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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ EDUARDO DA CRUZ SOBRE VÍTIMAS E ALGOZES: JOAQUIM MANUEL DE MACEDO E A ESCRAVIDÃO NO SÉCULO XIX CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

EDUARDO DA CRUZ

SOBRE VÍTIMAS E ALGOZES: JOAQUIM MANUEL DE MACEDO E A ESCRAVIDÃO

NO SÉCULO XIX

CURITIBA

2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

EDUARDO DA CRUZ

SOBRE VÍTIMAS E ALGOZES: JOAQUIM MANUEL DE MACEDO E A ESCRAVIDÃO

NO SÉCULO XIX

Monografia apresentada à disciplina de

Orientação Monográfica como requisito parcial à

conclusão do Curso bacharelado e licenciatura em

História, oferecido pelo Setor de Ciências

Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal

Do Paraná.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Joseli Maria Nunes

Mendonça

CURITIBA

2011

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3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que direta ou indiretamente estiveram envolvidos com esse trabalho,

em especial:

À minha família: meus pais, Márcio Rogério e Adriana Regina, minha irmã Fernanda

e todos os meus familiares, pelo apoio durante todos esses anos.

À minha orientadora, Professora Joseli Maria Nunes Mendonça, pelo imenso auxílio

conferido a este trabalho: através de críticas e sugestões de aprimoramento, além de sua

paciência e trabalho cuidadoso durante todo o desenvolvimento deste estudo.

Às poucas, mas valiosas, amizades que fiz durante o curso, em especial Bruna (o que

teria sido da minha acadêmica sem sua presença?!), Clarissa, Franciane, Vanessa, entre

outros.

Aos amigos de longa data Lucas, Gustavo, Luiz, Vinícius, Dalton, Neto, Alexandre,

Thiago e muitos outros! Sem esquecer as amizades que, apesar de certa distância continuam

importantes, como Thamara e Camila.

Àqueles que porventura não tiveram seus nomes citados aqui, mas estiveram presentes

nessa trajetória, meus sinceros agradecimentos.

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4

RESUMO

O presente estudo interpreta o romance As Vítimas-Algozes: Quadros da Escravidão (1869),

de Joaquim Manuel de Macedo, considerando o contexto social e político brasileiro no século

XIX, mais especificamente os anos próximos à década de 1860, no que se refere à escravidão

e às propostas emancipacionistas que emergiam no período. Este é um momento crucial para

as questões relacionadas com a escravidão, visto que a instituição perdia suas forças e, com

isso, aumentava a inquietação entre os escravos e seus senhores. Em meio a esse ambiente,

Joaquim Manuel de Macedo produzia sua obra retratando as relações entre senhores e

escravos nesse momento, segundo a visão do autor. Vítimas-Algozes, neste trabalho, é tomada

como fonte histórica; aborda-se aqui a literatura na perspectiva da História Social – ou seja, a

obra literária é tratada como um testemunho histórico, situada em um contexto histórico

específico e, neste sentido, é interrogada como tal. A partir desta inserção da obra em seu

contexto de produção, buscamos entender as intenções do autor, bem seus posicionamentos

sobre os acontecimentos do período – os debates em torno de projetos referentes à escravidão

e à emancipação, o medo e a inquietação que aumentavam, a caracterização das relações entre

senhores e escravos, dentre outras questões.

Palavras-Chave: Joaquim Manuel de Macedo, Vítimas-Algozes, História da Escravidão

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5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 6

1. Cenários, personagens e tramas, nos “quadros da escravidão”.................................... 10

1.1 Simeão, o Crioulo.................................................................................................. 10

1.2 Pai-Raiol, o Feiticeiro............................................................................................ 13

1.3 Lucinda, a Mucama............................................................................................... 17

1.4 Entre as vítimas e os algozes................................................................................. 21

1.5 Traços gerais dos “quadros da escravidão”........................................................... 28

2. Análise histórica: Debates sobre a escravidão e suas possíveis consequências............ 30

2.1 Do Imperador até o público: debates sobre projetos emancipacionistas .............. 30

2.2 Inquietação e medo............................................................................................... 37

3. Interpretações sobre Macedo e sua obra........................................................................ 41

3.1 O medo dentro da obra de Macedo...................................................................... 41

3.2 Posicionamentos de Macedo, expressos em Vítimas-Algozes............................. 45

3.3 Buscando Vítimas e Algozes................................................................................ 49

CONCLUSÃO...................................................................................................................... 53

FONTES................................................................................................................................ 55

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................................. 56

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INTRODUÇÃO

Esse trabalho busca interpretar o romance As Vítimas-Algozes: Quadros da

Escravidão1 (1869), de Joaquim Manuel de Macedo, considerando o contexto social e político

brasileiro do final da década de 1860, no que se refere à escravidão e às propostas

emancipacionistas que emergiam no período. Tendo sido publicada em fins da década de

1860, a obra de Macedo insere-se em um momento crucial no que diz respeito aos rumos da

escravidão no Brasil. Analisando, portanto, estes “quadros da escravidão” à luz do contexto

histórico no momento em que eram pintados, buscamos entender as intenções do autor, bem

como seu posicionamento em relação aos debates em torno de projetos referentes a reformas

na escravidão. Buscamos também considerar a produção da obra no contexto das tensões nas

relações entre senhores e escravos.

Vítimas-Algozes reúne, em um volume, três novelas: Simeão, o crioulo, Pai Raiol, o

feiticeiro e Lucinda, a mucama. Na primeira novela temos Simeão, filho de escravos que aos

dois anos se viu órfão, após perder a mãe. Seus senhores, Domingos Caetano e Angélica,

acabaram criando o crioulo como filho adotivo, passando a nutrir por ele um sentimento

muito forte. Sendo assim, apesar de ser escravo, Simeão cresceu sem hábito de trabalho e

possuía uma vida repleta de facilidades. Nada disso, no entanto, impediu-o de trair a

confiança da família senhorial, roubar, mostrar ingratidão e perversidade, até o ponto de matá-

los em busca de liberdade e dinheiro. Assim, Macedo destacava a ideia de que não existiam

benefícios capazes de neutralizar o ódio que os escravos nutrem por seus senhores, nem

mesmo o zelo da criação.

Na segunda novela encontramos Pai-Raiol, africano feiticeiro que acabara de chegar

ao seu quinto cativeiro, após ser comprado em um lote de escravos por Paulo Borges,

próspero fazendeiro que passou a viver a fase mais triste de sua vida. O africano era dono de

má reputação, apesar de parecer mais calmo agora em seu mais recente cativeiro, fatigara-se

dos açoites e concentrara seus ódios a todos os brancos, e a todos os senhores. Vivia em uma

senzala solitária, onde nutria o ódio e pensava sobre os mais terríveis e eficazes métodos para

satisfazer sua vingança contra o senhor. Pai-Raiol causava danos à fazenda de Paulo Borges

por contaminar os campos e pastos e acarretar a morte de vários animais. Para fazer um mal

1 MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes: quadros da escravidão. Fundação da Biblioteca Nacional

– Domínio Público. Disponível em:

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2134. Acesso em:

19 de nov. 2011.

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ainda maior, no entanto, o africano precisou de ajuda da crioula Esméria que seduziu o

fazendeiro e conseguiu acesso total à casa senhorial – até o ponto de tomar o lugar de sua

senhora. Juntos, então, os escravos nutridos por ganancia e ódio tramaram a morte dos

pequenos filhos de Paulo Borges e de sua esposa.

Por fim, nos deparamos com Lucinda, a mucama que contava com seus 12 anos

quando entrou no lar de sua senhora-moça Cândida. A escrava, “filha da mãe fera”, era uma

“uma vítima da opressão social, uma onda envenenada desse oceano de vícios obrigados, de

perversão lógica, de imoralidade congênita, de influência corruptora e falaz, desse monstro

desumanizador de criaturas humanas, que se chama escravidão”.2 E trazia toda essa corrupção

provinda de sua experiência como escrava para perto da inocente sinhá-moça, arrastando-a

para a corrupção moral e várias lições de imoralidade. Lucinda trouxe consigo a imoralidade e

corrompeu a moral e os bons costumes de sua senhora, desse modo, Macedo deixava de lado

o retrato da violência física preponderante nas duas primeiras novelas, para retratar a

violência moral trazida pela escravidão.

Ao fim de cada um de seus “quadros da escravidão”, Macedo apresentava uma

conclusão que sempre clamava pela mesma coisa: o fim da instituição. Mais do que isso,

Macedo considerava que os senhores não poderiam se queixar desses crimes, pois a culpa da

escravidão, deste grande mal, era mais deles mesmos do que dos escravos; pois os países que

mantinham a escravidão eram os culpados “pelo aviltamento, a ignomínia, a torpeza e a

corrupção”3 que se insere no seio de suas famílias.

A forma de contar as relações de escravidão na obra de Macedo, portanto, não se

dissocia de um sentimento que se distinguia na sociedade brasileira daquele contexto: a

percepção do escravo perigoso, contra o qual era preciso se prevenir. No trabalho realizado,

buscamos estabelecer essa relação, entre a literatura produzida por Macedo e a história por ele

vivida, inserindo a obra literária em seu contexto histórico. Assim, procuramos identificar as

intenções do autor e os posicionamentos que assumiu frente aos acontecimentos de sua

época4.

2 MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes, p. 90.

3 Idem, p. 93.

4 ALVES, Marcos Francisco. “História e Literatura em diálogo: representações da escravidão em Bernardo

Guimarães e Joaquim Manuel de Macedo”. Revista Eletrônica Cadernos de História, nº. 2, dezembro de 2010, p.

8. Disponível em: http://www.ichs.ufop.br/cadernosdehistoria/download/CadernosDeHistoria-10-01.pdf. Acesso

em: 20 de nov. 2011.

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Dessa maneira, nosso trabalho aborda a literatura na perspectiva da História Social.

Esta possibilidade nos foi sugerida por Sidney Chalhoub, para quem:

...a proposta é historicizar a obra literária (...) inseri-la no movimento

da sociedade, investigar as suas redes de interlocução social – algo

que faz mesmo ao negar fazê-lo. Em suma, é preciso desnudar o rei,

tomar a literatura sem reverência, sem reducionismos estéticos,

dessacralizá-la, submetê-la ao interrogatório sistemático que é uma

obrigação do nosso ofício. Para historiadores, a literatura é, enfim,

testemunho histórico.5

Assim, a literatura pode assumir o papel de um testemunho histórico, informando

sobre o contexto social e sobre o lugar que o autor ocupa neste contexto. Partindo dessas

premissas teórico-metodológicas, o primeiro passo foi interrogar a obra inserindo-a em seu

contexto de produção – o que significa dizer, considerar a obra como evidência histórica, que

está situada em um determinado processo histórico e, portanto, deve ser interrogada

adequadamente. 6

Tratamos, portanto, a literatura como expressão de uma visão de mundo própria de um

determinado tempo. Em outras palavras, ao mesmo tempo em dialoga com a sociedade em

movimento, a literatura também testemunha um passado – independente de seu estilo ou

subjetividade inerente. Em suma, na intenção de se tomar a literatura como objeto de análise,

optamos por interrogá-la no sentido de apreender “a forma como esta constrói ou representa a

sua relação com a realidade social”7. Tendo estes aspectos em vista, focamos a relação da

obra literária com a sociedade e a política, especificamente o debate político sobre os rumos

da escravidão, nos anos finais da década de 1860.

Para iniciar o trabalho, com o primeiro capítulo, procuramos realizar uma análise

detalhada da obra As Vítimas-Algozes: Quadros da Escravidão. Nesse sentido, buscamos

ressaltar como Macedo teceu suas tramas, como descreveu os espaços de sociabilidade, de

que maneira foram representadas as personagens – seja a partir da condição social, livre ou

escravo, como também a partir de gênero.

No segundo capítulo, analisamos o contexto no qual a obra foi produzida e publicada.

Enfocamos os debates em torno dos projetos referentes à escravidão e, por meio da

historiografia, abordamos a inquietação crescente e o medo da rebeldia e da criminalidade dos

5 CHALHOUB, Sidney e PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. A História contada: capítulos de história

social da literatura no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998, p. 7 6 Idem, p. 6.

7 Idem, pp. 7-8.

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escravos. Como dito, a obra Vítimas-Algozes foi publicada em 1869 e, sendo assim, situa-se

em um período em que se discutiram projetos emancipacionistas cujas propostas,

posteriormente, resultariam na Lei de 1871 que libertava os filhos recém-nascidos de

escravas8, mas, mais que isso, trazia a noção de que a escravidão perdia suas forças.

Investigamos as discussões ocorridas dentro do Conselho de Estado, nas quais, por

pedido de Dom Pedro II, os conselheiros foram estimulados a responder questões acerca de

possíveis reformas na escravidão brasileira. Junto às perguntas realizadas, estavam anexados

os projetos de reforma criados por Pimenta Bueno – trabalho realizado a partir, também, de

um pedido do Imperador. Nesse sentido, retomamos os principais posicionamentos e ideias

trazidas pelos conselheiros de Estados, no que se diz respeito à escravidão. E, em um

momento posterior, buscamos posicionar as ideias defendidas por Macedo em suas Vítimas-

Algozes à luz desses debates políticos internos.

Depois de uma detalhada análise da obra Vítimas-Algozes e, posteriormente, de uma

análise das principais questões acerca da escravidão nos últimos anos da década de 1860, no

terceiro capítulo, trabalhamos para interpretar os personagens criados por Macedo e os

enredos que ele constituiu relacionando-os com o contexto vivido pelo autor e a maneira

como o autor se posicionava neste momento histórico. Para isso, buscamos por meio da

historiografia analisar quais eram as principais características deste contexto. Ou seja,

analisamos o final da década de 1860 e início de 1870 para inserir a obra de Macedo nesse

momento em que as visões sobre a escravidão começavam a mudar – a instituição começava a

perder suas forças.

8 CONRAD, Robert. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilização

Brasileira, 1978, p. 88.

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1. Cenários, personagens e tramas, nos “quadros da escravidão”

As Vítimas-Algozes é uma obra pertencente à escola literária denominada de

Romantismo, e, como já dissemos, foi escrito na segunda metade do século XIX. O livro foi

publicado em 1869, pela editora Typografia Americana – Rio de Janeiro. Sua narrativa é

centrada na demonstração dos malefícios presente na escravidão - sobretudo do expresso

pelos escravos.

Este livro de Joaquim Manuel de Macedo abre uma segunda fase literária do autor,

denominada “Macedo dos adultos” – exatamente pelo fato de não ser como suas obras

anteriores que sempre destacavam o caráter da útil lição moral que os romances poderiam

transmitir para as moças. Os outros romances do autor eram até então recomendados às

“famílias brasileiras”, baseados em um fundo moral que possibilitava às obras um caráter

moralizante.9

Exatamente por esse motivo, como bem mostra o trabalho de Leandro Thomaz de

Almeida, o romance As Vítimas-Algozes recebeu duras críticas ao ser publicado. Essas críticas

referiam-se exatamente ao conteúdo “pesado” que traziam as novelas que compunham a obra,

repletas de crimes. E, portanto, não era romance próprio para o ambiente doméstico. Assim, a

obra de Macedo possuía uma lição moral quanto aos males da escravidão, que poderia ser

aproveitada por outro tipo de público leitor – ou seja, as novelas podiam ser úteis aos homens

feitos, mas deveria ser escondidas das esposas e jovens moças.10

A obra é composta de três novelas independentes: Simeão, o crioulo, Pai-Raiol, o

feiticeiro e Lucinda, a mucama. Interessante destacar que cada novela é centrada no

personagem que constitui o seu título e, além disso, cada subtítulo traz a designação do “tipo”

de escravo: o crioulo, o feiticeiro, a mucama. Nestas novelas, o autor retrata crimes de ordem

física, mas também de corrupção moral, cometidos por escravos contra os seus senhores. Nas

páginas de seus quadros da escravidão, Macedo busca retratar a degradação provocada pela

escravidão nos cativos e, ainda mais, as consequências dela para os próprios senhores.

1.1 Simeão, o Crioulo

9 ALMEIDA, Leandro Thomaz de. Trajetórias da recepção crítica de Joaquim Manuel de Macedo. Dissertação

de mestrado, Campinas: Unicamp, 2008, p. 33. 10

Idem, pp. 34-36.

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11

A primeira narrativa da obra de Joaquim Manuel de Macedo conta a trajetória da vida

de Simeão, filho de escravos que aos dois anos se via órfão, após perder a mãe. A escrava

havia sido ama-de-leite de Florinda, filha de Domingos Caetano e Angélica – senhores de

escravos -, e a fim de retribuir a amamentação dada a sua filha, os senhores acabaram criando

Simeão como filho adotivo, passando a nutrir por ele um sentimento muito forte. Devido a

esse fato, Simeão cresceu sem hábito de trabalho e possuía uma vida repleta de facilidades,

apesar de ser escravo. Macedo coloca que vários amigos de Domingos Caetano e Angélica os

alertavam para o fato de estarem criando um inimigo, porém o casal os ignorava e mantinha a

certeza de que Simeão nunca lhes seria ingrato. Nesse ponto, o autor faz uma explanação

sobre a perversidade que a condição de escravo traz consigo. Para ele, a ingratidão e a

perversidade não se explicavam pela natureza da raça, mas sim pela sua condição de escravo.

Como ressalta Macedo:

(...) como predileto da família, e escravo, portanto infeccionado de

todos os vícios e ferozes impulsos da madre fera escravidão, insolente

e malcriado, nem perfeitamente livre, nem absolutamente escravo,

bom juiz odiento, pois que conhece as duas condições, e da melhor é

bastardo, e da pior legítimo filho, o crioulo escravo e estimado de seu

senhor, torna-se em breve tempo ingrato e muitas vezes leva a

ingratidão a perversidade, porque é escravo.

Mas sua ingratidão e a sua perversidade não se explicam pela natureza

da raça, o que seria absurdo; explicam-se pela condição de escravo,

que corrompe e perverte o homem.11

Na narrativa, o autor centra a história de Simeão no momento em que o escravo já se

encontrava mais crescido, e contava com 19 anos. A primeira aparição do protagonista se faz

numa venda, lugar que Macedo constrói como um antro de perversidade, um lugar ameaçador

onde se premeditam e planejam crimes. A imagem que o autor constrói das vendas é

extremamente negativa, chegando mesmo a caracterizá-las como vendas-inferno. Esse local,

porém, não existia por si só, ele era fruto de um mal muito maior, e o único modo para acabar

com esse antro de maldade era suprimir primeiro a “escravidão-demônio”. Outro local que

também aparece na narrativa como um lugar de maldade é a cozinha, onde estava presente “o

veneno da inveja e o golfão dos vícios”12

.

11

MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes, p. 6. 12

Idem, p. 7.

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12

Domingos Caetano e Angélica também viviam a dizer que Simeão não seria de outro

senhor, o que outras bocas traduziam dizendo que em seu testamento, o senhor deixaria o

escravo livre. Há, porém, o alerta:

Prometer e aprazar a liberdade, e, pior do que isso, deixar esperar e

não dar ou adiar a liberdade, é pôr em desatino de desejos a alma do

escravo.

Dar por prazo da liberdade a morte de alguém é excitar um apetite de

hiena no coração do escravo, é fazê-lo aspirar à morte de quem

enquanto vivo lhe demora a alforria.13

Vemos, portanto, como Macedo pensa essas tensões geradas pela criação de

expectativas com relação à sua liberdade prometida. Era vista como uma grande imprudência,

pois a partir daí o escravo passaria a desejar a morte do senhor ansiosamente, com o encanto

de chegar a ser dono de si mesmo.

Em certo momento da narrativa, Macedo faz com que o escravo fosse pego roubando e

que insultasse a senhora-moça, acusando-a de ser mentirosa. Domingos Caetano, então, é

tomado de raiva e pela primeira vez açoita Simeão – que até então era sempre perdoado, pela

compaixão, bastante presente na narrativa, dos senhores. Naquele momento, o jovem tornou-

se odioso e inimigo. Macedo traz considerações acerca desse fato, explanando que onde há

escravos é força que haja açoite, e onde existe o açoite surge o ódio, que por sua vez há de

trazer vinganças e crimes. Em suas palavras:

A cozinha foi sempre adiantando a sua obra: quando conseguiram

convencer, compenetrar o crioulinho da baixeza, da miséria da sua

condição, as escravas passaram a preparar nele o inimigo dos seus

amantes protetores: ensinaram-o a espiar a senhora, a mentir-lhe, a

atraiçoá-la, ouvindo-lhe as conversas com o senhor para contá-las na

cozinha; desmoralizaram-no com as torpezas da linguagem mais

indecente, com os quadros vivos de gozos esquálidos, com o exemplo

freqüente do furto e da embriaguez, e com a lição insistente do ódio

concentrado aos senhores.14

Os sentimentos instintivamente piedosos e fraternais são substituídos pela

desumanização que a escravidão acarreta. E Macedo mostra isso ao narrar o momento em que

Simeão é encarregado de chamar o médico para socorrer seu senhor, Domingos Caetano, que

ficou muito mal de saúde. Indiferente à situação de vida ou morte, o escravo para na venda e

lá fica por mais de uma hora, a beber e jogar. Tal ingratidão perversa, segundo o autor não se

13

MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes, p. 30. 14

Idem, p. 7.

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13

encontra, senão na alma do escravo. Chegando à casa, ao contrário, Simeão é dissimulado e se

mostra muito preocupado com o bem-estar do senhor, e não deixa de estar ao seu lado naquela

hora difícil.

A partir daí, Simeão espera ansiosamente pelo falecimento de seu senhor; a liberdade,

porém, não era mais tudo o que desejava. Na venda, o escravo teve novas idéias colocadas em

sua cabeça, e agora desejava dinheiro, além de liberdade. Como sabia que não iria recebê-lo

do senhor, resolveu tomá-lo à força, no momento em que Domingos Caetano morresse. O

senhor acabou não morrendo tão rápido quanto desejava Simeão, e, além disso, ainda fez o

casamento de sua filha Florinda, com Hermano – um homem que o escravo odiava, pois já o

havia subjugado anteriormente.

Depois do casamento, Domingos Caetano faleceu, e não deixou a liberdade para

Simeão, a alforria só seria concedida depois da morte de Angélica. Essa situação era

inconcebível para o escravo, que então tramou junto com parceiros da venda o assassinato e

roubo da família. A fortaleza, que era a casa, caiu, pois uma escrava de confiança da família

abriu entrada para o grupo de malfeitores, liderados por Simeão que matou a todos e fugiu

com o dinheiro.

Nessa novela, que tem como personagem central um crioulo criado no seio da família,

Macedo parece destacar a idéia de que não há benefício que possa neutralizar o ódio que os

escravos nutrem por seus senhores: nem mesmo todo o zelo da criação. Nesse cenário, o que

predomina por parte dos cativos é sempre a ingratidão e o ódio contra seus opressores – sejam

eles os senhores, administradores, feitores e suas respectivas famílias.

1.2 Pai-Raiol, o Feiticeiro

Pai-Raiol, o Feiticeiro é a segunda novela da obra de Joaquim Manuel de Macedo e,

como a primeira, também aborda os perigos aos quais ficam expostos os senhores que

possuem escravos.

A história se passa na fazenda de Paulo Borges, rico fazendeiro da província do Rio de

Janeiro que contava com aproximadamente 46 anos. Paulo Borges era bastante centrado em

seus negócios e possuía uma ambição muito grande. Deste modo, sempre que sabia de terras

que estavam à venda, o fazendeiro fazia de tudo para anexá-las aos seus territórios. Esse

empenho em expandir suas terras criava uma consequência, a necessidade crescente de mais

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14

mão-de-obra, problema que Paulo Borges resolvia aumentando também a sua posse de

escravos.

Segundo Macedo, este conto aborda a fase mais triste da vida do fazendeiro e começa

exatamente quando este parte para a compra de um lote de escravos. Paulo Borges arremata

para si um lote com 20 escravos já acostumados à lavoura de cana e serviço no engenho.

Entre estes escravos estava Pai-Raiol, africano feiticeiro que tinha má reputação: fora vendido

uma vez, e três vezes revendido pela desordem em que punha os parceiros, pelos furtos que

praticava e por suspeita de propinação de veneno a uma escrava que resistira a seus desejos

impetuosos, e morrera logo depois de beber um copo de aguardente que ele lhe ofereceu. Nas

mãos de seus três primeiros senhores, foi duramente castigado, mas, em seu quarto cativeiro

já parecia menos perturbador – o crédito a este fato foi dado aos seus amores com a crioula

Esméria, que com ele convivia e que, aliás, também estava no lote recém-comprado por Paulo

Borges.

Acreditava-se, portanto, que a crioula tinha sido capaz de transformar o africano,

fazendo com que este não fosse mais uma ameaça à paz e ordem da fazenda. Essa crença, no

entanto, estava errada: a verdade é que não era Esméria quem dominava o Pai-Raiol pelo

encanto do amor, do contrário, era a crioula sujeitada ao escravo. Nessa relação, portanto, não

existiu a influência benéfica de Esméria sobre o Pai-Raiol, mas uma “influência satânica”15

dele sobre ela – a crioula não amava, temia.

O africano, Pai-Raiol, fatigara-se do tormento dos açoites e concentrara seus ódios a

todos os brancos, e a todos os senhores, e vivia em uma senzala solitária, atiçando,

incandescendo o ódio ao senhor, e cogitando sobre os mais terríveis e mais eficazes métodos

para satisfazer esse ódio. Ainda que, cabe ressaltar, não tivesse sofrido castigo algum na

fazenda de Paulo Borges; odiava aos senhores simplesmente por serem senhores.

Esméria, era crioula de 20 anos e dona de traços que expressavam inteligência e

humildade, caindo no agrado de Teresa, esposa de Paulo Borges, foi destinada ao serviço doméstico

– a senhora passou, então, a retê-la em casa de dia, e dando-lhe a liberdade da senzala durante

a noite. E foi assim que a crioula aproximou da casa de seus senhores e foi, pouco a pouco,

cativando a senhora por mostrar-se carinhosa e paciente com os pequeninos senhores-moços,

um menino e uma menina.

15

MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes, p. 46

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15

Os seis meses posteriores à arrematação dos vinte escravos foram seis meses de

paciência e cálculo para Pai-Raiol. A fazenda de Paulo Borges passou a sofrer com

problemas: os bois morriam; os campos e os pastos sofriam limpas gerais, mais algum tempo

depois, outra vez as bestas, os bois, os carneiros morriam às dezenas – o fazendeiro culpava a

infelicidade. Pai-Raiol havia preparado um plano final para vingar-se de seu senhor, mas para

isso precisava de sua antiga amante, Esméria. O escravo convenceu a crioula a seduzir Paulo

Borges, a fim de amansar o senhor e fazer sofrer a senhora, enfim, trazer conflitos à casa

senhorial.

Nesse ponto é preciso trazer a ressalva feita pelo próprio Macedo, a de que Esméria

não era simples e pobre vítima do terror de Pai-Raiol; nem só por obediência ia seduzir seu

senhor. Ela, “muito antes do conselho e da ordem refalsada do Pai-Raiol, como tantas

escravas no mesmo caso, sorrira à idéia de traição à confiança e à estima de sua senhora”16

.

Sendo assim, a crioula concordou em participar dos planos de Pai-Raiol e, a partir de então,

passou a usar de todos os artifícios que possuía para cativar os olhos de Paulo Borges.

Seduzido, o fazendeiro procurou e possuiu facilmente Esméria; a calculada extravagância de

um dia, no entanto, tornou-se vício, primeiro de muitos, depois de quase todos os dias – “o

senhor ficou escravo da sua escrava”.17

Esméria ia, com isso, ganhando cada vez mais a confiança de Paulo Borges, mas o

plano de Pai-Raiol exigia ainda mais domínio da crioula. Sendo assim, o africano exerceu seu

poder sobre a crioula e a instruiu-a como ganhar um acesso maior à casa senhorial. Esméria,

então, manipulou o ciúme de Paulo Borges e conseguiu com que ele a colocasse dentro de sua

casa, a partir desse momento a crioula não passava mais as suas noites na senzala, mas sim

dentro do teto do senhor.

A partir desse acesso à casa senhorial garantido à crioula Esméria, o plano de Pai-

Raiol poderia ir tomando formas mais claras e objetivas. O primeiro passo foi o

envenenamento de Teresa, esposa de Paulo Borges que ao encontrar-se traída pelo marido

havia se isolado dentro da casa e quase nunca fazia aparições. Pai-Raiol possuía grande

conhecimento das propriedades benéficas e maléficas das plantas e ervas e, assim, forneceu à

Esméria o veneno para acabar com a vida da senhora. Teresa, em seu leito de morte, ainda

tentou alertar Paulo Borges: exclamou que morria envenenada pelas mãos da escrava e

16

MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes, p. 54 17

Idem, p. 56.

Page 16: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

16

garantiu ainda que perdoaria o fazendeiro se ele percebesse seu erro e olhasse por seus filhos.

A idéia de um possível envenenamento alertou Paulo Borges, mas, no entanto, o médico

chamado para atender Teresa foi negligente e afirmou ao fazendeiro de que tudo não passava

de um delírio da falecida, e que esta havia morrido de febre.

Paulo Borges foi então levado a desacreditar os avisos de sua falecida esposa e não

tomou nenhuma providência para afastar a crioula dele ou de seus filhos, inclusive seu

terceiro filho, recém-nascido. Após a morte de Teresa, o filho mais novo de Paulo Borges

ainda necessitava de amamentação e, portanto, acabou sendo amamentado por uma ama-de-

leite escrava. O fazendeiro não suspeitava, no entanto, que a escrava tinha a sífilis que atingiu

também o seu filho, levando-o a morte. Uma vez mais a morte atacava a família de Paulo

Borges, não seria, contudo, a última vez.

Pai-Raiol ordenou que Esméria envenenasse também os outros dois filhos de Paulo

Borges. Em um primeiro momento, a crioula hesitou – afirmou que não podia fazer isso, não

com as crianças. O engenhoso africano, no entanto, soube contornar a situação afirmou que

Esméria estava grávida esperando um filho do fazendeiro, ou seja, um novo herdeiro de Paulo

Borges. O escravo conseguiu convencer Esméria, através de sua ganância, alertando que

sendo filho único, o bebê da crioula acabaria ficando em uma posição muito melhor.

A crioula, então, concordou em envenenar também os dois filhos do casal Paulo

Borges e Teresa, e assim o fez. Paulo Borges amaldiçoava a sorte, mas cego, não desconfiava

do que estava acontecendo dentro de sua casa. Esméria guardou alguns dias em fingido luto,

mas depois pediu a Paulo Borges a liberdade de seu filho. O fazendeiro foi, então, à vila e

voltou com os papéis de alforria à escrava e ao seu filho.

Esméria sentia-se cada vez mais poderosa, mas ao mesmo tempo, sentia raiva e medo

do africano Pai-Raiol – a crioula não queria mais estar sob o domínio do escravo, queria

livrar-se dele, mas não conseguiria isso sozinha. Assim, ela decide utilizar-se do ódio que

outro africano alimentava com Pai-Raiol – este outro escravo era tio Alberto, também escravo

africano contando com 30 anos de idade.

Ao mesmo tempo em que tramava contra Pai-Raiol, a crioula também envenenava

gradualmente o fazendeiro. E, provavelmente, os planos de Pai-Raiol e Esméria continuariam

dando certo não fossem as atitudes da crioula para com suas antigas parceiras de escravidão.

A crioula mostrava-se, desde a morte de Teresa, arrogante e perseguidora das parceiras de

cozinha. Ao ver-se emancipada, e calculando um ótimo futuro, exagerou nas proporções de

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17

sua vaidade e ordenou castigos e, por vezes, descarregou com suas próprias mãos o açoite

sobre as costas de suas companheiras do tempo de escravidão. Uma velha escrava, Lourença,

que havia guardado com indiferença o segredo dos crimes de Esméria, ao sofrer com o açoite

– e só por este rancoroso ressentimento – rompera o silêncio imposto pelo ódio natural de

escrava ao senhor e delatou Esméria ao senhor.

A velha escrava Lourença havia rompido o seu silêncio e contou ao senhor todos os

crimes que vinham sendo cometidos por Esméria e Pai-Raiol. Dentre eles, a velha escrava

alertou que Esméria vinha envenenando o senhor. Para provar que não estava mentindo,

Lourença contou ao senhor que o escravo tio Alberto ia até a senzala de Pai-Raiol para

enfrentá-lo numa luta até a morte e que, nesse cenário, também seria possível encontrar

Esméria.

Lourença levou Paulo Borges até a senzala de Pai-Raiol; escondido para que este

pudesse ver Esméria, conversando com o feiticeiro sobre os crimes que vinham cometendo e

presencia-se também a luta dos dois escravos. Na luta, Alberto conseguiu subjugar e matar

Pai-Raiol, mas ao invés de sofrer castigo, Paulo Borges, que havia presenciado escondido às

cenas que ocorriam, deu ao escravo carta de liberdade. E, apesar de tardiamente, mandou

também prender Esméria, a cúmplice de Pai-Raiol.

Nessa novela, que tem como personagem central um africano, Macedo enfatiza os

perigos aos quais os senhores ficavam expostos por pensar apenas em expandir sua produção

sem abrirem mão do trabalho escravo. Assim, o autor procura mostrar como o negro africano

é capaz de causar grandes problemas para à fazenda. Ainda assim, outro ponto é ainda mais

interessante: a necessidade de Esméria, a crioula, que se aproxima do senhor e leva os males

da escravidão para dentro do lar senhorial. Desse modo, Macedo atenta para o perigo da

proximidade concedida aos crioulos – e, por isso mesmo, o maior perigo trazido por esses

cativos.

1.3 Lucinda, a Mucama

Chegamos à última das três novelas da obra As Vítimas-Algozes, intitulada: Lucinda, a

Mucama. Como faz com as outras duas histórias, Macedo traz escravos tramando planos

contra a integridade de seus senhores. Neste caso, porém, trata-se de uma violência diferente,

a moral – da corrupção dos bons costumes da jovem senhora-moça Cândida.

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18

Cândida era filha de Florêncio da Silva, homem honrado e dono de grande estima nos

munícipios vizinhos, e Leonídia, uma esposa modelo. E, tendo uma base familiar dessa, a

jovem sinhá-moça havia chegado aos seus 11 anos com a mais pura inocência e pureza de

caráter. Parte desta boa instrução de Cândida devia-se também à sua ama-de-leite, mulher

pobre, porém livre, mas que apesar de amar a menina, acabou deixando sua companhia, pois

acabou mudando-se para um município distante, com seu marido.

E é na ocasião que marcava o aniversário dos 11 anos de Cândida que esta recebe de

seu padrinho, Plácido Rodrigues, um presente especial: uma escrava de idade parecida com a

sua, a quem havia mandado ensinar especialmente a fim de tornar-se mucama da menina.

Coloco o alerta de Macedo, em suas próprias palavras:

E em substituição da companheira livre, amiga, e devotada, recebeu

alegre a crioula quase de sua idade, a mulher escrava, uma filha da

mãe fera, uma vítima da opressão social, uma onda envenenada desse

oceano de vícios obrigados, de perversão lógica, de imoralidade

congênita, de influência corruptora e falaz, desse monstro

desumanizador de criaturas humanas, que se chama escravidão.18

Essa passagem é capaz de ilustrar a visão do autor sobre os males aos quais a

escravidão expunha todos os que com ela viessem a se envolver. No lugar de sua companheira

livre, a pequena Cândida teria agora como companheira uma mucama, a qual – exatamente

por ser escrava – trazia consigo um mar de vícios e imoralidade.

Lucinda, a mucama, foi ganhando a confiança da jovem Cândida, tornando-se sua

principal companheira. A escrava já começara a corromper a inocência de sua senhora-moça

ao instigar-lhe a curiosidade sobre assuntos impróprios e alheios a uma menina de sua idade.

Aos poucos a mucama corrompia toda a base da educação que Cândida havia recebido de seus

amorosos pais e ama-de-leite. Mas, como o próprio Macedo se pergunta: “que interesse tinha

a mucama, que prazer achava em toldar a candura do coração da menina, e em encher o seu

espírito de conhecimentos de funções naturais ainda alheias à sua idade, e de pensamentos

desonestos?”19

Ainda para o autor, essa era uma questão fácil de ser respondida:

A escrava abandonada aos desprezos da escravidão, crescendo no

meio da prática dos vícios mais escandalosos e repugnantes, desde a

infância, desde a primeira infância testemunhando torpezas de luxúria,

e ouvindo eloqüência lodosa da palavra sem freio, fica pervertida

muito antes de ter consciência de sua perversão, e não pode mais viver

18

MACEDO, Joaquim Manoel de. As Vítimas-Algozes, p. 90. 19

Idem, p. 100.

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19

sem violenta imposição fora da atmosfera empestada de semelhantes

costumes, e das suas idéias sensuais; a mucama, pois, colocada ao pé

da menina inocente, inexperiente e curiosa, leva-a, arrasta-a tanto

quanto lhe é possível, para a conversação que mais a encanta, para as

idéias e os quadros do seu sensualismo brutal.20

Desse modo, para Macedo, a escrava encontrava-se imersa nos vícios da escravidão e

ao ser colocada junto a uma menina inocente, como Cândida, iria arrastar esta à mesma

corrupção moral que trazia a escravidão. A oposição entre a pureza de uma e a torpeza da

outra era expressa nos próprios nomes das personagens: se Cândida remetia a uma natureza

imaculada, Lucinda talvez lembrasse Lúcifer. “Educada” por suas irmãs escravas, a escrava

demoníaca iria levar esses ensinamentos indignos à jovem sinhá-moça. E isso não demorou a

acontecer: aos poucos a mucama ia apelando para as curiosidades de Cândida e passava a ela

várias inspirações de imoralidade.

Começara instigando Cândida à curiosidade e passava a instruir a senhora-moça a

conquistar os olhares de moços nos bailes, de instigar aos namoros escondidos. A escrava,

segundo Macedo, “queria negociar, lucrar, explorando os galanteios de Cândida, e por isso a

induzia a proceder de modo ofensivo do recato, que é a égide da senhora honesta”.21

Durante os anos seguintes, Lucinda continuou dando suas lições de imoralidade,

corrompendo sua senhora-moça. Cândida contava com seus 16 anos quando acabou por cair

de amores por Alfredo Souvanel. O jovem vindo da França era um galanteador, tocava o

piano e cantava; era também grande conhecedor de poemas – dos modos de falar sobre amor.

E, assim, não encontrou grandes dificuldades em conquistar o coração da jovem Cândida.

Souvanel, no entanto, não era quem aparentava ser:

Egoísta e frio especulador, descrente em religião, alheio às noções do

dever, desdenhando dos brasileiros em refalsado segredo, ambicioso

de riqueza, escondendo nas dobras do agrado pérfido, nas artimanhas

da docilidade, da condescendência, das magias da música, nas teias

sutis do espírito vivo e travesso a baixa urdidura da lisonja, da

adulação, do servilismo, para achar protetores, ganho mais fácil e

fundamento de fortuna, Souvanel não hesitou em abusar da confiança

de seus hóspedes, em esquecer os favores que recebera de Liberato;

mas cauteloso, dissimulado, traiçoeiro, laborou no mistério de rápidas

e fugitivas provocações de amor, de confidências velozes de

apaixonado extremo, e de paciente, lenta e hábil propinação do veneno

da sedução.22

20

MACEDO, Joaquim Manoel de. As Vítimas-Algozes, p. 93. 21

Idem, p. 106. 22

Idem, p.122.

Page 20: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

20

Era, portanto, uma figura de mau-caráter, cheio de artimanhas para enganar em seu

favor. Em seus planos para conquistar Cândida e, com isso, o dinheiro de Florêncio da Silva

não estava sozinho! Uniu-se à ele Lucinda, além de cúmplice, tornou-se amante do francês e,

assim, caminhava para corromper e roubar a honra de sua senhora-moça.

Souvanel e Lucinda, como já exposto, eram personagens dissimulados e traiçoeiros e,

assim, conseguiram enganar Cândida a ponto de fazer com que a moça fugisse da casa de seus

pais, para juntar-se ao seu amado – cega de amor, não via que estava sendo traída tanto por

seu amado quanto por sua “fiel” companheira.

E o destino de Cândida seria este, o da desonra, se não fosse por Frederico, filho de

Plácido Rodrigues e muito íntimo da família de Florêncio da Silva. Frederico era inteligente e

generoso, além disso, possuía ainda um amor puro e antigo por Cândida. Por amar Cândida e

ser dono de uma índole impecável, mesmo sendo rejeitado pela moça, na impossibilidade de

ser seu marido, ainda tinha por ela o amor de irmão. Sendo assim, após descobrir os planos de

Souvanel e Lucinda, fez de tudo para proteger e salvar a honra de Cândida.

Descobriu que o francês não havia ao menos dado seu verdadeiro nome, chamava-se

na verdade Paulo Dermany, e vinha fugido de Marselha – onde era procurado por roubo e

outros crimes. Essas informações não foram capazes de ajudar Cândida, que já havia fugido e

encontrava-se no cortiço onde estava vivendo o francês. O cortiço foi o cenário no qual a

jovem senhora-moça presenciou as relações entre Dermany e Lucinda e, então, finalmente,

percebeu-se enganada. Caía em sua consciência todo o mar de mentira e corrupção na qual

havia sido arrastada e, por isso, caiu na rua a andar sem rumo – até ser encontrada por

Frederico, que havia saído em sua busca.

Na conclusão da novela, Dermany, Lucinda e um pajem fiel à dupla acabaram presos.

Essa punição, no entanto, não colocava um fim na situação, segundo Macedo:

A Providência marcava por diversos modos a punição dos criminosos;

mas de envolta com essas punições acendia uma luz que somente os

cegos não vêem, a luz do infortúnio, da desmoralização, da miséria

moral, que em vingança implacável a escravidão impõe à sociedade

escravagista.

Os escravos são vítimas; mas sabem ser vítimas-algozes.

Lucinda, a mucama escrava, vítima porque era escrava, tinha sido

algoz de sua senhora.23

23

MACEDO, Joaquim Manoel de. As Vítimas-Algozes, p. 184.

Page 21: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

21

Em suma, os algozes haviam sido punidos, mas toda a desmoralização e o infortúnio

que haviam causado continuavam a existindo. E, mais uma vez, Macedo afirma que esses atos

dos escravos eram sua vingança à condição de escravos na qual eram obrigados a viver.

Enfim, dois meses depois foi celebrado, na cidade do Rio de Janeiro, o casamento de

Frederico e Cândida. Como narra o autor: “muito mais rico do que a noiva, conhecido e

estimado pela nobreza de seus sentimentos, pela severidade de seus costumes, pelo brilho de

suas virtudes, Frederico deu com o seu nome a Cândida uma égide que a pôs a salvo dos botes

de injuriosas suspeitas”24

. Frederico exclamou que o passado havia morrido, no altar de onde

vieram após a cerimônia. Cândida havia sido purificada e o casal havia sido abençoado. A

senhora-moça foi absolvida de suas corrupções morais passadas, mas deve isso à nobreza de

Frederico.

Com essa novela, Macedo foca o grande perigo que as famílias brasileiras passam a

correr no momento em que deixam mucamas perto de suas jovens filhas – inocentes, ainda em

formação da moral. Lucinda não atenta contra a vida física de seus senhores, no entanto,

dissimula, engana, ataca a moralidade da jovem Cândida e desvirtua a moça dos bons

costumes.

1.4 Entre as vítimas e os algozes

Em seus “quadros da escravidão”, Joaquim Manuel de Macedo deu vida a diferentes

tipos de personagens, entre eles, senhores e suas famílias, escravos, homens livres sem

emprego e estrangeiros que estavam no Brasil. Tratando de todos eles, Macedo traz à tona o

tema da escravidão. É, então, a partir da escravidão que o autor constrói suas reflexões sobre a

situação na qual se encontrava o Brasil na época em que estava sendo escrito o romance.

Há uma dualidade básica na construção desses personagens, que é a condição de ser

ou não ser escravo. Mas afinal, o que significaria para Macedo a condição de escravo? Para

demonstrar o significado dado por Macedo à condição de escravo, traz-se essa passagem:

Fora absurdo pretender que a ingratidão às vezes até profundamente

perversa dos crioulos amorosamente criados por seus senhores é neles

inata ou condição natural da sua raça: a fonte do mal, que é mais negra

do que a cor desses infelizes, é a escravidão, a consciência desse

estado violenta e barbaramente imposto, estado lúgubre, revoltante,

condição ignóbil, mãe do ódio, pústula encerradora de raiva, pantanal

24

MACEDO, Joaquim Manoel de. As Vítimas-Algozes, p. 186.

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22

dos vícios mais torpes que degeneram, infeccionam, e tornam

perverso o coração da vítima, o coração do escravo.25

Desse extrato, salta aos olhos a posição de Joaquim Manuel de Macedo do que

representaria, para ele, a fonte do mal que assombrava as casas senhoriais do Brasil. A

maldade dos negros escravos não considerada uma condição inata ou natural da sua raça, os

atos maldosos vinham é da condição a que estavam submetidos: as da escravidão. E, neste

sentido, não existia uma escravidão “benéfica” - como seria a de Simeão, criado com carinho

pela família senhorial. Todos os tipos de escravidão corrompiam o escravo e tornavam os

senhores vítimas potenciais. E é a partir dessa noção, a da maldade intrínseca de todos os que

sofrem dos males da escravidão, que Macedo constrói seus personagens escravos.

Ainda com relação à construção dos personagens escravos, é preciso ressaltar que,

para Macedo, todos os escravos eram corrompidos pela escravidão – fossem eles africanos ou

crioulos. A diferença, no entanto, está nas representações de cada um desses “tipos” de

escravos. Para Macedo, os crioulos, além de possuírem as “feições da sua raça abrandadas

pela influência da nova geração em mais suave clima”26

, possuíam um lugar social

privilegiado. E isso é fácil de perceber ao analisar qualquer um dos crioulos criados por

Macedo: Simeão, sempre protegido e vivendo perto da família senhorial; Lucinda era a

mucama e vivia muito próxima de sua senhora-moça, sendo sua principal companheira.

Também, Esméria que primeiro conseguiu a confiança de sua senhora, depois o amor de seu

senhor.

Simeão havia sido criado desde muito pequeno com vários privilégios por seus

senhores. Ele não tinha nem as mãos calejadas, nem os pés esparramados do escravo que

trabalhava com enxada. Ao contrário, era um escravo de cabelos penteados, vestido com

asseio, calçado, sem a bruteza comum na gente da sua condição. Era, aliás, apadrinhado e

protegido pela família livre e, como sempre faz questão de ressaltar Macedo, pelo amor dos

seus senhores.

Esses privilégios, porém, não foram suficientes para deixar Simeão longe dos crimes.

Nesse aspecto, é interessante trazer esta passagem:

Simeão, o crioulo mimoso, perdido, malcriado pelas afetuosas

condescendências e fraquezas dos senhores da casa, pervertido pelos

deboches da venda e pelo veneno da crápula, ingrato pela condição de

25

MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes, p. 6. 26

Idem, p. 43.

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23

escravo, sem educação e sem hábito de trabalho, contando com a

liberdade, e não conseguindo, era um perverso armado loucamente

contra seus senhores pelas mãos dos senhores.27

Esse “veneno”, a condição de escravo é, como já dito, a linha condutora dos

personagens escravos construídos por Macedo – lembrando, mais uma vez, que este “veneno”

não era sempre o mesmo. É necessário dizer, aliás, que para Macedo os crioulos eram até

mesmo mais perigosos:

Os crioulos são muito mais inteligentes e maliciosos que os negros da

África; e, desprezados e flagelados pelo trato áspero da escravidão,

que faz do homem instrumento material do trabalho, e irmão da besta

de carga, tornam-se inimigos ferozes;

e se chega a oportunidade da vingança, ostentam na ferocidade

verdadeiro e delirante luxo de malvadeza.28

Macedo, então, acreditava que os crioulos eram mais inteligentes e, por isso mesmo,

eram capazes de serem ainda mais algozes de seus senhores. Além disso, o eram de um modo

mais perverso:

O escravo africano mata o senhor, e se afasta do cadáver: o escravo

crioulo, antes de matar, atormenta e ri das agonias do senhor, e depois

de matar insulta e esquarteja o cadáver.

Toda escravidão é perversa; mas a escravidão inteligente é dez vezes

mais perversa do que a escravidão brutal. Uma odeia por instinto; a

outra por instinto e com reflexão.29

Claramente, o “veneno” que traziam os crioulos, para Macedo, era ainda mais danoso

do que os perigos trazidos por africanos. Em suma, ainda que considerasse que todo o tipo de

cativo fosse perigoso – africano ou crioulo -, os crioulos ainda eram capazes de maior

perversidade. Creio que Macedo achava que eles fossem mais perigosos por também, por

estarem mais próximos dos núcleos familiares dos senhores.

Desse mesmo modo, então, é caracterizada Lucinda, mesmo sendo uma mucama de

apenas 13 anos, já trazia consigo as características maléficas inerentes à sua condição de

escrava. Trazia à casa de Florêncio da Silva além das prendas úteis à senhora-moça - sabendo

pentear, bordar, costurar -, dissimuladamente escondidos, os conhecimentos, vícios e

perversões da escravidão. Tratava-se apenas de uma criança, pois então de onde viriam esses

ensinamentos? Segundo Macedo, de suas irmãs, as escravas com quem convivera, as quais 27

MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes, p. 30. 28

Idem, p. 31. 29

Idem, p. 31.

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24

tinham dado a ela as lições de corrupção, de seus costumes licenciosos, e de imoralidade.

Nesse sentido:

A escrava abandonada aos desprezos da escravidão, crescendo no

meio da prática dos vícios mais escandalosos e repugnantes, desde a

infância, desde a primeira infância testemunhando torpezas de luxúria,

e ouvindo eloqüência lodosa da palavra sem freio, fica pervertida

muito antes de ter consciência de sua perversão, e não pode mais viver

sem violenta imposição fora da atmosfera empestada de semelhantes

costumes, e das suas idéias sensuais; a mucama, pois, colocada ao pé

da menina inocente, inexperiente e curiosa, leva-a, arrasta-a tanto

quanto lhe é possível, para a conversação que mais a encanta, para as

idéias e os quadros do seu sensualismo brutal.30

Dessa condição de escrava é que vinha o interesse da mucama, daí vinha o prazer que

achava em corromper o coração da menina e em encher de conhecimentos de funções naturais

ainda alheias à sua idade e de pensamentos desonestos. Influenciada desde sempre por outras

escravas já desmoralizadas, Lucinda também trazia consigo a inveja e o ódio aos seus

senhores, especialmente à sua senhora-moça, Cândida.

Pai-Raiol, personagem da segunda novela de Vítimas-Algozes – diferentemente de

Lucinda e Simeão, era um escravo nascido na África. A descrição do físico do africano é

bastante negativa, ainda mais se comparada à que Macedo fizera de Simeão. Pai Raiol era,

segundo Macedo:

um negro africano de trinta a trinta e seis anos [...] de baixa estatura,

tinha o corpo exageradamente maior que as pernas; a cabeça grande,

os olhos vesgos, mas brilhantes e impossíveis de se resistir à fixidade

do seu olhar pela impressão incômoda do estrabismo duplo, e por não

sabermos a fluição do seu magnetismo infernal; quanto ao mais,

mostrava os caracteres físicos de sua raça; trazia porém nas faces

cicatrizes vultosas.31

Além dessa representação, com traços bastante negativos, Pai-Raiol era, segundo

Macedo, o demônio do mal e do rancor. Odiava o senhor, mesmo nunca tendo sido açoitado

por este; odiava a senhora e até mesmo os senhores-moços, que não passavam de crianças.

Pai-Raiol, aliás, por duas vezes fora mandado feitorar os parceiros e desempenhou essa tarefa

com requintada severidade, o que demonstra que o africano não tinha compaixão nem mesmo

30

MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes, p. 100. 31

Idem, p. 42.

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25

por seus companheiros de escravidão. Essa falta de compaixão para com outros escravos,

aliás, não é apenas de Pai-Raiol, mas também de outros escravos nas tramas de Macedo. A

crioula Esméria é outro exemplo neste sentido: sempre fora arrogante, exigente e perseguidora

das parceiras e, mesmo depois de emancipada, fez-se cruel, ordenou castigos e, por vezes,

com as próprias mãos descarregou açoite sobre as costas de suas companheiras do tempo da

escravidão.

Em outras ocasiões, mesmo por meio de personagens mais periféricos das tramas,

Macedo mostra a indiferença dos escravos com relação ao bem-estar do senhor e de suas

famílias. Como é o exemplo de tio Alberto, homem negro de natureza nobre e altiva, mas já

estragada pelos venenos da escravidão. Assim como os outros escravos, já havia furtado e

mentido, além de ter abusado da aguardente. Sobra em tio Alberto apenas o ódio contra seu

senhor e o desejo de vingança. Tanto é, que ao saber dos crimes que estavam sendo infligidos

ao senhor e a sua família pelas mãos de Pai-Raiol e Esméria, tio Alberto respondeu apenas:

“que importa! Não fui eu que os matei; não sou eu que mato o mato: que me importa?!”32

.

Desse mesmo modo, é caracterizada Lourença,

A velha escrava, a escrava profundamente desmoralizada por longa

vida de cativeiro, ensinada pela experiência traiçoeira de mais de meio

século de escravidão, tinha apanhado e guardado com indiferença

malvada o segredo dos crimes de Esméria, e só pelo rancoroso

ressentimento do açoite rompera o silêncio imposto pelo ódio natural

de escrava ao senhor.33

A velha escrava ajudou o senhor ao alertá-lo dos crimes que Pai-Raiol e sua cúmplice

Esméria vinham cometendo não por importar-se com a vida do senhor, mas só pelo rancoroso

ressentimento que passou a guardar por Esméria. Apenas esse rancor é que foi capaz de

romper o silêncio, as vistas grossas que a escrava fazia, devido ao ódio intrínseco que

mantinha pelo senhor – simplesmente por ser escrava. Desse modo, tanto tio Alberto como

Lourença são exemplos de que os negros, por serem escravos, não se importam com o bem-

estar do senhor e de sua família. E que, se agem alguma vez em interesse do senhor isso se

deve a algum outro motivo.

Do lado dos senhores, temos Domingos Caetano e Angélica, nobre homem e virtuosa

mulher, os quais criaram com amor maternal o crioulinho Simeão. Senhores que mesmo com

32

MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes, p. 79. 33

Idem, p. 82.

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26

evidências de que Simeão lhes furtava dinheiro e objetos de valor não o castigaram com

severidade. Isso, pois, segundo Macedo, Domingos e Angélica eram senhores bons e

humanos. Assim como seus pais, Florinda foi pintada como uma santa, incapaz de

testemunhar contra o crioulo após presenciar sua tentativa de furto e, além disso, ainda

propunha-se a perdoá-lo.

Havia também Hermano, que viria a se casar com Florinda, homem que mesmo

dispondo de poucos meios, possuía reputação de honestidade: era trabalhador ativo, agradável

de figura e de trato, estimado pela nobreza de seu caráter. Segundo Macedo, Simeão não

gostava de Hermano, pois:

Simeão viu desde então em Hermano um homem que era melhor, mais

forte, e muito superior a ele: melhor, porque era livre; mais forte,

porque pudera e podia subjugá-lo; muito superior, porque o tinha

esbofeteado, prendido e mandado conduzir preso à casa de seu senhor,

e a ele nem era dado pensar em vingar-se.34

Outro homem digníssimo era Frederico, personagem da novela Lucinda, a mucama, o

moço que por amor à jovem senhora ameaçada em sua honra, casa-se com ela. Frederico era

inteligente, generoso por caráter e sem exageração, dedicado somente a seus amigos, mas na

dedicação capaz de ir até à heroicidade. Aos 22 anos “chegara ao seu completo crescimento

físico e à perfeita e firme determinação de seu caráter (...) robustecera-lhe a têmpera nobre e

generosa do coração, e dera-lhe à alma, a retidão do juízo e a prudência da reflexão”35

.

Mesmo após ter seu amor rejeitado, a nobreza de seus sentimentos fizeram com que

continuasse a zelar pela honra e felicidade de Cândida. E suas virtudes foram a tal ponto, que

chegou a dar seu nome a Cândida e purificá-la de suas ações e corrupções passadas.

Mesmo Paulo Borges, o adúltero que unira-se em relação adúltera com Esméria, era

um homem que cumpria a palavra dada, um lavrador honrado, trabalhando sempre, gastando

pouco, ajuntando muito, e não pesando a nenhum outro homem como ele. Amava a esposa e

os filhos, mas, mesmo honrado e escrupuloso em seus negócios, dava pouca importância à

severidade dos costumes e considerava a castidade uma virtude necessária apenas às senhoras.

Acabou por ficar cego ante a sensualidade proveniente da escravidão, ao ponto de ter, no fim,

sua família destruída por crimes de escravos que vinham sendo cometidos sob seus olhos, não

34

MACEDO, Joaquim Manoel de. As Vítimas-Algozes,, p. 20. 35

Idem, p. 112.

Page 27: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

27

sendo capaz de perceber o que estava acontecendo. Paulo Borges sobreviveu a todos os

crimes dos dois escravos, mas viveu para sofrer pelos crimes e seus arrependimentos.

Cândida também fora vítima direta dos males da escravidão. Contava apenas com 11

anos quando passou a conviver com a mucama Lucinda que lhe tirou a pureza e a inocência.

Por influência de Lucinda, a menina que era puríssima, insciente do mal, encontrou-se

condenada, segundo Macedo, às infecções da peste da escravidão. E teria passado o resto dos

dias nessa perdição, se não fosse salva por Frederico.

As senhoras, aliás, sempre são retratadas como muito boas e de costumes ilibados.

Como Teresa, senhora ainda jovem de costumes simples, honesta, laboriosa e que, mesmo

vítima da traição do marido, continuou digna e incapaz de planejar vingança de qualquer tipo.

Ainda segundo Macedo, “Teresa não era uma senhora formosa; mas, posta mesmo de lado a

superioridade física da raça, era bem feita, engraçada e mimosa de rosto e de figura a não

admitir comparação com a crioula”36

.

Neste ponto há uma consideração a ser feita, Macedo por várias vezes, nas três

novelas, não deixou de expressar a superioridade física do branco em relação ao negro. Ao

mesmo tempo mostrou também qualidades, como a inteligência dos negros, africanos ou

crioulos, mesmo que para tramar contra seus senhores. De todo modo, apesar de reiterar que o

mal advém da condição de escravo e não da raça, a obra de Macedo traz algumas

considerações que remetem à raça – sendo assim, não é uma categoria completamente

abandonada pelo autor.37

Por fim, temos a construção de outros homens livres, mas que mesmo assim eram

atrozes em crimes violentos. Como exemplo perfeito, tem-se o Barbudo que se fez amigo de

Simeão para influenciá-lo e ajudá-lo, a fim de ganhar também algo com o crime que seria

cometido. Para Macedo,

O escravo é a matéria-prima com que se preparam crimes horríveis

que espantam a nossa sociedade. No empenho de seduzir um escravo

para torná-lo cúmplice no mais atroz atentado, metade do trabalho do

sedutor está previamente feito pelo fato da escravidão.38

36

MACEDO, Joaquim Manoel de. As Vítimas-Algozes, p. 53. 37

Nesse sentido, compartilho da análise de Sharyse Amaral que considera que, para Macedo, o cativo era

inimigo do seu senhor e não o negro do branco. Ou seja, a contraposição básica que Macedo traz é entre escravos

e seus senhores em um sentido social e não racial. Contudo, reforçamos mais uma vez, raça não é uma categoria

deixada de lado pelo autor: Sharyse Amaral, “Emancipacionismo e as representações do escravo na obra de

Joaquim Manuel de Macedo”, Afro-Ásia, n. 35 (2007), p. 228. 38

MACEDO, Joaquim Manuel de. As Vítimas-Algozes, p. 15.

Page 28: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

28

Portanto, os homens livres, quando mal intencionados, sempre são capazes de

encontrar nos escravos bons companheiros. Já que a escravidão transformava esses cativos em

“matéria-prima” para a preparação de crimes contra a sociedade.

Também temos a figura do estrangeiro, como Souvanel (ou Dermany), o sedutor de

Cândida na novela Lucinda a Mucama, que era um homem livre, mas também cheio de

perversidades e ambições. Em suma, estes exemplos foram usados por Macedo para tentar

demonstrar que existem homens livres perversos, mas essa é apenas uma possibilidade,

enquanto os escravos criminosos são uma regra. Como conclui o autor:

Simeão foi o mais ingrato e perverso dos homens.

Pois eu vos digo que Simeão, se não fosse escravo, poderia não ter

sido nem ingrato, nem perverso.39

Após terminar de pintar cada um destes “quadros da escravidão”, Macedo apresentava

uma conclusão que sempre clamava pela mesma coisa: o fim da instituição. Mais do que isso,

Macedo considerava que os senhores não poderiam se queixar desses crimes, pois a culpa da

escravidão, deste grande mal, era mais deles mesmos do que dos escravos; pois os países que

mantinham a escravidão eram os culpados “pelo aviltamento, a ignomínia, a torpeza e a

corrupção”40

que se insere no seio de suas famílias.

Por isso Joaquim Manuel de Macedo clamava para que a sociedade se unisse de vez

para matar a “mãe desses crimes”41

deviam, portanto, acabar com a escravidão. Havia, para o

autor, apenas uma forca capaz de livrar dos escravos ingratos e perversos, dos inimigos que

cercavam as casas, e essa forca seria a civilização armando a lei que enforcasse para sempre a

escravidão.

1.5 Traços gerais dos “quadros da escravidão”

Como vimos nesse capítulo, um dos aspectos a destacar a partir das tramas das novelas

e de seus personagens, que até aqui descrevemos, é a ênfase que Macedo dá à escravidão

doméstica. E isto não foi ocasional: esta, pela intimidade que estabelecia entre senhores e

escravos, era a que mais ameaçadora se constituía. Se o escravo da roça podia ser

representado como gerador de riqueza para os senhores, os escravos domésticos eram

inimigos potenciais. Isso ocorre em Simeão, crioulo que fora criado pela família senhorial

39

MACEDO, Joaquim Manoel de. As Vítimas-Algozes, p. 36. 40

Idem, p. 93. 41

Idem, p. 36.

Page 29: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

29

como um filho, cheio de privilégios que não o impediram de cultivar o ódio por seus senhores

até o ponto de matar toda a família para conseguir liberdade e dinheiro. É, também, Lucinda

uma mucama que vivia dentro da casa de seus senhores e, assim, com o acesso irrestrito aos

leitos de sua sinhá, foi capaz de desvirtuar a jovem moça, desencaminhando-a dos bons

costumes.

Outro aspecto interessante: em todas as novelas, as mulheres são ameaças maiores:

escravas usam Simeão para conhecer segredos da família. É uma escrava que abre as portas

para que Simeão adentre à casa senhorial com malfeitores e mate toda a família. Em Lucinda,

a Mucama é feminina a personagem que causa todos os males e possibilita a ação de um

malfeitor que destrói a honra da sinhá-moça. Também em Pai-Raiol é uma mulher cativa que

torna a família vulnerável à ação do feiticeiro, por ganhar a confiança primeiramente de sua

senhora e, posteriormente, seduzindo seu senhor e ganhando acesso ao interior da casa.

Assim, com esse romance, Macedo desejava, sobretudo, fazer com que seus leitores

refletissem sobre todos os males trazidos pela escravidão para dentro da casa senhorial – para

perto do senhor, sua esposa e seus filhos. Com essa reflexão, pretendia que os proprietários

de escravos percebessem o perigo iminente que estavam vivendo dentro de suas próprias

casas.

Page 30: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

30

2 Análise histórica: Debates sobre a escravidão e suas possíveis consequências

Joaquim Manuel de Macedo publicou seu romance As Vítimas-Algozes em um

momento de acaloradas discussões acerca do regime de trabalho escravo até então vigente no

Brasil. Dentro desse contexto, o romancista trouxe sua análise, sua experiência, sobre as

relações geradas entre, basicamente, os dois principais grupos de atores dentro da escravidão

– o que significa dizer, entre senhores e cativos.

Ao pintar seus quadros da escravidão, Macedo utilizou-se de “cores” que demandam

uma análise mais detalhada. Este é, então, o objetivo do presente capítulo, recuperaremos

aspectos do debate político ocorrido no âmbito do Conselho de Estado sobre questões

relacionadas à escravatura - e que trazia consigo um debate mais amplo em âmbito nacional.

Não podemos nos esquecer, no entanto, de outros aspectos do referido contexto, é dizer, a

inquietação cada vez mais intensa quanto às relações entre senhores e escravos, que geravam

incertezas e inseguranças.

Devemos lembrar quão enraizada estava a escravatura no Brasil, desse modo, superava

os limites de uma instituição econômica, ao fazer-se notar em diversos costumes do povo,

além de marcar as os as relações entre homens. Como diria, em seu prefácio, o próprio

Macedo “não se extirpa o cancro sem dor”42

e, portanto, justificam-se os longos debates dos

quais nos deteremos.

2.1 Do Imperador até o público: debates sobre projetos emancipacionistas

Considerando o processo de modificação da instituição escravista ao longo do século

XIX, podemos dizer que a escravatura receberia seu primeiro golpe no início da década de

1850, quando sua fonte de abastecimento foi cortada pela supressão do tráfico de africanos.

No entanto, se concordarmos com Conrad, a proibição do tráfico negreiro partiu muito mais

de pressões externas do que propriamente internas43

. Desse modo, não se identifica ainda um

movimento emancipacionista forte dentro dos limites do Brasil.

42

MACEDO, Joaquim Manuel de. Aos nossos leitores. IN: _______. MACEDO, Joaquim Manuel de. As

Vítimas-Algozes: Quadros da Escravidão. São Paulo: Ed. Scipione/Fundação Casa de Rui Barbosa, p. 3. 43

CONRAD, Robert. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, p. 30.

Page 31: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

31

Contudo, iniciava-se um lento processo de rejeição ao regime escravocrata. Já na

década de 1860 ocorreram debates de grande impacto e importância sobre a escravidão. É o

que aponta Robert Conrad:

Durante a década de 1860, desenvolveu-se um movimento

emancipacionista significante no Brasil, culminando em 1871 com a

aprovação da legislação que libertava os filhos recém-nascidos de

escravas. Esta mudança da política de nada fazer dos anos da década

de 1850 foi o resultado do reconhecimento por muitos brasileiros,

incluindo algumas das mais elevadas autoridades, de que a escravatura

era uma instituição desacreditada no mundo ocidental e de que não

poderia continuar existindo sem sofrer algumas restrições

importantes.44

Assim, como nos informa Conrad, na década de 1860 já se considerava que o regime

de trabalho forçado não era mais adequado para o país – fosse por motivos econômicos ou

pelas pressões internacionais que pregavam o fim da escravidão. Assim, não é sem motivos

que o próprio imperador brasileiro tenha se envolvido diretamente com as questões referentes

à escravidão. Como nos mostra, Conrad:

O próprio Imperador, talvez depois de prolongada meditação sobre as

dificuldades e os riscos envolvidos, tomou a decisão de agir contra a

escravatura – e Dom Pedro constituiu de longe a mais importante

influência singular na aprovação da lei da reforma da escravatura de

1871. Seu poder para responder à opinião mundial, entretanto, não era

ilimitado, pois a classe dos fazendeiros, que eram aqueles que mais se

beneficiavam da escravatura, encontrava-se na base do sistema

político brasileiro e só com o apoio dessa classe ou com o

consentimento passivo de alguns de seus setores é que qualquer

reformar poderia ser adotada e realizada.45

Essas considerações de Conrad são interessantes por trazerem à discussão dois pontos

de grande importância para o assunto. Primeiramente, o envolvimento direto de Dom Pedro II

com os movimentos de reforma da escravatura que iriam culminar com a Lei de 1871. E, por

outro lado, o posicionamento dos grandes fazendeiros que obtinham seus lucros por meio do

trabalho de seus escravos e, obviamente, iriam ser uma grande e influente oposição às

mudanças no regime.

O Imperador, então, apesar de estar envolvido com o esforço de guerra com o Paraguai

(1864-1870), tomou medidas preliminares para a reforma do regime escravista. Assim, no

44

CONRAD, Robert. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, p. 88. 45

Idem, p. 90.

Page 32: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

32

final do ano de 1865, Dom Pedro II encomendava a seu assessor Antônio Pimenta Bueno (que

mais tarde viria a ser, o Marquês de São Vicente) um projeto com medidas que buscassem

modificações no sistema escravocrata46

.

Esse ponto, aliás, é de extrema importância para entendermos o que passava com a

escravidão brasileira naquele momento. É dizer, precisamos estar cientes do que significado

do envolvimento pessoal da figura do Imperador no âmbito de reformas do regime de trabalho

até então vigente. O próprio Dom Pedro II pediu a formulação de um projeto que pudesse

promover as reformas necessárias, na época, para que fosse encaminhado o fim da escravidão.

Em janeiro de 1866, então, Pimenta Bueno já havia preparado um programa de

reformas, composto por cinco pontos, prevendo “o nascimento livre, o estabelecimento de

conselhos provinciais de emancipação, registro dos escravos e a libertação dos escravos de

propriedade do estado em cinco anos e os dos conventos em sete”47

. Esse projeto encontrou,

no entanto, oposição de um conservador, o Visconde de Olinda, que era então Presidente do

Conselho e foi, portanto, arquivado. Com esse acontecimento, foram necessários mais alguns

meses para que o Imperador trouxesse novamente à tona as discussões acerca das reformas da

escravatura.

Dom Pedro II continuou, no entanto, mostrando características de seu lado

emancipacionista e dava ao país provas de suas determinações. Uma dessas provas passou em

julho de 1866, quando uma sociedade abolicionista francesa (o Comité pour l’Abolition de

l’Esclavage) pediu para que o Imperador brasileiro usasse de sua influência para dar um fim

ao regime da escravidão. Como resposta, o Ministro dos Assuntos Estrangeiros, em nome do

Imperador, afirmou que a emancipação no Brasil “não passa de uma questão de forma e de

oportunidade”.48

O que podemos destacar dessa afirmação é que o Brasil, por influência do Imperador,

daria um maior foco à questão da escravidão quando o momento fosse propício. Esse

momento propício seria, é de se presumir, quando terminasse a guerra na qual o país estava

envolvido contra o Paraguai. Esta guerra, deve-se ressaltar, era o problema externo mais

importante do Brasil na época, e trouxe, além dos problemas inerentes a um esforço de

guerra, discussões, também, acerca da escravatura, pois escravos foram incorporados ao

exército brasileiro, combatendo ao lado de homens livres.

46

CONRAD, Robert. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil,. 94. 47

Idem, p. 94. 48

Idem, p. 95.

Page 33: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

33

Tamanho era o empenho do Imperador que, mesmo com o conflito internacional,

continuou a associar-se com o emancipacionismo. Este aspecto pode ser evidenciado pelo

encaminhamento dado à proposta anteriormente elaborada por Pimenta Bueno. Em fevereiro

de 1867, segundo Conrad, possivelmente estimulado pelo Imperador, Zacharias de Gois

apresentou ao Conselho de Estado o projeto de reforma da escravidão, que havia sido

preparado no ano interior por José Antônio Pimenta Bueno, além de outras reformas

relacionadas com a escravatura. Incluíam-se, portanto, além das medidas originais esboçadas

por Pimenta Bueno, a completa abolição da escravatura com compensação total para os

proprietários no último dia do século XIX. Uma proposta que como é de se imaginar, e

confirma Conrad, viria a causar receio e hostilidade por parte dos defensores da escravidão.49

Assim, os projetos de Pimenta Bueno, apesar das mudanças em relação ao original,

voltam a fomentar discussões no Conselho de Estado. Tratava-se de uma proposta que iria

receber forte oposição dentro dos debates. Debates que realizarem-se nas sessões de 2 e 9 de

abril, a pedido do próprio Imperador, foram feitas três perguntas bastante diretas e ao mesmo

tempo corajosas direcionadas aos membros do Conselho de Estado: “1º Convém abolir

diretamente a escravidão? No caso de afirmativa: 2º Quando deve ter lugar a abolição? 3º

Como, com que cautelas e providências cumpre realizar essa medida”? E em anexo, mais uma

vez cabe realçar, o trabalho de Pimenta Bueno para servir de base ao debate dentro do

Conselho de Estado50

.

Antes de passar aos debates, no entanto, cabem algumas considerações sobre a o

Conselho de Estado em si e qual era o seu papel durante o reinado de Dom Pedro II. Nesse

sentido, identificamos a partir de José Honório Rodrigues, como o Conselho de Estado

tornou-se nesse momento um quinto Poder – apesar, então, de não estar previsto na

Constituição era suficientemente forte até mesmo para “influir, pressionar e preponderar na

opinião dos poderes constituídos”51

. Assim, preparava e esclarecia as propostas ou projetos de

lei – era, pois, consultado em vários momentos da história brasileira e, como afirma

Rodrigues, a força do Conselho consistia na influência sobre o Poder Moderador.

49

CONRAD, Robert. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, p. 96. 50

RODRIGUES, José Honório. “Atas do Conselho de Estado. Direção geral, organização e introdução de José

Honório Rodrigues”. Brasília, Senado Federal, 1973-1978, p. 9. Disponível em:

http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS6-Terceiro_Conselho_de_Estado_1865-1867.pdf.

Acesso em: 20 de nov. 2011. 51

RODRIGUES, José Honório. “Conselho dos procuradores gerais das províncias do Brasil 1822-1823”.

Brasília, Senado Federal, 1973-1978, p. 8. Disponível em:

http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS1-

Conselho_dos_Procuradores_Gerais_das_Provincias_do_Brasil_1822-1823.pdf. Acesso em: 18 de nov. 2011.

Page 34: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

34

Assim, os debates ocorridos nestas duas sessões são de fundamental importância e

reveladores dos diferentes pensamentos trazidos por Pimenta Bueno e os titulares do

Conselho de Estado em relação à questão da escravidão como regime de trabalho em vigor no

Brasil.

Para analisar esses debates, é de fundamental ajuda o trabalho do historiador José

Honório Rodrigues com seu prefácio às Atas do Conselho de Estado Pleno. Em seu prefácio,

podemos destacar algumas opiniões como a do Visconde de Jequitinhonha para quem os

debates deveriam ser tratados “... senão com muita cautela e reserva de modo que a

emancipação seja muito gradual e lentamente realizada”52

. Esta opinião era compartilhada

com seus outros colegas, pois a abolição direta, de uma só vez, não era vista com bons olhos.

Partilho da conclusão à que chegou Rodrigues, que afirma que “a idéia de aceitar a

emancipação é unânime, embora uns a desejem mais imediatamente do que outros...”53

.

Significa dizer que os parlamentares respondiam à favor da emancipação, com a opinião que a

emancipação era uma necessidade indeclinável. Não escapava, porém a homens os perigos e

perturbações em proclamar-se a emancipação, ou seja, discutiam sobre os perigos que

poderiam ser trazidos com a promessa de liberdade que viria com a lei, temiam as subversões

e insurreições escravas que já vinham acontecendo e poderiam aumentar cada vez mais.

Quanto ao melhor momento de se encaminhar reformas na instituição escravista,

predominava a idéia de que elas não deviam ser encaminhadas. Seria necessário, então, guerra

terminasse para que então fossem tomadas as iniciativas que buscassem as reformas da

escravidão.

De quem deveriam partir essas inciativas era, também, ponto de divergência entre os

debates que aconteciam no Conselho de Estado. De um lado, havia os que acreditavam na

necessidade de o Governo intervir nos assuntos relativos à escravidão e, de outro, os que

defendiam que os próprios senhores seriam capazes de perceber as vantagens do trabalho livre

e, ao seu tempo, libertar os seus escravos por vontade própria, sem que fosse necessária a

intervenção do governo. Um exemplo desta última posição é a expressa pelo Visconde de

Abaeté que considerava: “Não há dúvida que o auxílio de associações filantrópicas poderá ser

muito útil à ação da autoridade; mas quem deve criá-las não é o poder do Governo, é a

espontaneidade da opinião, ou o sentimento nacional”54

. Esse exemplo é bastante interessante

52

RODRIGUES, José Honório. “Atas do Conselho de Estado Pleno”, p.9. 53

Idem, p. 10. 54

Idem, p. 97.

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35

para demonstrar a opinião destes que confiavam no julgamento do sentimento nacional – é

dizer, na vontade espontânea dos senhores de escravos.

Dentro do Conselho, para demonstrar como estavam as posições de seus membros e a

influência de Dom Pedro II, é significativo ressaltar que o próprio Visconde de Rio Branco –

que, apenas quatro anos mais tarde, seria líder parlamentar do movimento emancipacionista –

trouxe à discussão o fato de que a libertação dos recém-nascidos causaria perturbação nas

fazendas, mas, mesmo assim, manifestou-se a favor da medida, devido à pressão do

Imperador.55

Após essas consultas com o Conselho de Estado, Nabuco de Araújo foi nomeado, pelo

Imperador, chefe de uma comissão para preparar um projeto de lei. E, um mês mais tarde em

22 de maio de 1867, o imperador em seu discurso anual do Trono pediu para que a

Assembléia Geral se ocupasse da questão relativa à escravidão, num momento mais oportuno

– corroborando as posições que viam a guerra contra o Paraguai como justificativa para um

adiamento das reformas da escravatura.56

Como considera Conrad o governo ia, desse modo, agindo de forma cautelosa com os

assuntos que se relacionavam à reforma da escravatura. Isto não impediu, no entanto, que os

proprietários ficassem alarmados e iniciassem reações e críticas contra as posições do

governo. Mesmo com essas críticas, Dom Pedro II continuou mostrando seu lado

emancipacionista, com cautela tentando acomodar as aspirações de um crescente movimento

emancipacionista e do outro lado as exigências da agricultura brasileira.57

O Imperador, no entanto, acabaria por encontrar-se em meio a uma situação que

atrapalharia suas posições emancipacionistas,

Pouco depois, contudo, a guerra com o Paraguai, que já justificara o

adiamento da reforma da escravatura por mais de dois anos, motivou

Dom Pedro para ações que implicavam um quase abandono de sua

política de emancipação. (...) a disputa sem solução entre seu Primeiro

Ministro, o liberal Zacarias de Góis, e o comandante das forças

armadas no Paraguai, o Duque de Caxias, Dom Pedro decidiu, em

julho, aceitar a demissão de Zacarias e pedir a um conservador que

formasse o gabinete.58

55

CONRAD, Robert. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, p. 97. 56

Idem, p. 98. 57

Idem, p. 99. 58

Idem, p. 100.

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36

Esse novo gabinete, segundo Conrad, representava uma mudança bastante

significativa nas intenções do Imperador. Enquanto Zacarias e seu gabinete estavam

comprometidos com as propostas emancipacionistas do governo, o novo gabinete conservador

identificava-se com o movimento de oposição à reforma do sistema escravocrata.59

Essa mudança, no entanto, trouxe como resultado o fortalecimento do movimento

emancipacionista brasileiro – que haviam sido estimulados pelos atos anteriores do Imperador

e já eram, em 1868, uma força significante. Deste fortalecimento surgiu um apoio

generalizado à reforma da escravatura – apoio que vinha de estudantes, escritos, políticos

liberais e uma parte da população urbana informada.60

Visconde de Itaboraí tentara lembrar a existência de grandes interesses econômicos,

principalmente por parte de grandes proprietários, associados à escravidão, além de afirmar

que se tratava de um momento ruim, pois o país acabara de sair de uma guerra de grandes

proporções com o vizinho Paraguai. Ou seja, Itaboraí tentava frear o ímpeto emancipacionista,

mas seus clamores não foram o suficiente.61

Então, o ministério do Visconde de Itaboraí demitiu-se e foi substituído pela chefia do

Visconde de São Vicente, que era ligado ao emancipacionismo desde que havia preparado os

projetos de reforma em 1866. São Vicente, no entanto, acabou deixando o cargo, que foi então

assumido por Visconde do Rio Branco.

Com o Visconde de Rio Branco à frente, o projeto foi apresentado na Câmara dos

Deputados em 12 de maio de 1871 e, depois de várias sessões em que foi debatido

intensamente, transformou-se em lei, em 28 de setembro do mesmo ano. A Lei de 1871 trazia

muito mais do que a liberdade dos nascituros, filhos de escravas, era uma lei complexa, “já

que se esperava dela que alterasse o status quo de um modo satisfatório para os críticos da

escravatura, embora defendendo, ao mesmo tempo, os direitos dos donos de escravos”.62

Nesse sentido, o ideal principal da lei era dar um passo em direção à abolição, mas sem causar

mudança imediata na agricultura e nos interesses econômicos que dela provinham. Sobre este

aspecto, Célia Maria M. de Azevedo observou que:

A Lei do Ventre Livre tem sido tratada em geral pela historiografia

como apenas uma manobra parlamentar que aquietava os ânimos

abolicionistas e ao mesmo tempo garantia a força de trabalho escravo,

59

CONRAD, Robert. Os Últimos Anos da Escravatura no Brasil, p. 100. 60

Idem, p. 103. 61

Idem, p. 108. 62

Idem, p. 113.

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37

visto que os senhores podiam contar com o trabalho compulsório dos

ingênuos até os 21 anos de idade. Embora isto seja certo, penso que

esta lei deve também ser considerada sob um outro aspecto (...) e que

diz respeito às mudanças de atitudes psicossociais no cotidiano de

dominantes e dominados.63

O que significa dizer que é necessário considerar o significado da Lei de 1871 para o

colapso da escravatura a partir de outra visão. Ou seja, as mudanças que a Lei e os debates em

torno dela dera aos senhores a noção de que a escravidão perdia suas forças e, como

consequência, uma inquietação maior dentro das relações entre senhores e os escravos. Assim,

o conflito entre esses dois lados se acirrava. O que os debates no Conselho de Estado

evidenciam é que estas foram questões previstas e consideradas pelos que avaliavam já as

primeira propostas de intervenção do Estado nas relações de escravidão.

De todo modo, acredito que a análise desses debates acerca de Lei de 1871 tenham

sido capazes de demonstrar a importância do contexto em que escrevia Macedo e de sua

inserção direta nesses debates sobre a emancipação e o sobre o melhor modo de realizá-la. As

características importantes desse período, no entanto, não foram esgotadas e se faz necessário

uma análise das inquietações e do medo, propriamente dito, que existiam nas relações entre

senhores e escravos.

2.2 Inquietação e medo

A obra Vítimas Algozes, como visto no primeiro capítulo, narra crimes cometidos por

escravos contra seus senhores e contra a família senhorial. Seriam estas ocorrências fruto

apenas da imaginação de Macedo? Ou, de fato, essa violência já vinha ocorrendo e marcando

a convivência entre senhores e seus escravos? Podemos, por meio da historiografia, buscar

interpretar a construção narrativa de Macedo a partir das tensões nas relações entre senhores e

escravos.

Focando crimes cometidos por cativos, o estudo de Maria Helena P. T. Machado

indica que tensões das relações entre senhores e seus escravos eram muitas vezes extremas:

documentação criminal (...) indica que as tensões e contradições

presentes no cotidiano encontravam seu desaguadouro nos crimes de

sangue. Nesta categoria surge como vítima preferencial do ataque de

63

AZEVEDO, Célia M. M. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1987, p. 100.

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38

escravos, à exceção do senhor e seus correlatos, o homem livre e, em

segunda instância, o próprio escravo.64

Isso significa dizer que, em uma sociedade que separava os homens entre livres e

cativos, os crimes constituíam um dos principais modos que os escravos encontravam para

dizer o seu não. O crime, assim, estava também associado às contradições presentes naquela

sociedade.

Senhores e feitores, agentes centrais no controle social exercido sobre os escravos,

acabam tornando-se as principais vítimas nesses crimes de sangue. Esse controle que

implicava dominação pessoal, implicava também em um risco para a camada dominante.

Como conclusão, Machado afirma que as

Tensões violentas redundavam em crimes que se apresentavam como

subprodutos da dinâmica do trabalho, refletindo o estrangulamento

das possibilidades acomodativas do sistema. Homicídios contra

senhores, feitores e capatazes, desvios da produção agrícola, suicídios

e outros crimes desvendam diferentes aspectos da organização do

trabalho escravos nas lavouras paulistas bem como se apresentam

enquanto atos de consciente resistência à dominação.65

Dessa conclusão, percebemos que Maria Helena Machado nos mostra explicações

provenientes da lógica de resistência à dominação que ocorria nas relações entre senhores e

escravos. Assim, os crimes cometidos por escravos contra a casa senhorial são entendidos,

pela autora, como atos de resistência à dominação a que eram submetidos os cativos.

Célia Maria Marinho de Azevedo faz também uma interessante colocação acerca da

resistência escrava – em especial, dos meios violentos de resistir. Esses crimes, aliás, são

localizados e estudados pela autora que percebe, através de relatórios dos chefes de polícia

dirigidos aos presidentes de províncias, na virada das décadas de 1860 e 1870 uma crescente

preocupação dessas autoridades com as ações de rebeldia dos escravos. Sendo assim, durante

a década de 1870, o foco das atenções policiais se dava nos crimes de escravos.66

Concedendo

a palavra à autora:

De fato, as repetidas denúncias dos deputados provinciais em torno

dos crimes de escravos apontavam para as crescentes dificuldades de

se manter uma disciplina de trabalho e de vida sobretudo nas fazendas,

em vista não só da grande concentração de negros como também dos

64

MACHADO, Maria Helena P. T. Crime e escravidão: trabalho, luta, resistência nas lavouras paulistas 1830-

1888. São Paulo: EDUSP, 1987, p. 37. 65

Idem, p. 125. 66

AZEVEDO, Célia M. M. Onda negra, medo branco, pp. 180-181.

Page 39: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

39

chamados “efeitos” da Lei do Ventre Livre. Embora a lei não

significasse mudanças concretas substanciais (...) de qualquer modo

ela decretara o fim do caráter absoluta da instituição escravista, e os

escravos, assim como seus senhores, se apercebiam da sua

temporariedade. Talvez por isso mesmo os escravos já se sentissem

mais à vontade para resistir no próprio espaço de produção, atacando

feitores e senhores, e por vezes, entregando-se tranquilamente à

polícia, ao invés de se embrenharem em fugas perigosas pelas matas.67

A autora, assim, ressalta a importância da Lei do Ventre Livre – e de seu debate - e o

impacto que teve para as relações entre escravos e senhores. Nesse sentido, essa novas noções

com relação à escravidão por parte de livres e cativos geraram mudanças de atitudes

psicossociais e contribuíram para dificultar a manutenção da disciplina dentro das fazendas.68

Além de levantar a questão de que os escravos ao invés de fugirem após cometer algum

crime, como era costumeiro, em casos entregavam-se para a polícia – que demonstra o

crescente descrédito da autoridade senhorial.

Nesse mesmo sentido, Azevedo rejeita a idéia de que “o negro, apesar de toda sua

rebeldia, estava impossibilitado de conferir um sentido político às suas ações”69

. Nesse

sentido, tanto Célia Azevedo como Maria Helena Machado identificam um potencial político

na rebeldia dos escravos.

Para Machado,

Conscientes da fragilidade dos mecanismos de dominação paternalista

de que dispunham, os senhores, desde sempre temeram os ataques de

seus cativos. Reputando-os como “inimigo doméstico”, receavam o

envenenamento, a traição e a revolta.70

Estas considerações explicitam que os senhores de escravos já tinham consciência da

fragilidade de seus mecanismos de dominação. Sendo assim, devemos perguntar: quão

impactante para os proprietários de escravos teria sido o fato de o próprio Imperador

demonstrar tendências emancipacionistas e considerar que as reformas na escravidão eram

questão de tempo e oportunidade?

Se, como Machado afirmou, desde sempre os senhores temiam seus escravos, a partir

desse reconhecimento de que viviam os últimos anos de escravidão, parece justo afirmar que

67

AZEVEDO, Célia M. M. Onda negra, medo branco, pp. 181-182. 68

Idem, p. 181. 69

Idem, p. 175 70

MACHADO, Maria Helena P. T. Crime e escravidão, p. 35.

Page 40: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

40

o medo tornou-se ainda maior. E, portanto, o “inimigo doméstico” causava cada vez mais

inquietação, mais medo de revoltas.

Portanto, devemos ressaltar o papel do debate público sobre as questões da

emancipação escrava, que traziam à tona contestações da legitimidade da escravidão, e como

este fato tornou ainda mais difícil o exercício de controle por parte dos senhores, feitores e

administradores. O debate público sobre o futuro da escravidão, que após a Lei de 1871

apontava para o seu fim, contribuía para modificar as visões de senhores e, também, de

cativos, quanto às relações de dominação construídas dentro do sistema escravista.

A partir dessas considerações é possível constatar o misto de medo, incerteza e, até,

impotência que ia caracterizando esse período. O momento em que a escravidão ia sendo

desacreditada pelo fortalecimento de idéias emancipacionistas – primeiramente por debates

dentro do Conselho de Estado que ganharam um alcance público até a concretização e decreto

da Lei de 1871 que indicava o enfraquecimento da escravatura.

Como vimos nesse capítulo, o período que corresponde ao final da década de 1860 foi

marcado por debates que levavam em consideração a instituição escravista. Nesse momento, o

próprio Dom Pedro II mostrava suas tendências emancipacionistas e tomou posicionamentos

que serviram de estímulo para que fossem debatidas questões sobre modificações na

escravidão brasileira. Além disso, vimos a crescente inquietação e o medo que floresciam

dentro das relações entre senhores e seus escravos. Somando estes dois pontos, percebemos

como os debates que começavam a atingir um âmbito mais público, não ficando mais restrito

aos políticos, atingiam a consciência dos proprietários de escravos, dando sinais de que a

escravidão já não era mais absoluta. E, portanto, o medo agia como um fenômeno a mais que

denotava a fragilidade dessa instituição.

Page 41: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

41

3 Interpretações sobre Macedo e sua obra

Vimos, nos dois capítulos anteriores, como Joaquim Manuel de Macedo construiu sua

obra As Vítimas-Algozes e aspectos referentes à historiografia – debates travados no Conselho

de Estado sobre medidas emancipacionistas e a crescente inquietação nas relações entre

senhores e escravos. Cabe, agora, interpretar os personagens criados por Macedo e os enredos

que ele constituiu relacionando-os com o contexto vivido pelo autor e a maneira como o autor

se posicionava neste contexto.

3.1 O medo dentro da obra de Macedo

O ponto de partida para a análise das ideias expressas em Vitimas-Algozes sobre o

contexto vivido no Brasil da época é a postura bastante clara e crítica de Macedo em relação a

uma das mais importantes questões nacionais até então, a escravidão. Durante toda sua obra o

autor busca trazer os elementos mais negativos da instituição escravista a fim de que seus

males chamassem atenção aos olhos de seus leitores.

Com essa intenção as novelas de Macedo estão repletas de considerações sobre

escravos maus, tudo isso, porém, para denunciar a “mãe desses crimes” – a escravidão! Nesse

sentido, um dos primeiros alertas do autor é o de que:

não é possível que haja escravos sem todas as consequências

escandalosas da escravidão: querer úlcera sem o pus, o cancro sem a

podridão é loucura ou capricho infantil.71

Esse é, portanto, um ponto de grande importância para entender os possíveis objetivos

de Joaquim Manuel de Macedo ao escrever sua obra. Esse extrato parece ser bastante simples,

mas configura-se em um alerta bastante direcionado e importante consideração, por isso

merece análise. A partir dessa idéia, o autor lembrava aos seus leitores que não haveria modo

de fugir de temíveis consequências vindas da escravidão, enquanto existissem escravos nas

terras brasileiras. Portanto, logo no começo da primeira novela de As Vítimas-Algozes, o autor

identifica a necessidade do fim da escravidão. E mais, para Macedo, acreditar na existência da

escravidão sem suas consequências perigosas não passava de uma loucura ou um capricho de

ordem infantil.

71

MACEDO, Joaquim Manuel de. Aos nossos leitores, p. 2.

Page 42: universidade federal do paraná eduardo da cruz sobre vítimas e

42

Como dito, são várias as passagens que alertam sobre os males da escravidão. De

modo que é interessante ressaltar estas densas considerações e alertas por parte do autor em

meio às suas novelas. Este é um aspecto do texto chegou até mesmo a receber críticas de

Evaristo de Moraes, que afirma em “A escravidão nas Belas Letras”:

É uma pena que Macedo abra constantes parênteses nas descrições dos

caracteres, para discorrer como moralista ou como sociólogo contra a

Escravidão. As narrativas, por si mesmas, falariam, e mais

eloquentemente.72

Evaristo de Moraes tem certa razão ao fazer essa consideração sobre a obra de

Macedo, contudo, acredito que essas intervenções “moralistas” ou “sociólogas” do autor

servem para reforçar ainda mais a visão que Macedo tinha sobre a escravidão. Além disso,

devo dizer, são intervenções bastante bem feitas, são bem incorporadas ao decorrer das

novelas – podem ser, sim, por vezes repetitivas, mas, acredito é o seu motivo de existir, para

reforçar.

Outro exemplo dessas intervenções de Macedo, que muito bem serve para ilustrar suas

ideias sobre a vigência da escravidão no Brasil, é a consideração feita depois que o autor nos

conta a primeira experiência que Simeão, o escravo crioulo, teve com o castigo físico pelas

mãos de seu senhor. Simeão fora flagrado por sua senhora-moça ao tentar perpetrar um

pequeno furto dentro da casa-grande mesmo assim, sua sinhá estava disposta a esquecer esse

trespasso do crioulo se ele apenas devolvesse o que havia furtado. O escravo, no entanto,

rejeitou a proposta de sua sinhá e ainda negou seu crime – nesse momento chega em casa seu

senhor, Domingos Caetano, com o açoite do cavalo ainda em mãos. Domingos Caetano é

informado, por outra escrava o que havia acontecido e furioso descarregou o açoite sobre as

costas do crioulo. Nessa passagem, pela primeira vez, o jovem escravo sofreu uma punição

física – ato que, mesmo sendo o primeiro em sua vida, bastou para despertar dentro do

escravo o ódio contra seus senhores. Com base nisso, Macedo alerta:

Onde há escravos é força que haja açoite.

Onde há açoite é força que haja ódio.

Onda há ódio é fácil haver vingança e crimes.73

Assim, o autor já dava sinais dos grandes perigos que estaria passando a casa de

Domingos Caetano pelo fato de existirem escravos em sua propriedade. Para Macedo, esse

72

MORAES, Evaristo. A Campanha Abolicionista (1879-188). Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986,

p. 322. 73

MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas-algozes, p. 9.

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43

ódio do escravo para seu senhor é algo inerente à condição de cativo e serve de estímulo para

a realização de atos vingativos e crimes. E como fugir disso se a existência de escravos gera

esse ódio e, consequentemente, esse perigo? Ora, como alerta Macedo “o negro escravo é

assim” e, portanto, “se não o quereis assim, acabai com a escravidão”.74

Não precisaríamos, aliás, nem mesmo ir às novelas escritas pelo autor para identificar

os principais objetivos que desejava alcançar com sua obra. Para isso, muito bem serve o

prefácio de Vítimas-Algozes, em “Aos Nossos Leitores”, Joaquim Manuel de Macedo

apresenta alguns dos principais direcionamentos de suas novelas. Assim, o melhor nesse

momento é dar voz ao autor:

É nosso empenho e nosso fim levar ao vosso espírito e demorar nas

reflexões e no estudo da vossa razão fatos que tendes observado,

verdades que não precisam mais de demonstração, obrigando-vos

deste modo a encarar de face, a medir, a sondar em toda sua

profundeza um mal enorme que afeia, infecciona, avilta, deturpa e

corrói a nossa sociedade, e que a nossa sociedade ainda se apega

semelhante a desgraçada mulher que, tomando o hábito da

prostituição, a ela se abandona com indecente desvario.75

Esse pequeno trecho já ilustra a maneira como Macedo caracterizava a instituição

escravista. Nele o autor propõe-se a trazer para debate o mal enorme decorrente da

escravidão, fazendo com que o leitor encarasse todos estes malefícios do cativeiro. Essa

primeira parte está bem clara e é apresentada de forma objetiva, é dizer, o autor deseja fazer

com que seu leitor pense, reflita sobre a escravidão e seus frutos. É também interessante

notarmos, quando o autor afirma que são “verdades que não precisam mais de demonstração”,

sugere que sejam fatos do cotidiano e que estariam ao conhecimento de todos da época. Nesse

ponto, devemos realizar o frutífero trabalho de voltar ao capítulo anterior deste texto, ou seja,

voltar à historiografia.

Se restava alguma dúvida quanto à confiança de Macedo por estar falando sobre tais

verdades, basta conceder-lhe a palavra:

Queremos agora contar-vos em alguns romances histórias verdadeiras

que todos vós já sabeis, sendo certo que em as já saberdes é que pode

consistir o único merecimento que porventura tenha este trabalho;

porque na vossa ciência e na vossa consciência se hão de firmar as

verdades que vamos dizer.76

74

MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas-algozes, p. 9. 75

MACEDO, Joaquim Manuel de. Aos nossos leitores, p. 1. 76

Idem, p. 1.

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44

Uma vez mais Macedo afirma que contará histórias que “todos vós já sabeis” e,

portanto, não tratará de novidades. Como vimos a partir do estudo de autoras como Célia

Azevedo e Maria Machado, os crimes cometidos por escravos contra senhores,

administradores, feitores e suas respectivas famílias eram um fato conhecido – basta

lembrarmo-nos da existência da lei geral de 1835, que previa a pena de morte para cativos que

atentassem contra a vida de seus senhores e feitores isso para tentar por um fim nos crimes. E,

além disso, ainda aumentaram na virada da década de 1860 para 1870, ganhando grande

espaço nos relatos de autoridades policiais – fato que demonstra a inquietação que existia e ia

ganhando força dentro desse período.

Macedo já em seu prefácio, como dito, alerta para os males cometidos pelos escravos

contra seus senhores. O autor procura, então, ressaltar a inquietação crescente nas relações

entre senhores e, por consequência, o medo que ia, também, crescendo sobre essa questão.

Isso se mostra quando Macedo decide tratar da escravidão por seus:

vícios ignóbeis, a perversão, os ódios, os ferozes instintos do escravo,

inimigo natural e rancoroso do seu senhor, os miasmas, deixem-nos

dizer assim, a sífilis moral da escravidão infeccionando a casa, a

fazendo, a família dos senhores, e a sua raiva concentrada, mas

sempre em conspiração latente atentando contra a fortuna, a vida e a

honra dos seus inscônscios opressores. É o quadro do mal que o

escravo faz de assentado propósito ou às vezes involuntária e

irrefletidamente ao senhor.77

Acredito que, ao retratar a experiência escravista através de todos os males cometidos

pelos escravos contra seus senhores, o autor estivesse manipulando o “imaginário do medo”,

para usar a expressão de Flora Süssekind78

, a fim de alcançar seus objetivos. Como essa

escolha configura-se numa possível manipulação do medo? Pelo fato de Macedo reconhecer

que poderia também tratar da escravidão por outro lado – o das “misérias tristíssimas, e os

incalculáveis sofrimentos do escravo”79

. E, mesmo assim, escolher tratar dos vícios, ódios e

com a figura do escravo inimigo natural do senhor, pois este seria o caminho “que mais

convém ao nosso empenho”, como diz aos seus leitores.

77

MACEDO, Joaquim Manuel de. Aos nossos leitores, p. 5. 78

SÜSSEKIND, Flora. “As vítimas-algozes e o imaginário do medo”, in MACEDO, Joaquim Manuel de. As

Vítimas-Algozes: Quadros da Escravidão. São Paulo: Ed. Scipione/Fundação Casa de Rui Barbosa, 1991. 79

MACEDO, Joaquim Manuel de. Aos nossos leitores, p. 5.

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45

Para o autor o escravo era mau, pois a sua condição de escravo o compelia a isso. A

escravidão, nesse sentido, “gasta, caleja, petrifica, mata o coração do homem escravo”80

e, por

tudo isso, transforma a natureza do homem, elimina os sentimentos de piedade e transforma o

escravo em “matéria-prima” para os mais diversos crimes. Ou seja, o autor explica a ação dos

escravos – seus crimes – simplesmente pelo fato do ódio aos senhores ser algo inato aos

homens que sofriam com a opressão da escravidão. Nesse sentido, Macedo não reconhecia

que a violência cometida pelos escravos se configurasse por ações de rebeldia, menos ainda

associava esta violência à fragilização da legitimidade da escravidão. Estes aspectos, que

seriam ressaltados posteriormente nas interpretações historiográficas feitas por Célia

Azevedo81

e Maria Helena Machado82

não eram considerados por Macedo.

3.2 Posicionamentos de Macedo, expressos em Vítimas-Algozes

Joaquim Manuel de Macedo, além de escritor, esteve também envolvido com a vida

política, tendo sido deputado provincial no Rio de Janeiro e deputado geral. Relevante

também ressaltar a ligação de Macedo com Dom Pedro II, chegando a receber o convite

insistente do Imperador para que ocupasse o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros no

Gabinete de 31 de agosto de 1864 – cargo que acabou por recusar.83

A inserção de Macedo no mundo político sugere que ele estivesse fortemente

mobilizado pelos debates que vinham acontecendo em torno os projetos de Pimenta Bueno –

projetos base da lei que viria a ser aprovada em 1871.

No prefácio de Vítimas Algozes, Macedo expressa claramente o seu objetivo com

texto:

Trabalhar no sentido de tornar bem manifesta e clara a torpeza da

escravidão, sua influência malvada, suas deformidades morais e

congênitas, seus instintos ruins, seu horror, seus perigos, sua ação

infernal, é também contribuir para condená-la e para fazer mais suave

e simpática a idéia da emancipação que a aniquila.84

Esse pequeno trecho traz um aspecto que ainda não havia sido aqui tratado, a

emancipação. Ora, o autor utilizou-se da estratégia de mostrar toda a influência, segundo ele

80

MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas-algozes, p. 28. 81

AZEVEDO, Célia M. M. Onda negra, medo branco. 82

MACHADO, Maria Helena P. T. Crime e escravidão. 83

SERRA, Tania Rebelo Costa. Joaquim Manuel de Macedo ou os dois Macedos. p. 123 84

MACEDO, Joaquim Manuel de. Aos nossos leitores p.4.

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46

nefasta, da escravidão com a finalidade de contribuir para que a ideia da emancipação dos

escravos se tornasse mais suave e simpática às diversas camadas sociais livres, que

expressavam resistência às mudanças do sistema de trabalho.

Macedo, no entanto, considerava que a emancipação não poderia ser feita sem que

fossem tomadas algumas precauções. Por isso mesmo, em seu prefácio, o autor destaca que:

A emancipação imediata e absoluta dos escravos, que aliás pode vir a

ser um fato indeclinável e súbito na hipótese de adiamento teimoso do

problema, e provocador do ressentimento do mundo, seria louco

arrojo que poria em convulsão o país, em desordem descomunal e em

soçobro a riqueza particular e pública, em miséria o povo, em

bancarrota o Estado.85

Assim fica claro que Macedo reconhecia os perigos de uma emancipação imediata e

absoluta dos escravos – enfatizando, nesse momento, os males que uma abolição imediata

poderia trazer: onerando as rendas públicas e comprometendo também a riqueza dos

proprietários. Nesse ponto é de fundamental importância voltar aos debates ocorridos, a partir

do pedido de Dom Pedro II, entre os membros do Conselho de Estado, utilizando os projetos

de Pimenta Bueno como base. De uma maneira bastante pontual, é de grande ajuda o texto

introdutório de José Honório de Rodrigues sobre sua análise das sessões do Conselho de

Estado que assistiram à esse debate.

Como percebe Rodrigues, seja ou não por pressão imperial, todos os conselheiros

foram a favor de aceitar a emancipação dos escravos – variando entre eles a questão do tempo

para realizar-se essa emancipação. Um ponto, no entanto, é chave: nenhum dos conselheiros

posicionou-se em favor de uma abolição direta da escravidão.86

Nesse sentido, Macedo parece

estar com o pensamento bastante alinhado ao Conselho de Estado – ao menos nesse ponto

especifico -, uma vez que os dois lados rejeitam qualquer possibilidade de uma abolição

direta.

Mas, então, se não existe a possibilidade de uma emancipação direta, qual seria a

melhor forma de agir? Para Macedo:

A emancipação gradual iniciada pelos ventres livres das escravas, e

completada por meios indiretos no correr de prazo não muito longo, e

diretos no fim desse prazo com indenização garantida aos senhores, é

o conselho da prudência o recurso providente dos proprietários.87

85

MACEDO, Joaquim Manuel de. Aos nossos leitores, p. 3. 86

RODRIGUES, José Honório. “Atas do Conselho de Estado Pleno”, p.10 87

Idem, p. 4.

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47

Para o autor, portanto, o caminho a ser seguido era o da emancipação gradual, iniciada

pela libertação do ventre das escravas – proposta que estava presente nos projetos de Pimenta

Bueno, que vinham sendo discutidos dentro do Conselho de Estado. Aqui, portanto, o

posicionamento de Macedo é semelhante ao do Visconde do Itaboraí que referiu-se à questão

da emancipação como sendo “uma questão que não deve ser tratada senão com muita cautela

e reserva de modo que a emancipação seja muito gradual e lentamente realizada”88

. Como

dito anteriormente, o que poderia variar é o tempo que cada um desejava para que essas

mudanças fossem realizadas, mas a aceitação da emancipação era algo mútuo.

Outro ponto de grande importância que devemos buscar refere-se à intervenção ou não

do Estado para as reformas da escravidão. Buscando referências a essa questão dentro da obra

e seu prefácio, encontramos o seguinte posicionamento de Macedo:

o governo e a imprensa devem esforçar-se por iluminar os

proprietários de escravos e convencê-los de que está em seus próprios

interesses auxiliar o Estado na obra imensa e escabrosa da

emancipação, para que ela, que é infalível, se efetue com a menor

soma possível de sacrifícios.89

Nesse extrato, o autor considera o papel de duas instituições diferentes – o Estado e a

imprensa. Macedo, porém, parece enxergar nos dois o mesmo dever, o de esclarecer e

iluminar os proprietários de escravos para convencê-los de que seria de seus próprios

interesses empenharem-se na emancipação da escravidão. Apenas com esse trecho, ficam

algumas incertezas quanto ao posicionamento de Macedo acerca do envolvimento direto – ou

não – do Estado nas reformas da escravidão. Por isso, é interessante analisarmos outro pedaço

da obra, um trecho da novela Simeão, o crioulo:

Se quereis matar Simeão, acabar com Simeão, matai a mãe do crime,

acabai com a escravidão.

A forca que matou Simeão é impotente, e inutilmente imoral.

Há só uma forca que vos pode livrar dos escravos ingratos e

perversos, dos inimigos que vos cercam em vossas casas.

É a forca santa do carrasco anjo: é a civilização armando a lei que

enforque para sempre a escravidão.90

Aqui, Macedo clama pelo fim da escravidão, como faz no final de todas as novelas

que formam Vítimas-Algozes. No entanto, um aspecto é de suma importância: a necessidade

de se armar uma lei que enforque a escravidão. Ora, se Macedo prega essa necessidade,

88

RODRIGUES, José Honório. “Atas do Conselho de Estado Pleno”, p. 9. 89

MACEDO, Joaquim Manuel de. Aos nossos leitores, p. 4. 90

MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas-algozes, p. 36.

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48

podemos pensar que o Estado, para o autor, teria um papel maior do que simplesmente

incentivar os proprietários de escravos.

Além disso, Macedo não acreditava que os senhores de escravos iriam, simplesmente e

por iniciativa própria, libertar os seus cativos. Se assim fosse, a própria obra Vítimas-Algozes

não seria necessária para tentar alcançar os senhores e propor a reflexão sobre a questão da

escravidão. Assim, do mesmo modo que escrevia sua obra com o objetivo de mostrar os

males da escravidão, para ajudar a trabalhar no sentido de tornar simpática a ideia da

emancipação.91

Acredito, portanto que Macedo, ao descrever cenas do cativeiro e levantar os horrores

que trazia ao Brasil a permanência da escravidão no Brasil, procurava um meio de mostrar sua

preocupação libertadora – por meio da emancipação. Nesse sentido, concordo com Evaristo

de Moraes quando este relata que Sílvio Romero equivocou-se ao enxergar em As Vítimas-

Algozes pretensões anti-abolicionistas92

. Romero era a favor do fim da escravidão e pendia

para uma solução particular, doméstica, sem intervenção direta do Estado para o problema da

escravidão93

. As acusações de Sílvio Romero, no sentido de colocar Macedo como um anti-

abolicionista, talvez possa ser explicada pelas cores bastante carregadas utilizadas em

Vítimas-Algozes para descrever os escravos dentro das novelas. Ou seja, em uma análise feita

dessa maneira, Macedo pareceria mostrar que os escravos eram, de fato, elementos totalmente

algozes e que só traziam malefícios para os senhores – imagine então se fossem libertados?

Este não é, todavia, o caso. Como já trabalhado anteriormente, o posicionamento de

Macedo a favor da emancipação e de denúncia da escravidão são bastante claros e, também,

repetidos à exaustão nas páginas de sua obra. Sendo assim, discordo da interpretação de Sílvio

Romero, por acreditar que o mesmo tenha baseado suas considerações acerca de Macedo a

partir de suas próprias militâncias – basta lembrar que Romero defendia a não intervenção do

Estado e Macedo mostrava uma posição oposta. Assim, podemos pensar que classificar

Vítimas-Algozes como anti-abolicionista poderia ser uma tentativa de desacreditar toda a sua

mensagem que incluía, como vimos, um Estado ativo.

91

Concordo, nesse sentido, com Amaral que também levanta a possibilidade de Macedo não acreditar em grande

mudança no quadro da escravidão apenas apelando para o lado humanitário dos senhores. Essa falta de confiança

do autor transparece também no trecho já tratado nesse capítulo que refere-se ao modo como Macedo decidiu

atacar os males da escravidão – relembrando, ao invés de mostrar o mal que os senhores faziam aos seus

escravos, foca nos males trazidos pelos cativos e que acarretam grandes mazelas à casa senhorial: Sharyse

Amaral, “Emancipacionismo e as representações do escravo na obra literária de Joaquim Manuel de Macedo, p.

202. 92

MORAES, Evaristo. A Campanha Abolicionista, p. 319. 93

Idem, p. 43.

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49

Macedo propunha tomar a literatura como meio para convencer os proprietários da

necessidade de promover a emancipação lenta e gradual. Esclarecia algumas de suas opiniões

sobre a instituição escravistas, inserindo-se no debate público travado naquele final da década

de 1860. Macedo manifestou-se em relação a várias das questões que haviam sido colocadas

em debate no Conselho de Estado. Neste sentido, ponderando sobre como e o quão cedo

deveria ser realizada a emancipação dos escravos, ele mostrou ter posicionamentos parecidos

com as opiniões expressas pelo Conselho de Estado, quando os conselheiros debateram os

projetos de Pimenta Bueno por pedido do imperador Dom Pedro II.

Nesse mesmo âmbito, sua obra parece ter adiantado algumas das medidas que viriam a

ser aprovadas em 1871 como lei. Outro possível impacto da obra foi o de trazer esse debate

especifico sobre emancipação para um âmbito público, na medida em que trouxe

posicionamentos relacionados com o que os políticos brasileiros da época vinham debatendo

nos ambientes institucionais do debate político, como o Conselho de Estado.

3.3 Buscando Vítimas e Algozes

Resta, creio, fazer alguns comentários sobre o próprio título da obra de Joaquim

Manuel de Macedo. Ou seja, o quão claro estão os papéis de vítimas e algozes na obra do

autor. Para isso, trazemos outra obra literária: A Cabana do Pai Tomás (1852), de Harriet

Beecher-Stowe.

Uma possível relação entre os dois romances já foi levantada pelo historiador Luiz

Felipe de Alencastro, em “Vida privada e ordem privada no Império”94

. Alencastro identifica

um enorme impacto político causado pela publicação de A Cabana do Pai Tomás alguns anos

antes da Guerra de Secessão (1861-1865), colaborando com a campanha abolicionista norte-

americana. Beecher-Stowe procura apresentar todo o mal causado pela escravidão relatando a

vida do “pai Tomás”, escravo com extrema nobreza e que não acredita na violência como

forma de resistência, apesar do sofrimento ao qual é exposto. Segundo Alencastro, o romance

da autora norte-americana tornou-se um best-seller – chegando até o Império, onde foi lido e

comentado. Desse modo, o livro teria chegado até Joaquim Manuel de Macedo que, não

gostando da obra, escreve três contos sobre a escravidão.

94

ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Vida Privada e ordem privada no Império. IN: NOVAIS, Fernando A. e

ALENCASTRO, Luiz Felipe de (orgs.). História da vida privada no Brasil: Império: a corte e a modernidade

nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pp. 11-93.

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50

Partimos então dessa relação proposta por Alencastro: seria o livro de Macedo uma

resposta à Harriet Beecher-Stowe? Afirmar uma relação direta entra as obras pode ser um

pouco forçado, principalmente pelo intervalo de 17 anos entre as duas obras e, também, por

tratarem de realidades diversas de produção. De todo modo, não é exagero afirmar que

Macedo teve sim acesso ao best-seller norte-americano – já que esta obra é mencionada em

uma das novelas de Vítimas-Algozes. A menção é feita na última novela, Lucinda, a Mucama.

Na passagem, a sinhá-moça Lucinda e sua mãe, Leonídia, acabam a leitura do último capítulo

da Cabana do Pai Tomás e tinham lágrimas nos olhos. O senhor Florêncio e seu filho,

Liberato, então, começam a discutir questões acerca do romance que as duas haviam lido.

Liberato inicia o diálogo ao afirmar que o romance concorreu para uma grande revolução

social, por encerrar grandes verdades. Questionado por seu pai, sobre quais seriam as tais

verdades, responde:

- As do contra-senso, da violência, do crime da escravidão de homens,

como nós outros, que nos impomos senhores; as da privação de todos

os direitos, da negação de todos os generosos sentimentos das vítimas,

que são escravos; as da insensibilidade, da crueldade irrefletida, mas

real, e do despotismo e da opressão indeclináveis dos senhores.95

De fato, impossível um ataque mais claro à instituição escravista. Aqui, Macedo se

utiliza do romance de Beecher-Stowe para enfatizar, novamente, os malefícios da escravidão.

E, como no romance norte-americano, a fala de Libertado denuncia a escravidão pelo

caminho dos males que o senhor faz ao escravo, ao privá-lo de todos os seus direitos. Nesse

sentido, os escravos são colocados simplesmente como vítimas, não sendo cogitada a idéia de

serem também algozes nessas relações de convivência.

Florêncio concorda, admite que o romance norte-americano realmente mostra o mal

que os senhores fazem aos escravos. No entanto, faz uma ressalva ao perguntar: “e tu já

pensaste o mal que os escravos fazem aos senhores? Já mediste e o calculaste?”96

. Nesse

momento realmente aparece um diálogo bastante claro com as expressões de cada obra.

Liberato parece ser o porta-voz de Beecher-Stowe, enquanto seu pai, Florêncio, parece

personificar Macedo e lembrar que os escravos podem não ser, apenas, vítimas. Nesse

sentido, a resposta de Liberato é chave: “consequência do flagelo da escravidão: as vítimas se

tornam algozes”.97

95

MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas-algozes, p. 115. 96

Idem, p. 115. 97

Idem, p. 115.

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51

Aqui vemos, em suma, toda a tese de Macedo: ou seja, os escravos, sendo vítimas, são

também algozes de seus senhores exatamente por serem escravos. Do contrário, se não

tivessem sido expostos ao patamar de vítimas de um sistema opressor como a escravidão não

nutririam o ódio que alimentam aos seus senhores. Finalizando sua fala, Liberato responde

como a sociedade poderia acabar com esses algozes:

- Banindo-se a escravidão, que nos desmoraliza; que é nossa inimiga

natural, que nos faz mal em troco do mal que fazemos: porque o

escravo condenado à ignomínia dá o fruto da ignomínia à sociedade

que o oprime, e pune a opressão, corrompendo o opressor.98

Ora, essa é a lógica do sistema que Macedo procura expor durante todo o seu livro. Os

escravos são oprimidos pela escravidão e punem essa opressão, corrompendo os senhores e

suas famílias – que agem como opressores. Assim, parece justo afirmar que para Macedo os

dois personagens principais: os senhores e os escravos dividiam os papéis de vítimas e

algozes.

É, no entanto, importante ressaltar e comentar o posicionamento de Evaristo de

Moraes, em relação a esse assunto, para ele:

Demais, força é convir que Macedo, adotando o plano de fazer

propaganda contra o Cativeiro pela exibição das suas más

consequências, carregava quase exclusivamente sobre os escravos o

peso de todas as culpas. A larga parte da responsabilidade dos

“senhores” e “senhoras” era deixada em discreta sombra. Em vão se

buscariam cenas de crueldade, de baixeza, de sórdido interesse

pecuniário, nas quais fossem protagonistas os possuidores de escravos.

E bem sabemos quantas e quantas se ofereceriam, fidedignamente, à

pena do romancistas!99

Nesse ponto, concordo com Moraes. Lendo as novelas de Macedo, muitas vezes a

culpa parece cair apenas sobre os escravos. De fato, os proprietários de cativos não foram

retratados em cenas de grande crueldade. Sendo assim, Moraes faz uma relevante observação

à obra de Macedo. Creio, porém, que essa falta cometida pelo autor tenha sua razão.

Possivelmente, querendo atingir exatamente os senhores de escravos e suas famílias, Macedo

preferiu não atacar diretamente os primeiros. O impacto das novelas, provavelmente, teria

sido bastante negativo e não teria o alcance que desejava seu escritor.

98

MACEDO, Joaquim Manuel de. As vítimas-algozes, p. 115. 99

MORAES, Evaristo. A Campanha Abolicionista, p. 321.

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De todo modo, Macedo faz, sim, críticas aos donos de escravos e lhes confere culpa na

existência e manutenção do sistema escravista. Acredito, até, que lhes é conferida uma culpa

maior – afinal, os escravos não o são por vontade própria, são submetidos a essa condição.

Assim, Macedo retratava as vítimas-algozes do sistema de trabalho vigente no Brasil – que

transformava homens em donos de outros homens.

Como vimos neste capítulo, a obra, e fonte primária principal deste trabalho, pode

muito bem ser analisada como um fruto do contexto vivido por Macedo. Assim, os debates, a

inquietação e o medo que giravam em torno da escravidão podem ser analisados de forma

frutífera dentro das páginas de Vítimas-Algozes. Nesse sentido, o autor conseguiu levar para a

literatura o assunto de suma importância que era a instituição escravista e seus futuros rumos

dentro de solo brasileiro. Assim, além de mostrar que estava a par dos debates que vinham

acontecendo nos anos anteriores dentro do Conselho de Estado, Macedo trazia à reflexão

sobre a escravidão e também sobre os papéis dos senhores, bem como de seus escravos dentro

das relações que se davam.

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CONCLUSÃO

Tomamos Vítimas-Algozes como um testemunho histórico. Ou seja, a obra literária

como uma evidência histórica objetivamente determinada (situada no processo histórico), que

apresenta propriedades específicas e pode desta maneira ser interrogada. Focando, portanto, a

relação da obra literária com a sociedade e a política, para entender a obra a partir de sua

inserção no contexto a que pertence. E, além disso, investigamos as intencionalidades de

Macedo e de que forma ele caracterizava as relações existentes dentro da sociedade escravista

brasileira.

Como vimos no primeiro capítulo deste trabalho, Macedo procurava em suas novelas,

sobretudo, fazer com que seus leitores refletissem sobre a ameaça que os escravos - e a

escravidão - levava para dentro dos lares senhoriais. O autor parecia esperar que a partir dessa

reflexão os proprietários de escravos percebessem o perigo iminente que viviam dentro de

suas próprias casas, em seus espaços domésticos. Dentro disso, identificamos a ênfase que

Macedo dá à escravidão doméstica – e isto não foi ocasional: por ser construída a partir da

intimidade estabelecida entre senhores e escravos era um dos pontos mais ameaçadores da

escravidão. Ou seja, um escravo que trabalhava nas roças e vivia afastado na senzala era, sim,

perigoso. No entanto, os escravos que possuíam laços de proximidade com seus senhores

eram ainda mais perigosos, por possuírem um acesso muito mais irrestrito aos seus senhores.

De modo a exemplificar essa posição de Macedo, lembramo-nos de Simeão, crioulo que fora

criado pela família senhorial com todos os privilégios imagináveis e mesmo assim cultivou

ódio contra seus senhores, acabando por matar toda a família senhorial em busca de liberdade

e dinheiro. E, mais claro ainda, é o caso da crioula Esméria que foi usada pelo africano Pai-

Raiol para ganhar acesso à casa de seus senhores e perpetrar os mais diversos crimes contra o

bem da família branca.

Sendo assim, outro ponto bastante interessante é apontarmos que os crioulos eram,

portanto, ainda mais perigosos que os escravos vindos diretamente da África. Os crioulos,

para Macedo, eram mais inteligentes se comparados aos negros vindos do continente vizinho

e, portanto, eram também mais ardilosos e eficientes na maquinação e execução dos mais

diversos crimes.

Além das análises interpretativas de Vítimas-Algozes, buscamos a historiografia sobre

o assunto e percebemos como o período que corresponde ao final da década de 1860 foi

marcado por debates sobre a instituição escravista. Nesse momento, o próprio Dom Pedro II

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mostrava suas tendências emancipacionistas e tomava posicionamentos que serviram de

estímulo para que fossem debatidas questões sobre modificações na escravidão brasileira.

Buscamos, então, identificar esses crimes e encontramos na virada das décadas de 1860 e

1870 uma crescente preocupação das autoridades com as ações de rebeldia dos escravos.

Crimes estes que sempre existiram, mas que passaram a acontecer em maior número,

apontando, assim, para as crescentes dificuldades de se manter uma disciplina de trabalho

dentro das relações escravistas – em vista da grande concentração de escravos nas áreas de

produção cafeeira em expansão mas, também, dos debates mais intensos que definiam limites

à legitimidade da escravidão. Ao passo que aumentavam os crimes, crescia a preocupação e o

medo em relação aos escravos. Os debates não ficando restritos aos políticos, tomavam

âmbito público, inclusive entre os proprietários de escravos.

No último capítulo de nosso trabalho, analisando sobretudo o prefácio de Vítimas-

Algozes, interpretamos as propostas emancipacionistas que Macedo veiculou por meio de sua

obra. Com ela, Macedo visava convencer os proprietários de escravos da necessidade de

promover a emancipação lenta e gradual. Assim, ao retratar a experiência escravista através

de todos os males cometidos pelos escravos contra seus senhores, acreditamos que o autor

estivesse mobilizando a inquietação que socialmente se constituía e, consequentemente,

reavivando o medo que presente naquele contexto a fim de alcançar seus objetivos

emancipacionistas.

Concluindo, em meio às vítimas e aos algozes, Macedo “quis colaborar, como

romancista”100

– como nota Evaristo de Moraes – e, assim, utilizou de sua literatura para

clamar pelo fim da escravidão, um fim prudentemente encaminhado, por meio de medidas

paulatinas. Ao dar vida aos seus escravos perigosos e odiosos, o autor esforçou-se para

convencer os proprietários de cativos de que estava em seus próprios interesses auxiliarem o

Estado na obra da emancipação. Desse modo, foi capaz de levar para a literatura o assunto de

maior importância para o Brasil daqueles anos: a escravidão e o que dela seria feito.

100

MORAES, Evaristo. A Campanha Abolicionista, p. 319.

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