quando a criança comete algo desagradável aos olhos do adulto (responde,
desobedece a uma ordem/norma, foge, briga na escola) ela recebe alguma punição?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
b) O que poderia ser caracterizado como uma falta muito grave cometida por uma
criança de etnia Tupinikim?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
c) Como se dá a participação da criança na vida da aldeia?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
d) Em quais atividades cotidianas há a participação das crianças?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
e) Há alguma atividade de ritual do grupo/comunidade que a criança participa?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
f) Há algumas atividades cotidianas em que a criança não pode participar? Qual /
quais? Por quê?
185
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
g) Há alguma atividade de ritual da comunidade tupinikim que a criança mão pode
participar? Qual / quais? Por quê?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
h) Nas aldeias Tupinikim, como se caracteriza a transformação da criança em
membros adultos?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
i) Com que idade a criança deve necessariamente começar a freqüentar uma
escola?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
j) Como a comunidade indígena Tupinikim tem se organizado de modo promover
ações que preservem suas tradições?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________