veiga eehler - in mayorgema 2010[1]

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    in: MAY, Peter (org) Economia do meio ambiente: teoria e prtica, 2 ed, RJ: Elsevier/Campus, 2010, p. 289-308

    DIVERSIDADE BIOLGICA E DINAMISMO ECONMICO NO MEIO RURAL

    Jos Eli da Veiga e Eduardo Ehlers

    (Janeiro 2009)

    Introduo

    Quando a primeira edio deste livro foi publicada, em 2003, a degradao dabiodiversidade e o aquecimento global estavam praticamente empatados na liderana dasprincipais preocupaes ambientais. Mas, nos anos recentes, o aquecimento global disparouna dianteira desse ranking. Provavelmente porque seus efeitos podem ser mais facilmentecompreendidos e sentidos pela sociedade em geral, levando muito mais gente a questionar

    os alicerces e os rumos do industrialismo. Alm disso, as previses sobre os gravesimpactos provocados pelo aquecimento global, inclusive o desaparecimento dabiodiversidade, ajudaram a estabelecer essa hierarquia. Mas obvio que os esforos paratentar solucionar os principais problemas ambientais no podem ser excludentes, casocontrrio, de que adiantaria conter o aquecimento do planeta se at l a diversidade deespcies j estiver praticamente extinta?

    Este captulo aborda a importncia econmica da diversidade biolgica, buscandoidentificar mecanismos que permitam conciliar sua conservao e a criao de empresas eempregos. Inicialmente, mostra-se que a valorizao da biodiversidade um fenmenorecente. No passado predominava a crena de que, nos trpicos, a natureza diversificada e

    hostil dificultava ou mesmo impedia qualquer tentativa de civilizar os povos e os pasesdessas regies. A eliminao das florestas tornaria o ambiente tropical mais semelhante aoeuropeu, ampliando, assim, as chances de prosperidade. Foi s aps a publicao dasdescobertas de Charles Darwin, que as teses sobre a natureza tropical perderam o sentido.Nas ltimas dcadas do sculo XX a diversidade biolgica j era aceita como um trunfo eno como um obstculo ao crescimento econmico. Todavia, a estratgia convencional deconservao, baseada na manuteno e expanso de reas protegidas, insuficiente paramanter a diversidade da vida. A sada a ampliao das atividades econmicas queconservem ou mesmo ampliem a biodiversidade, tais como: o aproveitamento dasamenidades no meio rural e a diversificao dos sistemas produtivos agrcolas. Por fim,conclui-se que para avanar nessa direo necessrio taxar muitas das atividades que

    contribuem para degradao da natureza e investir os recursos arrecadados no pagamentode servios ambientais e na promoo de empreendimentos voltados conservao dabiodiversidade.

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    A viso da biodiversidade na histria

    Qual a dimenso da diversidade da vida? Quantas espcies de fato existem no planeta?No se tem respostas exatas a estas perguntas. As estimativas apontam variaes entre 5 e100 milhes, mas muitos especialistas acreditam que o nmero de espcies vivas de

    aproximadamente 12,5 milhes. Dentre essas, cerca de 1,7 milhes so conhecidas, sendo:750 mil insetos, 41 mil vertebrados, 250 mil plantas, alm de milhares de invertebrados,fungos, algas e microorganismos (Parker, 1982 apud:Wilson, 1997:4). Estimativas aindarudimentares mostram que em 2006 o nmero de espcies de insetos conhecidos jchegava a 900 mil. S os insetos somam aproximadamente um milho de trilhes de seresvivos e as 10 mil trilhes de formigas vivas tem pesam tanto quanto toda a populaohumana (Wilson, 2008:42).

    Mesmo desconhecendo-se a totalidade de espcies, ampliam-se as evidncias cientficassobre a sua importncia para a manuteno da vida em todo o planeta. Se os insetosdesaparecessem, em pouco tempo morreria a maioria das plantas e dos animais (Wilson,

    2008:44). Dentre os argumentos que justificam a importncia biolgica e econmica dabiodiversidade destacam-se os seguintes (OCDE, 1996-a:7):

    A biodiversidade facilita o funcionamento dos ecossistemas, permitindo que o planeta se mantenha habitvel (por exemplo: trocas de carbono, manuteno

    das fontes de gua superficial e subterrnea, proteo e fertilizao dos solos,

    regulao da temperatura e do clima, dentre outras funes).

    Oferece valores estticos, cientficos, culturais, dentre outros valoresuniversalmente reconhecidos, mesmo sendo intangveis e no monetrios.

    A biodiversidade a fonte de muitos produtos utilizados pelas sociedadescontemporneas: alimentos, fibras, produtos farmacuticos, qumicos, etc.,alm de ser a principal fonte de informaes para o desenvolvimento da

    biotecnologia.

    A biodiversidade a base para as culturas agrcolas e para o melhoramento edesenvolvimento de novas variedades1.

    A beleza e a singularidade de diversos ecossistemas tm valor para uma sriede atividades recreativas e de ecoturismo.

    1 Dentre esses argumentos, talvez o mais perceptvel seja o aproveitamento da biodiversidade para aalimentao humana. Ainda que a nossa dieta se concentre atualmente em aproximadamente 150 espcies com forte predominncia de quatro: trigo, arroz, milho e batata - no curso da histria estima-se quehumanidade tenha utilizado cerca de 7000 espcies de plantas comestveis. No obstante, existemaproximadamente 75.000 espcies que poderiam ser includas nos nossos cardpios, muitas delas comvantagens sobre as que usamos atualmente (Myers, 1984 apud: Wilson, 1997:19; Witt, 1985 apud: Plotkin,1997:139).

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    O uso do termo biodiversidade bastante recente. Comeou a ser usado em artigos dobilogo Edward O. Wilson no final dos anos 1980. Em linhas gerais, definido como adiversidade de todas as formas de vida na Terra. Na perspectiva cientfica, trata-se de toda avariedade de vida estudada em trs nveis: os ecossistemas; as espcies que os compem; eos genes que compem essas espcies (Wilson, 1997). Soa agora como um termo comum,

    amplamente utilizado nas escolas e nos jornais, mas nem por isso seu significado tornou-seclaro e certeiro. Usamos indistintamente o termo biodiversidade para expressar adiversidade de seres vivos presentes num pomar de macieiras, no interior da FlorestaAmaznica, ou quando nos referimos relao o conjunto de florestas e as mudanasclimticas. Essa abrupta mudana da escala obscurece a noo de biodiversidade (LeGuyader, 2008). como se usssemos a mesma palavra para fazer referncia aosmilmetros, aos metros e aos quilmetros.

    Se o uso do termo recente, a noo de variedade da vida j estava presente em vriascivilizaes antigas. Gregos, romanos, chineses e vrios outros povos esboaram sistemasde classificao e se preocuparam em relacionar os diferentes organismos vivos conhecidos

    em suas pocas (Lewinsohn, 2001:1). No Europa, entre os sculos XVI e XVII, osnaturalistas criaram 25 sistemas para classificar as espcies botnicas. Mas foi em 1750 queo sueco Carl Lineu lanou uma proposta de classificao do mundo natural que se sobrepss demais e que permanece vigente at hoje: o Systema Naturae. A relao publicada em1758 j continha cerca de 9.000 espcies de plantas e de animais classificadas por Lineu eseus assistentes. Esse nmero cresceu muito rapidamente nos anos seguintes, no apenasdevido inveno do microscpio - cujas lentes revelaram um novo universo deorganismos at ento desconhecido -, como tambm, devido ao crescimento das viagensexploratrias dos naturalistas europeus (Lisboa, 1997:69; Lewinsohn, 2001:2).

    A atrao pelo extico, a vontade de estudar a flora e a fauna dos trpicos e o interesse em

    descobrir novas espcies comercialmente explorveis foram os principais fatores quemotivaram os viajantes a conhecer o novo mundo. O Brasil, particularmente, por deixarsuas fronteiras fechadas at 1808, revelava-se como terra prometida para os interesses dos

    naturalistas. E a revogao da proibio entrada dos estrangeiros possibilitou a vinda dedezenas de naturalistas europeus como Langsdorf, Wied-Neuwied, Saint Hilaire, Spix,Martius e de pintores como Taunay, Rugendas, Debret - que retratavam as imagenspitorescas das expedies. Nos relatos desses viajantes naturalistas fica evidente o fascniodiante da exuberncia e da diversidade das formas de vida encontradas no novo continente(Lisboa, 1997:69).

    Entretanto, interessante notar que o deslumbramento desses viajantes diante da natureza

    dos trpicos contrastava com os preceitos tericos que traziam em suas bagagens. Afinal,no incio do sculo XIX, ainda predominava a crena nas teses decadentistas formuladaspelo naturalista francs, Conde de Buffon. Em 1749 Buffon publicava os trs primeirosvolumes de um total de 36 de sua Histoire Narturelle, na qual tentou comprovar ainferioridade da natureza no continente americano. A ausncia de animais de grandeporte - camelos, dromedrios, elefantes, girafas era uma prova irrefutvel de suas teorias.Para ele, a desprezvel ona dos trpicos jamais poderia ser comparada a um leo dassavanas e o tapir brasileiro no passava de um elefantinho ridculo que no conseguiu se

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    desenvolver. O estado bruto da natureza, o aspecto pantanoso da paisagem, a constanteumidade das florestas e a intolervel presena dos mais variados tipos de insetos tornavamo ambiente insalubre para o desenvolvimento de qualquer animal de grande porte (Gerbi,1960 apud: Lisboa, 1997: 78).

    Mesmo sem nunca ter pisado na Amrica, Buffon estendeu suas teorias sobre os animais degrande porte aos homens do novo mundo, tentando provar que a natureza era um enormeobstculo ao desenvolvimento desses povos. O homem americano marcado peladebilidade fsica, pelo tamanho insignificante, pela insensibilidade e pela carncia devivacidade. Ao contrrio, nas regies de clima temperado podiam ser encontrados homensmais belos e bem feitos. A explicao de Buffon parecia bastante convincente: nasregies de clima temperado a natureza era muito mais organizada e, portanto, maispropcia civilizao. Ao adentrar um bosque, qualquer um poderia facilmente identificaras diferentes espcies de plantas e de animais ali presentes. Ao contrrio, nas florestastropicais, a natureza no havia atingido este estgio de maturidade e de organizao; asplantas e os animais se misturavam de tal forma que era praticamente impossvel identifica-

    los. Este ambiente hostil dificultava o desenvolvimento dos povos selvagens einviabilizava qualquer tentativa de civilizao (Gerbi, 1960 apud: Lisboa: 78).

    Por quase um sculo, essas idias foram amplamente aceitas no insipiente meio cientficoeuropeu. Todavia, a aproximao ao desconhecido mundo dos trpicos levou muitosnaturalistas a questionar as consagradas teses de Buffon. Ao cruzar as temidas guas domar do Caribe, em 1799, Alexander von Humboldt relata seu encantamento diante danatureza do novo mundo, contribuindo para reverter a imagem depreciativa do continenteamericano (Lisboa, 1997:81). Mas o cheque-mate nas teorias de Buffon seria dado em 1859com a publicao da teoria evolucionista de Charles Darwin. Em Origem das espciesDarwin mostra que, ao contrrio do que se pensava, os seres vivos esto em constante

    processo evolutivo e a diversidade gentica fundamental aos mecanismos de seleonatural das espcies.

    Obviamente as idias de Darwin e de outros pesquisadores sobre a importncia dadiversidade das espcies no convenceram a comunidade cientfica e, muito menos, orestante da sociedade. Tanto que o sculo XX foi marcado pela crescente degradao dosecossistemas e pela extino de milhares de espcies de plantas e de animais. Mesmoassim, essas idias deram incio a um processo de transio no qual a diversidade biolgicapassa a ser considerada ainda que em crculos muito restritos uma vantagemcompetitiva do meio rural e no um obstculo ao seu crescimento econmico.

    Impactos econmicos da perda de biodiversidade

    Com a acelerada degradao dos ecossistemas tropicais, particularmente no ltimo quartodo sculo XX, proliferaram os trabalhos cientficos sobre o tema. Em meados dos anos1980, o bilogo norte-americano Edward O. Wilson adotou o termo biodiversidade, que

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    rapidamente foi incorporado pelos estudiosos da rea. Biodiversidade toda a variedade deorganismos vivos em todos os ecossistemas do planeta. O estudo da biodiversidade incluitambm as interaes e os processos que fazem os organismos, as populaes e osecossistemas preservarem sua estrutura e funcionarem em conjunto.

    A necessidade de se criar instituies que regulamentassem tanto a proteo como o uso dabiodiversidade levou 157 pases a assinaram a Conveno Sobre Diversidade Biolgica(CDB) durante a Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente eDesenvolvimento, a Rio-92. Os signatrios deste documento se comprometeram a respeitara soberania dos pases sobre seu patrimnio gentico, bem como, possibilitar o acesso aesses recursos desde que em condies previamente estabelecidas entre as partesinteressadas.

    Diversidade biolgica significa a variabilidade de organismos vivos de todas

    as origens e os complexos ecolgicos de que fazem parte; compreendendo

    ainda a diversidade dentro de espcies, entre espcies e de ecossistemas."

    (SMA, 1997:16).

    No a primeira vez na histria do planeta que a biodiversidade corre riscos de extino.Desde a emergncia da vida, h 4 bilhes de anos, pelo menos cinco grandes episdiosnaturais provocaram drsticas redues no nmero de espcies. Alguns especialistasconsideram que a atual presso antrpica sobre os ecossistemas seria o sexto grande eventode extino em massa. E bem provvel que eles tenham razo. Em condies naturaisuma espcie extinta a cada ano (Myers, 1997:36), mas hoje estima-se que 10.000 espciesdesapaream anualmente (Wilson, 1987 apud: Myers 1997:39).

    muito difcil estabelecer com segurana a importncia relativa dos seis fenmenos quemais provocam a perda de biodiversidade: (i) destruio e alterao de habitats; (ii)explorao de espcies selvagens; (iii) introduo de espcies exticas; (iv)homogeneizao; (v) poluio; (vi) mudanas ambientais globais. Quanto extino globalde animais, estima-se que um tero seja provocada pela destruio/alterao de habitats,outro tero venha da introduo de espcies, e o terceiro decorra de formas insustentveisde caa e de pesca. Mas cerca de dois teros dos estoques de peixes marinhos esto sendoultra-explorados, ou j foram extintos. E trs quartos dos desaparecimentos de pssarosdecorrem diretamente de mudanas de uso dos solos, exatamente como acontece com aextino de plantas (WCMC,1992 apud: OCDE, 1996-a).

    As formas mais visveis dessas mudanas de uso dos solos so as derrubadas de florestas, adrenagem de reas midas, a construo de estradas, a expanso e criao de aglomeraesurbanas etc.. Todavia, o pior parece ser a resultante fragmentao de formaes naturaisque antes eram contnuas. Muitas espcies desaparecem; muitas vezes diminui a populaodas que subsistem; movimentos passam a ser restritos; e torna-se mais freqente a presenade predadores e competidores que perderam seus habitats naturais (Meffe & Carroll,1994apud: Veiga, 1999).

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    Comparveis aos impactos das mudanas de uso dos solos so os estragos causados pelahomogeneizao, isto , as perdas de diversidade provocadas pela padronizao dossistemas de produo agropecurios. Alm da diminuio do nmero de espcies e davariedade gentica das plantas utilizadas, tambm ocorre uma dramtica reduo donmero de outras espcies, como as bactrias fixadoras de nitrognio, os fungos que

    facilitam a absoro de nutrientes, predadores de pragas, polinizadores etc. Enfim, minguaa base gentica de inmeras espcies que co-evoluiram durante sculos ou milnios(Norgaard, 1988). Simultaneamente, guas superficiais e subterrneas so contaminadas,tanto pelo uso crescente dos insumos bsicos dessa converso (fertilizantes qumicos eagrotxicos), quanto pela excessiva concentrao da pecuria. Alm dos problemas desade, essa falta de diversidade funcional compromete a resistncia e a resilincia dosagroecossistemas, aumentando a sua vulnerabilidade s pragas, secas e outras mudanasclimticas (Hazell, 1989).

    Assim, apesar de ser impossvel hierarquizar as seis principais manifestaes da perda debiodiversidade, talvez no seja abusivo destacar a brutal artificializao agropecuria (que

    ironicamente ficou conhecida como modernizao ou revoluo verde), desde quedevidamente inserida no contexto espacial do processo de desenvolvimento (Veiga, 1999). justamente esta artificializao agropecuria aliada expanso da fronteira agrcola quevm dilapidando a diversidade biolgica da Floresta Tropical Atlntica, dos Cerrados, daCaatinga e, mais recentemente, da Floresta Amaznica. Contudo, esse destaque agropecuria no deve fazer esquecer os efeitos nefastos de outras atividades primrias,como as diversas formas de extrao florestal, mineral e pesqueira.

    A degradao da Mata Atlntica no um fenmeno recente. Em uma das obras maiscompletas j escritas sobre a histria da ocupao de um ecossistema brasileiro, WarrenDean discorre sobre os vrios ciclos de degradao, desde a explorao do pau-brasil at os

    nossos dias. Dean mostra que o ciclo do caf sucedido pelo crescimento das indstrias e damalha ferroviria - que tinham a lenha e o carvo vegetal como matriz energtica - foram osprincipais responsveis pela derrubada da floresta. A partir da dcada de 1960, o plantio dacana-de-acar devastou grande parte do que restava em So Paulo e em Minas Gerais. NoEsprito Santo e na Bahia, a ocupao dos solos com reflorestamentos para produo decelulose e a explorao ilegal de madeira vm destruindo o que restou dessa mata nos doisestados (Bezerra e Veiga, 2000).

    A Floresta Amaznica, considerada a maior reserva de diversidade biolgica no mundo,tambm tem sido alvo de intensa dilapidao. A ausncia de uma poltica dedesenvolvimento rural aliada ao fluxo migratrio para a regio so incompatveis com a

    necessidade de preservao e conservao dos recursos florestais. Em Rondnia, porexemplo, a populao saltou de 110.000 habitantes em 1975 para mais de um milho em1986, provocando a destruio de quase um tero das florestas daquele estado (Bezerra eVeiga, 2000).

    Os Cerrados, que ocupam um quarto do nosso territrio, so o segundo maior biomabrasileiro (aps a Amaznia) e concentram nada menos que um tero da biodiversidade

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    nacional e 5% da flora e da fauna mundiais. A flora dos Cerrados considerada a mais ricado mundo dentre as savanas (WWF, 1995). A adaptao destas plantas aos solos, ao clima eaos predadores caractersticos dos ambientes dos Cerrados faz delas bancos gnicos demuito maior valor do que o atribudo e que merecem ter importncia muito maior do que

    apenas a de produzir carvo e enormes reas de cultivo (...) (Castro, 1997:49).

    A diminuio da biodiversidade na Mata Atlntica, na Floresta Amaznica e nos Cerradostraz graves consequncias para a agricultura, para a silvicultura, para a pesca, para oturismo, dentre outras atividades. No caso da agricultura so pouco estudados os impactosda reduo da biodiversidade, mas bvio que ela compromete a identificao de novasespcies de plantas e de variedades potencialmente cultivveis, para fins medicinais,alimentcios, industriais etc..

    A dilapidao florestal tambm acarreta diminuio da estabilidade dos agroecossistemas,devido a desequilbrios provocados pela eliminao de inimigos naturais de pragas(Macedo e Campanhola, 1997). Isso aumenta os gastos com agrotxicos e a contaminao

    do ambiente. Outro problema, mais imediato, a diminuio dos recursos hdricos; bilhesde metros cbicos de gua deixam de infiltrar naturalmente nos solos em decorrncia dareduo da cobertura vegetal, acarretando na reduo dos estoques disponveis com gravesconsequncias para o abastecimento das cidades, da agricultura e dos reservatrios deusinas hidreltricas. A somatria desses problemas provoca impactos incalculveis naeconomia do pas.

    Desenvolvimento e conservao da biodiversidade

    O conveniente compromisso com desenvolvimento sustentvel, que se firmou a partir de

    meados dos anos 1980, uma manifestao inequvoca de que se tornou imprescindvelencontrar um modo menos destrutivo e mais duradouro de crescimento. Mas, paraconquistar mais sustentabilidade (j que o processo de desenvolvimento no poder atingi-la em termos absolutos) preciso definir o conjunto de operaes necessrias a umacompleta reorientao do processo de crescimento econmico.

    Todavia, qualquer arranjo institucional prisioneiro do caminho que foi seguido nopassado (path-dependence), pois toda trajetria prvia tende a ser consolidada peloprocesso de aprendizado das organizaes, pela modelizao subjetiva das questes, porexternalidades de rede, etc. Ou seja, a economia tende a engendrar polticas que reforamas incitaes e as organizaes existentes (North, 1990:99). S poderia ser ilusria,

    portanto, a idia de uma brusca virada na estrutura institucional de incitaes que foi sendosedimentada durante os trs sculos que multiplicaram a produtividade por 40 ou 45 vezes,sendo que ela sequer havia dobrado durante os sete sculos anteriores (Bairoch,1997). Umasituao que se torna ainda mais grave num momento histrico em que a luta contra odesemprego tende a impor uma busca desenfreada de qualquer frmula que possa favorecero crescimento das economias nacionais. Em tais circunstncias, a mudana de rumo ditadapor preocupaes ambientais s se legitimar se puder simultaneamente incentivar um

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    crescimento rico em empregos (em vez de restringi-lo). Isto , se a precauo ecolgicapuder impulsionar o empreendedorismo (Veiga, 1999).

    Mas possvel conciliar a conservao da biodiversidade com a criao de novos negciose de novos empregos? bvio que isso s acontecer se houver simultnea retrao de

    atividades que degradam os habitats e crescimento das que os conservam ou recuperam.Para que isso acontea, necessrio que as ltimas sejam mais vantajosas que as primeiras,o que requer a combinao de vrios tipos de interveno pblica (em geral estatais) deestmulo e dissuaso. O problema que, tradicionalmente, as intervenes pblicas solimitadas criao e manuteno, muitas vezes deficitria, de unidades de conservao(parques, reservas, estaes etc.). S excepcionalmente essa interveno tem comoestratgia o financiamento de outras aes conservacionistas, ou de iniciativas queestimulem o desenvolvimento sustentvel.

    Em termos mundiais, estima-se que o gasto anual com a conservao dos atuais 13,1milhes de km2 de reas protegidas atinja 6 bilhes de dlares. Uma conservao mais

    adequada dessas unidades exigiria um suplemento de 2,3 bilhes de dlares. A incluso demais 7,4 milhes de km2 nessas reservas globais (90% dos quais em pasessubdesenvolvidos) exigiria 11 bilhes de dlares para a obteno e mais 3,3 bilhes anuaispara a sua manuteno. Segundo os autores dessas estimativas, tratam-se de quantiasirrisrias se comparadas ao valor de nocivos subsdios (sobretudo agroalimentares),estimados em 1 trilho de dlares por ano (James, Kevin & Balmford, 1999).

    Como denncia, o raciocnio at aceitvel. Mas a idia de que recursos atualmente usadospara subsidiar atividades do agribusiness no mundo desenvolvido possam ser transferidospara a manuteno e expanso das reas protegidas (principalmente em pases perifricos)s pode ser considerada quixotesca. Os atuais esquemas de regulao das atividadesagropecurias do primeiro mundo resultam de instituies sedimentadas por muitas dcadasde pragmatismo socioeconmico. No incio estavam exclusivamente voltados sustentaode preos internos, para que fosse garantida estabilidade de renda mnima a multides deagricultores. Mas aos poucos foram adquirindo muitas outras dimenses, medida em queos agricultores se tornavam minoria no prprio meio rural (Veiga, 1999).

    Predomina nas organizaes voltadas conservao da biodiversidade a idia de utilizarrecursos fiscais dos mais tradicionais para manter e expandir reservas controladas pelopoder pblico, ou criar fundos que compensem custos assumidos por empresrios ruraisesclarecidos (isto , proprietrios de florestas, fazendeiros e agricultores familiares

    dispostos a adotar prticas ecologicamente mais corretas que as convencionais, mas quasesempre menos rentveis). Pior, nunca se recolhe dos agentes que mais se beneficiam daexistncia de unidades de conservao os recursos necessrios para a sua prpriamanuteno. O mais comum que os proprietrios fundirios das imediaes fiquem comas novas rendas de localizao e outros tipos de quase-renda engendrados pela existncia deparques, reservas ou estaes, sem qualquer tipo de contrapartida. Quase no se penaliza asatividades mais prejudiciais biodiversidade, e muito menos se maneja as atividades menos

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    agressivas mediante instrumentos econmicos que tambm permitam uma arrecadao derecursos a serem usados na incitao de atividades benficas (Veiga, 1999).

    Neste sentido, a integrao entre polticas ambientais e polticas econmicas est muitomais atrasada no mbito da conservao da diversidade biolgica do que, por exemplo,

    no domnio energtico, no qual os recursos arrecadados por ecotaxas tm sido cada vezmais usados, por exemplo, para reduzir impostos que inibem a criao de empregos(OCDE, 1996-b, 1996-c, 1997). No fundo, a criao e a manuteno de reas protegidasdeveria ser acompanhada por um conjunto de intervenes de recuperao e conservaocapazes de dissuadir a degradao e gerar excedentes monetrios (pelo menos durante otempo em que essa degradao continuar existindo). Mas onde esses excedentes seriamaplicados? Existem atividades capazes de, ao mesmo tempo, estimular a conservao e acriao de empregos?

    Pelo menos duas aes j acumulam resultados suficientemente convincentes podendo serapontadas como possveis sadas para a criao de uma espcie de empreendedorismo

    verde. So estas: o aproveitamento das amenidades no meio rural, particularmente nasreas que ainda dispem de heranas naturais, e a diversificao dos sistemas produtivosagrcolas.

    Ganhando com a conservao dos ecossistemas

    Ganharam muita importncia nas ltimas dcadas as polticas pblicas que visam oferecerperspectivas de um futuro mais promissor s reas rurais. Particularmente s maisperifricas, onde o dinamismo econmico tende a se esvair, ou sequer chega a ocorrer.Num passado longnquo, o essencial era poder expedir para as cidades um volume

    crescente das mercadorias primrias que elas mais demandavam: alimentos, fibras,madeira, minrios e energia. Tambm era condio necessria dispor da exploraoracional de riquezas naturais raramente abundantes e nem sempre renovveis. Mas nodemorou para que se tornasse bem mais decisiva a transformao local dos bens primriosantes de export-los s cidades, pois tal agregao de valor logo passa a gerar mais renda eemprego do que as atividades agropecurias, florestais, pesqueiras ou minerais. Odinamismo passou a depender muito do tino empresarial dos que obtinham o capitalnecessrio ao emprego da mo-de-obra liberada pelas outras atividades. O sucesso naindustrializao de produtos primrios ajudava a atrair os demais empreendimentos cruciaispara o desenvolvimento regional (Veiga, 1999).

    Acontece que ultimamente a dinamizao econmica de uma regio rural comeou a sermuito mais determinada pela captao das rendas urbanas que se transferem pela freqenteestadia de famlias que constrem segundas residncias (chcaras e stios de recreio, casasde veraneio ou chals de montanha), pela presena sazonal de famlias em frias, pelasvisitas dos mais diversos tipos de turistas, esportistas, congressistas, ou ainda, pelasignificativa imigrao de aposentados. O que h em comum entre esses grupos a buscade um contato mais prximo com a natureza, definida pelo bilogo Edward Wilson como:

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    ... aquela parte do ambiente original e de suas formas de vida que permanece depois do impacto humano. Natureza tudo aquilo no planeta

    terra que no necessita de ns e pode existir por si s. (Wilson, 2008:23).

    O dinamismo econmico de certas reas rurais est, portanto, cada vez mais atrelado

    capacidade de explorar as amenidades presentes em territrios que puderam evitar ouimpedir a degradao de seus patrimnios natural e cultural (Veiga, 1999). A necessidadede atribuir a mais alta prioridade capitalizao do valor das amenidades rurais foi, justamente, a principal concluso da oficina de trabalho que a OCDE promoveu no Japoem setembro de 1997, na qual foram discutidas as dinmicas rurais de uma dzia de pases.E dela resultou a recomendao de dois tipos bsicos de polticas: as que estimulem a diretacoordenao entre os provedores e os beneficirios das amenidades (apoio ao coletiva e valorizao comercial); e as que ajudem a mudar certas regras econmicas(regulamentaes e incentivos financeiros). O mais curioso, entretanto, que os oitoestudos de caso citados so experincias que articulam o aproveitamento econmico deamenidades conservao da biodiversidade (OCDE, 1999-a).

    A idia geral que a preservao das amenidades no deve paralisar o desenvolvimentolocal, mas tambm no pode permitir que o dinamismo econmico venha justamente adestruir as caractersticas da regio. Trata-se de encontrar o caminho do meio (to strike abalance) entre a manuteno ou o aumento da oferta de amenidades e a promoo docrescimento econmico (OCDE, 1999-a:100).

    As amenidades rurais esto muito freqentemente ligadas ao manejo de importantes fontesde biodiversidade, desde as unidades de conservao de fragmentos naturais poucoalterados (como os parques nacionais), at paisagens bem artificializadas. Obviamente omanejo dessas reas no se presta apenas explorao das amenidades. Os ecossistemasconservados ou preservados tambm so a principal fonte de matria-prima para oemergente mercado da bioprospeco.

    A Conveno da Biodiversidade hoje ratificada por 174 pases com a ilustre exceo dosEUA estabeleceu os modos de explorao dos recursos biolgicos pela engenhariagentica. Institucionalizando direitos de propriedade fsica e intelectual, ela facilitou anegociao direta entre o poder pblico e as empresas privadas de biotecnologia, o quetende a resultar em contratos de bioprospeco prevendo uma explorao econmica nodestrutiva dos recursos genticos, e uma diviso justa e equnime dos lucros. A fonte deinspirao foi o contrato que j havia sido estabelecido entre o laboratrio americano

    Merck & Co. e o Instituto Nacional da Biodiversidade da Costa Rica (INBio), organismoprivado sem fins lucrativos que depende do Ministrio dos Recursos Naturais daquele pas.Em troca de mil amostras, o INBio recebeu em dois anos mais de um milho de dlares,sendo que a empresa ainda se comprometeu a pagar royalties sobre medicamentos quevierem a ser desenvolvidos a partir dessa base gentica (Veiga, 1999).

    Muitas crticas tm sido dirigidas a esse modelo. Pequenos pases subdesenvolvidospoderiam estar sendo colocados em forte concorrncia, diante da emergente

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    regulamentao do mercado de recursos genticos. Estando em condies naturaissemelhantes, poderiam ser levados a praticar um verdadeiro dumping ecolgico. Os que,ao contrrio, no tm riquezas biolgicas comparveis, no poderiam encontrar nessafrmula qualquer tipo de soluo para seus problemas de degradao ambiental. Almdisso, a distribuio justa e equnime dos resultados financeiros dessas operaes

    (prevista na Conveno) s poderia ser ensaiada mediante avaliaes pblicasinternacionais realizadas no mbito de uma negociao multilateral, em vez de dependeremde acordos bilaterais feitos entre uma multinacional e um pas com nfimo poder debarganha. De resto, os termos desses contratos nem precisam ser divulgados ou submetidosa qualquer organismo de controle e de arbitragem (Hermitte, 1992 apud: Aubertin e Vivien,1998; Pistorius e Wijk, 1993 apud: Aubetin e Vivien, 1998).

    Tambm h muita incerteza sobre a possibilidade de se fazer uma estimativa razovel daparte do preo final de um medicamento que deve ser atribuda a uma seqncia de DNAretirada de um organismo. At porque esse preo depende muito mais do poder de mercadoda empresa, do que de seu custo de produo. muito comum que sua margem de lucro

    seja composta essencialmente de rendas de monoplio. Em tais circunstncias, poucoprovvel que a comunidade local ou regional possa realmente tirar bom proveito desse tipode contrato com uma multinacional. E justamente por isso que muitas ONG denunciamtais acordos como formas politicamente corretas de legalizar a biopirataria, ao mesmotempo em que grandes firmas farmacuticas parecem se desinteressar pela bioprospeco.Podem vir a considerar mais vantajoso um acerto com empresas especializadas no acessoaos bancos de dados de seqncias de genes, ou ainda um simples recurso a firmas decorretagem de recursos genticos, como Biotics ou Shaman Pharmaceuticals, atualBotanical Pharmaceuticals (Aubertin & Vivien,1998:64).

    E ainda h outros inconvenientes. Os interesses especficos da demanda de recursos

    genticos podem vir a determinar a orientao da pesquisa, favorecendo o estudo dedeterminadas famlias, em vez estimular o conhecimento do conjunto da biodiversidadelocal (inclusive da fauna, que no costuma interessar a essas empresas, apesar de suacrucial influncia sobre a reproduo vegetal). Tambm costuma ser necessria uma boadzia de anos e mais de duzentos milhes de dlares para que uma molcula dotada dequalidades especiais d origem a um novo medicamento. E parte das contrapartidasfinanceiras que precedem os eventuais royalties podem ser, inclusive, usadas pelosgovernos para fins que pouco ou nada tm a ver com os objetivos da CDB. No casoemblemtico da Costa Rica, metade do que foi pago pela Merck foi para os cofres dogoverno sem qualquer obrigao de utilizao em polticas previamente determinadas(Hermitte,1992 apud: Aubertin e Vivien, 1998; Pistorius e Wijk,1993 apud: Aubetin e

    Vivien, 1998).

    Essas e muitas outras crticas s mostram a insipincia institucional do emergente mercadointernacional de recursos genticos, problema que est intimamente relacionado fragilidade das legislaes nacionais, particularmente entre os exportadores. Mas indicam,tambm, que a superao dessa fragilidade poder resultar em oportunidades de captaode recursos. Esses arranjos institucionais podem evoluir numa direo mais favorvel sexigncias de uma efetiva conservao da biodiversidade acoplada a uma perspectiva de

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    desenvolvimento. Nada impede, por exemplo, o lanamento de ttulos ou contratos derisco para incentivar uma responsvel bioprospeco em unidades de conservao. Se taisoportunidades forem bem aproveitadas, certamente podero contribuir tanto para reforar eexpandir a proteo de ecossistemas, quanto para financiar outras iniciativas dedesenvolvimento sustentvel (Veiga, 1999).

    Alm de fonte de amenidades e de biodiversidade, os ecossistemas protegidos tambmpodem ser viveiros das mais importantes vantagens competitivas que o processo dedesenvolvimento reserva s regies rurais. Mas a sinergia que pode existir entre aconservao da biodiversidade e a explorao dessas vantagens competitivas dificilmentese manifesta de forma espontnea, pois esbarra em enormes obstculos culturais einstitucionais. Se tais obstculos no forem vencidos, ser muito mais difcil garantir, porexemplo, a preservao do que restou da Mata Atlntica e dos Cerrados brasileiros, onde aoferta dos pacotes de turismo de massa parece superar o amadurecimento de pactosterritoriais que possam aliar a conservao da biodiversidade com muito dinamismoeconmico.

    Agricultura e biodiversidade

    A conservao da biodiversidade de um agroecossistema est associada manuteno dosrecursos genticos, tanto das espcies nativas como das variedades de plantas cultivadas edas raas de animais criados. Antes das sementes se tornarem um insumo de origemindustrial os prprios agricultores faziam suas selees e misturavam espcies de interessecomercial com outras que no eram cultivadas. Em muitos casos, contribuam para oaumento da diversidade gentica, adaptando diferentes variedades de plantas paramicroambientes distintos. o que alguns especialistas chamam de mosaicos coevolutivos(Norgaard, 1997:263).

    Na agricultura moderna a diversificao dos sistemas produtivos foi substituda pelaespecializao. Muitos agrnomos e economistas acreditaram que a lgica da produo emescala, que fizera sucesso no setor industrial, poderia ser facilmente aplicada na agricultura.As monoculturas, altamente mecanizadas e baseadas no emprego intensivo de insumosqumicos e genticos funcionariam como verdadeiras fbricas a cu aberto, capazes deproduzir alimentos em quantidades suficientes para abastecer toda a humanidade. Mas logose percebeu que, ao contrrio da indstria, a agricultura totalmente dependente de limitesnaturais, os quais no podem ser facilmente controlados. A substituio de ecossistemascomplexos e diversificados - particularmente nas regies tropicais por sistemas

    produtivos extremamente simplificados como so as monoculturas - provocou uma sriede impactos econmicos e ambientais.

    Hoje se sabe que quanto maior o nmero de espcies presentes em um determinadoecossistema, maior ser o nmero de interaes trficas entre os seus componentes e,conseqentemente, a estabilidade tender a aumentar, ou seja, a estabilidade funo diretada diversidade. Os agroecossistemas estveis tendem a absorver mais facilmente asperturbaes externas, pois os impactos so dissipados entre seus vrios componentes

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    (Paschoal, 1979). Nos sistemas agrcolas muito simplificados, sobretudo nas monoculturasde gros, os fatores desestabilizadores so amplificados, obrigando os agricultores arecorrer a tcnicas intensivas para manter as condies necessrias ao desenvolvimentovegetal. De certo modo, nos sistemas agrcolas convencionais o potencial regulador que eraexercido pelo prprio ecossistema foi substitudo por fontes exgenas de nutrientes e de

    energia, geralmente originrias de combustveis fsseis (Romeiro, 1992).

    Existem diferentes meios de se promover a diversificao de um agroecossistema, desdeuma simples consorciao entre duas culturas at os complexos sistemas agroflorestais, quevisam a convivncia de espcies florestais nativas com as culturas de interesse comercial. Odesafio, portanto, conhecer no apenas as caractersticas dos agroecossistemas, comotambm as formas mais apropriadas de diversific-los.

    Nas consorciaes e nas rotaes de culturas, os recursos disponveis - gua, nutrientes, luz,dentre outros - so utilizados de forma mais eficiente. Aliadas ao retorno de matriaorgnica ao solo, esses sistemas contribuem para manter sua estrutura fsica, ajudam a

    reduzir a eroso e, conseqentemente, melhoram a fertilidade dos solos. A combinaodesses fatores leva, invariavelmente, a aumentos de produtividade das lavouras. Ao mesmotempo, os sistemas diversificados diminuem muito a necessidade de insumos externos,como os agrotxicos e os fertilizantes nitrogenados. Possibilitam, desse modo, a eliminaode uma parte significativa dos gastos de investimento e de custeio necessrios manuteno do padro tecnolgico "moderno". Alm disso, nas propriedades diversificadasos ingressos de renda agrcola so distribudos de forma mais homognea durante o ano. Aquebra de uma safra ou a queda de preo de uma determinada cultura no causam tantosestragos quanto nas propriedades monoculturais e os riscos de falncia so muito menores.(Killey-Worthington, 1981; NRC, 1989; Romeiro, 1992; Veiga, 1994).

    Outra forma de diversificar os sistemas produtivos a agrosilvicultura ouagroflorestao. Consiste em um sistema de manejo florestal que visa conciliar aproduo agrcola e a manuteno das espcies nativas, por meio de capinas seletivas dasespcies que j cumpriram seu papel fisiolgico na sucesso e podas de rejuvenescimentopara revigorar e acelerar o sistema produtivo. Em vrias partes do pas a adoo dessessistemas tem demonstrado vantagens econmicas e ambientais em relao aos sistemas decultivo convencionais, cuja longevidade depende do emprego elevado de insumosindustriais (Cordeiro et al., 1996:23). Em quase todas as experincias observa-se o aumentode matria orgnica nos solos, a reduo da eroso laminar e em sulcos e o aumento dadiversidade de espcies. Nos casos em que as matas ciliares so recuperadas, verifica-se,tambm, a diminuio da turbidez da gua e o aumento da disponibilidade de recursos

    hdricos.

    Uma caracterstica comum entre os sistemas diversificados que todos so mais exigentesem mo-de-obra. Os custos de se empregar mais trabalho so geralmente compensados pelareduo, ou mesmo eliminao, do uso de insumos agroqumicos. Isso fica bem claroquando se compara o nmero de pessoas empregadas em uma propriedade diversificada aoutra altamente especializada. As regies cobertas pelas monoculturas, geralmente

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    apontadas como modernas, so extremamente pobres em gerao de oportunidades detrabalho, tanto na propriedade agrcola como nas suas circunvizinhanas. Alm disso, essasregies acabam com o solo, com a gua e com a biodiversidade que poderia ser um dosprincipais trunfos de dinamismo econmico.

    Biocombustveis e biodiversidadeDesde que a queima do petrleo consagrou-se como um dos principais viles doaquecimento global s aumentou a convico de que essa matriz energtica precisa serrapidamente superada. Depois do domnio do fogo, da agricultura e da mquina a vapor, aadoo de novas fontes de energia que no sejam fosseis dever ser o quarto grande saltotecnolgico da humanidade (Veiga e Valle, 2008). A energia do sculo XXI tem que serlimpa e renovvel, reduzindo ou mesmo eliminando a emisso de gs carbnico para aatmosfera.

    O hidrognio poder ser o combustvel do futuro (Veiga, 2008), ou, ento, ampliaremos ouso da energia que pode ser obtida a partir das mars, dos ventos ou do calor da Terra. Masenquanto esse futuro no chega o uso da biomassa a alternativa mais vivel de quedispomos. Em 2006, apenas 1% do transporte terrestre mundial era movido por etanol oubiodiesel, porm as preocupaes ambientais e o elevado custo do petrleo devemaumentar a ebulio desse mercado nas prximas dcadas. Alm disso, nos EUA, principalconsumidor mundial, a substituio de George Bush por Barak Obama pode marcar,tambm, a transio da matriz fssil para a renovvel. O primeiro passo foi a nomeao deum especialista em fontes alternativas, Nobel em fsica, como secretrio de energia, e deum entusiasta dos biocombustveis como secretrio de agricultura.

    Transies como essa so geralmente permeadas por dvidas e incertezas. No se sabe,

    ainda, se o avano dos biocombustveis contribuir para a conservao da biodiversidadeou, ao contrrio, acelerar sua dilapidao. Num pas das maravilhas, poder pblico esetor produtivo empenhariam mais esforos para conservar as reas com rica diversidadebiolgica, nas quais se poderia, com regras muito bem definidas, ampliar a bioprospecode plantas com potencial para produo de combustveis, mesmo que os resultados dessaspesquisas s servissem para beneficiar geraes futuras.

    Fora deste pas esse desejvel arranjo quase uma iluso. Nos biomas brasileiroscertamente existem espcies com potencial para suprir a indstria de biocombustveis, masno h evidncias de que o avano desse setor esteja favorecendo a conservao das reasnaturais. Mas o mais preocupante que quase toda a produo de etanol e de biodiesel

    concentra-se no cultivo de duas espcies: a cana-de-acar e a soja, respectivamente. claro que esses sistemas monoculturais so muito mais aptos a atender a demanda em largaescala da indstria dos biocombustveis, por outro lado, so bastante conhecidos os seusimpactos ambientais, particularmente a eroso dos solos e a contaminao das guas. Almdisso, so sistemas altamente dependentes do petrleo como matriz energtica. Ora, se adesejvel gerao de combustvel renovvel continuar dependendo da queima decombustvel fssil como fica esse balano?

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    Para se gerar biocombustveis por processos mais limpos ser necessrio definir normassociais e ambientais de produo e estabelecer mecanismos para o cumprimento dessasregras. Algumas usinas de etanol, atentas aos padres estabelecidos pelo mercadointernacional, j seguem esse caminho. E, se quisermos que a produo de biocombustveiscontribua para a gerao de postos de trabalho e para o desenvolvimento rural, ser preciso

    implantar polticas pblicas que possibilitem a participao da agricultura familiar. Porenquanto, esse um mercado restrito agricultura patronal (Bravo, 2007).

    Outra questo decisiva que relaciona o crescimento dos biocombustveis conservao dabiodiversidade a crescente presso sobre os remanescentes florestais e demais reasnaturais, como o caso da soja que no pra de avanar sobre a Amaznia. O problema qualquer suposio sobre os desdobramentos desse embate esbarra em outra questoigualmente complexa, a qual vem atraindo a ateno de pesquisadores e da mdia em geral:ser que a ocupao das terras com lavouras para suprir a crescente indstria dosbiocombustveis reduzir as reas disponveis para o plantio de alimentos?

    Com uma populao mundial que s deve parar de crescer quando atingir aproximadamente9 bilhes de habitantes, em 2050 ou mais, a segurana alimentar continua sendo um dosmais importantes desafios sociais a ser enfrentado. No comeo de 2008, Jean Ziegler,representante da FAO, chegou a declarar que a expanso das lavouras para a produo debiodiesel um crime contra a humanidade, pois, alm de ocupar as terras, eleva os preosdos alimentos dificultando o acesso das populaes mais pobres. O Presidente Luis IncioLula da Silva rebateu prontamente as crticas ao etanol brasileiro afirmando que overdadeiro crime contra a humanidade descartar o uso dos biocombustveis.

    Pela lei do mercado, o aumento da demanda por soja, milho e outros gros utilizados paraa produo de biocombustveis, tende a elevar os preos dessas commodities, com reflexosdiretos nos custos da produo animal. Mas a indstria de biocombustveis no pode serconsiderada a nica responsvel pela elevao dos preos dos alimentos nos ltimos anos.Pelo menos foi esta a concluso a que chegou um estudo elaborado pela Fundao GetlioVargas, segundo o qual a recente elevao dos preos decorre de uma confluncia defatores, tais como: o aumento de demanda, os baixos estoques internacionais e aespeculao nos mercados futuros de commodities (FGV, 2008). O aumento da demanda seexplica pelo crescimento demogrfico e pela recente elevao do poder aquisitivo empases como a ndia e a China. Tambm no se pode ignorar que a alta do petrleo, eleva oscustos dos fertilizantes, dos combustveis usados no maquinrio agrcola e no transporte,tendo efeito direto sobre os preos dos alimentos.

    Estima-se que, em 2007, 4,5% da safra mundial de gros foi transformada em etanol. NosEUA o combustvel produzido a base de milho e nos pases europeus as principais plantasutilizadas so o trigo e o sorgo. Alm de mais caras, a produtividade dessas culturas beminferior a da cana-de-acar utilizada na produo do etanol brasileiro. Talvez seja por issoque nesses pases as crticas so bem mais severas. O balano energtico do etanolbrasileiro 4,5 vezes melhor do que o etanol de acar de beterraba ou trigo, e quase 7

    vezes melhor do que o etanol de milho, afirma Eduardo Leo de Souza, Diretor da Unioda Indstria da Cana de Acar (Souza, 2008). No Brasil o etanol abastece 50% doconsumo de combustveis para automveis, ocupando 1% das terras arveis. Uma

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    alternativa que pode at duplicar a produo sem ocupar mais terras a obteno do etanola partir da celulose da palha da cana-de-acar ou de outras gramneas. O que falta conhecimento cientfico e tecnolgico e, nesse ponto, os EUA j esto bem frente (CastroNeto, 2008a).

    Se a produo brasileira de etanol j tem ndices mais satisfatrios de rendimento, o mesmono se pode afirmar sobre a produo de biodiesel. A soja a nica oleaginosa queconsegue abastecer essa indstria sendo responsvel por 80% da produo. Cerca de 7% dasafra anual destinada s usinas de biocombustveis, o que corresponde aaproximadamente 1,5 milho de hectares plantados. O girasol, a mamona, a palma, acanola, o pinho manso, o dend ou o amendoim tm teores de leo bem mais elevados doque a soja e seu emprego em maior escala permitiria melhorar o rendimento das terrasocupadas para produo de biodiesel (Castro Neto, 2008b). Alm disso, o cultivo dessasoleaginosas muito mais compatvel com a produo familiar, abrindo um amplo mercadopara esses agricultores.

    Os defensores dos biocombustveis tambm argumentam que as terras usadas para aproduo de etanol e de biodiesel so nfimas se comparadas s reas ocupadas peloscultivos destinados alimentao animal. De fato, para se obter uma tonelada de carne sonecessrias 10 toneladas de gros, como a soja, o milho etc. Ento, uma mudana parahbitos alimentares mais saudveis, com menor ingesto de protena animal, j provocariauma enorme transformao no uso das terras. Mas ainda estamos longe do dia em que aconscincia ambiental possa gerar mudanas significativas nos hbitos alimentares. Quandoesse dia chegar, andar num automvel para quatro ou cinco passageiros ser consideradoum hbito do passado.

    No Brasil, ao contrrio dos EUA, h terra suficiente para se produzir cana-de-acar e asoleaginosas usadas na produo de biodiesel, sem competir com as reas destinadas produo de alimentos, foi o que concluiu Dora Isabel Hernndez em uma dissertao demestrado recentemente defendida na UNB (Hernndez, 2008). Mas a disputa pelas terrascultivveis no se limita aos biocombustveis, aos alimentos e aos cultivos destinados nutrio animal, pois as reas destinadas conservao ambiental tambm devem entrarnessa equao. De acordo com Eduardo Evaristo de Miranda se somarmos todas as reasprotegidas pela legislao ambiental, apenas 7% da Amaznia e 33% do pas estodisponveis para a ocupao habitacional, industrial e agrcola (Miranda, 2008). Issoequivale a 2.841.000 km2, mas s a pecuria j ocupa quase toda essa rea. Se a legislaoambiental for integralmente cumprida, a disputa pelo uso da terra ser bem mais acirrada.Se continuar sendo desrespeitada, ou se for alterada, como querem os ruralistas quedefendem o afrouxamento do Cdigo Florestal, haver mais rea para a agricultura, mas ano sabemos at que ponto os servios ambientais prestados pelas florestas serocomprometidos. Haver gua para tanta agricultura?

    Por enquanto, o acmulo cientfico insipiente e no nada fcil prever os impactos dosbiocombustveis sobre a biodiversidade ou sobre a dinmica de ocupao das terras. O certo que para atender a demanda mundial de alimentos, fibras, biocombustveis e, ao mesmotempo, respeitar a legislao ambiental ser imprescindvel aumentar a produtividade nasreas j ocupadas. Mas para isso no podemos correr o risco de iniciar uma nova

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    Revoluo Verde, cujos impactos ambientais podem ser devastadores. Ser necessriogerar muito mais conhecimento cientfico e tecnolgico que permita aliar produtividade edurabilidade dos sistemas produtivos. Tambm ser necessrio refletir sobre os aspectosestratgicos relacionados produo dos biocombustveis. Se, em algumas dcadas, a guase tornar um recurso ainda mais escasso, ser que ainda valer a pena exportar esses

    combustveis, cujo processo produtivo requer enormes quantidades de gua?

    Empreendedorismo e biodiversidade

    imenso o leque de amenidades disponveis nos espaos rurais. Podem variar tanto defragmentos de natureza intocada a paisagens minuciosamente manejadas, quanto das maisantigas relquias histricas s mais vivas tradies culturais. Tambm so imensas aspossibilidades de diversificao dos sistemas produtivos agrcolas. O aumento da demandapelas amenidades do meio rural e por produtos mais limpos livres de resduos deagroqumicos - acompanha a evoluo do tempo livre e da renda e dos habitantes urbanos,gerando novos negcios e empregos.

    A sada, portanto, seria estimular um tipo de empreendedorismo capaz de gerar empregose, simultaneamente, conservar a biodiversidade. Os empreendedores so os principaisagentes da mudana econmica, pois so eles que geram, disseminam, e aplicam asinovaes. Ao procurarem identificar as potenciais oportunidades de negcios e assumiremos riscos de suas apostas, eles expandem as fronteiras da atividade econmica. Mesmo quemuitos no tenham sucesso, sua existncia que faz com que uma sociedade tenhaconstante gerao de novos produtos e servios (Veiga, 1999).

    Infelizmente, no se sabe muito bem quais so os determinantes do empreendedorismo,

    apesar de sua crucial influncia sobre o crescimento econmico. Sequer existe acordo sobreos indicadores que melhor revelariam os graus relativos em que o fenmeno se manifesta,apesar de existir tanta convico de que ele a essncia do dinamismo econmico e acerteza de que sua promoo uma tima maneira de expandir o emprego. Obviamente somaiores as possibilidades de surgirem novas empresas em regies rurais que j so (ou jforam) prsperas e nas que atraem refugiados das aglomeraes urbanas, do que emzonas rurais que sempre estiveram entre as mais perifricas ou que h muito tempodeixaram de ser dinmicas. Muitas das dificuldades para qualquer esforo de dinamizaoeconmica decorrem da baixa densidade demogrfica que est no cerne da prpriadefinio da ruralidade: distncia dos centros de deciso e das redes de informao; falta deredes de transporte e de telecomunicaes; raras oportunidades de valorizao dos recursos

    humanos; dificuldade de estreitar relaes que geram parcerias (Veiga, 1999).

    Questes cruciais como a dos efeitos da educao sobre a dinmica empreendedoracontinuam sem respostas convincentes, embora se saiba que os sistemas educacionaisforam concebidos para formar bons assalariados, em vez de preparar os jovens para aperspectiva do auto-emprego. E tudo indica que o conhecimento cientfico sobre o assuntos avanar quando for possvel realizar uma avaliao sistemtica e comparativa dasrecentes polticas pblicas de estmulo criao de pequenas e mdias empresas.

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    Principalmente dos programas mais inteligentes, que amadureceram nos mbitos local eregional para melhor aproveitar os trunfos territoriais na formao de ambientesinovadores. Afinal, o empreendedorismo nunca ocorre de forma homognea entre asregies de uma mesma nao. E bem provvel que tais divergncias espaciais dacriatividade empreendedora correspondam ao fenmeno de clustering (formao de

    feixes ou cachos) (Veiga, 1999).

    Segundo uma das definies mais aceitas, cluster uma concentrao geograficamentedelimitada de negcios independentes que se comunicam, dialogam e transacionam parapartilhar coletivamente tanto oportunidades quanto ameaas, gerando novosconhecimentos, concorrncia inovadora, chances de cooperao, adequada infra-estrutura,alm de freqentemente tambm atrarem os correspondentes servios especializados eoutros negcios correlacionados. Alguns estudos revelam que a confluncia de muitasfirmas para um determinado ponto pode corresponder muito mais a certas caractersticasespecficas do local - como prestgio e amenidades - do que necessidade de contatos comoutras firmas que supostamente fariam parte de um desses feixes ou cachos. Outros

    enfatizam que a verdadeira base do clustering o conhecimento, o que no significanecessariamente alta tecnologia (OCDE,1999-b ). Mas a maioria dos que abordaram arelao existente entre a formao desses feixes e o empreendedorismo acabam quasesempre enfatizando os fatores culturais que s vezes so compactados na sedutora noo decapital social: um complexo de instituies, costumes e relaes de confiana queestimulam trs dobradinhas fundamentais: a da concorrncia com a cooperao, a doconflito com a participao, e a do conhecimento local e prtico com o conhecimentocientfico (OCDE,1998).

    As polticas governamentais voltadas promoo do empreendedorismo mal comeam aincorporar essas dimenses territoriais, institucionais e culturais. At h pouco, tais

    polticas voltavam-se quase que exclusivamente ao fomento de alta tecnologia e de grandesindstrias capazes de polarizar as economias regionais e/ou nacionais. Foi somente apartir de meados da dcada de 1980 que o papel das chamadas PMEs comeou a ser(re)valorizado, principalmente por sua superior capacidade de gerar empregos. Mas essamudana de atitude ainda no gerou resultados persuasivos sobre a melhor maneira de sepromover esse empreendedorismo mais difuso, que possa atingir todos os ramoseconmicos e todos os tipos de regies. Muito menos sobre as maneiras de se promover umempreendedorismo verde, baseado na conservao e recuperao da biodiversidade.Entretanto, recentes avanos no entendimento de suas dimenses rurais permitem pensarque a conservao da biodiversidade pode ser um fator estratgico para a criao,consolidao e crescimento de novas empresas.

    Alm de mudanas culturais e institucionais obvio que o incentivo a umempreendedorismo compatvel com a conservao da biodiversidade tambm requerinvestimentos governamentais. A fonte destes recursos pode ser a taxao das atividadesque mais degradam a biodiversidade. Esses recursos podero viabilizar investimentos que,se forem bem escolhidos, podero estimular simultaneamente a conservao dabiodiversidade e a criao de empresas e empregos. E se isso acontecer, tais investimentosajudaro a abrir um dos caminhos para o to falado desenvolvimento sustentvel.

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    Concluso

    A promoo da diversidade biolgica tende a ser um fator crucial na dinamizao dasregies rurais. Particularmente daquelas onde o crescimento econmico no chegou adestruir as fontes de amenidades. Nestas perfeitamente possvel incentivar

    simultaneamente a conservao da biodiversidade e a criao de empresas e empregos. Aexperincia internacional nesses dois domnios confirma que as restries ambientaispodem alavancar o crescimento econmico em vez de prejudic-lo.

    O que muito menos evidente a linha estratgica e as formas de ao que deveriam seradotadas para que essa sinergia entre biodiversidade e empreendedorismo seja maisintensamente promovida. Os argumentos apresentados neste texto parecem indicar anecessidade de profundas mudanas na viso que prevalece entre as principais organizaesnacionais e internacionais voltadas conservao da biodiversidade. Em vez de insistir nanecessidade de aplicar recursos fiscais tradicionais (acrescidos de receitas obtidas com abioprospeco) na manuteno e expanso das unidades de conservao, necessrio taxar

    e investir. Taxar as atividades que contribuem para a eroso da biodiversidade e investir osrecursos assim arrecadados na promoo de um empreendedorismo dirigido ao melhoraproveitamento das amenidades rurais e diversificao dos sistemas produtivos.

    As formas de ao que correspondem a essa mudana de linha estratgica dependero demuitas variveis polticas que, neste momento, s poderiam ser abordadas de formaimpressionista e especulativa. Mas duas coisas parecem claras quando se considera o casobrasileiro: a) a necessidade de que uma reforma tributria venha a contemplar ecotaxas noapenas no domnio energtico (e nas formas de poluio a ele associadas), mas tambm nocombate eroso da biodiversidade; b) a necessidade de que o segundo dividendo dessasecotaxas seja utilizado em novos programas de fomento do empreendedorismo,principalmente em regies rurais onde as amenidades podero favorecer uma simbioseentre conservao da biodiversidade e dinamizao econmica.

    Por enquanto, a sociedade brasileira no parece propensa a aceitar ecotaxas ou se dotar dasinstituies necessrias promoo de um empreendedorismo rural que permita aproveitaras inmeras vantagens da conservao da biodiversidade. Mas para que essas coisaspossam um dia acontecer, absolutamente necessrio que se comece a superar a insipinciado pensamento estratgico sobre o desenvolvimento sustentvel, seja na escolha deobjetivos, como na definio dos meios de atingi-los.

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