viva a ressurreicao - eugene h peterson
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Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Peterson, Eugene H., 1932
Viva a ressurreio: os princpios da formao espiritual/ Eugene H. Peterson;traduzido por Robinson Malkomes. So Paulo: Mundo Cristo, 2007.
Ttulo original: Living the resurrection: the risen Chirst in everyday lifeBibliografia.ISBN 978-85-7325-469-3
1. Bblia. N. T. Evangelhos Crtica e interpretao 2. Formao espiritual3. Jesus Cristo Ressurreio Ensino bblico 4. Vida crist I. Ttulo.
06-9519 CDD248.4
ndice para catlogo sistemtico:
1. Ressurreio de Jesus e vida crist: cristianismo 248.4
Publicado no Brasil com a devida autorizao e com todos os direitos reservados pela:Associao Religiosa Editora Mundo CristoRua Antnio Carlos Tacconi, 79, So Paulo, SP, Brasil, CEP 04810-020Telefone: (11) 2127-4147 Home page: www.mundocristao.com.br
Editora associada a: Associao Brasileira de Editores Cristos Cmara Brasileira do Livro Evangelical Christian Publishers Association
A 1 edio foi publicada em fevereiro de 2007.
Impresso no Brasil
Apoio e colaborao:Tyndale House Publishers
VIVAA RESSURREIO
CATEGORIA: ESPIRITUALIDADE/ VIDACRIST
Copyright 2006 por Eugene H. PetersonPublicado originalmente por NavPress, uma diviso de The Navigators, Colorado Springs, EUA.
Ttulo original:Living the resurrectionEditora responsvel:Silvia JustinoReviso de traduo:Malk Comunicao Ltda.Reviso de provas:Thefilo Vieira
Aldo MenezesSuperviso de produo:Lilian MeloColaborao:Miriam de AssisCapa:Douglas LucasImagem:Martim Pernter
Os textos das referncias bblicas foram extrados da verso Almeida Revista e Atualizada, 2 ed.(Sociedade Bblica do Brasil), salvo indicao especfica.
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1. Ressurreio e fascnio 7
2. Ressurreio, comida e bebida 43
3. Ressurreio e amigos 79
Apndice: Histrias da ressurreio 113
SUMRIO
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RESSURREIOEFASCNIO
As mulheres, profundamente maravilhadas e
cheias de alegria, no perderam tempo e logo
saram do tmulo. E correram para contar
tudo aos discpulos. Mas Jesus as encontrou eas fez parar. E disse: Bom dia! Elas caram
de joelhos, abraaram-lhe os ps e o adoraram.
(Mt 28:8-9, MSG)
SEMPREGOSTEIDEcomo Billy Sunday for-mulava seu conceito de vida crist ideal. Ele foi um dosmaiores evangelistas americanos e pregava para grandesmassas. Cem anos atrs, ele cruzava os Estados Unidoscom seu grandioso espetculo de avivamento que atraaenormes multides. Ex-jogador de beisebol, ocupava o pl-
pito com o mesmo desembarao de um atleta; noite apsnoite, seus sermes eram como grandes jogadas e lances decraque em suas gigantescas tendas de avivamento. Uma dasmarcas registradas dessas tendas era a trilha de serragem.O amplo corredor que ia da entrada da tenda at o plpitoonde ele pregava era recoberto por alguns centmetros de
serragem. Isso ajudava a baixar a poeira nos dias secos ediminua o barro nos dias de chuva. E a serragem formavauma trilha que passava por vrias fileiras de cadeiras do-brveis em direo ao altar na parte da frente da tenda,
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logo abaixo do plpito. Na hora da concluso do sermo,Billy Sunday fazia seu famoso apelo do altar, convidan-do homens e mulheres que tinham ido tenda naquelanoite para sarem das cadeiras onde estavam, pegarem atrilha de serragem em direo ao altar e ali, de joelhos, en-tregarem a vida a Cristo. A expressohitting the sawdust trail(pegar a trilha de serragem) entrou para o vocabulrio do
ingls norte-americano como sinnimo de arrependimentoe converso.
A EXPRESSO PERFEITA
Eu no sei se a expresso pegar a trilha de serragemfoiinventada por Billy Sunday, mas certo que foi ele que a
consagrou na lngua inglesa. A expresso que ele semprerepetia para referir-se vida crist ideal era a seguinte:Pegue a trilha de serragem, dobre os joelhos e receba Cris-to como seu Salvador. Em seguida, saia daqui para a rua,seja atropelado por uma carreta e v direto para o cu.
Acho que d para concordar que essa uma frmula
perfeita para chegar ao cu de um jeito bem rpido e fcil.E praticamente infalvel. No h tempo para desviar-se daf, no h tentao para atrapalhar, dvidas com as quaislutar, marido ou esposa para honrar, filhos para aturar,inimigos para amar, nem tristeza, nem lgrimas. a eter-nidade num estalar de dedos.
Billy Sunday um exemplo extremo e mais ou menostpico da mentalidade norte-americana nesses assuntos: fa-a direito, mas faa o mais rpido possvel. Estabelea seusobjetivos e v em busca deles pelos meios mais eficientes e
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econmicos. Como cultura, somos especialistas em come-ar. Estabelecemos objetivos magnficos. Mas no somosextraordinrios em dar seqncia. Quando as coisas come-am a dar errado, simplesmente comeamos tudo de novo,j que somos bons nisso. Ou fixamos um novo objetivo, umanova viso ou, como chamamos, uma nova declaraode misso. E durante algum tempo isso nos distrai do que
est acontecendo bem debaixo do nosso nariz.
O QUEA IGREJA EXCLUI
Parafraseando algo que o papa Joo Paulo II disse certavez, ao dirigir-se a um grupo de lderes de pases do Tercei-ro Mundo: No procurem nas naes ocidentais um mo-
delo de desenvolvimento. Eles sabem fazer as coisas, masno sabem conviver com elas. Atingiram um nvel tecno-lgico impressionante, mas esqueceram como os filhos de-vem ser criados.
este o contexto deste livro. Um contexto cultural emque a pessoa bastante desprezada no meio da correria
para conseguir ou para fazer alguma coisa. Uma impor-tante tarefa da igreja crist formar pessoas por meio doEsprito Santo, at que elas cheguem medida da esta-tura da plenitude de Cristo (Ef 4:13). Mas geralmente uma tarefa negligenciada. Temos vrias programaes pa-ra cuidar disso, mas elas sempre esto na periferia de al-
guma outra coisa. A formao espiritual recebe muito maisateno no mundo secular da espiritualidade da NovaEra ou do desenvolvimento psicolgico do que na igreja.E por mais louvvel que seja a ateno dada pelos mestres
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e guias deste mundo, eles esto tentando fazer tudo issosem Jesus Cristo ou colocando Jesus apenas como elemen-to perifrico. Portanto, esto deixando de fora o que maisimportante, a saber, a ressurreio.
Tenho certeza de que a igreja a comunidade que Deuscolocou no centro do mundo para manter o mundo cen-trado. Um dos aspectos essenciais dessa tarefa de manter
o mundo centrado chama-se formao espiritual a for-mao da vida de Cristo em ns, processo que dura a vidainteira. Ela consiste no que acontece entre o momento emque tomamos conscincia da nossa identidade como cris-tos e aceitamos essa identidade e o momento em que nossentarmos para a ceia das bodas do Cordeiro (Ap 19:9).
Ocupa-se do modo como vivemos no perodo que vai entreo dobrar os joelhos no altar e o ser atropelado pela carreta.Levanto esse assunto com considervel sentimento de
urgncia, no apenas porque a cultura que nos cerca temsecularizado amplamente a formao espiritual, mas tam-bm porque a igreja em que vivo, e para a qual fui chama-
do a falar e escrever, est, nesse assunto, cada vez mais setornando como a cultura, em vez de se colocar contra ela.O enorme interesse de hoje na espiritualidade no temsido muito acompanhado, se que o tem, por um interessena questo da formao em Cristo, um processo longo, com-plexo e dirio ou seja, a prtica de disposies e hbitos
do corao que fazem a palavra espiritualidade deixar deser um desejo, um anseio, uma fantasia ou uma digressoe venha a se transformar em vida real vivida para a glriade Deus. Uma expresso de um poema de Wendell Berry
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romancista, ensasta e filsofo americano, traduz bem oque estamos falando ressurreio na prtica. Este li-vro est fundamentado na ressurreio de Jesus.
A RESSURREIO RESTAURADAAO CENTRO
Vivemos a vida crist a partir de uma rica tradio de for-mao-via-ressurreio. A ressurreio de Jesus fornece a
energia e as condies pelas quais andamos na presenado SENHOR, na terra dos viventes conforme a ilustre ex-presso do salmo (116:9). A ressurreio de Jesus cria eoferece a realidade na qual somos formados como novascriaturas em Cristo por meio do Esprito Santo. A culturado faa-voc-mesmo e doself-service tem dominado o nosso
pensamento de forma to cabal, que em condies normaisno damos ateno coisa mais importante de todas aressurreio. E isso acontece porque a ressurreio no algo que podemos usar, controlar, manipular nem aperfei-oar. interessante que o mundo tenha tido to poucosucesso ao tentar comercializar a Pscoa transforman-
do-a numa commodity, um bem de valor econmico aocontrrio do que acontece com o Natal. Se no consegui-mos entender alguma coisa nem mesmo us-la, logo per-demos o interesse. Mas a ressurreio no algo que est disposio para ser usado por ns. uma operao exclu-siva de Deus.
O que pretendo fazer restaurar a ressurreio ao cen-tro e abraar as tradies que dela advm para nossa for-mao. Vou tratar de trs aspectos da ressurreio de Jesusque nos definem e nos do energia quando passamos a
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viver a ressurreio na prtica. Em seguida, farei um con-
traste entre essa vivncia da ressurreio a partir da reali-
dade e das condies da ressurreio de Jesus e aquilo que
julgo serem os hbitos ou pressupostos culturais mais co-
muns que nos levam a perder conscincia da ressurreio
ou que nos desviam dela. A isso darei o nome de des-
construo da ressurreio. No final, apresentarei algu-
mas sugestes sobre o que faz parte da ressurreio naprtica: o ato de viver a vida de forma adequada e sens-
vel num mundo onde Cristo ressuscitou e est vivo.
REVERNCIA E INTIMIDADE: UMA NOANDASEMAOUTRA
Os autores dos quatro evangelhos concluem o relato quefazem do evangelho de Jesus com uma ou mais histrias daressurreio. Eles chegam a esse ponto por vias diversas e
fornecem dados diferentes, mas h um elemento que no
falta em nenhuma dessas histrias: a sensao de fascnio,
perplexidade, surpresa. Apesar das vrias dicas espalha-das pelas Escrituras hebraicas e mesmo depois de Jesus
ter feito trs previses explcitas de sua ressurreio (veja
Mc 8:31; 9:31; 10:34), quando ela aconteceu ningum es-
perava aquilo. Ningum mesmo. As primeiras pessoas s
voltas com a ressurreio de Jesus estavam cuidando de
assuntos que envolviam a sua morte. De repente, elas sevem obrigadas a fazer uma mudana de 180 graus e co-
mear a cuidar de assuntos pertinentes vida. E no meio
disso tudo elas ficaram totalmente fascinadas.
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Mateus apresenta-nos Maria Madalena e uma mulherque ele chama de a outra Maria. No domingo logo cedo,elas vo fazer uma visita ao tmulo onde, na sexta-feira detarde, tinham visto Jos de Arimatia colocar o corpo cru-cificado de Jesus (veja 28:1-10). Quando chegam ao tmulo,de repente o cho comea a tremer debaixo de seus ps era um terremoto. Na seqncia, vem o brilho de um re-
lmpago, que na verdade era um anjo. Essa mistura de ter-remoto com relmpago faz os soldados romanos, quetomavam conta do tmulo, abandonarem o planto. As-sustados e sem entender nada do que estava acontecendo,eles desmaiam e ficam ali, esparramados pelo cho.
Mas as duas Marias esto ali de p e ouvem o anjo, que
lhes fala duas coisas: No temais e [ele] ressuscitou(v. 5-6). Em seguida, o anjo lhes d um recado que devemlevar aos discpulos. Ento, elas vo embora do tmulo,obedecendo ordem do anjo. Profundamente fascinadas etomadas de alegria, saem correndo para contar a novidadeaos discpulos. Mas so obrigadas a parar ao ouvir algum
que as cumprimenta: Bom dia! (v. 9, MSG). E, notandoum tom de cordialidade no cumprimento, caem de joelhosdiante do Jesus ressurreto. A primeira reao diante doCristo ressurreto foi cair de joelhos em atitude de temor ereverncia. Mas tambm houve certa dose de intimidadenaquela reao, pois elas se atreveram a abraar-lhe os ps
e o adoraram (v. 9).Juntos, esses dois elementos transformam-se em adora-
o. Ficar de joelhos diante de Jesus uma expresso dereverncia no em si mesmo adorao motivada pela
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ressurreio. Tocar e abraar os ps de Jesus uma ex-presso de intimidade no em si mesmo adoraomotivada pela ressurreio. Reverncia e intimidade noandam uma sem a outra. A reverncia precisa banhar-senas guas da intimidade, para que no se transforme numelemento esttico frio e desligado da realidade. A intimi-dade precisa mergulhar nas guas da reverncia, para queno se transforme em emoo eufrica. Aquelas mulheressabiam o que estavam fazendo: elas estavam em contatocom Deus na presena do Jesus vivo; por isso o adoraram.
Ento, Jesus confirma o que o anjo j tinha falado: Notemais; e repete o recado que devia ser dado aos discpu-los. E isso foi tudo.
Eu adoro observar a diferena entre aqueles soldadosromanos insensveis e esparramados no cho, paralisa-dos pelo medo e aquelas duas mulheres exuberantes, dejoelhos sobre o mesmo cho, energizadas pelo medo. Nosdois casos a palavra a mesma medo. Mas no a mes-ma coisa. H um medo que nos torna incapazes de estar
em contato com Deus; e h um medo que nos resgata dapreocupao com ns mesmos, com nossos sentimentos ecom nossas circunstncias e nos coloca num mundo quenos deixa fascinados. um medo que nos resgata de nsmesmos e nos coloca na esfera de ao do prprio Deus.
UMA PERPLEXIDADE ESMAGADORAMarcos acrescenta outra mulher Salom ao relatoque Mateus faz das duas Marias na visita ao tmulo no do-mingo cedo, adicionando alguns detalhes que aumentam a
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sensao de fascnio motivado pela ressurreio (veja 16:1-8).Marcos nos informa que as trs mulheres esto se dirigindo
ao tmulo preparadas para cumprir uma tarefa: embalsa-mar o corpo de Jesus com essncias aromticas. Mas haviaum problema que as preocupava pelo caminho: como en-trariam no tmulo para realizar o trabalho? A entrada es-tava fechada por uma enorme pedra que havia sido roladaat ali, e elas jamais conseguiriam mov-la. Quando porm
chegaram, descobriram que a pedra j havia sido tirada.Que surpresa! Elas achavam que teriam de resolver umproblemo, mas o problemo j havia sido resolvido. Fo-ram com a expectativa de realizar uma tarefa importantee at essencial, mas no havia mais nenhuma tarefa paraser realizada.
E elas ficam ainda mais surpresas quando entram notmulo e encontram um jovem supomos que fosse umanjo que estava ali sentado e pronto para conversar comelas. Aquelas mulheres ficam totalmente desconcertadas,perplexas (v. 5, MSG). Alis, quem no ficaria? Mas ele astranqiliza, conta-lhes que Jesus ressuscitou e lhes d o
recado que deveriam entregar aos discpulos.Em seu final abrupto e conciso, Marcos ressalta a es-
magadora perplexidade vivida pelas trs mulheres. Elasestavam fora de si, com a cabea rodando. Estavam ator-doadas e no disseram nada a ningum (v. 8, MSG). Narealidade, estavam fascinadas com a ressurreio.
LEMBRANDOAS PALAVRAS DE JESUS
Lucas inclui algumas mulheres annimas com as duas Ma-rias e Salom nessa primeira cena da ressurreio (veja
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24:1-12). Essas mulheres annimas eram as que tinhamvindo da Galilia com Jesus (23:55) e tambm so chama-das as mulheres (24:1, MSG) e as demais (v. 10). Elas en-tram em cena trazendo as essncias aromticas que iriamusar para preparar o corpo de Jesus. Mas, lgico, no hnenhum corpo. E elas ficam confusas (v. 4, MSG), coam acabea e procuram ali em volta. Ser que estamos no tmulo
certo? Na sexta-feira de tarde, elas tinham estado bem alie visto Jos de Arimatia colocar o corpo de Jesus l den-tro. Ento passaram o sbado juntando as essncias aro-mticas e os leos. quela altura, j haviam gastado horaspreparando tudo para esse ato de devoo e de amor pelapessoa que havia significado tanto para elas e pela qual
estavam de luto. E agora mais essa!Afinal de contas, o que que est acontecendo por aqui?
Ento, de repente, aparecem dois homens na frente de-las. Luzes brilhantes precipitam-se em cascata de suas rou-pas. S podiam ser anjos. Completamente apavoradas, asmulheres caem com o rosto em terra. Os dois homens no
tmulo as tranqilizam, dizendo: Por que vocs esto pro-curando num cemitrio aquele que est vivo? Ele no estaqui, mas ressuscitou. Lembram-se de como ele lhes disseainda na Galilia que precisava ser entregue aos pecado-res, morrer numa cruz e ressuscitar depois de trs dias?(v. 5-7, MSG).
Claro, aquelas mulheres se lembravam. J haviam es-cutado essas palavras. Mas nem em sonho podiam imagi-nar que aquilo fosse acontecer ainda durante esta vida.D para entender por que elas esto desnorteadas. Mas as
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palavras objetivas daqueles dois homens colocam-nas no-vamente dentro da realidade objetiva. Elas se lembram deonde haviam estado as estradas na Galilia, as conversase as refeies que haviam feito eram reais. Elas se lembramdo que haviam testemunhado h to pouco tempo umacrucificao excruciante em Jerusalm. E se lembram daspalavras de Jesus palavras que elas mesmas haviam es-
cutado. Como podiam se esquecer de tudo aquilo?As mulheres se lembram. No, elas no haviam ficadoloucas. Por isso, logo se refazem e voltam para contar tudoaos discpulos. Mas no conseguiram fazer os discpulosacreditarem no que elas sabiam e haviam vivido. Os disc-pulos descartam o relato das mulheres como se fosse coisa
de quem est delirando. Eles no acreditam numa palavrasequer e pensam que elas esto inventando tudo aquilo.
A NATUREZA DO FASCNIO
No simples explicar para outra pessoa o que fascnio,ainda mais quando a pessoa est fascinada e maravilhada
com a ressurreio. Por sua prpria natureza, o fascnio algo que nos pega desprevenidos e est acima de qualquerexpectativa ou suposio. E no pode ser colocado dentrode um esquema nem explicado. Requer a presena e o en-volvimento da pessoa.
Lucas acrescenta outro detalhe. Ele apresenta Pedro
como o primeiro homem a entrar nesse clima de fascniomotivado pela ressurreio. No meio do descrdito geralque os discpulos conferem ao relato das mulheres, Pedrode um salto coloca-se de p, corre para o tmulo, inclina-se
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para olhar l dentro e v somente alguns lenis. No ha-via mais nada. Ele ento sai confuso, balanando a cabea. bvio que no estamos diante de algo que, conforme cos-tumamos dizer, faz sentido. E at agora ningum haviaconseguido entender nada daquilo.
H principalmente duas maneiras de lidar com a reali-dade: mediante a compreenso e mediante o uso. Median-te a compreenso, pega-se um novo elemento que nos chegapela informao ou pela experincia e tenta-se fazer senti-do daquilo, encaixando-o em todas as outras coisas que jconhecemos. Mediante o uso, testamos a nova experinciaou informao segundo as rotinas e regras do que pode oudeve ser feito. Mas essa ressurreio no respeita nenhu-
ma dessas maneiras de lidar com a realidade. Tanto a com-preenso quanto o uso so descartados pelo fascnio, pelaperplexidade, pelo espanto primeiro no caso das mulhe-res e depois no caso de Pedro, que, a exemplo delas, tam-bm se encontrava totalmente desnorteado.
UM DETALHE REVELADORJoo, como de costume, faz algo bem diferente dos outrosevangelistas (veja 20:1-19) e eleva o grau do fascnio moti-vado pela ressurreio. Ele comea com Maria Madalena,que chega ao tmulo no domingo no final da madrugada eno entende nada do que v. Ela descobre que o tmulo
est vazio e logo tira a concluso mais bvia numa situa-o daquelas roubo. Ladres de sepultura. Naquelesdias, os roubos praticados em sepulturas eram um proble-ma to srio e to comum, que as autoridades do Imprio
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Romano foram obrigadas a promulgar um decreto para ten-tar impedir que essa prtica continuasse.1 Parece que Ma-ria no tinha perdido a capacidade de perceber a realidade.Ela foi plenamente capaz de olhar para os indcios e che-gar a uma concluso lgica. Por que outro motivo o tmuloestaria vazio?
Ento Maria sai correndo para contar tudo a Pedro eao outro discpulo que julgamos ser Joo (v. 3). Namesma hora, os dois saem em disparada para o tmulo.Eles entram no tmulo (pelo que parece, Maria no haviaentrado) e descobrem que o lugar est mesmo vazio, mastiram uma concluso bem diferente da concluso de Ma-ria. A concluso a que os dois chegam ressurreio.
Como foi que eles concluram isso? Joo reparou numdetalhe que no podia deixar de ser notado, um detalhemuito revelador. O leno que havia sido usado para cobrira cabea de Jesus no estava com o restante dos panos queenvolveram o seu corpo, mas, conforme ele mesmo descre-ve, estava parte e dobrado com cuidado (v. 7, MSG).
Com a inteligncia de um detetive, Joo deduz que rouboera algo que estava fora de cogitao. Ladres de sepultu-ra no teriam tirado os panos que envolviam o corpo. Mes-mo que o fizessem por crueldade, difcil imaginar queperderiam tempo dobrando um leno com cuidado e colo-cando-o parte. Joo mantm a cabea fria no meio da
emoo daquela hora e, diante da fora de uma nica evi-dncia (o leno dobrado com cuidado), consegue chegar
1 Raymond BROWN. The Gospel According to John, xii-xxi. Garden City, NewYork: Doubleday & Company, 1970, p. 985.
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verdade. Ressurreio. E pensando nisso que Pedro e Joosaem do tmulo.
RABONI!
O autor do evangelho volta a ateno novamente paraMaria. Depois de dar seu recado aos discpulos recadoque os fez sair em disparada naquela corrida na manh da
ressurreio , Maria volta ao tmulo, ainda achando queo corpo de Jesus havia sido roubado. Ela fica do lado defora, transtornada e chorando de tristeza. Ento, abaixan-do-se para olhar dentro do tmulo, ela v dois anjos. Comafeio, eles lhe perguntam sobre a razo do choro. Ela lhesexplica a razo e em seguida se vira. Ainda dentro de seu
campo de viso perifrica, repara na figura de um homem,no o reconhece e supe ser o jardineiro. O homem lhe faza mesma pergunta que os anjos haviam feito, e ela lhe d amesma resposta. Ento, ele pronuncia seu nome: Maria(v. 16).
Ela se volta para olhar para ele, e a viso embaada pe-
las lgrimas se torna ntida. Ela enxerga Jesus e responde:Raboni! Mestre (v. 16). O termoRaboni denota a mis-tura de uma profunda reverncia pela pessoa (um rabino)com uma intimidade afetiva (provavelmente algo prximode meu Mestre querido!).2
O quarto evangelho apresenta a primeira cena da ressur-reio de Jesus com algumas diferenas em relao aos trsprimeiros, mas o fascnio que ele transmite no menor.
2 Raymond BROWN. The Gospel According to John,p. 991.
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Alm de Pedro, mencionado de passagem por Lucas, outrohomem aparece em cena: o discpulo a quem Jesus ama-va (21:20) o discpulo amado, que julgamos ser Joo.Cada um dos dois vive a prpria histria. Ambos vivemuma histria que decorre da ao de Maria Madalena, queprimeiro sai correndo do tmulo para disparar o alarme edepois volta para l chorando, desconsolada com sua per-da. O alarme que ela dispara o que provoca a corrida dePedro e Joo, corrida que conduz ao primeiro pensamentoslido sobre a ressurreio. Depois dessa corrida, as lgri-mas de Maria nos colocam diante de uma troca afetiva decumprimentos que revelam a certeza da ressurreio: Ma-ria ... Raboni meu Mestre querido!.
NO EXISTE DIPLOMA DE FORMAO ESPIRITUAL
medida que lemos os quatro relatos da ressurreio eneles meditamos, o sentimento de fascnio vai se acumu-lando dentro de ns. As quatro histrias so lacnicas, com-pactas e narradas com economia de detalhes. Aqui no
h espao para nada complexo. Mas neste solo de austeri-dade na narrativa nascem alguns elementos, e eles soimportantes quando refletimos sobre nossa formao-via-ressurreio.
Em primeiro lugar, por mais que nos sculos anteriorestenha havido pistas, dicas e sinais da ressurreio em meio
vida hebraica, do Mediterrneo e do Oriente Prximo, quandoela aconteceu, todos os que estavam prximos dessa realida-de e mais bem preparados no tinham a menor conscinciadela. Acho isso importante. Nunca estamos em condies
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de saber muita coisa sobre a formao-via-ressurreio. No algo que se compare ao que nos conhecido nem quevenha em decorrncia de algum conhecimento quer se-ja, por exemplo, pelo desenvolvimento psicolgico, quer sejapela metafsica moral.
Em segundo lugar, bvio que ningum fez nada parase preparar para o que realmente aconteceu. No algo
que estava dentro de uma disposio baseada em expecta-tivas. Os dois grupos religiosos da poca que mais estavamtrabalhando no preparo do solo messinico e da ressurrei-o os fariseus e os essnios foram justamente os queestavam olhando para a direo contrria e no enten-deram nada do que aconteceu. Nesse assunto, todos so
meros iniciantes. No h especialistas.Isso nos deixa mais do que desconcertados quando olha-mos para o cuidado com que costumamos organizar, pla-nejar e preparar coisas grandes e importantes. No existediploma de formao espiritual. No temos muito contro-le sobre nada disso, se que temos algum.
Em terceiro lugar, as pessoas marginalizadas pela cul-tura nesse caso, as mulheres desempenham um papelde destaque por causa de sua percepo e da forma comoreagem. Mesmo que lderes importantes como Pedro e Joono fiquem de fora, Maria Madalena talvez a mais mar-ginalizada entre os primeiros seguidores de Jesus a prin-
cipal testemunha da ressurreio e s ela aparece no relatodos quatro evangelhos. A nica informao que temos so-bre Maria Madalena antes de sua deciso de seguir Jesus que ela tinha sete demnios e havia sido libertada deles.
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Os sete demnios podem ser uma referncia a uma vidamoral completamente desregrada ou a um tipo de doenamental grave. Quer ela tivesse um ou ambos os problemasantes de conhecer Jesus, a questo que isso, aliado aofato de ser mulher numa sociedade patriarcal, fazia queela fosse radicalmente marginalizada.
Isso nos deixa mais do que desconcertados quando olha-
mos para a importncia que conferimos ao apoio de pes-soas famosas em nossa sociedade. bem provvel que oshomens e mulheres mais valorosos para nossa formaoespiritual pela via da ressurreio sejam pessoas que es-to margem da respeitabilidade: os pobres, as minorias,os que sofrem, os rejeitados, os poetas e as crianas.
Em quarto lugar, a ressurreio foi algo discreto que acon-teceu num lugar silencioso sem publicidade nem obser-vadores. claro que houve muita energia, muita emoo(lgrimas, corridas, perplexidade, desorientao e alegria),mas nada chamou a ateno dos que estavam de fora. (Oterremoto mencionado por Mateus em parte uma exce-
o. Mas os nicos que ficaram sabendo dele ou foram atin-gidos por seus efeitos foram os soldados romanos, queficaram ali anestesiados.)
Quando era moo, eu costumava tocar trompete. No es-tado de Montana, onde cresci, a Pscoa sempre aconteciasob os ltimos efeitos do inverno. Todo domingo de Ps-
coa, eu me levantava s cinco, cinco e meia, seis horas parair ao culto da ressurreio. Todo mundo queria ouvir algumtocar trompete na Pscoa. Com os lbios amortecidos pelaboquilha congelada, eu ficava tocando e desafinando em
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alguma colina da cidade. Mas o que importava que issofazia barulho. Se algo importante, a gente faz que o mun-
do todo saiba dessa importncia. claro que no foi dotexto dos evangelhos que a minha igreja tirou essa idia.
Por causa do nosso costume de cercar eventos impor-
tantes com muita publicidade para chamar a ateno e porcausa da importncia que a ressurreio tem para o evan-
gelho, isso algo que nos deixa muito surpresos. Luzes bri-lhantes e som amplificado no fazem parte dos acessriospara a formao espiritual.
O ENCONTRO COM O ALGO MAIS
O quinto elemento o medo, o temor. Medo a reao
mais mencionada no contexto da ressurreio seis vezesnos quatro relatos. Temos medo quando somos pegos desurpresa, desprevenidos, e no sabemos o que fazer. Temos
medo quando nossas idias e conceitos no servem mais
para explicar o que est diante de ns, e ficamos sem saber
o que vai nos acontecer. Temos medo quando a realidade,sem aviso prvio, mostra-nos que ela mais do que pens-
vamos.Mas as seis referncias ao medo aparecem dentro da tra-
dio de contos na cultura e nas Escrituras hebraicas, e nes-
se contexto a palavra medo ou temor empregada de uma
forma que lhe d um sentido muito mais amplo do quesimplesmente ficar apavorado. Assim, a palavra inclui to-
das as emoes que surgem quando se fica apavorado
desorientao, incapacidade de saber o que vai acontecer
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em seguida e a constatao de que existe algo mais que nopensvamos existir. Mas esse algo mais Deus.
O temor do Senhor a expresso bblica mais comumque traduz a percepo repentina ou gradual que a pre-sena ou revelao de Deus introduz na nossa vida. Nosomos o centro da nossa existncia. No somos a soma detudo o que importa. No sabemos o que est para acon-
tecer em seguida.O temor do Senhor deixa-nos em estado de alerta, deolhos bem abertos. Alguma coisa est acontecendo, e noqueremos perder nada. O temor do Senhor o que nosimpede de pensar que sabemos todas as coisas. E, portan-to, impede que fechemos nossa mente e nossa capacidade
de perceber o que novo. O temor do Senhor impede quenos comportemos com arrogncia, destruindo ou violan-do algum aspecto do que belo, verdadeiro ou bom e quenos passa despercebido ou fica acima da nossa capacidadede compreenso.
O temor do Senhor medo sem o elemento do pavor.
Por isso, ele muitas vezes vem acompanhado por uma pa-lavra tranqilizadora: No temas. Mas esse no temasno alguma coisa que acarreta ausncia de medo, masele transforma o medo em temor do Senhor. Continuamossem saber o que est acontecendo. Continuamos sem o con-trole da situao. Continuamos mergulhados num mist-
rio profundo.Nas histrias da ressurreio relatadas nas Escrituras,
h seis ocorrncias de palavras que derivam de medo, te-mor. Em duas ocorrncias, o que se exprime a sensao de
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terror: os soldados romanos diante do anjo que reluzia notmulo vazio (veja Mt 28:4) e, mais tarde, as mulheres
que, confusas, saram correndo do mesmo tmulo (vejaMc 16:8). Em trs ocorrncias, o medo amenizado poruma palavra que tranqiliza. Lucas relata que, na presen-
a do anjo no tmulo, as mulheres se assustaram, mas fo-ram logo tranqilizadas (veja 24:5). Em Mateus, primeiro
o anjo e depois Jesus dizem s mulheres: No temais(28:5, 10). Entre essas duas ocorrncias em Mateus, a pa-lavra aparece transmitindo um sentimento de alegria re-verente (veja 28:8).
Temor acompanhado por vrias outras palavras que
evocam a sensao de fascnio surpreendidas (Mc 16:5),
tremendo e assustadas (Mc 16:8, NVI),perplexas (Lc 24:4, NVI),amedrontadas (Lc 24:5, NVI) eadmirado (Lc 24:12, NVI). Na
referncia de Mateus, a mesma palavra medo usada comsentidos diferentes, mas sem deixar o leitor confuso, e a
clareza se deve ao contexto: Os guardas tremeram de me-
do e ficaram como mortos. O anjo disse s mulheres: Notenham medo! (28:4-5, NVI).
ONDE SE ERRA NA FORMAO ESPIRITUAL
A formao espiritual algo que acontece na atmosfera da
ressurreio, no ambiente desse algo mais, em que pre-
cisamos cultivar reaes de reverncia e temor, para nocorrer o risco de perder a prpria essncia do que est acon-
tecendo. Na linguagem que usamos para nos referir for-
mao espiritual na vida crist h muita superficialidade