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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO FÍSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU-SENSU EM EDUCAÇÃO
FÍSICA
GINÁSTICA RÍTMICA: UM CONCERTO PARA O CORPO
Hosana Cláudia Matias da Costa Pereira
NATAL – RN 2013
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GINÁSTICA RÍTMICA: UM CONCERTO PARA O CORPO.
HOSANA CLAUDIA MATIAS DA COSTA PEREIRA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Educação Física. Área de Concentração: Movimento Humano, Cultura e Educação. Linha de Pesquisa: Estudos Sócio-Filosóficos sobre o corpo e o movimento humano.
ORIENTADORA:
Prof.ª Dr.ª ROSIE MARIE NASCIMENTO DE MEDEIROS
Catalogação da publicação da fonte. Bibliotecária Juliane Patricie da S. Santana CRB/15-632.
Pereira, Hosana Claudia Matias da Costa. Ginástica Rítmica: um concerto para o corpo / Hosana Claudia Matias da Costa Pereira. – Natal, 2014. 150 p.: il. Dissertação (mestrado em Educação Física) – Universidade Federal do Rio Grande do norte, Rio Grande do Norte, 2014. 1. Pontos de vista filosóficos – Dissertação. 2. Arte do movimento - Dissertação. 3. Dança - Dissertação. I. Título.
CDU 793.3:14 (813.2)
P436g
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GINÁSTICA RÍTMICA: UM CONCERTO PARA O CORPO.
HOSANA CLAUDIA MATIAS DA COSTA PEREIRA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Educação Física. Área de Concentração: Movimento Humano, Cultura e Educação. Linha de Pesquisa: Estudos Sócio-Filosóficos sobre o corpo e o movimento humano.
Aprovada em: ____/_____/_______.
Banca Examinadora:
_____________________________________________ Prof.ª. Drª. Rosie Marie Nascimento de Medeiros UFRN
Orientadora
____________________________________________ Prof.ª. Drª Terezinha Petrúcia da Nóbrega UFRN
_____________________________________________ Profª Drª. Elaine Melo de Brito Costa Lemos UEPB
_____________________________________________ Profª Drª Karenine de Oliveira Porpino UFRN
(suplente)
____________________________________________ Prof. Drº Iraquitan de Oliveira Caminha UFPB
(suplente)
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DEDICATÓRIA
A meu pai, Geraldo Matias (in memoriam), que sempre nos apresentou o valor das palavras e seu poder, da arte e suas representações, da música com sua diversidade e da fé que nos move e nos impulsiona. Vivemos tão pouco juntos, mas hoje percebo o quanto o seu mundo era encantado.
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AGRADECIMENTOS
Ser grato é uma virtude a ser cultivada, não uma gratidão sem sentido, mas o entendimento de que não vivemos sozinhos e nada fazemos sem que o mundo esteja a nossa favor e sem que nos relacionemos com o nosso entorno. Portanto, nesse momento é hora de agradecer: Mesmo considerando que esse é um momento acadêmico, não existo sem minha família, a ela devo o que sou e o que serei. Tudo o que acredito foi forjado sobre as relações possibilitadas inicialmente por ela. A Deus, que em sua imensa bondade, sempre se fez presente na minha vida e a cada dia comprovo sua presença em mim. A minha mãe, Maria Eusete, que sempre colocou a nossa educação como sua prioridade, incansável mesmo quando não entendia a magnitude do seu ato. Devo tudo a ela. A Haroldo, por tudo, por todas as horas, pela paciência, pela vibração, por entender minha vida e respeita-la, pelo humor que tenta derrubar minha seriedade e pelo amor que me ampara. Aos meus filhos, Cláudia e Murilo, que partilham comigo o prazer da leitura e dos vídeos, mas principalmente por transformarem minha vida em uma montanha russa de amor e fortes emoções. É impossível quantificar o que sinto pelos dois. Aos meus irmãos Lúcio e Lúcia, minha Tia Sá e Tio Junho, que sempre acreditaram em mim, muito mais do que eu mesma. Pensando institucionalmente, agradeço a Universidade Federal da Paraíba que me possibilitou refletir sobre a GR para além do treinamento ao me confiar à disciplina de Metodologia do Ensino da Ginástica Rítmica Desportiva, pertencente ao Curso de Educação Física. Além de, através do Departamento de Educação Física, me proporcionar à tranquilidade necessária para o cumprimento de mais essa etapa profissional. Gostaria de destacar a presença sempre solícita da Professora Doutora Roseni Nunes Grisi, amiga, solidária, compreensiva e porto seguro nessa empreitada e do Professor Doutor Iraquitan Caminha, um grande incentivador durante essa trajetória. Agradeço ao Colégio Nossa Senhora das Neves, em especial, as Irmãs Filhas do Amor Divino, que abraçaram a GR desde o primeiro momento no final dos anos 70, acolhendo e motivando nosso trabalho ao longo de tantos anos. Agradeço e saúdo o Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte na pessoa da Professora Doutora Rosie Marie Nascimento de Medeiros, que como orientadora foi cúmplice, encaminhando minha ansiedade, acreditando na pesquisa, compartilhando seu conhecimento, e me
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apresentando a mim mesma. O conhecimento não está só na academia, o conhecimento está na vida. Nessa perspectiva, sou muito grata a três maestros que por caminhos dispares, contribuíram para a minha formação, influenciaram minhas escolhas, inclusive os caminhos percorridos até a conclusão dessa pesquisa: Doracelis Marques, Edson Claro e Evândalo Macedo. A formação profissional amparada numa troca contínua entre nossos pares nos conduz a um rico descortinar de conhecimentos, que não enriquecem apenas nosso trabalho, mas também a nossa vida. Nesse contexto agradeço aos amigos professores de Educação Física do Colégio Nossa Senhora das Neves, que compartilham comigo o amor e o prazer do ensino. Neles sinto a verdadeira essência da Educação Física na escola e na vida. E A vida é recheada de encontros e reencontros. A entrada no Programa me possibilitou a reaproximação com duas amigas de longa data e de muitas estradas, excepcionais professoras, que me deram o prazer de partilhar esse momento especial, Karenine Porpino e Petrúcia Nóbrega, muito obrigada pela presença e pela leitura atenta e sensível. Nessa caminhada estive sempre amparada pelo Grupo Estesia - Grupo de Pesquisa Corpo, Fenomenologia e Movimento e do Laboratório VER – Visibilidades do Corpo e do Movimento Humano, que através das atividades que desenvolvem, dos encontros que promovem e da alegria sempre presente, tornou o processo suave, surpreendente e feliz. Agradeço aos companheiros que integraram a turma 2012.1 do PPGEF. Todos com muitos desafios, jovens com um caminho brilhante a trilhar. Vê-los tão esperançosos com o futuro, fez-me reviver as minhas aspirações primeiras. Torço por todos. Agradeço em especial a Aline Paixão por todo apoio, pelo ouvir e pela troca de tantos assuntos. Agradeço a João Cruz, inspiração na minha infância, amigo da minha vida adulta. Decidimos juntos, entramos juntos e partilhamos todas as alegrias e desafios desse momento. Tudo valeu a pena. Finalmente agradeço as minhas alunas, todas elas, as de ontem, as de hoje e as que virão. Elas são a energia que impulsiona a minha paixão pela GR e nesse processo, sem que soubessem, estavam sempre me motivando, pois coragem é o que nos move. Por fim, agradeço a todos os que fizeram parte desse momento tão especial. Sintam-se representados por todos os que foram destacados aqui, pois seria impossível nominar cada um. A todos, meus sinceros agradecimentos.
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EPÍGRAFE
Eu comecei a refletir, minha reflexão é reflexão sobre um irrefletido, ela não pode ignorar-se a si mesma como acontecimento, logo ela se manifesta como uma verdadeira criação, como uma mudança de estrutura da consciência, e cabe-lhe reconhecer, para aquém de suas próprias operações, o mundo que é dado ao sujeito, porque o sujeito é dado a si mesmo. (Maurice Merleau-Ponty).
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RESUMO
GINÁSTICA RÍTMICA: UM CONCERTO PARA O CORPO
Autor (a): Hosana Cláudia Matias da Costa Pereira
Orientador (a): Prof.ª Dr.ª Rosie Marie Nascimento de Medeiros
As características adquiridas pela GR desde a sua origem fomentaram a criação de
infinitas possibilidades de movimento. O sentido estético que busca o belo ginástico, o
vínculo inabalável com a música, o entrelaçamento com a dança, a busca por formas
inusitadas e especialmente tramadas, configuram esse esporte aberto a diferentes
interpretações. Esse estudo tem como objetivo refletir sobre o corpo na GR a partir do seu
entrelaçamento com a técnica, a arte e a cultura, além de ampliar a discussão sobre os
esportes considerados artísticos no universo da Educação Física. Para tanto, utilizamos a
Pesquisa Qualitativa com suporte na Fenomenologia segundo Merleau-Ponty e através
da redução fenomenológica e da hermenêutica como modalidade da fenomenologia,
utilizada para descrever, compreender e interpretar vídeos de conjuntos de GR simples e
misto, selecionados intencionalmente. A escolha dos conjuntos deu–se em virtude da
relação possível com os conceitos abordados nesse estudo, além da sua
representatividade no universo ginástico, principalmente na prova em questão. Limitamos
as escolhas coreográficas ao ciclo olímpico 2009 a 2012, por corresponder ao período
onde os critérios para a elaboração e avaliação das composições estavam sedimentados.
Para favorecer o entendimento do tema elencado dividimos o texto em três capítulos que
tratam prioritariamente de cada um dos conceitos básicos que são entrelaçados ao corpo
na GR: a técnica, a arte e a cultura. Nas considerações finais, respondemos as questões
de estudo e reatamos a configuração essencial à GR como modalidade diferenciada no
mundo esportivo.
Palavras-chaves: Corpo – Ginástica Rítmica – Esportes artísticos
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ABSTRACT
RHYTHMIC GYMNASTICS: A CONCERT FOR THE BODY
Autor (a): Hosana Cláudia Matias da Costa Pereira Orientador (a): Prof.ª Dr.ª Rosie Marie Nascimento de Medeiros
The characteristics acquired by the GR, since its inception, promoted the creation of infinite possibilities of movement. The aesthetic sense which seeks for the beautiful gymnastic, the unshakable bond with the music, the weaving with the dance, the search for unusual and specially plotted forms, configure this sport open to different interpretation. The target of this study is a reflection about the GR, from their entanglement with the technique, art and culture and expand the discussion of sports considered artistic in the universe of Physical Education. For that, we used a qualitative research supported in Phenomenology,according to Marleau-Ponty and through the Phenomenological reduction and the hermeneutics as a mode of the phenomenology, used to describe, understand and interpret videos of GR sets,single and mixed, intentionally selected. The choice of the videos was made based on the possible relationship with the concepts covered in this present study, in addition to their representation in the gymnastic universe, especially in the test chosen. We decided to limit the choice of the choreography to the olympic cycle, from 2009 to 2012, because it corresponds to the period in which the criteria for the development and evaluation o the compositions were consolidated. To promote a understanding of the theme part listed, we divided the text into three chapters, dealing primarily, with each one of the basic concepts that are interlaced to the body in the GR: the technique, art and culture.In the conclusion, we answered the questions related to the study and we resumed the essential configuration to the GR as a differentiated modality in the sporting world.
Keywords: Body - Rhythmic Gymnastics - Artistic Sports
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SUMÁRIO
LISTA DE FOTOS _______________________________________ 12
LISTA DE IMAGENS _____________________________________ 14
LISTA DE ANEXOS _______________________________________15
INTRODUÇÃO __________________________________________ 16 I - CORPO E TÉCNICA... APRESENTA A RÚSSIA ______________ 32 II – CORPO E ARTE... APRESENTA A BULGÁRIA ______________ 64 III – CORPO E CULTURA... APRESENTA A ESPANHA __________ 97 CONSIDERAÇÕES FINAIS________________________________ 126 REFERÊNCIAS _________________________________________ 131 APÊNDICE _____________________________________________ 135 ANEXOS
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LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 01 – Concentração da equipe russa
Foto 02 – Pose inicial do conjunto russo
Foto 03 – Colaboração do conjunto russo
Foto 04 – Colaboração dos arcos lançados pelas fitas
Foto 05 – Colaboração final
Foto 06 – Rússia campeã
Foto 07 – Aparelho ginástico no séc. XIX.
Foto 08 – Ginástica expressiva
Foto 09 – Ginastas russas da década de 50
Foto 10 – Ginastas russas pioneiras da modalidade
Foto 11 – Equipe russa na Olimpíada de Londres 2012
Foto 12 – Elemento de rotação com manejo da fita
Foto 13 – Grand écarté frontal
Foto 14 – Prancha dorsal
Foto 15 – Colaboração
Foto 16 – Movimento em sincronia
Foto 17 – Ginastas em prancha lateral
Foto 18 – Ginásio Armec
Foto 19 – Concentração ginastas búlgaras
Foto 20 – Entrada na área
Foto 21 – Colaboração sobre as bolas
Foto 22 – Movimento típico da bola – quicar
Foto 23 – Grande salto com lançamento
Foto 24 – Colaboração risco
Foto 25 – Cartaz de divulgação
Foto 26 – Elementos de dificuldade
Foto 27 – Arabesque em fondue en l’air
Foto 28 – Rolamento sobre o dorso
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Foto 29 – Expressão espanhola
Foto 30 – Passos de dança
Foto 31 - Colaboração
Foto 32 – Movimento em equilíbrio
Foto 33 – Expressão espanhola
Foto 34 – Passos rítmicos
Foto 35 – Colaboração
Foto 36 - Expressão espanhola
Foto 37 – GR produto de consumo
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LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 – Pose inicial do conjunto da Bulgária
Imagem 2 – Pose final do conjunto da Bulgária
Imagem 3 – Entrada na área da equipe espanhola
Imagem 4 - Pose inicial do conjunto espanhol
Imagem 5 – Recepção da bola
Imagem 6 – Pose final do conjunto espanhol
Imagem 7 – Carolina Rodriguez – pose final
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LISTA DE VÍDEOS (em anexo)
Vídeo A – CORPO E TÉCNICA: Rússia 3 fitas e 2 arcos em Londres 2012
http://www.youtube.com/watch?v=Oj83jWsZjNY nesse link aos 18 min e 08 segundos
Vídeo B – vídeo promocional da GR em Londres 2012 – 2 min. 07 seg.
http://www.youtube.com/watch?v=npmqtxoIs7E
Vídeo C - CORPO E ARTE: Bulgária 5 bolas em Bulgária Dundee Cup 2012 – 5 min.
http://www.youtube.com/watch?v=V4Yt8lloE_w
Vídeo D – vídeo de divulgação da Bulgária Dundee Cup – 2 min. 11 seg.
http://www.youtube.com/watch?v=naTo97TsHWk
Vídeo E – CORPO E CULTURA: Espanha Qualificação Londres 2012 – 3 min.
http://www.youtube.com/watch?v=hiKvrdguRPA&list=PL303D665B3491C5E1
Vídeo F – Maria Isabel Lloret – Arco Olimpíada de Seul 1988 – 1min. 55 seg.
http://www.youtube.com/watch?v=Vum1YE-PUSo
Vídeo G – Carolina Rodriguez – Maças Olimpíada de Londres 2012
http://www.youtube.com/watch?v=5hmYzsYQauk
Vídeo H – Vídeo Comercial Rússia – 4 min. 06 seg.
http://www.youtube.com/watch?v=A1D2YuNnpqk
Vídeo I – Espanha fita e arco
http://www.youtube.com/watch?v=BZ66HVAoUrw
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INTRODUÇÃO
Durante todo o caminho percorrido desde a decisão de buscar a qualificação, até a
definição do objeto de estudo, perguntava-me de que forma poderia aproximar os
conhecimentos acadêmicos apropriados a uma possível qualificação, da minha vida
profissional. Principalmente porque estando ao mesmo tempo no Ensino Básico e no
Ensino Superior, percebo pouca reciprocidade entre os dois mundos.
A minha preocupação consistia em aproximar essas reflexões do meu cotidiano
assim como torna-las significativa para mim. As respostas começaram a surgir ao
participar, como aluno especial, da disciplina Corpo, Estética e Cultura que integra o
Programa de Pós–Graduação em Educação Física da UFRN. A disciplina faz parte da
linha de pesquisa intitulada Estudos Sócio-filosóficos sobre o Corpo e o Movimento
Humano e, portanto diferente do enfoque pedagógico, em que sempre estive imersa.
Descobri nessa caminhada que ao expandir o meu olhar para além dos muros
construídos na minha prática profissional na GR durante tantos anos, poderia não só ver a
minha atuação por outros ângulos como redimensionar a minha relação com ela e com
todo o contexto em que me inseria. Sosseguei e mergulhei em leituras muito distanciadas
desse meu cotidiano, mas que se revelaram desafiadoras e prazerosas após o primeiro
contato.
Nessa disciplina me deparei com a apreciação e a descrição como caminhos para
construção de uma proposta de estudo, e como por tantos anos, estive mergulhada em
um constante saborear das coreografias ginásticas, me foi possível perceber a
possibilidade de aproximação da minha prática com os conceitos abordados na disciplina.
A arte e a cultura surgiram de forma viva e entrelaçada ao meu dia–a–dia no ginásio,
conceitos que sempre estiveram ali, pareciam óbvios, mas ganharam novas cores a partir
desse redimensionamento. A técnica ginástica e todas as outras a ela associada,
companheira de anos como atleta, bailarina e professora, sempre estivera em lugar de
destaque.
Aproximar-me dessas novas leituras me fez constatar que o prazer em trabalhar
com a GR estava justamente no fato de que sem que percebesse, a técnica não
caminhava sozinha, ela fazia parte da tríade: técnica, arte e cultura. Rendi–me ao fato de
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que não deveria fugir do que já estava posto em mim, a Ginástica Rítmica (GR), mas sim
tentar percebê-la para além do treinamento, das regras ou da competição simplesmente.
Apaixonei–me por essa nova GR, porque passei a enxerga-la na sua simplicidade e
paradoxalmente nas suas abstrações, mergulhei no que considero a sua característica
principal, a capacidade de recriar-se. Foi o momento de resgatar as memórias dos anos
dedicados ao encantamento das pequenas e grandes meninas, que buscaram e buscam
fazer parte desse universo de muitos desafios e de muita criatividade. As descobertas
sugeriram reflexões poderosas e desconcertantes. Questionei-me por que, por tantos
anos, ainda continuo seguindo a monotonia dos calendários esportivos e suas exigências
descontextualizadas. Não saberia dizer o porquê, até me encontrar com esse novo olhar.
Agora sei. A cada coreografia, novas histórias são contadas, novos entrelaçamentos são
construídos, novos temas são desenvolvidos e novas músicas servem de trilha sonora
para a relação que é estabelecida entre a professora-treinadora, eu, e as companheiras-
alunas-ginastas, unidas em tantos contos.
A partir dessas reflexões foi sendo delineado o meu objeto de estudo. A seu
reboque, surgiram inúmeras questões que instigaram a pesquisa ora apresentada. Nessa
perspectiva ancoro–me em Merleau–Ponty (1999, p. 3) para quem “Tudo aquilo que sei do
mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir e uma visão minha ou de uma experiência do
mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada”; compreendendo, a
partir dessa citação, que a experiência vivida compõe o que sou, envolve-me e orienta–
me, porque é resultado dos meus desejos, das minhas escolhas e das minhas
significações. É sobre esse novo olhar para a GR, que transcende a técnica pela técnica,
o esporte pelo esporte, fundamentado agora na fenomenologia de Merleau-Ponty, o que
trata essa pesquisa.
A GR, tema investigativo desse estudo, é uma modalidade ginástica resultante de
reflexões e críticas aos modelos ginásticos institucionalizados na Europa Central no final
do séc. XIX e início do séc. XX.
Num contexto de reação ao modelo positivista de ginástica, surge o Movimento do
Centro, ocorrido na Áustria, Alemanha e Suíça simultaneamente, que possuía um caráter
artístico, rítmico e pedagógico. Artístico porque foi influenciado por diversos expoentes da
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dança e do teatro como Noverre1, Duncan2 e Laban3. Rítmico por valorizar a Educação
Rítmica de Dalcrose e suas possibilidades educativas. Pedagógico porque fundamentado
em Pestalozzi, acreditava que o movimento era o verdadeiro ponto de partida para o
processo ensino aprendizagem na Educação Física. (LANGLADE A.; LANGLADE N.,
1970; LLOBET, 1998; PORPINO, 2005). Dessa forma acreditamos que,
Esta articulação entre dança, música e ginástica, que deu origem a Ginástica Moderna, precursora da Ginástica Rítmica, pode ser considerada como um dos primeiros passos da arte no contexto do que iria denominar-se posteriormente de Educação Física. (PORPINO, 2005, p. 1).
Chamada inicialmente de Ginástica Expressiva e em seguida Ginástica Moderna, a
ginástica de Rudolf Bode, buscou reagir contra os conceitos físicos de caráter anatômico e
fisiológico dos sistemas ginásticos da época, contra os movimentos construídos e
analíticos que consideravam o corpo um conjunto de partes sem unidade orgânica,
provocando o adestramento ao invés do conhecimento global do homem. Bode afirmou
que a finalidade essencial de sua ginástica era o desenvolvimento do movimento em toda
a ação humana, tanto numa sequência orgânica correta quanto num movimento inspirado
na fantasia, ou seja, a contínua inter-relação entre ambas era seu objetivo (LANGLADE A.;
LANGLADE N., 1970).
Sobre essa Ginástica, Madureira (2008) afirma que;
Rudolf Bode insiste na completa emancipação da educação física dos grilhões da anatomia e da fisiologia que, por desprezarem a dimensão sociocultural do homem, comprometem o verdadeiro entendimento do corpo e dos seus mecanismos expressivos. (MADUREIRA, 2008 p 221)
Assim, entendemos que a GR evoluiu a partir de fontes diversas, ligadas a arte e a
educação, dotadas de características inovadoras e contestadoras dos modelos que
1 Noverre: Suíço, bailarino, mestre de ballet, diretor da Ópera de Paris tratou de restituir a unidade do ballet, devolve a
expressividade ao interprete e equilibra a ideia a forma. Suas cartas, em número de quinze, traduzem as suas inquietudes e as suas ideias. (LANGLADE, A.; LANGLADE, N. 1970) 2 Duncan: bailarina autodidata estudou arte grega. Fundou sua primeira escola de dança em Berlin, viajou por toda a
Europa com seus alunos e pretendia renovar a dança tanto em relação a sua ideologia quanto a sua técnica. (LANGLADE, A.; LANGLADE, N. 1970) 3 Laban: Dançarino, coreógrafo, um dos maiores teóricos da dança do séc. XX. Sistematizou a linguagem do movimento
criando um sistema de escrita denominado Labanotation. Seus estudos sobre o movimento desempenharam um papel importante para o desenvolvimento da dança moderna. Reagindo contra os artifícios do teatro buscou a expressão de sua arte e de sua filosofia entre os mais simples, criando por toda a Europa centros para divulgação de sua obra artística e educacional. (LANGLADE, A.; LANGLADE, N. 1970)
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estavam institucionalizados na Europa dos séculos XIX e XX. Segundo Langlade A. e
Langlade N. (1970), Bode provou através de conferências e demonstrações que sua
ginástica não era dirigida exclusivamente para as mulheres, mas também para os homens,
pois para Bode eles também eram capazes de expressar-se de forma vital. No entanto a
ginástica expressiva foi absorvida pelas mulheres por se crer, naquele momento histórico,
que a expressividade imbricada no modelo ginástico em destaque, era um atributo próprio
às mulheres. Tal afirmação apenas reflete uma época onde o movimento, enquanto
prática corporal direcionava-se a contribuir com os corpos que servissem às guerras, às
disputas territoriais, à produção industrial, definindo assim, todo o caminhar de uma
sociedade.
A partir dessa constatação percebemos que a caracterização atual da GR se
coaduna com uma trajetória já delineada em sua origem, buscando adequar-se ao
contexto onde está inserida e assim destacar-se em meio a tantas práticas corporais. A
passagem do caráter formativo para o competitivo compactua com o momento histórico de
sua consolidação enquanto modalidade esportiva. A configuração adquirida, desenvolvida
desde sua criação resultou no fomento de infinitas possibilidades corporais. Assim a GR,
na atualidade, caracteriza-se por exigir um grande rigor técnico aliado à expressividade e
uma exímia manipulação dos implementos específicos enlaçados pelo acompanhamento
musical.
Para Lacerda (1993,2002) a GR compõe o grupo das modalidades esportivas que
estabelecem uma relação muito estreita com a arte. O sentido estético que busca o belo
ginástico, o vínculo inabalável com a música, o entrelaçamento com a dança, a busca por
formas inusitadas e especialmente tramadas, configuram esse esporte de muitas nuances
e aberto a diferentes interpretações.
O que a difere de outras modalidades ginasticas é a possibilidade de manusear
implementos portáteis, em especial a corda, a bola, o arco, as maças e a fita, aparelhos
inseridos e regulamentados gradativamente, a partir do contexto social em que estava
inserida e em resposta as exigências próprias do mundo esportivo para onde migrou a
partir da metade do séc. XX.
As coreografias de GR criam, aos olhos do apreciador comum, a ilusão de um
movimentar–se simples e de fácil execução, no entanto é resultado de esforços corporais
excruciantes, mesmo entre ginastas jovens. As posturas solicitadas excedem os limites
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considerados naturais e em muitos movimentos a dor é companheira. Apesar da exigência
técnica que lhe é característica, a expressividade age como conector entre as
participantes e os admiradores, corpo e mundo, estabelecendo um laço afetivo que
desconstrói todo o preconceito em relação à subjetividade presente nesse esporte.
Construindo esse entendimento sob o olhar fenomenológico, mesmo considerando que o
esporte nem sempre se propõe a sair do que está posto, fui provocada por novos
questionamentos.
Caracterizar a GR, nesse momento pressupunha olha-la a partir de novos ângulos e
assim, a partir dessa percepção alargada dos conceitos que se descortinavam a minha
frente, tornou-se urgente entende-la tendo como referência esses novos significados. A
nova compreensão partiu do olhar que foi direcionado tanto ao corpo percebido na GR, as
ginastas, as treinadoras ou coreógrafas quanto ao corpo que a vivencia como apreciador,
dessa forma, juntos, ginastas, treinadoras, juízes, público, transformaram-na no que ela é.
Assim posso dizer, a partir desse novo entendimento, que a GR é constituída por
um corpo que se projeta no espaço e no tempo, arrasta–se pelo solo, que se contorce e
salta. Que gira e equilibra–se, relacionando-se e criando infinitas possibilidades de
movimento. Um corpo que é envolvido, entremeado e enlaçado pela música, que
manuseia objetos como se fossem extensão desse corpo e que ao enredar–se, torna-se
um só. Um corpo cuja sintonia recursiva com os objetos e com o mundo cria formas
inusitadas e ao relaciona–se com outros corpos consegue expressar-se com ousadia e
encantamento. Esse é o corpo da GR, um corpo que é técnico ao mesmo tempo em que é
artístico e cultural.
Para fundamentarmos a nossa compreensão sobre o corpo que descobrimos na
GR nos ancoramos em Merleau – Ponty (1994/2011) para quem:
[...] olhar um objeto é vir a habita–lo e dali apreender todas as coisas segundo a face que voltam para ele. Mas na medida em que também as vejo, elas permanecem moradas abertas ao meu olhar e, situado virtualmente nelas, percebo sob diferentes ângulos o objeto central da minha visão atual (MERLEAU – PONTY, 1994/2011 p 105).
Assim a GR, dentro dessa compreensão, mostrou–se sob outras faces, desvelou
outras nuances e tornou–se ainda mais bela, assim como afirma Merleau-Ponty a respeito
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dos objetos aos quais nos permitimos novas percepções e que a partir daí não cessam em
mostrar–se.
Obviamente os aspectos anteriores, inclusive as características próprias de uma
atividade esportiva, não sumiram sob o encanto dos novos conhecimentos, eles foram
resignificados e de certa forma compreendidos dentro dessa própria característica, fruto
da sua historia, das vidas que a constituíram e do mundo no qual ela foi erguida.
Iniciamos entendendo o corpo como movimento, linguagem, gesto, sensibilidade,
‘objeto’ do mundo, atado a ele e um meio de comunicação com ele. Uma obra de arte
aberta, inacabada, imersa em significações. Um corpo expressivo que se relaciona com
outros corpos, e nessa interação cria possibilidades inovadoras para sua relação com o
mundo. Um corpo que ao se apropriar de uma técnica, pode expressar-se artisticamente e
imbricar-se no mundo produzindo e reproduzindo uma cultura. Portanto é na
fenomenologia de Merleau–Ponty que buscamos fundamentar as reflexões sobre o corpo
que vislumbramos na GR.
Sobre a técnica entendemos o ato eficaz de transmissão de saberes de individuo a
individuo, uma adaptação constante, que não depende apenas de si próprio, mas da
educação recebida, da sociedade a qual faz parte e o lugar o qual ocupa. Essa concepção
de técnica faz–se presente também no esporte. Marcell Mauss (2003) ao tratar desse
conceito afirma que antes de qualquer técnica de instrumentos há o conjunto das técnicas
do corpo. Através dessas técnicas, o homem adapta-se constantemente efetuando uma
série de ações que são construídas não só por sua educação, mas também por toda a
sociedade a qual faz parte além da posição que nela ocupa, formando um conjunto de
símbolos que nos representam como parte desse grupo.
Por arte entendemos o caminho pelo qual o homem expressa a si mesmo. Traduz o
mundo sensível em formas, cores, sabores, texturas, movimento, é uma abstração do real
e está aberta a diversas significações. Considera a imaginação e a capacidade de criar. É
sempre uma expressão do corpo, de si mesmo. A arte é destinada a refletir sobre a vida e
o sentimento, o virtual e o real entrelaçados, um caminho para a percepção. (SOARES e
MADUREIRA 2005; ORTEGA y GASSET 2011; LANGER 2011).
A cultura apresenta–se como um conjunto complexo e heterogêneo de condutas e
modalidades discursivas comuns que determinam certa capacidade de todos os membros
do corpo social produzir certos signos, de identifica–los e de interpreta–los da mesma
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forma (MEDEIROS 2010). Traduzem modos de vida criados, adquiridos e transmitidos de
uma geração a outra, entre os membros de uma determinada sociedade.
Esses conceitos estão inscritos nos corpos das ginastas. Envolvem a GR e estão
imbricados em sua essência com tanta força que dificilmente veríamos de forma
fragmentada. Nas coreografias, se fazem presentes desde a seleção dos elementos
corporais e dos manuseios possíveis com os aparelhos, até a escolha da música, dos
fundamentos da dança, da gestualidade, assim como nos uniformes de apresentação
(collants). A tentativa de clarificar o seu julgamento, muitas vezes passa por cima dessa
característica, tentando objetivar sua análise e enquadra–la num perfil esportivo
institucionalizado que busca avalia-la de forma segmentada. No entanto a GR parece não
se deixar levar por essas fragmentações, reafirmando, a cada coreografia, o quanto o
corpo está envolvido pela técnica, pela arte e pela cultura, tornando-o único e
surpreendente. Assim podemos visualizar esse constante entrelaçamento como
idealizamos na figura abaixo:
Imagem 1 – Diagrama: O corpo entrelaçado pela arte, pela técnica e pela cultura.
A partir dessas constatações e na tentativa de elucidar as reflexões iniciadas na
disciplina Corpo, Estética e Cultura, é que apresentamos a seguinte questão de estudo:
CULTURA
ARTE
TÉCNICA
CORPO
23
Como compreendemos o corpo na ginástica rítmica e seu entrelaçamento
com a técnica, a arte e a cultura?
Contribui para essa questão o fato de que a GR enquanto esporte e, portanto
fenômeno da cultura sofre constantes transformações, sendo submetida à
espetacularização de seu desempenho na busca de aproximar e impactar os
espectadores ao mesmo tempo em que seus dirigentes procuram objetivar a sua análise e
julgamento. Sob esse fato acreditamos que “Olhar para o desporto do ponto de vista
estético não dissolve nem anula qualquer tipo de aproximação, apenas exalta o valor do
desporto alimentando–o e revigorando–o como fenômeno cultural” (LACERDA, 2002 p.
22).
Diante das ponderações, apresentamos como objetivos dessa pesquisa a
possibilidade de:
Refletir sobre o corpo na GR e seu entrelaçamento com a técnica, a arte e a
cultura, além de ampliar as discussões sobre os esportes considerados artísticos
no universo da Educação Física.
Ao pensar sobre o modelo de GR que conhecemos com um olhar mais compassivo,
abrimos a possibilidade para questionamentos e retomadas. Janelas abrem–se, novos
olhares apresentam–se. Com eles mergulhamos no universo da GR para redescobri–la e
então constatar que ela tem sido muito discutida nos últimos anos através de olhares
diferenciados.
As pesquisas se direcionam a diferentes facetas. Incialmente o treinamento
desportivo e a perspectiva do rendimento competitivo, com os estudos capitaneados pela
professora Barbara Laffranchi (2001) e pela UNOPAR, centro de referência da
modalidade, que observam as possibilidades de desenvolvimento para o esporte de alto
nível destacando o treinamento com prioridade para o trabalho de conjunto (cinco
ginastas).
Na perspectiva pedagógica Roberta Gaio (2007, 2008) a partir da Ginástica Rítmica
Popular que fomentou muitos trabalhos sob o olhar pedagógico, estimulando a pratica da
ginástica em todos os níveis e para todas as pessoas, o que também é afirmado por
Alonso (2011) autora que trata da Pedagogia da Ginástica Rítmica.
24
Percebemos também que os referencias filosóficos começam a permear o mundo
da GR, Porpino (2004) e Cavalcanti (2008), integrantes do Grupo Estesia/UFRN, discutem
o corpo, a estética e o sensível perceptível no mundo ginástico. Toledo (2010) faz uma
incursão suave a respeito do belo na GR e Lourenço (2010) começa a questionar o código
de pontuação e a própria GR pelo viés da cultura. Lacerda (2002) traz para a GR à
linguagem da Estética do Desporto, temática recorrente na Universidade do Porto/
Portugal.
Assim percebemos que as questões teóricas que envolvem a GR começam a se
descortinar para além do campo técnico – competitivo. No entanto muito ainda há que se
discutir, principalmente se inserirmos nessas reflexões, o olhar ampliado pela
fenomenologia. Por isso justificamos esse estudo, pois percebemos a necessidade de
expandir o olhar sobre a GR para além dela mesma e das concepções que
tradicionalmente a engessam dentro do mundo esportivo.
Nesta perspectiva, considerando que a modalidade em questão é traduzida como
um esporte onde a expressividade e a sensibilidade transpõem o estabelecido pela
técnica, fez-se mister elucidar as questões que a subjetivam, tornando–a uma modalidade
diferenciada no mundo esportivo. Para tanto, esse estudo utiliza a Pesquisa Qualitativa
com suporte na Fenomenologia que segundo Merleau–Ponty (1999) “É o estudo das
essências e todos os problemas resumem–se em definir essências”. É compreender o que
se mostra e o que de fato é antes de ser tematizado. O que interessa são os significados
atribuídos ao fenômeno e através da sua descrição, encontrar o caminho para
compreender o interrogado.
Retornar as coisas mesmas é retornar a este mundo anterior ao conhecimento do qual o conhecimento sempre fala, e em relação ao qual toda determinação científica é abstrata, significativa e dependente, como a geografia em relação à paisagem–primeiramente aprendemos o que é uma floresta, um prado e um riacho (MERLEAU PONTY, 1994/2011, p. 4).
Deste modo, compreendemos que a experiência vivida, possibilita um olhar que
enxerga o fenômeno a partir dele mesmo, do seu visível e ao percebê-lo com
distanciamento, somos agraciados com novas significações.
Esse distanciamento é chamado redução fenomenológica, ou melhor, é a ação de
colocar em suspensão as crenças prévias, teorias ou explicações a priori. É o momento
em que para refletir sobre o fenômeno toma–se distancia “para ver brotar as
25
transcendências. Ela distende os fios intencionais que nos ligam ao mundo, ela é só
consciência do mundo porque o revela como estranho e paradoxal” (MERLEAU-
PONTY,1994/ 2011, p 10), cria horizontes, amplia a compreensão.
Destarte, a redução deve propiciar uma reflexão que sirva como meio de fazer
aparecer o mundo sem nos retirar do mundo, buscar o irrefletido e manifesta-lo. E o
mundo “não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo
comunico–me indubitavelmente com ele, mas não o possuo, ele é inesgotável.” (Merleau-
Ponty, 1994/2011, p. 14).
Foi através da redução fenomenológica, que de acordo com Merleau-Ponty
(1994/2011) nunca é completa, que me foi possível enxergar a GR com outro olhar. O
afastamento filosófico propiciado pela redução me permitiu dialogar com o meu fazer
pedagógico ao mesmo tempo em que me possibilitou entender o processo de criação
imposto por regras e regulamentos, conseguindo, através do distanciamento, ler nas
entrelinhas das exigências as possibilidades coreográficas antes amarradas pela
objetividade aparente do esporte. Compor e treinar as coreografias passou a ter um sabor
diferente e encantador, tudo começou a fazer mais sentido, inclusive quando os resultados
não eram os esperados. O fato de me reconhecer imbricada a meu trabalho, assim como
o perceber de uma forma diferente, confirmou a importância de se estar atado ao mundo,
dele fazer parte e compreende-lo em qualquer perspectiva que se mostre.
Nesse percurso de pensar o mundo e suas relações, existem muitas trajetórias. Na
fenomenologia trata-se de um caminhar que busca a interseção entre as nossas
experiências, entre as experiências do outro e delas com as nossas. Para isso a
fenomenologia utiliza a descrição, a redução e a interpretação/compreensão do fenômeno.
(MARTINS apud BICUDO E ESPOSITO, 1992).
A Descrição busca delinear o fenômeno elucidando seus significados e assim
melhor compreende–lo. A Redução busca dar visibilidade ao fenômeno, definindo partes
da descrição que serão consideradas essenciais à pesquisa e as que não são. Por último
a Compreensão do fenômeno por meio da criação de sentidos e significados, é ver o
modo peculiar, específico e único. Ocorre simultaneamente com a interpretação, com isso
o pesquisador encontra as unidades de significados que se mostram preenchido de
sentido para ele. Compreender é para Merleau – Ponty (1994/2011) reapoderar–se da
intenção total
26
Para o alcance da meta proposta, partimos da seleção de vídeos de conjuntos de
GR simples e misto4, As equipes foram eleitas a partir da minha experiência como
apreciadora e deu–se em virtude da relação possível com os conceitos abordados no
estudo em questão, além da sua representatividade no universo ginástico, principalmente
nessa prova. Limitamos as escolhas coreográficas ao ciclo olímpico 2009 a 2012, por
corresponder ao período onde os critérios para a elaboração das composições estavam
sedimentados tanto no que se refere às orientações para a sua criação quanto para o
julgamento durante as competições, condições essas que se renovam a cada ciclo
olímpico. Como afirma Porto Alegre (apud BIANCO; LEITE 1998):
Trata–se agora, de tomar a imagem como objeto, procurando compreender o lugar dos ícones como parte constitutiva dos sistemas simbólicos, estendendo a eles as mesmas preocupações teóricas e metodológicas presentes no estudo das representações sociais (PORTO ALEGRE apud BIANCO; LEITE, 1998 p. 76).
Após a descrição e a redução, utilizamos fotos e imagens captadas, recortadas dos
próprios vídeos dos conjuntos selecionados e as inserimos no corpo da descrição,
tentando dessa forma aproximar o percebido do escrito. As fotos e imagens compõem o
texto, auxiliando a interpretação/compreensão dos conceitos a partir dos conjuntos
selecionados.
Dialogamos com a hermenêutica como modalidade da fenomenologia que segundo
Bicudo e Esposito (op.cit.31) ao interrogar o fenômeno, busca a relação das pessoas com
as situações vividas e comunicadas através de obras humanas descritas, esculpidas,
dançadas, etc. Ao traçarmos um paralelo entre a coreografia de um conjunto e um texto,
podemos nos apoiar em Paul Ricoeur para justificar nossa escolha pela hermenêutica.
Nesse paralelo, a coreografia passa a ser o texto, e através da hermenêutica, utilizamos a
relação estreita entre a interpretação e a compreensão para nos apropriarmos do sentido
da obra, nesse estudo, o conjunto. Para Ricoeur (2000, p.17) “A hermenêutica é a teoria
das operações da compreensão em sua relação com a interpretação dos textos”.
Sob esse argumento entendemos que “’Apropriar-se’ do que antes era ‘estranho’
permanece o objetivo único de toda hermenêutica” (Ricoeur 1987, p 103). Assim a
4 Composições onde as cinco ginastas portam, cada uma, um único aparelho ou composições onde as ginastas portam
três aparelhos de um tipo e dois de outro tipo.
27
pesquisa buscou compreender e interpretar cada conjunto, esquadrinhando os
significados artísticos, enquanto produção humana, influenciado pela cultura e capaz de
resignificar o nosso próprio entendimento sobre a modalidade. A interpretação, portanto,
nos auxiliou a assimilar o sentido da obra, enquanto a compreensão nos possibilitou
apreender a totalidade de significações que gerariam os novos conhecimentos. É dessa
forma segundo Ricoeur (1987, p.105) que “O horizonte do mundo do leitor funda-se com o
horizonte do mundo do escritor”, nesse caso a apreciação possibilitou-nos entrar em
sintonia com o que foi expresso pelas ginastas nos momentos essencialmente
coreográficos e idealizados por cada uma das equipes descritas.
Optamos pelo conjunto por acreditarmos que nessa prova o entrelaçamento entre
os corpos das ginastas em sincronia com os aparelhos e a música transcende, de forma
decisiva, as amarras da instituição esportiva.
Dos conjuntos emerge todo o poder de criação coletiva. As formas, o espaço, o
tempo são desafiados a todo pulsar da música. A conexão com os espectadores se dá de
forma extasiante. É a possibilidade de unir individualidades em torno de um fim. Por isso
concordarmos com Cavalcanti (2008) para quem um conjunto de GR se configura como:
Corpos e aparelhos que se projetam nos espaços do tablado competitivo e criam uma matriz do belo que concebe um deslumbre coletivo [...] A beleza de uma série de conjunto é dada, sobretudo pela maneira com que as ginastas elaboram o trabalho coletivo, além do virtuosismo que cada ginasta deve apresentar tal qual nos exercícios individuais. (CAVALCANTI, 2008 p 45 - 46)
Assim torna–se claro que nos conjuntos a busca por imagens artísticas unidas as
exigências técnicas, executadas por múltiplos corpos, corajosamente arrebatam os
espectadores com sua movimentação inusitada. Por isso, acreditamos que para um
mergulho real nas coreografias dos conjuntos elencados, a experiência de ter vivido
pessoalmente tanto os momentos de execução enquanto ginasta quanto de composição
enquanto professora, permitiram uma imersão produtiva, pois só a imaginação da
experiência estética vivida poderia gerar uma maior sensibilidade para identificar os
significados possivelmente expressos pelas ginastas e desejados por suas treinadoras.
Deste modo a experiência e a imaginação ao deparar-se com o fenômeno a ser percebido
comprovariam que “É a linguagem nascida da imaginação que auxilia o desenvolvimento
do pensar, pois a palavra articula o significado experienciado. É na imaginação que
28
encontra a ligação fundamental entre pensamento, sentimento e linguagem”(MARTINS;
BICUDO 2005, p.89-90)
Como referencial teórico, buscamos dialogar com a Fenomenologia através do
pensamento de Maurice Merleau–Ponty como interlocutor principal, e de Nóbrega que ao
interpretar a obra do filósofo nos aproxima do olhar fenomenológico e nos possibilita novas
compreensões. Esses interlocutores foram fundamentais no que se refere ao
entendimento do corpo e sua relação com a técnica, à arte e a cultura, conhecimentos
básicos para os estudos desenvolvidos.
Ao discutirmos sobre a técnica presente nas composições de GR nos apoiamos em
Mauss (2003) para ampliarmos a compreensão do conceito e a partir daí estabelecermos
possíveis relações com as abordagens presentes no discurso que envolve a GR e que é
enfatizado na literatura específica da modalidade.
Para alicerçar os conceitos de arte e cultura recorremos a Langer (2011) Ortega y
Gasset (2002/2008), Dufrenne (1981) Zunthor(1993/2000). Os autores provocam a
reflexão e ao mesmo tempo esclarecem temas que estão entrelaçados na própria
ginástica através das composições coreográficas, sobrepondo-se, por vezes, as
exigências regulamentares, provocando nos espectadores sensações que transcendem a
apreciação meramente esportiva.
Obviamente que durante o processo de desvendamento da questão elencada,
outros conhecimentos e outros interlocutores foram surgindo e sua aproximação foi
necessária e fundamental para a concretização dos objetivos traçados. Nesse momento
pudemos recorrer ao Laboratório Visibilidades do Corpo e da Cultura de Movimento (VER)
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, cujo acervo e o diálogo entre seus
componentes foram de grande inspiração e esclarecimento dos conceitos ora discutidos.
Nessa perspectiva buscamos sistematizar os conhecimentos e as reflexões que
foram descortinadas ao longo da pesquisa, tarefa estratégica e desafiadora. Colocar cada
descoberta a cerca dos conceitos separadamente foi uma decisão didática para facilitar a
compreensão e o consequente aprofundamento dos conceitos elencados. Entretanto,
entendemos a GR como uma totalidade que se mescla em todas as suas influências
transformando–a em uma só ideia e impedindo corajosamente a sua fragmentação.
29
Portanto, para favorecer o entendimento do tema, dividimos o texto em quatro
capítulos que tratam prioritariamente de cada um dos conceitos básicos que são
entrelaçados ao corpo das ginastas na GR: a técnica, a arte e a cultura.
Iniciamos com um capítulo denominado “Corpo e técnica... Apresenta Rússia”,
onde refletimos sobre o corpo que forjou a GR e a convivência com a técnica e seus
desdobramentos inscritos nos corpos ginásticos. As reflexões, alicerçadas no conceito de
técnica de Marcel Mauss dão inicio a discussão mediada pela descrição do conjunto misto
da Rússia participante da Olímpiada de Londres 2012. Nesse capítulo encontramos uma
compreensão ampliada de técnica enquanto um conceito que não serve apenas ao
tecnicismo sem significado, mas responsável pela incorporação de saberes importantes
para o desenvolvimento humano. Ao transcender a utilização da técnica pela técnica a
ginasta se expressa, comunica-se e interage com o público, pois a técnica liberta o corpo
para ousar e criar novas possibilidades de movimentos.
Em seguida “Corpo e Arte... Apresenta a Bulgária” ratifica a importância da
música e da dança como ponte entre o desporto e a arte. A música é responsável pelo
norte coreográfico (ideia – guia) que orienta as composições ginásticas, dita seu ritmo,
suas pausas, estimula a expressividade e desafia a criação. A dança surge através de
técnicas distintas e complementares para a GR; A dança moderna, o ballet clássico e as
danças populares. Todas com importância fundamental na origem da modalidade, na sua
sedimentação enquanto atividade que necessita de uma base técnica e na vitalidade que
a conecta com o entorno. Nesse capitulo encontramos um corpo sensível, que baila, pulsa
e que se inebria de arte para contar estórias forjadas no labor do treinamento e na
interação entre muitas percepções. A apreciação do conjunto búlgaro na Copa do Mundo
de Sophia – Dundee Cup 2012, nesse capítulo, reforça a relação estreita entre as
composições coreográficas com a arte, porque são elaboradas seguindo uma tradição
artística que funda a modalidade e que caracteriza o próprio país no cenário ginástico.
O terceiro capítulo é denominado “Corpo e Cultura... Apresenta a Espanha”.
Trata da cultura inscrita nos corpos ginásticos com tantos significados que influencia todo
o processo de criação e treinamento e do esporte como fenômeno da cultura e por ela
enredado. Carrega à experiência de interpretar, no contexto esportivo, traços de culturas
diversas, seus símbolos, sua natureza impactante, que aglutina e personifica todo o
desenvolvimento ginástico, porque enquanto atividade esportiva a GR não está à parte do
30
mundo. Ela em si mesma é a junção de percepções de mundo diversificadas, desde a sua
formulação como modelo ginástico na Alemanha dos séculos XIX e XX até os dias atuais
com a sua propagação pelo mundo. Para aclararmos o conceito nos apoiamos no conjunto
espanhol–cinco bolas, que participou do Evento Teste em Londres, última competição que
possibilitaria a classificação de uma equipe para a Olímpiada de 2012. Nesse conjunto a
cultura é exaltada e exalada, transpassada nas coreografias através das danças populares
e das músicas típicas.
Nas Considerações Finais, os conceitos resignificados são incorporados não só à
nova compreensão sobre a GR, como também ao que esse novo olhar pode proporcionar
à Educação Física e em especial ao esporte em todas as suas configurações.
Para darmos continuidade a nossa reflexão, lançaremos nosso olhar sobre o
conjunto russo e a técnica que lhe é peculiar.
32
CAPÍTULO I - CORPO E TÉCNICA... APRESENTA A RÚSSIA
Enfim, sem a técnica não logramos ser verdadeiramente humanos. Nem no corpo, nem na alma. (Bento apud Moreira, 2006, p. 157).
Expectativa no ginásio, o conjunto Russo é o próximo a apresentar-se na Olímpiada
de Londres-2012. O burburinho das arquibancadas denuncia o quanto essa equipe é
esperada. Bicampeã Olímpica, a Rússia impõe-se, ousa e surpreende nas escolhas
coreográficas. O que virá dessa vez?
As ginastas concentram-se a espera do chamado oficial que anuncia a entrada no
tablado de competição. Como podemos perceber na foto 1, corpos a espera do chamado,
provavelmente tensos pela expectativa da apresentação, ornamentados por um rico
collant, a vestimenta de apresentação, cujo poder é apresentado através da vivacidade
dos cristais que o decoram. Os bordados majestosos dos collants reforçam o investimento
financeiro que é colocado sobre as ginastas. Muito brilho para ocultar os temores.
Fracassar não é tão excepcional assim e a GR, no momento da apresentação é
imprevisível. Elas não podem errar, o sucesso na apresentação dessa equipe é quase
uma certeza.
Foto 1 Equipe Russa – Olimpíada de Londres 2012
<Fonte: Disponível: www.facebook.com/pages/russian-national-team-of-rhythmic-gymnastic/> Acesso em; 04jan2014
33
O locutor anuncia: Apresenta a Rússia. As ginastas entram com passos firmes,
decididos, imponentes, um batalhão que desliza fortemente pelo tapete com a força da
tradição5 ginástica construída ao longo de muitos anos. As cores vivas, entre o vermelho e
o amarelo que se espalham sobre o collant que vestem, são o prenuncio de uma
composição vibrante e alegre. Corpos que parecem idênticos, padronizados, que entram e
colocam-se no tapete para dar início à coreografia. Gritos nas arquibancadas, amadas ou
não, essas ginastas não passam despercebidas, são sempre surpreendentes.
As russas estão prontas, a expressão das atletas (foto 2) é de que tudo podem
dentro da ginástica rítmica. As vitórias por anos seguidos ratificam um inconteste
favoritismo. Mesmo que reconheçamos a imprevisibilidade da GR, poucas equipes
apresentaram tanta regularidade de resultados nesse ciclo olímpico (2009-2012) como as
russas.
A figura inicial apresenta o pretenso paradoxo que caracteriza essa escola
ginástica, a sobriedade da técnica clássica que acompanha a formação das ginastas
desde a iniciação até a equipe principal e a desconstrução das formas em corpos
retorcidos inspirados pela música escolhida, formando um contraponto que instiga sua
apreciação.
Foto 2 - Equipe Russa – Olimpíada de Londres 2012
<Fonte: www.facebook.com/pages/russian-national-team-of-rhythmic-gymnastic/282502091820725> Acesso em: 04jan2014
5 A Rússia tem construído ao longo do século XX e XXI, uma escola ginástica que tem sido referência na GR em diversos
aspectos: técnicos, artísticos e principalmente no treinamento esportivo aplicado a modalidade.
34
Num conjunto misto como o que foi descrito, nesse caso composto por três fitas e
dois arcos, o desafio é a interação simbiótica entre os diferentes aparelhos e as ginastas
como se fossem de uma mesma natureza, cinco corpos em um só corpo. Formas, texturas
e cores divergindo ao mesmo tempo em que buscam a unidade necessária ao conjunto.
Elas iniciam evidenciando essa diferença que será contestada a cada colaboração,
momento em que as ginastas estão interligadas através do movimento, e a cada troca de
aparelhos. Os corpos buscam seu lugar no espaço ginástico ao mesmo tempo em que
interagem uns com os outros, com a música e com os diferentes implementos.
A música escolhida, uma montagem de Safri Duo, Cristina Aguilera, Kenny G e
Glória Stefan, sugere uma coreografia ágil, veloz, que incita a habilidade das ginastas e
aumenta a expectativa de todos os espectadores6.
A coreografia já se inicia com uma colaboração onde os arcos são lançados ao
mesmo tempo pelas fitas. Em seguida, realizam nova colaboração em subgrupos com
lançamento e recuperação das fitas após passagem sobre uma das ginastas. Um início
veloz, como indicado pela música e com a agilidade proposta pelas últimas coreografias
russas7.
As primeiras colaborações ampliam a figura formada sobre o tablado e na
sequência seguinte a pretensa uniformidade dos movimentos e dos corpos é confirmada.
Após pequenos lançamentos e respondendo ao pulsar da música, as ginastas deslocam-
se com energia, espaço e tempo envolvidos e vividos a cada acorde. Ao movimentarem-se
rapidamente podem provocar nos espectadores um sufocamento momentâneo graças à
rapidez com que executam os elementos coreográficos. O corpo que ao relacionar-se com
o mundo através do movimento é tempo e espaço, assim segue mostrando o que é capaz
de realizar nesse tempo e nesse espaço, que imbricados compõe esse corpo e todas as
suas percepções desse mundo se dão através dessa interdependência. (CAMINHA,
2010).
6 Músicas componentes do conjunto russo arcos e fitas 2012:
Kroc on wood (Safri Duo) http://www.youtube.com/watch?v=vwdVc_Wn-ig / Acessado em: 03jan2014 tough love at last (Cristina Aguiera) http://www.youtube.com/watch?v=U4pR5U82RL8/ Acessado em: 03jan2014 At last (Kenny G) http://www.youtube.com/watch?v=HfLvYHlnevY/ Acessado em: 03jan2014 oye (Glória Stefan) http://www.youtube.com/watch?v=gyPkWqC_ebQ Acessado em 03jan2014 7 Ação onde uma ginasta depende da outra para executar um movimento. Podem ser as cinco ginastas ao mesmo
tempo ou em subgrupos.
35
Podemos questionar: como podem realizar tantos movimentos em tão pouco tempo
e com tanta agilidade?
Não vemos mais as fitas ou os arcos, mas sim os enlaces, deslocamentos e passos
rítmicos que respondem as exigências da modalidade em conexão com o belo emoldurado
pela área de competição. O percebido confirma a qualidade da movimentação das
ginastas. Corpos treinados extremamente técnicos, em sequências velozes, com trocas de
aparelhos e colaborações entre as ginastas que refletem as horas de treino, repetições a
ponto da exaustão, precisão nas recuperações dos aparelhos. Nada é por acaso, os
movimentos selecionados imbricam-se uns nos outros e sempre preparam mais uma
surpresa. Poucos percebem tamanho esforço se não acompanham o processo de
preparação das ginastas. Elas nos fazem crer que tudo é simples, que é possível. A GR
pode encantar a todos e as ginastas escondem sob uma mascara de perfeição e
tranquilidade, os verdadeiros sacrifícios realizados para que se consiga realizar uma
coreografia tão intrincada. A imagem estampada na foto 3 representa um desses
momentos onde a complexidade do movimento aos olhos do espectador, pode parecer
simples.
Foto 3 - Equipe Russa – Colaboração de risco
<Fonte: Disponível em www.facebook.com/pages/russian-national-team- of-rhythmic-gymnastic/>
Acesso em: 04jan2014
A mistura dos aparelhos, ora fita com fita, ora arco com arco e em seguida fitas
com arcos, cria a expectativa de que pode acontecer algum imprevisto. As ginastas
arriscam–se ao enroscarem–se aos aparelhos em movimentos ágeis e vivazes, em
duplas, trios ou individualmente explorando toda a área de competição.
36
Uma troca de aparelhos em cascata seguida de um lançamento dos dois arcos pela
fita, passagens por dentro do arco, passagem através das fitas, ginastas que rolam por
baixo ou saltam por cima, sincronia absoluta. A música convida o público a interagir com
as ginastas, eles respondem com palmas, e elas com mais trocas e colaborações. A
energia da coreografia parece expandir-se por todo o ginásio.
Até que a música é contida, o andamento torna-se mais lento, vemos emergir um
novo corpo, o sensual, sedutor, ondulante, deslizando sobre o tapete com uma languidez
proposital. A coreografia promove um momento de um respirar compassado, o público
parece relaxar, mas para as ginastas a tensão na execução dos elementos coreográficos
permanece. A alternância rítmica denuncia a compreensão do fazer ginástico e suas
singularidades. A possibilidade de alternar ritmicamente uma sequência de movimentos é
um dos princípios originais da GR. Nessa fase da coreografia todos os movimentos
tornam-se mais lentos, no entanto não se deixam amornar em monótonas representações,
continuam ágeis e precisos, corpos extraordinários.
A velocidade é retomada a partir de um surpreendente lançamento dos arcos e das
três fitas por uma ginasta que o faz utilizando o pé durante um elemento de rotação (Foto
4). O ginásio parece explodir de emoção! Elas executam a colaboração corretamente,
nada mais as detém. Seguem–se pivôs em fuetté8 sincronizados e eficientes, seguidos por
saltos com grande afastamento das pernas ao mesmo tempo em giram no ar com
passagem dos aparelhos por baixo delas, trocas com relançamentos das fitas e dos arcos,
novas colaborações e passos rítmicos ao som da percussão que sobressai nesse
momento da música.
8 Elemento de rotação próprio do ballet clássico, onde a perna em suspenção abre em um ângulo reto com o tronco e
em seguida fecha, alternando essa movimentação durante a rotação do corpo.
37
Foto 4 - Equipe Russa – Colaboração dos arcos lançados pelas fitas. <Fonte Disponível em www.facebook.com/pages/russian-national-team-of-rhythmic-gymnastic>
Acesso em: 04jan2014
A mudança no andamento musical enfatiza além de uma das características
solicitadas pela GR, a alternância rítmica, uma particularidade da Rússia nas provas de
conjunto; a irregularidade tanto da música quanto das figuras formadas sobre o tapete.
Elas fogem da geometria clássica e compreensível, tradicional na maioria dos países e
criam formações fugazes, pouco definidas e rapidamente transformadas. A variação nos
deslocamentos e nas direções, alternando com os passos rítmicos, também auxilia a ideia
de imprevisibilidade, dificultando, muitas vezes a visualização ou antecipação do que vem
a seguir.
Enrolamentos nas fitas e recuperações inesperadas dos aparelhos, seguidas por
passagem por dentro de um círculo formado por essas mesmas fitas presas umas nas
outras, completam as diversas surpresas desse conjunto.
A capacidade de resistir à intensidade e velocidade da coreografia, expressando–se
com alegria e mantendo a qualidade técnica da apresentação, além da executarem ao
final da composição, exercícios virtuosos individualmente e em grupo, personificam o
principal objetivo da GR: a estreita relação entre corpo, aparelho e música. Na foto 5 é
registrado um desses movimentos inusitados capazes de nos fazer questionar o poder da
criatividade que através do treinamento relaciona e incorpora diferentes técnicas, assim
possibilitando a imbricação corpo-aparelho-música na GR.
38
Foto 5 - Equipe Russa – Colaboração final <Fonte: Disponível em www.facebook.com/pages/russian-national-team-of-rhythmic-gymnastic/> Acesso em: 04jan2014
Encerrado o conjunto, explodem os aplausos e o resultado é confirmado; as russas
são novamente campeãs olímpicas. Na foto 6 percebemos a serenidade do dever
cumprido estampado no olhar de cada ginasta, tranquilas com as medalhas sempre
desejadas e a cada apresentação perseguidas. Como deter uma equipe tão
surpreendente? Por vários campeonatos ao longo do ciclo olímpico, elas não obtiveram
êxito, no entanto ao chegar a principal competição da modalidade, não fraquejam,
justificam a fama e porque não, todo o investimento feito por elas mesmas e por todo o
aparato9 que as rodeiam.
Foto 6 – Resultado final – Rússia campeã
9 As ginastas russas têm a sua disposição centro de treinamento, treinadores específicos para cada prova, coreógrafos,
mestres de ballet, preparadores físicos, fisioterapeutas, estilistas, consultoria com especialistas para cada aparelho como os malabaristas, por exemplo, aparelhos de última geração, enfim, tudo o que puder auxiliar na preparação de campeãs está a disposição das ginastas. (Fonte: Camila Ferezin, atual técnica da seleção brasileira de GR, durante uma palestra em Natal/RN – setembro 2013).
39
<Fonte: Disponível em www.facebook.com/pages/russian-national-team-of-rhythmic- gymnastic/> Acesso em: 04jan2014
Durante a descrição, questionamentos surgiram e tematizaram inúmeras
divagações: Que corpo foi apreciado durante a descrição do conjunto russo? De onde vem
à segurança na execução de tantas tramas coreográficas e tantos movimentos
arriscados? Como conseguem associar as inúmeras exigências técnicas a uma
coreografia tão rápida e intrincada, onde raramente as ginastas permanecem no mesmo
lugar? Deparamo-nos com uma constatação que poderia responder as indagações. O
corpo que vislumbramos no conjunto russo é, sem desconsiderar qualquer outra
percepção, um corpo técnico, que se apoia de um lado em pilares científicos que
sistematizam metodologias de treinamento, e de outro se utiliza de técnicas corporais,
como o ballet clássico, por exemplo, para moldar o corpo pretendido a luz dos ditames
esportivos e assim buscar o inatingível, a perfeição.
Um corpo que tem na técnica um dos seus saberes e que através do treino constrói
uma imagem impactante, criando e recriando referências para todo o mundo ginástico. Um
corpo que adequa–se a todas as atualizações propostas pela Federação Internacional de
Ginástica (FIG) sem que perca sua magnitude, como percebemos na citação de Llobet
(1998) abaixo:
Pensemos por un momento en la actuación de una gimnasta en el transcurso de una competición, no importa de qué nivel; ¿qué es lo que nos llama la atención? En primer lugar, la gran coordinación de su ejecución (con o sin aparatos) y su permanente interrelación con la música; pero por debajo de esta primera impresión, se adivina la importancia de las capacidades físicas y numerosas horas de entrenamiento. (LLOBET, 1998, p. 51).10
Esse observar despertou-nos o desejo de desvelar o corpo técnico representado
com tantos paradoxos, sutileza e força, agilidade e explosão, simplicidade e ousadia,
nuances que instigaram o nosso olhar a, curiosamente, embrenhar-se na sua descrição e
buscar as respostas para as questões surgidas.
10
Tradução: Pensemos por um momento na atuação de uma ginasta no transcurso de uma competição, não
importa de que nível; o que é que mais nos chama a atenção em seus movimentos? Em primeiro lugar a grande coordenação de sua execução (com ou sem aparelhos) e sua permanente inter-relação com a música; mas por baixo dessa primeira impressão se adivinha a importância das capacidades físicas e o número de horas de treinamento.
40
Para entendermos as aparentes contradições que permeiam o entendimento de
Corpo Técnico visualizado na apreciação do conjunto russo de três fitas e dois arcos, nos
voltamos, inicialmente, ao surgimento da modalidade como um dos desdobramentos da
Ginástica enquanto prática corporal do final do XIX e início do século XX. Consideramos
importante refletir sobre o conceito de técnica partindo da origem da modalidade, porque
entendemos o tempo como o desdobrar de uma vida onde o passado e o porvir
encontram-se nas tramas do presente constituindo o que somos. Para Merleau-Ponty
(1994/2011),
Em meu presente, se eu retomo ainda vivo e com tudo aquilo que ele implica, há um êxtase em direção ao porvir e em direção ao passado que faz as dimensões do tempo se manifestarem, não como rivais, mas como inseparáveis; ser presentemente é ser sempre, e ser para sempre. A subjetividade não está no tempo, porque ela assume ou vive o tempo e se confunde com a coesão de uma vida. (MERLEAU-PONTY, 1994/2011, p. 566)
Não podemos esquecer como afirma Nóbrega (2002, p. 1) que “Cada época
constrói seu próprio modelo de corpo, embora sempre esteja em contato com modelos
anteriores”. Sendo assim, partimos do pressuposto de que o corpo que hoje se transforma
em configurações inacreditáveis constituiu–se a partir dessa relação espaço-tempo que
não segmenta o vivido, pois está ancorada na paisagem do mundo e com ele se
relacionando, criando o novo a partir de um modelo de ginástica já existente. De fato, essa
ousadia tornou-se uma característica potente da GR, o desafio de encontrar o novo é
imperioso e necessário, desde a sua origem.
Na trilha dessas informações descobrimos que a GR surgiu em meio a uma
concepção de corpo pautada na ciência clássica que o explicava e reduzia a um simples
objeto. Essa compreensão buscava na mecânica a explicação para seu funcionamento,
fragmentando-o em partes, transformando-o num corpo segmentado e sem unidade. Essa
ideia,
Formou-se e propagou-se, principalmente no Ocidente, o corpo dualista, objetivado pela ciência e pela técnica. Os olhos gelados da ciência foram tanto os responsáveis pela sua formação, quanto pela sua disseminação (SAWDAY apud MEDEIROS, 2005 p. 8).
É nesse período que segundo Soares (2005) surge o “Movimento Ginástico
Europeu”, tido como expressão da cultura, do cotidiano e dos divertimentos do povo. Essa
41
manifestação apresentava em seu interior princípios de ordem e disciplina que deveriam
ser potencializados. Com o objetivo de difundir esse entendimento cria–se a Ginástica
Cientifica que se pautava na ciência, na técnica e nas condições políticas da Europa fruto
da revolução industrial.
Na Europa, ao longo de todo o século XIX, a ginástica cientifica afirmava–se como parte significativa dos novos códigos de civilidade. Exibe um corpo milimetricamente reformado, cujo porte ostenta uma simetria nunca antes vista. Nada está solto ou largado. Nada está fora do prumo. Este corpo fechado e empertigado tentou banir qualquer vestígio de exibição do orgânico e, sobretudo, qualquer indício de perda de fixidez, qualquer sinal de um estado de mutação. (SOARES, 2005, p. 17)
A ginástica dessa época possuiu, portanto, um caráter disciplinador, metódico e
pautado na aquisição de condições físicas que transformassem os corpos antes indolentes
em corpos fortes e ágeis necessários aos interesses da época. Como percebemos na foto
7, foram criados aparelhos especiais que se destinavam a desenvolver a força, a
resistência, melhorar a postura e moldar os corpos, a luz dos ditames médicos,
ortopédicos e estéticos que se pretendia como pré-requisitos importantes para o homem
que se desejava no final do séc. XIX (SOARES, 2005).
Ainda segundo Soares (2005) essa foi à compreensão que fundamentou as
propostas ginásticas do ocidente pensadas por médicos, higienistas e filantropos, que
viam nas atividades livres como o circo, por exemplo, um perigo para a ideia de um corpo
útil, limpo e disciplinado proposto pela ciência “A atividade física fora do mundo do
trabalho deveria ser útil ao trabalho” (SOARES, 2005, p.24). O circo ou qualquer outra
forma de expressão representavam um perigo, pois despertava o riso, o encantamento, a
liberdade. A institucionalização desses movimentos dentro dos ginásios nada mais eram,
segundo Soares (2005) a tentativa de controlar o uso do corpo, domestica-lo “Era
necessário criar um homem novo em sua aparência, linguagem e sentimentos, dentro de
um tempo e espaço remodelados, através de uma pedagogia do signo e do gesto que
procede do exterior para o interior” (PERROT apud SOARES, 2005, p. 19). Essa é uma
das características da ginástica que permanece até a atualidade assim como o modelo
científico que a inspirou.
42
Foto. 7 – Aparelho ginástico – 1851 – prática ao ar livre <Fonte: disponível em www.edukbr.com.br/artemanhas/ginástica.asp> Acesso em: 03jan2014
No início do século XX a compreensão de corpo disciplinado começou a ser
questionada. Novas reflexões em diversas áreas do conhecimento, das artes e da própria
ginástica evidenciaram a potencialidade do corpo como uma unidade. Os movimentos
verticalizados dos corpos da “ginástica científica” puderam ondular–se. Os movimentos
disciplinados e ordenados puderam buscar novas configurações. A música e a dança
ousaram em transformar-se e ao transformarem–se possibilitaram novos olhares para os
corpos domesticados pela ginástica científica (LANGLADE, A.; LANGLADE, N. 1970).
No interior desses movimentos renovadores encontramos as origens da GR. Esse
modelo ginástico é resultante de reflexões e críticas a conhecimentos cristalizados e
institucionalizados na Europa Central no final do séc. XIX e início do séc. XX. A ginástica
de Rudolf Bode, estudioso idealizador da ginástica expressiva, tornada ginástica moderna
e que viria a tornar-se a GR como a conhecemos atualmente, tinha características que a
diferenciava dos demais modelos de práticas corporais no período do seu delineamento.
A possibilidade de agrupar aos exercícios corporais, a música, a dança, a
expressividade e posteriormente a manipulação de objetos portáteis, como os lenços que
visualizamos na foto 8, era de fato uma inovação que caminhava lado a lado com outras
revoluções na dança, na música, nas artes e na educação.
43
FIG 8 -Ginástica expressiva – conjunto de lenços – década de 50
<Fonte: disponível em http://www.nsa.bg/bg/faculty/department/branch,48/subpage,95>
Acesso em 03jan2014
Para Langlade, A. e Langlade, N. (1970, p. 100-101) “Diferente de outras formas de
ginástica, a rítmica de Bode, oferece uma graduação de seus exercícios baseada em
conceitos diferentes das progressões biológicas e progressões pedagógicas”, isso porque
na GR, originalmente, a natureza orgânica, o caráter de totalidade, em todas as fazes do
movimento é a sua verdadeira essência. Os autores comentam também que na rítmica de
Bode, o movimento sempre pode desenvolver–se, tem um amplo caminho a seguir e,
portanto, é sempre inacabado.
Segundo Madureira (2008, p. 218) “Na concepção da ginástica expressiva, mover-
se é tão natural quanto respirar, falar, cantar, andar, não sendo necessário impor ao corpo
um tecnicismo desprovido de sentido”. Esse entendimento difere sobremaneira do
entendimento de corpo utilitarista presente na sociedade europeia no período de
instituição do modelo ginástico de Bode para quem:
O corpo não é um instrumento da vontade! Um conhecimento técnico que não esteja a serviço da expressão do espírito destrói os sentimentos vitais e, consequentemente, a possibilidade de interpretações criativas. Com muita frequência, a ausência de uma verdadeira expressividade precisa ser preenchida pela técnica (BODE apud MADUREIRA 2008, p 218).
As características da GR em sua origem contribuíram para romper com imobilismo
da ginástica até então, além de aproximar-se do perfil da mulher daquele período graças a
44
seu aporte ‘rítmico-estético’. Esse caráter possibilitou a sua inserção como meio de
educação física para mulheres em diversos países e em especial na antiga União
Soviética, onde havia um grande estímulo às tendências “rítmico–plásticas”
(LISISTSKAYA, 1995, LLOBET, 1998).
Ao mesmo tempo em que a ginástica expressiva, propagava–se pela Europa e as
mulheres a abraçavam como forma de se exercitar, duas maneiras de pratica-la foram
esboçadas: uma dirigida para a população como um todo, simples, com dificuldade e
intensidade limitadas, dirigida a todas as idades, tratava-se de uma atividade formativa de
base. A outra, exclusiva para uma elite de mulheres mais preparadas fisicamente, como
percebemos na imagem da foto 9, cujo treinamento era diferenciado e direcionado a
elementos mais difíceis e um estilo mais acrobático, o que possibilitou a sua aproximação
das atividades ginásticas competitivas e consequentemente da Federação Internacional
de Ginástica (LLOBET, 1998).
Foto 9: Ginastas russas na década de 50 do século XX < Imagem disponível em: http://www.vfrg.ru/index.php?dn=pages&to=cat&id=73> Acesso em: 03jan2014
Dessa forma deu-se a passagem do caráter formativo para o competitivo que reflete
o momento histórico de sua consolidação como técnica de movimento e coincide com a
disseminação do esporte pela Europa, o que a impulsionou na busca de tornar- se uma
modalidade esportiva, definindo também qual o Corpo desejado para a ratificação do seu
novo status.
Na nova configuração, os corpos das praticantes deveriam apresentar um padrão
que identificasse a nova ginástica, aproximando–a de um perfil atlético que possibilitasse
sua aceitação no mundo esportivo. Entram em cena os corpos treinados, padronizados
45
notadamente técnicos como podemos perceber nessas imagens registradas na foto 10
que apresenta ginastas russas nos primeiros eventos após o reconhecimento da
modalidade pela Federação Internacional de Ginástica em 1962.
Foto 10: Ginastas russas pioneiras da modalidade < Disponível em: http://www.vfrg.ru/index.php?dn=pages&to=cat&id=73> Acesso em: 26dez2013
Mas o que é técnica? Marcell Mauss (2003) reflete sobre a técnica que tem como
objetivo a aprendizagem de algo e tem a especificidade como caráter. Para o autor, ela
decorre de uma tradição, uma forma eficaz de executar um hábito transmitido por
gerações, e são, segundo o autor.
Esses hábitos que variam não simplesmente com os indivíduos e suas imitações variam, sobretudo com as sociedades, as educações, as convivências e as modas, os prestígios. É preciso ver técnicas e a obra da razão prática coletiva e individual, lá geralmente onde se vê apenas a alma e suas faculdades de repetição (MAUSS, 2003, p. 404).
Para Mauss (2007, p. 407) “O corpo é [...] o primeiro e o mais natural objeto técnico,
e ao mesmo tempo meio técnico, do homem, é seu corpo”. Ele afirma também que antes
de qualquer técnica de instrumentos há o conjunto das técnicas do corpo. Através dessas
46
técnicas, o homem adapta-se constantemente efetuando uma série de ações que são
construídas não só por sua educação, mas também por toda a sociedade a qual faz parte
além da posição que nela ocupa, formando um conjunto de símbolos que nos representam
como parte desse grupo.
Assim ao incorporar um movimento o corpo utiliza–se de técnicas, apreensões
motoras que para ele são significativas. Nessa apreensão novas possibilidades são
configuradas, o corpo apropria-se da técnica, adaptando-a a si e a partir daí a utiliza e a
transforma a seu favor. Assim a técnica pode ser compreendida, não como meio
disciplinador voltado ao enquadramento dos corpos em movimentos sem significado, mas
principalmente como um conhecimento inerente ao próprio corpo, que possibilita a
aprendizagem de algo, novas configurações, novas criações. Ao incorporar uma técnica o
corpo paradoxalmente é libertado para ir além, transpor seus limites, se reinventar.
Na busca de nos apropriarmos do conceito ora abordado nos deparamos com
Bento (apud MOREIRA, 2006 p. 157) para quem as técnicas “nos resgataram da
subumanidade, que nos tiraram de um tempo inteiramente consagrado à luta trágica e
dramática pela sobrevivência.” Ainda segundo o autor:
É a técnica que precede e possibilita a criatividade e a inovação [...] Sim difícil é a técnica; com ela o resto é fácil. A técnica é uma condição acrescida e aumentativa; não serve apenas a eficácia, transporta para a leveza, a elegância e a simplicidade, para a admiração e o espanto, para o engenho e a expressão de encanto. Sem ela não se escreve poemas, não se compõem melodias, não se executam obras de arte, não se marcam gols, não se conseguem cestas e pontos, não se pode ser bom em nenhum ofício e mister. A arte, a qualidade, o ritmo, a harmonia e a perfeição implicam em tecnicidade. (BENTO apud MOREIRA, 2006 p. 157).
Entendemos também, que mesmo quando ela, a técnica, é considerada como um
conjunto de regras que nos torna aptos a agir eficazmente como nos sugere Abbagnano
(2007), é também através dela que muitas vezes o corpo compreende um movimento,
incorporando–o ao seu mundo. Assim como é através da técnica que o corpo encontra-se
com a fluidez do movimento sem que para tanto haja maiores sacrifícios, pois a técnica
aqui é utilizada como caminho percorrido em busca de um movimentar–se mais pleno.
Nessa compreensão entendemos que a técnica possibilita ao corpo realizar
movimentos surpreendentes, e ao utilizar-se dessa técnica e transcende-la, as ginastas se
47
expressam, comunicam–se e assim podem interagir com o público, provocando entre o
corpo que é técnico e o olhar que é impactado pelo corpo em movimento, uma relação de
reciprocidade. É essa relação que percebemos no conjunto ora descrito, corpos que em
execuções extremamente técnicas podem provocar em todos os espectadores, momentos
de êxtase.
Para Nóbrega (2009, p.25) “Na perspectiva fenomenológica, não há dicotomia entre
técnica e estética”. A autora afirma que a técnica fornece meios para diferentes fins,
inclusive os estéticos. Ela refere-se a Merleau-Ponty que em seu texto ‘O olho e o espírito’
trata das técnicas do corpo como possibilidade de “habitarmos no espaço e no tempo do
humano e não dá máquina” (Ibid., p.26) e assim entendermos que é pelo corpo que
ampliamos a relação do humano com o mundo, tendo a técnica também como mediadora.
Nessa compreensão ampliada do corpo a partir da fenomenologia de Merleau-
Ponty, pudemos entender que o corpo técnico que visualizamos no conjunto, não se
constituiu sozinho. A sincronia, o espaço, o tempo, a expressão, a técnica, habitam esse
corpo não como um decalque, ou uma gravura arranjada para preencher a imagem, mas
compondo um corpo que habita o mundo, interage com ele, expressa e experimenta,
percebendo a si próprio como um ser movente e não um objeto a parte. Assim é o corpo
técnico nessa perspectiva, um corpo que se constitui sem fronteiras, porque se relaciona
com o entorno para inserir-se no cenário do mundo, nesse caso, do mundo ginástico.
Portanto entendemos que;
”Nosso corpo faz a experiência de ser posto em situação no espaço e deixa um campo perceptivo instaurar-se entre ele e sua circunvizinhança [...] O espaço vazio separando o corpo e a coisa, está transformado em um espaço de sentir, quer dizer, em um campo que conjuga em sua espessura tensorial o duplo movimento do corpo em direção à coisa e da coisa em direção ao corpo” (CAMINHA, 2010, p. 240-241)
Dufrenne (1981, p 239) afirma que a “Atividade técnica e a atividade estética
constituem dois modos fundamentais da práxis.” É através dessa simbiose necessária
com a técnica que a arte reencontra sua função como mediadora entre o homem e o
mundo. Ao mesmo tempo, segundo o autor a técnica se humaniza tanto nas condições de
trabalho quanto no que produz, ambas a arte e a técnica caminham juntas. Dessa forma “o
homem aprendendo a viver o progresso técnico pode dominar o mundo sem romper com
48
ele, também pode habitá-lo como sua pátria, pode permanecer no fundamento sem deixar
de produzir sua história.” (DUFRENNE, 1981, p.241).
A partir dessas ponderações compreendemos a adequação a que o corpo se
submete no intuito de personificar uma versão que compactue com os ditames da
funcionalidade exigidos pela atividade que desempenha. Assim o corpo ginastico, que é
formado a partir de um conjunto de técnicas específicas tenta responder as exigências do
seu entorno. Como afirma Dufrenne (1981) é através da técnica que o homem entra em
processo com o mundo. Nesse caso nos reportamos ao mundo ginástico que visualizamos
através do conjunto russo e constatamos a utilização de diversas técnicas de movimento
que se entrelaçam com o objetivo de tornar possível a execução de uma proposta
coreográfica de extrema dificuldade.
No caso do esporte, as técnicas são especificas porque devem responder as
características de cada modalidade, assim o corpo da ginástica difere do corpo do jogador
de futebol, por exemplo, porque cada um, a seu modo, e dentro das características do seu
esporte, responderá ao treinamento mais eficaz e utilizará a técnica mais adequada a sua
atividade ou ao sucesso desejado. Corroborando com esse pensamento Bento (apud
MOREIRA 2006, p.155) afirma que:
[...] cada modalidade desportiva tematiza o corpo a sua maneira, isto é, estabelece com ele um relacionamento específico, ditado pelo código de regras e pela estrutura das exigências e dos rendimentos inerentes as ações. Nesse sentido, cada modalidade desportiva oferece um quadro muito próprio de circunstâncias propensas à configuração e à modelação de um determinado protótipo de corpo.
(BENTO apud MOREIRA, 2006, p.155)
A partir da citação de Bento (apud MOREIRA 2006) poderíamos refletir também
sobre uma possível interdependência nessa interação entre o corpo e o esporte,
entendendo que quando o esporte tematiza o corpo, como afirma o autor, pode ser
também por ele tematizado na medida em que o esporte que procura definir o corpo ideal
para sua prática pode sofrer modificações pelo corpo que o pratica. Isso pode acontecer
através da incorporação de determinadas técnicas que favorecem a superação do corpo
antes idealizado e promover novas possibilidades corporais para aquela prática.
Percebemos principalmente no esporte em nível olímpico o quanto as ginastas e suas
treinadoras, criam possibilidades de movimentos que subvertem o que é posto pelo
49
próprio esporte. Assim ele é arrebatado num grau tão intenso pelas criações das ginastas
que aparentemente busca adequa-se ao que é sugerido por elas em suas coreografias ao
mesmo tempo em que cria novos desafios. Um exemplo desse fato são as constantes
atualizações do código.
Não nos cabe, nesse momento, discutir o esporte e suas múltiplas faces. Detivemo-
nos nessa pesquisa a reflexão sobre a GR e seus entrelaçamentos. Nesse capítulo nos
dedicamos á apreciação e interpretação do corpo na coreografia11 do conjunto russo por
considerarmos que no momento da construção desse texto, era a equipe que
representava o apogeu técnico e competitivo na prova em questão, assim como indicava
um modelo de corpo que passou a ser disseminado por todo o mundo ginástico.
Entendemos também que nos exercícios de conjunto o êxito alcançado com o alto
grau de sincronia de movimentos, distribuição correta no espaço, os momentos de
colaboração entre as ginastas, a expressão da ideia coreográfica é também de
competência do corpo técnico, que é o corpo que treina, pois não existe incorporação da
técnica sem a repetição necessária.
Partindo do pressuposto de que a técnica incorporada auxilia a busca de uma
execução perfeita e ainda que entendamos que não existe perfeição do movimento, pois
não somos como objetos fechados a modificações, faz-se importante atentar para a
afirmação de Del Valle (1996), segundo a qual:
Para se alcançar a perfeição do gesto desportivo e o automatismo correto da execução dos movimentos, a ginasta deve passar por um caminho de infindáveis repetições durante sua preparação e suportar extenuantes e exigentes correções detalhadas de cada exercício (DEL VALLE apud LAFFRANCHI; LOURENÇO, 2010, p. 430).
Ao entrarem na área de competição, como na coreografia da equipe russa descrita
nesse texto, já se percebe que as ginastas possuem o perfil desejado e idealizado pelo
mundo ginástico competitivo. Como afirma Porpino (2004, p. 124) “A estética do corpo
que se pretende na GR é uma estética centrada no modelo de corpo esguio e longilíneo,
padrão internacional do corpo das ginastas de alto nível que têm garantido as medalhas
olímpicas.” Como podemos perceber na foto da equipe russa (foto 11).
11
Optamos por utilizar coreografia para nomear o que comumente chamamos de série porque consideramos que é uma terminologia mais adequada à abrangência de elementos que juntos compõem a GR.
50
Foto 11 - Equipe Russa – Olimpíada de Londres 2012 <Fonte: Disponível em www.facebook.com/pages/russian-national-team-of-rhythmic-gymnastic>/
Acesso em 03jan2014
Para Fateeva (apud DEL VALLE, 1996) o corpo das ginastas de GR:
Anatomicamente deverão reunir as seguintes condições: de uma forma geral ser magra, ter os membros superiores e inferiores longos. Em nível do tronco; corpo não muito largo, quadril e glúteos estreitos. As pernas com joelhos em hiperextensão, coxas lindamente arqueadas e tornozelos finos. Os braços com mãos grandes e compridas, dedos das mãos finos e compridos. (DEL VALLE, 1996, p 265 tradução nossa).
Para a Fateeva (apud DEL VALLE, 1996), o corpo nos padrões descritos são os
corpos ideais para a GR e esse padrão é defendido por Lisitskaya (1995), porque para
essa autora, esse é o modelo que garante a adequada execução dos elementos técnicos
segundo o que foi sendo concebido para a modalidade. Supomos que para as autoras a
técnica não escolhe o corpo, mas existem corpos que ao incorporarem determinadas
técnicas, as utilizam com mais tranquilidade.
Ainda segundo Lisitskaya (1995), esses parâmetros tem grande significado na
execução dos elementos complexos e nos exercícios com ou sem aparelho. Afirma
também que o nível do treinamento atual aproxima as ginastas com predisposição para
esse perfil corporal e que também suportam altas cargas de treinamento, “Sea como
51
fuere, únicamente un organismo con las dotes correspondientes (con contradictorias al
deporte en cuestión) puede desarrollar-se plenamente”12 (Lisitskaya, 1995 p. 349).
Em uma reflexão restrita ao corpo treinado podemos dizer que a citação de
Lisitskaya (1995), ora apresentada, corresponde ao percebido na descrição do conjunto
russo. O texto se coaduna com o perfil técnico das ginastas que executam uma grande
variedade de elementos coreográficos, em diferentes níveis e trajetórias, utilizando-se ao
máximo das condições físicas com as quais foram treinadas, sem perderem o nível técnico
e confirmando, assim, a qualidade do treinamento a que são submetidas. Essa
constatação pode ser percebida na imagem do elemento corporal registado na foto 12
onde a ginasta executa uma dificuldade de grande flexibilidade, em rotação, com a perna
aproximando-se das costas com ajuda de uma das mãos. Esse é um exercício que exige
uma relação estreita entre uma condição física apropriada e uma técnica apurada, pois se
trata de um elemento dinâmico, porém com diversas nuances que dificultam sua
execução, ou seja, a posição da perna em amplitude posterior, a necessidade de segurar
essa perna e ainda associa-la ao manuseio do aparelho.
Foto 12 - Equipe Russa – Elemento de rotação com manejo da fita < Fonte: Disponível em www.facebook.com/pages/russian-national-team-of-rhythmic- gymnastic/> Acesso em: 03jan2014
Nessa perspectiva os estudiosos da GR acabam ratificando o corpo técnico e
treinado como o estereotipo do corpo ideal para essa modalidade no nível olímpico. Um
corpo onde tudo é programado, desde a escolha das ginastas até a composição
coreográfica. Para Porpino (2004) 12
Tradução: ”Seja como for, unicamente um organismo com dotes correspondentes (não contrários ao esporte em
questão) pode desenvolver-se plenamente”.
52
Não basta ter um corpo perfeito ou esteticamente apropriado para a modalidade. É preciso submeter esse corpo ao treinamento, para que a ginasta seja capaz de realizar as proezas mais difíceis e também mais belas. As preocupações estéticas estão presentes no treinamento da GR desde a escolha das atletas para composição das equipes, até o momento em que a atleta se apresenta. Tais preocupações mantêm-se presentes durante as diversas fases do treinamento. (PORPINO, 2004 p 125)
Assim entendemos que a preparação das esportistas é um processo que se
prolonga por muitos anos e é composta por várias interfaces. No caso da GR, compõe
essa jornada a preparação técnica, que juntamente com os demais componentes da
ciência do treinamento desportivo13; formam o arcabouço necessário à eficiência das
ginastas (LAFFRANCHI 2001, LISITSKAYA 1995, LLOBET 1998)
Portanto a Rússia, como referência atual da modalidade, além de grande
responsável por um modelo de treinamento de sucesso, exporta o padrão de ginástica
forjado sob essa perspectiva. Segundo Lisitskaya (1995), nesse modelo de formação
esportiva a preparação técnica tem importância particular, pois se direciona ao processo
de apropriação dos conhecimentos, destrezas e hábitos que irão proporcionar a
incorporação da técnica adequada e que permite a ginasta revelar com maior eficiência
sua individualidade, originalidade, dificuldade dos exercícios em sintonia com o
acompanhamento musical. Para a autora essa preparação divide-se em: preparação
corporal, preparação rítmico-musical, preparação coreográfica e preparação com
aparelhos.
A preparação corporal tem como objetivo o aprendizado dos elementos corporais
que compõe a modalidade. Os saltos, os elementos de rotação14, os equilíbrios (posição
estática sobre um ou mais apoios), além dos elementos de flexibilidade associados aos
movimentos citados. Cada um dos elementos ginásticos possui uma execução própria e
uma técnica específica que é cobrada de forma correta no momento da competição. Esses
elementos tem origem em várias outras técnicas corporais competitivas ou não. Inspiram-
se na dança, utilizando os pivots e os equilíbrios, variando suas formas, associando-as em
combinações inusitadas. Podemos ver na composição russa inúmeras associações entre 13
Os componentes do treinamento desportivo a que se refere à autora são a preparação física, tática e psicológica. Esta subdivisão ratifica o cientificismo cartesiano próprio dos conhecimentos que envolvem e fundamentam o mundo esportivo. 14
Pivôs ou giros em torno do eixo vertical ou horizontal com apoio em um ou dois pés, em outra parte do corpo além dos movimentos acrobáticos.
53
elementos ou modificação da forma original com intuito de estetizar um movimento já
existente. Os saltos utilizam além da dança, elementos próprios de outras modalidades
ginásticas ao mesmo tempo em que os adapta a GR, criando manuseios possíveis com os
aparelhos para que respondam a característica da modalidade.
O conjunto Russo, aqui descrito, sobressai-se aos demais exatamente pelo nível
superior das dificuldades corporais que agregadas a colaborações muito arriscadas,
diferenciam essa equipe das demais, tornando-a, no caso de uma execução correta, uma
equipe quase imbatível.
Com relação à execução correta percebemos na foto 13 um elemento corporal cuja
perna em amplitude de 180º é mantida próximo ao tronco da ginasta, a posição vertical do
corpo, a capacidade de manter o movimento durante o tempo necessário para sua
visualização, confirma a qualidade técnica empreendida pela ginasta para a execução do
movimento. O mais impressionante, no caso das russas, é a similaridade entre todas as
componentes desse conjunto, no que diz respeito ao nível técnico corporal.
Foto 13 - Equipe Russa – Grand écarté frontal
< Fonte: Disponível em www.facebook.com/pages/russian-national-team-of-rhythmic-gymnastic>
Acesso em 03jan2014
Sobre a preparação rítmico-musical e coreográfica trataremos nos próximos
capítulos por estarem muito vinculadas às composições propriamente ditas, sofrendo
influência de componentes artísticos e culturais. No entanto convém enfatizar que o ballet
54
clássico15 mesmo estando na preparação coreográfica se faz presente, também, na
formação corporal das ginastas, compondo o conjunto de técnicas utilizadas no
desenvolvimento da GR.
Para a atual técnica da seleção brasileira de GR Camila Ferezin (2013)16, o ballet
clássico compõe o treinamento diário das ginastas, sendo de extrema importância para a
qualidade técnica específica da modalidade, isso se deve, segundo ela, à utilização dos
movimentos dessa técnica como elemento corporal de dificuldade próprio da GR como os
equilíbrios, os elementos de rotação e os grandes saltos. Para a treinadora não existe, no
contexto em que se encontra a GR, a possibilidade de substituir uma técnica que é tão
presente na modalidade por outra. Afirma ainda que a utilização de diferentes formas de
expressão corporal torna-se necessária durante a montagem das coreografias, pois a
experiência como outras técnicas ajudam na composição artística exigida pela
modalidade. A treinadora ousa em afirmar que a GR “é um ballet com aparelhos nas
mãos” (informação verbal).
Ao nos determos nessa perspectiva, observamos a importância da técnica do ballet
clássico como técnica utilizada na GR para a apropriação e incorporação de determinados
elementos corporais assim como sua execução correta. Assim entendemos que o ballet
auxilia a compreensão da noção de eixo e de alinhamento dos seguimentos corporais
necessários a determinados movimentos.
Para a aquisição dessa virtuosidade técnica a equipe russa se utiliza do Método
Vaganova17 em toda a sua exatidão e sem adaptações como era sugerido às treinadoras
em anos passados. As ginastas possuem as mesmas características de precisão e força
15
Ballet clássico – refere-se a uma modalidade de dança e a sua execução, surgida na Itália renascentista. Os principais postulados do ballet resumem-se na postura ereta, na posição em dehors - que é a rotação externa dos membros inferiores, no corpo vertical e na simetria. (www.Infoescola.com). 16
Camila Ferezin atual técnica da seleção brasileira de GR, responsável pelo sucesso nos Jogos Pan-americanos de Guadalajara 2011, onde o Brasil sagrou-se campeão e pelo 3º lugar na Copa do Mundo de Minsk na Bielorrússia em 2013, resultado inédito para a GR brasileira. A treinadora tem aproximado a GR brasileira da seleção russa através de estágios constantes nos centros de treinamento daquele país. 17 Para Caminada (2008) A escola russa de Vaganova reúne o requinte da escola francesa, o virtuosismo italiano e os
elementos oriundos do folclore do povo russo. “Vaganova foi a primeira bailarina a perceber a importância de um programa de ensino. Ao codificar seus “Princípios básicos do ballet clássico”, livro adotado no mundo inteiro, ela não apenas dividiu o ensino em diferentes níveis, como conferiu a cada um deles um programa determinado a ser seguido.” (CAMINADA 2008, p.15) Fonte: Considerações sobre o ensino do ballet clássico http://www.elianacaminada.net/doc/Consideracoes.doc Acessado em: 27dez2013
55
associada a uma sensibilidade de gestos próprias do método. O alcance da qualidade de
movimento e da perceptível facilidade com os elementos corporais de equilíbrio e rotação
deve-se a inserção do ballet entre as ginastas desde os primeiros passos na iniciação à
GR até o treinamento da seleção principal18.
Apesar da literatura específica da modalidade apontar essa dependência da GR a
técnica do ballet clássico, justificando através dos elementos corporais de dificuldade a
sua necessidade, Velardi e Miranda (apud Paoliello; Toledo, 2010) apontam algumas
contradições a cerca dessa afirmação. Para as autoras existem elementos da técnica de
Dança Moderna imbricados nas coreografias de GR que passam despercebidos por
estarem totalmente amalgamados à modalidade.
As autoras assinalam para justificar as suas observações, a utilização das
passagens pelo solo, os deslocamentos variados, a amplitude dos movimentos, o
posicionamento do tronco fora do eixo vertical além da sua utilização com muito mais
liberdade do que na técnica clássica. Alertam também para as combinações de elementos
que podem permitir a união de um salto com uma passagem pelo solo, seguido de um
equilíbrio com o tronco em projeção à frente, ao lado ou atrás. Um exemplo dessa
constatação no conjunto russo se dá momento visualizado na foto 14 onde as ginastas
executam um equilíbrio com projeção do tronco para traz, criando uma postura em
balanço que contrapõe tronco e perna na busca do eixo de equilíbrio.
Foto 14 - Prancha dorsal <Fonte: Disponível em www.facebook.com/pages/russian-national-team-of-rhythmic-gymnastic> Acessado em 03jan2014
18
Informações dadas pela prof.ª. Camila Ferezin, técnica da seleção brasileira, nos Jogos Escolares da Juventude em Natal/RN durante palestra para técnicas e árbitros da modalidade em 05/09/2013.
56
A partir dessa reflexão podemos perceber que apesar da literatura ginástica apontar
para uma pretensa hegemonia da técnica do ballet clássico na GR, a técnica de Dança
Moderna que a influenciou em sua origem, não está descartada, na verdade parece ter se
envolvido no contexto ginástico de forma tão definitiva que não se percebe imediatamente
sua presença. Portanto,
Analisando com atenção, podemos concluir que a característica própria da GR, no que se refere à ocupação do espaço, à relação com os objetos externos, ao tipo de dificuldades corporais, às suas mais diversas formas e as suas relações com o espaço, o tempo, e a fluência na execução, aproximam-na da Dança Moderna (VELARDI; MIRANDA apud PAOLIELLO; TOLEDO 2010, p. 191).
Para as autoras, essas reflexões apontam à necessidade de uma maior
compreensão por parte de todos os que fazem a GR, sobre as possibilidades de
desenvolvimento técnico a partir das técnicas da Dança Moderna. Acreditam que a relação
necessária entre a técnica, fluidez e expressividade do movimento próprias da Dança
Moderna constitui um importante aspecto que pode determinar a preparação das ginastas
na busca de composições coreográficas dinâmicas, criativas e complexas, executadas
com segurança e tranquilidade. Para as autoras essa característica poderia ser o que
diferenciaria uma ginasta ‘tecnicamente perfeita’ mas incapaz de apresentar uma
coreografia fluente e expressiva daquela que, no mesmo patamar de ‘excelência’, dá a sua
série um caráter de unidade, “em que seja admirável a arte de se expressar por meio de
uma técnica corporal impecável, diversificada e criativa”(VELARDI; MIRANDA apud
PAOLIELLO; TOLEDO 2010, p.211).
Na verdade podemos encarar essa reflexão como um retorno às origens, um
reencontro, pois ambas, a GR e a Dança Moderna surgiram da mesma gênese, produtos
do início do século XX e sua efervescência.
A preparação com aparelhos se compõe de diversos exercícios destinados ao
aperfeiçoamento do manejo e a criação de novas possibilidades de utilização dos
aparelhos, associando-os ao elemento corporal individualmente e em grupo, assim como
aos elementos acrobáticos autorizados na modalidade. Cada aparelho que compõe a GR
tem seu próprio arcabouço técnico e solicita da ginasta completa interação, corpo e objeto
entrelaçados de forma a tornarem-se um só. Nesse conjunto que descrevemos podemos
perceber as possibilidades de utilização entre dois aparelhos distintos, a fita e o arco,
57
diferentes na forma e na maneira de serem manuseados. No entanto as diferenças não
foram impedimento para a criação e execução da coreografia. Em muitos momentos já
não diferenciávamos um do outro tal a capacidade de interação entre ambos. Essa
interação deve-se a técnica de manuseio das ginastas e a elaboração da coreografia.
Na foto 15, vislumbramos um momento de colaboração em que as ginastas
executam um movimento onde os arcos serão lançados pela fita. Nesse momento os
aparelhos aderem-se ao movimento das ginastas que juntas realizam um impulso com a
força adequada, com a técnica correta de elevação dos aparelhos, sem que os mesmos
sejam abandonados, assim a colaboração é realizada de forma tranquila e eficiente.
Foto 15 Colaboração
<Fonte: http://www.vfrg.ru/index.php?dn=pages&to=cat&id=73> Acessado em 03jan2014
Incorporada à técnica dos elementos corporais, movimentos específicos da GR, e
do manuseio dos aparelhos, abre-se o caminho para a busca de um estilo próprio que
será aperfeiçoado durante toda a carreira esportiva. A ênfase dada à técnica desde a
iniciação a modalidade Imprime aos movimentos das ginastas russas uma grande
amplitude na utilização do espaço, uma grande expressividade o manuseio virtuoso dos
aparelhos e muita ousadia nas composições coreográficas. (LLOBET, 1998)
Constatamos na coreografia descrita a total coerência com o que aponta os
estudiosos da GR no que se refere ao perfeccionismo e virtuosismo técnico. Percebemos
principalmente nos momentos de colaboração onde os arcos envolvem os corpos das
58
ginastas, quando as fitas são desenhadas próximas umas as outras em sincronia ou ainda
durante as troca entre os aparelhos que partem sem aviso surpreendendo a todos. Dessa
forma, surgem tramas inesperadas, que parecem maravilhar a todos, público e árbitros.
Partindo desses pressupostos Del Valle (1996, p. 216) afirma que a GR é
considerada um esporte eminentemente técnico porque exige essa coordenação
complexa que busca unir a fluidez do movimento, a expressão e a condição física, que se
dará através do treino. A autora ainda ratifica a importância do treinamento e da técnica
para que as ginastas possam eliminar tensões que distorcem a imagem ideal do
movimento, fixar o gesto e realiza–ló sem falhas, buscando incorporar e criar novas
técnicas além da criação de novos movimentos. (DEL VALLE, 1996). Assim,
As performances nada mais são que um produto real de um treinamento planejado e consciente em seus mais variados detalhes, produto de organização e aplicação de um trabalho multilateral, que visa o desenvolvimento harmonioso de todo o corpo da ginasta, assim como as adaptações de seu organismo as exigências específicas da modalidade. (LAFFRANCHI; LOURENÇO apud GAIO, 2010 p 429 – 430)
Visualizamos no conjunto descrito, o desdobrar da discussão ora apresentada de
forma amplificada, porque todas as reflexões quando direcionadas ao conjunto multiplica-
se por cinco, como é constituído o conjunto. Percepções, emoções, exaustão, desânimo,
euforia e muitos sentimentos multiplicam-se durante o processo de construção da
coreografia e aí reside o grande trunfo do trabalho coletivo, harmonizar o que é separado
pela própria existência.
Em coreografias de conjunto, onde diferentes corpos lançam–se ao espaço e ao
tempo, utilizando a música e mediados pela relação com os aparelhos ginásticos, as
atletas descobrem-se em movimento, porque é na interação dos corpos durante a
execução do conjunto que as potencialidades vão sendo descortinadas. O que cada uma
é capaz de executar e o que cada uma terá que renunciar para o bem do grupo. É na
construção da coreografia que os corpos se dão a conhecer e a perceberem-se capazes
de juntos, expressarem-se como um só.
Vemos na foto 16 o real significado do que expomos sobre a união de corpos
individuais agrupando-se e tornando-se um só corpo para o sucesso da apresentação.
Corpos sincrônicos em técnica e em emoção, “As cinco ginastas de um conjunto, por mais
que pensem diferente no momento do treinamento ou da competição, devem se
59
transformar em um só corpo, interagindo de forma assertiva” (BUENO apud PAOLIELLO E
TOLEDO 2010, p.230).
Foto 16 - Movimento em sincronia
<Fonte: Disponível em www.facebook.com/pages/russian-national-team-of-rhythmic-gymnastic> Acessado em: 03jan2014
No entanto entendemos também que mesmo que o conjunto seja treinado repetidas
vezes, nunca serão executados movimentos exatamente iguais porque, sempre existem
adequações no momento da execução. Sempre haverá adaptações, dada à necessidade
do conhecimento do outro, de reconhecer-se no outro e conhecer o outro em nós mesmos,
assim se constitui um conjunto de GR, como nos fala Merleau-Ponty (2010, p. 253),
refletindo sobre o corpo e suas relações; “É por meu corpo que eu compreendo o outro,
assim como é por meu corpo que percebo coisas”. É nesse perceber que se dá através do
corpo em movimento e que está vivo na convivência com o tempo e o espaço interagindo
com o mundo, que o treinamento irá favorecer a incorporação da técnica ou das técnicas
no caso da GR.
Paradoxalmente, percebemos que nesse caminho onde os corpos colaboram entre
si, onde a técnica e o treinamento são surpreendidos pela necessidade da entrega exigida
pela coreografia, a eficiência técnica do desporto também promove abusos. Abusos “de
disciplinarização, de regulamentação, de instrumentalização, de distanciamento, de
exploração e opressão do corpo” (Bento 1991, p 62). Na GR em alto nível não é diferente,
ela submete-se a regulamentos que direcionam não só o treinamento, mas também
orientam a criação das coreografias. Treinadoras e ginastas mesmo quando buscam o
60
novo ou original são guiadas pela exigência técnica e pelo código de pontuação elaborado
ao longo do tempo na tentativa de objetivar a própria ginástica. Essa disciplinarização que
submete o corpo técnico às amarras do desporto foi criada pelo homem para sua própria
utilização e para incorporação de conhecimentos necessários a sobrevivência do esporte.
Ainda assim a GR, surpreende na utilização da técnica em direção ao visionário, ao
inovador, ao inusitado, respeitando as regras da modalidade e muitas vezes provocando a
sua revisão.
Durante nosso estudo percebemos que,
A GR não pode ser encarada segundo Bobo e Sierra (1998) como uma modalidade com repertório técnico fechado e já completamente estabelecido, pois para além dos elementos que já existem (registrados e valorizados pelo código de pontuação) há também um repertório técnico “por criar” (elementos novos e originais que surgem ao longo das competições e que é resultado da capacidade criativa de técnicos e ginastas) que vai aumentando a lista de elementos já conhecidos. (AVILA-CARVALHO, 2012, p.3).
A extrema complexidade do exercício de conjunto exige uma aproximação precisa
de todos os pormenores que envolvem seu treinamento. Inclusive compreender que
treinar e competir em um conjunto de GR é antes de tudo confiar na outra ginasta, confiar
seu corpo a outros corpos em nome do belo e do inusitado. É permitir que através dos
corpos em sintonia, sejam expressas imagens provocadoras, e que sejam de tal maneira
impactante, que além do valor dado pela arbitragem também causem no espectador
experiências significativas e registros permanentes de deslumbre. Essa harmonia, esse
sincronismo, essa interação entre os corpos, só acontece a partir do treinamento feito em
conjunto e para o conjunto. Nesta perspectiva, encontramos na foto 17 o registro de um
elemento corporal que exige um considerável domínio das técnicas que compõem a GR
associadas a características corporais específicas de força, flexibilidade e equilíbrio.
Executado com a mesma qualidade por todas as ginastas é o resultado do corpo treinado
na perspectiva do conjunto, ou seja, todas as ginastas executando com suposta
similaridade o mesmo movimento, para o alcance de uma pontuação satisfatória e para
arrebatar todos os espectadores. Nesse processo, enfim, “Bendita seja, portanto, a técnica
e bem haja o desporto que a ensina, exige e enaltece!” (Bento apud Moreira, 2006, p.
61
157), porque através dela podemos nos deparar com imagens arrebatadoras promovidas
pelo esporte e por corpos que não hesitaram em superar-se.
Foto 17 - Prancha lateral <Fonte: Disponível em www.facebook.com/pages/russian-national-team-of-rhythmic- gymnastic/> Acessado em 03jan2014
Diante da apreciação desse conjunto, descobrimos um corpo que em movimento
rompe com todo o enquadramento a que é constantemente submetido para que seja
garantido o status esportivo. Um corpo multifacetado, que sob um olhar ampliado,
estabelece uma relação de aderência entre o olhar do vidente e a expressão do visível
para desvelar suas significações. É o mundo de cada ginasta ou espectador, treinador ou
arbitro que apontam essas significações, que são próprias, pois respondem as
experiências vividas por cada um deles e a perspectiva que empregam na percepção
dessas significações. Sabemos que nesse percurso está inserida a técnica como partícipe
importante do processo de construção do corpo técnico, entretanto esse mesmo corpo,
muitas vezes tratado apenas como objeto, pode surpreender, pois a GR carrega em sua
gênese a magia da arte.
Sobre a relação possível entre a técnica, à arte e o corpo, Nóbrega (2010), afirma
que;
Na criação artística, a técnica é necessária, é condição fundamental. No entanto, a técnica não deve se restringir ao aspecto funcional ou mecânico, mas deve servir a contemplação. A técnica não deve se tornar um objeto rígido, mas sim um objeto flexível que permita a expressão em sua diversidade e abrangência. A obra de arte está sendo colocada como
62
campo de possibilidade para a vivência do sensível, não como pensamento de ver ou de sentir, mas como reflexão corporal. (NÓBREGA, 2010, p. 91)
Como percebemos na citação de Nóbrega (2010), a criação artística depende da
técnica para sua concepção. Uma técnica que permita o criar e o recriar, que possibilite a
experiência do sensível. Nessa perspectiva, o encontro da música e da dança com os
aparelhos ginásticos quando se depara com um ponto de harmonia inquestionável,
preenche os vazios da técnica pela técnica, colorindo as coreografias, emocionando as
ginastas e fazendo do público espectadores fieis, é o que parece ser a busca da GR.
Mesmo quando esportivamente o resultado não é o esperado.
Rudolf Bode, o idealizador da GR, propôs uma atividade em que o espirito de
unidade do corpo fosse evidenciado, sendo assim não caberia vê-lo fragmentado também
nos conceitos os quais está imbricado, no entanto, nesse capítulo, ousamos refletir sobre
um conceito em separado, a técnica, apenas para aprofundar as nossas questões. As
reflexões sobre o corpo técnico elucidaram o mito de que a técnica seria incompatível com
a ideia original do método ginástico de Bode. Entendemos, nesse estudo, a técnica como
caminho para novas apropriações, para a apreensão de novos saberes, para a
incorporação de novos movimentos e com isso dar novos significados a relação corpo e
mundo.
Nessa compreensão alargada, acreditamos que a GR não é só treino, nem compõe
um corpo meramente submetido à técnica pela técnica, um sacrifício corporal sem o
devido significado. A partir da fenomenologia de Merleau- Ponty, concebemos a GR como
fruto do treino e da técnica, mas acima de tudo, fruto dos componentes artísticos e
culturais que agem como o amálgama que encanta e a aproxima dos seus admiradores.
Seguindo o caminho de aprofundar a reflexão sobre esse corpo que para nós é
técnica, arte e cultura entrelaçadas, é que no capítulo a seguir enfatizaremos a arte,
visível nos corpos ginásticos representados pela equipe búlgara. Sigamos com nossas
reflexões.
64
II - CORPO E ARTE... APRESENTA A BULGÁRIA
Não é ao objeto físico que o corpo pode ser comparado, mas antes, à obra de arte. (Merleau-Ponty, 1994/2011, p.208).
Arena Armeec em Sófia/ Bulgária (foto 18), um ginásio suntuoso para uma
competição de GR. A tensão pela arquibancada parece confirmar a importância do evento
para os búlgaros. Nas suas dependências, encontram-se as expectativas de todos sobre a
Equipe Nacional, representante do país–sede. Mensageiras do orgulho de uma nação. Os
búlgaros amam a GR e amam as suas ginastas (RÓBEVA; RANKÉNLOVA, 1991). Por
estarem em casa, às ginastas búlgaras parecem sentir uma emoção contraditória entre o
aconchego do público e a necessidade de uma boa apresentação. A expectativa do
público é crescente.
Figura 18: Ginásio Armec – Sofia/ Bulgária < Fonte: disponível em: http://arenaarmeecsofia.com/News/Rhythmic-Gymnastics-Dundee-Cup> Acessada em 05jan2014
Para melhor entendermos esse momento fez–se necessário aproximarmos nosso
olhar do que eles, os búlgaros, acreditam ou como se percebem a si próprios e
consequentemente as suas ginastas. Para tanto mergulhamos no livro Escola de
Campeãs, de Neska Róbeva e Margarita Rankénlova (1991), que nos apresenta um olhar
poético que compõe a natureza búlgara na GR e na vida. Segundo elas:
Nós, moradores desse canto da Terra, compreendemos o que significa “tocares um coração, aqueceres o seu sangue pelo seu calor e sobreviveres”. Nós habitantes desse recanto, temos realmente outra concepção de beleza. Estamos plenos de vida e de otimismo até quando sofremos... (RÓBEVA; RANKÉLOVA, 1991, Prólogo)
65
Essa aproximação estará presente durante toda a descrição e interpretação do
conjunto ora apresentado, porque nos dá uma referência para entendermos como a GR é
percebida por essas pessoas e a partir daí entender o significado da coreografia para o
conceito a ser evidenciado.
Escolhemos entre as diversas coreografias búlgaras, o conjunto de cinco bolas
apresentado na Copa do Mundo de Sófia/ Dundee Cup-Bulgária 2012, uma das Copas
mais tradicionais da Ginástica Rítmica (GR) e uma das últimas etapas antes dos Jogos
Olímpicos de Londres. A maioria das equipes presentes está classificada para a
competição olímpica ou buscam as últimas vagas e utilizam–se desses eventos para
lapidar suas coreografias.
Ao longo dos anos em que a GR foi sendo delineada, a Bulgária tornou–se uma
referência para o mundo ginástico apresentando composições coreográficas originais e
ginastas com características diferenciadas, formadas em uma escola que prima pelo rigor
técnico e artístico.
No início dos anos 60, segundo Tchakarova (apud GAIO, 2008), a Rússia e a
Bulgária já influenciavam a GR mundial na medida em que ao delinear seus estilos,
apresentavam ao público, propostas ginásticas permeadas por uma ousadia que buscava
consolidar a identidade de cada uma delas. Para a autora “as búlgaras, embora não
demonstrassem movimentos corporais tão perfeitos quanto aos das russas, apresentavam
exercícios de alto grau de dificuldade, grau de variedade de movimentos e dinamismo nas
suas séries e “eram mais temperamentais”“. A expressividade comunicada ao público
refletia os sentimentos despertados durante a criação das suas composições. Eram
coreografias de alta dificuldade técnica com movimentos precisos e atuação inigualável,
que enfatizava o lado mais artístico e interpretativo do movimento (MESQUITA apud
GAIO, 2008)
Com o desenvolvimento da modalidade, a Bulgária continuou não se detendo
apenas aos movimentos arriscados ou de alto valor quantitativo, mas principalmente,
buscando a estreita relação entre corpo, música e os aparelhos associados à
interpretação artística do tema escolhido para as coreografias. Essa característica
acompanha um modelo de ginástica que permanece em constante mutação na busca de
adequar-se ao contexto esportivo o qual está inserida.
66
Sobre essa característica afirma Neska Róbeva, uma das maiores treinadoras e
divulgadoras do modelo búlgaro de GR pelo mundo, “não nos guiamos por manuais,
baseamos–nos em nossas pesquisas, em descobertas, com base segura.” (RÓBEVA;
RANKÉNLOVA, 1991, p. 26).
Partindo de uma primeira imersão no contexto búlgaro da GR, chegamos ao
momento da apreciação da coreografia escolhida. Transportamo-nos, como o público, ao
ginásio que aguarda com ansiedade a entrada da tradição, da expressividade, do
sentimento e da musicalidade encarnados nas ginastas.
O interesse pela coreografia é instigado pelo ambiente do ginásio que projeta em
grande dimensão a imagem de um luar prateado iluminando majestosamente as águas de
um lago, ou talvez de um rio, criando um pano de fundo que reproduz em perspectiva a
imagem que se estende ornamentando os collants, como está registrado na foto 19. Azul,
prata, dourado e branco enredando–se sobre os corpos das ginastas de forma a
apresentar um cenário móvel, forma em movimento, criando a ilusão de que saem das
aguas para a área de competição. A imagem está nas ginastas, em seus corpos e serão
conduzidos por elas. O que significa essa imagem? O que irão apresentar? As ginastas
em concentração (Foto 19) aguardam o chamado do locutor oficial e o público festeja a
expectativa.
Foto 19: Concentração da equipe búlgara para entrada na área de competição
<Fonte: http://www.facebook.com/pages/Bulgarian-rhythmic-gymnastics>
Acessado em 06jan2014
Orgulhosamente, as representantes dos Bálcãs, aguardam e instigam todos os
olhares. Tradicionalmente elas buscam referências na música, na dança, na literatura, na
pintura, motivos para a concepção da sua ginástica. Para o público, esse olhar dado a GR
67
pelas búlgaras é mais um pretexto para aguardá-las (RÓBEVA; RAKENLÓVA, 1991). A
percepção é despertada pelo anúncio: Apresenta a Bulgária.
Sobre os metatarsos, como vemos na foto 20, as ginastas encaminham-se para a
área sobre a qual irão apresentar-se, nesse momento percebemos as primeiras
referências ao ballet clássico. Elas adentram a moldura do tapete de competição. Altivas e
serenas, não demonstram a ansiedade própria desse momento. A responsabilidade de
perpetuar a tradição e resgatar os resultados de anos anteriores são possibilidades reais e
uma grande responsabilidade. Entrar para a história da GR num país que faz parte do
desenvolvimento da modalidade, é um grande mérito.
Foto 20: Entrada na área de competição
< Fonte: http://www.facebook.com/pages/Bulgarian-rhythmic-gymnastics>
Acessado em 06jan2014
Na pose inicial as ginastas separam–se em dois grupos, a imagem 01 mostra o
instante em que uma ginasta isola-se em diagonal com as demais. Sua postura vertical,
clássica, corpo que perece acolher a bola depositada tranquilamente sobre os braços,
olhando para o infinito, contrapõe-se ao posicionamento lânguido e direcionado ao solo
das demais ginastas do grupo. Cada uma acolhe a bola de forma diferente, ou melhor, em
formas dispares que parecem angustiadas ou sofridas se visualizamos ao longe o olhar
embevecido da ginasta que está sozinha. Distantes, contraditórias, contrastantes, em
oposição, instigam olhares, despertam a curiosidade e aguardam o início da música que
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irá adornar seus movimentos. A ansiedade desse momento parece ser sentida em todo o
ginásio.
Imagem 01 – Pose inicial <Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Mhm7dPuM65M> Acessada em 06jan2014
A música inicia, é o prenúncio de um enigma, um convite ao suspense que é
confirmado pelos primeiros movimentos das ginastas. Um caminhar urgente, arrematado
por uma colaboração onde uma ginasta é suspensa ao mesmo tempo em que as bolas
são lançadas como luas soltas no espaço e a música explode preparando os
expectadores para o fim do suspense. As recepções dos aparelhos são arrematadas por
ondulações que finalizam a frase musical e anuncia o próximo movimento, segue–se um
lançamento que as aproxima para uma nova colaboração.
“Quase una Fantasia”19, Beethoven, o mistério do prólogo se desfaz. A Sonata20 ao
Luar surge profunda, melancólica, bela. A composição do conjunto segue a expressão do
crítico alemão Ludwif Relltab, que em 1832, já após a morte de Beethoven, descreveu o
primeiro andamento da Obra como as sensações vividas durante o nascer do astro lunar
no Lago Lucerna, na Suíça. Esse parece ter sido o sentimento que acabou sendo
projetado na primeira parte da coreografia. De qualquer forma para Ortega y Gasset
(2008, p. 49) “Desde Beethoven até Wagner o tema da música foi à expressão de
19
Sonata Quasi una fantasia ou Moonlight Serenade: adágio http://www.youtube.com/watch?v=oeTIrEUNQ7k e presto: http://www.youtube.com/watch?v=Gw9gRVKV8bk Acessado em: 03jan2014 20
Sonata: composição para um ou dois instrumentos, constituída de três movimentos que se relacionam quanto à tonalidade e contrastam quanto ao andamento, ao modo e a forma de expressão. Tem origem no século XIV.
69
sentimentos pessoais [...] era mais ou menos a arte-confissão” uma música, que segundo
ele, para apreciarmos temos que chorar e angustiar-nos ou derreter-nos porque de
Beethoven a Wagner “toda a música é melodrama” (ORTEGA y GASSET, 2008 p. 50)
Um grande lançamento coordenado com duplos chennés, rotações seguidas do
corpo, prepara uma nova colaboração onde uma das ginastas, embalada pelas demais,
sobrevoa as bolas em rolamento sobre o tapete (foto 21). Os acentos seguidos da música
são enfatizados e dão destaque ao pulsar ao invés da regularidade da melodia. A
execução de um arabesque en fondue21 e uma dificuldade corporal específica de equilíbrio
acentuam a pulsação da música, interligando movimentos ondulantes, que transitam entre
o acento e a melodia, entre a força e a delicadeza, entre a lua e o lago, densidade e
fluidez nos movimentos ginásticos.
Foto 21: Colaboração sobre as bolas <Fonte: http://www.facebook.com/pages/Bulgarian-rhythmic-gymnastics>
Acessado em 06jan2014
O luar imagético, a melancolia, o romance, a saudade. O que nos arrebata ao
ouvirmos o tema é o que parece pretender instigar o conjunto búlgaro, alternando
elementos de dificuldade com a interpretação virtual da música, através de movimentos
reais, ginásticos, adornados sutilmente pelas mãos, braços, todo o corpo que se move em
resposta ao som lamurioso e forte da Sonata.
21
Elemento do ballet clássico onde uma perna é estendida para trás, sem tocar o solo, enquanto a outra fica em uma suave flexão.
70
As características próprias do aparelho, como as batidas e os rolamentos da bola
sobre o corpo ou sobre o solo, como o movimento apresentado na foto 22, onde as bolas
são quicadas22 sobre o tórax das ginastas, interagem com o som melancólico que pede
por continuidade, por circularidade e ondulação. Em contraponto os acentos evocam os
lançamentos e colaborações que são recepcionados ora pelo corpo ora sobre o solo e
sem mãos, preparando uma dificuldade corporal, um elemento de flexibilidade, onde o
corpo equilibra–se em uma porção diminuta do tronco.
Foto 22: Quique sobre uma parte do corpo <Fonte:disponível em: https://www.facebook.com/pages/Bulgarianrhythmic-gymnastics> Acessada em 06jan2014
Ondular-se, contorcer-se, ou dobrar-se compoêm os elementos corporais
solicitados pela bola e estão representados claramente tanto nos elementos de dificuldade
quanto nos deslocamentos variados, pé-ante-pé, projetando corpos e aparelhos, num
espaço que se descobre através do movimento e que é interligado por meio das trocas e
recepções.
Um coro de vozes, adere–se a melodia, dando novo significado ao tema. As vozes
convidam à movimentos mais audazes e partem de um elemento de dificuldade, onde a
bola equilibra–se sobre as mãos das ginastas, como se desprendesse da imagem
estampada sobre o colant, partindo para o espaço seu lugar de direito. A partir daí
seguem–se sequências de lançamentos em trocas e colaborações, como na foto 23,
22
Quicar – elemento de batida da bola sobre o solo ou sobre outra parte do corpo.
71
acentuados pelo coro que acompanha as bolas em sua trajetória vertical ou é por elas
acompanhado.
Foto 23: Grande salto com lançamento <Fonte disponível em: http://www.facebook.com/pages/Bulgarian-rhythmic-gymnastics> Acessada em 06jan2014
Anuncia-se o terceiro andamento da Sonata que almagamada ao trecho
precedente, demonstra a plasticidade da obra de Bethoven. Saímos da melancolia e
caimos no turbilhão de fortes emoções ratificado pelas ginastas que deslocam–se em um
círculo que mergulha na urgência da música. Essa agilidade é confirmada por cada
colaboração, como demonstrada na imagem da foto 24, e cada troca de aparelhos que
começam a surgir cada vez mais ousadas e consecutivas, extremamente casadas com os
acentos da Sonata. Parece o início do fim, suavizado com uma sequência de pivô
atitude23, elemento de rotação próprio da técnica do ballet clássico que corrobora com
todo o contexto da composição, atenuando a urgência da música, porém sem encerrar o
desenvolvimento da coreografia, que já é retomada em sua exuberância com um elemento
de risco executado por todas as ginastas.
23
Elemento de rotação onde a perna livre forma um ângulo reto em relação ao corpo. Essa perna encontra – se sem flexionada e poderá estar a frente, atrás ou ao lado.
72
Foto 24: Colaboração de risco <Fonte: disponível em: https://www.facebook.com/pages/Bulgarian-rhythmic-gymnastics> Acessada em 06jan2014
Em seguida compactuando com a velocidade imposta pela música, as ginastas
executam duas trocas seguidas que diferem pela recepção, a primeira com um elemento
acrobático de rotação e a segunda no solo. Imediatamente deslocam-se para uma nova
colaboração onde duas ginastas colocam-se juntas, outras duas afastadas, todas trocando
as bolas entre si enquanto uma quinta ginasta lança com elemento de risco sobre as
companheiras. Nesse momento a coreografia torna-se asfixiante por sua velocidade e
agilidade no manuseio dos aparelhos e movimentação das ginastas.
Respondendo a música, iniciam a colaboração final onde uma ginasta devolve com
os pés, bolas colocadas sobre ela e assim relacionando a ação ao acento proposto pela
música. As bolas chutadas com explosão, extasiam o público e completando a cena, uma
das bola é lançada, uma ginasta a recepciona deitada, rosto voltado para o solo, predendo
a bola com os pés, fora do alcance visual, surpreendendo a todos com um final arriscado e
surpreendente, como podemos vislumbrar na imagem 2.
73
Imagem 2 : Pose final
<Fonte http://www.youtube.com/watch?v=Mhm7dPuM65M> Acessada em 06jan2014
Comemoração da equipe técnica e do público, que de pé saúdam as ginastas. Para
elas apresentarem-se frente a seus compatriotas tem um significado especial e não
permite falhas. A experiência estética foi configurada, a comunicação parece ter sido
estabelecida, corpo e mundo impactados pelo movimento, interagindo a partir de uma
gestualidade expressa e de uma percepção alargada, como enuncia Merleau-Ponty,
Obtem-se a comunicação ou a compreensão dos gestos pela rciprocidade entre minhas intensões e os gestos do outro, entre meus gestos e intenções legíveis na conduta do outro. Tudo se passa como se a intensão do outro habitasse meu corpo ou se minhas intensões habitasse o seu. O gesto que testemunho desenha em pontilhado um objeto intencional. Esse objeto torna-se atual e plenamente compreendido quando os poderes do meu corpo se ajustam a ele e o recobrem.(MERLEAU-PONTY, 1994/2011, p.251)
A apreciação da coreografia totalmente entrelaçada à música nos permite perceber
a expressão de uma tristeza sem fim, sugerindo uma possível interpretação da coreografia
a partir do sentimento evocado pela música, tanto para quem a compôs quanto para o
espectador. Sobre essa possibilidade nas artes cênicas Pavis (2005) nos favorece com
um esclarecimento sobre a apreciação e a busca de um sentido para o que se vê ou o que
se ouve em um espetáculo, o que de certa forma se assemelha a apreciação ginástica.
Ele afirma que “Todo espectador comentando um espetáculo faz disso ipso facto uma
análise, a partir do momento em que localiza nomeia, privilegia e utiliza este ou aquele
74
elemento, estabelece ligações entre eles, aprofunda um às custas do outro” (PAVIS, 2005,
p.3), assim o espectador se esforça para encontrar pontos de referência ou os momentos
mais marcantes do que foi visto transmitindo assim o que sentiu.
Nessa perspectiva, a música em um espetáculo “Influencia nossa percepção global,
mas não saberíamos dizer que sentido ela suscita ao certo” (PAVIS, 2005, p 130). No
entanto quando ela está associada a outros elementos que compõe a cena, cria uma
atmosfera que nos torna particularmente receptivos à representação. Assim o ambiente
dramático e obscuro que domina a música escolhida pela equipe búlgara, faz um
contraponto com os movimentos harmoniosamente selecionados e colocados a disposição
do espectador. Toda a pretensa monotonia já ardilosamente elaborada por Beethoven é
acompanhada pela proposta coreográfica desenvolvida no conjunto, conseguindo assim
evitar o andamento uniforme, introduzindo sempre novas alterações que lhe conferem um
carácter mágico e poético, o que parece proporcionar a todos os presentes uma
experiência arrebatadora.
Em momentos como esse, a Bulgária comprova sua importância para a GR, pois se
coloca ao conhecimento de todos, não só aos que estão no ginásio, mas também a todos
os que a acompanham através dos diversos meios de comunicação. É a confirmação de
um estilo, uma escola, uma forma de ver o movimento ginástico e essa condição a coloca
em destaque no mundo esportivo. Como nos explica Róbeva e Rankelóva (1991), só os
amantes da ginástica sabem onde fica a Bulgária enquanto que os demais,
[...] não sabem que na Península Balcânica existe um país de 110.400Km² de extensão com 9 milhões de habitantes? Que conquistou sua independência dos Turcos em 1878 depois de 500 anos de escravidão? [...] Por gerações, as mulheres foram o suporte da família, mantiveram o calor do lar, criaram os filhos, cultivaram a terra. A búlgara não é princesa, condessa, ou precioso adorno do marido; é a companheira ao lado do homem, para a glória que nosso povo adquiriu, durante treze séculos de luta. (RÓBEVA; RANKÉLOVA 1991, p 30).
O depoimento das autoras expressa de forma emocional o sentimento que elas, as
búlgaras, desejam transmitir aos espectadores da GR, um pais pequeno em dimensões,
mas que se torna gigante quando suas ginastas adentram a área de competição. Uma
equipe que traz na sua constituição uma relação emaranhada com a arte. Essa relação é
representada pela técnica que utiliza na execução dos movimentos, nas escolhas musicais
sempre intencionais que não escapam a olhares mais atentos e por não deixar-se levar
75
pela necessidade de criar composições ginásticas cujo foco restringisse apenas a
preocupação de alcançar um resultado quantitativo em uma competição. Mesmo com essa
opção a Bulgária mantem-se entre as equipes detentoras da hegemonia ginástica na
atualidade.
Ao tentarmos aproximar o conceito de arte que discutiremos ao longo desse
capítulo, do corpo que percebemos no conjunto búlgaro, buscamos um olhar que ao se
expandir possibilita a ampliação do nosso entendimento sobre ele, o corpo; sobre a arte e
sobre a GR, que nessa pesquisa é o objeto em aderência, o que nos interliga e o que nos
motiva para um sobrevoo, permitindo compreender a sinergia presente nessa relação. As
faces que se apresentaram através da apreciação do conjunto búlgaro, nos impulsionaram
à busca da apreensão de tudo o que fosse possível a respeito dessa aparente simbiose
entre a arte e a GR. Assim como a casa a qual se refere Merleau–Ponty na
Fenomenologia da Percepção (1994/2011, p105–106) que não deve ser a casa “vista de
lugar algum, mas a casa vista de todos os lugares”, enveredamos por essas diferentes
perspectivas de visualização da casa que ora desbravamos, a GR.
Estabelecendo um paralelo com essa reflexão de Merleau-Ponty, os lugares para
os quais buscamos encaminhar o nosso olhar em perspectiva, estão refletidos inicialmente
na dança e na música, como conectores imediatos da GR com o mundo das artes. São
elas que influenciaram a criação da modalidade e são elas que a mantém diferenciada. No
desvendamento dessa relação nos deparamos com componentes artísticos os quais
ajudam a compor essa característica, ao mesmo tempo em que nos auxilia na
compreensão de uma relação que não é garantida apenas pela afinidade com a música e
com a dança, mas também no que a transcende de forma mais aparente; São eles:
[...] a presença da música, o espaço físico onde se realiza a atividade, a plástica do corpo em movimento, a presença de elementos do repertório da dança, o vestuário e acessórios utilizados, a manifestação de relações de cooperação e oposição entre participantes, a dimensão de espetáculo presente no desporto, os materiais característicos das diferentes modalidades, o morfótipo dos desportistas, e o domínio técnico necessário aos diferentes movimentos esportivos. (LACERDA apud LAGOA 2009, p.16).
Mergulhar nessa interação é ir ao encontro de todos esses pormenores, que
enlaçados transformam a GR no que ela pretende ser, uma modalidade que busca o
76
encantamento de todos e principalmente do público, segundo o pensamento búlgaro
expresso no livro “Escola de Campeãs”, já mencionado nesse estudo. É ter um olhar que
vê o que se permite ver de um corpo, que a distância, nos presenteia com outras faces.
Um corpo que mesmo submetido aos pareceres do mundo esportivo, um corpo treinado e
técnico apresenta-se, ao mesmo tempo como um corpo extraordinário, admirável,
poderoso e expressivo, atado ao mundo, aberto a múltiplas significações sem fraquejar em
nenhuma das perspectivas. É sobre esse corpo que passamos a perceber na GR após a
descoberta da fenomenologia, que discutimos nesse capítulo. E para tanto escolhemos a
Bulgária como referencia para essa reflexão por caracterizar-se como uma das equipes
que busca garantir a permanência incontestável do componente artístico em suas
composições.
Para iniciarmos a discussão sobre o corpo entrelaçado a arte na GR, faz-se mister
o aclaramento do conceito que gerou a reflexão. É comum entre os apreciadores ou não
da GR, ouvirmos a sua caracterização como um esporte artístico. No entanto existe uma
pergunta que antecede essa afirmação; O que é arte?
Para Ortega y Gasset (2002), a arte nasce da necessidade radical de expressão
que existe no homem. São “nobres sensores” por intermédio dos quais, os homens
expressam a si mesmos, o que não conseguem fazer de outra forma, é “uma explicação
ocorrida entre o homem e o mundo, uma operação espiritual tão necessária como a
reação religiosa ou a reação científica” (2002, p. 67). Ainda segundo o autor a arte busca
unir a vida em natureza e espirito, que para ele foram rompidos pela ciência, pois não
existe só matéria ou só ideia, elas estão enredadas na totalidade vital, o corpo.
Para Langer (2011), a arte é a criação de formas simbólicas do sentimento humano.
É a visualização desse sentimento, uma apresentação simbólica dele. Todas as formas na
arte são formas abstraídas e seu conteúdo é semelhança, um objeto puramente virtual
que tenta, através das obras de arte, tornar os sentimentos aparentes. Para a autora uma
obra de arte difere de outras coisas belas pelo fato de serem “um espelho e uma
transparência”, não de uma coisa, mas de um sentimento que é expresso simbolicamente
pela arte. Para Langer (2011);
Na arte as formas são abstraídas apenas para tornarem-se claramente manifestas, e são libertadas dos seus usos comuns apenas para serem colocados em novos usos: agir como símbolos, tornarem-se expressivas do sentimento humano (LANGER 2011, p.53)
77
Segundo Dufrenne (1981, p 44) “a arte não imita, idealiza” por isso podemos dizer
que ela cria formas simbólicas. Provoca a percepção e, denuncia o belo como qualidade
presente em alguns objetos, sempre singulares, traduzindo uma percepção de mundo
provocada no artista, e instigando-o a necessidade de expressar-se, porque a arte exercita
o gosto e provoca uma percepção mais pura, porém não dissociada do mundo. A arte para
o autor media a relação entre o homem e o mundo.
A escolha da Sonata ao Luar para a coreografia do conjunto búlgaro parece-nos ter
permitido a coreógrafa, expor a sua percepção do tema transmutando-a para a GR e suas
exigências, e assim possibilitando a aproximação do público ao tema proposto. Por sua
vez, o público também a percebe a partir do seu mundo, da sua perspectiva ou da face
que se apresenta para esse mundo que o constitui. Nessa compreensão Merleau-Ponty
afirma que,
A expressão estética confere a existência em si àquilo que exprime, instala-o na natureza como uma coisa percebida acessível a todos ou, inversamente, arranca os próprios signos – a pessoa, o ator, as cores e a tela do pintor – de sua existência empírica e os arrebata para um outro mundo. Ninguém contestará que aqui a operação expressiva realiza ou efetua a significação e não se limita a traduzi-la. (MERLEAU-PONTY 1994/2011, p.248-249)
Esse arrebatamento promovido pelas sensações expressas pela música estabelece
uma conexão inexorável com o mundo através dos corpos das ginastas e a interpretação
dada por elas ao tema, criando esse ir e vir de sensações que atam a relação entre corpo
e mundo, entre os gestos das ginastas e as intensões de suas treinadoras, entre elas e o
público em reciprocidade.
Merleau-Ponty, no texto intitulado “A Dúvida de Cézanne” afirma que “A arte não é
nem uma imitação, nem por outro lado uma fabricação segundo os desejos do instinto ou
do bom gosto. É uma operação de expressão”. (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 133). O
artista, segundo ele, não deve apenas criar ou exprimir uma ideia, mas sim despertar as
experiências que enraizarão essa ideia no outro para que a partir daí os espectadores, os
leitores, os apreciadores também possam, na experiência perceptiva, ampliar as
possibilidades de conhecimento e de relação com o mundo ao seu entorno, seus cheiros,
suas cores, suas formas, seus sons.
78
Dessa forma também o conjunto búlgaro pode, a partir de um olhar ampliado pelas
sensações que desperta, proporcionar esse entrelaçamento do público com as referências
que ele sugere, provocando experiências significativas para cada um a partir do seu
próprio mundo. Assim como pode acontecer com as próprias ginastas durante o processo
de interação com o tema proposto. Nesse momento cada uma delas tem a possibilidade
de descobrir para si as sensações que virtualmente expressarão no momento da
execução da coreografia.
Assim na visão de Merleau-Ponty (2004),
[...] a obra de arte terá juntado vidas separadas, não existirá mais apenas numa delas como um sonho tenaz ou um delírio persistente, ou no espaço como tela colorida: ele habitará indivisa em vários espíritos, presumivelmente em todo espírito possível, como uma aquisição para sempre (MERLEAU–PONTY 2004, p.135-136).
Nesse entendimento Merleau-Ponty (2004 p. 16) afirma ainda que “É oferecendo
seu corpo ao mundo que o pintor transforma o mundo em pintura”. É através da sua
percepção como vidente, que ele trás ao visível o que se aproxima do seu olhar e ao abrir-
se a esse mundo pode reconhecer-se no que vê.
Segundo Nóbrega (2010) referindo-se a Merleau-Ponty “[...] o caminho do mundo
sensível ao mundo da expressão caracteriza-se como uma trajetória perceptiva, na qual a
motricidade e as funções simbólicas não estão separadas pelo entendimento, mas
entrelaçadas na reversibilidade dos sentidos, na dimensão estética.” Para a autora,
Merleau-Ponty não dissocia o corpo da arte, mas sim, considera o corpo como uma obra
de arte, aberta, inacabada e repleta de significações.
Sob outra perspectiva, a do apreciador, Langer (2011) afirma que a reação pessoal
à percepção artística é a “emoção estética”, segundo ela trata-se da emoção que sentimos
quando somos arrebatados por algum símbolo artístico, algo que representa o nosso
sentimento em relação ao percebido. Podemos sentir no conjunto búlgaro esse
arrebatamento que se inicia com o ambiente da competição simbolicamente decorado
para relacionar-se com as ginastas, a vestimenta representada no painel do ginásio, a
música envolvente que arremata o cenário e as atrizes da trama além da coreografia
intrigante, que contínua durante todo o seu desenrolar ratificando a ideia aparentemente
pretendida pela equipe.
79
Imaginamos que os treinadores ou coreógrafos da GR também se utilizem, mesmo
sem a total clareza, desse enigma que é transpor para o visível o que lhes chega à
percepção no momento da escolha do tema a ser desenvolvido em suas composições. Ao
transformarem movimentos antes isolados e sem sentido em sequências inusitadas,
tramadas de forma emocional buscam criar uma conexão entre os corpos ginásticos e os
espectadores. Esse ir e vir de percepções no caso da GR é mediado pela arte e seu poder
de impactar através da música, dos elementos da dança, da expressividade das atletas,
dos collants e pela própria ginástica.
Lovisolo (1997) refletindo sobre a possibilidade de imbricação da arte com o
esporte, afirma que:
Há, assim, arte e artistas da escrita, do som, das cores e da forma. Entretanto, também há o artista da bola no pé, da enterrada, do lançamento, do salto, do saque e da devolução no tênis, da evolução sobre os patins, do corpo na barra e de tantas outras coisas. Se a linguagem da estética24 foi construída tomando como matéria prima de reflexão os produtos dos artistas da cultura erudita, nada impede que essa linguagem se desloque para os artistas do esporte. (Lovisolo, 1997, p.98).
Para aproximarmos as nossas reflexões aos conceitos apresentados anteriormente,
perspectivando elucidar a provável interação entre a arte e a GR como modalidade
esportiva, consideramos adequado nos apropriarmos, dos estudos desenvolvidos pela
Professora Tereza Lacerda, na Universidade do Porto em Portugal, principalmente porque
a autora trata das relações que se estabelecem entre o desporto e a arte via apreciação
estética. O conjunto de conhecimentos que tratam dessa temática denomina-se Estética
do Desporto.
Para a autora a literatura mais relevante das últimas décadas nessa temática
enfoca predominantemente o delineamento da experiência estética promovida pelo
desporto25, assim como na identificação de semelhanças e diferenças entre desporto e
arte. No seu estudo a autora nos convida à busca das fronteiras entre os dois conceitos,
rumo a um horizonte mais alargado que os torna aderentes.
24
Estética é conceituada por Lovisolo (1997, p. 81-82) nesse texto como ”em principio, a reflexão sistematizada sobre os gostos e seus paradoxos, sobre as emoções que provocam as obras de arte e os espetáculos”. 25
Desporto nesse estudo terá o mesmo significado de esporte. A sua utilização se relaciona, nesse momento, as referencias na Estética do Desporto oriunda de Portugal, que utiliza esse vocábulo.
80
Discorrendo sobre os conceitos de estética, arte e desporto, Lacerda (2005) aponta
em seus estudos a discussão realizada por vários pesquisadores que tratam da relação
que se estabelece entre o desporto e a arte passando pelo conceito de estética. Os
estudos perpassam tanto os esportes ditos artísticos como a patinação artística, a
ginástica artística, o nado sincronizado e a GR assim como esportes que não
colocaríamos nesse mesmo patamar como o boxe, o rúgbi, por exemplo, os quais não
apresentam enlaces artísticos aparentes. Ao apresentarmos o estudo da Professora
Tereza Lacerda não trazemos para essa pesquisa a discussão sobre a estética do
desporto, no entanto consideramos a possibilidade de refletir que, se o desporto não é
arte, no mínimo, estabelece na GR, uma fronteira possível que permite a expressão
humana através dos componentes artísticos que envolvem a modalidade.
Portanto, para auxiliar essa reflexão utilizamos a perspectiva de Marques (1993)
que em seus estudos aponta alguns autores para os quais quando um desporto, pela sua
natureza peculiar, tem como objetivo último de uma ‘performance’ os movimentos criativos
e expressivos que em seu mais elevado nível de manifestação, comportam também a
possibilidade de comunicar emoções utilizando suas próprias características, nesse caso
poderíamos lhe conferir a dimensão artística ou diríamos que ele estaria na fronteira entre
o desporto e a arte.
Ao apresentarmos a proposição de Lacerda (2005) ou a de Marques (1993) sobre a
relação entre o desporto e a arte, poderíamos por aproximação dizer que a GR em um
nível de excelência, pode colocar-se nessa fronteira, por entendermos que em seu
arcabouço estão entrelaçados componentes comprovadamente artísticos como a música e
a dança, além da concepção coreográfica que os abarca. Essa configuração está em
consonância com o mundo o qual está mergulhada, criando, através da sua interação com
diferentes formas de expressão, um modelo ginástico que não restringe suas inspirações,
mas sim as aproxima como em uma cartela de tintas onde as cores se mesclam na busca
da melhor tonalidade. Traçando um paralelo entre a ideia de múltiplos matizes sugeridos
para entendermos como a GR se utiliza de referências diversas para a composição das
coreografias, nos apoiamos na reflexão de Merleau-Ponty a respeito do pintor e suas
possibilidades de propagar, através das múltiplas combinações de cores, a expressão da
sua arte, dessa forma entendemos que;
81
[...] Se o pintor quer exprimir o mundo, é preciso que o arranjo das cores traga em si esse Todo indivisível; caso contrário, sua pintura será uma alusão às coisas e não as mostrará na unidade imperiosa, na presença, na plenitude insuperável que é, para todos nós, a definição do real. (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 130)
Amparada nessa compreensão percebemos que obviamente algumas equipes
buscarão a melhor ‘performance’ competitiva ou o valor quantitativo simplesmente, mas
não o conjunto búlgaro apreciado nesse estudo. Acreditamos que a busca de nuances
melódicas, da vestimenta aderida ao corpo que está representado no espaço competitivo,
dos movimentos em sintonia com a música, assim como a cartela de cores do pintor a que
se refere Merleau-Ponty, cria a possibilidade de encantar a todos, além da reponsabilidade
óbvia de apresentar-se com maestria. O compromisso com o encantamento provocado
pela GR na Bulgária transita por outras formas de expressão e estão presentes inclusive
nos cartazes e vídeos26 utilizados na divulgação do evento como apresentado na foto 25 e
no vídeo de difundido por toda a Europa, em anexo.
Foto 25: Cartaz de divulgação <Fonte: www.fig-gymnastics.com/vsite/vcontent/content/transnews> Acessada em 06jan2014
Na intensão de aprofundarmos a reflexão, fez-se necessário tratar dos
componentes artísticos fundamentais para GR separadamente, mantendo a convicção de
que quando dissociados não existe a GR, porque essa é uma modalidade cuja condição
principal de existência é essa aparente simbiose com a arte através das suas várias
26
Vídeo de divulgação da RG World Cup – Sófia / Bulgária 2012 - em anexo
82
representações. Para tanto iniciaremos pela música descobrindo a sua contribuição no
entrelaçamento entre corpo e arte na GR.
Para Langer (2011), as artes plásticas habitam o visível, estão ao nosso alcance,
mas quando falamos da música “O espelho do mundo, o horizonte do domínio humano e
todas as realidades tangíveis se foram” o espaço que nos envolve torna-se invisível;
A esfera da experiência, porém, alterada de maneira tão radical, está inteiramente preenchida. Existem formas nela, grandes e pequenas, formas em movimento, algumas vezes convergindo para dar impressão de completa realização e repouso a partir de seus próprios movimentos; há imensa agitação, ou vasta solidez e, mais uma vez, tudo é ar; tudo isso num universo de puro som, um mundo audível, uma beleza sonora a apoderar-se de toda nossa consciência. (LANGER, 2011, p. 110)
A relação estreita da GR com a música está em sua origem, na sua idealização
enquanto modelo diferenciado de ginástica. A influência decisiva foi a Rítmica de Jacques
Dalcroze, um grande estudioso das atividades rítmicas e expressivas do século XX e um
dos seus inspiradores mais próximos. Dalcroze27, segundo Madureira (2007) apresentou
os fundamentos estéticos e filosóficos de seu sistema de educação musical denominado
Rítmica em 1920, esse ‘método’ inspirou decisivamente a criação da atividade idealizada
por Rudolf Bode e que mais tarde viria a ser a GR.
Naquele período histórico onde a prática corporal começou a ser valorizada de
acordo com os objetivos da época, Dalcroze considerava que o erro em muitos métodos
ginásticos ou esportivos criados, consistia na preocupação “em desenvolver o movimento
por si mesmo, não proporcionando a expressão de interioridade do ser, seus conflitos com
a vida universal” (DALCROZE apud MADUREIRA, 2008, p. 133). Dalcroze afirmava que a
Rítmica tinha como propósito integrar os ortodoxos estudos da música (solfejo, métrica,
intervalos, duração, contraponto, harmonia) com a expressão do corpo experimentado em
sua inteireza.
Segundo Langlade A.; Langlade N. (1970) Dalcroze acreditava que uma
musicalidade puramente auditiva era uma musicalidade incompleta e por isso passou a
investigar sobre o movimento e o instinto auditivo. Para ele uma arritmia musical é
consequência de uma arritmia de caráter geral e também não é possível criar uma
27 Émile Henri Jaques nasceu em Viena, em 1865, Dalcroze foi um nome criado e adotado profissionalmente por Émile Jaques, jornalista, ator, professor de música, regente, diretor e coreógrafo.
83
harmonia verdadeiramente musical sem possuir um estado musical harmônico interior. Em
que pese à dicotomia aparente das conclusões de Dalcroze não podemos retira-las do
contexto histórico em que foram elaboradas. Ele estava imerso em um período onde a
ciência cartesiana regia todas as formas de pensamento e de expressão. Sua proposição
nessa perspectiva era ousada e porque não dizer extraordinária, pois propunha uma nova
reflexão sobre a relação entre o movimento, a música e a expressividade, algo inusitado e
para muitos quase uma heresia. (MADUREIRA, 2008)
A Rítmica, ainda que tenha sido inicialmente descrita como ginástica rítmica e tenha
influenciado amplamente os sistemas ginásticos europeus e, consequentemente, a
Educação Física, “não é de modo algum uma ginástica higiênica ou esportiva, mas uma
justa educação rítmico-musical do corpo, uma força propulsora do estado de arte inerente
a toda criatura humana” (MADUREIRA, 2007, p 269-270).
A relação entre música e movimento proveniente dos estudos de Dalcroze foi
incorporada a Ginástica porque desde o principio considerava “a prontidão corporal uma
condição imprescindível do fazer musical” (MADUREIRA, 2007, p.35). Essa percepção o
levou a criar uma educação musical totalmente fundamentada nos exercícios corporais. A
Rítmica foi pensada para se contrapor a rigidez dos sistemas ginásticos unicamente
centrados na perspectiva higiênica. Assim, os escritos de Jaques Dalcroze influenciaram
toda uma geração de artistas e pedagogos do corpo que, por sua vez, desenvolveram
práticas expressivas na educação física, ginástica, dança e teatro.
Para Dalcroze, a Rítmica era um caminho para chegar a todas as artes com base
no movimento e estimulando o desejo de expressarem-se. Ao final do curso seus alunos
deveriam dizer simplesmente ‘eu sinto’ ao invés de ‘eu sei’, pois para ele a rítmica é antes
de tudo uma experiência pessoal. Seu método buscava desenvolver através do
movimento uma ‘mentalidade rítmica’ graças à colaboração íntima ‘do corpo e do espírito
sob a influência constante da música’ (LANGLADE A.; LANGLADE N., 1970, MADUREIRA
2007).
Como já informamos anteriormente, a rítmica de Dalcroze influenciou
decididamente Rudolf Bode, seu discípulo e criador da Ginástica Expressiva28,
principalmente no que se refere ao valor das atividades rítmicas, sua relação pedagógica
28
Sequencia de Denominações da GR da sua origem até hoje: Ginástica Expressiva – Ginástica Moderna – Ginástica Feminina Moderna – Ginástica Rítmica Moderna – Ginástica Rítmica Desportiva – Ginástica Rítmica.
84
com o movimento e suas possibilidades educativas. Para ele “todo movimento possui um
caráter continuo e rítmico” (MADUREIRA, 2008, p.19), essa é uma das afirmações que
apontam a sua fundamentação dentro da Rítmica Dalcroziana.
Apesar de todo o investimento em uma ginástica que se contrapunha a rigidez e ao
caráter militar das ginásticas da época, a Ginástica Expressiva, assim como outras linhas
ginásticas, não conseguiu escapar da influência do esporte. A esportivização que assolou
a Europa após a segunda guerra, não se restringiu as arenas esportivas como também
perpassou todas as camadas da sociedade. Assim, em virtude do perfil esportivo que
assumiu a partir dos anos 60, as coreografias passaram a ser regidas por regras que
norteiam a modalidade em todos os seus aspectos, inclusive a utilização da música. Essas
regras orientam todas as coreografias, que devem ser realizadas em sua totalidade com
acompanhamento musical, definindo a ideia-guia, ou seja, o tema da composição.
Percebemos que o conjunto da Bulgária contemplado nesse estudo, procurou
desenvolver a ideia proposta pela Sonata ao Luar, garantindo a correlação entre música e
movimento, enfatizando durante toda a coreografia o “contraste dos movimentos em
harmonia com o tempo, o ritmo e os acentos da música”, como propõe Código de
Pontuação 2009-201229 da GR. Ao mesmo tempo podemos sentir que essa
regulamentação não reprimiu toda a emoção que a música exala e assim podemos ser
impactados mesmo a distância, pelo sentimento ora soturno ora vibrante da Sinfonia de
Bethoven.
Segundo Róbeva e Rankenlova (1991) na GR da Bulgária:
É preciso ter a sensação de que determinada música foi escrita para determinada execução. Movimento e música devem combinar como criados um para o outro. Cada pormenor deve cobrir-se de expressão musical, ambos percebidos pela treinadora, pela ginasta e pelo público. Assim também, qualquer desarmonia é sentida imediatamente, especialmente quando acompanha um movimento perfeito. A menor violação da linha, em cada centésimo de segundo é um choque; como vidro partido. E o público para sentir o ocorrido. O erro, a menor vibração provocam gritos de tristeza no público, e daí para frente se exigem nervos fortes e firmes preparo da ginasta, para terminar com dignidade. Por isso exijo polimento contínuo no ginásio, até o brilho das minúcias. (RÓBEVA; RAKÉNLOVA, 1991, p 276)
29
Código de Pontuação: Documento que rege a modalidade, norteando as composições coreográficas, a utilização dos aparelhos e a execução dos elementos corporais. O documento é atualizado a cada ciclo olímpico. Vide informações no apêndice.
85
Além da estreita relação com a música, outra forma de arte que está imbricada na
GR tanto nas composições coreográficas como na técnica necessária para um movimento
mais harmônico é a dança. Ela compôs juntamente com a música, as referências básicas
para a criação da Ginástica Moderna, e a acompanhou durante o processo de formatação
que se prolongou através do século XX e que ainda continua no processo de afirmação do
que conhecemos atualmente como a GR.
Em sua reflexão sobre essa arte, a dança, Langer (2011 p. 177) afirma que
“Nenhuma arte é vítima de maior número de mal entendidos, juízos sentimentais e
interpretações místicas do que a arte da dança.”; existem muitas visões sobre o que é
dança e como ela se manifesta. Dentre essas visões, inicialmente podemos considerar
que a essência da dança é musical: o dançarino expressa por gestos aquilo que ele sente
como conteúdo emocional da música, é a expressão do que sente “e é bela porque o
estímulo é belo”. Assim podemos dizer que o bailarino dança a música.
Existe outro grupo, segundo Langer (2011), para o qual a dança é uma arte
plástica, um espetáculo de quadros mutantes, um desenho animado, ou estátuas em
movimento, ideia do coreógrafo Noverre muito aceita no ballet clássico. No entanto
Noverre não viu estátuas em movimento ou quadros mutantes, caso tivesse visto saberia
que não basta ter ritmo musical ou movimento para que seja dança (LANGER, 2011, p.
180-181).
Nesse contexto, entretanto, uma consonância em todas as proposições sobre a
dança é que ela é gesto. O gesto é seu movimento vital e é ao mesmo tempo “subjetivo e
objetivo, pessoal e público, desejado (ou evocado) e percebido”. O gesto passa a ser uma
forma simbólica livre que é usada para transmitir ideias, emoções, opiniões. “É o
sentimento imaginado que governa a dança, não condições emocionais reais [...] O gesto
na dança não é um gesto real, mas virtual” (LANGER 2011, p 186).
Corroborando com essa perspectiva nos ancoramos em Porpino (2006) que
apresenta sua compreensão sobre a dança com a seguinte citação:
Dançar... Essa arrebatadora forma de expressão que nos faz entrar em contato com nossa realidade humana imperfeita, inexplicável e tão maravilhosamente plástica. Pensar na dança é pensar nos momentos em que a comunicação escrita ou falada não foi suficiente para expressar as angustias ou desejo de poetizar. Se a dança fosse um texto escrito, poderia ser uma poesia, se fosse um discurso falado poderia ser uma declaração
86
de amor à vida; mas sendo gesto, a dança só pode ser o próprio dançarino em seu movimento dançante. (PORPINO, 2006, p 28).
Para a GR, a dança, além da técnica que lhe é inerente, influencia na gestualidade,
na criação e na expressão dos movimentos que ligarão os elementos ginásticos a música.
O processo de inspiração e apropriação dos conhecimentos da dança na GR se iniciou
com as ideias de Isadora Duncan, que segundo Langlade, N.; Langlade, A. (1970)
influenciou a proposição pedagógico-musical de Dalcrose assim como o expressionismo30
alemão, na obra de Laban31 e Wigman32. Esse olhar inovador sobre a música e o corpo
que dança deu origem a Dança Moderna que junto com a Rítmica de Dalcroze influenciou
o nascimento da Ginástica Expressiva de Rudolf Bode.
O expressionismo de Laban-Wigman ofereceu muitas fontes de inspiração para a
ginástica através das novas técnicas de movimento e de seu enfoque dançante, o que
levou alguns críticos a perguntarem se seria a ginástica expressiva ou moderna uma
“dança ginástica” ou uma “ginástica dançada”. (LANGLADE, N.; LANGLADE, A. 1970, p.
87).
Badiou (2002, p. 81) em seu Pequeno Manual de Inestética, quando se refere a
dança, também questiona o que ele chama de “coerção exterior imposta a um corpo
flexível, como ginástica do corpo dançante controlada de fora”. Aparentemente essa é a
perspectiva de dança que percebemos na GR hoje. O corpo que baila é o corpo forte,
capaz, mas de certa forma dominado, exercitado para submeter-se a uma coreografia. E
aí surge mais um paradoxo: a esse corpo que se exercita em demasia, na intensão de
executar da melhor forma possível uma coreografia, é pedido um corpo dançante, que
seja leve, expressivo, ou como nos aponta Badiou (2002) um corpo “aéreo, liberto, o corpo
vertical” No conjunto búlgaro, foi encontrado tanto o corpo que é forte, resistente e ágil
quanto o corpo que suavemente desloca-se a bailar com sutileza pelo espaço de
30
Expressionismo: Movimento artístico de vanguarda surgido na Alemanha, no século XX, comum às artes plásticas, literatura, música, cinema, teatro, dança e fotografia. Era uma reação contra o positivismo e propunha uma arte pessoal e intuitiva do artista em oposição à mera impressão. 31
Sobre Noverre, Duncan e Laban já nos referimos na introdução. 32
Mary Wigmann: Coreógrafa alemã, uma das criadoras da dança expressionista e um dos mais importantes personagens da dança moderna. Suas composições eram ligadas ao grotesco e ao misterioso. Wigman dizia: “bailamos el constantes cambios de las condiciones mentales, como ellas viven em el hombre en forma de flujo rítmico” Influenciou a Ginástica oferecendo novas formas de interpretar o movimento e ênfase na alternância entre a contração e o relaxamento. Influenciou principalmente a Ginástica feminina da Finlândia e da Suécia. (Langlade, A.; Langlade, N., 1970)
87
competição, como podemos perceber na foto 26, onde as ginastas executam elementos
ginásticos que são intercalados ao longo da coreografia por elementos de ligação,
deslocamentos e ondulações que juntamente com as dificuldades corporais compõem a
coreografia alternando-se entre momentos variados de força, vitalidade e expressividade.
Foto 26: Elemento de dificuldade < Fonte disponível em: www.facebook.com/pages/Bulgarian-rhythmic-gymnastics/> Acessada em 06jan2014
É incontestável a importância da dança para a GR, no entanto também é notório
que as suas representações no mundo ginástico vem adaptando-se as novas
características assumidas pela modalidade assim como à regulamentação a que é
submetida.
No início de sua sistematização a GR tinha a dança moderna como parceira,
influenciando não só sua origem, como se desenvolvendo sob a mesma intensão diante
da qual entendia que um movimentar-se expressivo e rítmico possibilitaria o reencontro do
homem com seu corpo. Ao passar dos anos, vimos o ballet clássico aparentemente
assumir um lugar de destaque entre os elementos formadores da modalidade. No entanto
como tratamos no capítulo anterior, a partir dos estudos de Velardi e Miranda (apud
PAOLIELLO; TOLEDO 2010), constatamos que a Dança Moderna, não foi afastada da GR
e sim inserida em seu arcabouço de forma tão sinuosa e maleável que chega a passar
despercebida aos olhares pouco atentos. Trataremos um pouco dessa relação, a princípio
Imperceptível, do Ballet Clássico e da Dança Moderna nas coreografias de GR.
Segundo Llobet (1998), Dell Valle (1996) Lisitskaya (1995), os movimentos do ballet
clássico são utilizados para enriquecer e auxiliar a preparação técnica, pois se acredita
88
que os movimentos próprios do ballet são capazes de desenvolver a postura e o
posicionamento correto dos seguimentos corporais nos moldes das exigências elencadas
pela modalidade, além de manter uma aparente elegância e suavidade expressa pelo
corpo em movimento. Contribui ainda para a sua valorização o fato de que os elementos
ginásticos que compõem as dificuldades são referenciados nos movimentos da técnica
clássica como grand jetés, cambré, cabrioles, atitude, arabesque33, dentre outros. Existe
também nessa reflexão a necessidade de apresentar uma ginasta cujos movimentos
alicerçados no Ballet Clássico apresentem leveza, graça, musicalidade e expressão.
(RIBEIRO apud PAOLIELLO; TOLEDO 2010) ainda mais quando a música escolhida está
entre o repertório clássico como a Sonata ao Luar no conjunto búlgaro.
Ratificamos essa informação ao constatarmos na composição búlgara, registrada
na foto 27, o momento onde as ginastas executam um elemento típico do ballet chamado
fondue en l’air, ou seja, um elemento onde uma das pernas está em leve flexão enquanto
a outra está livre e longe do solo. Esse é um dos momentos mais claros da presença do
ballet clássico na composição da Bulgária. Nesse contexto devemos explicar que os
elementos da dança clássica não estão restritos a formação das ginastas apenas, mas
também são utilizados na própria construção coreográfica.
Foto 27: Arabesque em fondue en l’air
< Fonte disponível em: www.facebook.com/pages/Bulgarian-rhythmic-gymnastics/>
Acessada em 06jan2014
33
Elementos típicos do ballet clássico que variam dos grandes saltos a equilíbrios com variação de pernas e troncos.
89
Apesar de a literatura específica apontar para a necessidade do Ballet Clássico nas
diversas etapas do treinamento e das composições coreográficas, convém atentar para o
fato de que dentre os movimentos da GR também estão presentes elementos
característicos da Dança Moderna. Essas características estão imbricadas em vários
elementos corporais, como na foto 28, onde um equilíbrio apresenta a projeção do tronco
à frente, em contração possibilitando que a bola role sobre o dorso. De uma forma
manifesta, percebemos que as coreografias na GR são permeadas de elementos
referenciados também na Dança Moderna e não apenas no Ballet Clássico.
Foto 28: Rolamento sobre o dorso <Fonte disponível em: www.facebook.com/pages/Bulgarian-rhythmic-gymnastics> Acessada em 06jan2014
Corroborando com essa constatação Velardi e Miranda (apud PAOLIELLO;
TOLEDO 2010), afirmam que o ponto mais evidente da relação entre a Dança Moderna e
a GR está no fato de que “o movimento do centro do corpo, característicos da Dança
Moderna por meio do uso das contrações, releases, spirals, ondas corporais e
movimentos em que o tronco fica fora do eixo vertical...”, é amplamente utilizado pela GR
(VELARDI; MIRANDA apud PAOLIELLO; TOLEDO, 2010, p. 192).
O trabalho de queda e suspensão evidenciado nas passagens pelo solo, à
utilização do espaço e do tempo como agentes de expressividade, o desenvolvimento da
capacidade comunicativa e expressiva, o estímulo à criatividade, a fluidez na execução
dos movimentos e a aplicação adequada da energia alternando os momentos de
contração e relaxamento, são elementos muito próximos dos princípios originais da GR: a
90
totalidade, o câmbio rítmico e a economia. (VELARDI; MIRANDA apud PAOLIELLO;
TOLEDO, 2010; LANGLADE; LANGLADE, 1970).
O que percebemos na composição apresentada pelo conjunto búlgaro é esse
entrelaçamento de técnicas que respondem a música com verdadeiro apelo artístico. Os
troncos variando entre ondulados e verticalizados, a preparação para os elementos de
rotação ou as passagens pelo solo, os braços ora suaves e lânguidos, ora acentuando
enfaticamente um trecho da música, são fruto das diferentes experiências de movimento
que garantem a beleza da composição. Ao mesmo tempo, essa variedade na utilização
das formas busca transgredir o classicismo proposto pela Sonata, sugerindo assim um
novo olhar sobre a Obra de Beethoven.
O que podemos concluir após o trânsito entre as abordagens apresentadas é que a
GR não se enquadra, estritamente, em nenhuma das técnicas de dança acadêmicas ou
populares, pois não é dança e não deve ser considerada como tal. Na verdade a GR
incorpora linguagens corporais que possam contribuir para a ideia proposta pelo conjunto,
quer seja da dança, do circo ou de outras modalidades ginásticas34. O importante é que
seja garantida a expressividade das ginastas. A capacidade de externar o que lhe comove
em uma coreografia e de estabelecer, com o público uma comunicação não-verbal,
reafirmando que o corpo fala por si, e como arte, é intrinsecamente expressivo.
O público sente, a partir do seu mundo, o que lhe é comunicado sem que para isso
utilize outra linguagem que não a do corpo pleno de movimento e significações. Assim,
entendendo que a GR em sua configuração artística pode ser expressão de sentimento,
acreditamos, a partir de Langer (2011) que nesse conjunto búlgaro,
O mesmo sentimento pode ser ingrediente na dor e nas alegrias do amor. Uma obra de arte a expressar um tal efeito ambiguamente associado será chamado de ‘alegre’ por um interprete e melancólica ou mesmo ‘triste’ por outro. Mas o que ela transmite na realidade é apenas uma passagem inominada de ‘vida sentida’, cognoscível através de sua encarnação no símbolo artístico, mesmo que o espectador jamais a tenha sentido em sua
própria carne. (LANGER, 2011, p.388).
34
Sobre essa intercessão de referências a Professora Camila Ferezin, atual técnica da seleção brasileira de GR, informou que na Rússia, quando as ginastas precisam de elementos de malabares trazem um professor dessa técnica. Quando é necessário movimentos de suspensão das ginastas, trazem professores da ginástica acrobática e assim somada às técnicas de dança que compõem o treinamento, a coreografia é elaborada. (Camila Ferezin, Curso técnico de GR em Natal/RN, setembro/outubro 2013)
91
Dessa forma Lacerda (2002) assegura a partir das suas pesquisas que a
intervenção da música e da dança na ginástica influencia sobremaneira a apreciação
estética do desporto, pois são formas de arte absolutamente estabelecidas, que provocam
e instigam sensações diversas nas ginastas, nos treinadores e nos espectadores.
Quando vemos um corpo em movimento enlaçado por uma melodia, nesse
momento, diversos sentimentos podem emergir. Sentimentos esses que poderão abrir
caminho para experiências estéticas significativas. Portanto quando em um esporte há
uma grande intimidade entre a música, os elementos do repertório da dança e as técnicas
desportivas, essa intimidade pode proporcionar a emoção e o êxtase esperado em um
espetáculo esportivo. Entendemos que o público, nesse contexto, ao sentir-se arrebatado
por uma apresentação ginástica confirma a interação entre os corpos expressivos e os
que são arrebatados por eles.
Essa singularidade se expressa através da coreografia35 descrita nesse capítulo. O
momento onde os componentes artísticos e os movimentos concebidos para apresentar o
tema unem-se. Esse instante é constituído por uma viagem pelo espaço ginástico, formas,
figuras, trajetórias delineadas intencionalmente, onde os corpos das ginastas imersos na
melodia, momentaneamente audível e de certa forma visível, movimentam-se em um
tempo vivido, associados aos objetos específicos, no caso desse estudo o aparelho
utilizado pelas ginastas é a bola. É ela quem impõe o desafio original da GR nesse
conjunto, criar um vínculo inabalável entre o corpo, a música e o manuseio do aparelho
que causam em todos, momentos de êxtase.
Ao interagirem: espaço-tempo, música, aparelhos e ginastas, promovem um
intercâmbio mediado pela coreografia, garantindo uma unicidade que deverá refletir-se na
composição, dando-lhe significado e provocando um canal de comunicação com os
espectadores. Sobre essa interação que passa a ser povoada de significações Merleau-
Ponty, segundo Nóbrega (2010, p.94) afirma que;
[...] o mundo sensível e o mundo da expressão, afetam o ser e a subjetividade, mas o ser humano ainda é definido pelo seu poder de atribuir significados, apelando-se à consciência. Para o filósofo, o caminho do mundo sensível ao mundo da expressão caracteriza-se como uma trajetória perceptiva, na qual a motricidade e as funções simbólicas não estão
35
Pode ser chamada também de série.
92
separadas pelo entendimento, mas entrelaçadas na reversibilidade dos sentidos, na dimensão estética. (NÓBREGA, 2010, p. 94).
Nesse processo sabemos que um conjunto de GR pode ou não nos arrebatar, ou
ainda nos provocar a reflexão, no entanto sabemos que ao apresentar-se ao público, o
que ginastas e treinadoras mais desejam é uma apresentação correta, expressiva e de
sucesso, evidenciada tanto pela receptividade do público quanto pela classificação final de
uma determinada competição. No momento em que é estimulada a apreciação do belo
provocado pelas formações inusitadas e surpreendentes, aos árbitros cabe também
observar o cumprimento das regras do esporte, mesmo quando impactados
emocionalmente pelo caráter artístico apresentado pela composição apresentada.
En la gimnasia rítmica, el arte de la deportista consiste en la aptitud para crear una imagen individual en la composición. Por su parte, la formación de la imagen requiere un alto nivel de expresividad relacionada estrechamente con la belleza de los movimientos, con la gracia, el baile, la mímica y la pantomima. (LISITSKAYA, 1995, p.39) 36
Obviamente que para a culminância feliz de uma apresentação cuja meta não está
restrita a correta execução de movimentos específicos, mas que envereda pelo
arrebatamento provocado pelos componentes artísticos envolvidos na modalidade, faz-se
necessário que na formação dessas ginastas exista a incorporação de um olhar artístico e
aberto à apreciação estética. Além do mais, no caso do conjunto, essa formação necessita
amplificar em possibilidades o entendimento que o conjunto compõe-se por cinco corpos
em plena sintonia, como se fossem um só.
Nesse contexto, observamos que as regras que orientam os conjuntos apresentam
diversas possibilidades de evidenciar essa relação de sincronia através dos movimentos
realizados por todas as ginastas ou em pequenos grupos, em cânone37, em contraste38,
em movimentos de suspenção ou apenas colaborando umas com as outras. Essa
simultaneidade depende do entendimento existente entre as ginastas de que um conjunto
36
Tradução: Na ginástica rítmica, a arte da desportista consiste na aptidão para criar uma imagem individual na composição. Entretanto, a formação da imagem requer um alto nível de expressividade relacionada estreitamente com a beleza dos movimentos, com a graça, com a dança, a mímica e a pantomima. 37
Remete ao tipo de canto coral na qual cada componente repete mesmo trecho da composição em sequencia, em tempos diferentes, um após o outro. 38
Quando as ginastas em subgrupo repetem movimentos em ordem invertida durante algum momento da coreografia.
93
se faz com múltiplos e não em um só corpo, que se relacionam entre si e que habitam o
espaço e o tempo, expressando-se e comunicando-se. Nessa compreensão buscamos no
pensamento de Merleau-Ponty, a fundamentação para entender a relação entre o corpo e
o outro em reciprocidade, pois para ele,
Obtêm-se a comunicação ou a compreensão dos gestos pela reciprocidade entre minhas intensões e os gestos do outro, entre meus gestos e intensões legíveis na conduta do outro. Tudo se passa como se a intensão do outro habitasse meu corpo ou como se minhas intensões habitassem o seu [...] Há confirmação do outro por mim e de mim pelo outro. (MERLEAU-PONTY 1994/2011, p. 251-252)
Assim não há como não ficar extasiado com a expressividade que emana das
ginastas cujos corpos aderem-se e imbricam-se artisticamente durante a apresentação
dos conjuntos. A expressividade a que nos referimos não se restringe a interpretação do
tema da coreografia, mas também a todos os aspectos que envolvem o corpo que se
move na área de competição: a apresentação das ginastas, como elas entram na quadra,
que mensagens precisam ser comunicadas em cada gesto, a pose inicial, a interação com
a música e com a dança, a resposta ao público, a superação da técnica que transcende a
técnica e que através dos componentes artísticos transformam movimentos antes isolados
em momentos de êxtase.
Ousando em traçar um paralelo entre uma coreografia de GR e uma obra de arte
para refletir sobre o corpo artístico, entendemos que tanto na obra quanto na coreografia
quando são concebidas repletas de significações, abrem-se novas experiências estéticas.
Experiências essas decorrentes do emaranhado de vidas que se entrelaçam para
comunicar uma ideia, criando e recriando novas possibilidades de sinergia entre o corpo e
o mundo. “É nesse sentido que o corpo é comparável á uma obra de arte” (Merleau-Ponty,
1994/2011, p. 210). Assim acontece no movimento ginástico onde o corpo é expressão,
comunicação, sentimento e tenta nesse contexto, criar e recriar a partir das configurações
artísticas nas quais está imerso, novas significações, tanto para as ginastas e suas
treinadoras quanto para quem as assiste.
Portanto desde a sua origem até os dias atuais a GR nunca se afastou do caráter
artístico enraizado na sua edificação ao longo dos anos. Esse caráter é tão importante que
se encontra ratificado no Código de Pontuação que norteia a sua prática e sua avaliação.
Apesar da subjetividade própria da relação com a arte impressa nos corpos ginásticos, é o
94
Código de Pontuação que exige e tenta garantir que a GR não se perca totalmente na
busca incansável pelos pontos que supostamente a valorizam.
Dar valor a música utilizada e suas relações com a coreografia ou pontuar a
escolha dos movimentos que mais se adequam a ideia da composição, são tarefas árduas
tanto para as técnicas quanto para os árbitros. Nesse contexto encontramos as ginastas,
cujos corpos estão à disposição desse embate. A arte então, em suas diversas
representações torna-se base e invólucro para a modalidade. Base porque através da
dança e das suas técnicas, possibilita-se o suporte necessário à interpretação e expressão
dos significados desejados; assim como a música que dá a direção a ser tomada para a
composição. Invólucro porque são esses componentes artísticos que ao abraça-la e
envolvê-la a mantém nessa fronteira já sinalizada por Marques (1993) entre a arte e o
desporto. Sobre esse aspecto podemos alertar para o fato de que o desporto por si só já
possui o status estético que arrebata multidões, até nas modalidades que não possuem
elementos reconhecidamente artísticos em sua configuração, presenciamos o êxtase
existente entre os atletas e os apreciadores.
Nessa perspectiva, até quem não é um amante da GR, pode passar por momentos
de arrebatamento provocados por uma gestualidade que não é forjada só a partir da
técnica ou nos números do seu julgamento, mas que transcende uma possível
objetivação.
Em nome da expressão, sempre aberta e inacabada, preenchida de sentidos e
significados, promovida pelos corpos ginásticos em suas coreografias, é que
vislumbramos a GR como modalidade artística em sua forma de expressão. Entendemos,
então que:
Se a coreografia é a obra de arte, é a resultante de um processo criativo que foi elaborado pela ginasta e pela técnica, mostrando com toda expressividade e esplendor, então a GR nos apresenta seu espetáculo. Toda obra de arte é para o artista e o público; o homem se expressa para si e para o outro. Geralmente, todo artista tem enorme prazer em suas realizações artísticas e espera reconhecimento ou apreciação do público acerca daquilo que criou e tentou expressar. É assim nas artes plásticas, nas artes cênicas, na dança, na música e também será na GR. Para muitas ginastas e técnicas essa apreciação é algo inexplicável, necessário, consolador e motivador. (TOLEDO apud PAOLIELLO; TOLEDO, 2010, p.30)
95
Assim ao lançarmos um olhar fenomenológico sobre o conjunto búlgaro,
percebemos a interação corpo e mundo destacado em um fundo onde todas as fronteiras
e perspectivas se avizinham, criando um conjunto de imagens que nos possibilita
vislumbrar o corpo ginástico em sua plenitude.
Esse corpo é apresentado através de aspectos os quais buscam refletir uma
intensão vinda de encontro ao que vemos e sentimos, presumindo, talvez, não o que
tenha sido pretendido pelas treinadoras e pelas próprias ginastas, mas sim o que se
estende até nós enquanto visível, entrelaçando-se ao nosso corpo em extensão como
videntes. É esse olhar, promovido pela fenomenologia, que nos proporcionou ampliar a
nossa percepção sobre a relação entre o corpo e a arte na GR.
Assim como o corpo, esse todo indivisível para o pensamento fenomenológico de
Merleau–Ponty, a GR também não é só técnica e arte. Sua concepção respondeu aos
ditames de uma época e sua formatação como modalidade esportiva sofreu influências do
seu entorno, dos valores, das tradições, das instituições que regiam cada período de sua
consolidação, o que atesta a influência da cultura como um dos pilares que a forjaram. No
próximo capítulo trataremos desse conceito que perpassa a GR e de como o corpo
entrelaçado a ele pode ser visualizado.
97
IV - O CORPO E A CULTURA... APRESENTA ESPANHA.
Certo que a vida não explica a obra, mas certo também que elas se comunicam. A verdade é que esta obra por fazer exigia esta vida. (Merleau-Ponty, 2004, p. 136)
Wembley Arena, palco de grandes eventos artísticos e esportivos foi construída na
década de 1930 e ficou responsável por sediar as provas de GR nos Jogos Olímpicos de
Londres 2012. Antes de acontecer à competição nos Jogos Olímpicos o Comitê
Organizador realiza um evento teste com o objetivo de avaliar a funcionalidade do local e
a logística esportiva necessária para o bom andamento da competição oficial. Foi nesse
evento teste que a Espanha finalmente conseguiu a sua credencial para tomar parte da
principal competição do desporto mundial.
A participação de qualquer país nos Jogos Olímpicos depende inicialmente da
classificação no Campeonato Mundial que acontece no ano anterior. Para a GR poucas
vagas39 são disponibilizadas e o conjunto espanhol, descrito nesse estudo encontrava-se
nesse contexto de busca pela vaga olímpica. Uma coreografia que já havia conquistado
muitos admiradores em várias apresentações em Copas do Mundo e através da
divulgação nas mídias eletrônicas, mas que não havia conseguido a vaga para participar
da Olimpíada de Londres em 2012. Os simpatizantes do estilo ginástico espanhol não
conseguiam explicar esse infortúnio, a não ser pelos critérios quantitativos próprios da
modalidade.
Escolhemos a Espanha como referência para esse capítulo porque durante muitos
anos acompanhamos a inserção de elementos da cultura espanhola nas coreografias
ginásticas. Para tanto sentimos a necessidade de entendermos como esse povo enxerga
a si próprio e de que forma encara a cultura. Optamos por buscar em Ortega y Gasset
essa resposta porque seu pensamento já está imerso nessa pesquisa como um dos
interlocutores, e também pela forma instigante de apresentar o homem espanhol.
Para José Ortega y Gasset, o mais puro representante do homem mediterrâneo é o
espanhol, caracterizado, segundo ele, por sua antipatia para tudo que seja transcendente,
39
Vagas Olímpicas: 12 ao todo, distribuídas no mundial pré-olímpico, no evento-teste, para o país-sede e convite para continentes que não tenham conseguido representantes nas seletivas olímpicas.
98
é um materialista que prefere a rudez material, em sua miséria, sordidez não traduzida,
nem estilizada, que ama o vulgar no sentido mais puro, o comum, o popular. Para ele:
A emoção espanhola perante o mundo não é medo, nem admiração jocosa, muito menos um fugitivo desdém que se afasta do real, é de agressão e desafio para com todo suprassensível e afirmação magré tout das pequenas coisas, momentâneas, míseras, desconsideradas, insignificantes, grosseiras. (ORTEGA Y GASSET, 2002, p. 83).
Para explicar melhor esse sentimento o autor relembra que Cervantes, mesmo
sendo para ele mais que espanhol, apresenta em sua obra “Don Quixote” uma atmosfera
que exalta o trivial, o simples; ‘o bom e amoroso’ Dom Quixote que é ardor e chama
transformado em um fundo resplandecente sobre o qual se vislumbra: “o grosseiro
Sancho, o néscio padre, o barbeiro fanfarrão, a porca Maritornes e até o cavaleiro de capa
verde, que nem se quer é grosseiro, nem sujo ou pobre; e vive imortalmente por ter
possuído o que menos se pode possuir: uma capa verde” 40. (ORTEGA y GASSET, 2002,
p. 83-84.).
Entendemos a partir dessas colocações, que o autor percebe seu povo e a ele
próprio como amantes das coisas ingênuas da sua terra, da sua cultura sem floreios ao
mesmo tempo em que constrói a sua volta um cenário imagético de muitas cores e
músicas. A ilusão parece servir de contraponto a simplicidade propagada pelo pensador.
Na verdade ao assistirmos as composições espanholas que optam pelos temas nacionais,
percebemos em alguns momentos a austeridades nos gestos, a correção da técnica que
se adere aos movimentos impulsivos, românticos, nobres e aparentemente desligados da
realidade como o Quixote de Cervantes apresentado por Ortega y Gasset. Com essa
compreensão é que descrevemos o conjunto espanhol.
Ao longo das últimas décadas do séc. XX, a GR espanhola tem se desenvolvido
com muita consistência e conquistado um grande número de admiradores em todo o
mundo. As classificações alcançadas nas competições internacionais são o reflexo da
“combinação harmoniosa da graça, plasticidade, dinamismo com a mais rigorosa técnica e
o mais cuidadoso treinamento, junto com a mais requintada feminilidade” (MENDIZÁBAL;
MENDIZÁBAL, 1985, p.9).
40
Personagens do livro Don Quixote de Miguel de Cervantes
99
A coreografia ginástica descrita nesse capítulo pertence ao conjunto espanhol que
buscava com grande brio e a força da sua hispanidade (foto 29), a classificação para os
Jogos Olímpicos de Londres-2012.
Foto 29: Expressão espanhola
<Fonte: Disponível em https://www.facebook.com/> Acessada em 07jan2014
Para tratarmos do conceito de cultura consideramos que essa coreografia sintetiza
em movimento, toda a sua influência sobre esse esporte. Para a Espanha não existe
ineditismo sobre esse fato, pois ao longo da sua história na GR, a Equipe Nacional sempre
fez questão de anunciar a todos o orgulho da sua cultura.
Prontas para adentrar na área de competição (imagem 3), o público espanhol
presente no ginásio inicia com aplausos e gritos o apoio às ginastas. Elas entram firmes
em seus passos, demonstram confiança na sua coreografia e já na preparação para fixar a
pose inicial, marcações com os pés e as mãos anunciam o que irão apresentar. A equipe
reproduz no tablado ginástico a energia das dançarinas flamencas em seus tablados41 de
dança. A Espanha, colocando – se sobre o espaço competitivo, exala a força da cultura
como enlace artístico da composição.
41
Tablado – espécie de palco de madeira onde se realizam apresentações das danças espanholas. Sobre esse palco os sons do sapateado dos bailarinos são ouvidos com maior intensidade. Nesse capitulo também usaremos significando a área sobre a qual as ginastas apresentam seu conjunto.
100
Imagem 3: Entrada na área Fonte Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=hikvrdgurpa Acessado em: 07jan2014
A gestualidade e a expressividade são anunciadas através da música que se inicia.
As ginastas aguardam a introdução que as prepara para o espetáculo ao som do violino e
da guitarra flamenca, o prelúdio instiga o público para ouvir e ver a interpretação dada pelo
conjunto espanhol para o “Concierto de Aranjuez”42 de Joaquim Rodrigo, tocada de forma
comovente por Ikuko Kawai43 no Filme Violino Vermelho44 (1998). Trata-se da composição
espanhola mais tocada em todo o mundo, composta na década de 40 do século passado.
No filme a música embala o momento em que ciganos descobrem o violino entre as
ruínas de um mosteiro. Levam em suas andanças, tocando-o nos diversos acampamentos
até que o entregam a um astro da música erudita que ao toca-lo em diversos concertos
tem sua vida transformada de tal forma que acaba em suicídio. O violino que é vermelho
por ter sido pintado com sangue carrega em sua madeira o sofrimento do luthier45 que
pretendia dá-lo ao filho prestes a nascer. Para sua tristeza a criança morre no parto, assim
como sua esposa. Em seu sofrimento abismal retira do corpo da sua amada o seu sangue
e em pinceladas de sofrimento, perpetua unidos os amores de sua vida: a esposa, o filho e
42
As informações sobre Joaquin Rodrigo e o “Concierto de Aranjuez” estão disponíveis em http://www.cervantesvirtual.com Acessado em: 29dez2013 43
Concierto em Aranjuez – Ikuko Kawai - http://www.youtube.com/watch?v=cttTWNgGD-k Acessado em: 29dez2013 44
O filme Violino Vermelho trata dos caminhos percorridos por um violino carregado de sofrimento ao longo de muitos séculos e por diversos países. A cor vermelha é o sangue de uma esposa morta durante o parto. Seu marido havia construído o violino para o filho que nasceria. O violino e o sangue perpetuaram a dor daquela família e suas perdas. A saga do violino começa nos anos 1600 e segue até o final do século XX. 45
Profissional especializado na construção ou reforma de instrumentos de corda.
101
a sua arte. É nesse contexto que é utilizada a música de Rodrigo, cuja inspiração também
é marcada por paradoxos de amor e sofrimento.
Sobre o “Concierto” existem duas versões, a primeira segundo a qual, seu
compositor tinha como intenção transportar o ouvinte para os sons da natureza, de outro
lugar e de outro tempo, a captura da fragrância das magnólias, o canto dos pássaros e o
choro das fontes dos jardins de Aranjuez46, local de sua lua de mel. A segunda versão é
que a música dividida em três momentos retrata também a desesperança do compositor
pela perda do filho, a súplica a Deus e a aceitação do inevitável que o conduz para um
momento de maior resignação, expressos principalmente no segundo momento, que foi
escolhido para ser representado nesse conjunto.
O posicionamento inicial dos corpos, registrada na imagem 4, aponta para uma
interpretação próxima aos aspectos culturais da Espanha expressos em sua dança, que
após sofrer inúmeras influências de outras culturas como os celtas, os gitanos, os judeus e
os árabes, se tornou uma forma de divulgar a arte e a cultura do país. A posição dos
braços e mãos em direção à companheira, corpo em ataque, como um toureiro que
espreita a chegada do touro. A posição de espera, não menos enérgica, das outras
ginastas, parecem nos dizer que estão em prontidão para o que vier. Enquanto isso a
música avança, como se estivesse envolvendo a todos, aumentando a expectativa do que
estar por vir.
Imagem 4: Pose inicial < Fonte Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=hiKvrdguRPA> Acessada em 07jan2014
46
Região do centro da Espanha, próximo a Madri, famosa por seus jardins e avenidas arborizadas em volta dos palácios reais de verão.
102
A coreografia inicia com as ginastas colaborando entre si, mantendo a gestualidade
que parece aproxima-las da música, principalmente da guitarra flamenca cujo som
resultante do deslize das mãos sobre as cordas da guitarra constrói melodias fortes,
alegres, sofridas ou de revolta, respondido por batidas de mãos e pés, numa simbiose
harmônica que parece invadir nossa alma em busca do desconhecido.
A presença da movimentação própria da dança espanhola está presente durante a
composição, como na foto 30. As expressões das ginastas não estão restritas ao
movimento ginástico, é ampliada porque elas conseguem tornar aderentes à ginástica; a
dança e o aparelho, no caso a bola, bailando com sensualidade e força, assim como
parece ser a mulher espanhola47.
Foto 30 – passos de dança < Fonte: Disponível em https://www.facebook.com/> Acessada em 07jan2014
Seguem os lançamentos. O primeiro durante uma troca com recuperação no solo e
respondendo ao acento da música. O segundo, individual anuncia uma sequência de
múltiplos lançamentos associados a rolamentos da bola sobre o solo, as batidas ou
quiques da bola sobre os corpos das ginastas, outros lançamentos e relançamentos que
se associam ao gemido do violino, numa lamúria intermitente que impulsiona o
movimentar-se dinâmico de todas as ginastas sobre o tablado. Corpos dançantes
acompanhados pelo público que inicia os gritos de ‘olé’, uma saudação de incentivo típica
da Espanha.
Assim como a música associa o violino à guitarra como se fosse um só instrumento,
uma melodia suave envolve o ranger das cordas dos instrumentos como se as acalmasse.
47
Essa é uma impressão particular e pessoal.
103
Respondendo a melodia as ginastas se encaminham com suavidade para uma dificuldade
em prancha lateral, onde o corpo projeta-se para o lado enquanto uma das pernas eleva-
se formando um ângulo reto em relação ao tronco, buscando a máxima amplitude das
pernas. Em seguida as ginastas caminham para uma nova colaboração, um toque
simples, um encontro suave coroado com a união sutil das mãos (foto 31).
Foto 31 – colaboração < Fonte: Disponível em https://www.facebook.com/pages/Spanish-Senior-Group-Rhythmic-
Gymnastics-Fan-Club/> Acessada em 07jan2014
Apesar de melódico e emocionante, o momento da música é intenso e as ginastas
executam um lançamento durante um salto em circulo, o que acentua a mobilidade
expressa na música, uma melodia continua que parece não ter um fim. As ginastas
recuperam as bolas no solo e imediatamente executam outra dificuldade corporal que
equilibra a bola sobre as costas e ao erguerem-se finalizam sequência com um movimento
ondulante que coincide com o final lamurioso da frase musical.
Uma troca de aparelhos com uma recuperação inusitada onde as bolas são
recepcionadas com um quique dos joelhos e em seguida uma colaboração onde as
ginastas aproximam-se para receber ou para lançar a bola de forma singular, encerra o
momento mais sublime da música. O desenrolar da coreografia que interpreta a música de
Joaquim Rodrigo nesse momento, tem uma suavidade de um interlúdio, como citado
anteriormente na descrição da música, entre o caminhar por entre arvores de um jardim ou
o anuncio do momento de resignação do compositor ao destino por ele vivido.
104
A intensidade da música é modificada, marcações fortes surgem, as ginastas
executam um movimento de risco, elementos dinâmicos de rotação com perda do contato
visual com o aparelho, e recepcionam as bolas com marcações fortes de braço e mãos
ratificando a gestualidade da dança que representa seu país. Essa gestualidade está em
todos os momentos da coreografia, nos acentos da música, na suavidade das ondulações,
nas mãos que se tocam, nos olhares que expressam o sangue ibérico, temperado por
tantas culturas. Percebemos a expressão dessa interação entre o corpo ginástico e a
cultura que o sustenta enquanto ser no mundo. Assim como visualizamos na imagem 5, o
momento em que o público, envolvido na apresentação, arrebatado pelas ginastas,
acompanham com gritos o sucesso das recepções ou ainda em seguida, durante uma
rotação executada em uníssono com o violino, o movimento é acompanhado pelas vozes
dos seus admiradores contagiados pela intensa expressão das ginastas espanholas.
. Imagem 5 – recepção da bola com marcação <Fonte: Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=hiKvrdguRPA> Acessada em 07jan2014
Durante todo o desenrolar da cena, as ginastas e o som do violino enroscam-se nas
vozes do público, e o movimento executado ao final da rotação dá prosseguimento ao
lamento urgente que se encaminha a uma colaboração arriscada onde bolas são lançadas
e as ginastas executam acrobacias ora por cima e ora por baixo das companheiras.
Encerrando essa cena, as ginastas executam elementos de rotação chamados fuetées,
originário da técnica de ballet clássico e aqui estetizado para adequar-se ao tema da
coreografia.
Em seguida realizam, ao som insistente do violino, lançamentos e elementos
corporais em contraste de tempo e posicionamento no espaço. O contraste é a execução
105
da coreografia em subgrupos, onde cada um dos grupos realiza o mesmo movimento em
tempos diferentes, assim como em níveis espaciais distintos.
Assim percebemos que o conjunto da Espanha nesse momento, parece impactar
seus espectadores a ponto de transporta-los, também para o mundo imaginário recriado
através da música e da união de cinco corpos expressivos e inebriados de sentimento. Os
gritos e aplausos no ginásio referendam essa observação.
Continuam as espanholas em sua jornada, as guitarras, as castanholas48 e a
orquestra, resgatam o som melódico, e as ginastas respondem a música saindo de uma
dificuldade de equilíbrio (foto 32) e entrando em um grande salto, preparando-se para uma
sequência de trocas, que variam na formação sobre o tapete a na recepção das bolas.
Foto 32 – Movimento em equilíbrio <Fonte: Disponível em https://www.facebook.com/Spanishseniorgroup> Acessada em 07jan2014
As trocas e dificuldades no final da coreografia surgem em resposta às exigências
próprias da competição. As ginastas, no entanto não deixam que a objetivação imposta
pela necessidade de pontuação impossibilite a interpretação emocional da música e nem
que se perca a ideia da coreografia.
48
A Castanhola é um instrumento de percussão introduzido nos países do mediterrâneo pelos fenícios há mais de 3000 mil anos e que na Espanha tornou-se um instrumento musical.
106
Encerrando a apresentação, as ginastas preparam o Grand finalle. Inicialmente,
com colaborações em pequenos grupos, depois a partir de um lançamento simultâneo de
três bolas, seguido de uma colaboração de risco, onde uma ginasta executa um
lançamento e passa com um elemento acrobático por baixo de outra ginasta que é erguida
pelas companheiras, chegamos à conclusão do conjunto.
Visualizamos a formação final na imagem 6. Nela podemos perceber o cuidado na
escolha do posicionamento dos braços, das mãos, do tronco que se contorce seguindo um
alinhamento propositalmente desalinhado. Quem sabe a imagem das árvores dos jardins
que lograram representar? Ao segurar as pernas de uma das ginastas quem sabe não
estariam pensando no tronco dessas mesmas árvores, visualizadas por Joaquin Rodrigo
durante sua permanência em Aranjuez? A ginasta que observa embevecida a cena a sua
frente, talvez sintetize quem sabe, a resignação aos fatos que se desenrolaram na vida do
compositor, uma vida transcrita em música e interpretada, com audácia pelas treinadoras
e suas ginastas.
Imagem 6 – Pose final <Fonte: Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=hiKvrdguRPA> Acessada em 07jan2014
Claramente técnico e treinado, sublime e artístico, o conjunto espanhol chama a
atenção pelo entrelaçamento vital entre a coreografia e a cultura, expressando de forma
clara a preocupação com a expressividade e o belo com significado em cada gesto. Para
Nóbrega; Moreira (2008 p 349) “[...] o desporto é palco onde o corpo representa
possibilidades e limites, onde se possibilita um diálogo da nossa natureza interior e
107
exterior, com a vida e com o mundo”. Assim percebemos esse conjunto, que se utiliza de
elementos diversos, entrelaçando o ginástico ao cultural, para extasiar, em seu palco que
é o tablado ginástico, a todos os que o assistem.
Aqui também um entrelaçamento de mundos. Uma das treinadoras é russa,
estratégia utilizada por muitas equipes que objetivam a aproximação com a escola
ginástica cuja técnica rege a GR mundial. Mundos diferentes que se unem, e imbricam-se
no desejo de apresentar ao mundo ginástico algo mais do que propõe a GR. Essa união,
no entanto não modificou o estilo espanhol. Apurou sua técnica, evidenciou os
componentes artísticos e foi capaz, aos nossos olhos, de acentuar ainda mais a sua
característica mais peculiar, a presença da alma espanhola em cada coreografia.
A simbiose entre cultura e corpo no esporte parece justificada e necessária para
um povo que parece orgulhar-se dessa relação. Ao longo dos anos em que estive vivendo
a GR, a escola espanhola sempre me encantou. A Espanha me arrebata em muitos
aspectos e minha admiração pela música e pela dança como símbolos de uma história de
muitos conflitos, de muitas cores e de uma cultura quente e forte, tem sido alimentada de
muitas formas durante a minha vida.
O primeiro impacto real, em se tratando de GR, aconteceu em 1988 ao assistir nas
Olimpíadas de Seul a ginasta espanhola Maria Isabel Lloret (vídeo em anexo), cuja
interpretação do Concierto de Aranjuez, tema do conjunto descrito, coreografada em uma
versão com apenas uma guitarra flamenca a acompanha-la, me emocionou e apresentou
uma GR, na época GRD, que eu não conhecia. A entrada na área de uma ginasta com o
cabelo meio desalinhado, um collant que simulava a roupa de toureiro, para mim era
inusitado e diferente do padrão que até então me era próximo. Misa Lloret, como é
chamada entre os espanhóis, partindo de uma pose simples inicia com uma
movimentação típica da cultura hispânica, o olhar e as mãos em alerta, incorpora o
toureador e transforma o arco em capa. Nessa coreografia os movimentos definidos ao
mesmo tempo acentuam os acordes mais fortes da guitarra que transforma a melodia em
lamento.
Essa foi minha primeira impressão sobre uma ginasta que podia transcender a
clausura das regras e comover, não só ao público que a saudou enfaticamente, como
também os árbitros. E ela não menos emocionada deixa o tablado chorando, resultado de
uma apresentação onde corpo e mundo tornaram-se visivelmente um só.
108
Tal aproximação foi coroada com a possibilidade de assistir um Campeonato
Mundial em Sevilla no ano de 1998. Esse evento, que não foi só ginástico, mas, sobretudo
um encontro visceral com um mundo que já estava em mim de muitas maneiras. Foi pura
emoção e êxtase, do momento em pisamos pela primeira vez em solo espanhol até o
retorno após andanças pela Andaluzia, região de forte influência árabe e onde as pessoas
falam como dançam e dançam como cantam, com energia e vivacidade. Senti-me em
casa e a Espanha tornou-se decididamente uma fonte de inspiração.
Nessa aproximação, que foi silenciosamente construída, o que sempre me
impactou na GR espanhola, foi a constante valorização da cultura como representação de
uma nação. Não uma nação apenas política com todos os percalços desse mundo
globalizado, mas a nação que valoriza os cantos, as danças, a música, suas influências; e
que não se configura como um requisito passageiro, pois está sempre presente em suas
composições ginásticas. Nesse ciclo olímpico, em especial, esteve enfaticamente
representado tanto no conjunto misto de fitas e arcos (em anexo), quanto no simples de
cinco bolas, além das coreografias individuais de Carolina Rodrigues (imagem 7), a
representante espanhola em Londres 2012.
A ginasta em questão, mesmo não estando entre as possíveis medalhistas,
manifesta, com extremo carisma, o sentimento impresso no corpo, comunicando a todos a
simbiose existente entre a técnica, a arte e a cultura. Particularmente na série de maças
(em anexo) as batidas dos aparelhos e a batida dos pés lembram uma dançarina
flamenca, com a energia e a expressão delas, mas sem dissociar do que deve ser a GR.
Por tudo o que foi exposto, justificamos a escolha dessa equipe para aclararmos a
relação existente entre corpo e a cultura na GR.
109
Imagem 7 – Pose final Carolina Rodrigues Fonte: Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=hiKvrdguRPA Acessada em 07jan2014
Para fundamentarmos nossas reflexões a respeito da relação entre a GR e a
Cultura, tornou-se importante a aproximação desse conceito como ponto de partida que
nos possibilitasse lançar o olhar sobre as teias que emaranham essa relação.
O conceito de Cultura para Abbagnano (2007) parte de duas concepções básicas.
No primeiro e mais antigo, significa a formação do homem e seu refinamento. A segunda
concepção indica o produto dessa formação, ou seja, “o conjunto de modos de viver e de
pensar cultivados, civilizados, polidos, que também costumam ser indicados pelo nome de
civilização” (ABBAGNANO, 2007, p.225). Ao longo dos séculos e com as muitas
contextualizações, o conceito foi adaptando-se e consolidando-se, podendo designar tanto
uma civilização mais progressista quanto as formas de vida mais rústicas ou primitivas,
sem que haja privilégio de um modo de vida sobre outro. Ainda segundo Abbagnano
(2007) “O caráter global de uma cultura, na medida em que corresponde às necessidades
fundamentais de um grupo humano, a diversidade dos modos como às várias civilizações
correspondem a essas necessidades e o caráter de aprendizado ou transmissão da
cultura” (Ibidem, p.228), são traços característicos expressos, aparentemente, em várias
definições consideradas válidas.
Considerando que a cultura é quem conecta o homem ao mundo e fazendo-o parte
dele, Merleau-Ponty, ao longo da sua obra intitulada “A Dúvida de Cézzane” (2004) trata,
em alguns momentos, desse entrelaçamento, assim como sobre a impossibilidade de se
creditar apenas a hereditariedade o que somos ou que seremos. Segundo ele;
110
[...] Se sou projeto desde meu nascimento, é impossível distinguir em mim o dado e o criado, impossível, portanto designar um único gesto que seja apenas hereditário ou inato e que não seja espontâneo – mas, igualmente, um único gesto que seja absolutamente novo em relação a essa maneira de ser no mundo que sou eu desde o começo. (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 137).
Dessa forma, nos percebemos como fruto de tudo o que nos envolve, a natureza,
nossa história, nossas relações e “[...] só podemos ver diante de nós e sob o aspecto de
fins aquilo que nós mesmos somos, de modo que nossa vida tem sempre a forma do
projeto e da escolha e assim nos parece espontânea”. (MERLEAU-PONTY, 2004, p.137)
Porque somos um e somos todos ao mesmo tempo. Somos as nossas relações e o nosso
mundo, assim como somos o mundo do outro o qual convivemos porque nossos mundos
estão atados. E o que seríamos sem esses entrelaçamentos?
Para Zumthor (2000) a cultura pode ser “a prática própria de um grupo humano em
todos os domínios que implicam conhecimento. Compreendida assim, a cultura constitui o
fundamento da vida em sociedade e, inversamente, vida social implica necessariamente
cultura” (ZUMTHOR, 2000, p. 55-56).
Ainda para o autor, tudo o que designa a palavra cultura é determinado pela
evolução dos meios e modos de comunicação, assim todo o conhecimento desenvolvido
em determinado grupo social pode ser passado adiante, construindo pontes entre
gerações, difundindo seus saberes, criando e recriando costumes, comunicando-se. Para
o autor comunicar; “não consiste somente em fazer passar uma informação; é tentar
mudar aquele a quem se dirige; receber uma comunicação é necessariamente sofrer uma
transformação” (Ibidem, p. 61) criar um hábito, identificar uma sociedade. Dessa forma
compreendemos que a cultura está presente em nosso cotidiano, é ela que, como
construção humana, recursivamente edifica o que somos e como nos relacionamos com o
mundo.
Nesse sentido, segundo Zumthor (2000, p 90) “O mundo tal como existe fora de
mim não é em si mesmo intocável, ele é, sempre de maneira primordial, da ordem do
sensível, do visível, do audível, do tangível”. Para ele, o corpo é ao mesmo tempo ponto
de partida e de chegada, o ponto de origem e a referência do discurso. Podemos entender
que a cultura está no corpo e no mundo. Ela pode se estabelecer em um contexto no qual
111
“[...] indica muito claramente que se trata de uma acumulação de conhecimentos que são
da ordem da sensação e que por motivos quaisquer, não afloram no nível da
racionalidade, mas constituem um fundo de saber sobre o qual o resto se constrói”.
(ZUMTHOR, 2000, p.90-91).
Nessa perspectiva, entendemos a cultura a partir de vários olhares que sempre
partirão do corpo, do outro e do entorno que entrelaçados compõem, “[...] um conjunto
complexo e heterogêneo de condutas e modalidades discursivas comuns que determinam
certa faculdade de todos os membros do corpo social produzirem certos signos e
identifica-los e interpreta-los da mesma forma” (MEDEIROS, 2010, p. 10).
A partir da fundamentação apresentada, e traçando um paralelo com a pesquisa
aqui desenvolvida, percebemos o quanto o conceito de cultura e seus reflexos são
significativos na GR. Mesmo se considerarmos a grande influência da Rússia enquanto
referência técnica em todos os aspectos que a compõe na atualidade, o olhar artístico
impede que as coreografias fiquem restritas a esse aspecto apenas. E aí a cultura, que já
está ali representada na GR pelo simples fato de existir enquanto esporte, se abre de
forma evidente nas escolhas da ideia a ser abordada, na gestualidade a ser representada,
na escolha da música.
No caso da Espanha para Vellardi e Miranda (apud PAOLIELLO; TOLEDO 2010), a
partir da década de 90 do séc. XX, a abordagem cultural das coreografias, especialmente
de Espanha, foi intensificada principalmente com a utilização elementos da sua dança
típica em seus mais variados estilos e ritmos, como as sevillanas, fandangos, tanguillos,
alegrias e bullerias, conseguindo grande aceitação do público.
Percebemos no conjunto espanhol a dança, os gestos, os olhares, as mãos, as
batidas dos pés sobre o tablado, a cultura de forma plena, não só porque estão
apresentando um passo de dança típico, mas porque esse passo tem um significado que
lhes é real, movimentações que lhe são próprias e que só as espanholas conseguem com
tanta verdade. Percebemos essa característica na foto 33, onde a mesma equipe com a
vestimenta do conjunto misto (em anexo) expõe os símbolos da sua cultura registrados no
corpo que se arranja com os outros corpos com uma significação tão intensa que só os
mínimos detalhes podem diferenciar. Percebamos as mãos, expressivas, abertas em
prontidão, a pose sempre em ataque, um olhar que desafia, parece que sempre estão
destinadas a luta ou mesmo provocando-a, assim como os toureiros nas arenas que com
112
sua capa vermelha instigam os touros e os iludem até a morte. Estes gestos estão em
ambos os conjuntos representantes da Espanha nesse ciclo olímpico.
Foto 33 – Expressão espanhola <Fonte:Disponívelemhttps://www.facebook.com/Spanish-Senior-Group-RhythmicGymnastics-Fan-Club/> Acessada em 07jan2014
Entretanto a cultura a que nos referimos e a qual visualizamos na GR não está
restrita a de um país que representa a si próprio, mas também é visível entre os países
que buscam referências em outras culturas para construir suas coreografias. De fato, a
necessidade de compor sequências de movimentos que transcendam os aspectos
técnicos é um convite à investigação de temas que podem vir através da música, como no
caso do conjunto espanhol, através de filmes, de livros, um quadro, um número infinito de
possibilidades que instigam o caminhar por diferentes formas de expressão e por culturas
as mais díspares.
O desafio de criar formas e enlaces inusitados diferencia uma equipe da outra. A
interpretação das ginastas sobre a ideia desenvolvida demanda uma apropriação
consistente sobre o que está sendo composto. E assim a cultura transita no meio
ginástico, tanto na valorização e conhecimento adquiridos através das pesquisas
necessárias à composição, quanto no reconhecimento e na aproximação da cultura de
outros países ou comunidades. Podemos comprovar a diversidade cultural nas
113
coreografias de GR ao assistirmos qualquer campeonato, quer seja regional ou
internacional. Ali estará presente uma diversidade significativa de compreensões sobre a
cultura e esse fato instiga a apreciação. Segundo Velardi e Miranda (2010)
Para a imprensa especializada essa aceitação deve-se ao fato de que a utilização dos elementos da dança folclórica em GR permite, ainda, uma diversificação de estilos capaz de agradar tanto ao público quanto a arbitragem. Confere identidade as séries e marca a cultura a qual as ginastas pertencem, além de traduzir e materializar tanto a criatividade quanto a originalidade, quando é atingido o equilíbrio na utilização dos exercícios ginásticos associados às técnicas de dança. (VELARDI M.; MIRANDA M. apud PAOLIELLO; TOLEDO 2010, p.188).
Dell Valle (1996) afirma que em alguns países as ginastas usam elementos
característicos do seu folclore assim como de outros, por acreditarem que dessa forma
aproximam o sentido rítmico, a música, a arte além do conhecimento dos povos e de sua
cultura o que, em resumo possibilita o dançar, dando sentido a expressão do corpo para
além do elemento ginástico.
Essa constatação torna-se ainda mais importante porque estamos tratando de um
esporte, fenômeno da cultura e transpassado por ela, que através dos seus ditames tenta
enquadrar os aspectos subjetivos próprios da modalidade, em regras objetivas, nem
sempre eficientes na intenção de clarificar o julgamento ou de torna-lo justo. Portanto,
consideramos necessário refletir sobre o entrelaçamento entre o corpo e a cultura na GR,
que é considerada por Nóbrega (2014) (Informação verbal)49 como “um sistema cultural de
significações plásticas, animadas e poéticas”, percebido através das suas composições.
Nesse caso percebemos a coreografia espanhola, que mesmo respeitando o contexto
esportivo, pôde expandir os traços da sua própria cultura, assim como poderia utilizar
outras possibilidades se por ventura desejasse.
A partir dessa percepção, faz-se necessário entendermos como a cultura e o
esporte tornaram-se alguns dos pilares que teceram a GR que hoje conhecemos.
Durante o séc. XIX, em quase todo o continente europeu foi instituído o movimento
ginástico, que como já discutimos anteriormente, tinha como objetivo “regenerar a raça e
promover a saúde [...] moralizar os indivíduos e a sociedade, intervindo radicalmente em
modos de ser e de viver” (SOARES, 2005, p.20). Na esteira desse movimento surgiu uma
49
Nóbrega, T. P. durante a qualificação dessa dissertação em agosto de 2013, no laboratório VER/UFRN
114
manifestação radicalmente diferente com raiz na Inglaterra, o jogo esportivo, que acabou
por desenvolver-se e aprimorar-se, tornando-se o que conhecemos como esporte
moderno.
O movimento esportivo expandiu-se, tal qual se expandiu o modo de ser e de viver da burguesia inglesa. O esporte conscientiza, aliena, (re) cria e afirma o homem burguês; audaz, ágil, educado, obediente e, sobretudo, cumpridor e adorador de regras sociais, morais, físicas... Este movimento cria o gosto pelo aparato burocrático do esporte moderno, este imenso universo de signos, símbolos e linguagens que encantam multidões e que já serviu e ainda serve às mais dispares ideologias. (SOARES, 2007, p. 21)
O esporte moderno institucionalizou os jogos populares impondo-lhes uma
mudança de significado e de função. Essa transformação deu-se através da burguesia
inglesa. A elite que se apropriou das práticas dotadas de funções sociais, os jogos
populares ou vulgares, assim como ocorreu com a música ou a dança, convertendo-os em
exercícios corporais “atividades que são o seu próprio fim, espécie de arte pela arte
corporal, submetidas a regras específicas, cada vez mais irredutíveis a qualquer
necessidade funcional, e inseridas num calendário específico” (BOURDIEU, 2003, p.185).
Bourdieu (2004) afirma ainda que a história do esporte é relativamente autônoma
tem seu próprio tempo, leis de evolução, suas crises, uma cronologia própria, dessa forma
ele transforma-se porque não pertence a um universo fechado em si, mas está “inserido
num universo de práticas e consumo, eles próprios estruturados e constituídos como
sistema” (BOURDIEU, 2004, p. 210).
Após a 2ª guerra e durante a guerra fria o esporte sofreu alterações de sentido e
em sua configuração frente à sociedade, sendo submetido à mercantilização, adquirindo
status de espetáculo, seja para uso político ou comercial, podendo ser tomado como
esporte contemporâneo, uma evolução do esporte moderno. (TUBINO apud MARQUES et
al 2007). Assim trata-se da manifestação cultural que marcadamente mais tem sofrido
transformações tanto de ordem técnica quanto a forma de exposição e absorção pela
sociedade.
Desse modo, o esporte seria um fenômeno sociocultural que engloba diversas práticas humanas, norteadas por regras de ação próprias, regulamentadas e institucionalizadas, direcionadas para um aspecto competitivo, seja ele caracterizado pela oposição entre sujeitos ou pela comparação entre realizações do próprio individuo, que se manifestam
115
através da atividade corporal. Essas práticas podem ou não se expressar através de confrontos diretos entre sujeitos, de mensuração de performances, de nomeação de vencedores ou destaques, mas sempre expressam o desejo de realização do ser humano que encarna a necessidade, entre outras, de emocionar-se, superar-se, jogar, brincar e comunicar-se. Sem o esporte, o desenvolvimento cultural do homem fica mais pobre (BENTO apud MARQUES et al, 2004 p.229).
Para Soares (2007) o esporte é um espetáculo de plasticidade quase coreográfica,
que em suas mais diferentes manifestações mantem-se atrelado a diversos saberes entre
eles a ciência e a técnica. “Como marca da passagem de homens e mulheres pelo mundo,
situa-se no âmbito da cultura” (SOARES, 2007, p.21).
Marques (apud BENTO; MARQUES, 1993) acredita que apesar de todas as
questões que envolvem o esporte, goste-se ou não, impossível ficar indiferente. Existe
algo que nos causa impacto e que nos fascina. O esforço dos atletas, a ideia de
superação, os corpos em movimentos perfeitos, a plasticidade, as emoções que desperta,
a capacidade de agrupar as pessoas em torno de uma apresentação, a festa, o drama “O
desporto que temos é o que a história, a cultura e a sociedade têm legitimado. Com todas
as suas virtualidades e excessos, mas um desporto do homem, por ele construído à sua
dimensão” (MARQUES apud BENTO; MARQUES 1993, p. 31).
Assim percebemos que um programa de práticas esportivas não é o mesmo no
decorrer de décadas, ou seja, “ele é marcado, na sua objetividade e nas suas
representações, pelas apropriações de que foi objeto e pelas especificidades impostas nas
disposições dos agentes sociais nele inserido.” (BOURDIEU in PRONI 2002, p. 95), ou
seja, o esporte está fincado em um espaço cujas influências não se restringem só a ele,
portanto não se pode falar do esporte independente do contexto social em que está
inserido.
A GR é fruto do mesmo período histórico que o esporte, porém em regiões
diferentes e assim como as demais modalidades ginásticas, não resistiu à força e a
influência que ele passa a ter após a 2ª Guerra, modificando-se na tentativa de ampliar
seus horizontes e continuar sobrevivendo enquanto prática corporal. Essa influência se
manifestou tanto na técnica quanto nos aspectos metodológicos, segundo Langlade, A. e
Langlade, N. (1970), manifestados resumidamente pela inclusão dos fundamentos do
treinamento desportivo estimulando o treino individual que oferecia maiores possibilidades
116
a cada ginasta prevalecendo assim um método sintético de aprendizagem, por ter
priorizado as destrezas motoras durante as aulas em detrimento, muitas vezes, dos
aspectos artísticos.
A GR idealizada como atividade física para todos, sem restrições, com dificuldades
e intensidades limitadas, se dirigia a todas as idades. No entanto a busca por adequar-se
ao contexto do esporte que era delineado, passou a exigir de um grupo específico de
ginastas um perfil mais atlético. Esse modelo foi utilizado em vários eventos
internacionais, sendo um dos requisitos para a participação das equipes de ginástica
clássica (artística) em eventos competitivos oficiais. Até que em 1962 a Federação
Internacional de Ginástica a reconhece como modalidade esportiva e cria um
departamento que a regeria a partir de então, estabelecendo normas e diretrizes para o
desenvolvimento da modalidade. (LLOBET 1998, SCHMID 1985).
A partir dessa constatação percebemos que a característica atual da Ginástica
Rítmica apenas reflete uma trajetória que foi sendo delineada, não aleatoriamente, mas
vinculada as transformações sociais de cada período histórico. Sua caracterização foi
aculturada assim como as artes, a ciência, a educação, porque é fruto da sociedade e da
cultura em que está inserida. Assim entendemos que,
Num dado momento um esporte é um pouco como uma obra musical; uma partitura (uma regra do jogo, etc.), mas também interpretações concorrentes (e todo um conjunto de interpretações do passado sedimentado); e é com tudo isso que cada novo interprete se defronta mais inconsciente do que conscientemente, quando propõe sua interpretação. (BOURDIEU, 2004, p. 215-216).
Com o objetivo de unificar opiniões e para ser aceita no mundo esportivo, em 1965,
no mundial de Praga a FIG50, estabeleceu algumas orientações que buscavam clarificar o
perfil da GR adequado aos ditames esportivos: “A ginástica moderna não é dança clássica
nem a dança moderna; tem um estilo próprio. É um desporto fundamentado nos
movimentos naturais do corpo e na expressão pessoal” (SCHMID, 1985, p.12, tradução
nossa). Somente em 1968 foram determinadas por uma comissão especial as
regulamentações internacionais, estabelecendo as dificuldades e a técnica específica,
50
FIG – Federação Internacional de Ginástica
117
além de determinar como implementos obrigatórios para a modalidade: a bola, o arco e a
corda. Em 1971 é introduzida a Fita e em 1973 as maças.
O nome dado à modalidade ginástica em formação também passou por várias
mudanças que buscavam adequar-se a proposta de movimento que se apresentava assim
como coincidia com as transformações sociais vigentes. Ginástica Moderna em 1963,
Ginástica Feminina Moderna e Ginástica Rítmica Moderna em 1972, são as primeiras
denominações, ainda no período em que se buscava a definição da modalidade.
Ginástica Rítmica Desportiva que foi adotado a partir de 1975, essa denominação tinha
como objetivo ressaltar seu caráter competitivo, resultando na retirada das séries
obrigatórias dos campeonatos internacionais, pois se acreditava que o estilo e as
características pretendidas pela FIG já haviam sido assimilados. Atualmente já
consolidado o caráter esportivo passa a se chamar apenas Ginástica Rítmica. (TOLEDO
apud PAOLIELLO; TOLEDO, 2010).
Paradoxalmente, a busca pela uniformidade das características da modalidade
submetida a um conjunto de regulamentos51 escritos e divulgados para que seja utilizado
em todo o mundo, desperta a necessidade de tornar heterogêneo, diferente, exclusivo,
inusitado o que a institucionalização da ginástica pelo esporte quer homogeneizar. A
composição das coreografias ginásticas tem esse objetivo, responder as regras e ao
mesmo tempo encontrar tangentes que as tornem únicas. E a cultura faz esse papel,
porque “Toda cultura comporta uma heterogeneidade originária” (ZUNTHOR, 1993, p.117)
que não nos permite o fechamento sobre nós mesmos e a submissão cega às regras de
convivência porque entendemos que as nossas respostas a determinadas situações
correspondem ao que culturalmente nos alicerçou.
Ao estabelecermos um paralelo com a GR, podemos perceber no conjunto
espanhol, o quanto a cultura própria o diferencia dos demais países, assim seria também
com as russas, com as búlgaras ou com qualquer outro conjunto. Como percebemos na
foto 34, quando se exige na composição a execução de passos rítmicos com estreita
relação com a música, existe a preocupação de que essa norma não restrinja a ideia-guia,
51
Regulamento – o Código de Pontuação na GR, é o documento que rege todo o planejamento da modalidade. Suas normas influenciam tanto o treinamento quanto o processo de criação. As treinadoras e ginastas “vivem” em função dele e na tentativa de superá-lo, principalmente no nível dos conjuntos descritos nessa pesquisa.
118
mas amplie suas possibilidades incentivando os treinadores e coreógrafos a buscar a
interação entre o exigido e o desejado.
Foto 34 – Passo rítmico <Fonte: Disponível em https://www.facebook.com/Spanishseniorgroup> Acessada em 07jan2014
O mesmo acontece nas exigências técnicas das dificuldades corporais, quando
mesmo tendo que apresentar todos os requisitos exigidos, coreograficamente, as equipes
associam elementos de ligação às dificuldades de forma que impeçam a desvinculação
entre a dificuldade e a ideia da composição, são os chamados elementos de ligação.
Formas de deslocamento provenientes tanto da Educação Física quanto das danças
populares ou acadêmicas.
Sobre essa diferenciação podemos exemplificar uma exigência do Código de
Pontuação (2009-2012) na busca dessa identidade diferenciada; a completa relação entre
as ginastas do conjunto que deve ser enfatizada nas colaborações (foto 35). Todos os
conjuntos devem realizar colaborações, no entanto esses elementos devem estar
atrelados à ideia-guia52 que está vinculada a música que representa o que naquele
momento era significativo para quem iria realizar a coreografia. Esses significados não
partem do nada, do vazio, “Compreendem uma leitura do movimento, da expressão, do
ritmo e da dinâmica dos esforços presentes em cada gesto, retirados da vida cotidiana”
52
Ideia-guia: ideia da coreografia que deve ter uma mensagem única, utilizando todas as possibilidades possíveis do corpo e do aparelho, utilizando elementos “técnicos, estéticos e emocionais” que façam a conexão entre os diferentes momentos da coreografia e que devem estar em relação estreita com a música. (Código de Pontuação FIG 2009-2012)
119
(SOARES; MADUREIRA, 2005, p. 83), e a partir daí estetizados para compor a ideia da
coreografia.
Foto 35 – Colaboração <Fonte: Disponível em https://www.facebook.com/Spanishseniorgroup> Acessada em 07jan2014
No conjunto espanhol, percebe-se o quanto existe coerência entre a ideia-guia e a
cultura. A utilização da música representante do país indica também a forma como esse
grupo percebe esse país. A escolha dos movimentos que ligam as dificuldades reflete a
sensação causada pela música em cada componente, por mais que as expressões
possam ser dirigidas, não há como escapar do sentimento que lhe invade ao escutar o
tema escolhido. O corpo responde ao que sente porque não está dissociado do mundo
nem do outro. Segundo Merleau-Ponty;
É por meu corpo que compreendo o outro, assim como é por meu corpo que percebo “coisas”. Assim ”compreendido”, o sentido do gesto não está atrás dele, ele se confunde com a estrutura do mundo que o gesto desenha e que por minha conta eu retomo, ele se expõe no próprio gesto. (MERLEAU-PONTY 1994/2011, p. 253)
Visualizamos esse entrelaçamento corpo e mundo através da cultura na foto 36. As
ginastas parecem nos falar através da expressão no olhar a intensão e a emoção que
parece preencher a coreografia, tornando-a única dentre todas as outras. As outras
também são especiais na medida em que representam cada uma os seus mundos, suas
sensações e suas percepções, buscando uma atuação emocional e impactante que
120
marque e emocione a audiência por sua própria capacidade de expressar um significado a
partir do que foi coreografado.
Foto 36 – Expressão espanhola 2 <Fonte: Disponível em https://www.facebook.com/Spanishseniorgroup> Acessada em 07jan2014
Mas porque o Código de Pontuação (CP)53 é tão disciplinador e de certa forma
repressor no que diz respeito à utilização dos elementos corporais e dos aparelhos? Após
as leituras que me possibilitaram visualizar um fenômeno por diferentes perspectivas,
percebi que esse aparente engessamento promovido pelo código nada mais é do que a
necessidade de superar a criatividade das equipes ginásticas. Na verdade o CP adapta-se
a evolução que tem acontecido de forma contínua na GR, assim busca acompanhar e
absorver todas as novidades implantadas pelas ginastas e pelas treinadoras tanto nas
provas de conjunto quanto nos individuais (LOURENÇO apud PAOLIELLO; TOLEDO
2010). É a partir daí que surge a necessidade de garantir um julgamento justo e objetivo,
pois regras obsoletas que não correspondem ao que é criado pelas equipes pode
favorecer a continuidade dos padrões estabelecidos em detrimento do novo e ai a
criatividade e a ousadia podem ser bonificadas.
53
Para entender um pouco mais sobre o Código de Pontuação 2009-2012, consultar o apêndice 1 dessa dissertação
121
O código também tentar definir os critérios sob os quais, cada árbitro deve avaliar a
coreografia. A pretensa uniformidade do regulamento busca, também, a justiça na
avaliação evitando que uma possível identificação emocional do árbitro com o estilo do
grupo ou da ginasta individual assim como a interferência dos que são do mesmo país ou
região da equipe em apresentação, invalidem os resultados.
É importante se levar em consideração a necessidade de tornar claro para os
espectadores o julgamento e o resultado. Essa é uma preocupação que persegue os
comitês54 técnicos, órgãos que instituem o código de pontuação e nele, os padrões sobre
os quais se constrói a GR que conhecemos. Segundo Cavalcanti (2011, p. 1) ”A
determinação desses padrões obedece à lógica do treinamento esportivo, ou seja, a
beleza sucumbida às performances dos corpos, que por sua vez são materializados pelo
código de pontuação da modalidade”.
Entendemos a partir de Cavalcanti (2011) que o código tenta de certa forma
docilizar e enquadrar os movimentos ginásticos. Também é perceptível a transgressão
provocada pelas coreografias na medida em que, ao mesmo tempo em que cumpre a
regra, busca, nas entrelinhas, possibilidades de supera-las. Para Cavalcanti (2011, p. 5) “o
código constrói a ginasta e a ginasta constrói o código”. Isso corresponde ao corpo que é
submetido a rigorosos treinamentos com a intensão clara de alcançar a perfeição técnica
ao mesmo tempo em que, como apresentamos anteriormente, cria novas possibilidades
de movimento. Assim é necessário que o CP também se adeque para acompanhar essas
mudanças e para acompanhar a evolução técnica da ginasta. Essa discussão ocorre
inicialmente dentro do Comitê Técnico, que é formado por representantes de um grupo
social especialista em ginástica, corpos representantes de uma cultura e que sob a égide
dessa mesma cultura determinam o padrão dos corpos ginásticos e assim tentam
minimizar os imprevistos no julgamento ou a suposta subjetividade do esporte em
questão.
Lourenço (in PAOLIELLO; TOLEDO 2010) afirma também que os motivos que
acarretam essas mudanças sofrem outras interferências, não apenas técnicas, mas que
também não estão explicitas nos boletins oficiais, nas publicações ou bibliografias da área.
Para a autora a FIG promove essas alterações com o intuito de responder as exigências
54
Grupos de especialistas em cada modalidade ginástica que compõe a FIG. São responsáveis por toda a organização da modalidade no mundo.
122
midiáticas próprias do esporte contemporâneo. A entrada dos elementos acrobáticos para
dar emoção as colaborações e elementos de risco; a retirada da corda das competições
das ginastas adultas porque nas transmissões televisivas não se conseguia enxergar o
aparelho; ou a introdução da voz nas músicas são exemplos de alterações propostas
pelos órgãos dirigentes do esporte mundial (FIG e COI55), com o intuito de buscar a
fidelização do público e a possibilidade de tornar a GR um esporte popular e
consequentemente rentável enquanto objeto de consumo.
A importância de tornar lucrativa uma modalidade esportiva tem sua justificativa na
própria manutenção do esporte nessa sociedade, como manter também a estrutura de
treinamento necessária ao treino de alto rendimento esportivo. A foto 37 mostra as
ginastas espanholas em um ensaio fotográfico para a promoção de uma marca de carro.
Como elas, muitas outras ginastas e equipes têm sido convidadas para participar em
propagandas e vídeos promocionais.
Foto 37 – GR produto de consumo <Fonte: Disponível em https://www.facebook.com/spanishseniorgroup> Acessada em 07jan2014
Essa constatação é especialmente mais visível em países onde a GR é um esporte
popular, como na Rússia, por exemplo. Para corroborar com essa afirmação
apresentamos um vídeo (em anexo), realizado na mesma estrutura de um filme de curta
duração, onde uma multinacional de cosméticos, conta a história de uma menina
apaixonada por GR e sua saga em busca do crescimento dentro da modalidade. As
55
Comitê Olímpico Internacional
123
tramas apresentadas no vídeo são um resumo do que acontece em muitos esportes assim
como na vida, pois o esporte apenas reflete o que está posto em nossa sociedade.
Utilizando essa ferramenta, a empresa não apenas divulga a modalidade, o seu produto
anexado a um esporte que naquele país goza de extrema popularidade, agregará um
apelo maior para cativar mais consumidores.
Dessa forma, nesses países, a cobrança por resultados é proporcional ao
investimento feito. As ginastas comprometem-se em todos os aspectos da formação da
equipe. Formam times valiosos, com treinadores especializadíssimos, centros de
excelência cobiçados por ginastas de todo o mundo. Tudo o que envolve uma equipe
desse porte é de interesse tanto científico como comercial e esse contexto tem se
propagado, transformando a modalidade, definitivamente em um esporte profissional.
Nesse contexto multifacetado que envolve a modalidade é que percebemos no
entrelaçamento do corpo com a cultura na GR, a diversidade de teias que são lançadas
sobre a modalidade. Essas teias iniciam com a própria concepção de esporte, seu
desenvolvimento, suas regras, a escolha de transgredir os regulamentos sem, no entanto
abandona-lo, a opção por representar suas origens ou por conhecer outras formas de
expressão. O desejo e o desafio de consolidar-se como esporte olímpico. O desejo de
manter-se bela, porém sem perder a objetividade frente a uma realidade que contradiz
essa relação. Enfim, acreditamos que a cultura é quem constrói esses enredamentos
porque somos todos frutos dela, a GR inclusive.
Para Merleau-Ponty (2012, p. 465) somos natureza e cultura, entrelaçadas, “Assim
como a natureza penetra até no centro de minha vida pessoal, entrelaçando-se a ela, os
comportamentos também descem na natureza e depositam-se nela sob a forma de um
mundo cultural” e continua;
Não tenho apenas um mundo físico, não vivo somente no ambiente da terra, do ar e da água, tenho em torno de mim estradas, plantações, povoados, ruas, igrejas, utensílios, uma sineta, uma colher, um cachimbo. Cada um desses objetos traz implicitamente a marca da ação humana à qual serve [...] A civilização da qual eu participo existe para mim com evidência nos utensílios que ela se fornece. Se trata de uma civilização desconhecida ou estranha, maneiras de ser ou de viver podem repousar sobre ruínas, sobre os instrumentos quebrados que encontro ou sobre a paisagem que percorro. O mundo cultural é agora ambíguo, mas ele já está presente. Há ali uma sociedade a conhecer... (MERLEAU-PONTY, 1994/ 2011, p. 465-466)
124
Assim é a GR, que como esporte, reflete a cultura a qual está inserida. Uma
construção recente que foi se alinhando ao que considerou ser importante para a sua
permanência no cenário esportivo. Dessa forma nos ancoramos no pensamento de
Merleau-Ponty (1994/2011, p.467) que afirma que “A constituição de outrem, não ilumina
inteiramente a constituição da sociedade, que não é uma existência a dois ou mesmo a
três, mas a coexistência com um número indefinido de consciências”. Para nós essas
infinitas consciências são determinantes para a continuidade de qualquer que seja a forma
como a cultura se apresente.
Enfim, encerrando a aproximação com os conceitos elencados nesse trabalho, é
hora de recompor o que acreditamos estar imbricado na essência da GR. O que antes
para mim era só corpo, aparelho e música, tomou outra configuração. Agora vejo um
corpo expressivo, um aparelho que se adere a esse corpo tornando-se um só elemento e
a música que artisticamente abraça-os e nos envolve numa experiência estética que não
passa despercebida. Retomaremos essa nova realidade nas considerações finais quando
à minha compreensão inicial será somada a essa tríade de conceitos, que foram
amplificados pelo olhar fenomenológico, o que torna todas essas novas compreensões um
caminho aberto e inacabado que me conduz para novas descobertas.
126
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Em” meu presente, se eu o retomo ainda vivo e com tudo aquilo que ele implica, há um êxtase em direção ao porvir e em direção ao passado que faz as dimensões do tempo se manifestarem, não como rivais, mas como inseparáveis: ser presentemente é ser sempre, e ser para sempre. A subjetividade não está no tempo porque ela assume ou vive o tempo e se confunde com a coesão de uma vida (Merleau-Ponty 1994/2011, p.566).
Resolvi que as minhas últimas considerações estariam bem amparadas se iniciadas
com a citação acima. Ela reflete uma primeira constatação na aventura de enveredar pela
fenomenologia como suporte filosófico para as minhas descobertas. O sentimento
acalentador de reconhecer no meu passado uma ponte que me liga ao futuro, concebido
em um presente alimentado ininterruptamente por esse passado, que tendo sido presente
e futuro, trouxe-me, nesse movimento de idas e vindas, a possibilidade de valorizar a
minha experiência com a GR, assim como torna-la esteio para as novas descobertas.
Essa constatação foi impactante e arrebatadora.
A primeira das minhas inquietações era encontrar uma forma de entrelaçar tudo o
que vivi como ginasta e professora de GR, a uma pesquisa que de fato fosse significativa
para mim, assim como o trabalho que venho desenvolvendo há tantos anos na escola e
cujas primeiras reflexões foram estabelecidas nas aulas ministradas na Universidade.
Encontrei esse caminho a partir da pesquisa que se fundamenta na fenomenologia
de Merleau-Ponty, pois pude ampliar o meu olhar sobre as coisas do mundo sem, no
entanto me desfazer do meu mundo. Pude refletir sobre conceitos que estavam em meu
cotidiano, mas podendo, a partir dos novos olhares criados em perspectivas distintas,
reformular e ampliar o meu entendimento sobre eles.
Concluído esse estudo, pergunto-me: O que mudou? Tudo mudou, meu olhar
expandiu-se, emocionou-se, redescobriu e procurou percorrer as faces dos conceitos que
se mostravam à minha percepção através dos conjuntos selecionados com essa
finalidade. Influenciada por essa imersão, os conceitos perderam a característica própria
das definições finitas que se entrega a um espectador estático e conformado. Mudou
porque me deparei com um olhar em movimento, que busca sempre novos
127
posicionamentos para que novas faces se descortinem. Os conceitos agora se
apresentam em perspectiva, contextualizados e redimensionados.
Outra inquietação era descobrir o que poderia ser discutido na GR a partir de um
enfoque Sócio-filosófico. Como tratar de uma atividade, desdobramento do esporte, que
enquanto prática corporal é por vezes estigmatizado e raramente percebido através de um
olhar ampliado e generoso fora da Ciência do Treino ou das áreas afins. Nessa busca a
opção por mergulhar em conceitos aparentemente óbvios, porém superficialmente
tratados na GR, como a arte e a cultura, assim como redimensionar o entendimento sobre
o conceito de técnica, tornou-se o caminho que respondia a essa inquietação.
As discussões nessa modalidade, predominantemente, permeiam o campo do
treinamento desportivo, da técnica e da detecção de talentos ou ainda da pedagogia do
movimento e da iniciação esportiva. Tornava-se, então, um desafio refletir sobre um
esporte considerado extremamente técnico, artístico, mas que raramente é percebido para
além da descrição objetivada do esporte essencialmente competitivo.
As descobertas foram potentes. O esporte foi resignificado. O que já era sentido na
minha prática profissional foi ratificado através das leituras. O esporte apresentou-se
elástico, flexível e aberto a sentidos diversos e por vezes dispares. Como afirma Bourdieu
(2004)
Num dado momento, um esporte é um pouco uma obra musical; uma partitura (uma regra do jogo, etc.), mas também, interpretações concorrentes (e todo um conjunto de interpretações do passado sedimentado); e é com tudo isso que cada um dos intérpretes se defronta, mais consciente do que inconsciente, quando propõe sua interpretação. (BOURDIEU 2004, p.215-216)
Como consequência dessas reflexões que foram emergindo ao longo dos capítulos,
o esporte, como conteúdo da Educação Física, pôde ser resignificado, pôde ser percebido
para além do rendimento esportivo apenas, pois permitiu-nos visualiza-lo como fruto da
cultura assim como seu produtor, embebido de arte e imbricado com a técnica.
Através dos olhos da cultura, percebemos o esporte que aproxima os povos
ampliando a experiência significativa do corpo. Compreendemos que ele próprio, como
produto do homem passa por constantes transformações a serviço do próprio homem e
que quando entendido como ponte que une vidas e verdades passa a agregar e não só
classificar. Assim ao ser utilizado com sentidos diversos, com limites e usos sociais
128
diferenciados, o esporte se mantém em destaque na Educação Física e justamente por
isso precisa de um olhar mais ousado e generoso sobre todas as suas possibilidades.
Nessa perspectiva, a arte também encontra no esporte um caminho para se
expressar. Novas experiências estéticas podem ser descortinadas, códigos resignificados,
olhares impactados. Para a Educação Física, abre-se mais uma possibilidade de entender
o corpo como obra de arte, e o esporte mesmo com todas as configurações já
estabelecidas, pode, a partir de um olhar ampliado, deslumbrar a todos, em situações
distintas, porque possui em sua essência o poder de impactar e emocionar.
A Técnica, que sempre foi companheira do esporte, muitas vezes a razão da sua
existência, também se apresentou com novas significações. Nas nossas ponderações,
descobrimos a técnica como um caminho que consente ao corpo a apropriação de novos
saberes assim como a possibilidade de criar movimentos inusitados. Ela deixa de ser
associada ao tecnicismo próprio do seu uso irreflexivo, objetivado e descontextualizado
para conjugar-se a um olhar que percebe o corpo em constante aprendizado. Dessa forma
a Educação Física pode também refletir sobre a técnica destacando ângulos e
perspectivas que já estão postos, mas que não foram suficientemente desvendados.
Cabe-nos abandonar as compreensões já sedimentadas e ampliar o entendimento da
técnica no universo da Educação Física.
Portanto, a partir das compreensões construídas a luz da fenomenologia de
Merleau-Ponty, a GR, modalidade esportiva, ressurgiu aos meus olhos com novas
perspectivas, pois, agora reflete o entendimento ampliado e indissociável dos conceitos
de técnica, de arte e de cultura que sempre fizeram parte do que ela é.
Ao retomarmos o corpo que é entrelaçado por esses conceitos percebemos que de
fato, eles já são interligados e não só na GR. Para Abbagnano (2007) a técnica é a
palavra que dá continuidade ao significado original do conceito de arte. Essa relação de
proximidade entre os dois conceitos, é valorizada pela cultura, na medida em que é
através da cultura que as compreensões de arte e técnica são sedimentadas.
Assim tornou-se um desafio dissocia-los ou discuti-los separadamente. No texto,
ao coloca-los em destaque, relacionando-os a uma equipe, tornou-se possível evidenciar
as diversas faces de cada conceito, aprofundar as constatações e criar uma base firme
para responder ao objetivo da pesquisa. Não havendo, portanto, a intensão de determinar
uma característica definitiva para cada uma das equipes, apenas evidenciar o que nos
129
parecia mais visível em cada conjunto naquele momento. Indicar a Rússia para refletir
sobre a técnica, a Bulgária para pensar a arte e a Espanha para apresentar o
entendimento sobre cultura, não objetivou enquadra-las em cada um dos conceitos. No
entanto, através da descrição de cada um dos conjuntos, percebi que a técnica possibilitou
a criação artística, que a arte amparou-se na cultura e que a cultura gestou a técnica e
arte utilizadas na construção de novos saberes a respeito do corpo, do esporte e da GR
em particular.
Considerar a técnica como caminho, a arte como expressão, e a cultura como o
fundo sobre o qual o corpo e o mundo estão unidos, é reconhecer nosso corpo como uma
obra de arte, que se utiliza de técnicas representantes de uma cultura, garantindo, a nossa
existência enquanto seres viventes em um tempo e um espaço que não findam e que
recursivamente nos instigam a busca de novas fronteiras.
‘Ginástica Rítmica: um concerto para o corpo’ possibilitou esse descortinar de novas
apreensões que foram se configurando em um contínuo melódico até que se encerrasse
deixando ecos que não cessarão em mim.
Por isso a ideia do pentagrama, a clave como o corpo, que é o que somos e de
onde parte o conhecimento. Nesse concerto, os sons, em coro, são os conceitos que
momentaneamente divididos, se descobrem indissociáveis e assim unidos compõem o
conjunto dos novos saberes resignificados e incorporados.
Sobre as linhas desse pentagrama, novos sons foram ouvidos e melodias
percebidas. Esses ‘conhecimentos-sons’ convergiram de volta à ‘clave-corpo’ de onde
partiram e onde sempre estiveram. Retornaram, mas não sem agregar saberes que
perpassarão todo o entendimento sobre o que já está posto; o treinamento desportivo ou a
iniciação a modalidade, assim como possibilitará enveredar por diferentes matizes, como
melodias que se permitem ao longo do tempo novas interpretações.
Assim, ao trazermos novas nuances sobre o concerto ora apresentado, tentamos
alargar o caminho das discussões sobre o corpo na GR, no esporte e na Educação Física
perspectivando motivar novos entendimentos, instigar novas reflexões e quem sabe
encontrar nesse caminho sem fim, novas canções que comporão um próximo concerto.
130
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135
VALOR: 0,30 VALOR: 0,30 VALOR: 0,10
VALOR: 0,30 VALOR: 0,10 VALOR:
2 3 3 2
VALOR: 0,30 VALOR: 0,30 VALOR:
2 3 2 3 S
VALOR: 0,20 VALOR: 0,10 VALOR:
2 3
VALOR: 0,30 VALOR: 0,30 VALOR:
VALOR: 0,10 VALOR: 0,30 VALOR:
2 3
VALOR: 0,20 VALOR: 0,20 VALOR:
EC
EC
VALOR: 0,10 VALOR: 0,10 VALOR:
3-2 3-2
VALOR: 0,10 VALOR: 0,30 VALOR:
VALOR: 0,40 VALOR: 0,30 VALOR:
2 3 2 3
VALOR: 0,10 VALOR: 0,30 VALOR:
2 3
VALOR: 0,20 VALOR: 0,10 VALOR:
AP
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EN
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136
A GR
A Ginástica Rítmica (GR) é uma das modalidades da ginástica que passou pelo
processo de esportivização em meados do século XX. Para conduzir a transformação a
que seria submetida com o intuito de transformar-se em esporte, o modelo ginástico de
Rudolf Bode foi incorporado ao quadro das modalidades que integravam a Federação
Internacional de Ginástica (FIG), órgão que passou a gerenciar essa prática corporal e
suas representações em todo o mundo a partir desse período.
A FIG é uma instituição que associada às representações nacionais, organiza as
normas e condutas específicas para cada uma das modalidades ginásticas, atualiza
regras, forma árbitros, fomenta o desenvolvimento técnico especifico de cada modelo
ginástico, além de responsabilizar-se pela organização dos campeonatos mundiais e
torneios olímpicos.
Compõem a FIG os desdobramentos dos diversos modelos ginásticos que surgiram
na Europa entre os séculos XIX e XX, são elas as ginásticas rítmica, artística, aeróbica
esportiva, trampolim, acrobática e a ginástica para todos, a única não competitiva.
Definir o caráter esportivo da GR não tem sido uma aventura fácil. Além da busca
constante por um julgamento justo foi preciso adequar inclusive o nome da modalidade
para que sintetizasse o que se esperava e o que se espera dela enquanto esporte. Assim
o nome dado à nova modalidade ginástica passou por várias mudanças que buscavam
ratificar o modelo que se delineava, assim muitas denominações foram apresentadas ao
longo dos anos, são elas: Ginástica Moderna em 1963, Ginástica Feminina Moderna e
Ginástica Rítmica Moderna em 1972. Ginástica Rítmica Desportiva foi adotado a partir de
1975 e tinha como objetivo ressaltar seu caráter competitivo, resultando na retirada das
séries obrigatórias dos campeonatos internacionais, pois acreditava-se que o estilo e as
características pretendidas pela FIG já haviam sido assimilados. A partir de 1998,
consolidado o caráter esportivo, passou a se chamar apenas Ginástica Rítmica.
Para que fosse considerada modalidade olímpica, a Ginástica Rítmica precisou
estar presente em todos os continentes e ter um número inconteste de praticantes
competindo em todo o mundo (SANTOS 2010). De fato essa exigência foi cumprida, no
entanto não visualizamos o mesmo desenvolvimento da modalidade em todos os
137
continentes. A Europa, berço da modalidade ditou e disseminou o modelo de ginástica que
é cultuado e copiado em todo mundo. De certa forma a GR, teoricamente bem executada
é aquela que segue o padrão apresentado pelos países desse continente. A diferença é
tão marcante que foi criado o Campeonato dos Quatro Continentes, evento que aconteceu
a cada dois anos entre 1978 e 2003, em oposição ao Campeonato Europeu. Obviamente
participavam desse campeonato os países integrantes dos continentes americano,
asiático, africano e a Oceania, alcançando um enorme sucesso entre os países
integrantes, já que auxiliava na tentativa de expansão da modalidade em cada um dos
continentes.
Mesmo com inúmeras estratégias para o nivelamento da modalidade entre os
continentes, o Campeonato Europeu supera em qualidade técnica inclusive as Olimpíadas
e os Campeonatos Mundiais. O primeiro porque limita o número de participantes e o
segundo porque abre para a participação de países que não se enquadram no perfil
técnico dos europeus.
A que se deve a grande distância técnica e artística entre os continentes? As
leituras confirmam a importância que a origem e o desenvolvimento da GR em solo
europeu proporcionaram a manutenção desse status. Contribui, também, para essa
característica, a valorização da modalidade em países que ao longo dos anos
incentivaram a sua prática entre crianças e jovens, como na Rússia que na década de 50
tornou a GR a educação física da mulher, difundindo uma cultura ginástica que fomentou a
massificação do esporte. A aproximação com a arte, a sensibilidade despertada pela
utilização da música, a possibilidade de criar movimentos novos contribuiu para o
crescimento do esporte na antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), A
Rússia integrava esse grupo e já se interessava por atividades rítmicas e expressivas
(Llobet, 1995). Essa característica resultou na inserção da modalidade nos países
europeus e asiáticos que pertenciam a esse bloco político. Assim encontramos a Bulgária,
a Ucrânia, a Bielorrússia, entre os países cuja subvenção Soviética impulsionou a
implementação e posterior desenvolvimento da modalidade.
Obviamente que devemos considerar o momento histórico em que foram decorridos
esses fatos. O pós-guerra dividiu o mundo em dois blocos os socialistas liderados pela
União Soviética e os capitalistas capitaneados pelos Estados Unidos. O esporte foi
138
inserido como arma de disputa do prestígio político. Os ginásios, estádios e até os jogos
olímpicos foram palco dessa disputa que resultou nos boicotes aos jogos de 1980 em
Moscou quando os países que se aliavam aos EUA não participaram e em Los Angeles
1984, quando os países do leste foram orientados a não participar. A GR, nesse período
estava na disputa direta por uma vaga como esporte olímpico e foi na Olimpíada de
Moscou que teve sua indicação acolhida. A ausência dos países capitalistas facilitou o
processo já que os votos eram decisivos nos países europeus principalmente do leste.
Nesse contexto é que a Bulgária, juntamente com a Rússia, tornaram-se grandes
expoentes da modalidade, “a linha de treinamento das búlgaras até hoje é seguida por
países do mundo todo, devido aos métodos de trabalho que desenvolvem as
características exigidas pela modalidade sem deixar de lado o aspecto artístico da
verdadeira intenção do movimento.” (SANTOS 2010, p. 28-29) A Rússia teve suas ideias
sobre o treinamento na GR multiplicadas entre os países que compunham a URSS
mesmo após a fragmentação do bloco, e continua sendo uma referência cada vez mais
forte por todo o mundo. A Bulgária também pertencia ao mesmo bloco politico, e ainda que
a URSS patrocinasse a manutenção do regime socialista em seus limites, dentro da GR
elas sempre rivalizaram.
Ainda como resultado da divisão política entre os blocos socialista e capitalista,
encontramos os países asiáticos que faziam parte da URSS: o Cazaquistão, o Azerbaijão,
Uzbequistão, a Coreia do Sul, atualmente repúblicas independentes, mas que
acompanham a escola russa de ginástica em todos os seus princípios, obtendo resultados
expressivos o que confere ao modelo de treinamento russo uma grande credibilidade.
Existe ainda o Japão e a China, que desenvolveram a GR de forma particular
respeitando peculiaridades próprias da sua cultura e do seu entendimento de mundo.
Coreografias instigantes, originais e criativas que tem como resultado grandes
apresentações e medalhas olímpicas, como a China medalhista do conjunto em Pequim
2008 e no último mundial em Kiev 2013 a ginasta Deng Senyue, considerada uma das
mais técnicas na atualidade, ficou entre as primeiras colocadas entre russas e ucranianas,
o que pode ser considerado um grande feito.
No continente americano existem diferenciações entre os latinos e os americanos e
canadenses. Os americanos ainda não conseguiram desenvolver-se na GR tanto quanto
em outras modalidades olímpicas cujos resultados são expressivos. A modalidade foi
139
introduzida no país em 1969. Nos anos seguintes foram realizados campeonatos e cursos
nacionais e em 1974 a Federação Americana de Ginástica promoveu a excussão de uma
equipe Russa pelo país com o intuito de divulgar a modalidade, mas ainda não se
conseguiu resultados significativos desse investimento. Ainda é perceptível o pouco
investimento americano na GR e para confirmar basta analisar os Jogos Pan-americanos,
maior evento esportivo do continente, cujos destaques concentram-se nos conjuntos
brasileiros, enquanto nos individuais existe uma alternância entre México, Brasil, Canadá e
EUA. No caso das representantes americanas são sempre ginastas com dupla
nacionalidade, descendentes latinas ou europeias. No Canadá existe uma GR com mais
visibilidade. As canadenses estão sempre nos eventos internacionais e foram as
representantes do continente nos Jogos Olímpicos de Londres 2012, além de ser uma
rival considerável do Brasil nos eventos continentais.
Nos demais países da América onde a ginástica é tutelada pela UPAG, União Pan-
americana de Ginástica, sobressaem à falta de planejamento e investimento. Nesse grupo
destacam-se o Brasil, o México, a Argentina e a Venezuela. Países que mais
frequentemente participam dos eventos continentais e internacionais. O México,
particularmente tem investido tanto na formação de profissionais quanto de ginastas,
mantendo contato próximo com treinadoras russas, no entanto não tem conseguido
ultrapassar os limites da América latina.
A modalidade sobrevive pela paixão que desperta. No Brasil a GR possui o maior
número de praticantes junto a Confederação Brasileira de Ginástica, no entanto não
consegue capitalizar o sucesso que tem entre as brasileiras quer seja nas escolas, quer
seja nos clubes, de norte a sul do país.
O processo de desenvolvimento da GR no Brasil está atrelado a CBG –
Confederação Brasileira de Ginástica, cuja responsabilidade é promover o
desenvolvimento desse esporte e consequentemente possibilitar a conquista de resultados
significativos nos eventos como Jogos Pan-americanos, Jogos Olímpicos e Campeonatos
Mundiais56.
56
Mais informações a respeito da trajetória do Brasil em eventos internacionais consultar Evolução Histórica da Ginástica Rítmica in Santos (2010)
140
O JULGAMENTO
Ciclo 2009/2012
Encontraremos nos textos, acadêmicos ou técnicos, específicos da GR, definições
que resumem a sua caracterização no mundo esportivo. Esses textos definem a GR como
uma modalidade olímpica, feminina, com provas individuais e de conjunto, que se utiliza
de aparelhos portáteis específicos: a corda, o arco, a boa, as maças e a fita e que tem
como objetivo principal a estreita relação entre a técnica corporal, o manuseio dos
aparelhos e o acompanhamento musical. Essa é sua formatação atual, resultado da
esportivização sofrida por ela e por outras formas de ginástica a partir da metade do
século XX.
Evidentemente que a sua inclusão no quadro da FIG57 e as configurações que a
regem na atualidade, não foram definidas com facilidade. Fez-se necessário inicialmente,
definir uma caracterização que a aproximasse das particularidades de uma prática
esportiva.
Com esse objetivo e com a intensão de unificar opiniões, em 1965, no mundial de
Praga a FIG, estabeleceu algumas orientações sobre a ginástica moderna denominação
da GR inicialmente. Para a instituição a ginástica moderna não era dança clássica nem
dança moderna, tinha em um estilo próprio, era um desporto fundamentado nos
movimentos naturais do corpo e na expressão pessoal (Schimdt, 1985). A partir dessa
afirmação foram esboçadas as primeiras regras e organizado o primeiro curso de
arbitragem. Todo investimento para a regulamentação da GR deu-se somente em 1968
quando foram determinadas por uma comissão especial as regulamentações
internacionais, estabelecendo as exigências além de definir como implementos específicos
para a modalidade: a bola, o arco e a corda. No entanto o primeiro código só veio a ser
publicado em 1970. (LOURENÇO in PAOLIELLO e TOLEDO 2010)58.
57
Federação Internacional de Ginástica 58
Os exercícios a mãos livres foram retirados das competições oficiais só retornando anos depois nas categorias infantis. Em 1971 é introduzida a Fita e em 1973 as maças.
141
Definido sua característica enquanto modalidade competitiva, o Código de
Pontuação (CP) da GR, tenta objetivar as exigências que serão inseridas nas
composições ginásticas individuais e de conjunto, norteando o processo de construção e
aplicação das exigências técnicas às composições ginásticas encaminhando as
coreografias a sua posterior avaliação.
O CP é elaborado pelo grupo de Árbitros Experts (Madames) que compõem o
Comitê Técnico de Ginástica Rítmica pertencente à FIG e é reavaliado continuamente
sendo reeditado a cada final de Ciclo Olímpico59, ou seja, de quatro em quatro anos.
Segundo Lourenço (in PAOLIELLO e TOLEDO 2010) isso acontece desde a primeira
edição.
No período em que decorre o ciclo olímpico, o grupo de Madames, observa,
diagnostica, analisa e cria soluções ou alternativas que venham a garantir o processo de
sedimentação da GR no mundo esportivo, além de orientar as normas de formação dos
árbitros e formação dos técnicos que garantirão, através das suas competências, a
continuidade da modalidade.
Nosso estudo utilizou o CP referente ao 12º ciclo que se estendeu de 2009 a 2012.
Optamos por essa delimitação por ser um código já consolidado, apesar de já estarmos
utilizando em 2013 um código reformulado, que ainda está em processo de compreensão
e sedimentação.
O CP que utilizamos tem sua estrutura dividida em: Generalidades, Exercícios
Individuais e Exercícios de Conjunto. Todo o documento é elaborado para as ginastas da
categoria adulto, ginastas a partir dos 16 anos, e sofre alterações quanto ao número e
nível das exigências para as categorias menores (juvenis e infantis). As adaptações para
as categorias juvenis são feitas pelo Comitê Técnico da FIG enquanto que para as
ginastas infantis, são realizadas pelas federações nacionais. Trataremos de forma sucinta
de cada um dos tópicos que compõem o CP 2009/2012.
GENERALIDADES:
59
Ciclo Olímpico: Período entre duas edições dos jogos olímpicos.
142
Trata das normas básicas para os exercícios individuais e de conjunto, do que
consiste o programa de competição e qual o número de ginastas por prova. Orienta o
tempo para cada prova, apresenta as regras de disciplina de ginastas, técnicos e
jurados.
Informa que a prova de conjunto, para a categoria adulta, consiste de uma
coreografia com um único aparelho, que é o conjunto simples, e uma com dois
aparelhos, o conjunto misto.
Apresenta a composição das bancas de arbitragem que são divididas em três grupos:
Dificuldade (D), o Artístico (A) e a Execução (E). Cada uma dessas bancas é
composta por quatro árbitros.
Nas generalidades encontramos o valor das penalizações, a distribuição e cálculo das
notas e a diferença permitida entre elas para se garanta um julgamento justo.
Informa as exigências técnicas para a utilização da música, tipo de gravação, caráter
de música a ser utilizada e as possibilidades de mixagem entre músicas diferentes.
Orienta as normas sobre os aparelhos. Apresentam as regras de colocação do
aparelho-reserva, das perdas e recuperações, o procedimento em caso de contato
com o teto ou quebra do aparelho durante a apresentação.
Indica as normas para a utilização da vestimenta de competição e suas penalizações
em caso de uso indevido.
Apresenta as responsabilidades do Juiz Coordenador que é o responsável pela
arbitragem no momento de uma competição e é sempre o mais graduado dos árbitros.
EXERCÍCIOS INDIVIDUAIS:
Nesse capítulo o CP trata de tudo que se refere aos exercícios individuais. Divide – se
em três critérios: as dificuldades, o artístico e a execução.
O critério que trata das dificuldades (D) subdivide-se em Dificuldade corporal (D1) e
Dificuldade com aparelhos (D2). É composta de 4 árbitros que avaliam o valor técnico das
composições, número e nível das dificuldades corporais além da utilização dos aparelhos
relacionados à movimentação das ginastas. Cada critério tem o valor igual a dez pontos e
a nota da dificuldade é dada pela média entre os dois critérios: D1+D2=10 pontos.
143
O texto referente às dificuldades corporais (D1) apresenta o número de dificuldades
presente nas composições para um máximo de dez pontos. Nesse capítulo também são
apresentados os elementos corporais e todas as possibilidades e variações permitidas
pela modalidade, com seus valores isolados e em combinações permitidas, distribuídas
em níveis indicados por letras que vão de A até J, com valores crescentes a partir de 0,10
pontos. Essas dificuldades são apresentadas em uma ficha na ordem da composição e
deve ser entregue aos árbitros antes da competição. Nesse caso só serão avaliadas as
dificuldades listadas. As Dificuldades Corporais são compostas pelos Elementos Corporais
Fundamentais: os saltos, os equilíbrio, os pivôs e os elementos de flexibilidade/ ondas.
Cada um deles faz parte do Grupo Corporal Obrigatório de cada aparelho ginástico, isto é,
indica o elemento corporal que deve aparecer em predominância nas composições de
cada aparelho como apresentado no quadro de referência.
CORDA ARCO BOLA MAÇAS FITA
SALTOS
PIVOTS
SALTOS
EQUILIBRIOS
PIVOTS
FLEX./ONDAS
ELEMENTOS
DE
FLEXIBILIDADE
E ONDAS
SALTOS
EQUILIBRIOS
PIVOTS
PIVOTS
SALTOS
Quadro de referência
Fonte: Código de Pontuação – 2009/2012
O capítulo orienta o procedimento a ser tomado quando existe a criação de um
elemento corporal original que possa ser reconhecido pela FIG. Apresenta as
penalizações aplicadas pelos árbitros de dificuldade no que concerne ao número de
dificuldades a mais do que o permitido, número de elementos corporais do grupo corporal
fundamental insuficiente, utilização de elementos acrobáticos não autorizados, podendo
então atribuir a nota pertinente e deduzir as penalizações.
144
Em seguida inicia a apresentação dos elementos corporais acompanhados da
descrição dos critérios de execução e suas características de base tanto em forma texto
como representados com gravuras e símbolos. Esses símbolos são utilizados para o
preenchimento das fichas avaliativas e em caso de erro na transcrição, a ginasta é
penalizada.
As Dificuldades com Aparelhos (D2) podem ter para um valor máximo de dez
pontos com um número ilimitado de elementos de maestria do aparelho, com ou sem
lançamento, com elementos de risco e originalidades.
As maestrias são elementos do aparelho que devem ser executadas com perfeição
para serem validadas. São elementos descriminados no CP que enfatizam a qualidade do
trabalho das ginastas ao relacionar-se com o aparelho. Esses elementos podem ser
realizados fora do campo visual, sem auxilio das mãos, com alteração da trajetória dos
aparelhos, com rolamentos sobre o corpo em série entre outras maneiras de se apresentar
o aparelho de forma surpreendente. Em uma mesma ação pode haver várias maestrias,
inclusive com lançamentos, no entanto o erro em uma das maestrias dessa ação, não
invalida as demais.
Os elementos de risco referem-se aos lançamentos em que a ginasta perde o contato
visual com o aparelho através das rotações do corpo. Essas rotações podem ser em
diferentes eixos, com mudança de nível, com recuperações dos aparelhos associados as
diferentes maestrias como por exemplo: fora do campo visual, sem mãos, com passagem
por dentro do aparelho entre outros.
Os elementos de originalidade são elementos novos, originais, exclusivos, criados pela
ginasta ou por sua equipe e submetidos a avaliação da FIG, caso seja realmente
considerado original, por um ano a ginasta ou equipe tem a bonificação do elemento. Após
esse período, passa a ser incorporado ao código como os demais. Atualmente a FIG tem
utilizado o nome das ginastas para batizar os elementos, assim como já se faz na
ginástica artística.
Assim como as dificuldades corporais, os elementos com aparelhos devem ser
escritas em uma ficha para a apreciação dos árbitros. O preenchimento se dá através dos
símbolos indicados no CP, que indica também os elementos específicos de cada aparelho.
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Esses elementos devem predominar nas coreografias para que sejam garantidas as
características dos mesmos.
O texto seguinte trata do valor artístico (A) da coreografia. Na GR esse caráter é
representado pelo acompanhamento musical, pela coreografia e pela imagem artística, no
entanto o CP não detalha o que deve ser entendido por imagem artística, um dos pontos
que geram divagações. A banca de artístico é composta por quatro árbitros e o valor
máximo da nota é igual a dez pontos.
Esse critério da GR é o que mais polemiza a ação dos árbitros ao mesmo tempo em
que instiga as técnicas e coreógrafos na busca de novas composições que atendam a
subjetividade do julgamento à luz dos ditames do CP. O objetivo principal do componente
artístico “é a projeção de uma mensagem emocional para os espectadores e a
apresentação de uma ideia coreográfica com uma interpretação expressiva guiada por três
aspectos seguintes: acompanhamento musical, imagem artística e expressividade” (CP
2009/2012 p.81).
Todos os exercícios devem ser realizados em sua totalidade com música no
entanto pausas breves são permitidas quando motivadas pela composição. As músicas
podem ser compostas especialmente para a coreografia ou ser a junção de mais de uma,
desde que seja respeitada a coerência do tema. Não é permitido o uso de palavras a não
ser como instrumento vocal. É obrigatória uma harmonia muito estreita entre o caráter e o
ritmo da música com o exercício e seus movimentos.
A coreografia deve está caracterizada por uma ideia-guia que deve ser mantida do
início ao fim de forma coerente e se utilizando para isso de todas as possibilidades
corporais e de manuseio do aparelho, preocupando–se com a variedade na escolha
desses elementos, nos níveis, panos e trajetórias de execução. Entretanto a composição
não deve ser uma sucessão inglória de dificuldades, mas sim utilizar “enlaces técnicos,
estéticos e emocionais” (CP 2009/2012, p. 82) de forma a conduzir o tema em harmonia
com a música. A coreografia deve preocupar-se com a escolha e distribuição dos
elementos corporais e do aparelho por toda a coreografia de forma homogênea.
Enfatiza a importância de evitar movimentos segmentados, restritos a movimentos
amplos, mas sim ficar atento aos detalhes como posição das mãos ou da cabeça que
muitas vezes apresentam-se mais expressivos. Assim o corpo deve ser um todo em cada
movimento.
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Os movimentos dos aparelhos devem ser coordenados com os elementos corporais
em diferentes deslocamentos, com diferentes movimentos dos braços e do tronco, com
saltos, equilíbrios, pivôs e elementos de flexibilidade/ondas.
O capítulo também trata dos elementos acrobáticos autorizados para a GR.
Movimentos inspirados na ginástica artística, que são realizados em associação com os
aparelhos e sempre com a intensão de compor uma sequência mais artística ou de dar
mais agilidade e preciosismo a um elemento de risco ou maestria.
Aqui também encontramos as orientações com relação à atuação dos árbitros para
esse critério, as faltas e penalizações pertinentes.
Fechando os exercícios individuais temos o tópico sobre a execução, critério que
alerta para as falhas possíveis e suas penalizações no que diz respeito a musica, a
técnica corporal, a técnica com aparelho. O valor das penalizações parte de 0,05 e 0,10
para as pequenas falhas, 0,20 ponto para as falhas de gravidade mediana e a partir de
0,30 para as faltas graves. As faltas de execução devem ser aplicadas a cada vez e por
cada elemento. O total das penalizações deve ser retirado de dez pontos.
Assim chegamos à nota final individual; trinta pontos ou D (D1+D2)+A+E = 30
pontos. 2
EXERCÍCIOS DE CONJUNTO:
No capitulo dos conjuntos a mesma estrutura se repete e as mesmas orientações a
respeito das dificuldades corporais, dificuldades com aparelhos, artístico e execução dos
exercícios individuais, permanecem válidas. A ênfase agora é no que se refere ao grupo
de cinco ginastas que formam o conjunto e as inter-relações necessárias entre elas, quer
sejam através das trocas, quer sejam através das colaborações.
Nas generalidades, além do exposto nos exercícios individuais, temos itens
referentes à ginasta e aparelhos reservas, ao colant60 das ginastas do grupo, a entrada na
área de competição, início e final do exercício.
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Vestimenta específica da GR
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Nas dificuldades corporais (D1), o foco passar a ser a escolha das dificuldades
possíveis para todas as componentes do grupo, pois uma escolha inadequada à condição
técnica de uma ginasta invalida a execução de todas as componentes do grupo.
Cada exercício pode ter até quatorze dificuldades no máximo, sendo 6, no mínimo,
através das trocas que são elementos de lançamento de ginasta para a outra, envolvendo
as duas ações: lançar e receber.
As trocas poderão ser associadas aos elementos corporais durante o lançamento
ou a recepção assim como podem acontecer usando elementos de maestria. Nelas
concentram-se as maiores possibilidades de erros, porque envolve as ações de enviar e
receber corretamente cinco aparelhos ao mesmo tempo ou em rápida sucessão, as duas
ações sem falhas. As trocas e as dificuldades corporais compõem esse critério da GR.
Nas dificuldades com aparelhos (D2) entram as colaborações que junto às trocas
dão a prova de conjunto seu verdadeiro sentido, a união das cinco ginastas em uma
mesma coreografia de forma harmônica. Ginastas sempre em sintonia, passando
artisticamente aos espectadores, público e jurados, a ideia de unidade.
As colaborações podem ser definidas como o momento em que as ginastas estão,
em sua totalidade ou parcialmente, em contato direto umas com as outras ou por
intermédio de aparelhos, em deslocamento ou em formações estáticas. O importante é
passar a ideia de interação entre as ginastas.
Nas colaborações podemos ver movimentos realizados simultaneamente pelas
cinco ginastas ou em subgrupos, com lançamentos ou maestria. Quando essa relação
acontece com lançamento e perda do contato visual com utilização de rotações do corpo,
passa a ser denominada colaboração de risco. O CP apresenta várias possibilidades e dar
valores diferentes na medida em que aumenta a complexidade dessas colaborações.
Nessa perspectiva percebemos que o conjunto utiliza a compreensão dos critérios
individuais para aplica-los nas provas de conjunto inclusive na execução, diferenciando-se
apenas no que se refere às trocas e colaborações.
As normas referentes ao artístico seguem as mesmas orientações dadas às
coreografias individuais. Obviamente que a particularidade da presença das cinco ginastas
que caracteriza o conjunto pede um olhar também diferenciado para a coreografia.
A organização do trabalho coletivo, citado no CP, solicita que as coreografias
preocupem-se, no caso dos movimentos iguais para as cinco ginastas, com a execução
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sincronizada, mas também em rápida sucessão, em cascata (canon) e por contraste,
quando existe uma contraposição entre os movimentos que são executados
alternadamente. No caso dos movimentos diferentes podem ser apresentados em coral ou
em colaboração. O coral é também um termo utilizado na música, mas que transposto
para a GR significa que cada ginasta em determinado momento da série pode executar
um movimento específico e diferente das ouras ginastas. Essa situação, porém não deve
ser a tônica do conjunto.
Para a execução permanecem as mesmas orientações dos individuais. A diferença
para os conjuntos é que as penalizações, em sua maioria são multiplicadas por cinco. Aí
reside a importância da estratégia de composição das treinadoras e coreógrafas. Todo
trabalho de composição deve garantir que mesmo cumprindo as exigências orientadas
pelo código, escolhendo movimentos adequados, com valor competitivo, não haja perda
na qualidade artística da composição, principalmente no conjunto onde a meta principal é
garantir a ideia de grupo, de unicidade na individualidade, de coesão, sem esquecer a
expressão artística.
REFERÊNCIAS:
ÁVILA-CARVALHO, L. Ginástica Rítmica de Alto Rendimento Desportivo: Estudo de variáveis do desempenho na especialidade de conjuntos. Dissertação de Doutoramento em Ciências do Desporto apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. 2012 CÓDIGO DE PONTUAÇÃO GINÁSTICA RÍTMICA DESPORTIVA - FIG – 2009 – 2012
LLOBET, Anna Canalda, Gimnasia Rítmica Deportiva teoría y práctica – Colección Deporte – Editorial Paidotribo, 1998.
SANTOS, Eliana Virginia Nobre dos – Composição coreográfica em ginástica rítmica: do compreender ao fazer/ Eliana Virginia Nobre dos Santos, Márcia Regina Aversani, Roberta Gaio – Jundiaí, SP: Fontoura, 2010.
SCHMID,A.B.Gmnasia Rítmica Desportiva, Barcelona, Editorial Hispano Europea,S/A,1985