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:: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências Humanas. Nº 4, Ano II, Abril de 2006, periodicidade semestral – Edição Especial: Dossiê Marx – ISSN 1981-061X. A FENOMENOLOGIA DO EGOÍSMO: STIRNER E A CRÍTICA MARXIANA [1] Sabina Maura Silva * Resumo Este trabalho visa a apresentar a concepção de homem presente na obra O Único e Sua Propriedade, de autoria do filósofo neo-hegeliano Max Stirner, e expor os limites e equívocos apontados por Karl Marx à mesma, desenvolvidos na obra A Ideologia Alemã. Palavras-chave: alienação, egoísmo, individualidade, sociabilidade, objetividade, subjetividade. Abstract This work seeks to present the cointained man’s conception in the work The Ego and Its Own, of autorship of the young-hegelian philosopher Max Stirner, and to expose the limits and misunderstandings pointed for Karl Marx to this conception, developed in the work The Germany Ideology. Key-words: alienation, egoism, individuality, sociability, objectivity, subjectivity. Este trabalho tem como objeto a tematização de Max Stirner acerca da individualidade, acompanhada pelas principais críticas de Karl Marx a esta tematização. Ou seja, tendo como centro de nossa investigação o pensamento de Stirner, visamos explicitar a determinação stirneriana do homem, presente na obra 1

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Page 1: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

Verinotio - Revista On-line de Educaccedilatildeo e Ciecircncias Humanas Nordm 4 Ano II Abril de 2006 periodicidade semestral ndash Ediccedilatildeo Especial Dossiecirc Marx ndash ISSN 1981-061X

A FENOMENOLOGIA DO EGOIacuteSMO STIRNER E A CRIacuteTICA MARXIANA[1]

Sabina Maura Silva

Resumo

Este trabalho visa a apresentar a concepccedilatildeo de homem presente na obra O

Uacutenico e Sua Propriedade de autoria do filoacutesofo neo-hegeliano Max Stirner e

expor os limites e equiacutevocos apontados por Karl Marx agrave mesma desenvolvidos na

obra A Ideologia Alematilde

Palavras-chave alienaccedilatildeo egoiacutesmo individualidade sociabilidade

objetividade subjetividade

Abstract

This work seeks to present the cointained manrsquos conception in the work The

Ego and Its Own of autorship of the young-hegelian philosopher Max Stirner and

to expose the limits and misunderstandings pointed for Karl Marx to this conception

developed in the work The Germany Ideology

Key-words alienation egoism individuality sociability objectivity

subjectivity

Este trabalho tem como objeto a tematizaccedilatildeo de Max Stirner acerca da

individualidade acompanhada pelas principais criacuteticas de Karl Marx a esta

tematizaccedilatildeo Ou seja tendo como centro de nossa investigaccedilatildeo o pensamento de

Stirner visamos explicitar a determinaccedilatildeo stirneriana do homem presente na obra

1

O Uacutenico e Sua Propriedade bem como expor os limites e equiacutevocos apontados

por Marx a esta determinaccedilatildeo desenvolvidos na obra A Ideologia Alematilde

A importacircncia de um estudo sobre o pensamento de Stirner se justifica ao

nosso ver por dois aspectos Em primeiro lugar pelo fato de a obra stirneriana

constituir um momento da gecircnese das vertentes contemporacircneas que se dedicam

agrave problemaacutetica da individualidade De fato nela encontramos mesmo que sob a

forma de antecipaccedilatildeo questotildees que posteriormente estaratildeo configuradas de

modo mais apurado nas obras de Nietzsche Freud Heidegger e Sartre dentre

outros Aleacutem do que Stirner eacute considerado com frequumlecircncia um dos pais do

anarquismo

Em segundo lugar a anaacutelise de sua obra eacute fundamental para a

elucidaccedilatildeo do pensamento de Marx dado que a criacutetica de Marx a Stirner eacute

produzida no periacuteodo formativo de seu pensamento proacuteprio Assim torna-se

questatildeo importante para a compreensatildeo da gecircnese e do desenvolvimento do

pensamento marxiano realizar um estudo sistematizado das obras daqueles com

os quais polemiza

No entanto se o esclarecimento do pensamento de Stirner contribui para

elucidar um momento especiacutefico e fundamental do pensamento de Marx um

trabalho centrado sobre ele natildeo pode prescindir da presenccedila da criacutetica marxiana

cujo propoacutesito eacute desvelar o fundamento das determinaccedilotildees stirnerianas acerca da

individualidade e de suas relaccedilotildees com o mundo Neste sentido temos tambeacutem o

intuito de mostrar que a criacutetica de Marx a Stirner ultrapassa os limites de uma

querela intelectual tratando-se em verdade de uma confrontaccedilatildeo entre

determinaccedilotildees distintas acerca do real e do ser dos homens

Max Stirner filoacutesofo neo-hegeliano publica em 1844 sua principal obra O

Uacutenico e Sua Propriedade a qual se origina no contexto alematildeo de criacutetica a Hegel

iniciado nos anos subsequumlentes a sua morte Deste confronto travado no seio do

hegelianismo surge a chamada ldquoesquerda hegelianardquo da qual Stirner eacute um dos

2

representantes Convencidos que sua eacutepoca era de transiccedilatildeo e que estava

proacutexima uma nova etapa de desenvolvimento histoacuterico os neo-hegelianos

demandavam por uma nova ontologia capaz de reconciliar o homem consigo

proacuteprio recuperando assim a essecircncia humana que ateacute entatildeo julgavam estivera

alienada De modo que cada qual ao seu modo todos buscavam os ldquoprinciacutepios da

filosofia do futurordquo[2]

Para Stirner o Eu tomado como individualidade singular eacute o fundamento

de sua esfera existencial No entanto considera que tudo tem determinado a

existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo sido permitido a eles determinaacute-la A defesa

intransigente da individualidade o leva a rejeitar a preponderacircncia de todas e

quaisquer condicionantes exteriores ao Eu sejam elas materiais ou espirituais por

representarem aos seus olhos forccedilas que oprimem limitam e escravizam os

indiviacuteduos expropriando-os de si

Rebelando-se contra a determinaccedilatildeo de que algo possa ter conteuacutedo fora

do indiviacuteduo Stirner primeiramente submete agrave criacutetica todas as formas de

alienaccedilatildeo que segundo ele tecircm vitimado os homens para em seguida

demonstrar a individualidade como princiacutepio e fim de si mesma Seguindo a ordem

da obra passemos pois agrave anaacutelise stirneriana da alienaccedilatildeo

I - A CRIacuteTICA DE STIRNER Agrave ALIENACcedilAtildeO

No interior do pensamento stirneriano a apreciaccedilatildeo do fenocircmeno da

alienaccedilatildeo estaacute diretamente ligado agravequela do desenvolvimento da individualidade

que Stirner aborda analisando as fases da infacircncia adolescecircncia e idade adulta

Segundo ele desde o nascimento o indiviacuteduo luta com o mundo no qual

eacute lanccedilado como um dado entre tantos buscando encontrar e afirmar a si proacuteprio

pois ldquotudo com o qual a crianccedila entra em contato se opotildee agraves suas intervenccedilotildees

afirmando sua proacutepria existecircnciardquo[3] A crianccedila observa e experimenta as coisas

3

visando desvelar o que nelas estaacute encoberto a fim de desvendar seu fundamento

Teme e respeita o que lhe eacute exterior ateacute descobrir em si forccedilas capazes de

superaacute-lo Assim ldquo por detraacutes de tudo encontramos nossa ataraxia isto eacute

nossa intrepidez nossa resistecircncia nossa supremacia nossa invencibilidade Noacutes

natildeo recuamos mais timidamente diante o que outrora Nos provocava temor e

respeito mas tomamos coragem E quanto mais Nos sentimos Noacutes mesmos

tanto menor se mostra o que antes parecia invenciacutevel E o que eacute Nossa astuacutecia

Nossa inteligecircncia Nossa coragem Nossa obstinaccedilatildeo Que mais senatildeo

Espiacuteritordquo[4] O mundo objetivo jaacute natildeo exerce nenhum domiacutenio sobre o indiviacuteduo

pois ldquoNada mais se impotildee agora ao frescor do sentimento de Nossa juventude

este sentimento de si declaramos o mundo desacreditado porque Noacutes estamos

acima dele somos Espiacuteritordquo[5]

Descobrindo seu espiacuterito o jovem adota um comportamento teoacuterico

Poreacutem natildeo se confrontando mais com as coisas passa a se defrontar com os

imperativos de sua consciecircncia Ocupando-se tatildeo somente de seus pensamentos

interessando-se pelo mundo somente quando vecirc nele a manifestaccedilatildeo do espiacuterito

sacrifica sua vida visando realizar seus ideais Buscando desenvolver e enriquecer

seu espiacuterito o jovem reconhece que ldquoembora Eu seja espiacuterito natildeo sou contudo

espiacuterito completo e devo primeiramente procurar o espiacuterito perfeitordquo[6] Mas com

isso ldquoEu que tinha acabado de Me encontrar como espiacuterito perco-me novamente

humilhando-me diante o espiacuterito perfeito como diante algo que natildeo me eacute proacuteprio

mas que estaacute aleacutem de mim sentindo com isso meu vaziordquo[7]

4

Diferentemente do jovem o adulto ldquoafeiccediloa-se a si como pessoa e

encontra prazer em si mesmo como homem corpoacutereo e vivordquo adquirindo ldquoum

interesse pessoal ou egoiacutesta isto eacute um interesse natildeo somente por nosso espiacuterito

mas pela satisfaccedilatildeo total do indiviacuteduordquo[8] Repelindo o espiacuterito da mesma forma

que o jovem repelia o mundo usando as coisas e os pensamentos segundo seu

prazer o homem egoiacutesta potildee adiante de tudo seu interesse pessoal De modo que

ldquoo homem evidencia uma segunda descoberta de si O homem se descobre

como espiacuterito corpoacutereordquo[9] Assim ldquoDa mesma forma que Eu Me descubro por

detraacutes das coisas como espiacuterito Eu devo Me descobrir mais tarde tambeacutem por

detraacutes dos pensamentos como seu criador e proprietaacuterio No tempo dos espiacuteritos

os pensamentos cresciam sobre minha cabeccedila da qual no entanto nasceram

eles pairavam como alucinaccedilotildees febris e Me envolviam com uma forccedila terriacutevel Os

pensamentos por si mesmos tornaram-se corpoacutereos eram fantasmas como Deus

o Imperador o Papa a Paacutetria etc Mas se destruo sua corporeidade Eu a

reintegro agrave Minha e digo somente Eu sou corpoacutereo E entatildeo Eu tomo o mundo

como ele eacute como o que ele eacute para Mim como o Meu como Minha propriedade

Eu relaciono tudo a Mimrdquo[10]

Enfim ldquoA crianccedila perturbada pelas coisas deste mundo era realista ateacute

que pouco a pouco atinge o que haacute por detraacutes das coisas o jovem

entusiasmado pelos pensamentos era idealista ateacute progredir em direccedilatildeo ao

homem ao egoiacutesta que se comporta agrave vontade com as coisas e com os

pensamentos e potildee acima de tudo seu interesse pessoalrdquo[11] As etapas da vida

satildeo portanto caminhos percorridos pelo indiviacuteduo em direccedilatildeo a si proacuteprio As

fases de seu desenvolvimento satildeo delimitadas a partir do autoconhecimento

oriundo das relaccedilotildees da consciecircncia seja com o que lhe eacute exterior quando a

consciecircncia percebe-se como tal seja consigo proacutepria possibilitando ao indiviacuteduo

apossar-se da consciecircncia de si atingindo a culminacircncia de seu ser Delineia-se

assim a determinaccedilatildeo fundamental da individualidade stirneriana que vem a ser o

autocentramento na consciecircncia de si

Transpondo este processo para o curso histoacuterico Stirner manteacutem o

mesmo procedimento analiacutetico dando conteuacutedo ao que referiu nas fases do

desenvolvimento individual ao analisar os Antigos e os Modernos

A antiguumlidade periacuteodo demarcado ateacute o advento do cristianismo

representa a infacircncia a fase realista da humanidade Para os antigos a verdade

lhes era evidente atraveacutes das manifestaccedilotildees do mundo objetivo

Consequumlentemente eram dominados por ele submetidos a uma ordem inalterada

vivendo na certeza de que o mundo e as relaccedilotildees por ele impostas - os laccedilos

5

familiares e comunitaacuterios por exemplo - eram os princiacutepios incontestaacuteveis ante os

quais deviam se curvar Esta sujeiccedilatildeo perdurou ateacute que os sofistas proclamaram o

entendimento como uma arma que o homem dispotildee contra o mundo Poreacutem

como o entendimento sofista permanecia sujeito ao mundo pois ldquoo espiacuterito era

para eles apenas um meiordquo[12] Soacutecrates apontando para a negaccedilatildeo de seu

caraacuteter praacutetico indica a necessidade de o entendimento natildeo sucumbir aos apelos

do mundo A partir dessa indicaccedilatildeo socraacutetica buscando encontrar o prazer de

viver estoacuteicos e epicuristas consideravam que a sabedoria da vida consistia no

desprezo do mundo numa vida sem desenvolvimento sem extensatildeo enfim numa

vida isolada A ruptura definitiva se daacute com os ceacuteticos para os quais ldquotoda relaccedilatildeo

com o mundo eacute privada de valor e verdaderdquo[13] restando em relaccedilatildeo a ele

ldquosomente a ataraxia (a impassibilidade) e a afasia (o mutismo - ou com outras

palavras o isolamento da interioridade)rdquo[14] Com a indiferenccedila ceacutetica ldquoa

antiguumlidade acaba com o mundo das coisas com a ordem e a totalidade do

mundordquo[15]

Eacute necessaacuterio precisar com clareza o que refere Stirner ao afirmar que a

antiguumlidade acabou com o mundo das coisas Segundo ele ldquoQuatildeo pouco o

homem consegue dominar Ele deve permitir o sol traccedilar seu curso o mar impelir

suas ondas as montanhas elevarem-se em direccedilatildeo ao ceacuteu Assim sem poderes

contra o invenciacutevel como poderia precaver-se da impressatildeo de que era impotente

em relaccedilatildeo a essa colossal prisatildeo que eacute o mundo O homem deve se submeter

ao mundo a esta lei fixa que determina seu destino Ora para que trabalhou a

humanidade preacute-cristatilde Para livrar-se da opressatildeo do destino para natildeo se deixar

alterar por elerdquo[16] Poreacutem esta superaccedilatildeo significa tatildeo-somente a

desconsideraccedilatildeo das determinaccedilotildees objetivas do mundo uma vez que para

Stirner ldquoa histoacuteria antiga acabou desde que o Eu conquistou o mundo como sua

propriedade Ele deixou de ser superior a mim deixou de ser inacessiacutevel

sagrado divino etc ele foi lsquodesdivinizadorsquo (entgoumlttert) e Eu posso entatildeo

manipulaacute-lo segundo meu agrado porque poderia exercer sobre ele se quisesse

toda minha forccedila prodigiosa ou seja a forccedila do espiacuterito e com ela remover

6

montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se

deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel

fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo

tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que

Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]

Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de

dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os

homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao

determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta

do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade

A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave

modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham

descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos

modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo

do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e

qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente

espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se

tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o

mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se

portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os

modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em

mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se

manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute

de verdadeiro nelas

7

Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o

cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a

determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar

por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se

ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que

haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao

espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da

individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o

espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano

Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos

pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do

espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser

supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento

compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em

natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso

decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se

agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora

somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente

Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos

satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por

uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo

natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]

isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por

qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que

reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a

crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias

fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a

negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos

morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm

como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus

imperativos

I1- As doutrinas do espiacuterito

I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel

8

Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave

antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava

ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o

espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo

destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas

Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado

por sua simples existecircncia

Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o

espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com

toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo

sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a

consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com

Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas

para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve

simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila

da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o

pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual

reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu

compreendesrsquo rdquo[25]

9

A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da

Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter

absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que

identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs

pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e

nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a

reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado

alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o

espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade

culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que

natildeo tem vidardquo[27]

Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos

O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo

opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do

concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na

universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach

e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute

determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o

princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o

egoiacutesmo

O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx

revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a

concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia

levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da

abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem

a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a

afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a

filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do

poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes

em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se

perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os

objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e

soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo

na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher

com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das

coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se

tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner

tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a

modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real

aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si

mesmo

10

Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo

Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a

similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que

Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside

precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia

trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em

Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o

conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda

existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou

seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em

particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em

Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer

dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade

Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner

submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando

para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo

se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso

resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a

substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso

porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo

singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus

ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do

Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao

lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma

nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o

ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir

11

Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos

religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua

proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se

determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que

resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno

religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima

consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho

desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -

conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no

lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro

I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo

Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo

propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer

chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo

humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a

rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador

capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico

estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a

realizaccedilatildeo universal da humanidade

I121- O Liberalismo Poliacutetico

Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute

adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas

todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a

burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o

estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou

os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em

leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo

vale mais que outro satildeo todos iguais

12

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

13

A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 2: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

O Uacutenico e Sua Propriedade bem como expor os limites e equiacutevocos apontados

por Marx a esta determinaccedilatildeo desenvolvidos na obra A Ideologia Alematilde

A importacircncia de um estudo sobre o pensamento de Stirner se justifica ao

nosso ver por dois aspectos Em primeiro lugar pelo fato de a obra stirneriana

constituir um momento da gecircnese das vertentes contemporacircneas que se dedicam

agrave problemaacutetica da individualidade De fato nela encontramos mesmo que sob a

forma de antecipaccedilatildeo questotildees que posteriormente estaratildeo configuradas de

modo mais apurado nas obras de Nietzsche Freud Heidegger e Sartre dentre

outros Aleacutem do que Stirner eacute considerado com frequumlecircncia um dos pais do

anarquismo

Em segundo lugar a anaacutelise de sua obra eacute fundamental para a

elucidaccedilatildeo do pensamento de Marx dado que a criacutetica de Marx a Stirner eacute

produzida no periacuteodo formativo de seu pensamento proacuteprio Assim torna-se

questatildeo importante para a compreensatildeo da gecircnese e do desenvolvimento do

pensamento marxiano realizar um estudo sistematizado das obras daqueles com

os quais polemiza

No entanto se o esclarecimento do pensamento de Stirner contribui para

elucidar um momento especiacutefico e fundamental do pensamento de Marx um

trabalho centrado sobre ele natildeo pode prescindir da presenccedila da criacutetica marxiana

cujo propoacutesito eacute desvelar o fundamento das determinaccedilotildees stirnerianas acerca da

individualidade e de suas relaccedilotildees com o mundo Neste sentido temos tambeacutem o

intuito de mostrar que a criacutetica de Marx a Stirner ultrapassa os limites de uma

querela intelectual tratando-se em verdade de uma confrontaccedilatildeo entre

determinaccedilotildees distintas acerca do real e do ser dos homens

Max Stirner filoacutesofo neo-hegeliano publica em 1844 sua principal obra O

Uacutenico e Sua Propriedade a qual se origina no contexto alematildeo de criacutetica a Hegel

iniciado nos anos subsequumlentes a sua morte Deste confronto travado no seio do

hegelianismo surge a chamada ldquoesquerda hegelianardquo da qual Stirner eacute um dos

2

representantes Convencidos que sua eacutepoca era de transiccedilatildeo e que estava

proacutexima uma nova etapa de desenvolvimento histoacuterico os neo-hegelianos

demandavam por uma nova ontologia capaz de reconciliar o homem consigo

proacuteprio recuperando assim a essecircncia humana que ateacute entatildeo julgavam estivera

alienada De modo que cada qual ao seu modo todos buscavam os ldquoprinciacutepios da

filosofia do futurordquo[2]

Para Stirner o Eu tomado como individualidade singular eacute o fundamento

de sua esfera existencial No entanto considera que tudo tem determinado a

existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo sido permitido a eles determinaacute-la A defesa

intransigente da individualidade o leva a rejeitar a preponderacircncia de todas e

quaisquer condicionantes exteriores ao Eu sejam elas materiais ou espirituais por

representarem aos seus olhos forccedilas que oprimem limitam e escravizam os

indiviacuteduos expropriando-os de si

Rebelando-se contra a determinaccedilatildeo de que algo possa ter conteuacutedo fora

do indiviacuteduo Stirner primeiramente submete agrave criacutetica todas as formas de

alienaccedilatildeo que segundo ele tecircm vitimado os homens para em seguida

demonstrar a individualidade como princiacutepio e fim de si mesma Seguindo a ordem

da obra passemos pois agrave anaacutelise stirneriana da alienaccedilatildeo

I - A CRIacuteTICA DE STIRNER Agrave ALIENACcedilAtildeO

No interior do pensamento stirneriano a apreciaccedilatildeo do fenocircmeno da

alienaccedilatildeo estaacute diretamente ligado agravequela do desenvolvimento da individualidade

que Stirner aborda analisando as fases da infacircncia adolescecircncia e idade adulta

Segundo ele desde o nascimento o indiviacuteduo luta com o mundo no qual

eacute lanccedilado como um dado entre tantos buscando encontrar e afirmar a si proacuteprio

pois ldquotudo com o qual a crianccedila entra em contato se opotildee agraves suas intervenccedilotildees

afirmando sua proacutepria existecircnciardquo[3] A crianccedila observa e experimenta as coisas

3

visando desvelar o que nelas estaacute encoberto a fim de desvendar seu fundamento

Teme e respeita o que lhe eacute exterior ateacute descobrir em si forccedilas capazes de

superaacute-lo Assim ldquo por detraacutes de tudo encontramos nossa ataraxia isto eacute

nossa intrepidez nossa resistecircncia nossa supremacia nossa invencibilidade Noacutes

natildeo recuamos mais timidamente diante o que outrora Nos provocava temor e

respeito mas tomamos coragem E quanto mais Nos sentimos Noacutes mesmos

tanto menor se mostra o que antes parecia invenciacutevel E o que eacute Nossa astuacutecia

Nossa inteligecircncia Nossa coragem Nossa obstinaccedilatildeo Que mais senatildeo

Espiacuteritordquo[4] O mundo objetivo jaacute natildeo exerce nenhum domiacutenio sobre o indiviacuteduo

pois ldquoNada mais se impotildee agora ao frescor do sentimento de Nossa juventude

este sentimento de si declaramos o mundo desacreditado porque Noacutes estamos

acima dele somos Espiacuteritordquo[5]

Descobrindo seu espiacuterito o jovem adota um comportamento teoacuterico

Poreacutem natildeo se confrontando mais com as coisas passa a se defrontar com os

imperativos de sua consciecircncia Ocupando-se tatildeo somente de seus pensamentos

interessando-se pelo mundo somente quando vecirc nele a manifestaccedilatildeo do espiacuterito

sacrifica sua vida visando realizar seus ideais Buscando desenvolver e enriquecer

seu espiacuterito o jovem reconhece que ldquoembora Eu seja espiacuterito natildeo sou contudo

espiacuterito completo e devo primeiramente procurar o espiacuterito perfeitordquo[6] Mas com

isso ldquoEu que tinha acabado de Me encontrar como espiacuterito perco-me novamente

humilhando-me diante o espiacuterito perfeito como diante algo que natildeo me eacute proacuteprio

mas que estaacute aleacutem de mim sentindo com isso meu vaziordquo[7]

4

Diferentemente do jovem o adulto ldquoafeiccediloa-se a si como pessoa e

encontra prazer em si mesmo como homem corpoacutereo e vivordquo adquirindo ldquoum

interesse pessoal ou egoiacutesta isto eacute um interesse natildeo somente por nosso espiacuterito

mas pela satisfaccedilatildeo total do indiviacuteduordquo[8] Repelindo o espiacuterito da mesma forma

que o jovem repelia o mundo usando as coisas e os pensamentos segundo seu

prazer o homem egoiacutesta potildee adiante de tudo seu interesse pessoal De modo que

ldquoo homem evidencia uma segunda descoberta de si O homem se descobre

como espiacuterito corpoacutereordquo[9] Assim ldquoDa mesma forma que Eu Me descubro por

detraacutes das coisas como espiacuterito Eu devo Me descobrir mais tarde tambeacutem por

detraacutes dos pensamentos como seu criador e proprietaacuterio No tempo dos espiacuteritos

os pensamentos cresciam sobre minha cabeccedila da qual no entanto nasceram

eles pairavam como alucinaccedilotildees febris e Me envolviam com uma forccedila terriacutevel Os

pensamentos por si mesmos tornaram-se corpoacutereos eram fantasmas como Deus

o Imperador o Papa a Paacutetria etc Mas se destruo sua corporeidade Eu a

reintegro agrave Minha e digo somente Eu sou corpoacutereo E entatildeo Eu tomo o mundo

como ele eacute como o que ele eacute para Mim como o Meu como Minha propriedade

Eu relaciono tudo a Mimrdquo[10]

Enfim ldquoA crianccedila perturbada pelas coisas deste mundo era realista ateacute

que pouco a pouco atinge o que haacute por detraacutes das coisas o jovem

entusiasmado pelos pensamentos era idealista ateacute progredir em direccedilatildeo ao

homem ao egoiacutesta que se comporta agrave vontade com as coisas e com os

pensamentos e potildee acima de tudo seu interesse pessoalrdquo[11] As etapas da vida

satildeo portanto caminhos percorridos pelo indiviacuteduo em direccedilatildeo a si proacuteprio As

fases de seu desenvolvimento satildeo delimitadas a partir do autoconhecimento

oriundo das relaccedilotildees da consciecircncia seja com o que lhe eacute exterior quando a

consciecircncia percebe-se como tal seja consigo proacutepria possibilitando ao indiviacuteduo

apossar-se da consciecircncia de si atingindo a culminacircncia de seu ser Delineia-se

assim a determinaccedilatildeo fundamental da individualidade stirneriana que vem a ser o

autocentramento na consciecircncia de si

Transpondo este processo para o curso histoacuterico Stirner manteacutem o

mesmo procedimento analiacutetico dando conteuacutedo ao que referiu nas fases do

desenvolvimento individual ao analisar os Antigos e os Modernos

A antiguumlidade periacuteodo demarcado ateacute o advento do cristianismo

representa a infacircncia a fase realista da humanidade Para os antigos a verdade

lhes era evidente atraveacutes das manifestaccedilotildees do mundo objetivo

Consequumlentemente eram dominados por ele submetidos a uma ordem inalterada

vivendo na certeza de que o mundo e as relaccedilotildees por ele impostas - os laccedilos

5

familiares e comunitaacuterios por exemplo - eram os princiacutepios incontestaacuteveis ante os

quais deviam se curvar Esta sujeiccedilatildeo perdurou ateacute que os sofistas proclamaram o

entendimento como uma arma que o homem dispotildee contra o mundo Poreacutem

como o entendimento sofista permanecia sujeito ao mundo pois ldquoo espiacuterito era

para eles apenas um meiordquo[12] Soacutecrates apontando para a negaccedilatildeo de seu

caraacuteter praacutetico indica a necessidade de o entendimento natildeo sucumbir aos apelos

do mundo A partir dessa indicaccedilatildeo socraacutetica buscando encontrar o prazer de

viver estoacuteicos e epicuristas consideravam que a sabedoria da vida consistia no

desprezo do mundo numa vida sem desenvolvimento sem extensatildeo enfim numa

vida isolada A ruptura definitiva se daacute com os ceacuteticos para os quais ldquotoda relaccedilatildeo

com o mundo eacute privada de valor e verdaderdquo[13] restando em relaccedilatildeo a ele

ldquosomente a ataraxia (a impassibilidade) e a afasia (o mutismo - ou com outras

palavras o isolamento da interioridade)rdquo[14] Com a indiferenccedila ceacutetica ldquoa

antiguumlidade acaba com o mundo das coisas com a ordem e a totalidade do

mundordquo[15]

Eacute necessaacuterio precisar com clareza o que refere Stirner ao afirmar que a

antiguumlidade acabou com o mundo das coisas Segundo ele ldquoQuatildeo pouco o

homem consegue dominar Ele deve permitir o sol traccedilar seu curso o mar impelir

suas ondas as montanhas elevarem-se em direccedilatildeo ao ceacuteu Assim sem poderes

contra o invenciacutevel como poderia precaver-se da impressatildeo de que era impotente

em relaccedilatildeo a essa colossal prisatildeo que eacute o mundo O homem deve se submeter

ao mundo a esta lei fixa que determina seu destino Ora para que trabalhou a

humanidade preacute-cristatilde Para livrar-se da opressatildeo do destino para natildeo se deixar

alterar por elerdquo[16] Poreacutem esta superaccedilatildeo significa tatildeo-somente a

desconsideraccedilatildeo das determinaccedilotildees objetivas do mundo uma vez que para

Stirner ldquoa histoacuteria antiga acabou desde que o Eu conquistou o mundo como sua

propriedade Ele deixou de ser superior a mim deixou de ser inacessiacutevel

sagrado divino etc ele foi lsquodesdivinizadorsquo (entgoumlttert) e Eu posso entatildeo

manipulaacute-lo segundo meu agrado porque poderia exercer sobre ele se quisesse

toda minha forccedila prodigiosa ou seja a forccedila do espiacuterito e com ela remover

6

montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se

deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel

fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo

tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que

Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]

Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de

dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os

homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao

determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta

do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade

A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave

modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham

descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos

modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo

do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e

qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente

espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se

tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o

mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se

portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os

modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em

mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se

manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute

de verdadeiro nelas

7

Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o

cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a

determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar

por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se

ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que

haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao

espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da

individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o

espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano

Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos

pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do

espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser

supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento

compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em

natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso

decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se

agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora

somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente

Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos

satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por

uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo

natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]

isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por

qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que

reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a

crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias

fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a

negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos

morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm

como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus

imperativos

I1- As doutrinas do espiacuterito

I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel

8

Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave

antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava

ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o

espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo

destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas

Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado

por sua simples existecircncia

Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o

espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com

toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo

sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a

consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com

Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas

para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve

simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila

da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o

pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual

reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu

compreendesrsquo rdquo[25]

9

A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da

Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter

absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que

identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs

pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e

nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a

reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado

alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o

espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade

culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que

natildeo tem vidardquo[27]

Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos

O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo

opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do

concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na

universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach

e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute

determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o

princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o

egoiacutesmo

O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx

revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a

concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia

levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da

abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem

a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a

afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a

filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do

poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes

em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se

perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os

objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e

soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo

na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher

com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das

coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se

tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner

tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a

modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real

aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si

mesmo

10

Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo

Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a

similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que

Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside

precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia

trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em

Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o

conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda

existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou

seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em

particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em

Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer

dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade

Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner

submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando

para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo

se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso

resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a

substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso

porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo

singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus

ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do

Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao

lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma

nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o

ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir

11

Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos

religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua

proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se

determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que

resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno

religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima

consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho

desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -

conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no

lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro

I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo

Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo

propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer

chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo

humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a

rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador

capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico

estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a

realizaccedilatildeo universal da humanidade

I121- O Liberalismo Poliacutetico

Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute

adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas

todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a

burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o

estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou

os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em

leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo

vale mais que outro satildeo todos iguais

12

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

13

A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 3: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

representantes Convencidos que sua eacutepoca era de transiccedilatildeo e que estava

proacutexima uma nova etapa de desenvolvimento histoacuterico os neo-hegelianos

demandavam por uma nova ontologia capaz de reconciliar o homem consigo

proacuteprio recuperando assim a essecircncia humana que ateacute entatildeo julgavam estivera

alienada De modo que cada qual ao seu modo todos buscavam os ldquoprinciacutepios da

filosofia do futurordquo[2]

Para Stirner o Eu tomado como individualidade singular eacute o fundamento

de sua esfera existencial No entanto considera que tudo tem determinado a

existecircncia dos indiviacuteduos natildeo tendo sido permitido a eles determinaacute-la A defesa

intransigente da individualidade o leva a rejeitar a preponderacircncia de todas e

quaisquer condicionantes exteriores ao Eu sejam elas materiais ou espirituais por

representarem aos seus olhos forccedilas que oprimem limitam e escravizam os

indiviacuteduos expropriando-os de si

Rebelando-se contra a determinaccedilatildeo de que algo possa ter conteuacutedo fora

do indiviacuteduo Stirner primeiramente submete agrave criacutetica todas as formas de

alienaccedilatildeo que segundo ele tecircm vitimado os homens para em seguida

demonstrar a individualidade como princiacutepio e fim de si mesma Seguindo a ordem

da obra passemos pois agrave anaacutelise stirneriana da alienaccedilatildeo

I - A CRIacuteTICA DE STIRNER Agrave ALIENACcedilAtildeO

No interior do pensamento stirneriano a apreciaccedilatildeo do fenocircmeno da

alienaccedilatildeo estaacute diretamente ligado agravequela do desenvolvimento da individualidade

que Stirner aborda analisando as fases da infacircncia adolescecircncia e idade adulta

Segundo ele desde o nascimento o indiviacuteduo luta com o mundo no qual

eacute lanccedilado como um dado entre tantos buscando encontrar e afirmar a si proacuteprio

pois ldquotudo com o qual a crianccedila entra em contato se opotildee agraves suas intervenccedilotildees

afirmando sua proacutepria existecircnciardquo[3] A crianccedila observa e experimenta as coisas

3

visando desvelar o que nelas estaacute encoberto a fim de desvendar seu fundamento

Teme e respeita o que lhe eacute exterior ateacute descobrir em si forccedilas capazes de

superaacute-lo Assim ldquo por detraacutes de tudo encontramos nossa ataraxia isto eacute

nossa intrepidez nossa resistecircncia nossa supremacia nossa invencibilidade Noacutes

natildeo recuamos mais timidamente diante o que outrora Nos provocava temor e

respeito mas tomamos coragem E quanto mais Nos sentimos Noacutes mesmos

tanto menor se mostra o que antes parecia invenciacutevel E o que eacute Nossa astuacutecia

Nossa inteligecircncia Nossa coragem Nossa obstinaccedilatildeo Que mais senatildeo

Espiacuteritordquo[4] O mundo objetivo jaacute natildeo exerce nenhum domiacutenio sobre o indiviacuteduo

pois ldquoNada mais se impotildee agora ao frescor do sentimento de Nossa juventude

este sentimento de si declaramos o mundo desacreditado porque Noacutes estamos

acima dele somos Espiacuteritordquo[5]

Descobrindo seu espiacuterito o jovem adota um comportamento teoacuterico

Poreacutem natildeo se confrontando mais com as coisas passa a se defrontar com os

imperativos de sua consciecircncia Ocupando-se tatildeo somente de seus pensamentos

interessando-se pelo mundo somente quando vecirc nele a manifestaccedilatildeo do espiacuterito

sacrifica sua vida visando realizar seus ideais Buscando desenvolver e enriquecer

seu espiacuterito o jovem reconhece que ldquoembora Eu seja espiacuterito natildeo sou contudo

espiacuterito completo e devo primeiramente procurar o espiacuterito perfeitordquo[6] Mas com

isso ldquoEu que tinha acabado de Me encontrar como espiacuterito perco-me novamente

humilhando-me diante o espiacuterito perfeito como diante algo que natildeo me eacute proacuteprio

mas que estaacute aleacutem de mim sentindo com isso meu vaziordquo[7]

4

Diferentemente do jovem o adulto ldquoafeiccediloa-se a si como pessoa e

encontra prazer em si mesmo como homem corpoacutereo e vivordquo adquirindo ldquoum

interesse pessoal ou egoiacutesta isto eacute um interesse natildeo somente por nosso espiacuterito

mas pela satisfaccedilatildeo total do indiviacuteduordquo[8] Repelindo o espiacuterito da mesma forma

que o jovem repelia o mundo usando as coisas e os pensamentos segundo seu

prazer o homem egoiacutesta potildee adiante de tudo seu interesse pessoal De modo que

ldquoo homem evidencia uma segunda descoberta de si O homem se descobre

como espiacuterito corpoacutereordquo[9] Assim ldquoDa mesma forma que Eu Me descubro por

detraacutes das coisas como espiacuterito Eu devo Me descobrir mais tarde tambeacutem por

detraacutes dos pensamentos como seu criador e proprietaacuterio No tempo dos espiacuteritos

os pensamentos cresciam sobre minha cabeccedila da qual no entanto nasceram

eles pairavam como alucinaccedilotildees febris e Me envolviam com uma forccedila terriacutevel Os

pensamentos por si mesmos tornaram-se corpoacutereos eram fantasmas como Deus

o Imperador o Papa a Paacutetria etc Mas se destruo sua corporeidade Eu a

reintegro agrave Minha e digo somente Eu sou corpoacutereo E entatildeo Eu tomo o mundo

como ele eacute como o que ele eacute para Mim como o Meu como Minha propriedade

Eu relaciono tudo a Mimrdquo[10]

Enfim ldquoA crianccedila perturbada pelas coisas deste mundo era realista ateacute

que pouco a pouco atinge o que haacute por detraacutes das coisas o jovem

entusiasmado pelos pensamentos era idealista ateacute progredir em direccedilatildeo ao

homem ao egoiacutesta que se comporta agrave vontade com as coisas e com os

pensamentos e potildee acima de tudo seu interesse pessoalrdquo[11] As etapas da vida

satildeo portanto caminhos percorridos pelo indiviacuteduo em direccedilatildeo a si proacuteprio As

fases de seu desenvolvimento satildeo delimitadas a partir do autoconhecimento

oriundo das relaccedilotildees da consciecircncia seja com o que lhe eacute exterior quando a

consciecircncia percebe-se como tal seja consigo proacutepria possibilitando ao indiviacuteduo

apossar-se da consciecircncia de si atingindo a culminacircncia de seu ser Delineia-se

assim a determinaccedilatildeo fundamental da individualidade stirneriana que vem a ser o

autocentramento na consciecircncia de si

Transpondo este processo para o curso histoacuterico Stirner manteacutem o

mesmo procedimento analiacutetico dando conteuacutedo ao que referiu nas fases do

desenvolvimento individual ao analisar os Antigos e os Modernos

A antiguumlidade periacuteodo demarcado ateacute o advento do cristianismo

representa a infacircncia a fase realista da humanidade Para os antigos a verdade

lhes era evidente atraveacutes das manifestaccedilotildees do mundo objetivo

Consequumlentemente eram dominados por ele submetidos a uma ordem inalterada

vivendo na certeza de que o mundo e as relaccedilotildees por ele impostas - os laccedilos

5

familiares e comunitaacuterios por exemplo - eram os princiacutepios incontestaacuteveis ante os

quais deviam se curvar Esta sujeiccedilatildeo perdurou ateacute que os sofistas proclamaram o

entendimento como uma arma que o homem dispotildee contra o mundo Poreacutem

como o entendimento sofista permanecia sujeito ao mundo pois ldquoo espiacuterito era

para eles apenas um meiordquo[12] Soacutecrates apontando para a negaccedilatildeo de seu

caraacuteter praacutetico indica a necessidade de o entendimento natildeo sucumbir aos apelos

do mundo A partir dessa indicaccedilatildeo socraacutetica buscando encontrar o prazer de

viver estoacuteicos e epicuristas consideravam que a sabedoria da vida consistia no

desprezo do mundo numa vida sem desenvolvimento sem extensatildeo enfim numa

vida isolada A ruptura definitiva se daacute com os ceacuteticos para os quais ldquotoda relaccedilatildeo

com o mundo eacute privada de valor e verdaderdquo[13] restando em relaccedilatildeo a ele

ldquosomente a ataraxia (a impassibilidade) e a afasia (o mutismo - ou com outras

palavras o isolamento da interioridade)rdquo[14] Com a indiferenccedila ceacutetica ldquoa

antiguumlidade acaba com o mundo das coisas com a ordem e a totalidade do

mundordquo[15]

Eacute necessaacuterio precisar com clareza o que refere Stirner ao afirmar que a

antiguumlidade acabou com o mundo das coisas Segundo ele ldquoQuatildeo pouco o

homem consegue dominar Ele deve permitir o sol traccedilar seu curso o mar impelir

suas ondas as montanhas elevarem-se em direccedilatildeo ao ceacuteu Assim sem poderes

contra o invenciacutevel como poderia precaver-se da impressatildeo de que era impotente

em relaccedilatildeo a essa colossal prisatildeo que eacute o mundo O homem deve se submeter

ao mundo a esta lei fixa que determina seu destino Ora para que trabalhou a

humanidade preacute-cristatilde Para livrar-se da opressatildeo do destino para natildeo se deixar

alterar por elerdquo[16] Poreacutem esta superaccedilatildeo significa tatildeo-somente a

desconsideraccedilatildeo das determinaccedilotildees objetivas do mundo uma vez que para

Stirner ldquoa histoacuteria antiga acabou desde que o Eu conquistou o mundo como sua

propriedade Ele deixou de ser superior a mim deixou de ser inacessiacutevel

sagrado divino etc ele foi lsquodesdivinizadorsquo (entgoumlttert) e Eu posso entatildeo

manipulaacute-lo segundo meu agrado porque poderia exercer sobre ele se quisesse

toda minha forccedila prodigiosa ou seja a forccedila do espiacuterito e com ela remover

6

montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se

deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel

fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo

tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que

Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]

Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de

dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os

homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao

determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta

do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade

A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave

modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham

descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos

modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo

do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e

qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente

espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se

tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o

mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se

portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os

modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em

mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se

manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute

de verdadeiro nelas

7

Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o

cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a

determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar

por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se

ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que

haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao

espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da

individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o

espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano

Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos

pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do

espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser

supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento

compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em

natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso

decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se

agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora

somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente

Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos

satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por

uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo

natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]

isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por

qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que

reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a

crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias

fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a

negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos

morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm

como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus

imperativos

I1- As doutrinas do espiacuterito

I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel

8

Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave

antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava

ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o

espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo

destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas

Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado

por sua simples existecircncia

Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o

espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com

toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo

sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a

consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com

Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas

para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve

simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila

da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o

pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual

reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu

compreendesrsquo rdquo[25]

9

A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da

Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter

absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que

identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs

pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e

nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a

reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado

alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o

espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade

culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que

natildeo tem vidardquo[27]

Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos

O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo

opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do

concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na

universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach

e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute

determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o

princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o

egoiacutesmo

O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx

revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a

concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia

levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da

abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem

a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a

afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a

filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do

poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes

em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se

perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os

objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e

soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo

na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher

com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das

coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se

tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner

tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a

modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real

aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si

mesmo

10

Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo

Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a

similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que

Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside

precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia

trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em

Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o

conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda

existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou

seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em

particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em

Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer

dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade

Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner

submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando

para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo

se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso

resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a

substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso

porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo

singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus

ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do

Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao

lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma

nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o

ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir

11

Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos

religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua

proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se

determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que

resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno

religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima

consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho

desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -

conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no

lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro

I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo

Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo

propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer

chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo

humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a

rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador

capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico

estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a

realizaccedilatildeo universal da humanidade

I121- O Liberalismo Poliacutetico

Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute

adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas

todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a

burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o

estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou

os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em

leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo

vale mais que outro satildeo todos iguais

12

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

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A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

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iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

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humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

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De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

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Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

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O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

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que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

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III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

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Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 4: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

visando desvelar o que nelas estaacute encoberto a fim de desvendar seu fundamento

Teme e respeita o que lhe eacute exterior ateacute descobrir em si forccedilas capazes de

superaacute-lo Assim ldquo por detraacutes de tudo encontramos nossa ataraxia isto eacute

nossa intrepidez nossa resistecircncia nossa supremacia nossa invencibilidade Noacutes

natildeo recuamos mais timidamente diante o que outrora Nos provocava temor e

respeito mas tomamos coragem E quanto mais Nos sentimos Noacutes mesmos

tanto menor se mostra o que antes parecia invenciacutevel E o que eacute Nossa astuacutecia

Nossa inteligecircncia Nossa coragem Nossa obstinaccedilatildeo Que mais senatildeo

Espiacuteritordquo[4] O mundo objetivo jaacute natildeo exerce nenhum domiacutenio sobre o indiviacuteduo

pois ldquoNada mais se impotildee agora ao frescor do sentimento de Nossa juventude

este sentimento de si declaramos o mundo desacreditado porque Noacutes estamos

acima dele somos Espiacuteritordquo[5]

Descobrindo seu espiacuterito o jovem adota um comportamento teoacuterico

Poreacutem natildeo se confrontando mais com as coisas passa a se defrontar com os

imperativos de sua consciecircncia Ocupando-se tatildeo somente de seus pensamentos

interessando-se pelo mundo somente quando vecirc nele a manifestaccedilatildeo do espiacuterito

sacrifica sua vida visando realizar seus ideais Buscando desenvolver e enriquecer

seu espiacuterito o jovem reconhece que ldquoembora Eu seja espiacuterito natildeo sou contudo

espiacuterito completo e devo primeiramente procurar o espiacuterito perfeitordquo[6] Mas com

isso ldquoEu que tinha acabado de Me encontrar como espiacuterito perco-me novamente

humilhando-me diante o espiacuterito perfeito como diante algo que natildeo me eacute proacuteprio

mas que estaacute aleacutem de mim sentindo com isso meu vaziordquo[7]

4

Diferentemente do jovem o adulto ldquoafeiccediloa-se a si como pessoa e

encontra prazer em si mesmo como homem corpoacutereo e vivordquo adquirindo ldquoum

interesse pessoal ou egoiacutesta isto eacute um interesse natildeo somente por nosso espiacuterito

mas pela satisfaccedilatildeo total do indiviacuteduordquo[8] Repelindo o espiacuterito da mesma forma

que o jovem repelia o mundo usando as coisas e os pensamentos segundo seu

prazer o homem egoiacutesta potildee adiante de tudo seu interesse pessoal De modo que

ldquoo homem evidencia uma segunda descoberta de si O homem se descobre

como espiacuterito corpoacutereordquo[9] Assim ldquoDa mesma forma que Eu Me descubro por

detraacutes das coisas como espiacuterito Eu devo Me descobrir mais tarde tambeacutem por

detraacutes dos pensamentos como seu criador e proprietaacuterio No tempo dos espiacuteritos

os pensamentos cresciam sobre minha cabeccedila da qual no entanto nasceram

eles pairavam como alucinaccedilotildees febris e Me envolviam com uma forccedila terriacutevel Os

pensamentos por si mesmos tornaram-se corpoacutereos eram fantasmas como Deus

o Imperador o Papa a Paacutetria etc Mas se destruo sua corporeidade Eu a

reintegro agrave Minha e digo somente Eu sou corpoacutereo E entatildeo Eu tomo o mundo

como ele eacute como o que ele eacute para Mim como o Meu como Minha propriedade

Eu relaciono tudo a Mimrdquo[10]

Enfim ldquoA crianccedila perturbada pelas coisas deste mundo era realista ateacute

que pouco a pouco atinge o que haacute por detraacutes das coisas o jovem

entusiasmado pelos pensamentos era idealista ateacute progredir em direccedilatildeo ao

homem ao egoiacutesta que se comporta agrave vontade com as coisas e com os

pensamentos e potildee acima de tudo seu interesse pessoalrdquo[11] As etapas da vida

satildeo portanto caminhos percorridos pelo indiviacuteduo em direccedilatildeo a si proacuteprio As

fases de seu desenvolvimento satildeo delimitadas a partir do autoconhecimento

oriundo das relaccedilotildees da consciecircncia seja com o que lhe eacute exterior quando a

consciecircncia percebe-se como tal seja consigo proacutepria possibilitando ao indiviacuteduo

apossar-se da consciecircncia de si atingindo a culminacircncia de seu ser Delineia-se

assim a determinaccedilatildeo fundamental da individualidade stirneriana que vem a ser o

autocentramento na consciecircncia de si

Transpondo este processo para o curso histoacuterico Stirner manteacutem o

mesmo procedimento analiacutetico dando conteuacutedo ao que referiu nas fases do

desenvolvimento individual ao analisar os Antigos e os Modernos

A antiguumlidade periacuteodo demarcado ateacute o advento do cristianismo

representa a infacircncia a fase realista da humanidade Para os antigos a verdade

lhes era evidente atraveacutes das manifestaccedilotildees do mundo objetivo

Consequumlentemente eram dominados por ele submetidos a uma ordem inalterada

vivendo na certeza de que o mundo e as relaccedilotildees por ele impostas - os laccedilos

5

familiares e comunitaacuterios por exemplo - eram os princiacutepios incontestaacuteveis ante os

quais deviam se curvar Esta sujeiccedilatildeo perdurou ateacute que os sofistas proclamaram o

entendimento como uma arma que o homem dispotildee contra o mundo Poreacutem

como o entendimento sofista permanecia sujeito ao mundo pois ldquoo espiacuterito era

para eles apenas um meiordquo[12] Soacutecrates apontando para a negaccedilatildeo de seu

caraacuteter praacutetico indica a necessidade de o entendimento natildeo sucumbir aos apelos

do mundo A partir dessa indicaccedilatildeo socraacutetica buscando encontrar o prazer de

viver estoacuteicos e epicuristas consideravam que a sabedoria da vida consistia no

desprezo do mundo numa vida sem desenvolvimento sem extensatildeo enfim numa

vida isolada A ruptura definitiva se daacute com os ceacuteticos para os quais ldquotoda relaccedilatildeo

com o mundo eacute privada de valor e verdaderdquo[13] restando em relaccedilatildeo a ele

ldquosomente a ataraxia (a impassibilidade) e a afasia (o mutismo - ou com outras

palavras o isolamento da interioridade)rdquo[14] Com a indiferenccedila ceacutetica ldquoa

antiguumlidade acaba com o mundo das coisas com a ordem e a totalidade do

mundordquo[15]

Eacute necessaacuterio precisar com clareza o que refere Stirner ao afirmar que a

antiguumlidade acabou com o mundo das coisas Segundo ele ldquoQuatildeo pouco o

homem consegue dominar Ele deve permitir o sol traccedilar seu curso o mar impelir

suas ondas as montanhas elevarem-se em direccedilatildeo ao ceacuteu Assim sem poderes

contra o invenciacutevel como poderia precaver-se da impressatildeo de que era impotente

em relaccedilatildeo a essa colossal prisatildeo que eacute o mundo O homem deve se submeter

ao mundo a esta lei fixa que determina seu destino Ora para que trabalhou a

humanidade preacute-cristatilde Para livrar-se da opressatildeo do destino para natildeo se deixar

alterar por elerdquo[16] Poreacutem esta superaccedilatildeo significa tatildeo-somente a

desconsideraccedilatildeo das determinaccedilotildees objetivas do mundo uma vez que para

Stirner ldquoa histoacuteria antiga acabou desde que o Eu conquistou o mundo como sua

propriedade Ele deixou de ser superior a mim deixou de ser inacessiacutevel

sagrado divino etc ele foi lsquodesdivinizadorsquo (entgoumlttert) e Eu posso entatildeo

manipulaacute-lo segundo meu agrado porque poderia exercer sobre ele se quisesse

toda minha forccedila prodigiosa ou seja a forccedila do espiacuterito e com ela remover

6

montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se

deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel

fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo

tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que

Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]

Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de

dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os

homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao

determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta

do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade

A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave

modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham

descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos

modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo

do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e

qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente

espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se

tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o

mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se

portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os

modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em

mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se

manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute

de verdadeiro nelas

7

Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o

cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a

determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar

por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se

ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que

haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao

espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da

individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o

espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano

Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos

pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do

espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser

supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento

compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em

natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso

decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se

agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora

somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente

Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos

satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por

uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo

natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]

isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por

qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que

reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a

crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias

fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a

negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos

morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm

como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus

imperativos

I1- As doutrinas do espiacuterito

I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel

8

Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave

antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava

ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o

espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo

destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas

Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado

por sua simples existecircncia

Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o

espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com

toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo

sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a

consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com

Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas

para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve

simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila

da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o

pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual

reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu

compreendesrsquo rdquo[25]

9

A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da

Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter

absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que

identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs

pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e

nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a

reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado

alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o

espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade

culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que

natildeo tem vidardquo[27]

Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos

O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo

opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do

concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na

universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach

e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute

determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o

princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o

egoiacutesmo

O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx

revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a

concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia

levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da

abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem

a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a

afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a

filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do

poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes

em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se

perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os

objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e

soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo

na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher

com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das

coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se

tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner

tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a

modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real

aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si

mesmo

10

Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo

Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a

similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que

Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside

precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia

trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em

Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o

conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda

existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou

seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em

particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em

Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer

dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade

Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner

submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando

para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo

se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso

resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a

substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso

porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo

singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus

ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do

Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao

lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma

nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o

ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir

11

Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos

religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua

proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se

determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que

resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno

religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima

consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho

desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -

conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no

lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro

I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo

Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo

propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer

chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo

humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a

rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador

capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico

estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a

realizaccedilatildeo universal da humanidade

I121- O Liberalismo Poliacutetico

Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute

adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas

todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a

burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o

estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou

os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em

leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo

vale mais que outro satildeo todos iguais

12

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

13

A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

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O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 5: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

detraacutes das coisas como espiacuterito Eu devo Me descobrir mais tarde tambeacutem por

detraacutes dos pensamentos como seu criador e proprietaacuterio No tempo dos espiacuteritos

os pensamentos cresciam sobre minha cabeccedila da qual no entanto nasceram

eles pairavam como alucinaccedilotildees febris e Me envolviam com uma forccedila terriacutevel Os

pensamentos por si mesmos tornaram-se corpoacutereos eram fantasmas como Deus

o Imperador o Papa a Paacutetria etc Mas se destruo sua corporeidade Eu a

reintegro agrave Minha e digo somente Eu sou corpoacutereo E entatildeo Eu tomo o mundo

como ele eacute como o que ele eacute para Mim como o Meu como Minha propriedade

Eu relaciono tudo a Mimrdquo[10]

Enfim ldquoA crianccedila perturbada pelas coisas deste mundo era realista ateacute

que pouco a pouco atinge o que haacute por detraacutes das coisas o jovem

entusiasmado pelos pensamentos era idealista ateacute progredir em direccedilatildeo ao

homem ao egoiacutesta que se comporta agrave vontade com as coisas e com os

pensamentos e potildee acima de tudo seu interesse pessoalrdquo[11] As etapas da vida

satildeo portanto caminhos percorridos pelo indiviacuteduo em direccedilatildeo a si proacuteprio As

fases de seu desenvolvimento satildeo delimitadas a partir do autoconhecimento

oriundo das relaccedilotildees da consciecircncia seja com o que lhe eacute exterior quando a

consciecircncia percebe-se como tal seja consigo proacutepria possibilitando ao indiviacuteduo

apossar-se da consciecircncia de si atingindo a culminacircncia de seu ser Delineia-se

assim a determinaccedilatildeo fundamental da individualidade stirneriana que vem a ser o

autocentramento na consciecircncia de si

Transpondo este processo para o curso histoacuterico Stirner manteacutem o

mesmo procedimento analiacutetico dando conteuacutedo ao que referiu nas fases do

desenvolvimento individual ao analisar os Antigos e os Modernos

A antiguumlidade periacuteodo demarcado ateacute o advento do cristianismo

representa a infacircncia a fase realista da humanidade Para os antigos a verdade

lhes era evidente atraveacutes das manifestaccedilotildees do mundo objetivo

Consequumlentemente eram dominados por ele submetidos a uma ordem inalterada

vivendo na certeza de que o mundo e as relaccedilotildees por ele impostas - os laccedilos

5

familiares e comunitaacuterios por exemplo - eram os princiacutepios incontestaacuteveis ante os

quais deviam se curvar Esta sujeiccedilatildeo perdurou ateacute que os sofistas proclamaram o

entendimento como uma arma que o homem dispotildee contra o mundo Poreacutem

como o entendimento sofista permanecia sujeito ao mundo pois ldquoo espiacuterito era

para eles apenas um meiordquo[12] Soacutecrates apontando para a negaccedilatildeo de seu

caraacuteter praacutetico indica a necessidade de o entendimento natildeo sucumbir aos apelos

do mundo A partir dessa indicaccedilatildeo socraacutetica buscando encontrar o prazer de

viver estoacuteicos e epicuristas consideravam que a sabedoria da vida consistia no

desprezo do mundo numa vida sem desenvolvimento sem extensatildeo enfim numa

vida isolada A ruptura definitiva se daacute com os ceacuteticos para os quais ldquotoda relaccedilatildeo

com o mundo eacute privada de valor e verdaderdquo[13] restando em relaccedilatildeo a ele

ldquosomente a ataraxia (a impassibilidade) e a afasia (o mutismo - ou com outras

palavras o isolamento da interioridade)rdquo[14] Com a indiferenccedila ceacutetica ldquoa

antiguumlidade acaba com o mundo das coisas com a ordem e a totalidade do

mundordquo[15]

Eacute necessaacuterio precisar com clareza o que refere Stirner ao afirmar que a

antiguumlidade acabou com o mundo das coisas Segundo ele ldquoQuatildeo pouco o

homem consegue dominar Ele deve permitir o sol traccedilar seu curso o mar impelir

suas ondas as montanhas elevarem-se em direccedilatildeo ao ceacuteu Assim sem poderes

contra o invenciacutevel como poderia precaver-se da impressatildeo de que era impotente

em relaccedilatildeo a essa colossal prisatildeo que eacute o mundo O homem deve se submeter

ao mundo a esta lei fixa que determina seu destino Ora para que trabalhou a

humanidade preacute-cristatilde Para livrar-se da opressatildeo do destino para natildeo se deixar

alterar por elerdquo[16] Poreacutem esta superaccedilatildeo significa tatildeo-somente a

desconsideraccedilatildeo das determinaccedilotildees objetivas do mundo uma vez que para

Stirner ldquoa histoacuteria antiga acabou desde que o Eu conquistou o mundo como sua

propriedade Ele deixou de ser superior a mim deixou de ser inacessiacutevel

sagrado divino etc ele foi lsquodesdivinizadorsquo (entgoumlttert) e Eu posso entatildeo

manipulaacute-lo segundo meu agrado porque poderia exercer sobre ele se quisesse

toda minha forccedila prodigiosa ou seja a forccedila do espiacuterito e com ela remover

6

montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se

deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel

fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo

tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que

Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]

Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de

dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os

homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao

determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta

do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade

A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave

modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham

descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos

modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo

do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e

qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente

espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se

tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o

mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se

portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os

modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em

mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se

manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute

de verdadeiro nelas

7

Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o

cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a

determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar

por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se

ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que

haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao

espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da

individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o

espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano

Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos

pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do

espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser

supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento

compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em

natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso

decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se

agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora

somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente

Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos

satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por

uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo

natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]

isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por

qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que

reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a

crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias

fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a

negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos

morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm

como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus

imperativos

I1- As doutrinas do espiacuterito

I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel

8

Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave

antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava

ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o

espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo

destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas

Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado

por sua simples existecircncia

Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o

espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com

toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo

sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a

consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com

Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas

para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve

simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila

da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o

pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual

reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu

compreendesrsquo rdquo[25]

9

A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da

Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter

absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que

identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs

pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e

nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a

reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado

alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o

espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade

culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que

natildeo tem vidardquo[27]

Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos

O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo

opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do

concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na

universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach

e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute

determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o

princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o

egoiacutesmo

O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx

revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a

concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia

levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da

abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem

a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a

afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a

filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do

poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes

em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se

perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os

objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e

soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo

na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher

com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das

coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se

tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner

tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a

modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real

aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si

mesmo

10

Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo

Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a

similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que

Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside

precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia

trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em

Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o

conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda

existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou

seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em

particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em

Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer

dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade

Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner

submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando

para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo

se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso

resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a

substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso

porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo

singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus

ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do

Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao

lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma

nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o

ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir

11

Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos

religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua

proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se

determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que

resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno

religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima

consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho

desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -

conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no

lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro

I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo

Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo

propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer

chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo

humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a

rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador

capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico

estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a

realizaccedilatildeo universal da humanidade

I121- O Liberalismo Poliacutetico

Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute

adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas

todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a

burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o

estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou

os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em

leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo

vale mais que outro satildeo todos iguais

12

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

13

A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 6: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

familiares e comunitaacuterios por exemplo - eram os princiacutepios incontestaacuteveis ante os

quais deviam se curvar Esta sujeiccedilatildeo perdurou ateacute que os sofistas proclamaram o

entendimento como uma arma que o homem dispotildee contra o mundo Poreacutem

como o entendimento sofista permanecia sujeito ao mundo pois ldquoo espiacuterito era

para eles apenas um meiordquo[12] Soacutecrates apontando para a negaccedilatildeo de seu

caraacuteter praacutetico indica a necessidade de o entendimento natildeo sucumbir aos apelos

do mundo A partir dessa indicaccedilatildeo socraacutetica buscando encontrar o prazer de

viver estoacuteicos e epicuristas consideravam que a sabedoria da vida consistia no

desprezo do mundo numa vida sem desenvolvimento sem extensatildeo enfim numa

vida isolada A ruptura definitiva se daacute com os ceacuteticos para os quais ldquotoda relaccedilatildeo

com o mundo eacute privada de valor e verdaderdquo[13] restando em relaccedilatildeo a ele

ldquosomente a ataraxia (a impassibilidade) e a afasia (o mutismo - ou com outras

palavras o isolamento da interioridade)rdquo[14] Com a indiferenccedila ceacutetica ldquoa

antiguumlidade acaba com o mundo das coisas com a ordem e a totalidade do

mundordquo[15]

Eacute necessaacuterio precisar com clareza o que refere Stirner ao afirmar que a

antiguumlidade acabou com o mundo das coisas Segundo ele ldquoQuatildeo pouco o

homem consegue dominar Ele deve permitir o sol traccedilar seu curso o mar impelir

suas ondas as montanhas elevarem-se em direccedilatildeo ao ceacuteu Assim sem poderes

contra o invenciacutevel como poderia precaver-se da impressatildeo de que era impotente

em relaccedilatildeo a essa colossal prisatildeo que eacute o mundo O homem deve se submeter

ao mundo a esta lei fixa que determina seu destino Ora para que trabalhou a

humanidade preacute-cristatilde Para livrar-se da opressatildeo do destino para natildeo se deixar

alterar por elerdquo[16] Poreacutem esta superaccedilatildeo significa tatildeo-somente a

desconsideraccedilatildeo das determinaccedilotildees objetivas do mundo uma vez que para

Stirner ldquoa histoacuteria antiga acabou desde que o Eu conquistou o mundo como sua

propriedade Ele deixou de ser superior a mim deixou de ser inacessiacutevel

sagrado divino etc ele foi lsquodesdivinizadorsquo (entgoumlttert) e Eu posso entatildeo

manipulaacute-lo segundo meu agrado porque poderia exercer sobre ele se quisesse

toda minha forccedila prodigiosa ou seja a forccedila do espiacuterito e com ela remover

6

montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se

deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel

fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo

tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que

Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]

Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de

dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os

homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao

determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta

do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade

A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave

modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham

descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos

modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo

do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e

qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente

espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se

tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o

mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se

portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os

modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em

mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se

manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute

de verdadeiro nelas

7

Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o

cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a

determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar

por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se

ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que

haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao

espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da

individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o

espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano

Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos

pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do

espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser

supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento

compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em

natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso

decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se

agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora

somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente

Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos

satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por

uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo

natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]

isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por

qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que

reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a

crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias

fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a

negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos

morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm

como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus

imperativos

I1- As doutrinas do espiacuterito

I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel

8

Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave

antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava

ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o

espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo

destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas

Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado

por sua simples existecircncia

Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o

espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com

toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo

sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a

consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com

Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas

para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve

simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila

da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o

pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual

reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu

compreendesrsquo rdquo[25]

9

A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da

Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter

absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que

identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs

pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e

nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a

reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado

alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o

espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade

culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que

natildeo tem vidardquo[27]

Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos

O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo

opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do

concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na

universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach

e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute

determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o

princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o

egoiacutesmo

O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx

revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a

concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia

levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da

abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem

a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a

afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a

filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do

poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes

em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se

perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os

objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e

soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo

na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher

com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das

coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se

tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner

tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a

modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real

aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si

mesmo

10

Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo

Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a

similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que

Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside

precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia

trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em

Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o

conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda

existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou

seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em

particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em

Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer

dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade

Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner

submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando

para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo

se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso

resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a

substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso

porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo

singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus

ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do

Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao

lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma

nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o

ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir

11

Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos

religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua

proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se

determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que

resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno

religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima

consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho

desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -

conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no

lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro

I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo

Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo

propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer

chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo

humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a

rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador

capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico

estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a

realizaccedilatildeo universal da humanidade

I121- O Liberalismo Poliacutetico

Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute

adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas

todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a

burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o

estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou

os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em

leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo

vale mais que outro satildeo todos iguais

12

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

13

A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 7: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

montanhas ordenar que as amoreiras por si mesmas se desenraizassem e se

deslocassem para o mar (Lucas 176) e tudo que eacute possiacutevel ou seja concebiacutevel

fazer Eu sou o senhor do mundo a Mim pertence a lsquosoberaniarsquo O mundo

tornou-se prosaico porque o divino dissipou-se dele ele eacute minha propriedade que

Eu disponho e domino como Me conveacutem - quer dizer como conveacutem ao espiacuteritordquo[17]

Portanto a impressatildeo de estar submetido ao mundo se devia agrave impossibilidade de

dominaacute-lo de superar a ordem natural Contudo se natildeo podiam objetivamente os

homens tornaram-se capazes de fazecirc-lo por meio da subjetividade Ao

determinismo inescapaacutevel da natureza contrapotildee-se agora a liberdade absoluta

do espiacuterito a descoberta do espiacuterito corresponde pois agrave descoberta da liberdade

A impugnaccedilatildeo da objetividade como algo dotado de verdade daacute iniacutecio agrave

modernidade identificada por Stirner ao cristianismo Embora os antigos tenham

descoberto o espiacuterito natildeo puderam ir aleacutem disto a tarefa de realizaacute-lo coube aos

modernos A modernidade se caracteriza por um processo de independentizaccedilatildeo

do espiacuterito em relaccedilatildeo ao concreto ou seja pelo esforccedilo para transcender toda e

qualquer determinaccedilatildeo sensiacutevel pois para que o espiacuterito seja efetivamente

espiacuterito ele nada pode ter a ver com a mateacuteria Todavia como o espiacuterito ldquopara se

tornar independente se afasta do mundo sem poder aniquilaacute-lo realmente o

mundo permanece irremoviacutevelrdquo[18] e ao espiacuterito liberto do mundo impotildee-se

portanto a necessidade ineliminaacutevel de tornar-se espiacuterito livre no mundo Os

modernos tornaram isto possiacutevel transfigurando o mundo transformando-o em

mundo do espiacuterito O espiacuterito se converte assim no princiacutepio que engendra e se

manifesta nas coisas que as faz ser o que satildeo que as vivifica enfim no que haacute

de verdadeiro nelas

7

Esta transfiguraccedilatildeo natildeo se limita ao acircmbito das coisas pois o

cristianismo tendo ldquocomo fim especiacutefico Nos libertar da determinaccedilatildeo natural (a

determinaccedilatildeo pela natureza) queria que o homem natildeo se deixasse determinar

por seus desejosrdquo[19] De sorte que ldquoo espiacuterito torna-se a forccedila exclusiva e natildeo se

ouve mais nenhum discurso lsquoda carnersquordquo[20] Considerando seu espiacuterito como o que

haacute de verdadeiro em si os homens porque natildeo se resumem absolutamente ao

espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da

individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o

espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano

Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos

pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do

espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser

supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento

compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em

natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso

decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se

agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora

somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente

Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos

satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por

uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo

natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]

isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por

qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que

reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a

crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias

fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a

negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos

morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm

como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus

imperativos

I1- As doutrinas do espiacuterito

I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel

8

Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave

antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava

ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o

espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo

destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas

Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado

por sua simples existecircncia

Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o

espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com

toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo

sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a

consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com

Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas

para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve

simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila

da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o

pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual

reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu

compreendesrsquo rdquo[25]

9

A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da

Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter

absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que

identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs

pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e

nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a

reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado

alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o

espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade

culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que

natildeo tem vidardquo[27]

Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos

O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo

opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do

concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na

universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach

e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute

determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o

princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o

egoiacutesmo

O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx

revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a

concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia

levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da

abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem

a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a

afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a

filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do

poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes

em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se

perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os

objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e

soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo

na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher

com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das

coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se

tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner

tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a

modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real

aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si

mesmo

10

Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo

Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a

similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que

Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside

precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia

trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em

Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o

conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda

existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou

seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em

particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em

Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer

dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade

Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner

submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando

para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo

se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso

resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a

substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso

porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo

singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus

ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do

Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao

lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma

nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o

ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir

11

Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos

religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua

proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se

determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que

resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno

religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima

consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho

desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -

conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no

lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro

I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo

Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo

propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer

chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo

humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a

rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador

capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico

estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a

realizaccedilatildeo universal da humanidade

I121- O Liberalismo Poliacutetico

Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute

adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas

todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a

burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o

estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou

os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em

leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo

vale mais que outro satildeo todos iguais

12

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

13

A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 8: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

espiacuterito julgam-se menos que espiacuterito e este se revela assim algo distinto da

individualidade O espiacuterito torna-se o ideal o inatingiacutevel o aleacutem torna-se Deus o

espiacuterito puro que existe fora do homem e do mundo humano

Obcecados os indiviacuteduos passam a ver fantasmas por todos os cantos

pois o mundo se transforma em simples aparecircncia objeto de manifestaccedilatildeo do

espiacuterito que habita as coisas Possuiacutedos pela convicccedilatildeo de que haacute um ser

supremo do qual tudo emana obstinam-se agrave tarefa de determinar seu fundamento

compreender e descobrir sua realidade buscando ldquotransformar o espectro em

natildeo-espectro o irreal em realrdquo[21] de modo a conferir existecircncia ao imaterial Disso

decorre que ldquoO que outrora valia como existecircncia como mundo etc mostra-se

agora como simples aparecircncia e o verdadeiramente existente eacute o ser Agora

somente este mundo invertido o mundo do serrdquo[22] existe verdadeiramente

Reconhecendo o espiacuterito como superior e mais poderoso os indiviacuteduos

satildeo forccedilados a cultivar apenas interesses ideais pois ldquoquem quer que viva por

uma grande ideacuteia uma boa causa uma doutrina um sistema uma alta missatildeo

natildeo deve deixar nascer em si os apetites do mundo os interesses egoiacutestasrdquo[23]

isto eacute os interesses concretos sensiacuteveis pois natildeo devem se deixar levar por

qualquer determinaccedilatildeo de caraacuteter material Princiacutepios noccedilotildees e valores que

reconhecendo expressamente a existecircncia de um ser supremo fundamentam a

crenccedila e o respeito em relaccedilatildeo a ele passam a dominar os indiviacuteduos como ideacuteias

fixas que orientam todas as suas accedilotildees e relaccedilotildees engendrando e estimulando a

negaccedilatildeo e o desinteresse de si Os dogmas religiosos os princiacutepios filosoacuteficos

morais e poliacuteticos constituem para Stirner exemplos destas ideacuteias fixas que tecircm

como meta zelar pelo espiacuterito e moldar os indiviacuteduos de acordo com seus

imperativos

I1- As doutrinas do espiacuterito

I11- A filosofia e a negaccedilatildeo do sensiacutevel

8

Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave

antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava

ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o

espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo

destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas

Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado

por sua simples existecircncia

Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o

espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com

toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo

sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a

consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com

Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas

para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve

simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila

da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o

pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual

reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu

compreendesrsquo rdquo[25]

9

A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da

Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter

absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que

identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs

pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e

nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a

reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado

alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o

espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade

culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que

natildeo tem vidardquo[27]

Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos

O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo

opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do

concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na

universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach

e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute

determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o

princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o

egoiacutesmo

O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx

revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a

concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia

levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da

abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem

a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a

afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a

filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do

poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes

em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se

perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os

objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e

soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo

na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher

com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das

coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se

tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner

tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a

modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real

aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si

mesmo

10

Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo

Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a

similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que

Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside

precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia

trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em

Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o

conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda

existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou

seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em

particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em

Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer

dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade

Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner

submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando

para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo

se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso

resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a

substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso

porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo

singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus

ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do

Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao

lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma

nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o

ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir

11

Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos

religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua

proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se

determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que

resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno

religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima

consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho

desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -

conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no

lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro

I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo

Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo

propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer

chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo

humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a

rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador

capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico

estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a

realizaccedilatildeo universal da humanidade

I121- O Liberalismo Poliacutetico

Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute

adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas

todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a

burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o

estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou

os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em

leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo

vale mais que outro satildeo todos iguais

12

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

13

A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 9: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

Segundo Stirner a modernidade segue um processo anaacutelogo agrave

antiguumlidade Assim sob a eacutegide do catolicismo o espiacuterito ainda se encontrava

ligado ao mundo Foi apenas a partir da Reforma que comeccedilou-se a considerar o

espiacuterito como algo absolutamente independente da mateacuteria O protestantismo

destroacutei o mundo santificando-o isto eacute introduzindo o espiacuterito em todas as coisas

Reconhecendo o espiacuterito santo como essecircncia do mundo este se torna sagrado

por sua simples existecircncia

Ao mesmo tempo em que redime o concreto preenchendo-o com o

espiacuterito Lutero preconiza a necessidade de rompimento da consciecircncia para com

toda dimensatildeo sensiacutevel uma vez que ldquoa verdade eacute espiacuterito absolutamente natildeo

sensiacutevel e por isso existe somente para a lsquoconsciecircncia superiorrsquo e natildeo para a

consciecircncia com lsquoinclinaccedilatildeo mundanarsquo rdquo[24] Por conseguinte ldquoalcanccedila-se com

Lutero o reconhecimento de que a verdade que eacute pensamento existe apenas

para o homem pensante O que significa que doravante o homem deve

simplesmente adotar um outro ponto de vista o ponto de vista celeste da crenccedila

da ciecircncia ou o ponto de vista do pensamento em relaccedilatildeo a seu objeto - o

pensamento o ponto de vista do espiacuterito face ao espiacuterito Enfim apenas o igual

reconhece o igual lsquoTu te igualas ao espiacuterito que Tu

compreendesrsquo rdquo[25]

9

A soberania do espiacuterito que se estabelece plenamente a partir da

Reforma eacute referendada pela filosofia ocorrendo a legitimaccedilatildeo teoacuterica do caraacuteter

absolutamente espiritual do ser Este processo se inicia com Descartes que

identifica o ser ao pensar e se completa com a filosofia hegeliana na qual ldquoOs

pensamentos devem corresponder totalmente agrave realidade ao mundo das coisas e

nenhum conceito pode ser desprovido de realidaderdquo[26] dando-se enfim a

reconciliaccedilatildeo entre as esferas espiritual e objetiva Em suma o resultado

alcanccedilado pelos modernos eacute que tanto no homem quanto na natureza somente o

espiacuterito vive somente sua vida eacute a verdadeira vida De modo que a modernidade

culmina em uma abstraccedilatildeo ldquoa vida da universalidade (Allgemeinheit) ou do que

natildeo tem vidardquo[27]

Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos

O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo

opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do

concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na

universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach

e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute

determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o

princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o

egoiacutesmo

O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx

revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a

concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia

levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da

abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem

a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a

afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a

filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do

poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes

em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se

perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os

objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e

soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo

na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher

com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das

coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se

tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner

tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a

modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real

aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si

mesmo

10

Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo

Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a

similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que

Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside

precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia

trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em

Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o

conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda

existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou

seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em

particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em

Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer

dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade

Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner

submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando

para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo

se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso

resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a

substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso

porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo

singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus

ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do

Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao

lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma

nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o

ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir

11

Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos

religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua

proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se

determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que

resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno

religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima

consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho

desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -

conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no

lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro

I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo

Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo

propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer

chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo

humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a

rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador

capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico

estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a

realizaccedilatildeo universal da humanidade

I121- O Liberalismo Poliacutetico

Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute

adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas

todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a

burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o

estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou

os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em

leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo

vale mais que outro satildeo todos iguais

12

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

13

A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 10: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

Sobre a criacutetica de Stirner agrave filosofia idealista cabe destacar dois aspectos

O primeiro diz respeito ao apontamento da inversatildeo ontoloacutegica que o idealismo

opera transformando o imaterial o natildeo sensiacutevel em origem e realidade do

concreto do sensiacutevel bem como agrave censura da dissoluccedilatildeo do particular na

universalidade abstrata Nisto se potildee em consonacircncia com a criacutetica de Feuerbach

e Marx agrave especulaccedilatildeo distinguindo-se os trecircs entretanto quanto ao que eacute

determinado como o efetivamente concreto e quanto ao que eacute apontado como o

princiacutepio geral de determinaccedilatildeo - para Stirner apenas o indiviacuteduo singular e o

egoiacutesmo

O segundo que constitui um dos pontos determinantes da criacutetica de Marx

revela ao nosso ver o nuacutecleo do pensamento stirneriano Stirner ressalta a

concretude que os ideais adquiriram ao longo da modernidade o que poderia

levar a supor que visa recuperar o mundo objetivo livrando-o do peso da

abstraccedilatildeo No entanto para ele o que constitui a falha capital deste periacuteodo vem

a ser precisamente a natildeo superaccedilatildeo da objetividade condiccedilatildeo fundamental para a

afirmaccedilatildeo da individualidade pois argumenta ldquoComo pode-se alegar que a

filosofia ou a eacutepoca moderna trouxe a liberdade jaacute que ela natildeo nos libertou do

poder da objetividade Ela somente transformou os objetos existentes

em objetos representados isto eacute em conceitos diante os quais natildeo soacute natildeo se

perdeu o antigo respeito mas ao contraacuterio se o intensificou Por fim os

objetos apenas sofreram uma transformaccedilatildeo mas conservaram sua supremacia e

soberania enfim continuou-se submerso na obediecircncia e na obsessatildeo vivendo

na reflexatildeo com um objeto sobre o qual refletir um objeto para respeitar e acolher

com veneraccedilatildeo e temor Apenas se transformou as coisas em representaccedilotildees das

coisas em pensamentos e conceitos e a dependecircncia em relaccedilatildeo a elas tornou-se

tanto mais iacutentima e indissoluacutevelrdquo[28] De modo que o fundamental para Stirner

tambeacutem eacute atingir a liberdade em relaccedilatildeo agrave objetividade E visando realizar o que a

modernidade natildeo pocircde efetuar dado que natildeo partia do verdadeiramente real

aponta a necessidade de supressatildeo de qualquer mediaccedilatildeo entre o indiviacuteduo e si

mesmo

10

Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo

Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a

similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que

Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside

precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia

trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em

Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o

conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda

existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou

seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em

particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em

Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer

dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade

Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner

submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando

para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo

se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso

resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a

substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso

porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo

singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus

ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do

Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao

lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma

nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o

ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir

11

Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos

religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua

proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se

determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que

resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno

religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima

consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho

desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -

conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no

lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro

I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo

Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo

propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer

chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo

humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a

rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador

capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico

estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a

realizaccedilatildeo universal da humanidade

I121- O Liberalismo Poliacutetico

Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute

adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas

todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a

burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o

estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou

os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em

leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo

vale mais que outro satildeo todos iguais

12

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

13

A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 11: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

Deve-se pocircr em relevo outrossim que embora critique o conteuacutedo

Stirner acolhe o movimento e segue o meacutetodo da filosofia hegeliana Eacute niacutetida a

similitude entre o caminho percorrido pelo eu em direccedilatildeo a si proacuteprio e aquele que

Hegel estabelece agrave consciecircncia em direccedilatildeo agrave razatildeo A diferenccedila baacutesica reside

precisamente no ponto final do percurso Se na filosofia de Hegel a consciecircncia

trilha um caminho que culmina no saber de si enquanto figura do Absoluto em

Stirner a consciecircncia individual tambeacutem chega a um saber que vem a ser o

conhecimento de que somente ela eacute o fundamento de toda realidade de toda

existecircncia ou em outros termos ao reconhecimento de si como o absoluto Ou

seja em Hegel tem-se a fenomenologia do universal que se desdobra em

particulares - os quais constituem momentos deste universal - enquanto que em

Stirner tem-se a fenomenologia de uma singularidade em confronto com qualquer

dimensatildeo de universalidade tomada como pura negaccedilatildeo da individualidade

Voltando agrave questatildeo do domiacutenio do espiritual na modernidade Stirner

submete agrave critica o humanismo ateu que se desenvolve em sua eacutepoca atentando

para o fato de que embora se ataque a essecircncia sobre-humana da religiatildeo natildeo

se abandonou a postura religiosa uma vez que o posicionamento anti-religioso

resultou tatildeo somente na humanizaccedilatildeo da religiatildeo simplesmente operando a

substituiccedilatildeo de Deus pelo homem Permanecem prisioneiros do princiacutepio religioso

porque o homem que se torna o novo ser supremo natildeo se refere ao indiviacuteduo

singular mas agrave espeacutecie ao gecircnero humano Se outrora o espiacuterito de Deus

ocupava o indiviacuteduo agora ele se encontra ocupado e se pauta pelo espiacuterito do

Homem De modo que ldquoo comportamento em direccedilatildeo ao ser humano ou ao

lsquohomemrsquo apenas removeu a pele de serpente da antiga religiatildeo para assumir uma

nova igualmente religiosardquo[29] A conquista da humanidade torna-se assim o

ideal diante o qual o indiviacuteduo deve se curvar o alvo sagrado que deve atingir

11

Com a vitoacuteria do Homem sobre Deus daacute-se a substituiccedilatildeo dos preceitos

religiosos pelos preceitos morais Esta moral puramente humana - que segue sua

proacutepria rota orientando-se pela razatildeo dado que ldquona lei da razatildeo o homem se

determina por si mesmo porque lsquoo homemrsquo eacute racional e eacute lsquodo ser do homemrsquo que

resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno

religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima

consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho

desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -

conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no

lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro

I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo

Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo

propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer

chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo

humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a

rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador

capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico

estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a

realizaccedilatildeo universal da humanidade

I121- O Liberalismo Poliacutetico

Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute

adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas

todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a

burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o

estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou

os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em

leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo

vale mais que outro satildeo todos iguais

12

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

13

A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

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como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

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consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 12: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

resultam necessariamente estas leisrdquo[30] - obteacutem sua independecircncia do terreno

religioso propriamente dito com o liberalismo Representando a uacuteltima

consequumlecircncia do cristianismo o liberalismo dando continuidade ao ldquovelho

desprezo cristatildeo pelo Eurdquo[31] ldquoapenas pocircs em discussatildeo outros conceitos -

conceitos humanos no lugar de divinos o Estado no lugar da Igreja a lsquociecircnciarsquo no

lugar da feacute rdquo[32] tendo como finalidade realizar o homem verdadeiro

I12- O liberalismo e a negaccedilatildeo do indiviacuteduo

Sob o termo liberalismo Stirner designa genericamente o liberalismo

propriamente dito o socialismo e o humanismo lsquocriacuteticorsquo de Bruno Bauer

chamando-os respectivamente liberalismo poliacutetico liberalismo social e liberalismo

humano Na perspectiva stirneriana estas trecircs variaccedilotildees que tecircm em comum a

rejeiccedilatildeo da individualidade diferenciam-se apenas quanto ao elemento mediador

capaz de levar ao florescimento do homem no indiviacuteduo O liberalismo poliacutetico

estabelece o estado o liberalismo social a sociedade e o liberalismo humano a

realizaccedilatildeo universal da humanidade

I121- O Liberalismo Poliacutetico

Segundo Stirner para esta vertente o indiviacuteduo natildeo eacute o homem e soacute

adquire a humanidade na comunidade poliacutetica no estado onde satildeo abstraiacutedas

todas as distinccedilotildees individuais Portanto empunhando a bandeira do estado a

burguesia visando suprimir os estados particulares que impediam o

estabelecimento efetivo de uma comunidade verdadeiramente humana arrebatou

os privileacutegios das matildeos dos nobres e os transformou em direitos expressos em

leis e garantidos igualmente a todos De modo que doravante nenhum indiviacuteduo

vale mais que outro satildeo todos iguais

12

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

13

A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 13: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

No entanto observa Stirner esta igualdade reflete negativamente sobre a

individualidade uma vez que os interesses e a personalidade individuais foram

alienadas em favor da impessoalidade dado que o estado indistintamente acolhe

todos Isto torna manifesto que o estado natildeo tem nenhuma consideraccedilatildeo com os

indiviacuteduos particulares que passam a valer somente enquanto cidadatildeos

Consequentemente tem-se a cisatildeo entre as esferas do puacuteblico e do privado e na

mesma medida em que o indiviacuteduo eacute relegado em prol do cidadatildeo a vida privada

eacute renegada passando-se a considerar como a verdadeira vida a vida puacuteblica

Esta despersonalizaccedilatildeo que ocorre na esfera estatal revela segundo

Stirner o verdadeiro objetivo da burguesia ao buscar a igualdade conquistar a

impessoalidade isto eacute afastar todo e qualquer arbiacutetrio ou entrave pessoal da

esfera do estado purificando-o de todo interesse particular Portanto transformou

o que outrora era esfera de interesses particulares em esfera de interesses

universais Neste sentido ldquoa lsquoliberdade individualrsquo sobre a qual o liberalismo

burguecircs vela ciosamente natildeo significa de modo algum uma autodeterminaccedilatildeo

totalmente livre pela qual minhas accedilotildees seriam inteiramente Minhas mas apenas

a independecircncia em relaccedilatildeo agraves pessoas Individualmente livre eacute quem natildeo eacute

responsaacutevel por ningueacutemrdquo[33] Eacute pois ldquoliberdade ou independecircncia em relaccedilatildeo agrave

vontade de outra pessoa porque ser pessoalmente livre eacute secirc-lo na medida em

que ningueacutem possa dispor de Minha pessoa ou seja que o que Eu posso ou natildeo

posso natildeo depende da determinaccedilatildeo de uma outra pessoardquo[34]

13

A liberdade poliacutetica por seu turno significa tatildeo somente a liberdade do

estado em relaccedilatildeo a toda mediaccedilatildeo de caraacuteter pessoal De modo que natildeo foram

os indiviacuteduos que se emanciparam ao contraacuterio foi o estado que se tornou livre

para sujeitaacute-los E o faz atraveacutes da constituiccedilatildeo a qual ao mesmo tempo em que

lhes concede forccedila fixa os limites de suas accedilotildees De modo que a revoluccedilatildeo

burguesa criou cidadatildeos obedientes e leais que satildeo o que satildeo pela graccedila do

Estado Portanto no regime burguecircs somente ldquoo servidor obediente eacute o homem

livrerdquo[35] porque renega seu ser privado para obedecer leis gerais uacutenica razatildeo

pela qual satildeo considerados bons cidadatildeos

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 14: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

I122- O Liberalismo Social

Segundo Stirner os liberais sociais visam completar o liberalismo poliacutetico

tido por eles como parcial porque promove e reconhece legalmente a igualdade

poliacutetica deixando subsistir contudo a desigualdade social advinda da propriedade

Considerando que o indiviacuteduo nada tem de humano pretendendo fundar uma

sociedade em que desapareccedila toda diferenccedila entre ricos e pobres os socialistas

advogam a aboliccedilatildeo da propriedade pessoal preconizando que ldquoningueacutem possua

mais nada que cada um seja um pobre Que a propriedade seja impessoal e

pertenccedila agrave sociedaderdquo[36]

A supressatildeo da propriedade privada em favor da propriedade social tem

por corolaacuterio a supressatildeo do estado jaacute que este conforme Stirner eacute o uacutenico

proprietaacuterio de fato que concede a tiacutetulo de feudo o direito de posse a seus

cidadatildeos Assim em lugar de uma prosperidade isolada procura-se uma

prosperidade universal a prosperidade de todos Poreacutem ao tornar a sociedade a

proprietaacuteria suprema os indiviacuteduos se igualam porque tornam-se todos miseraacuteveis

o que acarreta ldquoo segundo roubo cometido contra o que eacute lsquopessoalrsquo em interesse

da lsquohumanidadersquo Roubou-se do indiviacuteduo autoridade e propriedade o Estado

tomando uma e a sociedade outrardquo[37]

Os socialistas pretendem superar o estado de coisas vigente sob o

liberalismo poliacutetico fazendo valer o que constitui para eles o verdadeiro criteacuterio de

igualdade entre os homens que vem a ser a necessidade reciacuteproca entre os

indiviacuteduos a qual torna manifesto que a essecircncia humana eacute o trabalho Assim diz

Stirner a contraposiccedilatildeo dos comunistas ao liberalismo poliacutetico se funda no

preceito de que ldquonosso ser e nossa dignidade natildeo consistem no fato de que Noacutes

somos todos filhos iguais do Estado mas no fato que Noacutes todos existimos uns

para os outros Esta eacute a nossa igualdade ou seja eacute por isso que Noacutes somos

14

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 15: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

iguais porque Eu tanto quanto Tu e todos Voacutes agimos ou lsquotrabalhamosrsquo portanto

porque cada um de noacutes eacute um trabalhador rdquo[38]

Conforme Stirner do ponto de vista do socialismo o ser trabalhador eacute a

determinaccedilatildeo de humanidade que deve nortear os indiviacuteduos pois soacute tem valor o

que eacute conquistado pelo trabalho Logo se no liberalismo poliacutetico o indiviacuteduo se

subordina ao cidadatildeo no liberalismo social se aliena ao trabalhador porque

ldquorespeitando o trabalhador em sua consciecircncia considerando que o essencial eacute

ser trabalhador se afasta de todo egoiacutesmo submetendo-se ao supremo poder de

uma sociedade de trabalhadoresrdquo[39] tanto como o burguecircs submete-se ao estado

porque se pensa que eacute da sociedade que provem o que os indiviacuteduos necessitam

razatildeo pela qual se sentem em diacutevida total para com ela Assim os socialistas

ldquopermanecem prisioneiros do princiacutepio religioso e aspiram com todo fervor a uma

sociedade sagradardquo[40] desconsiderando que a sociedade eacute somente um

instrumento ou um meio do qual os indiviacuteduos devem tirar proveito que natildeo haacute

deveres sociais mas exclusivamente interesses particulares aos quais a sociedade

deve servir

I123- O Liberalismo Humano

Segundo Stirner a doutrina liberal atinge seu ponto culminante com a

criacutetica alematilde ao liberalismo levada a efeito pelos ciacuterculo dos lsquolivresrsquo (Die Freien)

liderados por Bruno Bauer Ao empreenderem a criacutetica do liberalismo estes

acabam por aperfeiccediloaacute-lo pois ldquoo criacutetico permanece um liberal e natildeo vai aleacutem do

princiacutepio do liberalismo o homemrdquo[41]

Preconizando como as formas precedentes o afastamento dos

particularismos que impedem os indiviacuteduos de serem verdadeiramente homens o

liberalismo humano considera poreacutem que toda e qualquer determinaccedilatildeo

particular - o credo religioso a nacionalidade as especificidades e os moacutebeis

puramente individuais - constitui uma barreira que afasta o indiviacuteduo da

15

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 16: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

humanidade que determina o ser de cada um De modo que para esta vertente o

indiviacuteduo natildeo eacute e nada tem de humano A criacutetica encetada pelo liberalismo

humano aponta entatildeo para o fato de que tanto o liberalismo poliacutetico quanto o

social deixam intacto o egoiacutesmo pois tanto o burguecircs quanto o trabalhador

utilizam o Estado e a sociedade para satisfazerem seus interesses pessoais E

para que o liberalismo atinja conteuacutedo plenamente humano estabelecem que os

indiviacuteduos devem aspirar a um comportamento absolutamente desinteressado

consagrando-se e trabalhando em prol do desenvolvimento da

humanidade Desligando-se dos interesses egoiacutestas ou seja particulares atinge-

se o interesse universal uacutenico comportamento autenticamente humano

Stirner considera que ldquoa Criacutetica exortando que o homem seja lsquohumanorsquo

exprime a condiccedilatildeo necessaacuteria de toda sociabilidade porque eacute somente como

homem entre homens que se eacute sociaacutevel Com isso ela anuncia seu alvo social o

estabelecimento da lsquosociedade humanarsquo rdquo[42] que ldquonatildeo reconhece absolutamente

nada que seja lsquoparticularrsquo a Um ou a Outro que recusa todo valor ao que porta um

caraacuteter lsquoprivadorsquo Desta maneira fecha-se o ciacuterculo do liberalismo que tem no

homem e na liberdade humana seu bom princiacutepio e no egoiacutesta e em tudo que eacute

privado seu mau princiacutepio que tem naquele seu Deus e neste seu diabo Se a

pessoa particular ou privada perdeu completamente seu valor perante o lsquoEstadorsquo

(nenhum privileacutegio pessoal) se na lsquosociedade dos trabalhadores ou dos pobresrsquo a

propriedade particular (privada) perdeu seu reconhecimento na lsquosociedade

humanarsquo tudo o que eacute particular ou privado natildeo seraacute mais levado em

consideraccedilatildeordquo[43]

16

De sorte que ldquoentre as teorias sociais a Criacutetica eacute incontestavelmente a

mais acabada porque ela afasta e desvaloriza tudo o que separa o homem do

homem todos os privileacutegios ateacute mesmo o privileacutegio da feacute Eacute nela que o princiacutepio

do amor do cristianismo o verdadeiro princiacutepio social encontra sua mais pura

plenitude e produz a uacuteltima experiecircncia possiacutevel para tirar do homem sua

exclusividade e sua repulsa em relaccedilatildeo ao outro Luta-se contra a forma mais

elementar e portanto mais riacutegida do egoiacutesmordquo[44] ou seja a unicidade a

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 17: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

exclusividade a pessoalidade Esta luta evidencia que o ldquoliberalismo tem um

inimigo mortal um contraacuterio insuperaacutevel como Deus e o diabordquo[45] o indiviacuteduo

Portanto por representar a uacuteltima forma conferida ao ideal resta entatildeo

romper com o espectro do Homem para com isso quebrar definitivamente a

dominaccedilatildeo espiritual Mas ldquoquem faraacute tambeacutem o Espiacuterito se dissolver em seu nada

Aquele que revela por meio do Espiacuterito que a natureza eacute vatilde (Nichtige) finita e

pereciacutevel apenas ele pode tambeacutem reduzir o espiacuterito igualmente agrave vacuidade

(Nichtigkeit) Eu posso e todos dentre voacutes nos quais o Eu reina e se institui como

absolutordquo[46] Enfim somente o egoiacutesta pode fazecirc-lo

II - A CATEGORIA DA ALIENACcedilAtildeO

Para Stirner o egoiacutesmo eacute ineliminaacutevel e se manifesta mesmo naqueles

que se devotam ao espiritual porque ressalta ldquoo sagrado existe apenas para o

egoiacutesta que natildeo se reconhece como tal o egoiacutesta involuntaacuterio que estaacute sempre agrave

procura do que eacute seu e ainda natildeo se respeita como o ser supremo que serve

apenas a si mesmo e pensa ao mesmo tempo servir sempre a um ser superior

que natildeo conhece nada superior a si e se exalta contudo pelo lsquosuperiorrsquo enfim

para o egoiacutesta que natildeo gostaria de secirc-lo e se rebaixa ou seja combate o seu

egoiacutesmo rebaixando-se contudo lsquopara elevar-sersquo e satisfazer portanto seu

egoiacutesmo Querendo deixar de ser egoiacutesta ele procura em seu redor no ceacuteu e na

terra por seres superiores para oferecer-lhes seus serviccedilos e se sacrificar Mas

embora se agite e se mortifique ele age no fim das contas apenas por si mesmo

e pelo difamado egoiacutesmo que natildeo o abandona Por isso eu o chamo egoiacutesta

involuntaacuteriordquo[47] Mas se assim o eacute por que isso se daacute Ou seja por que seres

essencialmente egoiacutestas se alienam

17

Na descriccedilatildeo das fases da vida encontra-se expliacutecito que o indiviacuteduo eacute

ele proacuteprio natildeo soacute a fonte do que eacute mas tambeacutem de sua negaccedilatildeo de sua perda

uma vez que mesmo quando eacute dominado pelos pensamentos ele eacute dominado por

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

18

O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 18: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

seus pensamentos que por natildeo serem reconhecidos como seus adquirem

existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo ao eu que os produziu No entanto eacute a partir de

outro texto intitulado Arte e Religiatildeo escrito em 1842 que se pode compreender

com mais clareza o que constitui este fenocircmeno Analisando a relaccedilatildeo entre arte e

religiatildeo Stirner aponta que a arte eacute manifestaccedilatildeo da ldquoardente necessidade que o

homem tem de natildeo permanecer soacute mas de se desdobrar de natildeo estar satisfeito

consigo como homem natural mas de buscar pelo segundo homem espiritualrdquo[48]

A resoluccedilatildeo desta necessidade se daacute com a obra de arte dado que ela configura

objetivamente o ideal do homem de transcender a si proacuteprio Com a obra de arte

o homem fica em face de si mesmo poreacutem ldquoO que lhe estaacute defronte eacute e natildeo eacute ele

eacute o aleacutem inatingiacutevel em direccedilatildeo ao qual fluem todos os seus pensamentos e todos

os seus sentimentos eacute seu aleacutem envolvido e inseparavelmente entrelaccedilado no

aqueacutem de seu presenterdquo[49] Enquanto a arte eacute posiccedilatildeo de um objeto a religiatildeo ldquoeacute

contemplaccedilatildeo e precisa portanto de uma forma ou de um objetordquo[50] ao qual se

defrontar

Segundo Stirner ldquoo homem se relaciona com o ideal manifestado pela

criaccedilatildeo artiacutestica como um ser religioso ele considera a exteriorizaccedilatildeo de seu

segundo eu como um objeto Tal eacute a fonte milenar de todas as torturas de todas

as lutas porque eacute terriacutevel ser fora de si mesmo e todo aquele que eacute para si

mesmo seu proacuteprio objeto eacute impotente para se unir totalmente a si e aniquilar a

resistecircncia do objetordquo[51] Logo a arte daacute forma ao ideal e a religiatildeo ldquoencontra no

ideal um misteacuterio e torna a religiosidade tanto mais profunda quanto mais

firmemente cada homem se liga a seu objeto e eacute dele dependenterdquo[52] Portanto a

alienaccedilatildeo ocorre no processo de objetivaccedilatildeo da individualidade e se daacute pelo fato

de o indiviacuteduo contemplar sua exteriorizaccedilatildeo como algo que natildeo lhe pertence

como algo por si que o transcende Contempla a si atraveacutes de uma mediaccedilatildeo

relacionando-se consigo mesmo de modo estranhado pois natildeo reconhece o

objeto como sua criatura convertendo-o em sujeito

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O que Stirner recusa eacute a transcendecircncia do objeto sobre o sujeito Isto

porque ldquoo objeto sob sua forma sagrada como sob sua forma profana como

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

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que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

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O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

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III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

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Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

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Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

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O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

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constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

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Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

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Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

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Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

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Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

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conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

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Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

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No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 19: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

objeto supra-sensiacutevel tanto quanto objeto sensiacutevel nos torna igualmente

possuiacutedosrdquo[53] uma vez que tomado como algo por si obriga o sujeito a se

subordinar agrave sua loacutegica proacutepria Destroacutei-se assim ldquoa singularidade do

comportamento estabelecendo um sentido um modo de pensar como o

lsquoverdadeirorsquo como o lsquouacutenico verdadeirorsquo rdquo[54] Contra isso Stirner argumenta que ldquoo

homem faz das coisas aquilo que ele eacuterdquo[55] ou seja as determinaccedilotildees das coisas

satildeo diretamente oriundas e dependentes do sujeito E ironizando o conselho dado

por Feuerbach o qual adverte que se deve ver as coisas de modo justo e natural

sem preconceitos isto eacute de acordo e a partir daquilo que elas satildeo em sua

especificidade Stirner aponta que ldquovecirc-se as coisas com exatidatildeo quando se faz

delas o que se quer (por coisas entende-se aqui os objetos em geral como Deus

nossos semelhantes a amada um livro um animal etc) Por isso natildeo satildeo as

coisas e a concepccedilatildeo delas o que vem em primeiro lugar mas Eu e minha

vontaderdquo[56] Entatildeo ldquoPorque se quer extrair pensamentos das coisas porque se

quer descobrir a razatildeo do mundo porque se quer descobrir sua sacralidade se

encontraraacute tudo issordquo[57] pois ldquoSou Eu quem determino o que Eu quero encontrar

Eu escolho o que meu espiacuterito aspira e por esta escolha Eu me mostro -

arbitraacuteriordquo[58] Torna-se claro pois que Stirner natildeo leva em consideraccedilatildeo a

existecircncia dos objetos ou seja o que eles satildeo em si independente da

subjetividade e somente admite a efetividade dos objetos na medida em que esta

eacute estabelecida sancionada pelo sujeito

A indiferenccedila para com o objeto se daacute em funccedilatildeo de que ldquoToda sentenccedila

que Eu profiro sobre um objeto eacute criaccedilatildeo de minha vontade Todos os

predicados dos objetos satildeo resultados de minhas declaraccedilotildees de meus

julgamentos satildeo minhas criaturas Se eles querem se libertar de Mim e ser algo

por si mesmos se eles querem se impor absolutamente a Mim Eu natildeo tenho

nada mais a fazer senatildeo apressar-Me em restabelececirc-los a seu nada isto eacute a

Mim o criadorrdquo[59] De modo que a relaccedilatildeo autecircntica entre sujeito e objeto soacute se daacute

quando as propriedades dos objetos forem acolhidas como frutos das

deliberaccedilotildees dos indiviacuteduos Consequumlentemente pelo fato de ser o sujeito aquele

19

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 20: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

que potildee a objetividade do objeto segue-se que natildeo se pode ter determinaccedilotildees

universais sobre as coisas mas tatildeo somente determinaccedilotildees singulares postas

por sujeitos singulares rompendo-se assim a dimensatildeo da objetividade como

imanecircncia

Acatar a objetividade como algo por si eacute para Stirner abdicar da

existecircncia pois o uacutenico ser por si eacute o indiviacuteduo produtor de seu universo

existencial Por isso natildeo condena as convicccedilotildees crenccedilas e valores que os

indiviacuteduos possam abraccedilar Apenas natildeo admite que sejam tomados como algo

mais que criaturas ldquoDeus o Cristo a trindade a moral o Bem etc satildeo tais

criaturas das quais eu devo natildeo apenas Me permitir dizer que satildeo verdades mas

tambeacutem que satildeo ilusotildees Da mesma maneira que um dia Eu quis e decretei sua

existecircncia Eu quero tambeacutem poder desejar sua natildeo existecircncia Eu natildeo devo

deixaacute-los crescer aleacutem de Mim ter a fraqueza de deixaacute-los tornar algo lsquoabsolutorsquo

eternizando-os e retirando-os de meu poder e de minha determinaccedilatildeordquo[60]

Portanto os indiviacuteduos podem crer pensar aspirar contanto que natildeo percam de

vista que satildeo eles o fundamento das crenccedilas pensamentos e aspiraccedilotildees bem

como daquilo que crecircem pensam e aspiram Neste sentido a superaccedilatildeo da

alienaccedilatildeo significa pois a absorccedilatildeo da objetividade pela subjetividade

requerendo somente que o indiviacuteduo tome consciecircncia de que por traacutes das coisas

e dos ideais natildeo existe nada a natildeo ser si mesmo em suma exige que o indiviacuteduo

negue autonomia a tudo que lhe eacute exterior e tome apenas a si como ser autocircnomo

que atribua somente a si a efetividade da existecircncia

20

O caraacuteter puramente subjetivo que Stirner confere agrave apropriaccedilatildeo da

objetividade salienta-se plenamente quando se analisa a revolta individual

condiccedilatildeo de possibilidade para o reconhecimento de si como base da existecircncia

Segundo ele reflete um descontentamento do indiviacuteduo consigo mesmo razatildeo

pela qual ldquoNatildeo se deve considerar revoluccedilatildeo e revolta como sinocircnimos A

revoluccedilatildeo consiste em uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees da situaccedilatildeo existente

do Estado ou da Sociedade eacute por consequumlecircncia uma accedilatildeo poliacutetica ou social a

revolta tem como resultado inevitaacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees mas natildeo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

21

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

22

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 21: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

parte delas ao contraacuterio porque parte do descontentamento do homem consigo

mesmo natildeo eacute um levante planejado mas uma sublevaccedilatildeo do indiviacuteduo uma

elevaccedilatildeo sem levar em consideraccedilatildeo as instituiccedilotildees que dela nascem A

revoluccedilatildeo tem em vistas novas instituiccedilotildees a revolta nos leva a natildeo Nos deixar

mais instituir mas a Nos instituir Noacutes mesmos e a natildeo depositarmos brilhantes

esperanccedilas nas lsquoinstituiccedilotildeesrsquo Ela eacute uma luta contra o existente porque quando eacute

bem sucedida o existente sucumbe por si mesmo ela eacute apenas a Minha

libertaccedilatildeo em relaccedilatildeo ao existente Assim que Eu abandono o existente ele morre

e apodrece Ora como meu propoacutesito natildeo eacute a derrubada do existente mas elevar-

Me acima dele entatildeo minha intenccedilatildeo e accedilatildeo natildeo eacute poliacutetica ou social mas egoiacutesta

como tudo que eacute concentrado em Mim e em minha singularidaderdquo[61] Em outros

termos a revolta parte e se dirige agrave subjetividade e a revoluccedilatildeo agrave objetividade

razatildeo pela qual a primeira eacute uma accedilatildeo autecircntica e a segundo uma accedilatildeo

estranhada do indiviacuteduo E dado a supremacia do sujeito prescinde de qualquer

modificaccedilatildeo sobre o objeto Seguindo as palavras de Giorgio Penzo em sua

introduccedilatildeo agrave ediccedilatildeo italiana de O Uacutenico e Sua Propriedade ldquoeacute obviamente apenas

com o ato existencial da revolta que se pode tornar menor a afecccedilatildeo do objeto

pelo que o eu se reconhece totalmente livre no confronto com o objetordquo[62]

Haacute que observar contudo que tal reconhecimento significa tatildeo somente

aceitar o objeto como tal tomando-se no entanto como o aacuterbitro de tal aceitaccedilatildeo

Neste sentido Stirner pretende a afirmaccedilatildeo da individualidade apesar e a despeito

das coisas Natildeo se deixando reger pelos objetos ainda que acatando as

determinaccedilotildees da objetividade como posiccedilatildeo de sua vontade o indiviacuteduo abre as

vias para o iniacutecio de sua verdadeira e plena histoacuteria a histoacuteria do uacutenico e sua

propriedade

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III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

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Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

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Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

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O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

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si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

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Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

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O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 22: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO

Visando remeter agrave individualidade - fundamento uacuteltimo e intransponiacutevel -

tudo o que dela foi expropriado e determinado de modo abstrato e transcendente

Stirner assume a tarefa de desmistificar todos os ideais mostrando que nada satildeo

senatildeo atributos do Eu Ou seja aqueles soacute podem ganhar existecircncia se

assentados sobre o indiviacuteduo Mas para tal o indiviacuteduo tem de conquistar sua

individualidade recuperando sua corporeidade e sua forccedila para fazer valer sua

unicidade

III1- A Conquista da Individualidade

Segundo Stirner desde o fim da antiguumlidade a liberdade tornou-se o

ideal orientador da vida convertendo-se na doutrina do cristianismo Significando

desligar-se desfazer-se de algo o desejo pela liberdade como algo digno de

qualquer esforccedilo obrigou os indiviacuteduos a se despojarem de si mesmos de sua

particularidade de sua propriedade (eigenheit) individual

Stirner natildeo recusa a liberdade pois eacute evidente que o indiviacuteduo deva se

desembaraccedilar do que se potildee em seu caminho Contudo a liberdade eacute insuficiente

uma vez que o indiviacuteduo natildeo soacute anseia se desfazer do que natildeo lhe apraz mas

tambeacutem se apossar do que lhe daacute prazer Deseja natildeo apenas ser livre mas

sobretudo ser proprietaacuterio Portanto exatamente por constituir o nuacutecleo do desejo

seja pela liberdade seja pela entrega o indiviacuteduo deve tomar-se por princiacutepio e

fim libertar-se de tudo que natildeo eacute si mesmo e apossar-se de sua

individualidade

Profundas satildeo as diferenccedilas entre liberdade e individualidade Enquanto

a liberdade exige o despojamento para que se possa alcanccedilar algo futuro e aleacutem

a individualidade eacute o ser a existecircncia presente do indiviacuteduo Embora natildeo possa

ser livre de tudo o indiviacuteduo eacute ele proacuteprio em todas as circunstacircncias pois ainda

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que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

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Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

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No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

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Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

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sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

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O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

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Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

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O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

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complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

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si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

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Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 23: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

que entregue ldquocomo servo a um senhorrdquo pensa somente em si e em seu benefiacutecio

Com efeito ldquoseus golpes Me ferem por isso Eu natildeo sou livre contudo Eu os

suporto somente em meu proveito talvez para enganaacute-lo atraveacutes de uma

paciecircncia aparente e tranquilizaacute-lo ou ainda para natildeo contrariaacute-lo com Minha

resistecircncia De modo que tornar-Me livre dele e de seu chicote eacute somente

consequumlecircncia de Meu egoiacutesmo precedenterdquo[63] Logo a liberdade - ldquopermissatildeo

inuacutetil para quem natildeo sabe empregaacute-lardquo[64] - apenas adquire valor e conteuacutedo em

funccedilatildeo da individualidade a qual afasta todos os obstaacuteculos e potildee as condiccedilotildees

de possibilidade para a liberdade

Stirner frisa que a individualidade (Eigenheit) natildeo eacute uma ideacuteia nem tem

nenhum criteacuterio de medida estranho mas encerra tudo que eacute proacuteprio ao indiviacuteduo

eacute ldquosomente uma descriccedilatildeo do proprietaacuteriordquo[65] Esta individualidade que diz

respeito a cada indiviacuteduo singular afirma-se e se fortalece quanto mais pode

manifestar o que lhe eacute proacuteprio E exprimir-se como proprietaacuterio exige que o

indiviacuteduo natildeo soacute tenha a plena consciecircncia dessa sua especificidade mas que

principalmente exteriorize suas capacidades para se apropriar de tudo que sua

vontade determinar O indiviacuteduo tanto mais se realiza e se mostra como tal quanto

mais propriedades for capaz de acumular pois a propriedade que se manifesta

exteriormente reflete o que se eacute interiormente Para que isto se decirc o indiviacuteduo tem

de se reapropriar dos atributos que lhe foram usurpados e consagrados como

atributos de Deus e depois do Homem

23

Stirner aponta que as tentativas da modernidade para tornar o espiacuterito

presente no mundo significam que estas perseguiram incessantemente a

existecircncia a corporeidade a personalidade enfim a efetividade Mas observa que

centrada sobre Deus ou sobre o Humano nunca se chegaraacute agrave existecircncia dado

que tanto Deus quanto o Homem natildeo possuem dimensatildeo concreta mas ideal e

ldquonenhuma ideacuteia tem existecircncia porque natildeo eacute capaz de ter corporeidaderdquo[66]

atributo especiacutefico dos indiviacuteduos Logo a primeira tarefa a que o indiviacuteduo deve

se lanccedilar eacute recobrar sua concreticidade perceber-se totalmente como carne e

espiacuterito aceitando sem remorsos que natildeo soacute seu espiacuterito mas tambeacutem seu

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 24: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

corpo eacute aacutevido por tudo que satisfaccedila suas necessidades Conquista-se assim a

integralidade como subjetividade corpoacuterea Contudo recuperar a corporeidade

natildeo significa que o indiviacuteduo deva se entregar a ela deixando-se dominar pelos

apetites e inclinaccedilotildees sensiacuteveis uma vez que a sensibilidade natildeo eacute a totalidade de

sua individualidade Ao contraacuterio a conquista da individualidade requer o domiacutenio

sobre o corpo e sobre o espiacuterito

Apropriando-se de sua concretude de sua existencialidade o indiviacuteduo

deve por conseguinte apropriar-se de sua humanidade Conforme Stirner o

Homem como realizaccedilatildeo universal da ideacuteia isto eacute como corporificaccedilatildeo da ideacuteia

representa a culminacircncia do processo de abstraccedilatildeo que permeou a modernidade

Admitindo a possibilidade de a essecircncia poder estar separada da existecircncia o ser

separado da aparecircncia o indiviacuteduo foi considerado inumano o natildeo-homem cuja

missatildeo eacute precisamente vir a ser homem Assim a humanidade assentou-se natildeo

sobre o Eu corpoacutereo material ldquocom seus pensamentos resoluccedilotildees paixotildeesrdquo[67]

mas sobre o ser geneacuterico Homem De modo que o ser abstrato e indiferenciado

tomou o lugar do ser real particular especiacutefico

24

No entanto ser humano natildeo eacute a determinaccedilatildeo essencial do indiviacuteduo Eacute

mesmo ldquoinsignificante que noacutes sejamos homens pois isto soacute tem significado na

medida em que eacute uma de nossas qualidades isto eacute nossa propriedade Eu sou

certamente entre outras coisas tambeacutem um homem como Eu sou por exemplo

um ser vivo consequumlentemente um animal ou um europeu um berlinense etcrdquo[68]

O humano se realiza no ser homem que ldquonatildeo significa preencher o ideal o homem

mas manifestar-se como indiviacuteduordquo[69] ou seja manifestar-se como eacute e natildeo aquilo

que eacute Com isso a questatildeo conceitual ldquoo que eacute o homemrdquo se transforma na

questatildeo pessoal ldquoquem eacute o homemrdquo Enquanto com o lsquoquersquo procura-se o conceito

a fim de realizaacute-lo com o lsquoquemrsquo tem-se uma resposta que eacute dada de modo

pessoal por aquele que interroga a pergunta responde-se a si mesma[70] Portanto

quem eacute o homem Eacute ldquoo indiviacuteduo o finito o Uacutenicordquo[71] O homem vale como

universal poreacutem ldquoEu e o egoiacutesmo somos o verdadeiro universal porque cada um

eacute egoiacutesta e se potildee acima de tudordquo[72]

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 25: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

A forccedila do Eu stirneriano eacute a atualizaccedilatildeo de suas capacidades atraveacutes

dela o indiviacuteduo objetiva a vontade que o move e expande sua propriedade Eacute o

que especifica e distingue os indiviacuteduos que satildeo o que satildeo em funccedilatildeo da

quantidade de forccedila que possuem Todavia no decorrer de seacuteculos de

cristianismo se perseguiu um modo de tornaacute-los iguais enquanto ser e poder ser

Primeiramente encontrou-se a igualdade no ser cristatildeo que todavia ao excluir os

natildeo cristatildeos deixava subsistir a diferenccedila pois soacute os seguidores dos preceitos

divinos eram merecedores das daacutedivas de Deus O poder ser se revelava assim

um privileacutegio Contra esse particularismo lutou-se pela igualdade universal

advinda da humanidade presente em cada indiviacuteduo e como homem reclamou-se

pelo que legitimamente ou seja por direito cabe ao Homem O direito portanto eacute

uma concessatildeo dada aos indiviacuteduos em funccedilatildeo de estarem subordinados a uma

potecircncia ela sim detentora da vontade soberana Advindo de uma fonte externa

ldquotodo direito existente eacute direito estranhordquo[73]

No entanto segundo Stirner fora do indiviacuteduo natildeo existe nenhum direito

pois ldquoTu tens direito ao que Tu tens forccedila para serrdquo[74] Assim quando o indiviacuteduo eacute

forte o suficiente para agir segundo sua vontade estaacute em seu direito e o realiza

Se o ato natildeo se coaduna agrave vontade de um outro este tambeacutem estaacute no direito de

natildeo aceitar e fazer prevalecer sua vontade caso tenha a forccedila para tal De modo

que a accedilatildeo natildeo necessita de nenhuma autorizaccedilatildeo pois eacute a efetivaccedilatildeo da vontade

do indiviacuteduo que se cifra em si mesmo E uma vez que a forccedila eacute a medida do

direito os indiviacuteduos tornam-se proprietaacuterios do que satildeo capazes capacidade que

depende exclusivamente de sua forccedila para se apoderar e de sua forccedila para

conservar a posse Portanto enquanto o direito ldquoeacute uma obsessatildeo concedida por

um fantasma a forccedila sou Eu mesmo Eu sou o poderoso e o proprietaacuterio da forccedila

O direito estaacute acima de Mim eacute uma graccedila concedida por um juiz a forccedila e o

poder existem somente em Mim o forte e o poderosordquo[75]

25

Ademais a conquista da individualidade demanda a necessidade de

reorganizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre os indiviacuteduos dado que ateacute entatildeo os indiviacuteduos

natildeo puderam alccedilar a seu pleno desenvolvimento e valor pois ldquonatildeo puderam ainda

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 26: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

fundar suas sociedades sobre si proacutepriosrdquo cabendo-lhes tatildeo somente ldquofundar

lsquosociedadesrsquo e viver em sociedaderdquo[76] natildeo como querem mas de acordo com

interesses gerais que visam apenas ao bem comum Em consequumlecircncia o modo

de existecircncia dos indiviacuteduos eacute determinado exteriormente pela forma da sociedade

atraveacutes das leis e regras de convivecircncia de modo que estes natildeo se relacionam

diretamente mas pela mediaccedilatildeo da sociedade

Os indiviacuteduos devem tomar consciecircncia do impulso que os leva a

estabelecer um intercacircmbio com os outros Segundo Stirner as relaccedilotildees

interindividuais se resumem ao fato de que ldquoTu eacutes para mim apenas meu alimento

mesmo se Eu tambeacutem sou utilizado e consumido por Ti Noacutes temos entre Noacutes

apenas uma relaccedilatildeo a relaccedilatildeo de utilidade do pocircr-se em valor e em vantagemrdquo[77]

De modo que para assenhorear-se de suas relaccedilotildees e estabelececirc-las de acordo

com seus interesses eacute imprescindiacutevel romper com as formas instituiacutedas de

sociedade que tecircm em vista todas restringir a singularidade dos indiviacuteduos

Assim ldquodesde que um interesse egoiacutesta se insinue no seio da sociedade ela

estaraacute corrompida e caminharaacute para a sua dissoluccedilatildeo rdquo[78]

A dissoluccedilatildeo da sociedade se daraacute conforme Stirner com a associaccedilatildeo

dos egoiacutestas uma ldquoreuniatildeo continuamente fluida de todos os elementos

existentesrdquo[79] na medida em que se forma a partir da voliccedilatildeo dos indiviacuteduos que

liberta dos constrangimentos sociais ganha livre curso O que a caracteriza eacute o

fato de os indiviacuteduos se relacionarem sem contudo um limitar o outro porque natildeo

se encontram ligados por nenhum viacutenculo extriacutenseco ou nos termos de Stirner

porque ldquonenhum laccedilo natural ou espiritual faz a associaccedilatildeo ela natildeo eacute nem uma

uniatildeo natural nem espiritualrdquo[80]

Na associaccedilatildeo as relaccedilotildees entre os indiviacuteduos se datildeo sem

intermediaccedilatildeo alguma o que os permite unirem-se aos outros exclusivamente por

seus interesses pessoais Visto que ldquoNingueacutem eacute para Mim uma pessoa

respeitaacutevel tampouco meu semelhante mas meramente como qualquer outro ser

um objeto pelo qual Eu tenho ou natildeo simpatia um objeto interessante ou natildeo um

26

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 27: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

sujeito uacutetil ou inuacutetilrdquo[81] ldquose Eu posso utilizaacute-lo Eu me entendo e Me ponho de

acordo com ele e por este acordo intensifico minha forccedila e atraveacutes dessa forccedila

comum faccedilo mais do que isolado poderia fazer Neste interesse comum Eu natildeo

vejo absolutamente nada de outro senatildeo uma multiplicaccedilatildeo de minha forccedila e Eu o

mantenho apenas enquanto ele eacute a multiplicaccedilatildeo de minha forccedilardquo[82] E por existir

apenas em funccedilatildeo de interesses os indiviacuteduos satildeo livres para participarem de

quantas associaccedilotildees desejarem bem como para delas se desligarem de acordo

com sua conveniecircncia Transformando as relaccedilotildees sociais em relaccedilotildees pessoais

os egoiacutestas podem fruir o mundo conquistando-o como sua propriedade

III2- O gozo de si

Stirner supunha estar ldquono limiar de uma eacutepocardquo[83] em cuja entrada

estaria inscrita natildeo mais a ldquofoacutermula apoliacutenea lsquoConheccedila-Te a Ti mesmorsquo mas

lsquoValoriza-Te a Ti mesmorsquo rdquo[84]

Segundo ele os indiviacuteduos vivem preocupados e oprimidos pela tensatildeo

em conquistar a vida seja a vida celeste seja a vida terrena o que os impede de

ldquodesfrutar a vidardquo[85] Por isso conclama os indiviacuteduos para o gozo da vida que

consiste em usaacute-la ldquocomo se usa a lacircmpada fazendo-a arder Utiliza-se a vida e

por consequumlecircncia a si mesmo vivendo-a consumindo-a e se consumindo Gozar

a vida eacute utilizaacute-lardquo[86]

27

O mundo religioso ldquoprocurava a vidardquo mas este esforccedilo para alcanccedilaacute-la

se limitava em saber ldquo lsquoem que consiste a verdadeira vida a vida bem aventurada

etc Como atingi-la O que fazer para tornar-se homem para estar

verdadeiramente vivo Como preencher esta vocaccedilatildeorsquordquo[87] A procura pela vida

indica a procura por si mesmo e ldquoquem se procura ainda natildeo se possui mas

aspira ao que deve serrdquo[88] por isso durante seacuteculos diz Stirner os homens

apenas tecircm vivido na esperanccedila entretidos com ldquouma missatildeo uma tarefa na vidardquo

com ldquoalgo para realizar e estabelecer atraveacutes de sua vida um algo para o qual sua

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 28: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

vida eacute somente meio e instrumento algo que vale mais que esta vidardquo[89] De sorte

que os que se preocupam com a vida natildeo tecircm poder sobre sua vida presente pois

ldquodevem vivecirc-la com a finalidade de merecer a verdadeira vida devem sacrificar

inteiramente sua vida por esta ambiccedilatildeo e por esta missatildeordquo[90] o que resulta na

perda de si na cisatildeo entre sua vida futura a qual deve atingir e sua vida presente

e efetiva que deve ser sacrificada em prol da primeira

Aleacutem do mais ldquoao se perseguir impetuosamente a si mesmo

despreza-se a regra de sabedoria que consiste em tomar os homens como eles

satildeo ao inveacutes de tomaacute-los como se gostaria que eles fossem instigando-os por

isso a irem atraacutes do Eu que deveriam ser lsquoambicionando fazer com que todos os

homens tenham direitos iguais sejam igualmente respeitados igualmente morais

ou racionaisrsquordquo[91] Admitindo que sem duacutevida alguma a vida seria um paraiacuteso se

os homens fossem como deveriam ser Stirner observa poreacutem que ldquoo que algueacutem

pode se tornar ele se tornardquo[92] pois ldquopossibilidade e realidade coincidem sempre

Natildeo se pode fazer o que natildeo se faz tal como natildeo se faz o que natildeo se pode

fazerrdquo[93] Portanto o que os indiviacuteduos satildeo bem como as capacidades que

possuem manifestam- se sempre qualquer que seja a circunstacircncia ou estado

em que eles se encontrem Assim ldquoUm poeta nato pode ser impedido pelas

circunstacircncias desfavoraacuteveis de atingir o cume de seu tempo e de criar apoacutes

seacuterios e indispensaacuteveis estudos obras de arte mas ele faraacute versos quer seja

criado de fazenda ou tenha a oportunidade de viver na corte de Weimar Um

muacutesico nato faraacute muacutesica quer seja com todos os instrumentos ou somente com

um canudinho Uma cabeccedila filosoacutefica nata se confirmaraacute filoacutesofo universitaacuterio ou

filoacutesofo de aldeia e enfim um imbecil nato permaneceraacute sempre um ceacuterebro

limitado mesmo que ele tenha sido adestrado e treinado para ser chefe de

escritoacuterio ou engraxe as botas deste cheferdquo[94]

28

Segundo Stirner ldquoNoacutes somos Todos perfeitos Noacutes somos a cada

momento tudo o que podemos ser e natildeo precisamos jamais ser mais do que

somosrdquo[95] Por isso ldquoum homem natildeo eacute lsquochamadorsquo a nada natildeo tem lsquotarefarsquo nem

lsquodestinaccedilatildeorsquo tanto quanto uma flor ou um animal natildeo tecircm nenhuma lsquomissatildeorsquo A flor

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 29: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

natildeo obedece agrave missatildeo de se perfazer mas ela emprega todas as suas forccedilas para

usufruir o melhor que pode do mundo e consumi-lo ela absorve tanta seiva da

terra ar da atmosfera e luz do sol quanto pode receber e armazenar O paacutessaro

natildeo vive segundo uma missatildeo mas emprega suas forccedilas o quanto pode Em

comparaccedilatildeo com as de um homem as forccedilas de uma flor ou de um paacutessaro satildeo

miacutenimas e o homem que empregar as suas forccedilas capturaraacute o mundo de modo

muito mais potente que aqueles Ele natildeo tem missatildeo mas forccedilas que se

manifestam laacute onde elas estatildeo porque seu ser natildeo tem existecircncia senatildeo em sua

manifestaccedilatildeo rdquo[96] o que ele faz em realidade a cada instante de sua vida

Stirner assevera que o indiviacuteduo se afasta de seu gozo pessoal quando crecirc dever

servir a algo alheio Servindo apenas a si torna-se ldquonatildeo apenas de fato mas

tambeacutem por (sua) consciecircncia o uacutenicordquo[97] No ldquouacutenico o proprietaacuterio retorna ao

Nada criador do qual nasceurdquo[98] porque a designaccedilatildeo uacutenico eacute tatildeo-somente um

nome uma designaccedilatildeo lsquogeneacutericarsquo que indica o irredutiacutevel de toda individualidade

cujo conteuacutedo e determinaccedilatildeo satildeo especiacuteficos e postos por cada indiviacuteduo

especificamente jaacute que natildeo haacute algo que os preacute-determine

29

O egoiacutesmo no sentido stirneriano do termo refere-se por um lado ao fato de que

cada indiviacuteduo vive em um mundo que eacute seu que estaacute em relaccedilatildeo a ele que eacute o

que eacute para ele motivo pelo qual sente vecirc pensa tudo a partir de si Por outro lado

diz respeito tanto agraves pulsotildees e determinaccedilotildees que compotildeem a esfera exclusiva do

indiviacuteduo quanto ao amor agrave dedicaccedilatildeo agrave preocupaccedilatildeo que cada individualidade

nutre por si O homem na oacutetica de Stirner eacute ego Poreacutem o fato de constituiacuterem

eus natildeo torna os indiviacuteduos iguais uma vez que a condiccedilatildeo de possibilidade de

ser natildeo se deve ao fato de serem todos egoiacutestas mas em terem forccedila para

expandir seu egoiacutesmo Daiacute cada eu ser uacutenico e sua individualidade constituir a

uacutenica realidade a partir da qual se potildeem suas possibilidades efetivas Natildeo se

pautando por nenhum criteacuterio exterior o uacutenico natildeo se deixa determinar por nada a

natildeo ser pela consciecircncia de sua autonomia como indiviacuteduo dotado de vontade e

forccedila razatildeo pela qual eacute livre para desejar e se apossar de tudo o que lhe apraz

atraveacutes de sua potecircncia uacutenica Eacute um ser aacutevido movido pela uacutenica forccedila capaz de

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 30: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

tornaacute-lo si mesmo o egoiacutesmo Eacute enfim o indiviacuteduo que se potildee como centro do

mundo e prefere a si acima de todas as coisas que orienta suas accedilotildees

estabelece suas relaccedilotildees com o outro-de-si e dissipa sua existecircncia visando

somente a um fim satisfazer a si mesmo

IV- A criacutetica de Marx

Ao se comparar o pensamento de Marx com o de Stirner torna-se claro

que a incompatibilidade entre eles natildeo se daacute quanto aos problemas a serem

enfrentados Ambos visam agrave resoluccedilatildeo do mundo humano de modo a emancipar

as individualidades de todos os entraves que impedem seu pleno desenvolvimento

e manifestaccedilatildeo Poreacutem se o fim os aproxima trecircs questotildees fundamentais -

referentes agrave determinaccedilatildeo da individualidade e do mundo humano e aos meios e

ao alcance da emancipaccedilatildeo das individualidades - os opotildeem de modo cabal

A Ideologia Alematilde redigida entre setembro de 1845 e maio de 1846 em

colaboraccedilatildeo com Engels ocupa um lugar preciso no itineraacuterio do pensamento

marxiano Esta obra fecha o ciclo criacutetico agrave filosofia especulativa alematilde iniciado em

1843 com a criacutetica agrave filosofia do direito e do estado de Hegel tendo como objeto a

filosofia neo-hegeliana

A anaacutelise dos pressupostos teoacutericos do sistema hegeliano propiciou a

Marx desvendar misteacuterio da filosofia de Hegel o qual consiste em considerar a

maneira de ser a natureza as qualidades especiacuteficas das coisas como

determinaccedilotildees desdobramentos de um princiacutepio extriacutenseco O real natildeo eacute o que eacute

a partir de suas muacuteltiplas determinaccedilotildees intriacutensecas mas modos a partir dos quais

o princiacutepio autogerador se revela sendo reduzido a fenocircmeno a aparecircncia De

modo que a especulaccedilatildeo hegeliana por inversatildeo determinativa reduz a

diversidade dos objetos a um conceito geneacuterico que reteacutem a identidade sob forma

de universal abstrato Convertido em ser este conceito eacute tomado como produtor

dos objetos particulares a partir de sua autodiferenciaccedilatildeo o que faz com que as

30

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 31: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

complexas interconexotildees da realidade percam suas determinaccedilotildees essenciais e

se justifiquem somente enquanto realizaccedilotildees graus de desenvolvimento do

conceito

Portanto a constituiccedilatildeo do pensamento marxiano propriamente dito se daacute

a partir da recusa agrave abstratividade do pensamento hegeliano Neste sentindo

podemos perceber um ponto de convergecircncia com Stirner Todavia esta

convergecircncia se daacute apenas no que se refere agrave percepccedilatildeo de um problema central

da filosofia hegeliana Com efeito ambos censuram o caraacuteter universalista e

abstrato da filosofia hegeliana e reclamam pelo particular pelo concreto No

entanto contrariamente a Stirner Marx reconhece a efetividade e concreticidade

natildeo soacute da individualidade mas tambeacutem do mundo e reivindica a determinaccedilatildeo da

realidade a partir da apreensatildeo dos nexos imanentes a ela visando o

desvendamento do real a partir do real isto eacute o desvendamento do modo de ser

especiacutefico dos entes em sua particularidade a partir dos proacuteprios entes Logo

enquanto Stirner nega toda objetividade fora do indiviacuteduo Marx a reconhece e a

toma como ponto de partida A objetividade eacute para ele a categoria fundante do

ser que eacute por si constituiacutedo e suportado pela malha tecida por suas

determinaccedilotildees intriacutensecas possuindo atributos e modo de ser proacuteprios e existindo

independentemente de qualquer relaccedilatildeo com um sujeito

Para Marx o homem eacute uma forma especiacutefica de ser portanto objetivo

Dotado de forccedilas essenciais que tendem agrave objetividade estas se atualizam

apenas atraveacutes da relaccedilatildeo com outros seres Logo Marx natildeo parte do homem

como centro tampouco reduz tudo ao homem mas parte do homem como ser que

estabelece relaccedilotildees com a multiplicidade de seres que compotildeem seu entorno

incluindo-se aiacute os outros homens que constituem frente a cada indiviacuteduo

objetividades determinadas bem como objetos nos quais comprova suas forccedilas

essenciais

Dado sua especificidade ontoloacutegica o ser humano eacute necessariamente

levado a forjar suas condiccedilotildees de existecircncia a instituir a mundaneidade proacutepria a

31

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 32: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

si razatildeo pela qual atividade objetiva dos homens eacute o princiacutepio que engendra a

efetividade da vida humana Ou seja o mundo humano e a forma de existecircncia do

indiviacuteduos satildeo criaccedilatildeo objetiva dos proacuteprios indiviacuteduos e constituem o processo

histoacuterico do vir-a-ser homem do homem isto eacute o processo objetivo e subjetivo de

autoconstituiccedilatildeo do humano Chasin esclarece que Marx ao identificar ldquoatividade

humana como atividade objetivardquo articula ldquo lsquoatividade humana sensiacutevelrsquo praacutetica

com lsquoforma subjetivarsquo daccedilatildeo de forma pelo efetivadorrdquo o que ldquoreflete sua

simultaneidade em determinaccedilatildeo geral ndash praacutetica eacute daccedilatildeo de forma a primeira

conteacutem a segunda da mesma forma que esta implica a anterior uma vez que

efetivaccedilatildeo humana de alguma coisa eacute daccedilatildeo de forma humana agrave coisa bem como

soacute pode haver forma subjetiva sensivelmente efetivada em alguma coisa O que

instiga a novo passo analiacutetico fazendo emergir em determinaccedilatildeo mais detalhada

ou concreta uma distinccedilatildeo decisiva para que possa haver daccedilatildeo sensiacutevel de

forma o efetivador tem primeiro que dispor dela em si mesmo o que soacute pode

ocorrer sob configuraccedilatildeo ideal o que evidencia momentos distintos de um ato

unitaacuterio no qual pela mediaccedilatildeo da praacutetica objetividade e subjetividade satildeo

resgatadas de suas muacutetuas exterioridades ou seja uma transpassa ou transmigra

para a esfera da outra de tal modo que interioridade subjetiva e exterioridade

objetiva satildeo enlaccediladas e fundidas plasmando o universo da realidade humano-

societaacuteria - a decantaccedilatildeo de subjetividade objetivada ou o que eacute o mesmo de

objetividade subjetivada Eacute por conseguinte a plena afirmaccedilatildeo conjunta

enriquecida pela especificaccedilatildeo do atributo dinacircmico de cada uma delas da

subjetividade como atividade ideal e da objetividade como atividade real enquanto

momentos tiacutepicos e necessaacuterios do ser social cuja potecircncia se expressa pela

siacutentese delas enquanto construtor de si e de seu mundordquo[99] Esta determinaccedilatildeo

da atividade ineacutedita tanto quanto sabemos ateacute a elucidaccedilatildeo de Chasin elimina

qualquer possibilidade de se imputar ao pensamento marxiano caraacuteter objetivista

pois conquanto haja prioridade do objetivo em relaccedilatildeo ao subjetivo isto natildeo

elimina o fato de que a proacutepria objetividade possa se dar sob ldquoforma subjetivardquo

como eacute enunciado na Iordf Tese Ad Feuerbach

32

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 33: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

Eacute portanto a determinaccedilatildeo da atividade humana considerada tanto em

sua dimensatildeo correlativa e articuladora entre atividade ideal e atividade concreta

quanto em sua dimensatildeo efetivadora da objetividade humana que constitui a

pedra de toque da nova configuraccedilatildeo do pensamento marxiano e que orienta as

afirmaccedilotildees contidas em A Ideologia Alematilde Nesta obra de posse das novas

conquistas Marx inicia uma nova abordagem da filosofia especulativa dada a

feiccedilatildeo que esta toma no interior do pensamento neo-hegeliano denunciando a

inversatildeo ontoloacutegica entre consciecircncia e ser

Segundo Marx os neo-hegelianos exacerbam o caraacuteter especulativo da

filosofia hegeliana e partem de dupla mistificaccedilatildeo em primeiro lugar admitem a

dominaccedilatildeo das ideacuteias sobre mundo real e identificam os estranhamentos que

vitimam os homens a falsas representaccedilotildees produzidas pela consciecircncia Em

segundo lugar efetuam a criacutetica do real a partir da criacutetica da religiatildeo Assim os

ldquojovens hegelianos criticavam tudo introduzindo sorrateiramente representaccedilotildees

religiosas por baixo de tudo ou proclamando tudo como algo teoloacutegicordquo[100] ldquoO

domiacutenio da religiatildeo foi pressuposto E aos poucos declarou-se que toda relaccedilatildeo

dominante era uma relaccedilatildeo religiosa e se a converteu em culto culto do direito

culto do estado etc Por toda parte tratava-se apenas de dogmas e da crenccedila em

dogmas O mundo viu-se canonizado numa escala cada vez mais ampla ateacute que o

veneraacutevel Satildeo Max pocircde canonizaacute-lo en bloc e liquidaacute-lo de uma vez por todasrdquo[101]

Autonomizando a consciecircncia e considerando os produtos da consciecircncia

como os verdadeiros grilhotildees dos homens os neo-hegelianos buscam libertaacute-los

esclarecendo-os e ensinando-os a ldquosubstituir estas fantasias por pensamentos que

correspondam agrave essecircncia do homem diz um a comportar-se criticamente para

com elas diz um outro a expurgaacute-las do ceacuterebro diz um terceirordquo julgando que

com isso ldquoa realidade existente cairaacute por terrardquo (idem) dado que reduzem-na a

produto das representaccedilotildees da consciecircncia Lutando apenas contra as ilusotildees da

consciecircncia os neo-hegelianos segundo Marx tatildeo-somente interpretam

diferentemente o existente reconhecendo-o mediante outra interpretaccedilatildeo[102]

33

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 34: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

O importante a frisar eacute que Marx natildeo nega o caraacuteter ativo nem tampouco

o estranhamento da consciecircncia O que recusa eacute a substantivaccedilatildeo da consciecircncia

e a cisatildeo entre consciecircncia e mundo Os neo-hegelianos ao tomarem a

consciecircncia como sujeito desvinculam-na de sua base concreta e lutam tatildeo-

somente com ldquoas sombras da realidaderdquo[103] isto eacute com representaccedilotildees luta que

circunscrita ao acircmbito da consciecircncia natildeo altera em nada as fontes reais do

estranhamento as quais devem ser buscadas em seu substrato material e

superadas atraveacutes da derrocada praacutetica das contradiccedilotildees efetivamente existentes

Por isso ldquoA despeito de suas frases que supostamente lsquoabalam o mundorsquo os

ideoacutelogos da escola neo-hegeliana satildeo os maiores conservadoresrdquo pois ldquo natildeo

combatem de forma alguma o mundo real existenterdquo[104]

A refutaccedilatildeo marxiana ao caraacuteter autocircnomo e determinativo conferido agrave

consciecircncia fundamenta-se no princiacutepio que ldquoA consciecircncia jamais pode ser outra

coisa que o ser consciente e o ser dos homens eacute o seu processo de vida realrdquo[105]

Ou seja o solo originaacuterio da consciecircncia eacute o processo de produccedilatildeo e reproduccedilatildeo

dos meios de existecircncia humana o qual subentende uma relaccedilatildeo objetiva com a

natureza e com outros homens Como para Marx os conteuacutedos da consciecircncia

satildeo produtos do processo de vida real segue-se que ldquoestas representaccedilotildees satildeo a

expressatildeo consciente - real ou ilusoacuteria - de suas verdadeiras relaccedilotildees e atividades

de sua produccedilatildeo de seu intercacircmbio de sua organizaccedilatildeo poliacutetica e socialrdquo[106] De

modo que a consciecircncia eacute uma das forccedilas essenciais humanas Especificamente

eacute a faculdade que o homem tem de portar em si sob a forma de idealidades a

totalidade objetiva na qual estaacute inserido Portanto o modo de proceder ou seja a

atividade proacutepria da consciecircncia eacute a produccedilatildeo de idealidades poreacutem estas natildeo

advecircm da atividade pura da consciecircncia mas da produccedilatildeo concreta da vida Face

a este viacutenculo entre consciecircncia e produccedilatildeo da vida vale destacar a observaccedilatildeo

marxiana ldquoSe a expressatildeo consciente das relaccedilotildees reais destes indiviacuteduos eacute

ilusoacuteria se em suas representaccedilotildees potildeem a realidade de cabeccedila para baixo isto eacute

consequumlecircncia de seu modo de atividade material limitado e das suas relaccedilotildees

sociais limitadas que daiacute resultamrdquo[107] E ldquose em toda ideologia[108] os homens e

34

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 35: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

suas relaccedilotildees aparecem invertidos como numa cacircmara escura tal fenocircmeno

decorre de seu processo histoacuterico de vida do mesmo modo porque a inversatildeo dos

objetos na retina decorre de seu processo de vida puramente fiacutesicordquo[109] Assim

tanto quanto a consciecircncia tambeacutem seu estranhamento eacute derivado do modo de

produccedilatildeo da vida em outros termos a alienaccedilatildeo natildeo eacute resultado de contradiccedilotildees

que se datildeo puramente no niacutevel da consciecircncia como consideram os neo-

hegelianos mas resultado de contradiccedilotildees efetivamente existentes no mundo

objetivo Logo ldquoNatildeo eacute a consciecircncia que determina a vida mas a vida que

determina a consciecircnciardquo[110] Neste sentido os neo-hegelianos sucumbem a duplo

equiacutevoco invertem a determinaccedilatildeo entre consciecircncia e processo de vida real e

autonomizam a consciecircncia de suas relaccedilotildees com o que lhe eacute exterior

Marx distingue-se dos neo-hegelianos pois pelo fato de considerar a

consciecircncia como atributo especiacutefico de um ser e tambeacutem por natildeo partir ldquodaquilo

que os homens dizem imaginam ou representam tampouco dos homens

pensados imaginados e representadosrdquo[111] Seu ponto de partida satildeo os homens

realmente ativos e seu processo de vida real De modo que para ele produccedilotildees

espirituais como ldquoa moral a religiatildeo a metafiacutesica e qualquer outra ideologia assim

como as formas da consciecircncia que a elas correspondemrdquo natildeo tecircm histoacuteria nem

desenvolvimento autocircnomo ldquomas os homens ao desenvolverem sua produccedilatildeo

material e seu intercacircmbio material transformam tambeacutem com esta sua realidade

seu pensar e os produtos de seu pensarrdquo[112]

35

De sorte que para Marx a criacutetica do real natildeo se reduz agrave criacutetica da

consciecircncia isto eacute agrave criacutetica das representaccedilotildees mas ldquoconsiste em expor o

processo real de produccedilatildeo partindo da produccedilatildeo material da vida imediata e

em conceber a forma de intercacircmbio conectada a este modo de produccedilatildeo e por

ele engendrada (ou seja a sociedade civil em suas diferentes fases) como o

fundamento de toda a histoacuteria apresentando-a em sua accedilatildeo enquanto Estado e

explicando a partir dela [ a sociedade civil] o conjunto dos diversos produtos

teoacutericos e formas da consciecircncia - religiatildeo filosofia moral etcrdquo[113] Natildeo se trata

ldquocomo na concepccedilatildeo idealista da histoacuteria de procurar uma categoria em cada

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 36: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

periacuteodo mas sim de permanecer sempre sobre o solo da histoacuteria real natildeo de

explicar a praxis a partir da ideacuteia mas de explicar as formaccedilotildees ideoloacutegicas a

partir da praxis materialrdquo[114]

Disso decorre que ldquotodas as formas e todos os produtos da consciecircncia

natildeo podem ser dissolvidos por forccedila da criacutetica espiritual pela dissoluccedilatildeo na

lsquoautoconsciecircnciarsquo ou pela transformaccedilatildeo em lsquofantasmasrsquo lsquoespectrosrsquo lsquovisotildeesrsquo etc -

mas soacute podem ser dissolvidos pela derrocada praacutetica das relaccedilotildees reais de onde

emanam estas tapeaccedilotildees idealistasrdquo[115] as quais satildeo o ldquofundamento real que em

seus efeitos e influecircncias sobre o desenvolvimento dos homens natildeo eacute em nada

perturbado pelo fato destes filoacutesofos se rebelarem contra ele como

lsquoautoconsciecircnciarsquo e como o lsquoUacutenicorsquo rdquo[116]

Evidenciada a distinccedilatildeo entre o pensamento marxiano e a filosofia

especulativa em suas vertentes hegeliana e neo-hegeliana podemos passar agrave

criacutetica especiacutefica a Stirner salientando que esta tem como fim explicitar o caraacuteter

especulativo da anaacutelise stirneriana em relaccedilatildeo ao homem e ao mundo bem como

pocircr a descoberto o aspecto pseudo-revolucionaacuterio e o perfil conservador de suas

proposituras

IV1- O misteacuterio da construccedilatildeo stirneriana

A partir da posiccedilatildeo marxiana Stirner opera uma destituiccedilatildeo ontoloacutegica

tanto do mundo quanto do homem na medida em que os destitui de sua

objetividade

Reproduzindo a natureza geral do procedimento especulativo Stirner

atraveacutes de esquemas e truques loacutegicos traccedila ldquoum plano judicioso estabelecido

por toda eternidade afim de que o Uacutenico possa vir ao mundo no tempo

previstordquo[117] O momento inicial deste plano consiste primeiramente em isolar e

autonomizar o Eu determinando tudo o que natildeo se reduz a ele como o natildeo-Eu

36

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 37: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

como o que lhe eacute estranho Em seguida a relaccedilatildeo do Eu com o natildeo-Eu eacute

transformada em uma relaccedilatildeo de estranhamento o qual ganha sua expressatildeo

final na transformaccedilatildeo de tudo que existe independentemente do Eu em algo

sagrado isto eacute ldquona alienaccedilatildeo (Entfremdung) do Eu em relaccedilatildeo a alguma coisa

qualquer tomada como sagradordquo[118] Apoacutes reduzir a realidade e os indiviacuteduos a

uma abstraccedilatildeo inicia-se o segundo momento do plano traccedilado por Stirner ou seja

chega-se agrave fase da apropriaccedilatildeo pelo indiviacuteduo de tudo que anteriormente foi

posto como estranho a ele Chamando a atenccedilatildeo para o caraacuteter ilusoacuterio desta

apropriaccedilatildeo ldquoque sem duacutevida natildeo se encontra nos economistasrdquo[119] Marx aponta

que ela consiste pura e simplesmente na renuacutencia agrave representaccedilatildeo do sagrado a

partir da qual o indiviacuteduo assenhora-se do mundo tornando-o sua qualidade ou

propriedade

Em verdade aceitando ldquocom candura as ilusotildees da filosofia especulativa

que toma a expressatildeo ideoloacutegica especulativa da realidade como a proacutepria

realidade separada de sua base empiacutericardquo Stirner ldquocritica as condiccedilotildees reais

fazendo delas lsquoo sagradorsquo e as combate batendo-se contra a representaccedilatildeo

sagrada que haacute nelasrdquo[120] Isto porque supotildee ldquoque natildeo haacute relaccedilotildees a natildeo ser com

os pensamentos e com as representaccedilotildeesrdquo[121] Logo ldquoao inveacutes de tomar por

tarefa descrever os indiviacuteduos reais com seu estranhamento (Entfremdung) real e

as condiccedilotildees empiacutericas deste estranhamento (Entfremdung)rdquo[122] transforma ldquoos

conflitos praacuteticos ou seja conflitos dos indiviacuteduos com suas condiccedilotildees praacuteticas de

vida em conflitos ideais isto eacute em conflitos destes indiviacuteduos com as ideacuteias que

eles fazem ou potildeem na cabeccedilardquo[123] De modo que para Stirner ldquonatildeo se trata mais

de suprimir (aufheben) praticamente o conflito praacutetico mas simplesmente

renunciar agrave ideacuteia de conflito renuacutencia agrave qual como bom moralista que eacute ele

convida os indiviacuteduos de maneira prementerdquo[124]

37

No entanto diz Marx apesar dos ldquodiversos truques loacutegicos que Satildeo

Sancho utiliza para canonizar e precisamente por esse meio criticar e devorar o

mundo existenterdquo ele ldquoapenas devora o sagrado sem tocar em nada propriamente

do mundo Portanto naturalmente sua conduta praacutetica soacute pode ser conservadora

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 38: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

Se ele quisesse realmente criticar a criacutetica profana comeccedilaria justamente laacute onde

cai a pretendida aureacuteola sagradardquo[125]

Marx rechaccedila pois a reduccedilatildeo stirneriana da realidade agrave subjetividade e o

consequumlente descarte da objetividade bem como a reduccedilatildeo de todo processo

objetivo e toda relaccedilatildeo objetiva que determinam objetivamente a subjetividade a

uma representaccedilatildeo Ademais critica o fato de Stirner da mesma forma que

prescinde de determinar o fundamento concreto da existecircncia dos homens de seu

mundo e de suas representaccedilotildees prescindir igualmente de determinar o

fundamento concreto da alienaccedilatildeo abstraindo a alienaccedilatildeo efetiva ao converter os

estranhamentos reais em falsas representaccedilotildees De modo que o nuacutecleo da

refutaccedilatildeo marxiana se deve ao reconhecimento por Stirner da realidade pura e

simples das ideacuteias motivo pelo qual aborda o real a partir de representaccedilotildees

supostas por sua vez como produtos de uma consciecircncia incondicionada Tal

reconhecimento ressalta para Marx o caraacuteter acriacutetico do pensamento stirneriano

dado que lhe permite abster-se de indagar sobre a origem das representaccedilotildees

limitando sua superaccedilatildeo agrave transformaccedilatildeo da consciecircncia no sentido de que

mudando-se as ideacuteias muda-se a realidade Aplica-se portanto a Stirner a

observaccedilatildeo que Marx faz a respeito de Hegel ldquoa superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo eacute

identificada com a superaccedilatildeo da objetividaderdquo e a ldquosuperaccedilatildeo do objeto

representado do objeto como objeto da consciecircncia eacute identificada com a

superaccedilatildeo objetiva real com a accedilatildeo sensiacutevel distinta do pensamento com a

praxis e com a atividade realrdquo[126]

38

Quanto ao indiviacuteduo stirneriano Marx aponta que ele natildeo corresponde a

nenhum indiviacuteduo real pois natildeo eacute ldquo lsquocorporalrsquo nascido da carne de um homem e

de uma mulher [mas] eacute um lsquoEursquo engendrado por duas categorias lsquoidealismorsquo e

lsquorealismorsquo cuja existecircncia eacute puramente especulativardquo[127] Abordando a vida

somente numa perspectiva ideoloacutegica Stirner reduz o indiviacuteduo agrave consciecircncia

limita sua atividade agrave produccedilatildeo de representaccedilotildees e identifica o desenvolvimento

individual ao que atribui ser o desenvolvimento da consciecircncia tomada como algo

absolutamente incondicionado que entreteacutem relaccedilatildeo apenas consigo mesma

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 39: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

Para Marx jaacute mostramos o indiviacuteduo eacute objetivamente ativo e a consciecircncia se

desenvolve na relaccedilatildeo objetiva que os indiviacuteduos entretecircm com o que lhes eacute

exterior - o mundo e os outros homens - de modo que seu desenvolvimento estaacute

diretamente ligado agravequele das condiccedilotildees de existecircncia Outrossim isolando e

singularizando o desenvolvimento dos indiviacuteduos e ldquoNatildeo levando em consideraccedilatildeo

a vida fiacutesica e social natildeo falando jamais da lsquovidarsquo em geral Satildeo Max consequumlente

consigo mesmo abstrai as eacutepocas histoacutericas a nacionalidade a classe etc

rdquo[128] vale dizer abstrai as particularidades que medeiam o processo de

desenvolvimento das individualidades

Em relaccedilatildeo agrave histoacuteria tambeacutem abordada sob uma perspectiva ideoloacutegico-

especulativa Marx observa que Stirner apresentando uma mera variante da loacutegica

que orienta o desenvolvimento individual ao abstrair as transformaccedilotildees objetivas

que determinam o desenvolvimento histoacuterico oferece um claro exemplo da

concepccedilatildeo alematilde da filosofia da histoacuteria na qual ldquoa ideacuteia especulativa a

representaccedilatildeo abstrata torna-se o motor da histoacuteria de modo que a histoacuteria eacute

reduzida agrave histoacuteria da filosofia Novamente seu desenvolvimento natildeo eacute concebido

conforme as fontes existentes e tampouco como o resultado da accedilatildeo das relaccedilotildees

histoacutericas reais mas apenas segundo a concepccedilatildeo exposta pelos filoacutesofos

alematildees modernos particularmente Hegel e Feuerbach E mesmo destas

exposiccedilotildees natildeo se reteacutem senatildeo os elementos uacuteteis para o fim proposto e que a

tradiccedilatildeo fornece a nosso santo Assim a histoacuteria se reduz a uma histoacuteria das ideacuteias

tais quais satildeo imaginadas a uma histoacuteria de espiacuteritos e de fantasmas e soacute se

explora a histoacuteria real e empiacuterica fundamento desta histoacuteria de fantasmas para

que ela lhes forneccedila um corpordquo[129] Omitindo completamente a base real da histoacuteria

excluindo da histoacuteria a relaccedilatildeo dos homens com a natureza Stirner compartilha da

ilusatildeo de cada eacutepoca histoacuterica transformando a representaccedilatildeo que ldquohomens

determinados fizeram de sua praxis real na uacutenica forccedila determinante e ativa

que domina e determina a praxis desses homens De modo mais consistente

ao sagrado Max Stirner que nada sabe da histoacuteria real o curso da histoacuteria aparece

como um simples conto de lsquocavaleirosrsquo bandidos e fantasmas de cujas visotildees soacute

39

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

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Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

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Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

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conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

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determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 40: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

consegue naturalmente se salvar pela lsquodessacralizaccedilatildeorsquordquo[130] o que natildeo significa

desfazer-se das representaccedilotildees sobre o real a partir da delucidaccedilatildeo do real como

algo em si mas em negar pura e simplesmente o caraacuteter sagrado atribuiacutedo agraves

representaccedilotildees De modo que devido agrave absoluta desconsideraccedilatildeo pela realidade

Stirner eacute para Marx o mais especulativo dos filoacutesofos especulativos

IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo

A critica marxiana a Stirner natildeo eacute um ataque agrave individualidade Marx natildeo

se dedica a demolir seu pensamento porque nele se encontra a defesa

intransigente da soberania do indiviacuteduo mas sim porque nele a forma de ser do

ser social - o indiviacuteduo - acha-se transformada em uma fantasmagoria em uma

abstraccedilatildeo

Stirner parte da suposiccedilatildeo de que o indiviacuteduo possa existir livre de

qualquer condiccedilatildeo preacutevia que natildeo seja si mesmo e se desenvolver em um mundo

do qual seja o centro Marx ao contraacuterio afirma ldquoque o desenvolvimento de um

indiviacuteduo eacute condicionado pelo desenvolvimento de todos os outros com os quais

se encontra em relaccedilotildees diretas ou indiretasrdquo de modo que ldquoa histoacuteria de um

indiviacuteduo singular natildeo pode em caso algum ser isolada da histoacuteria dos indiviacuteduos

que o precederam ou satildeo seus contemporacircneos ao contraacuterio sua histoacuteria eacute

determinada pela delesrdquo[131] Em outros termos o indiviacuteduo real existe ldquono quadro

de condiccedilotildees existentes no mundo realrdquo[132] as quais constituem suas premissas

Assim o desenvolvimento individual eacute determinado previamente pelo

desenvolvimento social

40

Para Marx a sociabilidade eacute a substacircncia constitutiva do homem cuja

essecircncia ldquonatildeo eacute uma abstraccedilatildeo inerente ao indiviacuteduo singular Em sua realidade

eacute o conjunto das relaccedilotildees sociaisrdquo (VI tese Ad Feuerbach) Indicando que

ldquodeve-se evitar antes de tudo fixar a lsquosociedadersquo como outra abstraccedilatildeo frente ao

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 41: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

indiviacuteduordquo[133] Marx afirma categoricamente ldquoO indiviacuteduo eacute o ser socialrdquo e o

homem ldquo - por mais que seja um indiviacuteduo particular e justamente eacute sua

particularidade que faz dele um indiviacuteduo e um ser social individual efetivo - eacute

na mesma medida a totalidade a totalidade ideal o modo de existecircncia

subjetivo da sociedade pensada e sentida para si do mesmo modo que

tambeacutem na efetividade ele existe tanto como intuiccedilatildeo e gozo efetivo do modo de

existecircncia social quanto como uma totalidade de exteriorizaccedilatildeo de vida

humanardquo[134] Ou seja para Marx a sociedade forma especiacutefica que assume a

sociabilidade humana eacute o meio no qual e a partir do qual as individualidades se

realizam eacute a esfera decisiva para a efetivaccedilatildeo da individualidade isto eacute para a

confirmaccedilatildeo e potencializaccedilatildeo de suas forccedilas essenciais Produto da atividade

apropriadora de mundo dos indiviacuteduos o conjunto da objetividade social ao

mesmo tempo em que eacute posto por via da interatividade social dos homens

define o quadro no qual se inscrevem as possibilidades os meios e modos de

objetivaccedilatildeo daqueles Assim o que caracteriza o ser especiacutefico do homem eacute o

fato de que este no confronto com a mundaneidade objetiva atraveacutes de sua

atividade social e das formas concretas de sociabilidade produz atualiza e

reproduz suas determinaccedilotildees ontoloacutegicas fundamentais suas forccedilas essenciais

incluindo-se aiacute a consciecircncia Em Marx portanto as determinaccedilotildees da

individualidade satildeo dadas a partir do desenvolvimento histoacuterico-social da

interatividade dos indiviacuteduos Logo contrariamente a Stirner em que o

desenvolvimento do indiviacuteduo eacute um evolver subjetivo e singular em Marx

refere-se ao evolver objetivo das individualidades que eacute simultaneamente

subjetivo e social Face a isso o indiviacuteduo singular natildeo eacute uma pura

singularidade mas uma forma singular sob a qual se manifesta a totalidade

humano-social

Dado que o indiviacuteduo eacute a siacutentese de suas relaccedilotildees sociais as quais por

sua vez satildeo produtos do processo de objetivaccedilatildeo geneacuterica do mundo humano

segue-se que a determinaccedilatildeo do caraacuteter da individualidade natildeo pode se dar em

separado da determinaccedilatildeo do caraacuteter da sociedade tampouco a anaacutelise da

41

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 42: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

constituiccedilatildeo da individualidade pode ser destacada da anaacutelise da constituiccedilatildeo da

sociedade Por isso em contraposiccedilatildeo a Stirner Marx afirma que ldquoos homens

longe de quererem formar uma sociedade sempre a deixaram se desenvolver

isto por sempre terem querido se desenvolver enquanto seres individuais Eacute esta a

razatildeo porque soacute conseguiram se desenvolver na e pela sociedade Soacute um santo

da qualidade de nosso Sancho [Stirner] pode ter a ideacuteia de separar o

desenvolvimento lsquodos homensrsquo do desenvolvimento da lsquosociedadersquo na qual estes

homens vivemrdquo[135] A cisatildeo operada por Stirner decorre do fato de abordar a

individualidade sob o ponto de vista do indiviacuteduo isolado o que necessariamente

engendra a oposiccedilatildeo entre ambos ao contraacuterio de Marx considera que a

sociedade tem existecircncia autocircnoma em relaccedilatildeo agrave existecircncia dos indiviacuteduos razatildeo

pela qual a efetivaccedilatildeo das individualidades soacute pode se dar a partir da negaccedilatildeo da

sociedade

Neste sentido enquanto para Marx a essecircncia da individualidade eacute

produto histoacuterico-social dada pela relaccedilatildeo entre os indiviacuteduos para Stirner ao

inveacutes eacute natural uma vez que o egoiacutesmo manifesta-se desde o primeiro instante

da existecircncia do indiviacuteduo cujo desenvolvimento se consuma na tomada de

consciecircncia na aceitaccedilatildeo de si como egoidade Assim para Stirner o indiviacuteduo eacute

criador de seu proacuteprio mundo ao passo que para Marx satildeo os indiviacuteduos em sua

interatividade objetiva que se fazem uns aos outros

42

Cabe ressaltar no que diz respeito ao processo de objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos que diferentemente de Stirner os produtos da atividade humana

para Marx constituem objetos para o proacuteprio homem Ou seja os homens na

produccedilatildeo de seus meios de existecircncia potildeem coisas que tecircm efetividade e

autonomia em relaccedilatildeo a eles De per se isto natildeo constitui uma negatividade

Simplesmente aponta para o fato de que cada coisa produzida possui sua

loacutegica proacutepria que a torna o que eacute De sorte que os produtos da objetivaccedilatildeo dos

indiviacuteduos estatildeo em relaccedilatildeo com a subjetividade daqueles do uacutenico modo que

lhes eacute possiacutevel como objetos da necessidade do carecimento e das relaccedilotildees

de produccedilatildeo Ou seja sempre a partir das suas propriedades imanentes que

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 43: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

depois de postas vigem por si mesmas natildeo podendo ser pois reabsorvida

pela subjetividade Portanto para Marx objetivaccedilatildeo natildeo implica

necessariamente em estranhamento como para Stirner O estranhamento se

daacute para Marx em funccedilatildeo do modo de organizaccedilatildeo da produccedilatildeo

No curso do desenvolvimento histoacuterico o processo de emancipaccedilatildeo dos

homens - emancipaccedilatildeo que significa a libertaccedilatildeo tanto das formas da

naturalidade quanto dos modos restritos de interatividade e sociabilidade -

segundo Marx se daacute em um quadro de antagonismos entre dominantes e

dominados em funccedilatildeo da vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho ldquoexpressotildees idecircnticas [em que] a primeira enuncia em relaccedilatildeo agrave

atividade aquilo que se enuncia na segunda em relaccedilatildeo ao produto da

atividaderdquo[136] Isto engendrou e engendra de modo cada vez mais crescente a

subordinaccedilatildeo dos produtores agrave loacutegica da produccedilatildeo Por sua vez com a divisatildeo

social do trabalho emerge ldquoao mesmo tempo a contradiccedilatildeo entre o interesse do

indiviacuteduo e o interesse coletivo de todos os indiviacuteduos que se relacionam entre

si rdquo[137] E face a esta cisatildeo entre o interesse particular e o interesse geral os

produtos da objetivaccedilatildeo humana aparecem aos homens como potecircncias

estranhas que os dominam Daiacute a sociedade aparecer frente ao indiviacuteduo

singular como um poder que o restringe e o tolhe impedindo-o de ser ele

proacuteprio

43

Marx aponta que Stirner apreende tal contradiccedilatildeo mas procedendo

especulativamente autonomiza os indiviacuteduos em relaccedilatildeo agrave sociedade e tomando-

os como indiviacuteduos isolados universaliza o antagonismo existente entre as

classes sociais oriundas da evoluccedilatildeo histoacuterica da produccedilatildeo apreendendo-o como

um antagonismo ineliminaacutevel entre indiviacuteduo e sociedade Outrossim transforma

os interesses de uma determinada classe interesses da sociedade identificando o

direito como a vontade da sociedade em contraposiccedilatildeo agrave vontade do indiviacuteduo

e abstraindo a relaccedilatildeo existente entre propriedade e direito Chamando a atenccedilatildeo

para o fato de que o direito natildeo eacute como pensa Stirner resultado da vontade

autocircnoma da sociedade exercida atraveacutes do Estado Marx argumenta que ldquo o

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 44: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

direito a lei etc satildeo apenas o sintoma a expressatildeo de outras relaccedilotildees sobre as

quais repousa a potecircncia do Estado A vida material dos indiviacuteduos que natildeo

depende absolutamente da lsquovontadersquo seu modo de produccedilatildeo e suas formas de

troca que se condicionam reciprocamente satildeo a base real do Estado e

permanecem em todos os estaacutegios onde ainda satildeo necessaacuterios a divisatildeo do

trabalho e a propriedade privada totalmente independente da vontade dos

indiviacuteduos Os indiviacuteduos que exercem o poder nestas condiccedilotildees natildeo podem

portanto abstraccedilatildeo feita de que seu poder deve se constituir em Estado senatildeo

dar agrave sua vontade determinada por estas condiccedilotildees precisas a expressatildeo geral

de uma vontade de Estado de uma lei Natildeo depende de sua vontade idealista

de seu prazer que seu corpo tenha peso ou natildeo natildeo depende mais deles impor

sua proacutepria vontade sob forma de lei ou de natildeo o fazer e de afirmaacute-la ao mesmo

tempo independente do prazer pessoal de cada um deles tomado

individualmente Sua dominaccedilatildeo pessoal pode apenas se constituir ao mesmo

tempo como dominaccedilatildeo meacutedia Sua dominaccedilatildeo pessoal repousa sobre condiccedilotildees

de existecircncia que satildeo comuns a um grande nuacutemero entre eles e dos quais tecircm

eles as pessoas do poder que assegurar a persistecircncia contra outros modos de

vida e afirmar como vaacutelidas para a generalidaderdquo[138]

A despeito do que julga Stirner em razatildeo do caraacuteter que tomou a

sociabilidade o interesse particular tornou-se interesse social Neste sentido eacute

ldquojustamente o triunfo dos indiviacuteduos independentes uns dos outros e de sua

vontade pessoal triunfo que sobre esta base soacute pode ser egoiacutesta quanto a seu

comportamento social que torna necessaacuteria a negaccedilatildeo de si na lei e no direito A

abnegaccedilatildeo eacute em realidade a exceccedilatildeo enquanto que a afirmaccedilatildeo do interesse

pessoal eacute a regra geral (porque eles natildeo vecircem nisto uma negaccedilatildeo de si o que soacute

o lsquoegoiacutesta de acordo consigo mesmorsquo pode ver) O mesmo vale para as classes

dominadas natildeo depende mais de sua vontade que existam lei ou Estado

Enquanto por exemplo as forccedilas produtivas natildeo atingirem o ponto de

desenvolvimento que torne supeacuterflua a concorrecircncia seraacute impossiacutevel para as

classes dominadas querer ter a lsquovontadersquo de abolir a concorrecircncia e com ela o

44

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 45: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

Estado e a lei De resto esta lsquovontadersquo antes que as condiccedilotildees sociais a possam

produzir realmente soacute existe na imaginaccedilatildeo dos ideoacutelogosrdquo[139] Portanto o direito

eacute uma ldquovontaderdquo objetivamente determinada pela dinacircmica da produccedilatildeo - que

pode ateacute mesmo ser contraacuteria agraves voliccedilotildees puramente individuais - a partir da qual

um conjunto de indiviacuteduos em virtude de deterem os meios de produccedilatildeo da vida

satildeo necessariamente levados a impor sua dominaccedilatildeo e seus interesses comuns agrave

totalidade da sociedade Esta inevitaacutevel objetivaccedilatildeo do comportamento individual

em comportamento social produto de ldquoum processo histoacuterico que toma diferentes

formas nos diferentes estaacutegios da evoluccedilatildeo formas sempre mais acentuadas e

mais universaisrdquo[140] decorre do fato de que os indiviacuteduos para se desenvolverem

satildeo necessariamente levados a estabelecer relaccedilotildees entre si ldquonatildeo como Eus

puros mas como indiviacuteduos que chegaram a um estaacutegio determinado do

desenvolvimento de suas forccedilas produtivas e de suas necessidadesrdquo[141]

Em verdade Stirner ldquoquer ou antes acredita querer que as relaccedilotildees

entre os indiviacuteduos se situem sobre um plano puramente pessoal que seu

comeacutercio natildeo tenha um terceiro como intermediaacuterio um elemento material Aqui

este terceiro eacute o lsquoelemento particularrsquo dito de outro modo a situaccedilatildeo reciacuteproca

dos indiviacuteduos determinada pelas condiccedilotildees sociais atuais Sancho por exemplo

natildeo quer que dois indiviacuteduos estejam lsquoem oposiccedilatildeorsquo enquanto bourgeois e

proletaacuterio ele protesta contra este lsquoelemento particularrsquo que lsquodaacute uma vantagemrsquo ao

bourgeois sobre o proletaacuterio Ele queria fazecirc-los entrar em relaccedilatildeo puramente

pessoal fazecirc-los simples indiviacuteduos que mantecircm relaccedilotildees entre sirdquo[142] Entretanto

salienta Marx ldquoEle natildeo reflete que no quadro da divisatildeo do trabalho as relaccedilotildees

pessoais evoluem de maneira necessaacuteria e inevitaacutevel em direccedilatildeo agraves relaccedilotildees de

classe e se cristaliza como relaccedilotildees de classe toda sua verborragia se reduz por

consequumlecircncia a um voto piedoso que ele imagina realizar exortando os indiviacuteduos

que fazem parte destas classes a tirar da cabeccedila a noccedilatildeo de sua lsquooposiccedilatildeorsquo ou de

seu lsquoprivileacutegiorsquo lsquoparticularrsquordquo[143]

45

Marx ressalta ainda que embora Stirner queira abolir o caraacuteter autocircnomo

das condiccedilotildees existentes em relaccedilatildeo aos indiviacuteduos sua criacutetica agraves relaccedilotildees

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 46: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

sociais se reduz tatildeo-somente a uma interpretaccedilatildeo que as conserva e justifica A

feiccedilatildeo conservadora e em certos aspectos retroacutegrada das proposituras stirnerianas

se evidencia para Marx a partir do exame da associaccedilatildeo dos egoiacutestas uma vez

que nesta manteacutem-se a propriedade privada a divisatildeo do trabalho o dinheiro

tudo isso justificado com o devido tratamento especulativo Natildeo levando em

consideraccedilatildeo o caraacuteter restritivo que as condiccedilotildees e estruturas sociais vigentes

impotildeem aos indiviacuteduos Stirner natildeo apreende as potencialidades humanas como

resultantes do patamar de humanidade atingido em momentos determinados do

desenvolvimento social em funccedilatildeo da apropriaccedilatildeo objetiva e subjetiva propiciada

pelo avanccedilo das forccedilas produtivas Considera-as como algo imutaacutevel

naturalmente dado Neste sentido ao afirmar que os indiviacuteduos satildeo tatildeo-somente

aquilo que podem ser independentemente das circunstacircncias Stirner diz Marx

considera como determinaccedilatildeo natural do gecircnero o que eacute consequumlecircncia da divisatildeo

do trabalho

Marx acentua outrossim que a expressatildeo do modo de vida burguecircs se

evidencia nas relaccedilotildees de utilidade que garantem a harmonia da associaccedilatildeo

Segundo ele ldquoesta aparente tolice que consiste em reduzir as muacuteltiplas relaccedilotildees

que os homens tecircm entre si a essa relaccedilatildeo uacutenica de utilizaccedilatildeo possiacutevel esta

abstraccedilatildeo de aparecircncia metafiacutesica tem como ponto de partida o fato de na

sociedade burguesa moderna todas as relaccedilotildees serem praticamente subordinadas

e reduzidas agrave simples relaccedilatildeo monetaacuteria abstrata agrave relaccedilatildeo de troca No caso

presente a relaccedilatildeo de utilidade tem um sentido totalmente preciso significa que

eu tiro proveito do prejuiacutezo que causo a outro (exploitation de lrsquohomme par

lrsquohomme)rdquo[144]

46

Por outro lado Marx potildee em relevo a inocuidade do pensamento de

Stirner analisando a revolta e sua contraposiccedilatildeo agrave revoluccedilatildeo Em suas palavras ldquoa

diferenccedila que separa a revoluccedilatildeo da revolta segundo Stirner natildeo eacute que uma

seja um ato poliacutetico e social e que a outra seja um ato egoiacutesta mas ao contraacuterio

que uma eacute um ato e a outra natildeo Se ele estivesse preocupado com os

indiviacuteduos reais existentes em toda revoluccedilatildeo bem como suas condiccedilotildees de

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 47: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

existecircncia em lugar de se contentar com o Eu em estado puro e com a lsquoordem

estabelecidarsquo teria talvez acabado por compreender que toda revoluccedilatildeo tanto

quanto os resultados aos quais chega satildeo determinados por estas condiccedilotildees de

existecircncia dos indiviacuteduos por suas necessidades e que natildeo haacute nenhuma

oposiccedilatildeo entre o lsquoato poliacutetico ou socialrsquo e lsquoo ato egoiacutestarsquordquo[145] Aleacutem do mais aponta

Marx ldquonem sequer eacute bafejado pela ideacuteia de que a lsquosituaccedilatildeorsquo foi sempre

precisamente a situaccedilatildeo destes homens e que nunca foi possiacutevel transformaacute-la

sem que os proacuteprios homens se transformassem e que para chegarem a isso

tivessem ficado lsquodescontentes consigo mesmosrsquo na sua situaccedilatildeo anteriorrdquo[146]

(idem) Reflete enfim ldquoa velha ilusatildeo segundo a qual depende apenas da boa

vontade das pessoas para que as condiccedilotildees existentes consideradas como ideacuteias

sejam transformadas Querer transformar a consciecircncia uma consciecircncia

separada das condiccedilotildees reais isto do que os filoacutesofos fazem uma profissatildeo isto eacute

um negoacutecio eis ainda um produto um elemento constitutivo destas condiccedilotildees

existentes Elevar-se como ideacuteia acima do mundo eacute a expressatildeo ideoloacutegica da

impotecircncia dos filoacutesofos frente ao mundo Sua jactacircncia ideoloacutegica eacute desmentida

todos os dias pela praacuteticardquo[147] A revolta stirneriana eacute pois para Marx um ato

reacionaacuterio e tatildeo-somente exprime a impotecircncia do indiviacuteduo que oprimido e

alienado por forccedila de relaccedilotildees sociais existentes consola-se em as abolir no

acircmbito de sua consciecircncia e se ilude com um pseudo domiacutenio de si ao inveacutes de

buscar a transformaccedilatildeo destas relaccedilotildees

Tambeacutem para Marx a libertaccedilatildeo dos indiviacuteduos de todas as formas de

limitaccedilotildees significa a reapropriaccedilatildeo de suas forccedilas individuais No entanto a

superaccedilatildeo da alienaccedilatildeo isto eacute a superaccedilatildeo do estranhamento dos indiviacuteduos

frente a uma objetividade estranhada requer a superaccedilatildeo praacutetica das

circunstacircncias que demandam a vigecircncia da propriedade privada e da divisatildeo do

trabalho A partir disso os produtores poderatildeo controlar conscientemente os

poderes que ldquoengendrados pela accedilatildeo reciacuteproca dos homens impuseram-se a eles

como poderes totalmente estranhosrdquo[148] Haacute que pocircr em relevo que natildeo se trata

de uma dissoluccedilatildeo da objetividade pelo sujeito tampouco uma reabsorccedilatildeo de

47

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 48: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

conteuacutedos da consciecircncia como em Stirner mas a reapropriaccedilatildeo pelos

indiviacuteduos de suas forccedilas essenciais

De modo que conclui Marx ldquoA lsquounicidadersquo tomada no sentido de

desenvolvimento original e de comportamento individual pressupotildee portanto

bem mais que a boa vontade e uma justa consciecircncia das coisas ela pressupotildee

precisamente o contraacuterio das bobagens de Sancho Nele natildeo passa de um

embelezamento das condiccedilotildees existentes uma pequena gota de baacutelsamo para

consolar esta pobre alma impotente que um mundo miseraacutevel tornou

miseraacutevelrdquo[149]

Em outros termos Stirner acolhe acriacutetica e especulativamente em suas

feiccedilotildees mais aparentes as manifestaccedilotildees estranhadas de um momento histoacuterico

particular da individuaccedilatildeo humana e transmutando-as em essecircncia da

individualidade trata-as como atributos eternos Assim procedendo erige como

individualidade um ente que empobrecido e constrangido pelas condiccedilotildees

objetivas engendradas no curso contraditoacuterio da interatividade social pode

somente se comprazer com a ilusatildeo de uma potecircncia imaginaacuteria sobre si e sobre

o mundo

V- Sobre as interpretaccedilotildees do confronto Marx e Stirner

48

Ao longo deste trabalho buscamos enfatizar que distinccedilatildeo entre Stirner e

Marx se coloca no plano ontoloacutegico Trata-se propriamente da distinccedilatildeo entre

ldquouma concepccedilatildeo de mundo calibrada por uma filosofia da autoconsciecircncia

enervada pela contradiccedilatildeo entre essecircncia e existecircnciardquo e ldquouma ontologia na qual o

ser soacute eacute reconhecido pela identificaccedilatildeo agrave objetividade em especial agrave objetividade

social rdquo[150] Ao nosso ver a estes que iremos mencionar escapa tal percepccedilatildeo

o que daacute lugar a interpretaccedilotildees parciais e equivocadas no que se refere a Stirner e

principalmente no tocante a Marx Em verdade todos o analisam a partir de um

prisma poliacutetico natildeo levando em conta o objeto ao qual se dedica no periacuteodo em

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 49: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

que redige A Ideologia Alematilde a criacutetica da filosofia especulativa especificamente

nesta obra a filosofia especulativa de talhe neo-hegeliano

Auguste Cornu e Mario Rossi comentadores situados no campo do

marxismo em suas abordagens acerca de A Ideologia Alematilde muito embora

produzam apresentaccedilotildees que pretendem aclarar as determinaccedilotildees mais

fundamentais da criacutetica a Stirner oferecem leituras que julgamos comprometem

tanto a compreensatildeo do pensamento de Marx quanto de Stirner

No que diz respeito a Marx tais inteacuterpretes identificam seu pensamento

sob o roacutetulo de ldquomaterialismo histoacutericordquo - termo que aliaacutes natildeo comparece no texto

marxiano- o qual eacute entendido como um instrumento teoacuterico que ele utiliza para

chegar ao comunismo Concebendo este uacuteltimo como fim necessaacuterio do

movimento histoacuterico momento de resoluccedilatildeo redentor da luta de classe acabam

por efetuar uma ligaccedilatildeo confusa entre o pensamento marxiano e a praacutetica

revolucionaacuteria do proletariado

Para Auguste Cornu ldquoeles [Marx e Engels] estabelecem de uma maneira

mais sistemaacutetica e mais geral os princiacutepios do materialismo histoacuterico e do

socialismo cientiacutefico como fundamentos teoacutericos da luta classe do proletariado e

fazem uma aplicaccedilatildeo magistral na criacutetica da filosofia especulativa e do socialismo

utoacutepicordquo[151] Quanto a Mario Rossi discutindo a evoluccedilatildeo do pensamento

marxiano em direccedilatildeo agrave concepccedilatildeo materialista afirma que ldquoa nova concepccedilatildeo que

se delineia agora na mente de Marx e Engels e que encontra em rsquoA Ideologia

Alematilde sua primeira formulaccedilatildeo rigorosa natildeo quer substituir ideologia por ideologia

Ela deve pocircr-se a si mesma em uma relaccedilatildeo orgacircnica com as condiccedilotildees de sorte

que por um lado se reconheccedila como resultado de um movimento da histoacuteria e da

histoacuteria da produccedilatildeo humana e por outro se concentre como forccedila de contra-

condicionamento das coisas como motor da accedilatildeo revolucionaacuteriardquo[152]

Enfatizando o caraacuteter determinante da atividade material em relaccedilatildeo agrave

consciecircncia e agrave estrutura social Cornu e Rossi demonstram natildeo compreender a

49

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 50: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

determinaccedilatildeo marxiana da atividade sensiacutevel como ldquoforma subjetivardquo separando o

desenvolvimento das forccedilas produtivas do desenvolvimento das relaccedilotildees sociais e

das formas de consciecircncia natildeo percebendo que se trata de momentos de um

mesmo processo Assim sendo natildeo percebem que Marx identifica na proacutepria

atividade dos indiviacuteduos o princiacutepio efetivador da mundaneidade humana o

caraacuteter essencial objetivador do homem nem tampouco a particular

contraditoriedade que caracterizou a marcha do desenvolvimento das formas de

interatividade sob a eacutegide da propriedade privada o fato daquele desenvolvimento

ter-se dado num quadro de cisatildeo e de antagonismos os quais restringem a

manifestaccedilatildeo do ser geneacuterico dos indiviacuteduos Por isso o comunismo aparece

quase sempre como um telos ao qual a realidade deve tender e natildeo enquanto um

modo histoacuterico-social no qual - ultrapassados os entraves da propriedade privada

a partir das possibilidades dadas na proacutepria realidade - a cooperaccedilatildeo dos

indiviacuteduos dar-se-ia livremente natildeo mais de modo coercitivo mas de uma

maneira voluntaacuteria[153]

No que tange propriamente agrave criacutetica de Marx a Stirner ambos a

relacionam com a ldquoconcepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo Mario Rossi considera que

se trata de um ldquocacircnon interpretativo da histoacuteriardquo [154] e afirma que a empresa criacutetica

de Marx ldquocontrapotildee ao individualismo de Stirner pura e simplesmente mas

tambeacutem rigorosamente a concepccedilatildeo materialista da histoacuteriardquo[155] Ambos

demonstram natildeo perceber a questatildeo de fundo das proposituras de Stirner ou seja

a afirmaccedilatildeo da individualidade contra a objetividade e por via de consequumlecircncia

natildeo percebem o nuacutecleo da refutaccedilatildeo marxiana Enfim natildeo apreendem que a

oposiccedilatildeo de Marx a Stirner se encontra matrizada pelo problema fundamental da

compreensatildeo das determinaccedilotildees essenciais do desenvolvimento da

individualidade humana do ser social dos homens

50

No que se refere agrave questatildeo ontoloacutegica do pensamento stirneriano Giorgio

Penzo eacute o uacutenico que a refere Segundo ele ldquoo nuacutecleo do filosofar stirneriano

consiste em evidenciar a relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[156] apontando que esta

relaccedilatildeo se daacute ldquono niacutevel existencial e de certo modo tambeacutem no niacutevel ontoloacutegico

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 51: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

uma vez que denota a essecircncia proacutepria do homem como uacutenico que procura

superar continuamente o momento de dependecircncia do sujeito em relaccedilatildeo ao

objetordquo[157] No entanto apontando que Marx natildeo compreendeu ldquoa dimensatildeo

ontoloacutegica da revolta que se exprime apenas em uma dimensatildeo existencial na

temaacutetica da relaccedilatildeo entre sujeito e objetordquo[158] Penzo potildee como centro da criacutetica

marxiana a refutaccedilatildeo agrave revolta afirmando que Marx se limita a ldquocontrapor o

momento histoacuterico da revoluccedilatildeo agravequele da revolta que em sua opiniatildeo seria

fantaacutestica e ainda idealistardquo[159] Penzo tambeacutem natildeo percebe que o ponto

determinante da criacutetica de Marx eacute exatamente a premissa baacutesica sobre a qual se

ergue a revolta stirneriana que vem a ser a dissoluccedilatildeo da objetividade Neste

sentido julgamos que eacute propriamente ele quem natildeo compreende a dimensatildeo

ontoloacutegica do pensamento e da criacutetica de Marx

Por fim cabe uma anaacutelise mais detalhada sobre o uacutenico estudo brasileiro

que localizamos sobre o assunto efetuado por Joseacute Crisoacutestomo de Souza A

Questatildeo da Individualidade - A criacutetica do humano e do social na polecircmica Stirner -

Marx Sua abordagem a Stirner segue o padratildeo claacutessico das interpretaccedilotildees natildeo

referindo a questatildeo ontoloacutegica que aludimos Todavia o tratamento conferido a

Marx julgamos eacute seriamente equivocado o que faz com que o autor incorra em

certas impropriedades

Daacute a entender que a extensa criacutetica marxiana eacute suscitada pelo risco que

Stirner oferecia a Marx Visando a defender sua superioridade (sobre o quecirc)

Marx procura ldquoexasperadamente refutar Stirnerrdquo Segundo ele evitando

ldquocuidadosamente medir-se como filoacutesofordquo com aqueles que critica em A

Ideologia Alematilde ldquoeacute possiacutevel que ele proacuteprio ainda esteja aiacute mais comprometido

com a filosofia alematilde e com a lsquoideoloacutegicarsquo esquerda hegeliana do que geralmente

se imaginardquo Natildeo fundamentando estas afirmaccedilotildees conclui que essa obra talvez

ldquorepresente antes um esforccedilo de defesa do que propriamente uma demonstraccedilatildeo

de inquestionaacutevel superioridaderdquo[160]

51

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

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[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 52: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

Outrossim considera que ldquotecircm razatildeo os autores que vecircem no lsquoSatildeo Maxrsquo

uma catilinaacuteria forccedilada e mesmo grosseira natildeo somente cheia de adjetivaccedilotildees

mas tambeacutem - o que eacute mais importante - envolvendo ocultamentos e

distorccedilotildeesrdquo[161] Natildeo exemplificando estes ocultamentos e distorccedilotildees diz que

apesar de natildeo se tratar apenas disso o texto de Marx demonstra ldquoque os debates

dos filoacutesofos - que nisso mostram sua natureza comum agrave dos outros mortais -

muitas vezes natildeo satildeo modelos de correccedilatildeo ou mesmo de honestidade

intelectualrdquo[162]

Crisoacutestomo apresenta o objetivo de sua anaacutelise dizendo que ldquono caso do

embate Stirner versus Marx o pai do chamado socialismo cientiacutefico se vecirc

obrigado a envolver-se com questotildees a que geralmente pouco refere Como a

individualidade o (natildeo) fundamento dos ideais poliacuteticos e da obrigaccedilatildeo moral e

mesmo os temas do corpo e do desejordquo considerando que neste embate ldquoMarx

exibe uma dimensatildeo menos visiacutevel do seu pensamento seu alcance praacutetico

(re)instaurador dos valores da comunidade e sua preocupaccedilatildeo com as

pretensotildees do indiviacuteduo moderno lsquoisoladorsquo rdquo Pretende que seu ldquolivro entre outras

coisas contribui para revelar de modo particularmente vivo certos aspectos

latentes da concepccedilatildeo original de Marx que podem bem ajudar a dar conta de sua

crise nesse final de seacuteculo Como algumas contradiccedilotildees com a subjetividade

moderna (ou como jaacute querem alguns poacutes-moderna) ou mesmo a dimensatildeo

lsquoanticriacionistarsquo de sua noccedilatildeo de praxisrdquo[163] Tais afirmaccedilotildees satildeo para noacutes de

iniacutecio equivocadas e demonstram que o autor natildeo compreende que o problema

da individualidade isto eacute a determinaccedilatildeo de seu ser e o vislumbre de sua plena

efetivaccedilatildeo constitui propriamente o centro do pensamento de Marx bem como

natildeo apreende o que Marx determina como praxis

52

Pondo como centro da polecircmica a oposiccedilatildeo entre consciecircncia e mundo

Crisoacutestomo indica que Stirner ldquona luta contra o caraacuteter impositivo do mundo dado

tanto natural quanto socialrdquo visa a ldquouma transformaccedilatildeo da relaccedilatildeo do homem com

o mundo pela mediaccedilatildeo da consciecircncia fenocircmeno que para Marx parece natildeo

existir ou ter qualquer relevacircnciardquo[164] Isto posto podemos perceber sua

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 53: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

desconsideraccedilatildeo pelas afirmaccedilotildees de Marx sobre o fundamento da consciecircncia

bem como a natildeo percepccedilatildeo de que um dos pontos centrais da criacutetica marxiana a

Stirner eacute a cisatildeo que este opera entre consciecircncia e mundo Com efeito a

mediaccedilatildeo homem-mundo se faz para Marx atraveacutes da atividade sensiacutevel Tal

atividade embora natildeo se restrinja a ela engloba a atividade da consciecircncia na

medida em que eacute ldquodaccedilatildeo de forma subjetivardquo

Segundo Crisoacutestomo a Marx ldquosoacute falta afirmar que tambeacutem o

indiviacuteduo eacute do mundo que eacute sua propriedade ou atributo uma vez que

aparentemente o lsquomundorsquo (depois de Kant lsquoapenasrsquo uma ideacuteia) eacute para Marx de si

mesmo O materialismo marxiano comeccedilaria entatildeo a se apresentar mais

visivelmente como um gecircnero do lsquosubstancialismorsquo rdquo[165] Convicto de que Marx

concede ldquoao mundo a autonomia que nega ao indiviacuteduordquo[166] aponta que ldquona

concepccedilatildeo marxiana o real eacute uma coisa e as ideacuteias satildeo outra melhor ainda as

ideacuteias natildeo satildeo nada de um lado estaacute o real e do outro estatildeo elas o irrealrdquo[167]

Sobre isso adensa que ldquoPara Marx natildeo parece haver qualquer desenvolvimento

relevante da consciecircncia ou do indiviacuteduo por sobre o lsquorealrsquo rdquo pois que ldquoNa sua

concepccedilatildeo o que encontra espaccedilo privilegiado eacute a evoluccedilatildeo de um lsquogrande realrsquo

material evoluccedilatildeo acompanhada pela consciecircncia de um modo geral com atrasordquo

Conclui que ldquoEm Marx temos o que se pode chamar de um lsquoachatamentorsquo da

consciecircncia em cima do real como expressatildeo e representaccedilatildeo (mais ou menos

fiel) do mesmo Nele a consciecircncia ou a subjetividade fica despojada de toda

atividade proacutepria e qualquer suposto desenvolvimento da mesma independente

do lsquorealrsquo (isto eacute do social) seraacute simplesmente uma lsquodissociaccedilatildeorsquo decorrente da

divisatildeo do trabalhordquo[168]

53

A refutaccedilatildeo destas afirmaccedilotildees encontra-se jaacute suficientemente exposta a

partir das palavras do proacuteprio Marx Mas vale reenfatizar que Marx natildeo nega

autonomia aos indiviacuteduos e a confere ao mundo Para ele o mundo no qual vivem

eacute propriamente produto do processo contiacutenuo de autonomia dos indiviacuteduos a

partir de sua interatividade frente agraves barreiras naturais e sociais mesmo e apesar

deste processo se dar de modo contraditoacuterio Ademais Marx natildeo limita o indiviacuteduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 54: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

como propriedade do mundo tampouco julga o mundo como propriedade de si

mesmo pois o mundo eacute conforme ele produto da objetivaccedilatildeo das forccedilas

essenciais humanas A substacircncia do mundo eacute produto da atividade social dos

homens Aleacutem do mais para Marx as ideacuteias satildeo algo ideacuteias sobre o real Marx

natildeo nega a subjetividade tampouco a atividade da consciecircncia o que nega eacute a

autonomia e o caraacuteter operativo da consciecircncia O que podemos inferir aqui eacute

que Crisoacutestomo negligencia totalmente o conteuacutedo de toda obra anterior de Marx

e particularmente da primeira parte de A Ideologia Alematilde Por fim permitimo-nos

uma observaccedilatildeo o fato de Kant ter reduzido o mundo a lsquoapenasrsquo uma ideacuteia natildeo

significa que ele realmente o seja

Reafirmando sua posiccedilatildeo de que ldquoo que natildeo se deve perder de vista eacute

a preocupaccedilatildeo de Marx em sustentar a afirmaccedilatildeo de coisa objetiva por sobre o

homem tambeacutem objeto e objetivordquo Crisoacutestomo indica que para Marx ldquoEle eacute um

ser objetivo e sensiacutevel o que quer dizer tambeacutem ser passivo lsquoTer sentidos

quer dizer padecer e como lsquoser objetivo sensiacutevelrsquo o homem lsquoeacute um ser que

padecersquordquo[169] A questatildeo da objetividade do ser e especificamente do caraacuteter

objetivo do ser humano tambeacutem jaacute a esclarecemos O que gostariacuteamos de

ressaltar eacute que a determinaccedilatildeo do padecimento natildeo implica passividade mas

remete precisamente ao seu contraacuterio ou seja agrave determinaccedilatildeo de que o homem eacute

afetado mobilizado por outros seres o que o impele a pocircr em accedilatildeo suas forccedilas

essenciais

Por outro lado natildeo encontramos em nossa investigaccedilatildeo de A Ideologia

Alematilde nenhuma afirmaccedilatildeo que justifique a conclusatildeo de Joseacute Crisoacutestomo de que

ldquoPara Marx a histoacuteria desemboca no homem comunista e natildeo por qualquer

evoluccedilatildeo pessoal ou proacutepria de sua consciecircncia mas do lsquogrande realrsquo histoacuterico

que aquela apenas refleterdquo[170] Como ele tambeacutem natildeo indica a referecircncia textual

podemos supor que trata-se de sua interpretaccedilatildeo e natildeo de uma determinaccedilatildeo do

proacuteprio Marx

54

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 55: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

Finalmente contrariamente ao que argumenta Crisoacutestomo[171] Marx natildeo

investe contra Stirner pelo fato de que ele pretende destruir teoricamente tudo

mas sim pelo fato de que ao somente destruir teoricamente tudo Stirner natildeo

destroacutei concretamente efetivamente nada Aleacutem disso Marx leva em conta sim

o fato de Stirner querer se pocircr acima do mundo bem como busca determinar o

ldquotipo de consciecircnciardquo[172] que Stirner estaacute descrevendo Para Marx Stirner ao

pretender superar apenas idealmente as contradiccedilotildees do mundo revela e

reconhece a impotecircncia do indiviacuteduo frente ao mundo Neste sentido considera tal

perspectiva conservadora e reacionaacuteria pois veda qualquer perspectiva

revolucionaacuteria

[1] Siacutentese de dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 19111999 perante o Depto de Filosofia da

FAFICH UFMG

Mestre em Filosofia pela UFMG membro do Grupo de Pesquisa Marxologia - Filosofia e Estudos

Confluentes da UFMG professora da Rede Municipal de Ensino de Belo Horizonte e da Faculdade

de Educaccedilatildeo da UEMG Integrante do Grupo de Pesquisa Marxologia Filosofia e estudos

Confluentes ndash UFMG

[2] tiacutetulo da obra de Feuerbach redigida em 1843 na qual empreende a criacutetica do idealismo

hegeliano

[3] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 9

[4] Idem p 10

[5] Idem

[6] Idem p 12

[7] Idem p 13

[8] Idem

55

[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
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[9] Idem p 14

[10] Idem

[11] Idem p 15

[12] Idem p 18

[13] Idem p 24

[14] Idem p 25

[15] Idem

[16] Idem p 101

[17] Idem p 102

[18] idem p 26

[19] Idem p 67

[20] Idem p 68

[21] Idem p42

[22] idem p 43

[23] Idem p 82

[24] Idem p 8990

[25] Idem p 9091

[26] Idem p 80

[27] Idem p 94

[28] Idem p 9495

[29] Idem p 50

56

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 57: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

[30] Idem p 54

[31] Idem p 191

[32] Idem p 105

[33] Idem p 117

[34] Idem p 118

[35] Idem p 114

[36] Idem p 128

[37] Idem p 129

[38] Idem p 130

[39] Idem p 135

[40] Idem

[41] Idem p 136

[42] Idem p 147

[43] Idem p 140

[44] Idem p 147

[45] Idem p 154

[46] Idem p 77

[47] Idem p 39

[48] Stirner Max Art et Religion in Œuvres Complegravetes LrsquoAge DrsquoHomme Lausanne 1994 p 46

[49] Idem

[50] Idem

57

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 58: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

[51] Idem

[52] Idem p 52

[53] Stirner Max Der Einzige und Sein Eigentum (O Uacutenico e sua Propriedade) Philipp Reclam Jun

Stuttgart 1991 p 379

54] Idem p 377

[55] Idem p 378

[56] Idem

[57] Idem

[58] Idem

[59] Idem p 378379

[60] Idem p 379

[61] Idem p 354

[62] Penzo Giorgio Introduzione a Lrsquouacutenico e la sua Proprietaacute Mursia Editore Milatildeo 1990 p 23

[63] Idem p 174

[64] Idem p 171

[65] Idem p 188

[66] Idem p 408

[67] Idem p 190

[68] Idem

[69] Idem p 200

[70] Idem p 411412

58

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
Page 59: :: Verinotio - Revista On-line de Educação e Ciências …que Stirner aborda analisando as fases da infância, adolescência e idade adulta. Segundo ele, desde o nascimento o indivíduo

[71] Idem p 271

[72] Idem p 198

[73] Idem p 204

[74] Idem p 207

[75] Idem p 230231

[76] Idem p 231232

[77] Idem p 331

[78] Idem p 232

[79] Idem p 246

[80] Idem p 349

[81] Idem

[82] Idem

[83] Idem p 355

[84] Idem p 353

[85] Idem p 358

[86] Idem p 358359

[87] Idem p 359

[88] Idem p 360

[89] Idem p 361

[90] Idem p 360

[91] Idem p 368

59

[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
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[92] Idem p 364

[93] Idem p 369

[94] Idem p 364

[95] Idem p 404

[96] Idem p 366

[97] Idem p 405406

[98] Idem p 412

[99] Chasin J Marx - Estatuto Ontoloacutegico e Resoluccedilatildeo Metodoloacutegica in Pensando com Marx Ed

Ensaio SP 1995 p 396397

[100] Marx K e Engels F A Ideologia Alematilde - Feuerbach Hucitec SP 1986 p 25

[101] Idem p 2425

[102] Idem p 26

[103] Idem p 17

[104] Idem p 26

[105] Idem p 37

[106] Idem p 36

[107] Idem

[108] o termo ideologia designa aqui criticamente o procedimento idealista que inverte a relaccedilatildeo entre ser e

ideacuteia

[109] Idem p 37

[110] Idem

[111] Idem

60

[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
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[112] Idem

[113] Idem p 55

[114] Idem p 5556

[115] Idem

[116] Idem p 5657

[117] Marx K et Engels F Ls Ideacuteologie Allemande Eacuteditions Sociales Paris 1971 p 152

[118] Idem p 314

[119] Idem p 148

[120] Idem p 313

[121] Idem

[122] Idem

[123] Idem p 318

[124] Idem

[125] Idem p 323

[126] Idem p 129

[127] Idem p 272

[128] Idem p 151

[129] Idem p 152

[130] Idem op cit 1986 p 5758

[131] Idem op cit 1971 p 481

[132] Idem p 477

61

[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
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[133] Marx Karl Manuscritos Econocircmico-Filosoacuteficos Nova Cultural SP 1988 p 176

[134] Idem

[135] Marx K op cit 1971 p 243

[136] Marx K op cit 1986 p 46

[137] Idem p 4647

[138] Marx K op cit 1971 p 363

[139] Idem

[140] Idem p 481

[141] Idem p 482

[142] Idem p 480

[143] Idem

[144] Idem p 451452

[145] Idem p 415

[146] Idem

[147] Idem p 416

[148] Idem op cit 1986 p 54

[149] Idem op cit 1971 p 482483

[150] Chasin J op cit p388389

[151] Cornu Auguste Karl Marx et Friedrich Engels - Leur Vie et Leur Oeuvre tome IV Presses

Universitaires de France Paris 1970 p 170

62

63

[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo
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[152] Rossi M La Genesis del Materialismo Historico III - La Concepcion Materialista de la Historia

Alberto Corazon Editor Madri 1971 p 18

[153] Cf Marx K A Ideologia Alematilde I Feuerbach Ed Hucitec Satildeo Paulo 1986 pp 50 a 53

[154] Rossi M op cit p 171

[155] idem p 76

[156] Penzo G op cit p 17

[157] idem p17

[158] idem p 22

[159] idem p 22

[160] SOUZA Joseacute C A Questatildeo da Individualidade A Criacutetica do Humano e do Social na Polecircmica

Stirner-Marx Ed Unicamp Campinas 1993 p 179180

[161] idem p 186 [162] Idem p 186187 [163] idem p 8

[164] idem p 19

[165] idem p 23

[166] idem p 23 [167] idem p 36 [168] idem p 39 [169] idem p 137138 [170] idem p 38 [171] idem p 24 [172] idem p 46

  • III- A RESOLUCcedilAtildeO STIRNERIANA O UacuteNICO
  • IV2- A criacutetica de Marx agrave individualidade stirneriana e suas relaccedilotildees com o mundo