73 - consideracoes sobre o eixo ego-self (fabricio moraes)

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Jung no Espirito Santo Site de Fabrício Moraes Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257) - Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS) Coordenador do Grupo Aion – Estudos Junguianos Atua em consultório particular em Vitória desde 2003. Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: [email protected] www.psicologiaanalitica.com 1 Algumas Considerações sobre o Eixo Ego-Self (14 de abril de 2015) Em novembro de 2014 tivemos no “Grupo Aion – Estudos Junguianos”, uma discussão sobre o conceito de “eixo Ego-Self” que foi muito positiva e produtiva, desta discussão surgiu a necessidade dar forma e condensar alguns aspectos importantes, assim como ampliar a compreensão deste conceito. Dessa forma, este texto foi pensado com duas propostas iniciais: 1- Compreender o conceito de eixo ego-self a partir dos teóricos que desenvolveram este conceito Erich Neumann e Edward Edinger.2 Compreender o eixo ego-self a partir de Jung, estabelecendo uma leitura, por assim dizer, clássica deste conceito. O Eixo Ego-Self em Neumann: Uma teoria do desenvolvimento Erich Neumann(1905-1960) foi um brilhante discípulo de Jung que se destacou a propor uma teoria do desenvolvimento do Ego e da Consciência no contexto junguiano. Sua teoria alvo de muitas críticas pois, suas considerações teóricas foram baseadas em reflexões de análise de adultos e, também, pelos padrões arquetípicos/miticos que segundo ele, apontariam para um possível padrão desenvolvimento da consciência e do Ego. O principal trabalho onde desenvolveu suas concepções acerca do desenvolvimento do ego foi o livro “A Criança”, que na verdade é uma obra inacabada, pois, Neumann morreu antes de concluí-lo em 1960. Na verdade, foi ele que cunhou o termo “eixo ego-self” no contexto de sua teoria do desenvolvimento. Deste modo, convém que façamos uma breve exposição acerca da teoria do desenvolvimento de Neumann. O primeiro estágio de desenvolvimento do Ego foi chamado, por Neumann, de fase urobórica. Esse termo urobórico, se refere ao símbolo da uroboros, isto é, a imagem da serpente ou dragão que, num movimento circular, morde a própria

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    Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257) - Psiclogo Clnico de Orientao Junguiana, Especialista em Teoria e Prtica Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clnica e da Famlia (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS) Coordenador do Grupo Aion Estudos Junguianos Atua em consultrio particular em Vitria desde 2003. Contato: 27 9316-6985. /e-mail: [email protected]

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    Algumas Consideraes sobre o

    Eixo Ego-Self

    (14 de abril de 2015)

    Em novembro de 2014 tivemos no Grupo Aion Estudos Junguianos, uma

    discusso sobre o conceito de eixo Ego-Self que foi muito positiva e produtiva,

    desta discusso surgiu a necessidade dar forma e condensar alguns aspectos

    importantes, assim como ampliar a compreenso deste conceito. Dessa forma,

    este texto foi pensado com duas propostas iniciais: 1- Compreender o conceito

    de eixo ego-self a partir dos tericos que desenvolveram este conceito Erich

    Neumann e Edward Edinger.2 Compreender o eixo ego-self a partir de Jung,

    estabelecendo uma leitura, por assim dizer, clssica deste conceito.

    O Eixo Ego-Self em Neumann: Uma teoria do desenvolvimento

    Erich Neumann(1905-1960) foi um brilhante discpulo de Jung que se destacou

    a propor uma teoria do desenvolvimento do Ego e da Conscincia no contexto

    junguiano. Sua teoria alvo de muitas crticas pois, suas consideraes tericas

    foram baseadas em reflexes de anlise de adultos e, tambm, pelos padres

    arquetpicos/miticos que segundo ele, apontariam para um possvel padro

    desenvolvimento da conscincia e do Ego. O principal trabalho onde

    desenvolveu suas concepes acerca do desenvolvimento do ego foi o livro A

    Criana, que na verdade uma obra inacabada, pois, Neumann morreu antes

    de conclu-lo em 1960. Na verdade, foi ele que cunhou o termo eixo ego-self

    no contexto de sua teoria do desenvolvimento. Deste modo, convm que

    faamos uma breve exposio acerca da teoria do desenvolvimento de

    Neumann.

    O primeiro estgio de desenvolvimento do Ego foi chamado, por Neumann, de

    fase urobrica. Esse termo urobrico, se refere ao smbolo da uroboros, isto ,

    a imagem da serpente ou drago que, num movimento circular, morde a prpria

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    cauda, estabelecendo uma unidade sem incio nem fim, isto , sem opostos.

    Assim, a urobros percebida como um grande crculo, uma unidade original,

    sem inicio ou fim. A partir dessa imagem, Neumann indicou um estgio anterior

    ao Ego, onde este encontra-se imerso no inconsciente, numa experincia sem

    incio nem fim. Isso prprio da fase uterina do desenvolvimento e nos primeiros

    meses aps o nascimento

    Como nesta etapa Ego ainda no est formado, nem a conscincia

    desenvolvida, assim, no h uma delimitao de opostos, isto , no h uma

    interpretao acerca de dentro ou fora, nem de um eu ou Outro. Todas as

    experincias vividas pela criana (seja na fase embrionria ou aps o

    nascimento) so experincias vividas a partir da Unidade Me-Filho. Segundo

    Neumann, nessa fase ainda no podemos falar, em termos psicolgicos de um

    individuo-Criana, pois o Self ou a totalidade do mundo da criana a Me. A

    experincia da criana se d atravs da unidade estabelecida com a me,

    vivenciada no prprio corpo da criana, onde

    os mundos parciais do interior e do exterior, do mundo objetivo e da psique no existem. Nessa fase embrionria ps-natal, a criana ainda est contida em sua me, apesar de seu corpo j haver nascido. Nessa fase, o que existe uma unidade primria composta da me e filho. (NEUMANN, 1993, p. 12)

    Nessa fase, vide Figura 1, o Ego ainda est contido no Self, este deve ser

    compreendido como o conjunto de relaes e cuidados maternos (nutrio,

    ateno, higiene, adaptao do ambiente, etc.), por outro lado, a configurao

    biopsiquica mais bsica da criana, denominada por Neumann de Self corporal.

    O Self da Me fundamental neste momento, pois, seria o veculo para

    constelao do Self da criana.

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    Esta Relao Me-Criana, denominada por Neumann, de relao Primal, que

    funciona para a criana como possibilidade de

    relacionamento com seu prprio corpo, com seu Self, com o

    "tu" e com o mundo, tudo ao mesmo tempo. A relao primal

    a base ontogentica da experincia de estar-no-prprio-

    corpo, de estar-com-um Self, de estar-unido, de estar-no-

    mundo. (NEUMANN, 1993, p. 25)

    A relao primal sadia, marcada pela confiana e amor da me, vai possibilitar

    o desenvolvimento de um ego integral positivo assim como o estabelecimento

    de um eixo ego-self estvel. Para Neumann, o ego integral positivo seria um

    ego capaz de assimilar e integrar as qualidades, at mesmo quando negativas

    ou desagradveis, dos mundos interno e externo, tais como privaes, dor, etc.

    (NEUMANN, 1993, p. 51). O desenvolvimento saudvel seria consequncia

    deste ego integral positivo.

    Na fase urobrica, a experincia do Self encarnada pela dinmica do arqutipo

    da grande Me, onde a experincia da segurana e nutrio so proporcionados

    pela unidade formada na relao primal me-beb, envolvendo toda a

    experincia da criana.

    O desenvolvimento natural da criana significa um aumento da conscincia,

    inicialmente, esse desenvolvimento se manifesta atravs das distines entre

    sensaes do corpo, favorecem a aproximao do indivduo com a experincias

    externas urobros matriarcal, que daria incio a separao do Ego do

    inconsciente presentado pela fig2.

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    As experincias como conforto e desconforto, saciedade e fome, calor e frio etc;

    comeam a serem compreendidas de uma forma relativamente consciente

    gerando uma polarizao na esfera psquica. A experincia da totalidade da

    Grande Me comea a rompida e vivenciada em seus aspectos positivos e

    negativos. Essa distino ou ruptura da unidade me-criana marcada pela

    dinmica patriarcal, que se caracteriza justamente pelas divises, pelo

    estabelecimento de limites. Para exemplificar de forma mais simples, o sim e

    no o pode e no pode so expresses dessa dinmica patriarcal presentes

    desde a mais tenra infncia.

    A fase patriarcal desenvolveria dos dois anos at a adolescncia possibilitando

    a separao entre a conscincia e o inconsciente, assim como o estabelecimento

    e fortalecimento do ego e do o eixo ego-self (Fig. 3).O desenvolvimento no

    terminaria na fase patriarcal, o desenvolvimento passaria a uma relao com o

    outro, pelo amadurecimento e constelao da anima e animus e, posteriormente,

    individuao.

    Para Neumann, o objetivo da primeira etapa da vida o desenvolvimento do

    eixo ego-self

    Uma personalidade assim sadia sinnimo de um eixo ego-

    Self normal e fornece uma garantia de que a relao

    compensatria entre consciente e inconsciente, que em

    certos distrbios graves fica seriamente prejudicada,

    continuar funcionando em certa medida.(NEUMANN,

    1993, p 54)

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    Neumann no desenvolve muito a conceituao acerca do eixo ego-self, na

    verdade, o eixo ego-self um conceito necessrio na formulao de Neumann

    para expressar a importncia da relao primal na vida do sujeito.

    O eixo Ego-Self em Edinger: A experincia clnica

    Edward Edinger(1922-1998) foi um dos mais importantes analistas junguianos

    norte-americano, membro fundador do Instituto Jung de Nova York. Em sua obra

    Ego e Arqutipo oferece uma importante via de compreenso para eixo ego-

    self. A diferente de Neumann que visava uma teoria do desenvolvimento, a

    concepo de Edinger mais voltada para a prtica clnica, mas, sem ignorar o

    desenvolvimento.

    A compreenso de Edinger se destaca por apresentar de forma clara o

    dinamismo do da relao ego e self., assim como por conciliar a dinmica

    descrita por Fordham sobre Self, segundo o modelo de

    deintegrao/reintegrao. Segundo Edinger haveria trs situaes ou estgios

    possveis no desenvolvimento da conscincia: Inflao, alienao e

    individuao.

    A Inflao

    O termo inflao utilizado no contexto junguiano sempre que o ego encontra-

    se num estado de identificao com algum elemento da psique coletiva, de

    modo, que o Ego passa a extrapolar seus limites. Nas palavras de Edinger

    Uso o termo inflao para descrever a atitude e o estado

    que acompanham a identificao do ego com o Si-mesmo.

    trata-se de um estgio no qual algo pequeno (o ego) atribui

    a si qualidades de algo mais amplo (o Si-mesmo) e, portanto,

    est alm das prprias medidas. (EDINGER, 1989, p27)

    Em sua perspectiva, o desenvolvimento humano comea com um estado de

    inflao do Ego, isto , da identificao do Ego com o Self. Esta identificao

    original semelhante ao que Neumann descreveu como estagio urobrico.

    Assim, esta identidade entre Ego-Self se caracteriza pelo fato do ego no ter-se

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    emancipado do Self. O desenvolvimento naturalmente produz a ruptura dessa

    identificao especialmente pelo processo de educao e socializao.

    Na vida adulta possvel encontrarmos esse mesmo fenmeno quando uma

    instncia arquetpica envolve o ego tirando-lhe de sua realidade. Para Edinger

    podemos identificar um estado inflao sempre que vemos algum (inclusive

    ns mesmos) vivendo um atributo da divindade, isto , sempre que algum esteja

    transcendendo os limites prprios do ser humano.(EDINGER, 1989,p.36) Todo

    excesso seria indicativo de inflao, seja de poder, amor, altrusmo, humildade,

    arrogncia Assim,

    A motivao para o poder de todos os tipos sintoma de

    inflao. Toda vez que agimos motivados pelo desejo de

    poder, a onipotncia est implcita. Mas a onipotncia um

    atributo que s Deus tem. A rigidez intelectual que tenta

    igualar suas prprias verdades ou opinies com a verdade

    universal tambm inflao. a suposio da oniscincia.

    A luxuria e todas as operaes do puro princpio de prazer

    constituem igualmente inflao. Todo desejo que d

    prpria satisfao um valor central transcendente os limites

    da realidade do ego e, em consequncia, assume os

    atributos dos poderes transpessoais.(EDINGER, 1989, p.37)

    A inflao um fenmeno natural mas, no significa necessariamente

    patolgico, pois, em algumas situaes necessrio o irrompimento do potencial

    arquetpico geralmente por meio de um smbolo para potencializar o ego.

    Como dito acima, todo excesso indica uma inflao. Edinger chama ateno que

    a inflao tambm pode se manifestar de forma negativa, isto , ao invs o

    individuo se identificar com os atributos da divindade, se identificar com a vtima

    da divindade com um sentimento excessivo de culpa e sofrimento. Vemos isso

    nos casos de melancolia que exprimem o sentimento de que que ningum no

    mundo to culpado quanto eu(ibid, p. 37)

    Como exemplo da inflao na mitologia Edinger cita como exemplos Ado,

    Prometeu, Faetonte, caro, Ixion. A expresso mtica da inflao a Hybris na

    tradio grega ou a idia do pecado na tradio judaico cristo.

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    A inflao do ego aponta para uma relao inadequada com inconsciente,

    tomado por um contedo do inconsciente, o ego levado pelo impulso

    inconsciente.

    A Alienao do Ego

    A Alienao do ego corresponde a um segundo momento no processo de

    desenvolvimento da personalidade. Se a inflao corresponderia ao estgio

    original, onde o ego estaria identificado com o Self, a alienao ocorre a perda

    de contato entre o ego e o self. Assim, processo de alienao mais

    preocupante significaria uma ruptura, mesmo que temporria, do da relao

    entre o ego e o self, preocupante poi,s o eixo ego-si-mesmo representa a

    conexo vital entre o ego e o Si-mesmo, a qual deve estar relativamente intacta

    se se pretende que o ego suporte as tenses e cresa.(ibid, p.67).

    Apesar de preocupante, o processo de desenvolvimento naturalmente contribui

    com a alienao do ego. As relaes com o meio, a experincia de limite, a

    experincia com os pais que naturalmente recebem a projeo do Self,

    desencadearia um processo de alienao, pois, a criana estabeleceria um

    crescente contato com a realidade no qual a criana comearia a se perceberia

    em seu prprio limite, em sua prpria realidade. importante frisar que essas

    experincias no so patolgicas em si, o treinamento da criana e a disciplina

    possibilitam o desenvolvimento e uma relao adequada com o meio. Nesse

    contexto de desenvolvimento, o perigo no estaria na projeo do Self nos mais,

    mas, numa possvel projeo da sombra dos pais na criana que poderia

    danificar a relao do ego com o self, pois, com esta projeo as expectativas

    lanadas sobre a criana ultrapassam a exigncia humana. O ego da criana

    experimentaria um sentimento de rejeio, incapacidade e continua

    inferiorizao como se vindo do prprio Self, este seria um caso mais grave na

    infncia.

    Edinger sugere que inevitavelmente ocorrero momentos de alienao do ego,

    contudo, o ideal seria que essa alienao no danificasse ou rompesse o eixo

    ego-self, pois, quando a conexo se rompe o resultado o vazio, desespero,

    falta de sentido e, em casos mais extremos, a psicose ou o suicdio (p.72). A

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    falta de relao com o Self promove no ego uma postura defensiva em relao

    a vida, pois, o individuo vive a sensao do desamparo. Isso ocorre porque

    O Si-mesmo, na qualidade de centro e totalidade da psique,

    capaz de conciliar todos os opostos, pode ser considerado o

    rgo de aceitao par excellence. Como inclui a totalidade,

    ele deve ser capaz de aceitar todos os elementos da vida

    psquica, por mais antitticos que possam ser. O sentimento

    de ser aceito pelo Si-mesmo d ao ego fora e estabilidade.

    Esse sentimento de aceitao o veiculado para o ego

    atravs do eixo ego-Si-mesmo. Um sintoma de danificao

    desse eixo a falta de auto-aceitao. O individuo sente que

    no merece viver ou ser o que . A psicoterapia oferece

    pessoa que passa por isso uma oportunidade de enfrentar a

    aceitao. Em casos bem-sucedidos, essa experincia pode

    equivaler a um reparo do eixo ego-Si-mesmo que

    restabelece o contato com as fontes internas de fora e de

    aceitao o que deixa o paciente livre para viver e crescer.

    (ibid, p. 69.)

    A incapacidade do individuo em se aceitar, em estabelecer uma relao saudvel

    consigo mesmo compensada atravs de uma persona rgida, profissional, para

    compensar o vazio e a no aceitao interior. To natural quando o processo de

    alienao o processo de reparao do eixo. Em situaes no extremada, a

    prpria dinmica psquica seria capaz de reparar a relao do eixo ego-self

    seja atravs de relaes pessoais (amigos, famlia) ou de experincias

    arquetpicas de reparao (como as experincias religiosas). Outros casos mais

    extremados, que so os que geralmente chegam a clnica psicolgica, Edinger

    aponta que a postura do acolhimento por parte do terapeuta/analista o passo

    fundamental para a reparao do eixo ego-self. A aceitao/acolhimento abre a

    possibilidade do individuo para o estabelecimento da transferncia que em si

    mesma j se manifesta como uma tentativa de reparao, isto , uma projeo

    do self que numa condio saudvel pode restaurar a relao do ego com o self.

    Esse estado de alienao representado na literatura e mitologia atravs da

    solido, desamparo, de imagens como o deserto. So Joo da Cruz a descreve

    como a noite escura da alma. De forma geral, o processo de alienao deve ser

    seguido pela reparao.

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    Individuao

    O processo de inflao e alienao se sucedem ao longo da vida. Quando no

    ocorre um transtorno patolgico, a inflao leva a uma queda e, portanto,

    alienao. A condio alienada, da mesma maneira, leva, em condies

    normais, a um estado de cura e restaurao. (ibid.p. 98). Tanto a inflao quanto

    a alienao, que sob um certo aspecto se complementam, podem representar

    um risco ao desenvolvimento da personalidade. Esse risco tende a ser

    contrabalanado na cultura, mas, propriamente na experincia das religies. O

    respeito ao sagrado, hbitos como dizer se Deus quiser, os tabus, dentre

    outras; so formas de proteger o ego do risco da inflao. A projeo do Self nas

    figuras divinas nas religies so uma forma possibilitam o processo de

    restaurao do eixo ego-self. Contudo,

    Em determinado ponto do desenvolvimento psicolgico,

    normalmente aps uma extensa experincia de alienao, o

    eixo ego-Si-mesmo, de repente, passa conscincia. (...) O

    ego torna-se consciente, em termos de experincia, da

    existncia de um centro transpessoal a que est

    subordinado. (ibid p. 106-8)

    A irrupo do eixo ego-self na conscincia pode ser descrita, nas palavras de

    Otto, como um mysterium tremendum et fascinans, isto , um mistrio terrvel

    pois, impe ao ego a dimenso de sua limitao. Por outro lado, um mistrio

    fascinante pois atrai o ego. A conscincia do ego acerca deste eixo ego-self,

    isto , da percepo de uma realidade distinta em si mesmo, supraordenada,

    implica na possiblidade de dilogo entre a conscincia e o inconsciente sem que

    o ego esteja identificado com Self.

    Ocorre a cura de uma diviso dupla quando a individuao

    alcanada: primeiro, a diviso entre consciente e

    inconsciente, que se iniciou por ocasio do nascimento da

    conscincia; em segundo lugar, a diviso entre sujeito e

    objeto. A dicotomia entre realidade externa e a interna

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    substituda por um sentimento de realidade unitria. (...) As

    imagens e atributos do Si-mesmo so experimentados agora

    como coisas distintas do ego e situados acima dele. Essa

    experincia traz consigo a percepo de que no se dono

    da prpria casa. A pessoa toma conscincia de que h uma

    orientao interna autnoma, distinta do ego e, com

    frequncia, antagnica a ele. (ibid. p. 143-4)

    A individuao no uma meta, com um alvo a ser alcanado, mas, um processo

    continuo, ou melhor, uma relao continua. O ego tem a experincia de algo

    superior a si. Que pode ser descrita como uma voz interior ou por outro lado, nas

    religies descrita como um encontro com a divindade, com o mestre, ou com

    um processo de iluminao.

    Eixo Ego-Self em Jung

    Como dito no inicio, este texto surgiu de uma discusso realizada no grupo Aion,

    um dos pontos mais importantes daquela discusso foi a dificuldades que

    algumas pessoas tinham em perceber o arcabouo terico descrito por Jung na

    configurao do eixo ego-self. Acredito que seja necessrio considerarmos o

    lugar que o conceito de eixo ego-self ocupa na teoria junguiana. Compreendo

    que este conceito no indica uma estrutura ou um nvel de organizao da

    psique, mas de uma representao sintetizada e didtica da dinmica psquica

    que fora descrita por Jung. Assim, para compreender de fato o que eixo ego-

    self apresenta devemos ter uma viso clara da teoria junguiana, caso contrrio

    corremos o risco de ter uma concepo limitada deste conceito, especialmente

    quando nos aprofundamos na concepo de Edinger, que transcende a

    perspectiva de desenvolvimento visada por Neumann.

    Aproximar o conceito de eixo ego-self de Jung tornar visvel os aspectos

    tericos que se ocultam nas entrelinhas. A linha mestra que norteia o todo o

    desenvolvimento desse conceito est na afirmao de Jung que o eu est para

  • Jung no Espirito Santo Site de Fabrcio Moraes

    Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257) - Psiclogo Clnico de Orientao Junguiana, Especialista em Teoria e Prtica Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clnica e da Famlia (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS) Coordenador do Grupo Aion Estudos Junguianos Atua em consultrio particular em Vitria desde 2003. Contato: 27 9316-6985. /e-mail: [email protected]

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    o si-mesmo assim como o patiens est para o agens1, ou com o objeto est

    para o sujeito, por que as disposies que emanam do si-mesmo so bastante

    amplas e, por isso mesmo, superiores ao eu (JUNG, 1991, p. 58). O pressuposto

    de que o Self o ponto de partida e a meta a ser realizada no desenvolvimento

    psquico toda a viso de Jung.

    O desenvolvimento do ego, sua organizao e emancipao do

    inconsciente(self) no foi alvo claro das pesquisas de Jung, mas, foi descrito por

    Neumann a partir das foras de centroverso e da relao primal ou mesmo

    descrito pelo Fordham pelo processo de deintegrao/reintegrao, sendo o o

    Ego o `de-integrado mais importante do Si-mesmo.(SOLOMON, 2002, p.

    140). Independente do ponto de vista se Fordham ou Neumann, temos um

    impulso natural direcionado ao meio externo, o qual Jung descrevia como uma

    unilateralidade fundamental e inerente ao ego sobre esta afirmou

    A unilateralidade , ao mesmo tempo, uma vantagem e um

    inconveniente, mesmo quando parece no haver um

    inconveniente exteriormente reconhecvel, existe, contudo,

    sempre uma contraposio igualmente pronunciada no

    inconsciente a no ser que se trate absolutamente de um

    caso ideal em que todas as componentes psquicas tendem,

    sem exceo, para uma s e mesma direo. (JUNG, 2000,

    p. 3)

    A unilateralidade descrita por Jung est associada do movimento natural do Ego

    em direo a conscincia e ao mundo exterior. Ao longo da infncia, o impulso

    para o estabelecimento da conscincia e a aderncia a realidade exterior ser

    possvel atravs da unilateralidade da conscincia, assim como com o

    desenvolvimento da persona sob certo aspecto, quando mais adequada for o

    a persona, melhor ser a organizao e fora do ego assim como sua relao

    com o meio exterior.

    Edinger utilizou o termo inflao para determinar a identidade entre o ego e o

    Self, conforme o uso feito por Jung. Por outro lado, a alienao nos fala da

    unilateralidade da conscincia. Em ambos os casos temos uma inconscincia

    1Em citaes de outros autores temos a seguinte traduo o ego est para o

    Self como o que movido est para o que move.

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    pronunciada tanto em relao ao mundo interior quanto exterior. necessrio

    levar em considerao os complexos tanto no contexto da alienao quanto

    inflao.

    Devemos pensar um pouco acerca das dimenses apresentadas sobre o Self.

    Em uma de suas descries Jung afirma que o Self [...]no apenas o ponto

    central, mas tambm a circunferncia que engloba tanto a conscincia como o

    inconsciente. Ele o centro dessa totalidade, do mesmo modo que o eu centro

    da conscincia (JUNG, 1994,p. 51). Assim, todos os contedos psquicos so,

    em ltima anlise, manifestaes do Self. Contudo, o aspecto do Self expresso

    no eixo ego-self se refere principalmente ao inconsciente e seus contedos.

    Nesse aspecto podemos falar do Self manifesto atravs da Sombra, que tambm

    uma imagem representacional do inconsciente.

    Outro aspecto que devemos considerar o eixo em si ou nas representaes

    grficas a linha que une o ego ao self. O eixo a anima ou animus. Devemos

    considerar que a anima/animus , por excelncia, um psychopompos, isto ,

    um intermedirio entre a conscincia e o inconsciente, e uma personificao do

    inconsciente (JUNG, 1986, p14). Integrar a Anima/Animus um desafio

    fundamental que nos conduz a integrao dos opostos, possibilitando a

    individuao. A percepo do Self como um Outro s possvel na medida em

    que o ego no s conseguir se perceber distinto dos contedos do inconsciente,

    mas, perceber o inconsciente com um Outro. A Anima/animus possibilita essa

    experincia, viabilizando o dialogo interior.

    O processo de inflao e alienao ao longo da vida expressam os dois aspectos

    fundamentais da individuao. Segundo Jung, a meta da individuao no

    outra seno a de despojar o si-mesmo dos invlucros falsos da persona, assim

    como do poder sugestivo das imagens primordiais(JUNG,1999, p.61).

    fundamental que o ego tenha uma adaptao adequada ao mundo exterior, sem

    se deixar alienar pelas exigncias da psique coletiva, do mesmo modo

    importante conhecer e se perceber na relao com as imagens primordiais, sem

    se inflar pela identificao com as mesmas, pois, quanto maior a inconscincia

    do ego maior o poder dos contedos do inconsciente.

    Acredito que esses apontamentos sejam importantes para pensarmos a

    dinmica que envolve o eixo ego-self ampliando a percepo sobre o mesmo.

    Dado o enraizamento desse conceito na dinmica descrita por Jung, comum

    que analistas clssicos no utilizem dessa conceituao, justamente por

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    considera-la desnecessria. Penso que o conceito de eixo ego-self til

    didaticamente, mas, no substitui o aprofundamento da teoria junguiana.

    Referncias Bibliogrficas

    EDINGER, Edward F. Ego e Arqutipo, SP, Cultrix, 1989

    JUNG, C.G. O smbolo da Transformao na missa, Petrpolis: Vozes, 1991.

    JUNG, Carl Gustav. Psicologia e Alquimia. Petrpolis: Vozes, 3. ed. 1994.

    JUNG, C.G. Aion Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo, Petrpolis:

    Vozes, 1986.

    JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. Petrpolis: Vozes, 1999

    NEUMANN, Erich. A Criana, SP, Cultrix, 1991

    SOLOMON, Herter McFarland,, A Escola Desenvolvimentista,

    inYOUNGEisendrath, Polly, DAWSON, Terence, Manual Cambrigde Para

    Estudos Junguianos, Porto Alegre: Artmed Editora, 2002