a crise do positivismo jurÍdico · 2010-07-29 · conclusion that the globalization has produced...

20
A PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR ENTRE A GLOBALIZAÇÃO E A CARTA DA TERRA: BALANÇOS E PERSPECTIVAS THE EFFECTIVE PROTECTION OF INFANTS BETWEEN GLOBALIZATION AND THE EARTH’S STATEMENT: REVIEW AND PROSPECTS Marizélia Peglow da Rosa Antonio Walber Matias Muniz RESUMO Cuida este trabalho sobre a construção de um breve relato, alicerçado a partir de ligeiras e pontuais descrições sobre globalização, doutrina de proteção do menor e as matizes para construção de uma sociedade global elencadas na Carta da Terra. No decorrer do trabalho um dos argumentos defendidos versa sobre a necessidade de se nuclear as áreas do direito internacional dos direitos humanos e do direito constitucional como uma perspectiva efetivadora da proteção integral da criança e do adolescente em um mundo que se propõe, neste século XXI, diante de um olhar universalizado. Remete-se à análise de alguns avanços e retrocessos da globalização, de dispositivos concernentes a Declaração Universal, Convenções Internacionais, Constituição e normas infraconstitucionais brasileiras, vislumbrando a possibilidade de correlação destas normas de modo a tornar possível proteger integralmente o menor. Pesquisa documental e bibliográfica compõe a base metodológica deste relato. Conclui-se que a globalização produziu discrepâncias econômicas, sociais e jurídicas e que a nucleação do direito internacional, constitucional e infraconstitucional inerente a direitos humanos podem gerar perspectivas de efetiva proteção integral a crianças e adolescentes, contribuindo para a implementação dos desafios da Carta da Terra quanto à construção de um mundo sustentável baseado no respeito aos direitos humanos universais. PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS-CHAVE: NUCLEAÇÃO DE DIREITOS. PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR. CARTA DA TERRA. ABSTRACT This work regards the making of a short report, based on brief and specific descriptions on globalization, doctrine on protection of infants and the guidelines for the construction of a global society outlined on The Earth’s Statement. We have taken due note of the need to discuss viewpoints on the nucleation of international law, the human rights, and constitucional laws as promising tools that should lead us to engage the protection of infants and adolescents in this century in a wider sphere of action. We have also attended attention on the analyses of a number of effects resulted from the state of globalization, connected to the international law framework, figuring out a way to have all such bills of legislation enforced effectivelly to protect of the under-aged. 6221

Upload: others

Post on 03-Apr-2020

3 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

A PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR ENTRE A GLOBALIZAÇÃO E A CARTA DA TERRA: BALANÇOS E PERSPECTIVAS

THE EFFECTIVE PROTECTION OF INFANTS BETWEEN GLOBALIZATION AND THE EARTH’S STATEMENT: REVIEW AND

PROSPECTS

Marizélia Peglow da Rosa Antonio Walber Matias Muniz

RESUMO

Cuida este trabalho sobre a construção de um breve relato, alicerçado a partir de ligeiras e pontuais descrições sobre globalização, doutrina de proteção do menor e as matizes para construção de uma sociedade global elencadas na Carta da Terra. No decorrer do trabalho um dos argumentos defendidos versa sobre a necessidade de se nuclear as áreas do direito internacional dos direitos humanos e do direito constitucional como uma perspectiva efetivadora da proteção integral da criança e do adolescente em um mundo que se propõe, neste século XXI, diante de um olhar universalizado. Remete-se à análise de alguns avanços e retrocessos da globalização, de dispositivos concernentes a Declaração Universal, Convenções Internacionais, Constituição e normas infraconstitucionais brasileiras, vislumbrando a possibilidade de correlação destas normas de modo a tornar possível proteger integralmente o menor. Pesquisa documental e bibliográfica compõe a base metodológica deste relato. Conclui-se que a globalização produziu discrepâncias econômicas, sociais e jurídicas e que a nucleação do direito internacional, constitucional e infraconstitucional inerente a direitos humanos podem gerar perspectivas de efetiva proteção integral a crianças e adolescentes, contribuindo para a implementação dos desafios da Carta da Terra quanto à construção de um mundo sustentável baseado no respeito aos direitos humanos universais.

PALAVRAS-CHAVES: PALAVRAS-CHAVE: NUCLEAÇÃO DE DIREITOS. PROTEÇÃO INTEGRAL DO MENOR. CARTA DA TERRA.

ABSTRACT

This work regards the making of a short report, based on brief and specific descriptions on globalization, doctrine on protection of infants and the guidelines for the construction of a global society outlined on The Earth’s Statement. We have taken due note of the need to discuss viewpoints on the nucleation of international law, the human rights, and constitucional laws as promising tools that should lead us to engage the protection of infants and adolescents in this century in a wider sphere of action. We have also attended attention on the analyses of a number of effects resulted from the state of globalization, connected to the international law framework, figuring out a way to have all such bills of legislation enforced effectivelly to protect of the under-aged.

6221

This report was built on documental and bibliographic research. We have come to the conclusion that the globalization has produced social, juridical, and economical discrepancies and that the Universal Declaration, International Conventions, the Brazilian constitution and other sets of norms ensure adherence to a thorough protection of children and adolescents, adding to the efforts of implementing the proposals in The Earth’s Statement, which has as main principles the human rights and self-sustainability.

KEYWORDS: KEYWORDS: NUCLEATION OF RIGHTS. EFFECTIVE PROTECTION OF INFANTS. THE EARTH’S STATEMENT.

INTRODUÇÃO

O Processo de globalização de todas as atividades humanas, acelerado nos anos 1990, contribuiu para estilhaçar os instrumentos de poder e passou a exigir a construção de novas estruturas governativas em todo o planeta de modo permitir eficazes soluções para os problemas internacionais deste processo decorrentes. Sem dúvida, para Dupas (2007, p.27) bem mais complexa que as políticas adotadas no período que antecede à queda do muro de Berlim, a globalização impõe uma nova lógica de poder global e paradoxalmente, introduz vastos desafios na prática política mundial. Um desses paradoxos advindo do desenvolvimento do capitalismo neoliberal segundo Santos (2008, p.17) é a contrariedade das previsões a ele inerentes. Desigualdades sociais, fome e violência se intensificaram e estão dando margem à volta do socialismo na agenda política de alguns países.

De fato a globalização tem separado o universo com pessoas pobres, ricas e miseráveis, pois, não foi capaz de desenvolver noções de solidariedade internacional na totalidade do tecido social, gerando privilégios a reduzidos grupos elitizados. De acordo com Boron (2003, p.87), outros paradoxos atuam inibindo aos grupos vulneráveis, melhoria comprovada das condições de vida e inclusão definitiva no centro de todo processo de desenvolvimento e a superação das disparidades dentro dos países.

Pode-se constatar, por exemplo, em períodos eleitorais que as bases elegem o presidente em decorrência do aceite de uma política de transformação. Entretanto, o governante apresenta plataforma de campanha visando a esses objetivos, mas aprofunda modelo econômico incongruente. Da análise desse paradoxo identifica-se a carência de um processo de revolução no plano das consciências, ou plano de crescimento do nível de consciência da população. A incapacidade de arregimentação de força reativa do ponto de vista de uma conscientização política pelo indivíduo nacional prejudica a consolidação do novo jus gentium em cada nação tornando impossível a inversão da primazia que deve ser dada à razão humana sobre a razão do Estado.

Esta incapacidade reativa da população, aliada ao descaso dos representantes do estado, só têm gerado prejuízos e desapego às crianças e aos adolescentes quanto à necessidade da prática de ações protetivas a eles destinadas. Por esta razão estes ficam à mercê das circunstancias de sua não inserção no cenário de normas internacionais de proteção, também por constantes desrespeitos de seus direitos consagrados

6222

mundialmente os quais deveriam ser reconhecidos e efetivados pelo estado, principalmente na perspectiva de nucleação de áreas do direito que versem e demonstrem preocupação com a proteção integral dos menores.

1 GLOBALIZAÇÃO: AVANÇOS E RETROCESSOS

Inicialmente cabe destacar o que é a globalização. Beck (1998, p.29-30) evidencia que a globalização se concebe como o resultado da interação das distintas lógicas globais, um conjunto de processos cujo desenvolvimento altera a organização econômica, social e política dos Estados em sua relação com atores transnacionais.

É importante destacar que a globalização, assim como o desenvolvimento são inevitáveis "[...] ainda que, a título de retrocesso existam forças políticas e econômicas poderosas por trás dela." Evidente é perceber-se que a globalização está sendo repensada e remodelada. Segundo Stiglitz (2007, p.50) isso se deve em muito aos incidentes ocorridos nos últimos anos, como "[...] o 11 de setembro, a guerra ao terrorismo, a guerra no Iraque e a emergência da China e da Índia foram fatos que redefiniram o debate sobre a globalização [...]".

Um dos avanços decorrente do processo de globalização é o que Falk (2004, p.141) denomina de tecnologia de informação (TICs), mas deve-se ter cuidado para que a informação não traga uma falsa imagem, uma ausência de ideologias em prol do mercantilismo. A informação é dada em tempo real, tanto em países ricos como em países pobres, fazendo com que essas desigualdades econômicas cada vez mais queiram se aproximar. Isso torna as pessoas consumistas assim como pode torná-la objeto de um mundo irreal, nas palavras de Santos (2005, p.18):

A máquina ideológica que sustenta as ações preponderantes da atualidade é feita de peças que se alimentam mutuamente e põe em movimento os elementos essenciais à continuidade do sistema. Damos aqui alguns exemplos. Fala-se, por exemplo, em aldeia global para fazer crer que a difusão instantânea de notícias realmente informa as pessoas. A partir desse mito e do encurtamento das distâncias - para aqueles que realmente podem viajar - também se difunde a noção de tempo e espaços contraídos. É como se o mundo se houvesse tornado, para todos, ao alcance da mão. Um mercado avassalador dito global é apresentado como capaz de homogeneizar o planeta quando, na verdade, as diferenças locais são aprofundadas.

Por este contexto pode-se falar em "as duas faces da globalização". Mas, para melhor elucidar essas faces, dar-se-á uma rápida pincelada na cronologia. Segundo Stiglitz (2007. p.83) "Há cerca de 150 anos, a diminuição dos custos das comunicações e dos transportes deu origem ao fenômeno que pode ser considerado precursor da globalização." No início da década de 1990 a globalização foi saudada com euforia, como sendo a solução para todos os problemas globais, em 1995 foi criada a Organização Mundial do Comércio, dando uma aparência de império da lei ao comércio internacional. No ano de 1999, em Seatle, ocorreu um protesto contra a globalização uma vez que, os trabalhadores da Europa, Estados Unidos e China viam seus empregos e suas conquistas trabalhistas abalados. Posteriormente muitas comissões foram criadas para discutir os mais variados assuntos em torno da globalização.

6223

Como se observa, a globalização econômica avançou mais do que a política. Há uma necessidade de instituições internacionais para enfrentar os desafios propostos pela globalização econômica. Cerca de 80% da população do mundo vive em países em desenvolvimento, com baixa educação, altas taxas de desemprego e conseqüentemente alta pobreza, desrespeito aos direitos humanos e, é justamente para esse percentual da população que a globalização deve funcionar. Deve-ser ter cuidado porque o desenvolvimento abarca todos os aspectos da sociedade, caso contrário,

Um país em desenvolvimento que simplesmente se abre ao mundo exterior não colhe necessariamente os frutos da globalização. Mesmo que seu PIB cresça, o crescimento pode não ser sustentável, ou sustentado. E, mesmo que o crescimento seja sustentado, a maioria de seus habitantes pode piorar de vida. (STIGLITZ, 2007, p.93)

É por esses motivos que existe a necessidade de políticas governamentais fortes e intervencionistas para se buscar a solução do problema. No caso brasileiro, quando esta agressão ocorreu de forma mais intensa durante o meio século (iniciado em 1930), a renda per capita cresceu a uma média de 5,7%. Já a década de 1980 foi uma década perdida, pois a luta contra a inflação, a América Latina se socorreu a empréstimos para com os Estados Unidos, quando Costa Rica, Brasil, México e Argentina suspenderam o pagamento da dívida. Posteriormente as políticas econômicas latino-americanas mudaram radicalmente no sentido de conter a inflação. (STIGLITZ, 2007, p.104-106).

Neste contexto, o papel dos mercados é fundamental, esta ênfase começou a ser dada nos anos 1980, no governo de Regan e Thatcher, após a queda do comunismo e numa reação natural da economia. Mas além dos mercados outro fator é importante qual seja, a pessoa humana que está no cerne do desenvolvimento, é por isso que o governo deve trabalhar as políticas públicas para aprimorar os direitos fundamentais sociais e não permitir enlargecimento de retrocessos na dinâmica de seu papel social.

Para avançar, Segundo Stiglitz (2007, p.104-106) "O governo precisa se envolver no fornecimento de educação básica, estruturas legais, infra-estrutura e de alguns elementos de uma rede de proteção social, e na regulamentação da competição, dos bancos e dos impactos ambientais." Conclui Stiglitz (2007, p. 123) dizendo este ser o tripé que deve ser observado para que a globalização realmente avance mais e dê frutos - mercados, governos e indivíduos - mas, ainda existe um outro - a comunidade - se de forma organizada e corporativa, porque são os membros da comunidade que sabem o que é melhor para sua região. Não que se deva pensar localmente, ao contrário, deve-se pensar local e agir global em busca de uma globalização ideal.

A globalização ideal será aquela que favoreça a inclusão através da dinâmica do mercado, respeitando as diversidades e, não apenas promover a economia de mercado. Precisa-se colocar o homem, os direitos humanos no centro desta relação e não apenas o mercado, haja vista que este milênio, salvo engano, entre para a história como aquele que, além das crianças e adolescentes, negros mulheres, homossexuais, portadores de deficiência, índios e demais outras "minorias", menores inclusive, poderão finalmente, escrever os outros 50% da história humana, pós-globalização, até agora contada e manipulada por alguns homens que insistem em manter esta "outra metade", muito maior, silenciada, calada, sofrida e subjugada.

6224

2 OS DIREITOS HUMANOS

Profunda reflexão marca os anos noventa em escala universal, sobre as bases da sociedade internacional e a formação gradual de uma agenda jurídica internacional para o século XXI. Dessa forma, o final e o início deste novo século representam um período marcado por grandes Conferências Mundiais das Nações Unidas, entre as quais a que deu origem, em 1990, à Cúpula Mundial pelas crianças e a Convenção dos Direitos da Criança as quais se tornaram instrumentos de direito internacional assumindo primazia sobre as legislações nacionais podendo nuclear-se integralmente no Brasil, com os princípios que seriam definidos no Estatuto da Criança e do Adolescente em seguida implementado.

Por meio dessas Conferências tem-se procedido a uma reavaliação global de muitos conceitos à luz da consideração de temas que afetam a humanidade como um todo. Principalmente os atualmente deferidos na Carta da Terra. Denominador comum das discussões têm sido em especial, as condições de vida da população, principalmente os grupos mais desprotegidos. Nesse sentido, segundo Wagner Menezes (2007, p.11) os direitos humanos e suas ramificações vêm conquistando importância e relevo sob o manto das perspectivas do Direito Internacional e formando campos específicos de pesquisa com objeto e princípios determinados. Também por essa razão, a necessidade de se situar os seres humanos, de modo definitivo, no centro de todo o processo de desenvolvimento da sociedade internacional, podendo-se considerar como um dos grandes desafios de nossos tempos, a proteção integral do ser humano menor a partir de uma perspectiva de nuclearização entre o direito internacional e o direito constitucional dos estados.

Neste diapasão reavaliativo, o ano de 2008 foi um ano de comemorações na esfera internacional e nacional dos direitos humanos, com os sessenta anos da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e os vinte anos de Constituição Federal Brasileira de 1988. Diante disso vislumbra-se o efetivo desenvolvimento nos Estados-nações do direito internacional dos direitos humanos, da educação em direitos humanos como solução possível para reverter uma mentalidade de violações maciças que continuam sistematicamente a ocorrer nas mais diversas regiões do globo. Com um efetivo exercício da cidadania mundial e a aplicação da democracia de forma coerente com seus ideais e respeitando o multiculturalismo.

Efetivamente, ultrapassamos o primeiro século de um mundo globalizado, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos conquista uma nova dimensão, apresentando-se como uma proposta universal libertadora. Foi a partir da Declaração de 1948 que se introduziu a concepção contemporânea de Direitos Humanos, quando efetivamente foi desenvolvida a internacionalização desses direitos, mediante a adoção de inúmeros tratados com a finalidade profícua de proteção dos direitos fundamentais. É nesta seara que o Direito Internacional dos Direitos Humanos ganha forma, ou seja, é através da universalização dos tratados de direitos humanos que ocorre internacionalização dos direitos humanos.

2.1 Conceito e fundamento

6225

Antes de se adentrar a análise objetiva sobre o conceito e fundamento dos direitos do homem, faz-se imprescindível, até porque o tema é essencialmente subjetivo, uma análise inicial das diversas abordagens dadas pelos estudiosos do tema (religiosos, filósofos, literatos, poetas, juristas, sociólogos e outros) para os seguintes questionamentos centrais que envolvem o estudo dos direitos humanos, quais sejam: o que é o homem? Por que ele difere dos outros seres?

Várias já foram as explicações para o caráter peculiar do ser humano. A religião, notadamente o cristianismo, amparado nos dizeres bíblicos, sempre pregou que o homem é o ser mais próximo de Deus, pois foi feito por esse próprio Deus à sua imagem e semelhança (Gênesis 1:26 e 27). Tem-se essa confirmação ao longo de diversas outras passagens do Livro Sagrado. No evangelho de Lucas, capítulo 3, versículo 38, encontra-se, na genealogia de Jesus Cristo, que, na mais remota linhagem, Adão, o pai da humanidade, veio de Deus. No salmo 8: 4 e 5, Davi exalta a dignidade de Deus como Criador e menciona: "Que é o homem, que dele te lembres? E o filho do homem, para que o visites? Fizeste-o, no entanto, só um pouco menor do que os anjos e de glória e honra o coroaste".

A partir desse entendimento, Santo Agostinho chega a afirmar que "o homem está num plano intermediário entre os animais irracionais e a Divindade", reconhecendo, portanto, que esse homem, possuidor de uma alma imortal, tem o livre-arbítrio para agir segundo a sua vontade, seja contra ou a favor da lei divina, porém há de ter sempre a consciência de que deve se nivelar por cima, como imagem e semelhança de Deus, e não agir por instinto, tornando-se escravo da sua animalidade (BITTAR, 2004, p. 35; MAGALHÃES, 2002, p.138).

A Filosofia, por sua vez, justifica a singularidade do homem a partir da própria formulação da pergunta "O que é o homem?". Ora, que outro ser é capaz de tomar a si mesmo como objeto de reflexão? Esse fato muito inquietou inúmeros filósofos, principalmente a Sócrates, em razão da célebre fórmula: "conhece-te a ti mesmo!". É dizer, essa racionalidade, peculiar à espécie humana, permite ao homem pensar sua própria existência, questionar seus conhecimentos, refletir sobre os seus atos, dominar certas técnicas, destacar-se sobre os outros animais e, enfim, até dominá-los.

A Literatura clássica também traz sua contribuição na concepção do homem como ser merecedor de uma atenção especial, devido até mesmo a sua natureza contraditória, que sempre despertou curiosidade e discussões entre os intelectuais, chegando Shakespeare (apud MAGALHÃES, 2002, p. 140), na peça Hamlet, a exaltar de forma encantadora:

Que obra-prima, o homem! Como é nobre a sua razão! Como são infinitas as suas faculdades! Como são expressivas e admiráveis a sua forma e o seu movimento! Como pelos seus atos se parece com um anjo! Como pela inteligência se parece com um deus! É a beleza do mundo! O tipo supremo dos seres criados!

Conquanto todas as incoerências naturais do homem, todos estão de acordo em reconhecer que cada ser humano é único e insubstituível, porquanto traz embutido em si um valor próprio, revelador de sua dignidade humana, cuja existência se apresenta de forma singular em todo indivíduo. A própria Ciência, por sua vez, constatou que o homem é o ser mais evoluído que já apareceu na face da Terra desde os primórdios. E assim a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia etc.

6226

Por isso, o homem pode ser então considerado como um fim em si mesmo, de acordo com o pensamento de Kant (1993), ou seja, como destinatário de direitos e garantias fundamentais, pois é portador de uma dignidade e não de um preço, como as coisas em geral, tendo em vista que são os "únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza" (COMPARATO, 2006, p. 1).

Daí surge a primeira concepção de direitos humanos, como forma de assegurar essa condição privilegiada e elementar a todos os indivíduos, a partir do respeito à igualdade e à dignidade de cada ser humano. Nesse sentido, faz-se inteiramente pertinente a observação de Flávia Piovesan (2009, p. 47-48):

A ética dos direitos humanos é a ética que vê no outro um ser merecedor de igual consideração e profundo respeito, dotado do direito de desenvolver as potencialidades humanas, de forma livre, autônoma e plena. É a ética orientada pela afirmação da dignidade e pela prevenção ao sofrimento humano.

Feitas essas breves considerações, surgem as primeiras dificuldades relacionadas à teoria dos direitos humanos, quais sejam: conceituá-los e fundamentá-los.

É muito comum, quando se fala em direitos humanos, ouvir-se conceitos um tanto quanto imprecisos, do tipo "são aqueles direitos garantidos a cada indivíduo exclusivamente por sua natural condição de integrante do gênero humano", ou "são os que cabem ao homem enquanto homem", ou "são aqueles que pertencem, ou deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais nenhum homem pode ser despojado", ou ainda "são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização, etc., etc." (BOBBIO,1992, p. 17).

Como se pode observar, tais definições pecam por reproduzir sempre a mesma coisa, apenas de formas diferentes, ou seja, são conceitos que se constituem a partir de um raciocínio que apenas repete com outras palavras o que se pretende demonstrar, desembocando, ao final, em um ciclo vicioso, em que se acaba não definindo, de maneira satisfatória, os chamados direitos humanos.

Para Celso Mello (1997, p. 15), os direitos humanos têm três fundamentos: o direito natural, as teorias contratualistas e a noção de direito subjetivo.

O direito natural pode ser considerado, em linhas gerais, como "o conjunto de normas resultantes da natureza racional e social do homem que preexiste ao direito positivo" (MELLO, 1997, p. 16). Apesar de bastante criticada, a ideologia do direito natural veio desenvolvendo-se desde a Antigüidade, sempre colocando o homem no centro da discussão, como ser passível de proteção e portador de certos direitos imutáveis, como a igualdade e a liberdade, que poderiam ser opostos, por estarem ligados diretamente à natureza do homem, até mesmo contra as normas positivadas no ordenamento jurídico vigente em cada Estado.

As teorias contratualistas, por sua vez, seja no enfoque absolutista, dado por Hobbes, ou liberal, conferido por Locke e Kant, permitiram a emancipação política do homem, vinculando-se ao jusnaturalismo e fortalecendo os direitos humanos.

6227

Por fim, chega-se ao entendimento de que toda pessoa na sua individualidade é titular de uma série de direitos, próprios de cada um, particulares, que podem ser exercidos legalmente. São os direitos subjetivos, que também são apontados por diversos doutrinadores como um dos alicerces dos direitos humanos.

Pela simples leitura dos conceitos e dos fundamentos mencionados acima, nota-se que todos deixam lacunas geram incertezas e questionamentos, abrem espaço para críticas e não respondem satisfatoriamente ao que se pretende alcançar com os direitos humanos.

Isso acontece porque, por mais que se procure justificar a existência de direitos humanos, como forma de convencer aqueles que ainda não os reconhecem de que esses direitos devem ser assegurados a todos os indivíduos, a busca de um fundamento idôneo acaba sempre por desaguar no ilusório fundamento absoluto, aquele que é tão irresistível e tão irrefutável, quanto descabido.

Na lúcida visão de Bobbio (1992, p.20), há algumas dificuldades relacionadas aos direitos humanos que impedem a construção de um fundamento absoluto. A primeira delas, que já foi abordada acima, é a impossibilidade de se dar uma noção precisa do que venha a ser esses direitos. Em segundo lugar, os direitos do homem são direitos históricos, que se modificaram e continuam a se modificar de acordo com os carecimentos e interesses de determinadas épocas e civilizações. Outro aspecto a ser levado em conta é o caráter heterogêneo dos direitos em pauta, ou seja, a maioria dos direitos tidos como fundamentais entram em concorrência com outros direitos fundamentais, devendo um deles prevalecer no caso concreto, sujeitando o outro a uma natural restrição.

Diante dessas dificuldades, não se faz proveitoso encompridar a discussão filosófica em torno dos fundamentos dos direitos humanos, como se isso fosse levar ao reconhecimento desses direitos, até porque, no estágio atual desenvolvido em que se encontram as relações internacionais, não há mais espaço para divagações desse tipo, fazendo-se indispensável, outrossim, garantir a proteção e a plena efetivação desses direitos, não mais a sua fundamentação.

Conclui-se, pois, que todos esses conceitos e bases dos direitos humanos, ventilados por diversos autores, mesmo não sendo perfeitos ou plenamente esclarecedores, serviram para convencer a comunidade internacional da sua existência, partindo-se para um segundo passo, uma segunda conquista, ainda em lento processamento, que é fazê-los valer na prática, garanti-los nos diversos casos concretos.

Para Bobbio (1992, p.24), o problema do fundamento dos direitos humanos foi resolvido com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas, a figurar como prova única do consenso geral acerca da fundamentação, reconhecimento e validade desses direitos, partilhados comumente por toda a humanidade. Nesse sentido, sintetiza o citado autor:

Deve-se recordar que o mais forte argumento adotado pelos reacionários de todos os países contra os direitos do homem, particularmente contra os direitos sociais, não é a sua falta de fundamento, mas a sua inexeqüibilidade [...] O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los [...] Não se trata de encontrar o fundamento absoluto - empreendimento sublime, porém

6228

desesperado -, mas de buscar, em cada caso concreto, os vários fundamentos possíveis. (BOBBIO, 1992, p. 24)

Dessa forma, fica evidenciada a superação da discussão acerca dos conceitos e fundamentos dos direitos do homem, mormente com a ratificação, por inúmeros países, de diversos documentos internacionais sobre o tema, revelando a preocupação da humanidade em proteger e efetivar esses direitos.

2.2 Precedentes históricos

Não há como precisar uma data exata como sendo o marco do surgimento dos direitos humanos no mundo. No entanto, eles começam a aparecer com a necessidade de proteção que cada pessoa sente. Direito implica diretamente proteção, limite, ou seja, quando se diz que o sujeito "A" tem direito à liberdade, significa dizer que "B" não pode privar "A" de sua liberdade. "A" está protegido, "B" está limitado.

Desde que se tem registro da existência do homem na Terra, sabe-se que ele sempre procurou se defender contra qualquer tipo de ameaça, sempre tentou preservar sua espécie, mesmo que de forma desorganizada, e sempre lutou contra injustiças, em busca de evoluir.

Na Grécia Antiga, alguns filósofos, mais notadamente os sofistas, pela voz de Alquidam, combatiam, já naquela época, a escravidão, afirmando que "os deuses nos fizeram livres a todos; a ninguém escravo" (SOUZA, 2003, p. 31).

No entanto, verifica-se que a história dos direitos humanos começa na Baixa Idade Média (mais precisamente nos séculos XII a XIII), em que se intentou, primeiramente, impor limites ao poder dos governantes. Foi contra essa concentração de poder que surgiram as primeiras manifestações de insatisfação com as injustiças, principalmente na Inglaterra, do que resultou a Magna Carta de 1215.

O século XVII também trouxe grandes conquistas como a Lei de Habeas Corpus (1679) e a Declaração de Direitos ("Bill of Rights", de 1689), que começa a fortalecer a idéia de governo representativo, embrionário dos ideais de soberania popular.

Contudo, costuma-se dizer que o nascimento dos direitos humanos na História se deu com a Declaração de Independência dos Estados Unidos e o reconhecimento, então revolucionário, de que todos os homens são iguais pela sua própria natureza e possuem a titularidade de certos direitos individuais, dentre eles a liberdade.

Treze anos depois, com a Revolução Francesa, divulgou-se aos quatro cantos do mundo o famoso lema liberdade, igualdade e fraternidade, fazendo surgir a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que até hoje representa uma das fontes primárias dos direitos humanos.

6229

Em contrapartida, observa-se, no cenário internacional da época, um empobrecimento das massas proletárias. Inicia-se, então, uma tímida reivindicação pelo reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social, que seriam acatados mais amplamente após a Revolução Industrial (na segunda metade do século XVIII).

A partir de então, os direitos humanos, mesmo que timidamente, começam a sua fase de internacionalização, fundando-se na luta contra a escravidão, a favor da regulação dos direitos dos trabalhadores assalariados e em prol do direito humanitário. Este último constitui a procura pelo mínimo de observância e proteção aos direitos fundamentais, mesmo na hipótese de conflitos armados, poupando do confronto os civis, os feridos, os doentes, os prisioneiros e fixando limites à atuação dos Estados.

Nesse contexto, destacam-se a Convenção de Genebra de 1864, que deu ensejo à formação da Comissão Internacional da Cruz Vermelha (em 1880). A própria Convenção de Genebra foi revista posteriormente para encampar a luta contra a escravatura e a regulamentação do tratamento de prisioneiros de guerra. Em seguida, a Conferência de Bruxelas de 1890 firmou as primeiras regras de repressão ao tráfico de escravos africanos (COMPARATO, 2006).

Após a destruição causada pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), surge a Liga das Nações, primeira organização internacional criada com o intuito de promover a cooperação, a paz e a segurança internacional, estabelecendo sanções econômicas e militares a serem impostas pela comunidade internacional contra Estados que violassem a integridade territorial e a independência política dos seus membros.

Paralelamente a tudo isso, nasce a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com a finalidade pungente de promover padrões globais mínimos para as condições de trabalho e "bem-estar social", ideais impulsionados com grande ênfase pelo legado do socialismo e pelas reivindicações dos desprivilegiados. Porém, o processo de aceleração da internacionalização e do reconhecimento dos direitos humanos na História dar-se-ia mesmo com o fim da Segunda Guerra Mundial.

3 O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E SUA VALIDADE

Trindade (2007, p.210) conceitua o Direito Internacional dos Direitos Humanos assim:

Entendo o Direito Internacional dos Direitos Humanos como o corpus juris de salvaguarda do ser humano, conformado, no plano substantivo, por normas, princípios e conceitos elaborados e definidos em tratados, convenções e resoluções de organismos internacionais, consagrando direitos e garantias que têm por propósito comum a proteção do ser humano em todas e quaisquer circunstâncias, sobretudo em suas relações com o poder público e, no plano processual, por mecanismos de proteção dotados de base convencional ou extraconvencional, que operam essencialmente mediante os sistemas de petições, relatórios e investigações nos planos tanto global como regional. Emanado do Direito Internacional, este corpus júris de proteção adquire

6230

autonomia, na medida em que, regula relações jurídicas dotadas de especificidade, imbuído de hermenêutica e metodologia próprias.

Desse modo, o direito internacional dos direitos humanos prima sempre pela proteção internacional dos direitos humanos nas mais diversas situações. Ainda que a declaração tenha sido preparada em momento histórico no qual os Estados reafirmaram não terem as Nações Unidas em geral ou a Comissão poderes para agir em relação às queixas contra violações de direitos humanos e não se dispusessem a aceitar obrigações decorrentes de tratados internacionais nessa matéria, é considerado de forma tal que é um documento ímpar ao reagir à barbárie produzida pelos regimes políticos totalitários no contexto da Segunda Guerra Mundial.

O âmbito de validade e aplicação do direito internacional dos direitos humanos se estende também em relação a terceiros (não apenas na relação jurídica de cidadãos com seus Estados). E praticamente todas as normativas que compõem o direito internacional dos direitos humanos no nível global e regional colocam em seu preâmbulo o reconhecimento de que esses direitos decorrem do princípio da dignidade humana, confirmando a intenção original da Declaração Universal de 1948 e confirmada na Declaração de Viena em 1993. Mas que não param aí, e sim continuam neste século XXI rumo à universalização dos direitos humanos, proposta na Carta da Terra de 2000.

Inaugura-se o direito internacional dos direitos humanos, onde todo indivíduo é cidadão do mundo. O ser humano é considerado um membro de uma sociedade de dimensões mundiais. E, por isso os Estados parecem caminhar para um consenso universal na busca de convalidar um direito comum da humanidade. Onde a universalização do Direito Internacional dos Direitos Humanos está baseada em princípios, principalmente no da dignidade humana, mas ainda nos princípios da universalidade, da integridade e da indivisibilidade dos direitos protegidos e também da complementaridade dos sistemas e mecanismos de proteção, sempre prevalecendo a norma - de origem interna ou internacional - que melhor proteja o indivíduo no caso concreto. (TRINDADE, 2007, p. 212).

4 OS DESAFIOS DO DIDH E GLOBALIZAÇÃO DA CIDADANIA

O direito internacional dos direitos humanos é um tema emergente no cenário internacional, a necessidade de acesso da pessoa humana à justiça no plano internacional para que ocorra o fortalecimento do processo de jurisdicionalização da proteção internacional dos direitos humanos.

Um dos grandes desafios da dimensão internacional dos direitos humanos é o fato desse movimento ser muito recente na história, ou seja, a partir do pós-guerra, e ainda, por ter surgido como resposta às barbáries cometidas durante o nazismo. E mais, o direito internacional dos direitos humanos precisa ser tratado tanto pelos atores estatais, como pelos não-estatais, convertendo-se em tema de interesse da comunidade internacional, da comunidade global. Mas, este desafio renova o fôlego com a criação do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, renasce o sonho do

6231

fortalecimento do sistema internacional de proteção e promoção dos Direitos Humanos.[1]

Outro desafio que nos circunda, mas que representa o ponto de partida é o diálogo universal, iniciado pelo recente ciclo de Conferências Mundiais na tentativa de dispensar um tratamento equânime às questões que afetam a humanidade, ou seja, na proteção dos direitos humanos, na realização da justiça, na preservação ambiental, no desarmamento, na segurança humana, na erradicação da pobreza, na superação das disparidades mundiais. (TRINDADE, 2007, p 231).

Este ciclo de Conferências Mundiais vem formar a agenda internacional do século XXI,

[...] para cuja implementação ainda não se reestruturaram as organizações internacionais. Seu denominador comum tem sido a atenção especial às condições de vida da população (particularmente dos grupos vulneráveis, em necessidade especial de proteção), - conformando o novo ethos da atualidade, - daí resultando o reconhecimento universal da necessidade de situar os seres humanos de modo definitivo no centro de todo processo de desenvolvimento.

Como se observa muito trabalho ainda deve ser feito para buscar a superação das contradições do mundo em que vivemos para dar eficácia aos mecanismos de proteção dos direitos humanos. Assim, a par das incertezas e contradições que nos circundam, próprias da nova era, Sidney Guerra (2008, p.177) diz: "Vale, portanto, acentuar a discussão sobre o desenvolvimento e assimetrias globais como um dos grandes desafios para os Direitos Humanos na ordem global." Note-se que Julios-Campuzano (2008, p. 45-46) é taxativo neste sentido quando aborda a questão da cidadania e da globalização, onde "A globalização da cidadania entranha uma transnacionalização da política, em busca de soluções eficazes a questões que não podem ser resolvidas seguindo-se o caminho que proporciona o modelo estatal.

Piovesan (2009, p. 350) argumenta que, além disso, a ação política internacional e a publicidade têm auxiliado na violação de direitos humanos. Essas estratégias fortalecem o sistema de implementação dos direitos humanos e publiciza os acontecimentos mundiais para que a discussão se torne global e consequentemente as decisões mais unânimes, mais eficientes, demonstrando a implementação dos tratados e instrumentos internacionais de proteção.

Mas, independente deste controle internacional ou do vasto rol de direitos, o direito internacional dos direitos humanos vem redefinir o próprio conceito de cidadania no âmbito brasileiro. Uma vez que o sujeito de direitos é sujeito de direito internacional e, com isso a gama de direitos protegidos deste cidadão se amplia do plano nacional ao plano internacional,

Conseqüentemente, o desconhecimento dos direitos e garantias internacionais importa no desconhecimento de parte substancial dos direitos da cidadania, por significar a privação do exercício de direitos acionáveis e defensáveis na arena internacional. (PIOVESAN, 2009, p.351).

6232

Segundo Piovesan (2009, p. 351) deve-se enfatizar que, o exercício efetivo dos direitos humanos nacionais e internacionais é a realização plena dos direitos da cidadania. Cidadania esta que consiste, segundo Martín (2005, p. 45) em três elementos, quais sejam, pertencer a uma comunidade política determinada; um cidadão que contribua para a vida política desta sociedade; e, a posse de certos direitos e deveres determinados.

5 A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS, AS MATIZES DA CARTA DA TERRA E A PERSPECTIVA UNIVERSALISTA

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, elaborada pela Comissão de Direitos Humanos, após quase três anos de trabalhos e o exame de treze anteprojetos, em 18 de junho de 1949 apresentou à Assembléia Geral das Nações Unidas sua versão final.

5.1 A declaração dos direitos humanos

Além de confirmada na Declaração de Viena em 1993 a Declaração Universal foi revista pela Conferência de Direitos Humanos de Teerã em maio de 1968 e declarada obrigatória para a comunidade internacional, além do apelo para aceitação dos Pactos de Direitos Humanos Civis e Políticos e Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, este último versando em seu art. 12 sobre o desenvolvimento das crianças.

Versa o texto ratificado em 1948 sobre o ser humano e a universalidade dos Direitos Humanos em seu artigo VII:

Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

e no artigo XXV:

Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice e outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

A Declaração Universal visa nesses dispositivos enaltecer o valor e as formas de proteção quanto ao tratamento que deve ser dispensado a todo ser humano. Assim, o marco histórico maior dos Direitos Humanos, deve-se a esta Comissão, que nos últimos anos tem sido alvo de severas críticas o que levou a sua dissolução e a criação de um novo órgão: o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

6233

Daí a convicção do grandioso desafio, pois esta nova visão perpassa ainda por muitos obstáculos, já que através do Conselho, renasce o sonho do fortalecimento do sistema internacional de proteção e promoção dos Direitos Humanos. Porém, para tal desiderato, é preciso que as atividades desse novo órgão afastem-se dos vícios amplamente criticados nos últimos anos da Comissão.

Por conseguinte, nos é possível concluir que a criação do Conselho representa um grande progresso internacional no tocante à gestão dos Direitos Humanos e resolve, satisfatoriamente, muitos dos problemas existentes com relação ao regime anterior da Comissão. Mas para que ele não passe de uma mera utopia há a necessidade de mudança, pois de nada irá adiantar substituir um órgão pelo outro, se os países que compõem o Conselho não colocarem, efetivamente, a proteção aos Direitos Humanos acima dos interesses geopolíticos e econômicos.

Em nossos dias o direito internacional dos direitos humanos vem sendo marcado de forma diferenciada. Existe uma tentativa positiva de tornar todos "cidadãos de direito", inclusive aqueles não assim reconhecidos pelo ordenamento jurídico interno de cada Estado. É uma tentativa de garantir o mínimo a cada um e a todos. É uma nova reconstrução dos direitos humanos que, nas palavras de Trindade: (2007, p.229)

esta construção da moderna "cidadania" se insere assim, inelutavelmente, no universo conceitual dos direitos humanos, e se associa de modo adequado ao contexto mais amplo das relações entre os direitos humanos, a democracia e o desenvolvimento, com atenção especial ao atendimento das necessidades básicas da população (a começar pela superação da pobreza extrema) e à construção de uma nova cultura de observância dos direitos humanos.

5.2 As matizes da Carta da Terra para os menores

A Carta da Terra, iniciada em 1977 e concluída em março do ano de 2000 em Paris e lançada em junho na Haia, trata-se de uma declaração de princípios fundamentais para a construção de uma sociedade global neste século, justa, sustentável e pacífica. Enaltece um compromisso global compartilhado pelo bem-estar da família humana e de todos em geral. Prega a proteção dos direitos humanos e o desenvolvimento humano equitativo num cenário de paz interdependentes e inseparáveis.

A Carta da terra resulta de um processo nucleativo composto pela sabedoria das grandes religiões e tradições filosóficas do mundo, declarações e relatórios das sete conferências de cúpula das Nações Unidas dos anos 1990 e principalmente grande número de declarações e tratados dos povos feitos durante os últimos trinta anos, compilando também as melhores práticas para a criação de comunidades sustentáveis.

Como principais matizes têm-se: no mundo globalizado o surgimento de uma sociedade civil global criadora de novas oportunidades para construção de um mundo democrático e humano, erradicadora da pobreza como imperativo ético e social. Construção de sociedades democráticas, justas, participativas, sustentáveis e pacíficas, promovedoras da distribuição equitativa das riquezas. Nestas sociedades deve-se

6234

assegurar às comunidades a garantia dos direitos humanos e as liberdades fundamentais. Promover a justiça econômica e social e oferecer a todos, especialmente crianças e jovens, oportunidades educativas que lhes permitam contribuir ativamente para o desenvolvimento sustentável. Por fim, cumprir com suas obrigações respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos princípios da Carta da Terra em busca da alegre celebração da vida.

5.3 A perspectiva universalista

Permeando o conteúdo da Carta da Terra a perspectiva universalista. Esta perspectiva se fincada em sede de teoria própria só vem a robustecê-la. A teoria universalista defende com convicção a existência e validade de normas internacionais protetoras do valor da dignidade humana, pois esses valores são intrínsecos à condição humana e já foram reconhecidos por diversos Estados. Para os adeptos desta corrente, há uma espécie de "mínimo ético irredutível", ou seja, por maior e por mais legítima que seja a diversidade cultural, haverá sempre um núcleo de valores dos quais a comunidade internacional não pode lançar mão, sob pena de convalidar eventuais violações a direitos humanos e deixar impunes os Estados agressores, imersos confortavelmente no refúgio do relativismo cultural.

Na lição de Boaventura de Souza Santos (2008, p.17), faz-se preciso superar essa discussão sobre universalismo e relativismo cultural, a fim de que haja uma transformação da concepção e da prática dos direitos humanos, de um localismo globalizado, num projeto cosmopolita insurgente, em que esses direitos passem a ser vistos como interculturais, de forma a livrar a universalidade dos direitos humanos de uma visão sempre abstrata, como choque civilizatório ou guerra do Ocidente contra o resto do mundo

6 DOUTRINA E PERSPECTIVAS EFETIVADORAS DA PROTEÇÃO INTEGRAL AO MENOR

Sabe-se que a menoridade é defesa pela lei civil e penal. Desta forma a concepção do termo "menor" varia de país a país. O quadro a seguir ilustra por meio da faixa etária a condição de menor em alguns países, o que leva a crer que políticas de proteção ao menor devem ser efetivadas de forma diferenciada. Até porque as regras internacionais não fixam tempo taxando com qual idade o menor é menor e precisa de proteção, tarefa, portanto, de cada país.

Quadro ilustrativo de maioridade penal em alguns países do mundo

IDADE PAÍS 6 a 18 Anos Estados Unidos da América 7 Anos África do Sul, Nigéria, Sudão, Tanzânia, Bangladesh, Índia, Paquistão

e Tailândia 8 Anos Escócia e Indonésia

6235

9 Anos Filipinas e Irã (mulheres) 10 Anos Inglaterra e Ucrânia 11 Anos México e Turquia 12 Anos Uganda e Coréia do Sul 13 Anos França, Polônia e Argélia 14 Anos Alemanha, Rússia e Japão 15 Anos Dinamarca, Finlândia, Noruega, Suécia e Irã (homens 16 Anos Argentina, Chile 18 Anos Brasil, Colômbia, Peru.

Fonte: UNICEF 2005. Fundo das Nações Unidas para a Infância.

6.1 A doutrina de proteção integral

A doutrina de proteção integral é marcada pela mudança de paradigma, pois substitui a doutrina da situação irregular, que se limitava a tratar daqueles enquadrados no artigo 2° do Código de Menores, ou seja, no modelo pré-definido de situação irregular. A proteção integral é estabelecida no artigo 227 da Constituição da República. Segundo Amin (2008, p.12) a doutrina na proteção integral é fundada em três pilares: "1°) reconhecimento da peculiar condição da criança e jovem como pessoa em desenvolvimento, titular de proteção especial; 2°) crianças e jovens têm direitos à convivência familiar; 3°) as Nações subscritoras obrigam-se a assegurar os direitos insculpidos na Convenção com absoluta prioridade." Eis a perspectiva de se nuclear direitos.

Tal doutrina encontra-se consubstanciada na Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente da Organização das Nações Unidas. Mas, o Brasil trouxe expresso no artigo 227, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, nos seguintes termos: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

6.2 Perspectivas efetivadoras da proteção integral ao menor

Como forma de regulamentação e busca de efetividade à norma constitucional, os novos direitos infanto-juvenis foram disciplinados com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, microssistema aberto de regras e princípios. Além de garantir um complexo conjunto de direitos a nova doutrina trouxe aos direitos da criança e do adolescente o status de prioridade absoluta, bem como, uma ampla garantia de proteção. Então, a criança e o adolescente são sujeitos de direito, protegidos por lei e em desenvolvimento.

6236

É, portanto, a doutrina da proteção integral a base configuradora de todo um novo conjunto de princípios e normas jurídicas voltadas à efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, que traz em sua essência a proteção e a garantia do pleno desenvolvimento humano reconhecendo a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento e a articulação das responsabilidades entre a família, a sociedade e o Estado para a sua realização por meio de políticas sociais públicas. Segundo Amin (2008, p.14) "Pela primeira vez, crianças e adolescentes titularizam direitos fundamentais, como qualquer ser humano."

Neste contexto é preciso garantir efetividade à doutrina da proteção integral. O artigo 98 da Lei 8.069/90 delimita o campo de atuação do Juiz da Infância na área não infracional. Já o poder municipal é o executor da política de atendimento a criança ou adolescente, conforme prevê o artigo 88, I, do Estatuto da Criança e Adolescente. É a descentralização político-administrativa feita através da criação de conselhos municipais e a manutenção de programas de atendimento da criança e ao adolescente. Segundo Amin (2008, p.15):

Agora é a própria sociedade através do Conselho Tutelar que atua, diretamente, na proteção de suas crianças e jovens, encaminhando à autoridade judiciária os casos de sua competência e ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente.

Diante do novo contexto jurídico-político constituído a partir da incorporação da doutrina da proteção integral, a violação dos direitos infanto-juvenis assumiu uma nova centralidade. É a centralidade local para a realização de políticas públicas. É por meio de ações locais que se atingirá o global, é o que se passa a analisar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Balanço que se pode apresentar em decorrência da globalização vincula-se ao processo de transformação do Estado contemporâneo e o declínio do Estado-Nação podendo-se identificar como conseqüências o desenvolvimento do comércio internacional; as crises nas economias; endividamento dos estados para atender demandas sociais; desenvolvimento tecnológico e aniquilamento da cultura; fortalecimento das instituições internacionais (FMI, OMC, ONU, BID); relativização da soberania (não podemos fixar políticas públicas sem considerar os acordos internacionais); desterritorialização da política (só se reduziu a inflação de 100 anos depois que o Brasil se integrou à ordem econômica internacional); dependência de relações comerciais internacionais; desenvolvimento das relações supranacionais; poder hegemônico das organizações transnacionais, desrespeito aos direitos humanos

Claro que o Brasil também compartilha de desafios como a proteção do ser humano e do meio ambiente, da segurança e do desenvolvimento humano, da realização da justiça social e erradicação da pobreza e superação das desigualdades em relação a outros países. Porém, a dinâmica que envolve as relações internacionais entre os estados, inclusive o Brasil deve ser fixada no ambiente de uma consciência jurídica universal. E isso é o que se espera a partir do exercício de solidariedade entre as nações,

6237

principalmente nos aspectos do comércio, do meio ambiente e dos direitos do homem, este dotado de mundialidade.

Quanto aos problemas, no espólio da sociedade capitalista, nesse período de globalização, identifica-se o surgimento de estruturas sociais e políticas injustas; coexistência num mesmo espaço geográfico de ilhas de prosperidade em meio a oceanos de miséria (pobres se transformam em indigentes e ricos em magnatas); desemprego massivo e estrutural; violência urbana; conflitos entre grupos armados; narcotráfico; tráfico de seres humanos; crescentes migrações; redução de salários reais.

Por fim, com o final da guerra fria e o inicio da segunda metade do século XX, a agenda mundial do direito internacional voltou suas atenções de modo especial às condições de vida da população com destaque nos desprotegidos e na perspectiva de inserção dos seres humanos no cenário do processo de desenvolvimento.

Agora, no tocante às perspectivas que se pode vislumbrar quanto a efetiva proteção integral do menor, em matéria de direitos humanos, ao fim e ao cabo deste breve relato pode-se afirmar que: a mais importante deve-se a necessidade de se nuclear todos os dispositivos das legislações internacionais e nacionais (constitucionais e infraconstitucionais) centralizado-os na realização de políticas públicas locais. Com isto espera-se, em passo seguinte, contribuir para o respeito aos direitos humanos universais infanto-juvenis preparando-os para construção de um mundo sustentável, fortificando o processo nucleativo (sabedoria, religiões, tradições filosóficas, declarações, relatórios, conferências e melhores práticas comunitárias) que fundamenta a Carta da Terra. Bom enaltecer que o comportamento ético quanto ao cumprimento e o respeito aos acordos internacionais existentes são perspectivas jurídicas que podem fazer a diferença e contribuir para a celeridade da proteção integral do menor.

REFERÊNCIAS

AMIN, Andréa Rodrigues. Doutrina da Proteção Integral. In: MACIEL, Kátia (coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

BECK, Ulrich. ¿Qué es la globalización? Falacias del globalismo, respuestas a la globalización. Barcelona: Paidós, 1998.

BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de filosofia do direito. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. 8. Ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BORON, Atílio A. Estado, capitalismo y democracia en América Latina: a transição para a democracia na América Latina - problemas e perspectivas. Buenos Aires: CLACSO, 2003.

6238

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

DUPAS, Gilberto. Nações e poder global no início do século XXI: O panorama internacional do poder e o metajogo global. Brasília: Funag, 2007.

FALK, Richard. Uma matriz emergente de cidadania: complexa, desigual e fluida. In: BALDI, César Augusto. Direitos humanos na sociedade cosmopolita. São Paulo: Renovar, 2004.

GUERRA, Sidney. Direitos humanos na ordem jurídica internacional e reflexos na ordem constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008.

JULIOS-CAMPUZANO. Alfonso De. Os desafios da globalização: modernidade, cidadania e direitos humanos. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2008.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Col. Os pensadores. São Paulo: Abril, 1993.

MAGALHÃES, Glauco Barreira, Filho. Hermenêutica e unidade axiológica da constituição. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

MARTÍN, Nuria Belloso. Os novos desafios da cidadania. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2005.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direitos humanos e conflitos armados. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.

MENEZES, Wagner. Direito internacional na América latina. Curitiba: Juruá, 2007.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 10 ed. - São Paulo: Saraiva, 2009.

SANTOS, Boaventura. Socialismo no século 21. Jornal Folha de São Paulo de 07 de junho de 2008. Disponível em www1.folha.uol.com.br/fsp/opinião/fz0706200709.htm Acessado em 08 de março de 2009.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 12. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005.

SOUZA, Oscar d'Alva e, filho. Polis grega & práxis política. 3. ed. Fortaleza: ABC, 2003.

STIGLITZ, Joseph E. Globalização: como dar certo. Tradução de Pedro Maia Soares. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Desafios e conquistas do direito internacional dos direitos humanos no início do século XXI. In: MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de (Org.). Desafios do direito internacional contemporâneo. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2007.

6239

[1] A Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas vinha sendo alvo de ferrenhas críticas, acusada de seletividade e de uma excessiva politização. Esta politização traz a desigualdade no trato de questões idênticas. Conseqüentemente, muitos países faziam parte da Comissão de Direitos Humanos apenas para se auto-proteger e evitar repreensões. Os aspectos históricos demonstram uma tendência de condenação aos pequenos países e de raras punições contra as grandes potências influentes. Por tais razões, a Comissão de Direitos Humanos - assim como o Conselho de Segurança - caiu em descrédito, e teve sua crise agravada após a invasão dos EUA ao Iraque em 2003. Foram meses de discussões no Conselho na tentativa de obter autorização para atacar o Iraque em 2003, sob a acusação de que o país árabe possuía armas de destruição em massa, o que acabou acontecendo sem o aval dos demais integrantes do órgão. Em decorrência disso, a credibilidade da própria ONU foi minada, pois sempre defendeu a negociação antes de uma efetiva intervenção. Assim, após ter entrado em descrédito, a Comissão de Direitos Humanos, depois de passar por um intenso processo de reforma e avaliação de sua efetividade nos últimos sete meses, teve seu fim decretado no dia 15 de março de 2006, quando se abriu o caminho à criação de um novo organismo da ONU, qual seja o Conselho de Direitos Humanos.

6240